TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO REGIONAL I - SANTANA 9ª VARA CÍVEL AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 594, São Paulo - SP - CEP 02546-000
SENTENÇA Processo nº: Requerente: Requerido:
001.09.104637-9 - Procedimento Ordinário (em Geral) Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo Bancoop Arnaldo Carvalho de Lima
MM. Juiz de Direito: Edgard Silva Rosa
COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO - BANCOOP ajuizou ação de cobrança, pelo rito ordinário,
contra
ARNALDO CARVALHO DE
LIMA. Em síntese, alega que o réu adquiriu o bem imóvel pormenorizado na inicial, onde se comprometeu a efetivar os pagamentos, que redundariam na aquisição do aludido bem. Salienta que, como cooperada, deve arcar com os gastos do empreendimento, no limite de sua cota parte. No entanto, deixou de adimplir o valor do resíduo
apurado,
sendo
necessário
que
haja
pagamento
correspondente, sob pena de proporcionar mais encargos aos cooperados adimplentes. Aduziu que deve haver observância do estatuto social, que prevê a possibilidade do referido pagamento, bem como destacou que há documentos, que se encontram à disposição dos cooperados, que comprovam a aferição da necessidade da cobrança do resíduo. Por fim, pugnou pela procedência da demanda, para condenar o réu ao pagamento do valor em aberto. Juntou os documentos de fls. 19/76.
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O réu compareceu espontaneamente ao processo e apresentou tempestiva contestação, arguindo conexão com processo em curso perante a 15ª Vara Cível Central, onde se discute a legalidade da cobrança do resíduo. No tocante ao mérito, destaca que o valor cobrado não se justifica e foi apurado de modo unilateral pela autora. Assim, nega a legalidade da cobrança, bem como a qualidade de cooperativa da autora, propugnando pela improcedência do pedido (fls. 90/114, com os documentos de fls. 330). É O RELATÓRIO. Procedo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do disposto no artigo 330, inciso I, do CPC. Rejeito o pedido preliminar de reunião de processos, tendo em vista que este se encontra apto a suportar o julgamento, por considerar o Juízo desnecessária, no caso, a produção de prova pericial. Ora, ao juiz é facultado ordenar a reunião de ações conexas, pois o artigo 105 do CPC deixa claro que se trata de norma não cogente (“havendo conexão ... o juiz ... pode ordenar a reuniões de ações”). Assim sendo, rejeito a preliminar e desde logo julgo a causa, fazendo-o para rejeitar a pretensão deduzida na inicial. Resta incontroverso nos autos que os litigantes celebraram contrato através do qual o réu aderiu à realização de um empreendimento, mediante pagamento de forma parcelada do preço. O preço, como parte essencial que integra o contrato, é dado pelas condições contemporâneas do mercado, sendo em regra inalterável, salvo modificações extraordinárias e supervenientes que justifiquem a revisão, do que aqui não se está a
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cogitar (cláusula rebus sic stantibus). Trata-se na espécie, em suma, da conhecida e controvertida questão da cobrança de suposto
resíduo de preço
convencionado em compromisso de venda e compra de imóvel. Não basta, como é evidente, prova escrita de vinculação jurídica das partes a respeito de determinado preço, se o que se cobra é justamente parcela supostamente excedente ao que ficou convencionado, ante razões relativas ao custo efetivo da obra. Não há qualquer documento escrito, firmado pelo réu, com a sua anuência aos valores apurados, unilateralmente, pela autora. O exame dos documentos de fls. 66/69 permite verificar que a promitente-vendedora unilateralmente promoveu dramática modificação nas condições pactuadas, elaborando relatório de conta-corrente por força do qual indicou o saldo devedor de R$ 107.845,78 em 11 de dezembro de 2008
(fls. 66). É lícito ao
comprador, diante dessa modificação contratual que não contou com a sua anuência, deixar de pagar tais valores acrescidos, que importam em
majoração
unilateral
e
injustificada
do
preço.
Demais disso, mas não menos importante, deve ser considerado que, malgrado constituída sob a forma jurídica de cooperativa, atua a autora como empresa construtora de imóveis, os quais promete vender a diversas pessoas que se tornam cooperados com o escopo exclusivo de assim lograr a compra de casa própria. Os tais cooperados, como é de notório saber, não têm voz ativa nos empreendimentos e se limitam a pagar as prestações, ao passo que os diretores da autora são sempre as mesmas pessoas, que se revezam nos cargos mais importantes.
