Curso e Colégio Energia – Rio do Sul/Lages Obras Literárias – Vestibular 2008 – Profª Marilene Maria Schmidt Goebel BAGAGEM - ADÉLIA PRADO “Eu sempre sonho que uma coisa gera, / nunca nada está morto. / O que não parece vivo, aduba. / O que parece estático, espera” (Do poema “Leitura” – O Modo Poético)
“Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado para mulher, esta espécie ainda envergonhada”. Adélia Prado aceitou a sina. Nascida em Divinópolis, 1935 (onde reside até hoje), a poeta só publicou o primeiro livro, Bagagem, aos quarenta anos quando já era mãe de cinco filhos. Formada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, Adélia, então com 38 anos, tornou-se o xodó do escritor Carlos Drummond de Andrade que, lendo os poemas com entusiasmo, classificou-os como “fenomenais”. Ainda impressionado pela beleza do que lia, Drummond escreveu, em 1975, uma crônica para o Jornal do Brasil chamando a atenção para o trabalho ainda inédito da escritora mineira. A própria autora definiu assim sua estréia: "Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando." São esses os sentimentos que permeiam os versos de Adélia ao longo do livro. Ou melhor: da vida dessa mineira plural que, além de publicar mais de 20 livros, entre poesia e prosa, dedicou-se à direção do grupo teatral “Cara e Coragem”. O reconhecimento veio em 1978, com o livro O coração disparado, ganhador do Prêmio Jabuti. Em meio a tanta evasão criativa, poemas com cheiro de mato, religiosidade aflorada, vizinhos e personagens que nascem da pequena Divinópolis, Adélia parece viver e criar do cotidiano. “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.” Felizmente, Adélia Prado aceitou a sina. Escreve sonetos desde os 14 anos. Adélia Luzia Prado Freitas é uma escritora brasileira. Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela sua fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade: "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis Professora por formação (Filosofia), exerceu o magistério durante 24 anos, até que sua carreira de escritora tornou-se sua atividade central.Em termos de literatura brasileira, o surgimento de Adélia representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, ainda que maternal, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa; por isso sendo considerada como a que encontrou um equilíbrio entre o feminino (natureza intrínseca) e o feminismo (movimento agressivo), cujos conflitos não aparecem em seus textos. Lido e recebido com empolgação por Carlos Drummond de Andrade - que indicou a publicação do livro-,Bagagem foi escrito num entusiasmo de fundação e descoberta.Emoções que,para a autora,são inseparáveis da criação ainda nascidas,muitas vezes,do sofrimento.Os poemas também mostram sua profunda religiosidade,que pode nascer do impacto da leitura de um texto sagrado,de um olhar amoroso sobre um personagem ou da observação das coisas simples da natureza. Sobre o processo de criação do livro, Adélia esclarece: “Os poemas praticamente irromperam, apareceram cargas e sobrecargas de poemas. Eu escrevia muito neste período, e quando vi que o volume tinha uma unidade, que ele não era apenas uma coleção de poemas, pois tinha uma fala peculiar, dele próprio, entre outros títulos que me ocorreram, Bagagem era o que resumia, para mim, aquilo que não posso deixar ou esquecer em casa. A própria poesia.” OBRAS: POESIA:- Bagagem, Imago – 1976 / - O coração disparado, Nova Fronteira – 1978 / - Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira – 1981 / - O pelicano, Rio de Janeiro – 1987 / - A faca no peito, Rocco – 1988 / - Oráculos de maio, Siciliano - 1999 PROSA:- Solte os cachorros, Nova Fronteira – 1979 / - Cacos para um vitral, Nova Fronteira – 1980 / - Os componentes da banda, Nova Fronteira – 1984 / - O homem da mão seca, Siciliano – 1994 / - Manuscritos de Felipa, Siciliano – 1999 / - Filandras, Record – 2001 / ANTOLOGIA:Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira – 1978 / Palavra de Mulher, Fontana – 1979 / Contos Mineiros, Ática – 1984 / Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano e A faca no peito). / Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994. Prosa Reunida, Siciliano – 1999.
