O termo, de uso corrente entre psicanalistas, não consta em dicionários regulares, não é familiar à maioria e tende a confundir-se. Posto de maneira simples, alteridade é a capacidade de ser o "outro" de alguém, o que envolve a capacidade educativa de oferecer referências claras e estáveis a alguém. Caso não tenhamos uma exata compreensão da importância da alteridade, nossa capacidade educativa e relacional reduzem-se ao extremo. Assim, não será possível educar alguém tentando ser o "mesmo" desse alguém, o "idem" desse alguém, simplesmente porque, nesse caso, não haverá verdadeiramente "alguém outro" na frente desse jovem, com quem ele possa relacionar-se. O professor não terá aluno, o pai não terá filho, nem o filho terá pai. A alteridade consiste em assumir, como adultos, a árdua tarefa de desenvolver a capacidade de ser o "outro" do aluno, com vistas a obter a verdadeira identidade, a capacidade de ser idênticos a nós mesmos, educadores que somos. Idem, o mesmo; alter, o outro, eis a chave básica da compreensão. Na vida sócio-afetiva buscamos, em geral, a identidade, porque acreditamos que ela nos proporciona uma relação mais acolhedora e compreensiva, com mais possibilidades de se tornar uma relação bem sucedida. "Tenho muita identidade com fulano", costumamos dizer, querendo significar que "nos damos bem e partilhamos os mesmos gostos e idéias". A busca da identidade pode ser interpretada, em última análise, como o desejo básico, presente em todos nós, de resgatar nossa mais fundamental experiência afetiva de identificação, a identidade com a mãe enquanto éramos um "mesmo" com ela. No entanto, crescemos e, crescendo, nasce uma nova necessidade, não mais a necessidade de ser "idem", mas de conseguir suportar a difícil tarefa de ser "alter", de ser distinto, de buscar o posicionamento pessoal que nos fará, por diferentes, únicos. Nós não somos originais e únicos porque somos "idem". Ao nos identificar com os outros, somos mais um. A identidade nos torna universais, a alteridade nos torna originais. A identidade faz, de cada um de nós, apenas mais um; a alteridade nos faz um "outro". Visto o conceito, apliquemo-lo agora à educação e ao projeto de prevenção. ALTERIDADE E EDUCAÇÃO A juventude é a etapa da vida em que a consciência vislumbra a importância da alteridade. Infância é identificação, juventude é início de desidentificação com vistas a experimentar os horizontes da alteridade. Mas, como todo início, é freqüentemente um ato desajeitado e, por isso, mal interpretado. O jovem quer originalidade, quer alteridade, quer impor-se com idéias próprias para tornarse alguém por si mesmo. Tudo isso, em princípio, é sadio porque ensaia a alteridade, mas como esse mesmo jovem teme romper com a identificação ainda recente da infância — que tanta segurança afetiva lhe rendeu — ele tenta solucionar o problema desidentificando-se dos pais e identificando-se temporariamente com sua turma, através dos hábitos da sua época. Segue-se assim uma estranha curiosidade. Na medida em que os jovens tornam-se originais "todos da mesma maneira", eles tornamse massificados, imitativos e, portanto, muito pouco originais. Eis o jogo "identidadealteridade" em funcionamento. A juventude é um ensaio para a alteridade. Já se nota o esforço de colocar um pequeno pé na originalidade criativa, mas ainda há uma forte tentação de garantir, através da identificação imitativa, a segurança perdida com a infância, eis o conflito. A alteridade é a única forma de expressar e sustentar a maturidade de um educador. O educador equilibrado é capaz de expor, propor, impor, limitar, transigir, mas sempre como ele mesmo, como "alter" do seu aluno. Eis porque um tal conceito é fundamental para qualquer educador e por que constitui uma das bases para a compreensão do projeto de prevenção do Colégio. Vistas assim, as áreas de atuação transversal, as instâncias e o conceito fundamental de alteridade, que, reunidos, constituem o projeto de prevenção do Colégio, podemos finalmente sintetizá-lo. Este projeto educativo — que se propõe a envolver gradativamente
também os pais — visa apoiar e estimular os professores para uma forma de atuação preventiva madura e eficaz. No exercício de plena e assumida alteridade relacional, os educadores (na escola e na família) devem respeitar as características individuais dos jovens e oferecer-lhes informações, reflexões e referenciais ao redor dos quais os jovens possam estruturar um posicionamento pessoal que venha a guiá-los e acompanhá-los na complexidade do tema e da época.