Arquitetura Em Belo Horizonte

  • May 2020
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Arquitetura em Belo Horizonte. Sylvio Emrich de Podestá, o “gambá” bem humorado (editorial) Roberto Segre Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro A recente aparição de dois livros sobre a obra de Sylvio de Podestá (1) induz a reflexionar sobre a significação, não somente da sua obra arquitetônica e literária, mas também sobre a projeção dos profissionais mineiros no sistema cultural e estético deste meio século de arquitetura brasileira. Na América Latina é ainda persistente a presença dos modelos externos, tanto das produções da vanguarda como dos hábitos e comportamentos dos arquitetos. Temos na mente, e nas imagens que aparecem em livros e revistas, a idéia que o arquiteto é um personagem sério, adusto, em geral mal humorado e vestido de terno. Lembremos de Mies, que maltratava a sua mulher, de Le Corbusier e Wright, que não eram personagens simpáticos, mesmo se tinham substituído a tradicional gravata pela borboleta ou o laço estilo cowboy do mestre americano. E nos ídolos atuais, pouco se fala do mau caráter de Koolhaas, Einsenman, Nouvel ou Tschumi, só preocupados com a sua colocação no ranking do jet set mundial. No Brasil, não é exatamente assim, já que o jeitinho local facilita as comunicações pessoais, mas os arquitetos não abandonam a imagem de seriedade se que manifesta com a roupa de griffe. A primeira particularidade que caracteriza os mineiros Sylvio e seu mestre Éolo Maia, é que são os dois únicos arquitetos hippies do país, com uma grande dose de bom humor e que desde os anos oitenta, nunca renunciaram ao inconformismo, à rejeição das instituições formais, e como falou na sua juventude Ruth Verde Zein (1985), lutaram por “varrer o entulho autoritário”. Este caráter boêmio deles, se evidencia na presença cotidiana no bar Pelejando do bairro Santo Antônio em Belo Horizonte, que no futuro vai ser lembrado como o cenário intelectual dos arquitetos, semelhante à rua Bahia que congregava os literatos modernistas mineiros nos anos trinta. A reação de Sylvio, Éolo, Jô e a turma dos “gambás” (Veveco, Penna, Almada, Diniz, Araújo Teixeira) contra o autoritarismo não foi só contra a repressão política e intelectual da ditadura militar, mas também contra a repressão “estilística” surgida em Pampulha e Brasília, que impôs a idéia de “brasilidade” nas formas curvas e livres produzidas por Niemeyer. E também contra a tese que a antropofagia tinha acabado nos anos trinta, e que desde o início do modernismo local não era mais necessário olhar para o exterior. Nestas duas décadas recentes, como evidencia o monte de obras e projetos publicados nos livros de Sylvio, a equipe mineira tentou encontrar seu caminho próprio liberando-se do peso e responsabilidade que significava ser Belo Horizonte e Pampulha as fontes principais da arquitetura moderna brasileira. Para isso, olharam para a tradição, o barroco mineiro, a história, a racionalidade “comtiana” do plano de Aarão Reis para a cidade, e também para as tendências da vanguarda internacional: o posmodernismo, a high tech, o minimalismo, o deconstrutivismo e as manifestações do supermodernismo. Neste sentido Sylvio não aceita o isolamento e a marginalização da periferia e afirma que a nossa sociedade tem que procurar a aproximação entre Bill Gates e Ze Mané; e que o arquiteto tem que ficar numa trincheira, não somente estética mas também social. Ele e o grupo foram criticados pelas excessivas assimilações formais externas em alguns dos prédios construídos, mais temos que aceitar que isto se justificou como um ato de protesto arquitetônico: por exemplo à heterodoxia de colocar na Praça da República a pós-modernista “Rainha da Sucata”, na frente dos curvilíneos apartamentos de Niemeyer. Sylvio é uma personalidade pouco comum na profissão de arquiteto: a imagem dele aparece mais