16/6/2008
CURSO ESCOLA A USTRÍACA
INTRODUÇÃO À ECONOMIA
Apostila 1 | Juliano Torres
Índice O que é economia – pag. 3 O poder do comércio – pag. 5 O custo de oportunidade – pag. 12 Preços – pag. 18 Juros – pag. 25 Externalidades – pag. 28 Elasticidade – pag. 32
O que é Economia? >>Introdução: os negócios comuns da vida Um domingo qualquer É domingo à tarde, verão de 2003, e a Rodovia 1 na parte central de Nova Jersey está movimentada. Milhares de pessoas enchem as grandes lojas de departamentos que margeiam essa estrada por 20 milhas, desde Trenton até New Brunswick. A maioria dos compradores está alegre – e porque não? As lojas dali oferecem uma escolha enorme; você pode comprar qualquer coisa, desde equipamento eletrônico sofisticado a roupas da moda e até cenouras orgânicas. Há possivelmente cem mil itens diferentes nesse trecho da estrada. E a maioria desses bens não é apenas bens de luxo que só os ricos podem adquirir; são produtos que milhões de americanos podem comprar e compram todos os dias. Essa cena de verão na Rodovia 1 é obviamente comum – mais ou menos igual a centenas de outros trechos de estrada que cruzam os Estados Unidos, naquela mesma tarde. Mas esta disciplina, a economia, se interessa principalmente por coisas comuns. Como disse o grande economista do século XIX Alfred Marshall, a economia é “um estudo da humanidade nos negócios comuns da vida”.
A Mão Invisível Aquela cena de Nova Jersey não pareceria comum para um americano nos tempos coloniais; digamos, um dos patriotas que ajudou George Washington a vencer a batalha de Trenton em 1776. Imagine se você pudesse transportar um americano do período colonial para os dias de hoje. Mas o que esse viajante do tempo do tempo acharia espantoso? Certamente o mais espantoso seria a prosperidade da América Moderna – o leque de bens e serviços que as famílias comuns podem adquirir. Olhando toda essa riqueza, nosso colono transportado do século XVIII indagaria: Como posso ter uma parte disso? Ou talvez perguntasse: Como minha sociedade pode obter uma parte disso? A resposta é que para chegar a esse tipo de prosperidade você precisa de um sistema que funcione bem para coordenar as atividades produtivas – as atividades que criam os bens e serviços que as pessoas desejam e que os fazem chegar aqueles que as querem. É esse tipo de sistema que temos em mente quando falamos da economia. E a análise econômica é o estudo das economias, tanto no nível do indivíduo quanto da sociedade em seu conjunto. Uma economia tem sucesso na medida em que, literalmente, entrega os bens. Um viajante do tempo vindo do século XVIII – ou até de 1950 – ficaria admirado com a quantidade de bens e serviços que a moderna economia americana fornece e com o número de pessoas com acesso a eles. Comparando com
qualquer economia passada e com apenas um punhado de outros países do mundo atual, os Estados Unidos têm um padrão de vida incrivelmente elevado. Então, nossa economia deve estar fazendo alguma coisa certa, e o viajante do tempo gostaria de cumprimentar o responsável. Mas adivinhe. Não há nenhum responsável. Os Estados Unidos têm uma economia de mercado, em que a produção e o consumo são o resultado de decisões descentralizadas das empresas e dos indivíduos. Não há autoridade central dizendo às pessoas o que produzir e para onde transportar. Cada produtor individual faz o que acredita ser mais lucrativo; cada consumidor compra o que escolhe. A alternativa para uma economia de mercado é uma economia planificada, em que existe uma autoridade central tomando decisões sobre produção e consumo. Experimentaram‐se economias planificadas notadamente na URSS entre 1917 e 1991. Mas não funcionaram. Os produtores da URSS rotineiramente não podiam produzir porque lhes faltava matérias‐primas essenciais ou conseguiam produzir, mas não encontravam ninguém que quisesse comprar seus produtos. Os consumidores freqüentemente não conseguiam encontrar itens necessários – economias planificadas são famosas pelas longas filas nas lojas. Economias de mercado, entretanto, são capazes de coordenar atividades extremamente complexas e garantir aos consumidores a oferta dos bens e serviços que desejam. De fato, as pessoas quase sem pensar confiam suas vidas ao sistema de mercado: os residentes de qualquer grande cidade morreriam de fome em poucos dias se as ações não‐planejadas, mas de algum modo ordenadas, de milhares de firmas não fornecessem uma oferta constante de alimentos. Surpreendentemente, o “caos” sem plano de uma economia de mercado acaba sendo muito mais ordenado do que o “planejamento” de uma economia planificada. Em 1776, em uma passagem famosa de seu livro A Riqueza das Nações, o economista escocês Adam Smith escreveu sobre como os indivíduos, buscando seu interesse próprio, muitas vezes acabam servindo ao interesse da sociedade em seu conjunto. De um homem de negócios cuja busca de lucro torna a nação mais rica, Smith escreveu: Ele procura apenas seu próprio ganho e, nisso, como em muitos outros casos, é levado por uma mão invisível a promover um fim que não estava entre suas intenções. Desde então, os economistas usam o termo mão invisível para se referir à maneira pela qual uma economia de mercado consegue domar o poder do interesse próprio em favor do bem da sociedade.
O Poder do Comércio
A Aparentemente Simples História da Vantagem Comparativa Todos nós possuímos uma boa compreensão intuitiva sobre o poder do comércio. Em seu nível mais simples, se você possui algo que eu quero, e eu possuo algo que você quer, fazemos uma troca, e nós dois levamos vantagem. Então, se eu sei tricotar e você não sabe, e se você cultiva milho e eu não, obviamente fará sentido para mim, trocar um dos meus casacos por um pouco de seu milho. Você e eu poderemos discutir o “preço” – quantas espigas de milho valem um dos meus casacos. O que importa é que, feito o negócio, você estará mais aquecido e eu poderei finalmente matar minha fome. O comércio parece simples. Há quase duzentos anos, David Ricardo descobriu algo que não era tão simples a respeito do comércio, algo que veio a ser chamado de vantagem comparativa. Essa é uma história que nos levará, juntos, à exploração dos mistérios do comércio.
A Ilha do Tesouro Era uma vez, Pete e Pamela Palmer, de Nova York, NY, que navegavam sozinhos pelos mares do sul em sua lua de mel. Certo dia, amedrontados pelo céu, que enegrecera subitamente, os Palmers tentavam conduzir sua pequena embarcação de volta para casa, mas já era tarde demais. Eles se encontravam em meio a uma terrível tempestade tropical e acabaram sendo arrastados para longe da marina do resort, onde estavam hospedados. O veleiro virou e o casal chegou com dificuldades a uma ilha, que tinham conseguido avistar em meio às ondas agitadas e a chuva. Os Palmers exploraram a ilha. A maior parte dela era rodeada por grandes penhascos. Somente a praia, por onde haviam chegado, permitia um acesso fácil ao oceano. No centro da ilha havia uma fonte de água pura. Eles não encontraram sinal algum de habitação humana. Os Palmers dormiam próximos à praia, assim, poderiam ter o dia inteiro para caçar peixes com uma lança afiada. Eles encontraram cascas de coco quebradas para buscar água fresca na fonte do centro da ilha. Eles passavam seus dias pescando e buscando água na fonte, esperando serem resgatados. Porém, nenhuma ajuda apareceu.
A situação não era muito promissora. Pete era um design gráfico de uma famosa agência de publicidade na cidade de Nova York. Pam era a responsável pela tecnologia da informação na mesma firma. Nenhum deles era muito preparado para sobreviver em uma ilha. A viagem de ida e volta ao centro da ilha, onde estava a fonte de água fresca, lhes tomava todo o dia. Nem Pete, nem Pam, eram capazes de carregar mais do que duas cascas de coco com água para o abrigo que tinham feito a partir de folhas de palmeiras. E se Pete ou Pam ficasse pescando, um deles, em um dia inteiro de pescaria, conseguiria pescar apenas dois dos esquivos peixes que se lançavam às águas rasas. A pouca caça freqüentemente lhes deixava com fome. Se os dois Palmers pescassem, poderiam consumir o dobro do número de peixes, mas quando tentaram essa tática, a falta de água lhes trouxe desidratação e tontura, o que fez com que sua pescaria fracassasse. Tudo que poderiam fazer era tentar sobreviver até que fossem resgatados. Certa noite, houve uma tempestade. A chuva caía torrencialmente. Um flash de luz iluminou a praia e o oceano. Seria uma pessoa, aquilo que lutava contra a água? Eram duas pessoas! Outro casal havia sido vítima de um naufrágio. Os Palmers ajudaram os dois jovens a sair da água. Fred e Felicia Fisher, de San Diego, Califórnia, também em lua de mel, desmoronaram aos pés dos Palmers, exaustos por seu martírio. Na manhã seguinte, a tempestade tinha passado e os Palmers mostraram aos Fishers o poço de água, os cantis improvisados com cascas de coco e as varas afiadas que usavam para pescar. Antes do fim da semana, já era claro que os Fishers estavam mais preparados para viver em uma ilha do que os Palmers. Os Fishers eram mais altos e mais fortes. Os Palmers notaram que tanto Fred quanto Felicia poderiam voltar do meio da ilha carregando três cascas de coco de cada vez, ao invés das duas que qualquer um dos Palmer conseguia carregar sem desperdício. E eles também pareciam ser melhores pescadores. Infelizmente, algo mais estava claro para os Palmers. Os Fishers não queriam nada com eles. Qualquer tentativa de amizade ou cooperação era rapidamente rejeitada. Então, os Palmers continuavam a trabalhar, esperando pelo resgate e fazendo o melhor que podiam. Passaram‐se semanas e meses. Certa noite, os Fishers assavam um peixe recheado com ervas, que plantavam no herbário que conseguiram iniciar por possuírem uma casca extra de coco cheia d’água. Uma brisa trouxe o aroma delicioso até os Palmers. Pete não gostou nada disso.
