AGROECOLOGIA MILITANTE Contribuições de Enio Guterres
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Ivani Guterres
AGROECOLOGIA MILITANTE Contribuições de Enio Guterres
1ª edição
EDITORA EXPRESSÃO POPULAR 2006
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Copyright © 2006, by Editora Expressão Popular Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Maitê Carvalho Casacchi Projeto gráfico e capa: ZAP Design Diagramação: Mariana Vieira de Andrade Impressão e acabamento: Cromosete
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora. 1ª edição: dezembro de 2006 EDITORA EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição, 266 - Bela Vista CEP 01319-010 – São Paulo-SP Fone/Fax: (11) 3112-0941
[email protected] www.expressaopopular.com.br
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Sumário
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 7 TRIBUTO AO COMPANHEIRO ENIO GUTERRES ............................................. 9 PERDEMOS UM COMPANHEIRO, GANHAMOS UM DESAFIO ................... 13 1. OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO – a longa passagem da agricultura química para a agricultura camponesa ecológica ................................................................... 17 2. SECA NO RIO GRANDE DO SUL – quem são os responsáveis? ........................ 29 3. MONOCULTURA DA SOJA – riqueza para alguns, crise e miséria para a maioria ... 37 4. QUEM VAI COMER A SOJA ENVENENADA? ................................................ 45 5. BIODIESEL – oportunidade para a agricultura camponesa ................................... 47 6. TECNOLOGIAS APROPRIADAS ....................................................................... 49 7. SOBERANIA ALIMENTAR, BIODIVERSIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL ............................................................................... 53 8. AGRICULTURA CAMPONESA X AGRICULTURA IMPERIALISTA ............. 73 9. BASES TEÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS DA AGROECOLOGIA A PARTIR DA SOCIOLOGIA RURAL ................................................................ 91 10. NIM (Azadirachta indica) ..................................................................................... 97 11. ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA O PLANTIO CAMPONÊS .......................................................................................................... 99 12. A MOTIVAÇÃO DOS CAMPONESES PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL (a partir do conhecimento local) ................................ 131 13. PLANEJAMENTO – Quem não sabe onde quer chegar não chega lá nunca .... 135 14. A FORMAÇÃO DO MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) no Rio Grande do Sul e o primeiro assentamento rururbano ............................... 145
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APRESENTAÇÃO
O lançamento deste livro, contendo textos referentes a ecologia, transgênicos, biodiesel, agroecologia e organizações sociais, antecipou-se ao falecimento de Enio Guterres (1961-2005), uma pessoa muito especial que tive a felicidade de conhecer, com quem convivi durante mais de 21 anos e com quem tive dois filhos, André Vinícius e Jamile. Enio teve um imenso amor pela vida e um grande respeito pelo seu semelhante. Por isso, acreditou que poderia sonhar e ajudar na construção de um mundo melhor, dividindo esse sonho com muitas pessoas, que o ajudaram na busca dessa realização. Enio sonhou com um mundo mais justo e humano, onde fosse possível compartilhar amor, experiências, conhecimentos e que através da organização de ações, pudéssemos mais facilmente modificar o presente e construir um futuro melhor. Também acreditava que as crenças que temos sobre nós mesmos determinam quem somos, e foi através do seu trabalho que viu a possibilidade de concretizar um sonho, o qual virou projeto de vida, tanto que se dedicou integralmente às questões ambientais e sociais, propondo-se a trabalhar
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junto com os pequenos agricultores, ajudando a desenvolver a sensibilização para a preservação do planeta. A continuidade do seu trabalho se dará através daqueles que acreditaram e tiverem um convívio mais equilibrado e harmonioso com a natureza e toda a criação, transmitindo assim uma abordagem de compreensão e respeito em face do universo. Ivani Guterres Agosto de 2005
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TRIBUTO AO COMPANHEIRO ENIO GUTERRES