nos filmes americanos: viria a ser uma espécie de “Rambo” ou “Gladiador”, mais que luta por uma causa justa: criar e divulgar a realização de um bom urbanismo e uma boa arquitetura, como expressão das necessidades sociais e estéticas da comunidade. Olhando os dois livros, é impressionante à criatividade, imaginação e produtividade dele, sempre tentando de procurar novos caminhos, novas soluções. Mas o que é ainda surpreendente é o seu desejo de difundir, não somente a sua obra, mais as manifestações dos colegas e as aportações mais importantes da tradição moderna de Minas Gerais: desde os anos oitenta, publicou sem descanso revistas e livros: primeiro Pampulha, logo 3Arquitetos e desde 1994 AP, que acabou em 1997. Não se desmoralizou com as dificuldades econômicas que acabaram fechando as publicações e criou a editora AP Cultural, que tem divulgado as obras de alguns arquitetos mineiros que não são conhecidos no Brasil: Rafaello Berti e Saul Vilela. Sem dúvida, os dois livros vão ser de grande utilidade para os estudantes e os arquitetos das novas gerações. As obras apresentadas demonstram como não existe um “estilo” brasileiro, mais, como afirma Sylvio, respostas concretas á condições técnicas, climáticas, ecológicas, culturais, que num país do tamanho do Brasil são muito diferentes segundo a região onde se constrói. Não é casual que os livros estejam dedicados aos arquitetos do Piauí, Paraíba, Rio Grande do Sul e do Norte, ou seja, as fronteiras do país. A sua trajetória tem acompanhado a evolução acelerada das transformações acontecidas na arquitetura deste meio século, sempre elaborando uma interpretação própria dos diferentes movimentos: nos anos setenta, experimenta um duplo relacionamento com a experiência lecorbusierana e as tradições locais que se manifestam em casas de sabor regionalista. Nos oitenta, com Éolo, ficam inseridos na exuberância do postmoderno, e também no rigor das composições geométricas que desde Kahn evoluem até as planimetrías de Rossi e Botta: por exemplo, o projeto do Museu do Homem Americano em São Raimundo Nonato, PI (1987). Considero que a etapa mais criativa de Sylvio, acontece na década dos noventa, com a liberdade compositiva e formal que permite as geometrias dinâmicas das curvas, tangentes e volumes articulados da linguagem construtivista: entre as obras mais coerentes citemos a casa apresentada na Segunda Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (1993), e o recente projeto da sede COHAB/SEHADU em Belo Horizonte (2000). Com o debate que está gerando o projeto de Bernard Tschumi para o MAC de São Paulo, é oportuna a publicação destes livros, que permitem conhecer a obra de um arquiteto, que segundo Aracy Amaral num recente artigo (Bravo!, dezembro 2001), pertence aos grandes nomes brasileiros que estão na sombra. E ao mesmo tempo, se evidencia que em Belo Horizonte tem um grupo de projetistas que lutam por o desenvolvimento de uma autentica arquitetura brasileira, que acompanha a dinâmica mundial. Neste sentido, a obra de Sylvio demonstra a falsidade da afirmação de Decio Pignatari (Bravo!, dezembro 2001) que “o Brasil se negou a participar da grande revolução da arquitetura ocorrida nas últimas três décadas”. Seguramente, o estudo dos profissionais locais “periféricos” verificaria todo o contrário. (2) Notas 1.Casas. Sylvio E. de Podestá, Editora AP Cultural, Belo Horizonte, 2000 Projetos Institucionais. Escolas. Museus. Centros Culturais. Edifícios Sede. Centros Administrativos. Habitação Popular. Hotéis. Clubes. Sylvio E. de Podestá, Editora AP Cultural, Belo Horizonte, 2001

2.Os mencionados artigos de Décio Pignatari e Aracy Amaral repercutiram em Vitruvius através de cartas de leitores comentando artigo de Jorge Königsberger, "Concurso para o edifício do Museu de Arte Contemporânea – MAC", artigo nº 30 da editoria "Minha Cidade".

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