“É só um peixe”, disse Pam. “Eu acho que nós estamos perdendo peso,” Pete respondeu. “Eu estou muito magro?” “Não.” mentiu Pam. Ele realmente estava mais magro. Ela sabia que estava perdendo peso também. Suas roupas estavam mais largas do que estavam quando eles chegaram. Era um fato. “Nós temos que conseguir mais comida,” disse Pete. “Mais proteína. Eu tenho pensado sobre isso nos últimos dias. Parece que temos três opções e nenhuma delas é muito cativante.” Pete descreveu as três opções para sua esposa: 1. Saque – atacar os Fishers e roubar alguns de seus peixes. 2. Caridade – implorar aos Fishers por alguns peixes. 3. Investimento – deixar de consumir hoje para consumirmos amanhã – imaginar uma forma de fazer uma rede ou uma vara melhor. Eles concordavam que o saque nunca funcionaria. Os Fishers eram maiores e mais fortes. A caridade estava fora de questão. Os Fishers não pareciam muito benevolentes. O investimento não era viável. No momento em que encontrassem uma forma de fazer uma rede ou uma lança melhor, já estariam mortos de fome. Então, o que poderiam fazer? “Engraçado, você ter mencionado ‘saque,’” disse Pam. É uma palavra tão fora de moda. Eu tive um professor de economia que até falava bastante sobre saque. Ele dizia que até o nascimento do capitalismo, o saque era a principal caminho para se progredir. Você golpeava seu vizinho na cabeça e levava suas coisas. Isso é algo bem interessante sobre o saque. Aparentemente, o saque apenas rearranja o bolo econômico.” “Você está certa,” disse Pete, feliz por esquecer seus problemas por um momento e pensar um pouco sobre o impacto do saque. “O roubo significa mais para mim e menos para o meu vizinho. A quantidade total não muda.” “Isso parece correto, porém, meu professor dizia que o roubo, na verdade, faz o tamanho do bolo caso seja medido corretamente, ser menor.” “O que você quer dizer com ‘medido corretamente’, perguntou Pete. “Se seu vizinho pode golpear sua cabeça, você constrói uma cerca, você tranca suas portas, você compra uma arma. Todas essas coisas fazem parte do bolo econômico, mas elas são o tipo de atividade
econômica da qual você não extrai nenhum prazer. São coisas que você faz para manter a parte do bolo que realmente lhe importa. Então, o bolo verdadeiro, a parte que lhe faz feliz ou lhe proporciona satisfação é, na verdade, menor. Além disso, se você acha que seu vizinho pode lhe atacar, você não se importará em fazer seu bolo crescer. É como aquela rede de pescar que você mencionou. Mesmo que conseguíssemos fazer uma rede antes de morrermos de fome, os Fishers iriam roubá‐la de nós. Então, por que fazê‐la? O roubo diminui o bolo e o mantém diminuído.” “Ótimo. Então agora você sabe por que estou deprimido. Nós precisamos de um milagre. Alguém tem que nos encontrar logo e, considerando o tempo que já estamos aqui, as chances de isso acontecer não são muito boas.” “Espere um pouco,” disse Pam, perdida em seus pensamentos. “O quê?” “Espere.” Pam permaneceu calada por um momento. “Tem que haver uma quarta opção.” “Uma quarta opção? O que você quer dizer?” “Saquear, pedir, tecer uma rede de pescar. Essas são as três opções. Mas há uma quarta. Eu aprendi isso nas minhas aulas de economia.” “Ah, ótimo,” disse Pete. “Deixe‐me adivinhar. Já sei! Vamos fingir que temos mais peixes!” Pete balançou sua cabeça. Ele tinha tido aulas de economia na faculdade. Um monte de teorias e hipóteses tolas que tinham pouco a ver com a realidade. Os economistas não eram nada realistas. “Você está quase lá,” disse Pam. Ela pegou uma vara e começou a fazer marcas na areia. Ela observou as marcas, então as apagou, começando de novo, fazendo um novo plano. Pete, também olhava com atenção. As marcas pareciam ser peixes e alguns círculos. O que elas significavam? Com certeza, algo que Pam entendia. Finalmente, ela fez um sinal. “Isso deve funcionar,” ela disse a si mesma. “Que tipo de aula de economia foi essa? Economia egípcia? Isso parece hieróglifos.” “Não, era uma aula de princípios da economia. Quando você mencionou o saque, isso me lembrou da coisa mais legal que aprendi naquela aula.”
“O quê? Ignorar todas as partes desagradáveis da realidade?” “Não. Vantagem comparativa. A grande contribuição de David Ricardo à teoria econômica.” “Eu já ouvi falar disso, Pam. Mas isso não tem a ver com comércio?” “Tem. Nós vamos fazer comércio com os Fishers e isso vai salvar as nossas vidas.” Ela fez mais algumas marcas na areia e mostrou a Pete o que ela tinha em mente. Havia muitas frações e relações para seu gosto, mas ele entendeu a idéia. “Talvez ela esteja certa”, pensou. Na manhã seguinte, Pam e Pete gastaram metade do dia na viagem para a fonte de água, cada um encheu duas cascas de coco e as carregaram de volta para casa. Chegaram à praia, onde pescavam e dormiam, ao pôr do sol, muito tarde para qualquer um deles poder pescar. Pete não conseguia deixar de pensar que estavam cometendo suicídio ao deixarem de pescar. Especialmente no momento em que precisavam de mais proteína e não menos. Porém, Pete confiava em sua esposa. Eles guardaram duas cascas cheias d’água perto de onde dormiam e levaram duas para onde os Fishers aproveitavam em seu pedaço de praia, observando o pôr do sol. “Olá”, disse Pam. “Será que vocês estariam interessados em um pouco de água extra?” “Com certeza”, disse Felicia Fisher. Ela pensou em como seria bom para eles ter um pouco mais de água. Ela poderia plantar mais algumas ervas. Poderia tomar banho sem precisar caminhar até a fonte e voltar tarde. “Peraí, qual é a jogada?”, perguntou seu marido. “Eu gostaria de fazer uma troca. Duas cascas com água, por quatro peixes.” “Quatro peixes!” Fred Fisher estava furioso. Ele se levantou. “Quatro peixes! Nós pegamos seis peixes por dia. Se nós lhe dermos quarto, então…” “Vocês pescam seis peixes por dia? Isso é maravilhoso. Isso significa…” “Se nós fizermos esse acordo,” Fred Fisher interrompeu, “nós vamos ficar com dois peixes por dia. E eu ainda tenho fome depois de comer três peixes em um dia. Então, caiam fora.” Depois de terem se distanciado um pouco, Pam teve uma idéia. “Vamos dar essa água de presente para os Fishers.”
“Você está louca?” “Não, acho que não.” E, mais uma vez, Pam explicou o que ela estava pensando. Enquanto os Fishers aproveitavam o pôr do sol, os Palmers deixaram a água na entrada da cabana deles. No dia seguinte, fizeram a mesma coisa. E no seguinte também, porém, na terceira vez, já estava escuro. Eles tiveram que andar mais devagar do que de costume – eles estavam fracos de fome. Porém, no terceiro dia, enquanto deixavam a água para os Fishers, encontraram Felicia Fisher. “Aqui está,” ela disse, estendendo seus braços. Ela entregou à Pam quatro peixes, embrulhados em folhas, para mantê‐los frescos. “Aproveitem. Vocês foram mais inteligentes que nós.” Os Fishers continuaram a fazer a troca diariamente, aceitando duas águas por quatro peixes. Isso acabou se tornando um bom negócio para as duas famílias. A oportunidade da troca mudou a forma pela qual os Fishers e os Palmers passavam seus dias. Após o início das trocas, os dois Fishers iam pescar e pegavam 12 peixes. Após darem quatro aos Palmers, em troca de duas águas, eles ainda ficavam com oito peixes, dois a mais do que costumavam ter quando eram auto‐suficientes. Eles tinham um coco de água a menos, mas poderiam sobreviver com dois cocos de águas por dia. Suas ervas morreram. Porém, ter oito peixes simples todos os dias era melhor do que seis um pouco mais gostosos. Os dois Palmers saíam para buscar água todos os dias. Após darem duas águas para os Fishers, eles conseguiam quatro peixes, dois a mais do que tinham quando eram auto‐suficientes.