BAGAGEM – ADÉLIA PRADO – RESUMO E ANÁLISE OBRA DA UFSC / UDESC e ACAFE 1ª edição – 1976 (está na 22ª edição – Record - 2006) LITERATURA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA TEMAS: COTIDIANO / RELIGIOSIDADE / LEMBRANÇAS DO PASSADO / NATUREZA / AMOR LIVRO DE POESIA – DIVIDIDO EM CINCO PARTES: O MODO POÉTICO: Com Licença Poética / Poema com absorvência no totalmente perplexas de Guimarães Rosa) / Agora, ó José / Leitura / No meio da noite / um salmo / Impressionista / (entre outros) UM JEITO E AMOR: O sempre amor / A serenata / Um jeito / (entre outros) A SARÇA ARDENTE- I:Janela / Epifania /Ensinamento / Chorinho Doce / (entre outros) A SARÇA ARDENTE – II: Insônia / Fé / O retrato / O sonho / As mortes sucessivas / (entre outros) ALFÂNDEGA: ( com um único poema – de mesmo nome) Alfândega
Fragrância Feminina em Poesia - Podemos destacar na escrita de Adélia, fortes imagens do cotidiano doméstico, procurando neste um sentido mais profundo, dando-lhe assim, um espiritualismo místico. Adélia é sobretudo contemplativa em seu dizer poético. A leitura de seus poemas, faz-nos pensar que Adélia usa a folha em branco, como se estivesse na varanda do céu, a contar-nos sobre suas observações da vida. Há uma mistura entre o profano e o sagrado, denotando-se uma busca angustiante da essência da vida. Apesar destes aspectos marcantes em sua escrita, podemos perceber uma tênue sensualidade entrecortando seus versos. Guimarães Rosa, Drummond, Jorge de Lima e Murilo Mendes tiveram influência decisiva em sua escrita. - Deus é personagem importante em sua obra. Ele está em tudo. Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida cristã. "Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida, costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos melhores que o criador para que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro. Autobiografias das boas são excelentes ficções." - Linguagem simples, suave e leve – agradáveis de serem lidas. / - Lembranças do passado – memorialista Com licença poética Quando nasci um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou: / vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, / esta espécie ainda envergonhada. / Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. / Não sou feia que não possa casar, / acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. / Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos / — dor não é amargura. / Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô. / Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. (O MODO POÉTICO)
Intertextualidade com Carlos Drummond de Andrade (Poema de Sete Faces) - Universo feminino (anjo esbelto) Preconceitos à mulher poetisa (poucas mulheres escreviam) - que elevam sua condição de escritora Agora, ó José, é outro poema que faz intertextualidade com CDA, em José e No meio do caminho. (É teu destino, o José, / A esta hora da tarde, / Se encostar na parede, as mãos para trás. / (...) O reino do céu é semelhante a um homem / Como você, José.) Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade – poema de Adélia que se refere ao poeta.(Enquanto eu punha um vestido azul com margaridas amarelas / e esticava os cabelos para trás, a mulher falou alto: / é isto, eu tenho inveja de Carlos drummond de Andrade / apesar de nossas extraordinárias semelhanças. / (...) / Eu sou poeta? Eu sou? / Qualquer reposta verdadeira / e poderei amá-lo.) O sempre amor Amor é a coisa mais alegre / Amor é a coisa mais rtiste Amor é a coisa que mais quero. (...) Por causa dele podem entalhar-me. Sou de pedra-sabão. (...) (UM JEITO E AMOR) Impressionista Uma ocasião, / meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. / Por muito tempo moramos numa casa, / como ele mesmo dizia, / constantemente amanhecendo. (O MODO POÉTICO) (trabalho com as cores) As mortes sucessivas Quando minha irmã morreu eu chorei muito E me consolei depressa. Tinha um vestido novo E moitas no quintal onde eu ia existir. / (...) e as moitas onde existo / São pura sarça ardente de memória. (A SARÇA ARDENTE – II) Ensinamento Minha mãe achava estudo / a coisa mais fina do mundo. Não é. / A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, / ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". / Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. / Não me falou em amor. / Essa palavra de luxo. (A SARÇA ARDENTE- I) (o cotidiano) Antes do nome Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe; os sítios escuros onde nasce o ‘de’, o ‘aliás’,
o ‘o’, o ‘porém’ e o ‘que’, esta incompreensível muleta que me apóia. Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender. A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada. Em momentos de graça, infreqüentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror. (O MODO POÉTICO) (metalinguagem – religiosidade) Dona Doida Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora. Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, com sombrinha infantil e coxas à mostra. Meus filhos me repudiaram envergonhados, meu marido ficou triste até a morte, eu fiquei doida no encalço. Só melhoro quando chove. (A SARÇA ARDENTE- I) (a memória) Alfândega O que pude oferecer sem mácula foi Meu choro por beleza ou cansaço, um dente exraizado, O preconceito favorável a todas as formas Do barroco na música e o Rio de Janeiro Que visitei uma vez e me deixou suspensa. (...)
Deixei meu dente. Agora só tenho três reféns sem mácula. (ALFÂNDEGA)