A Via Campesina gaúcha, do Brasil e internacional perdeu um grande companheiro. Um quadro exemplar. Parece se cumprir a triste sina de que, “a gente só dá o devido valor depois que se perde”. Enio Guterrez foi um quadro exemplar da Via Campesina. Suas contribuições ajudaram não só a Via Campesina gaúcha e brasileira, mas também a Via Campesina internacional, com suas reflexões e preocupações que foram utilizadas em vários espaços e instâncias. Ele desenvolveu qualidades fundamentais, que nos deixou como exemplo e legado. Uniu o critério da preocupação científica, de estudar, de pesquisar, com a militância social, de sempre estar ao lado e junto com os trabalhadores rurais, com os camponeses. Criterioso nas suas preocupações, sempre esteve antenado com os desafios que o capitalismo, agora em sua fase internacional, impunha aos camponeses, seja no Rio Grande do Sul, seja em todas as partes do mundo. Dedicado ao estudo, aproveitou os contatos, os professores e o ambiente acadêmico do seu mestrado na Espanha para ampliar o
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intercâmbio entre os movimentos e o debate sobre os dilemas que as novas formas de atuação do capitalismo internacional criava entre os camponeses. E contribuiu muito com seus escritos e debates para entendermos a natureza desses dilemas e sobretudo as formas de enfrentálos, enquanto classe. Os leitores vão perceber pelos artigos e ensaios que estão nesse livro quais eram suas preocupações. Vejam que todos os temas estão à frente, no tempo e na luta de classes. Enio nos ajudou a combater os transgênicos, nos alertou sobre a importância da soberania alimentar, sobre a importância de defender e preservar a biodiversidade combinada com as atividades de produção agrícola. Refletia sobre a necessidade de adequar as técnicas de produção agrícola com a produção de alimentos saudáveis e com o equilíbrio do meio ambiente, do qual todos fazemos parte. Discorreu sobre a importância do biodiesel e de adequar a mecanização agrícola a escalas necessárias para os camponeses e para o meio ambiente. Enio foi, a seu modo, um cientista militante. Enio foi acima de tudo um militante comprometido com o povo brasileiro e com os camponeses. Enio foi um grande pedagogo. Estudioso e conhecedor em profundidade dos temas a que se dedicava, nunca usou da arrogância do saber, mas usou a sabedoria para ensinar com mais clareza os demais. E tinha uma paciência camponesa, de explicar com o mesmo afinco e atenção para o deputado e para o assentado, lá na base. Enio foi o verdadeiro “agrônomo pé-no-chão”, da tradição revolucionária, de transformar o meio rural numa sociedade mais justa e fraterna. E de transformar a produção agrícola numa atividade prazerosa, adequada à preservação do meio ambiente, priorizando a produção de alimentos saudáveis para nosso povo. Pagou com a vida a irracionalidade de nosso sistema de transporte. Mas deixou um grande legado. Deixou seu exemplo de mili-
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tante. Deixou-nos a obrigação de segui-lo, na preocupação do estudo, da pesquisa, de colocar os conhecimentos científicos e as técnicas a serviço do bem-estar dos trabalhadores, e não apenas para explorá-los, como faz o capitalismo. Espero que o registro histórico das contribuições do Enio nos anime, a todos e a todas, a seguir seu exemplo: estudo, militância e dedicação aos camponeses! Será a melhor maneira de homenageá-lo. João Pedro Stedile Pela Via Campesina do Brasil Agosto de 2005
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PERDEMOS UM COMPANHEIRO, GANHAMOS UM DESAFIO
A notícia chegou-nos como um petardo. “O senhor Enio Guterres sofreu um acidente de carro e está em estado grave no Pronto Socorro.” Corremos feito doidos e quando conseguimos chegar ao setor de traumatologia o que ouvimos desmontou-nos por completo. “O acidente foi grave e o senhor Enio já chegou aqui com parada cardíaca. Não pudemos fazer mais nada.” Uma carreta Volvo, numa ultrapassagem perigosa e proibida, colheu de frente o Gol que Enio dirigia, tirando-lhe a vida. Perdíamos ali uma pessoa singular. Os filhos perdiam um pai exemplar. A esposa perdia não só o amor de sua vida, mas o marido dedicado e atencioso. Os parentes perdiam um irmão, primo, cunhado, genro amigo e estimado. A mãe perdia o filho dileto. Todos nós perdemos um amigo, uma pessoa séria – e ao mesmo tempo alegre –, alguém de fácil convivência e incapaz de uma palavra dura ou ofensiva. E todos perdemos um técnico competente, estudioso, preparado, disciplinado e dedicado à causa do povo.