A Vantagem Comparativa A lição da história é que os Fishers possuem uma vantagem comparativa na pesca. Embora sejam melhores que os Palmers tanto na coleta da água quanto na pesca, os Fishers possuem maior vantagem comparativa na pesca. Eles são relativamente melhores pescando do que são buscando água, em comparação com os Palmers. Note que há dois sentidos de comparação da frase anterior – nós estamos comparando a pesca com a coleta da água, e os Fishers com os Palmers. A vantagem comparativa não tem significado algum em um mundo onde exista apenas um bem ou em uma economia onde só exista uma família.
Porém, a complicada natureza da “vantagem comparativa” também nos traz confusão, quando pessoas dizem coisas como “a lição da vantagem comparativa é fazer o que você faz de melhor” ou “a lição da vantagem comparativa é fazer o que você faz ‘relativamente bem’”. O que exatamente significam essas afirmações? Como se aplicam de uma forma geral ao comércio internacional, em um mundo com tantas nações e tantos bens e serviços? A forma mais fácil de compreender a lição da vantagem comparativa é ver que há duas formas pelas quais os Palmers podem conseguir os peixes, a forma direta e a forma indireta. A forma direta é pescar. A forma indireta é ir buscar água e trocá‐la por peixe. Qual é a melhor? Depende de qual forma é a mais barata. Se os Palmers pescam, eles devem sacrificar quatro águas em favor de quatro peixes. Se os Palmers comercializam com os Fishers, só lhes custariam duas águas, os quatro peixes. A forma indireta é mais barata para os Palmers. Para os Fishers, a lógica é oposta. Mesmo sendo melhores que os Palmers na coleta de água, é mais barato para os Fishers obter água a partir da pesca, trocando‐a por seus peixes. E é mais barato para os Fishers obterem peixes pescando, de forma direta. Não haveria uma forma pela qual os Fishers obtivessem água diretamente e ainda pudessem fazer algum comércio com os Palmers, que resultasse em vantagem às duas famílias. Um visitante, chegando à ilha para resgatar as duas famílias, veria uma família que era boa na pesca e outra que era boa na coleta da água. A situação se pareceria com aquela que eu contei no começo desse ensaio – se você é bom no plantio do milho e eu sou bom no tricô, nós poderíamos trocar casacos por milhos. Então, os Fishers trocavam alguns de seus peixes por um pouco da água dos Palmers. Porém, o visitante estaria, claramente, negligenciando o fenômeno que estava acontecendo na realidade. O que o visitante vê mascara o que está realmente acontecendo. Mesmo um visitante que descobrisse a história da ilha poderia se enganar sobre o poder da especialização. Nós geralmente pensamos nos ganhos da especialização como se viessem da melhora no desempenho de uma tarefa a partir de sua repetição constante. Porém, ninguém na ilha melhorou seus trabalhos. Então, de onde vieram os peixes extras? Mesmo no mais simples dos mundos, nesse mundo da Ilha Deserta, onde duas famílias trocam entre si dois bens, as coisas não são simples. E quais são as lições da vantagem comparativa no mundo real, no mundo onde vivemos, onde há milhões de nós trocando milhões de bens e serviços através de fronteiras internacionais, um mundo onde empregos são destruídos e criados, ao invés de serem apenas realocados, como são na Ilha Deserta, um mundo onde as regras do comércio são estabelecidas pelos mercados, ao invés de serem definidas em uma
negociação entre duas partes em apuros? Seria a simples lição ricardiana da vantagem comparativa alguma coisa além de um bom exemplo retirado de livros que gera questões complicadas em provas?
O custo de Oportunidade Um dos grandes desafios para um economista é explicar o que ele faz da vida. As pessoas entendem que uma das coisas que um professor de economia faz é ensinar economia. Mas o que seria isso, exatamente? A maioria presume que seja algo que tenha a ver com investimentos e administração financeira. Certa vez, conversando dentro de um avião, disse a uma senhora que eu era economista. Ela respondeu, ‘que vergonha, meu marido ama o mercado de ações’. Hmm… Eu não contei para ela que, com a exceção das vantagens dos fundos mútuos e indexados de investimento, não sei nada sobre o mercado de ação. Minha companheira de viagem poderia ter se beneficiado da leitura de Alfred Marshall, que chamou a economia de “o estudo da humanidade na condução de seus negócios cotidianos”. Essa foi a tarefa de Marshall, de Adam Smith, de Friedrich Hayek e Milton Friedman: eles tentaram entender o que as pessoas faziam e as implicações de seu comportamento para a sociedade como um todo. Porém, minha definição de economia favorita é uma variante da de Marshall. Ela vem de um estudante que a ouviu de outro professor: a economia é o estudo de como se extrair o máximo da vida. Eu gosto dessa definição porque ela chega ao verdadeiro coração da economia – as escolhas feitas por nós, dado que não podemos ter tudo o que queremos. A economia é o estudo dos desejos infinitos e dos meios finitos, o estudo das escolhas limitadas. A afirmação é verdadeira para indivíduos e governos, famílias e nações. Thomas Sowell disse o mesmo, mas de uma forma melhor: não existem soluções, apenas dilemas. Para extrair o máximo da vida, para pensar como um economista, você deve saber do que você está abrindo mão para conseguir outra coisa. É isso que custo de oportunidade significa: Custo de oportunidade é aquilo que você abre mão para obter alguma outra coisa. O que poderia ser mais direto? Se você quer uma coisa, deve abrir mão de outra. A idéia acaba sendo um pouco mais sutil do que pareceria à primeira vista. Vamos olhar um pouco mais de perto. Milton Friedman costumava dizer que a economia é simples. Tudo que você deveria lembrar é que a demanda é negativamente inclinada e que nada é de graça. A parte complicada é a aplicação dessas duas idéias simples. Quando Friedman disse que nada era de graça, ele quis dizer que tudo tinha um custo. Pensemos no famoso almoço grátis, que Friedman mostrava, satisfeito, que não existia. Suponha que eu o convide para um almoço por minha conta – eu prometo pagar e mantenho minha promessa. O almoço será grátis para você, certo? Não, diz o economista.
Economista: Hoje, não há custo monetário. Mas há a expectativa de que você irá retribuir o favor e pagar um almoço no futuro. Você (que acredita no almoço grátis): Mas você ainda não percebeu que eu não sou uma pessoa legal. Não planejo retribuí‐lo e vou manter minha palavra. O almoço de hoje foi grátis. Economista: Não. Mesmo que você não planeje retribuir, a culpa por ter sido um aproveitador já é um custo. Você: Você não imagina como eu sou uma pessoa ruim. Eu não tenho consciência. Vou ter um almoço grátis. Economista: Na verdade, não vai. Você vai ter que me ouvir falar enquanto comemos. Você: Eu não vou ouvir. Vou estar sonhando com minhas próximas férias. Eu vou só fingir que presto atenção. Economista: Ainda assim não será grátis. O custo de almoçar comigo, mesmo quando eu pago, mesmo quando você não planeja retribuir e mesmo quando só eu falo e você ignora, é o prazer que você teria tido, caso escolhesse fazer outra coisa. O que quer que seja que você tenha deixado de fazer para almoçar comigo. Não apenas o dinheiro. Não apenas o seu tempo. Mas o valor ou prazer que você obteria se tivesse feito outra coisa. Então, uma das chaves para se pensar como um economista é sempre se lembrar de que tudo tem um custo. Essa pode ser uma razão pela qual os economistas não têm tantos amigos quanto poderiam ter. Às vezes, as pessoas se mantêm felizes, se segurando na ingênua visão de que existe algo grátis. Nós gostamos de uma pechincha. Ninguém quer ouvir falar dos custos escondidos e dos custos que não são óbvios. Pensar sobre oportunidades perdidas e escolhas que não fizemos pode nos levar ao arrependimento. Escolher essa universidade significa que você não poderá ir para aquela outra. Casar com essa pessoa significa não casar com aquela. Escolher essa sobremesa (geralmente) significa não escolher aquela outra. Às vezes, as pessoas querem comer o bolo e a sobremesa, sem serem lembrados de que perderam uma espetacular fatia de torta. Tudo isso é verdade. Mas se você quiser obter o máximo da vida, deve levar em conta o custo de oportunidade, as alternativas negligenciadas. É melhor fazer boas escolhas e aprender a conviver com elas do que fazer más escolhas e viver sob a feliz ignorância que leva à ruína. Aqui estão algumas aplicações de como a compreensão do custo de oportunidade pode nos ajudar a extrair o máximo da vida.