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Em suma, a autora pratica atos de empresa e fornece imóveis a adquirentes finais, de tal sorte que o contrato em questão, que na realidade é um compromisso de venda e compra de imóvel, submete-se plenamente ao Código de Defesa do Consumidor. Não merece, portanto, ser atribuída à autora a natureza de cooperativa, já que constituída com a intenção nítida de se eximir de responsabilidades, mormente quando, acaso considerado o contrato na forma como efetivamente detém, não se possibilita àquela a tomada de medidas efetivadas. Ora, o contrato deve se sujeitar às determinações legais e aos princípios gerais de Direito, que impõem regras a todos quantos queiram conseguir crédito para atividades, em especial aquelas concernentes a imóveis. Ressalve-se que, pelo que consta, a autora foi constituída, inicialmente, tendo como objetivo social proporcionar construção e aquisição de unidades residenciais e/ou comerciais, nos moldes declinados no artigo 5.º de seu Estatuto Social, vindo a proporcionar a adesão de associados ou cooperados, com a inscrição correspondente posteriormente à constituição, que se fez independentemente da existência desta. Não
há
verdadeiramente
ato
cooperativo, nos moldes das determinações da Lei 5.764/71. Aliás, não houve prévio agrupamento de pessoas com a intenção de constituição e realização de objetivo comum, mediante esforço conjunto de seus associados ou cooperados.
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A propósito, a possibilidade de haver aplicação dos benefícios estatuídos na lei mencionada requer que o ato se subsuma a estas determinações, com a efetiva constituição de cooperativa para este mister. A finalidade parece óbvia, tanto que a forma eleita vem sendo utilizada por diversas empresas, na intenção nítida de se isentar das obrigações contidas no Código de Defesa do Consumidor e nas atuais determinações do Código Civil, escudandose nas prerrogativas concedidas às cooperativas. Por conseguinte, a interpretação que se dará ao contrato em testilha é aquela correspondente à existência de contrato de financiamento para aquisição de bem imóvel, com a sujeição às determinações do Código de Defesa do Consumidor. A autora, sociedade civil que tem como objetivo social, pelo que se infere, propiciar a construção de moradias, não pode negar que atua em um mercado de alta competição, disputando a “captação de cooperados ou sócios” com congêneres suas, de natureza declaradamente comercial, na captação de consumidores. Ademais, é notória a utilização de determinadas formas jurídicas para redução de custos, em especial tributários, pouco importando a real finalidade da figura da pessoa jurídica. Por conseguinte, não há que se falar em ato societário ou cooperativo, mas sim em fornecimento de crédito
contrato de
prestação de serviços, mesmo porque, efetivada a construção, não há mais a finalidade para a continuidade do “sócio” ou “cooperado” na referida sociedade ou cooperativa.
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Há, portanto, conforme claramente se percebe, uma relação de consumo e não atos legítimos de cooperativismo. No caso em exame, caberia à autora comprovar que há valor passível de cobrança, diante do alegado prejuízo e necessidade, por não haver cobertura nos pagamentos efetivados do custo e preço de construção. Não há, nos elementos coligidos aos autos, nenhum documento que permita aferição de efetiva existência de custo não proporcionalmente rateado entre os “cooperados”. Insisto, a autora não logrou êxito em comprovar, a contento, a regularidade na apuração do pretenso resíduo, razão pela qual não se acolhe a pretensão de suprir seu caixa mediante a obrigação quem pretende impor ao réu. É o que dispõe o art. 333, I, do Código de Processo Civil, onde se lê incumbir à autora o ônus da prova de fato constitutivo de seu direito. Consoante a lição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, em seu festejado Código Comentado (2ª ed., 1996, RT, p. 758), ao tratar do onus probandi latim onus,
que significa
“a palavra vem do
carga, fardo, peso, gravame. Não existe
obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte.”
No presente caso, contudo, não se justifica o comportamento da autora, o que retira a legalidade da
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cobrança contida na inicial. Assim, a soma de alegações choca-se contra os fatos verificados nos autos, e, conseqüentemente, são afastados os argumentos restantes, por inaplicáveis. Neste sentido já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “O Juiz, atento ao princípio do seu livre convencimento, obriga-se a apreciar e a relevar apenas os fatos, alegações e peças instrutórias que tenham relevância para a causa, devendo desconsiderar todos aqueles impertinentes e sem qualquer valor probante” (STJ
RT 735/224
Rel. Ministro CLÁUDIO
SANTOS). Dessa forma, torna-se imperiosa a improcedência do pedido inicial.
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido deduzido na ação de cobrança movida pela COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO contra ARNALDO CARVALHO DE LIMA,
BANCOOP
resolvendo o feito, com
análise do mérito, com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atualizado da causa. P.R.I. São Paulo, 24 de junho de 2009.
EDGARD SILVA ROSA JUIZ DE DIREITO -assinatura eletrônica-
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