O custo real da faculdade Qual é o custo real da faculdade? A parte óbvia do custo da universidade é o aprendizado. Não é a moradia, nem as refeições, já que esses custos você teria de qualquer forma. Porém, o custo de oportunidade inclui os salários perdidos dos empregos que você teria tido ‐ caso não tivesse ido para a universidade. Essa é uma das razões que nos faz ir para a faculdade enquanto somos jovens, sem experiência alguma no mercado de trabalho – nossos salários são relativamente baixos, assim os ganhos desperdiçados por nossa ida para a universidade são menores.
O retorno de seus investimentos Os economistas sabem alguma coisa sobre o mercado de ações. Se você me disser que você tem um grande histórico de investimentos, eu vou querer saber: comparado a quê? Um administrador de uma companhia de investimentos que ganhou 12 por cento no ano passado para seus investidores pareceria ter tido um ano espetacular. Porém, as companhias de investimento indexadas ao S&P 500, ganharam mais de 15 por cento. Se ambos os fundos possuíam um nível de risco similar, aquele administrador obteve um retorno negativo de 3 por cento. Da mesma forma, mantendo seus recursos em dinheiro significa abrir mão da oportunidade de investi‐lo. O custo de oportunidade do dinheiro é o retorno que você poderia obter ao investi‐lo.
Propriedade Imobiliária e melhoras em sua propriedade Corretores imobiliários gostam de afirmar que um imóvel é um grande investimento. O valor de seu imóvel aumenta e você ainda pode morar lá. Às vezes, ambas as afirmações são verdadeiras. Mas o aumento do valor de uma casa não é o suficiente para fazer dela um bom investimento (ou uma razão para se comprar uma casa grande, sob o argumento de que, já que ela vai se valorizar, então é melhor fazer um investimento maior). Proprietários de imóveis gostam de saborear os valores pelos quais venderam suas casas em comparação ao que pagaram anteriormente. Quando medem o lucro, eles raramente subtraem os custos monetários diretos – os reparos, os impostos e as taxas e comissões de advogados, corretores imobiliários e agências governamentais. Mas eu nunca conheci um vendedor orgulhoso de Boston, Washington ou Los Angeles, que tenha calculado as oportunidades de investimento que perderam, ao investirem o valor do sinal e dos pagamentos das parcelas de um financiamento durante toda a vida para comprar uma casa. Da mesma forma, corretores imobiliários (e construtores) gostam de lhe dizer que reformar sua cozinha é uma boa idéia, pois você terá esse dinheiro de volta, por meio do preço que você adicionará quando for vender sua casa. Então, a cozinha será grátis! E, nesse meio tempo, você ainda aproveita os prazeres
daquela cozinha. Essa lógica é boa, se você obtiver dessa cozinha prazer suficiente para compensar o custo de oportunidade de comprometer seu dinheiro em móveis e granitos e abrir mão do lucro que você poderia ter obtido fazendo qualquer outra coisa com o dinheiro. Há um aspecto da propriedade imobiliária e do custo de oportunidade que é particularmente delicado. Suponha que sua casa se valorize. Você poderia vendê‐la e se mudar para uma casa menor ou para um bairro diferente. Mas você decide ficar. A valorização da sua casa significa que ficou mais caro viver nela. Mas esse aumento no custo, sendo um custo de oportunidade ao invés de ser um custo direto, em seu bolso, não significa que você sua situação está pior. Na verdade, é um sinal de que você está em um estado melhor – uma propriedade sua se valorizou e seu patrimônio aumentou, pelo menos enquanto o imóvel permanecer valorizado. O custo de oportunidade é diferente daquilo que coloquialmente pensamos como um custo, o que geralmente significa pagamento monetário. O custo de oportunidade guia a tomada de decisão racional. Porém, um aumento nos custos não necessariamente significa que você esteja em pior situação do que estava antes.
Não dá para recuperar custos irrecuperáveis. Custos históricos viraram história O custo de oportunidade é um conceito progressivo. Se meu carro quebra, eu o conserto e ele quebra novamente, a decisão de consertá‐lo mais uma vez é independente dos custos do primeiro reparo. É irracional pensar que eu tenho que consertá‐lo apenas porque já coloquei muito dinheiro no carro – se não consertá‐lo, perderei todo o dinheiro já investido. Eu já perdi o dinheiro do primeiro conserto. Agora, eu devo me perguntar apenas se os novos reparos valerão à pena. Uma variação no argumento do “custo irrecuperável” (sunk costs) é a irrelevância dos custos históricos. Quanto um vendedor pagou por uma casa há vinte anos tem pouco efeito no preço de mercado atual. Reclamar por um vendedor estar cobrando um preço exorbitante, comparado ao preço pago originalmente, garante apenas que você terá problemas para encontrar alguém que lhe venda uma casa que esteja dentro de seus padrões de preço justo. Por outro lado, explicar a um potencial comprador ‐ em um mercado imobiliário que passou por um colapso ‐ que seu preço está alto porque, no fim das contas, você pagou caro por seu imóvel, e que é justo que você recupere seu investimento e tenha algum lucro, talvez não seja a melhor estratégia para vender a sua casa. O preço de mercado não se importa com a história. Os custos de reposição são mais relevantes do que os custos históricos. Se um amigo lhe presenteia com um Van Gogh em seu casamento e, alguns anos depois, um convidado seu, bêbado, enterra uma faca no
quadro após perder o equilíbrio, seu convidado não lhe pediria para deixar pra lá, já que o quadro fora apenas um presente e você não pagou nada por ele.
Autosuficiência versus contar com os outros Talvez a aplicação mais importante do custo de oportunidade seja a decisão de fazer as coisas você mesmo, em contraste com contratar alguém para fazer esse serviço. Fazer você mesmo, quase sempre, é mais barato e pode até ser divertido. Porém, o custo de se fazer algo sozinho é o valor das outras coisas que você poderia ter feito naquele tempo e não fez. Aquelas outras coisas podem incluir trabalhar em um emprego de meio‐expediente ou prestar consultoria, o que significa que você abriria mão de algum dinheiro. Então, decidir fazer você mesmo poderá lhe custar muito no sentido monetário. Mas os custos não monetários também podem ofuscar os custos monetários. O tempo que você gasta pintando sua casa é o tempo que você não gasta lendo para os seus filhos, passando o dia com sua esposa ou fazendo serviço voluntário no seu bairro. Em última análise, qualquer coisa que se aproxime da autosuficiência verdadeira é um caminho para a pobreza. Um auto‐suficiente entusiasmado pode trocar o próprio óleo, assar o próprio pão e construir uma estante em seu porão. Mas não forjará seu próprio aço e não montará seu próprio carro. Não semeará seu próprio trigo ou moerá sua farinha. Não cortará a árvore e não aplanará a madeira para aquela estante. E mesmo que o fizesse, precisaria comprar a serra. Não poderia fazer tudo sozinho. Ao nos especializarmos em uma pequena quantidade de habilidades e ao vendermos nossa capacidade no mercado, contando com as habilidades de outros indivíduos que também possuem especialidades, criamos muito daquilo que chamamos especialização. Nós nos especializamos porque os custos da autosuficiência são altos demais. De todas as restrições que enfrentamos, as restrições das 24 horas do dia e do tempo finito de vida são inescapáveis. Extrair o máximo da vida significa usar esse precioso tempo com sabedoria. Usar esse tempo com sabedoria significa usar e compreender o conceito de custo de oportunidade.
Preços Meus três filhos, com idades entre sete e doze anos, sofrem de um distúrbio que já foi descrito pelo economista John Baden como ferronite ‐ a paixão por tudo que seja feito de metal. Eles são fascinados por carros, caminhões, escavadeiras, tratores... enfim, você já consegue ter uma idéia. Outro dia, meu filho do meio sugeriu que meu próximo carro fosse um conversível. Eles são muito caros, respondeu seu irmão e mencionou que um conversível de um modelo em particular custava US$ 10.000 a mais que sua versão comum. Mas por que eles são mais caros, seu irmão perguntou? É uma boa pergunta. Por que os conversíveis são mais caros do que os não conversíveis? Por que um scotch de 21 anos é mais caro do que um scotch de 10 anos? Por que os pimentões vermelhos são mais caros que os pimentões verdes? Por que os empregados do Wal‐Mart ganham menos do que um trabalhador médio nos Estados Unidos? Por que a gasolina é mais cara no verão do que no inverno? Por que a gasolina é mais cara na Europa do que nos Estados Unidos? Por que as rosas são mais caras no dia 12 de junho? Por que a cerveja não é mais cara no domingo do Super Bowl? Por que as casas nos subúrbios de Washington, DC são mais caras que as casas nos subúrbios de Richmond, Virgínia? As respostas a essas perguntas acabam sendo um pouco complicadas do que parecem. Mas ignore as respostas, por enquanto. Apenas perceba que você pode perguntar. Há certa previsibilidade nos preços. Há uma ordem. Isso não precisava acontecer assim. Os preços poderiam existir em uma desordem aleatória, altos num dia, baixos no outro. Em certos dias, ingressos de cinema custariam mais do que camisas convencionais de oxford, laranjas custariam mais do que um copo de leite. Mas qual seria a origem dessa ordem? De onde vêm os preços? À primeira vista, a resposta parece óbvia. O vendedor estabelece o preço. Mas se você já tiver tentado alguma vez vender qualquer objeto, saberá que as coisas não acontecem exatamente dessa forma. Se você quer vender sua casa, claro, você é livre para escrever o número que desejar na tabela. Afinal de contas, cada casa é única. Sendo assim, você só precisaria encontrar alguém que ame sua casa, alguém que ame o terraço que você construiu, a forma que você reformou a cozinha ou o jardim ‐ ou as centenas de outras coisas que fazem uma casa ser especial. De acordo com essa mentalidade, você pode pedir um preço alto por sua casa, já que você precisa apenas que alguém aceite pagar esse preço. Porém, você descobrirá sem demora que, se cobrar um preço muito alto por sua casa, você não a venderá, mesmo que aconteça de alguém que ame sua cozinha pintada de roxo entrar por acaso em sua casa. Essa pessoa que ama sua casa, que está disposta a pagar 500 mil, ainda assim, não a comprará caso exista uma casa que seja quase tão boa quanto a sua por 300 mil. Enquanto o valor extra de sua
casa ‐ na visão do potencial comprador ‐ for menor que 200 mil, em comparação com a outra casa, você terá problemas. Sua casa não será vendida. As pessoas não pagam exatamente o quanto estão propensas a pagar, a não ser que não haja alternativas. E quando há a possibilidade de escolha, as pessoas possuem alternativas. A competição protege o comprador, mas também protege o vendedor. Você pode estar inclinado a vender a sua casa por 100 mil, mas não precisa vendê‐la por esse preço, caso haja casas similares à sua sendo vendidas por 300 mil. Os vendedores e os corretores imobiliários compreendem que uma casa está competindo com outras casas, mesmo aquelas que não sejam tão boas quanto a sua ou mesmo aquelas que são muito melhores. Assim, os vendedores e corretores buscam o preço das “comparáveis”: casas na mesma vizinhança, com o mesmo número de quartos, com terrenos de tamanho semelhante, com aproximadamente a mesma área construída, com aproximadamente o mesmo charme ‐ um atributo subjetivo, mas real. Mas se o preço de sua casa é determinado pelo preço das casas comparáveis, então o que determinaria o preço dessas casas comparáveis? O processo parece circular. Parece um castelo de cartas! O que faz com que o mercado de imóveis permaneça de pé? Uma resposta seria que, para um bem em particular, de uma qualidade particular – digamos, uma casa de quatro quartos em um subúrbio arborizado de Washington, em um distrito com boas escolas, em uma rua quieta com um terreno espaçoso – o preço se adapta para equiparar a quantidade de pessoas que desejam comprá‐las com a quantidade de pessoas que desejam vendê‐las. Os preços se adaptam para equiparar o quanto as pessoas desejam comprar um bem ao quanto as pessoas desejam vender esse bem. Caso as pessoas queiram comprar mais do que queriam anteriormente, os preços sobem. Se as pessoas desejam vender mais do que desejavam anteriormente, os preços caem. Oferta e demanda. Os compradores competem entre si e os vendedores também competem entre si. Os preços que observamos emergem dessa competição. A resposta simples da oferta e da demanda é uma resposta estranha, já que presume que você pode falar sobre um bem com uma qualidade particular. No mundo real, todo bem possui uma mistura única de atributos. Mesmo quando dois bens são idênticos fisicamente, quase sempre, os acompanham níveis diferentes de serviço.
É uma resposta estranha por presumir que você pode falar sobre um único preço, “o” preço de uma camisa comum, 100% algodão, ou de um confortável sedan de quatro portas, que percorre aproximadamente 12km por litro, ou daquela casa de quatro quartos no subúrbio. No mundo real, existem preços múltiplos para o mesmo bem. Existem as barganhas. Existem as liquidações. Tanto os vendedores quanto os compradores, aparentemente, cometem erros, vendendo bens por muito pouco ou pagando demais por eles. É uma resposta estranha porque o desejo das pessoas e suas situações, sua renda e suas alternativas, estão mudando constantemente, e, dessa forma, a quantidade que as pessoas querem comprar e vender nunca pode ser medida instantaneamente. Mesmo que você possa falar sobre “o” preço, ele está mudando constantemente. É uma resposta estranha, porque parece necessitar de muita informação. Caso contrário, como você poderia saber como estabelecer um preço, caso você seja o vendedor, ou como decidir pagar ou não o preço que o vendedor está pedindo, caso você seja o comprador? A estranheza da oferta e da demanda leva alguns a concluir que só se aplicam a casos especiais, de um produto homogêneo, onde exista um número de vendedores quase infinito e onde existam informações perfeitas a respeito da qualidade do bem, das alternativas e de seus preços. Segundo essa visão, a oferta e a demanda não poderiam ser aplicadas ao trigo. Talvez. A visão alternativa é que a oferta e a demanda devem ser irreais. Caso contrário, não haveria uma forma de se compreender o grande número de transações que estão acontecendo constantemente. Um retrato realista do que acontece no mercado imobiliário de Washington DC teria de narrar a singularidade de cada transação. Isso não seria apenas impossível, mas seria também não informativo. E qual seria a relação entre todas essas transações? A oferta e a demanda é uma forma de se enxergar a relação que elimina quase tudo, exceto o fato de que o que as pessoas desejam pagar ou o que elas devem pagar depende das alternativas. Pela oferta e demanda encontramos uma forma de organizar nosso pensamento sobre essa coisa peculiar que os economistas chamam de mercado e competição. Vamos colocar isso em ação sem usar gráficos, e ver o que enxergamos.
As Duas lâminas da tesoura Uma das virtudes mais importantes da oferta e da demanda é que elas lhe forçam a lembrar o que Alfred Marshall chamou de as duas lâminas da tesoura. Com poucas exceções, tanto compradores, quanto vendedores desempenham um papel na determinação dos preços. Por incrível que pareça, isso é
fácil de ser esquecido. Quando meu filho me perguntou por que os conversíveis são tão caros, o irmão dele explicou que as pessoas gostam muito deles ‐ o lado da demanda na equação. Mas essa pode não ser toda a história ou mesmo a maior parte dela. Com certeza, existem muitas pessoas que vivem em climas frios e chuvosos, ou mesmo em climas quentes demais, e que não gostariam tanto assim de dirigir um conversível. Então, por que eles são tão caros? Porque são mais caros de se fabricar, por conta do mecanismo que permite ao conversível recolher o teto. Os conversíveis só podem existir se seus preços forem mais altos que os não‐conversíveis. Se as pessoas gostassem se carros que não possuíssem qualquer tipo de teto, eles seriam mais baratos e não mais caros do que os carros com teto. Uma lógica similar se aplica aos pimentões vermelhos e verdes. Por que os pimentões vermelhos sempre são mais caros do que os verdes? Por que deveria haver qualquer relação entre os dois preços? Os pimentões verdes são utilizados, geralmente, em cozinhas industriais, por seu forte sabor. Eles não deveriam, então, ser mais caros? Acontece que um pimentão vermelho é um pimentão verde maduro. Um vendedor sempre prefere receber o dinheiro hoje, a receber o dinheiro amanhã, porque o dinheiro recebido hoje pode ser investido enquanto se lucra com os juros nesse meio tempo. Assim, se os pimentões verdes e vermelhos fossem vendidos ao mesmo preço, nenhum vendedor iria fornecer pimentões vermelhos. Dessa forma, os pimentões vermelhos devem ser vendidos por mais. Eles só existem no mercado porque algumas pessoas os preferem ao invés dos verdes. Mas para estarem disponíveis, para os vendedores fornecê‐los, eles terão de ser vendidos por um preço maior.
O Ajuste dos Preços Os preços se ajustam. Eles não são fixos. A oferta e a demanda nos ajudam a lembrar disso. Considere os impostos sobre a folha de pagamento. Eles são estruturados nos Estados Unidos de forma a serem distribuídos, igualmente, entre o empregado e o empregador. O que aconteceria se todos os impostos fossem pagos pelo empregador? Isso, aparentemente, beneficiaria os empregados. Mas essa hipótese supõe que os salários não mudariam quando o encargo legislativo dos impostos mudasse. Porém, os salários são o preço do trabalho. E o preço do trabalho se adapta de forma a equiparar a quantidade de trabalho que os trabalhadores desejam vender com a quantidade que os empregadores desejam comprar. Todo imposto possui um impacto sobre compradores e vendedores, mas esse impacto não é descrito pela legislação. Um imposto sobre os compradores de trabalho causará a queda dos salários. Então os empregados pagam parte dos impostos, mesmo se a legislação decretar que tudo deverá ser pago pelos empregadores. Um imposto sobre os vendedores de veículos aumentará o preço dos veículos. Os
compradores de carros pagam parte do imposto na forma de preços maiores, mesmo que a legislação coloque todo o imposto sobre o vendedor. Se a legislação colocasse todo o imposto sobre a folha de pagamento a cargo dos empregadores, o custo maior para os empregadores reduziria a quantidade de trabalho que desejam empregar. E isso abaixa os salários. Na verdade, os salários devem cair na mesma intensidade em que sobem impostos sobre os empregadores. Da mesma forma, se o imposto fosse colocado completamente a cargo dos trabalhadores, a oferta de trabalho cairia e os salários cresceriam para compensar o aumento no imposto. Similarmente, o aumento dos impostos sobre os ricos não tem o efeito pretendido de reduzir o vão entre ricos e pobres. A cobrança de impostos sobre os ricos leva a um aumento de salários entre trabalhadores altamente qualificados, compensando um pouco, ou todo, o aumento da carga fiscal. Benefícios compulsórios para trabalhadores de baixos salários nem sempre atingem o objetivo da maior igualdade, porque esses benefícios compulsórios encorajam mais trabalhadores a trabalhar, mas desencorajam empregadores a contratá‐los. Assim, os salários caem, equilibrando um pouco, ou completamente, o aumento do bem‐estar que os legisladores e seus partidários pudessem ter pensado.
A emergência de um modo diferente de se ver as coisas Finalmente, a oferta e a demanda nos ajudam a ver as coisas de uma forma totalmente diferente. É bizarro que militantes dêem crédito ou culpem o presidente pelo nível médio dos salários ou pela desigualdade no país. Se os salários estão subindo, o presidente irá se vangloriar por todos os bons empregos que a economia está criando. Se os salários estão caindo, então os críticos do presidente culpam o presidente. Mas o nível dos salários nos Estados Unidos não está sob o controle do presidente. É um fenômeno emergente que surge das escolhas feitas pelas pessoas acerca de quanta educação possuir, quantas horas irão trabalhar e a mistura da satisfação monetária e não monetária que as pessoas escolhem em trabalhos variados. O presidente não controla os salários de um país mais do que controla o peso médio dos cidadãos. Ele pode influenciá‐los através de várias políticas que afetam os incentivos que dispõem os trabalhadores e empregadores. Mas sua mão não paira sobre o botão que ajusta os salários, bem como não está sobre o botão que controla o peso das pessoas. Como mostram os exemplos acima, muitas políticas que um presidente ou um legislador pode propor para melhorar algo são, freqüentemente, compensadas pelas forças do mercado.
Disponível por um preço
Um das idéias mais simples que vem da oferta e da demanda é a da disponibilidade de bens no mercado. Quando as pessoas querem uma maior quantidade de algo, a parte mais entusiasmada dos consumidores raramente esgota a oferta. Os preços se ajustam para equiparar o quanto as pessoas desejam comprar a quantas pessoas desejam vender. Então, se as pessoas subitamente desejam uma maior quantidade de algo, esse produto não desaparecerá simplesmente. O preço aumentaria, induzindo um aumento da disponibilidade do produto. Como Henry George apontou: ”Eis uma diferença entre o animal e o homem. Tanto o abutre quanto o homem comem galinhas. Assim, quanto mais abutres, menos galinhas. Por outro lado, quanto mais homens existirem, mais galinhas existirão. Tanto a foca quanto o homem comem salmões, porém, quando uma foca come um salmão, há um salmão a menos, e se o número de focas crescer além de certo ponto, a quantidade de salmão deve diminuir. Por outro lado, ao colocar as ovas de salmão sob condições favoráveis, o homem pode, dessa forma, aumentar o número de salmões em razão maior do que aquela que pescamos, assim, não importa o quanto a quantidade de homens possa vir a aumentar, esse aumento não ultrapassará a oferta de salmão”. [Progresso e Pobreza, Livro II, Capítulo 3, par. II.III.5.] Porque os preços possuem a capacidade de se ajustar, as prateleiras raramente estão vazias em uma economia de mercado. Enquanto você desejar pagar por algo, você o terá. Às vezes, você terá de pagar um pouco mais. Às vezes, um pouco menos, já que as circunstâncias mudam. Mas você poderá encontrar o que precisa. Isso não faz a vida ser mais simples apenas para aqueles entre nós que gostam de salmão, isso também significa que você pode se especializar e confiar nos outros para a maioria das coisas que você deseja, sabendo que o mercado fará com que elas estejam disponíveis.
A advertência Nem todos os preços são determinados no ambiente que os livros chamam de mercados perfeitamente competitivos. A oferta e a demanda são ferramentas pobres para a previsão precisa dos níveis exatos dos preços. Qualquer transação individual pode se desviar do preço exato por causa de erros ou emoções. Em muitos mercados, um grande comprador, ou vendedor, pode afetar o preço de formas importantes. Mas a constatação de que o mercado não é um exemplo de competição perfeita não significa que a oferta e a demanda não possam capturar o suficiente da competição que permanece. Para tomarmos um exemplo extremo, o mercado de gasolina nos Estados Unidos é lotado tanto de regulações quanto da magnitude do poder de mercado, que existe em várias partes da cadeia de fornecimento. Mas, ainda assim, existe uma competição por todo aquele mercado, mesmo que essa competição não corresponda às definições dos livros.
Negociar e trocar
Adam Smith falou sobre a tendência do homem à negociação e à troca. As pessoas estão sempre comprando e vendendo coisas. Sempre procurando fazer negócio. Sempre procurando por um bom negócio. Sempre considerando as alternativas. A busca por um bom negócio, tanto para os compradores, quanto para os vendedores, sendo consideradas as alternativas, seria o que os economistas chamam de competição. O resultado disso é que as transações no mercado não são independentes umas das outras. De onde vêm os preços? Os preços que observamos no mundo à nossa volta emergem da interação entre vendedores, compradores e de suas alternativas. Como nós podemos apreender o estranho fato de que nenhuma transação aconteça no vácuo? Como podemos apreender a ordem que emerge a partir dessas transações? A análise da oferta e da procura é uma maneira simples e poderosa de descrever as formas pelas quais as transações pelo tempo e espaço não são independentes umas das outras. É uma forma poderosa de organizarmos nosso pensamento a respeito da complexidade que emerge a partir da tendência à negociação e à troca, uma complexidade que é resultado da ação humana, mas não de um desígnio humano.
O que são Juros Os juros são o preço que as pessoas pagam para obter um recurso agora, e não depois. Claro, esses recursos podem ser qualquer coisa, desde instrução universitária até uma TV de LCD. Os juros são convencionalmente expressos por uma taxa percentual pelo período de um ano. Se aqueles que pegam os empréstimos (os que desejam os recursos agora) conseguem obter recursos daqueles que emprestam (os que desejam abrir mão do controle atual) sob a condição de que retornarão 103 por cento dos recursos um ano depois, a taxa de juros é de 3 por cento. O procedimento padrão para se calcular os juros compostos, pelo o qual os juros são adicionados ao principal (a quantia emprestada) ao fim de cada ano, requer que aqueles interessados em permanecer com o controle daquela quantia por dois anos paguem 106.09 por cento do principal após o período de dois anos, supondo uma taxa de juros de 3 de cento ao ano. A fórmula para determinar o quanto a quantia a ser paga crescerá sob os juros compostos é: P(1 + r)n Na qual P é o principal, r é a taxa anual de juros e n é o número de anos que o empréstimo levará para ser pago. Os juros compostos são uma força inacreditavelmente poderosa. Seu poder pode ser visto no exemplo a seguir. Se Thomas Jefferson tivesse investido 10 dólares, a 3 por cento de juros compostos para comemorar a assinatura da Declaração da Independência, seus herdeiros teriam direito a quase 3.700 dólares na época em que os Estados Unidos comemoraram seu ducentésimo aniversário, em 1976. A juros compostos de 6 por cento, os 10 dólares investidos por Jefferson teriam atingido 1.150.000 dólares, ou seja, teriam crescido mais 311 vezes. O que se deduz de imediato é que uma quantidade de recursos disponíveis somente em uma data futura tem menos valor hoje (valor atual) do que a mesma quantidade de recursos que esteja disponível imediatamente. A diferença nos valores é determinada pela taxa de juros vigente. Se a taxa anual de juros for de 3 por cento, 100 unidades de um recurso a serem recebidas daqui a um ano equivalem, aproximadamente, a 97.09 unidades hoje. A fórmula para se determinar o valor atual de quantias futuras (um processo que é chamado de desconto) deriva da mesma fórmula usada para determinar os valores que as quantias atuais crescerão no futuro: Valor atual = F/(1 + r)n
Onde F é a quantia futura e r e n são, novamente, os juros e o número de anos, respectivamente. A taxa de juros entra, pelo menos implicitamente, em todas as decisões econômicas, porque as decisões econômicas são feitas a partir da comparação entre os custos e os possíveis benefícios futuros. A única forma de fazer o valor dos futuros benefícios ou os custos serem comparáveis é descontá‐los por sua “distância temporal” do presente, utilizando a taxa de juros aplicável. Quanto maior for essa distância temporal (ou seja, quanto mais no futuro estiver o benefício ou o custo), menor será o valor descontado, ou seja, o valor atual. As taxas de juros citadas por aqueles que emprestam recursos, geralmente, incluem muito mais do que os juros “puros”. Para persuadir o credor a abrir mão de seu controle atual sobre os recursos, o interessado nos recursos deverá pagar, além dos juros, uma quantia que compense o credor por quaisquer custos que venham a ocorrer na organização da transação, geralmente incluindo algum tipo de prêmio de seguro contra o risco de não‐pagamento por parte do devedor. Alguém que não possua uma taxa de crédito estabelecida e que se inscreva para um empréstimo sem seguro será, certamente, solicitado a pagar por “juros” com uma taxa anual várias vezes maior que a taxa de juros “pura” que esteja em vigor. A taxa de juros é determinada pela oferta e pela demanda: a demanda pelo controle imediato dos recursos por aqueles que não os possuem e a oferta por parte daqueles que possuem os recursos e que estão dispostos a abrir mão deles por um preço. A questão do por que exatamente a demanda e a oferta geram uma taxa de juros positiva é uma das questões mais ferozmente disputadas na história da teoria econômica. Vale ressaltar que quando um indivíduo adquire o controle imediato sobre recursos, o seu conjunto de oportunidades disponíveis se expande. Em resumo, o controle imediato sobre recursos é algo que as pessoas desejam. Quem compreende esse fato quer pagar por esse controle e aqueles que vão abrir mão dele insistem que devem ser recompensados por isso. O fato de que os empréstimos são feitos, geralmente, por meios financeiros, leva a uma enganosa crença que os juros são um pagamento pelo uso do dinheiro. O dinheiro é, em geral, o objeto do empréstimo por oferecer um controle geral sobre os recursos. Porém, os juros também existiriam em uma economia de escambo pura, onde o dinheiro não fosse utilizado. Chamar os juros de “o preço do dinheiro” leva ao engano de que o aumento da disponibilidade de dinheiro poderia fazer as taxas de juros caírem, da mesma forma que o preço do trigo poderia ser derrubado a partir de sua maior disponibilidade no mercado. Essa questão poderia nos levar a uma discussão a cerca da teoria e da política monetária. Por enquanto, seria suficiente apontar que o aumento da quantidade de dinheiro tende a diminuir o poder de compra da moeda, por causar inflação.
Em países que permitem que a oferta de moeda cresça rapidamente, as taxas de juros, em geral, sobem porque as pessoas passam a esperar pela inflação. Quando a inflação é antecipada, os credores insistem em serem compensados pela suposta queda no valor do dinheiro durante o período do empréstimo, e os devedores, esperando liquidar a dívida com uma moeda depreciada, desejam pagar a compensação. A taxa de juros real sobre os empréstimos financeiros será a taxa fixa (ou nominal) menos a taxa prevista de inflação. Em países que estão experimentando um crescimento rápido na quantidade de moeda disponível, as taxas de juros são bem altas. Porém, essas altas taxas não são os juros reais. Em vez disso, serão altas taxas de juros nominais. Se a inflação prevista é de 10 por cento, por exemplo, e a taxa de juros real for 5 por cento, a taxa de juros nominais será de 15 por cento. Mas alguém que empreste dinheiro a 15 por cento ao ano não será reembolsado com 15 por cento além dos recursos emprestados, no fim do ano. Pelo contrário, o credor será reembolsado em 15 por cento a mais em dinheiro, mas será capaz de usar esse dinheiro para adquirir apenas 5 por cento a mais em recursos. A taxa de juros real, por determinar o valor relativo dos bens em diferentes tempos no futuro, tem efeitos importantes na decisão dos investimentos. Taxas de juros menores aumentam o valor corrente de retornos distantes, o que encoraja os investidores a expandirem projetos que ofereçam a possibilidade de grandes retornos apenas em momentos distantes. Taxas de juros mais altas levam os investidores a se concentrarem em projetos que prometam retornos mais imediatos. Entretanto, a relação é de determinação mútua. Por razões que vão da psicologia à tecnologia, as pessoas em uma sociedade podem ter um desejo mais forte em favor da disponibilidade atual de recursos do que pessoas em outra sociedade. Quanto mais forte for esse desejo pela gratificação imediata, mais altas serão as taxas de juros.
Externalidades Cresci em uma fazenda em Valencia, na região do cultivo de laranjas, ao sul de Orlando. Duas vezes por ano, em dezembro e em junho, o ar se perfumava com as flores da laranjeira, espalhando seu doce néctar. O ar se enchia de abelhas, que coletavam o néctar. Mas as abelhas pareciam vestir grossas calças amarelas de gaúchos, carregando o pólen de flor em flor. O homem velho com uma pele que parecia couro, a quem chamávamos “Homem Abelha”, trazia as colméias e as colocava em fila. Descobri que, se eu fizesse uma carinha triste, ele me daria um favo gotejando mel (e, na verdade, gotejando abelhas também) para mastigar. As abelhas produziam mel suficiente para que o Homem Abelha pudesse nos dar um pouco e ainda ganhar dinheiro. Pensando agora sobre aquela época, vejo que eu estava no meio de uma das mais interessantes e complexas situações econômicas. Mas aqueles favos de mel aquecidos pelo sol eram tão gostosos que eu nem prestava atenção no que alguns economistas chamam de “externalidades”, as abelhas fertilizando as frutas e as flores dando às abelhas o néctar para o mel.
Externalidade Se eu faço algo que o afeta, positiva ou negativamente, sem o seu consentimento ou sem a minha própria capacidade de reter um benefício a não ser que você pague, isso é uma externalidade. O economista A. C. Pigou formulou o problema como uma divergência entre o preço da oferta (o que um comprador paga) e o “preço marginal da oferta” (o valor total do custo de um bem). O preço pago pode ser menor do que o custo verdadeiro (uma externalidade negativa) ou maior do que o custo verdadeiro (uma externalidade positiva). Um exemplo muito comum de externalidade positiva é o farol. Como disse Henry Sidgwick, há quase 150 anos, “os benefícios de um farol bem colocado provavelmente são muito bem aproveitados por navios nos quais nenhum sino poderia ser colocado.” Essa conclusão parece perversa, e é. As pessoas que se beneficiam do aumento da produção de uma externalidade positiva hão de procurar uma solução. Como observou Ronald Coase, um outro economista, Pigou ignorava um fato importante: em mercados reais, os problemas de externalidades são freqüentemente solucionados na esfera privada, o que significa que a externalidade desaparece. De fato, Coase pesquisou um pouco e encontrou algo interessante: em 1820, na Inglaterra (na terra de Sidgwick!), mais de três quartos de todos os faróis eram construídos e operados privadamente.
Coase fornece uma análise geral das externalidades em “O problema do custo social”, seu importante ensaio de 1960. Ele defende três idéias fundamentais. A primeira é que as externalidades são recíprocas. A segunda diz que as externalidades persistem apenas se os custos de transação são altos. E, finalmente, se os custos de transação são baixos, os processos mercadológicos levarão aos mesmos resultados eficientes, independentemente da atribuição dos direitos de propriedade. Vamos ver o que uma análise coaseana nos diria a respeito da externalidade que me interessa. Vamos pensar nas abelhas.
A “Fábula das abelhas” de Cheung: uma análise coaseana Em 1952, um economista chamado J. E. Meade publicou um ensaio no Economic Journal. Meade acreditava ter descoberto um fenômeno verdadeiramente novo, uma relação da externalidade tão intrincada que os mercados não conseguiriam gerenciá‐la. Meade pensava que o resultado seria sempre a ineficiência, porque o cultivador do pomar não consegue captar todos os benefícios criados pela apicultura. Conseqüentemente, argumentava, é necessário algum tipo de subsídio, ou ajuda governamental. Porém, Meade estava errado. A primeira razão é que, ao contrário das laranjas, as flores de maçã não produzem néctar suficiente para viabilizar o “mel de flores de maçã”. Sim, você pode comprar um produto chamado mel de flores de maçã. Boa parte dele é feito de flores selvagens que crescem em pomares. E “mel de flores de maçã” soa bem melhor que “mel de ervas daninhas”. Além disso, todas as externalidades são recíprocas. Economicamente, a abelha e a flor estão tão interconectadas quanto a galinha e o ovo. E os ganhos da solução desse problema são significativos. A afirmação de Meade a respeito da “falha” do mercado em capturar a externalidade teria sido novidade para os cultivadores de maçã, como mais tarde o trabalho do economista Steven Cheung demonstrou. Lembre‐se, o problema geral é supostamente que as externalidades positivas causam uma produção insuficiente. E Meade argumenta que o problema específico da apicultura é uma externalidade positiva perfeita. As abelhas mantidas em um pomar, a não ser que ele seja muito grande, cruzarão as fronteiras em direção dos pomares vizinhos. Dessa forma, a polinização é “externa” à decisão de qualquer proprietário de terras. E isso significa que haverá muito poucas abelhas. Tragam a Agência Federal de Apicultura! Precisamos de subsídios, e imediatamente. Cheung ignorou os economistas e observou a economia.
Ele descobriu que os cultivadores de maçã tinham solucionado o problema. As abelhas voam a procura de néctar às vezes um quilômetro, às vezes três quilômetros. Os pomares de maçã podem ser grandes (seu tamanho médio é de um pouco mais de 50 acres), mas as abelhas poderiam facilmente cruzar as linhas da propriedade e polinizar árvores no pomar vizinho. Então, suponhamos que eu tenha um pomar de tamanho médio, no meio de vários outros pomares. Suponhamos que eu espere que os cultivadores à minha volta invistam em abelhas. Eu ganharia as abelhas de graça! Boa parte, talvez a maior parte, do meu pomar seria polinizada pelas abelhas itinerantes dos pomares vizinhos. Porém, se um economista munido de um quadro‐negro é capaz de compreender isso, então, certamente, os cultivadores de maçã também são. Existem ganhos reais com a solução desse problema, que é local e envolve apenas um pequeno número de cultivadores de árvores frutíferas. Stephen Cheung descreve um poderoso contrato implícito, o “costume do pomar”, que exclui os cultivadores da previsão de Meade. “O costume do pomar” é um entendimento de que certo número de colméias, em média, são necessárias para se polinizar uma determinada área. É verdade que algumas colméias da fazenda A irão acabar na fazenda B, e vice‐versa, no que parece um padrão de procura aleatória. Mas se ambos os cultivadores adquirirem um número médio correto de colméias, e as abelhas aleatoriamente procuram por pólen e néctar, então a externalidade é completamente internalizada. Minhas abelhas polinizam algumas das suas árvores e as suas polinizam algumas das minhas, mas as alocações marginais e médias de recursos são, de forma geral, as mais eficientes! Se há dinheiro para ganhar, e os custos de transação não são muito altos, as pessoas irão descobrir alguma coisa sozinhas.
A flor especial da laranjeira Ainda assim, qual é o preço de mercado dos serviços das abelhas? Como os mercados podem solucionar esse problema? Cheung (p.19) propõe uma resposta simples: como a possível externalidade é recíproca, a polinização pode valer mais, ou a produção de mel pode valer mais. Então, a troca será alguma combinação de dinheiro e mel, e não é muito claro para um observador externo quem pagará a quem. Porém, as partes reais dessa troca podem solucionar esse problema entre si. Lembre‐se de que, em Washington, as flores de maçã produzem relativamente pouco néctar. O resultado será que os apicultores em Washington estão produzindo mais valor na polinização do que na retirada do mel. Então, os cultivadores de maçã pagam mais aos apicultores por qualquer mel que os
apicultores venham a produzir. Mas os cultivadores de maçã pagam menos pelos serviços das abelhas caso não seja produzido mel algum. Por outro lado, as folhas de laranja são uma enorme fonte de um apreciado mel. E então, a direção do pagamento é inversa: Na Flórida, até recentemente, os apicultores pagavam aos proprietários dos pomares. (A advertência do “até recentemente” é necessária porque a população de abelhas tem diminuído nos últimos anos em várias partes do país, inclusive na Flórida, e agora os proprietários dos pomares pagam aos apicultores.) Assim, em seu nível mais simples, nós podemos ver que um problema teórico bastante complexo é solucionado de uma forma simples e direta pelo mecanismo dos preços. Os apicultores farão ofertas, bem como os cultivadores. Ambas as partes se beneficiam dessas transações. Quem paga quem e como? Alguém que observa de fora pode ter dificuldade em adivinhar. Os preços sinalizarão a escassez relativa dos recursos (inclusive as abelhas!), e a demanda por produtos rurais. Em pomares de maçãs, os cultivadores pagam os apicultores. Em pomares de laranja, os apicultores pagam os cultivadores. E, docemente, ninguém precisou ensinar‐lhes a fazer o mel.
Elasticidade No início de 1998, Luis Tellez teve uma reuniao secreta com sua contraparte da Arábia Saudita. Tellez era o ministro de energia do México, o funcionário do governo que decidia quantos barris de petróleo o Méximo produzia e vendia aos outros países. Qual o motivo da reunião secreta? Aumentar seus ganhos (ou sua receita) da venda de petróleo, aumentando o preço mundial, o qual havia caído 50% nos dois anos anteriores. O preço mundial de petróleo assim baixo estava causando sérios problemas para ambos os governos, que dependiam da receita da venda de petróleo. Mas um plano para aumentar o preço do petróleo não teria êxito, a não ser que outros países exportadores também estivessem dispostos a reduzir sua produção de petróleo. Por que era necessário reduzir a produção? Por que não bastava aumentar o preço? Porque, pela lei de demanda, um aumento de preço leva a uma queda na quantidade demandada. Assim, se não houvesse também uma queda na produção, haveria um excedente de petróleo no mercado, pressionando o preço novamente de volta para níveis mais baixos. Para que o plano funcionasse, Tellez tinha de convencer seus colegas ministros de energia a produzir menos. Mas quanto menos? Se os consumidores respondessem a esse aumento de preço usando muito menos petróleo, a produção teria de cair muito. E se a quantidade produzida caísse o suficiente, em resposta ao aumento de preço, a receita poderia não aumentar, mas sim cair. A questão essencial para Tellez, então, era saber o quanto a quantidade demandada de petróleo era sensível a mudanças no preço do petróleo. Mas como definimos sensibilidade? A resposta, e o que Tellez precisava saber nesse caso, é um número especial: a elasticidade‐preço da demanda.
Elasticidade‐preço da demanda Para calcular a elasticidade‐preço da demanda, calculamos primeiro a mudança percentual na quantidade demandada e a correspondente mudança percentual no preço, à medida que nos movemos ao longo da curva de demanda: Mudança % na quantidade demandada = mudança na quantidade demandada/quantidade demandada inicial x 100 Por exemplo: Digamos que o preço do leite muda de R$ 2,00 para R$ 2,20. Qual a elasticidade‐preço da
demanda por leite se a quantidade demandada de leite é de 85 mi de litros por ano quando o preço é R$ 2,20 e é de 100 mi de litros por ano quando o preço é R$ 2,00. Então: A mudança absoluta na quantidade foi de 15 mi de litros (100 – 85) para baixo. Em termos percentuais isso equivale a 15% pois, a quantidade era de 100 mi litros a R$ 2,00 que era o preço inicial. Quando o preço aumentou para R$ 2,20 houve uma queda na quantidade demandada de 15% [100(85 – 100)%/100]. A mudança absoluta no preço foi de R$ 0,20 (2,20 – 2,00) para cima. Em termos percentuais isso equivale a 10% pois, o preço inicial era R$ 2,00 e aumentou para R$ 2,20 houve um aumento de 10% [100(2,20 – 2,00)%/2,00]. A elasticidade desta mudança é de Ed = 15%/10% = 1,5.
Classificando bens com a elasticidade‐preço da demanda Elásticos Se a elasticidade‐preço do bem for maior que 1,00 diz‐se que a demanda por esse bem é elástica. A variação percentual na quantidade excede a variação percentual no preço. Ou seja, os consumidores são bastante sensíveis a variações no preço. Inelásticos Se a elasticidade‐preço do bem for menor que 1,00 diz‐se que a demanda por esse bem é inelástica. A variação percentual na quantidade é menor que a variação percentual no preço. Ou seja, os consumidores são relativamente insensíveis a variações no preço. Elasticamente unitários Se a elasticidade‐preço do bem for igual a 1,00 diz‐se que a demanda por esse bem é de elasticidade neutra. A variação percentual na quantidade é igual à variação percentual no preço. Elasticidade e bens substitutos A elasticidade‐preço da demanda para um bem em particular é influenciada pela disponibilidade ou não de bens substitutos. Quanto mais bens substitutos estiverem disponíveis mais elástica é a demanda, se não há bens substitutos a demanda é inelástica.