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Enio fizera uma opção de classe muito clara ainda no tempo de estudante de agronomia na Universidade Federal de Santa Maria. Depois de formado, passou em concurso público e foi trabalhar na Emater/RS. Dela foi demitido pelo governador Antônio Britto quando manifestou publicamente sua opção pelo Partido dos Trabalhadores. Trabalhou nas lavouras da família em Coronel Bicaco (RS) – pois não conseguiu emprego após ser demitido pela Emater – até que foi convidado a assessorar tecnicamente o recém-fundado Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Enio ajudara a fundar o MPA em seu município e chamara a atenção como técnico e como pedagogo popular. A partir de 1997, Enio integrou-se na construção do MPA como assessor técnico, trabalhando em Cruzeiro do Sul e percorrendo todo o Estado. Em 1998, é escolhido para fazer parte da assessoria técnica do PT na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas não se desvincula de seu trabalho junto aos pequenos agricultores. Com a vitória de Olívio Dutra nas eleições para governador, Enio passa a fazer parte da equipe que vai implantar o Programa de Reforma Agrária do governo popular, aí permanecendo pelos quatro anos e conquistando respeito entre os assentados e militantes do MST pela sua capacidade técnica e de diálogo. Nesse período, estuda e escreve sobre uma nova modalidade de assentamentos então experimentada, o assentamento rururbano. Em 2003, retorna como assessor técnico da Via Campesina, compondo a equipe do gabinete parlamentar conquistado pela Via Campesina na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Nesse período, aprofunda seus estudos teóricos e práticos sobre agroecologia, sementes crioulas, transição agroecológica, transgênicos, agricultura camponesa, assistência técnica e energia de biomassa. Estava preparando tese de mestrado para a Universidade de Córdoba, Espanha, com o professor e pesquisador Eduardo Sevilla
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Gusmán, desenvolvendo a temática do método para a transição agroecológica. Por designação da Via Campesina, estava também na coordenação de três importantes projetos em estudo nos Movimentos Camponeses, que são a mecanização camponesa, a implantação de projetos de biodiesel e a elaboração de um plano camponês coordenado pelo MPA e Via Campesina nacional. Participou também de encontros internacionais, representando a Via Campesina do Brasil em atividades sobre soberania alimentar, transgênicos e comércio internacional. Seus 44 anos de vida intensa e bem vivida foram interrompidos brutalmente quando voltava de um assentamento do MST em Guaíba (RS), onde regular e disciplinadamente ia todas as quartasfeiras colher dados para sua tese de mestrado e debater com os assentados como estavam fazendo a transição de modelo tecnológico. Unir teoria e prática era um traço marcante em sua maneira de ser militante e intelectual. No dia seguinte, no dia em que o sepultamos, estaria coordenando o lançamento de um trator popular de tecnologia chinesa adequado à agricultura de pequeno porte. Perdemos um amigo, um companheiro, um militante, um técnico competente, mas ganhamos uma luz e um desafio novo. Continuar a luta pela qual ele tanto se doou e fazer viver neste país a reforma agrária, a agricultura camponesa e o respeito aos que trabalham na terra. Frei Sérgio Görgen Maio de 2006
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1. OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO – a longa passagem da agricultura química para a agricultura camponesa ecológica
Somos condenados a fazer o caminho caminhando, não raro na noite escura, sem ver claramente a direção e sem poder identificar os empecilhos. E precisamos crer e esperar que o caminho nos conduza a algum lugar que seja bom para se morar e demorar nele. Leonardo Boff
Nos espaços protegidos Onde a “revolução verde” não entrou, não é preciso passar por ela para depois sair, fazer a passagem, a transição. É preciso valorizar as práticas existentes e, através do diálogo, do debate, das trocas de experiências, ampliá-las com os conhecimentos desenvolvidos pela agroecologia nos últimos anos. As formas novas de incorporação de matéria orgânica através de plantas melhoradoras do solo, por exemplo, ou a restrição e até a eliminação do uso do fogo, prática tradicional na agricultura camponesa quando a terra era mais abundante e a coivara era uma prática necessária. Nos espaços protegidos, a agricultura camponesa aperfeiçoa-se das práticas conservadas, valorizando a resistência e resgatando sementes e raças ali preservadas e levando-as para as áreas e regiões onde a “revolução verde” devastou a biodiversidade e os saberes camponeses. Começar pequeno O que nasce grande é o monstro. O que é normal nasce pequeno. Alguns se entusiasmam com a agroecologia e querem começar tudo de uma vez e quebram a cara. Muitos técnicos, partidários da
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agroecologia, não conseguem pensar em termos de transição, de passagem, de uma mudança de acordo com as condições reais da vida do pequeno agricultor, e levam o camponês a tentar uma transição brusca. De um dia para outro, largar todas as práticas da “revolução verde” e praticar a agroecologia. A maioria dos casos resultou em decepção e uma volta humilhante do agricultor a praticar os meios da “revolução verde”. Não podemos esquecer que a terra está contaminada e dependente dos insumos químicos. Ao redor continuam as práticas da monocultura e do uso intensivo de venenos. O pequeno agricultor não é uma ilha. As práticas dos vizinhos afetam as suas. E muitos conhecimentos básicos de uma agricultura diversificada, ecológica e sem venenos foram esquecidos. E entre um prejuízo insuportável para o pequeno agricultor e o uso de alguma técnica ou insumo da “revolução verde”, ele não tem alternativas a não ser continuar usando. É preciso ir reforçando a partir de práticas concretas os elementos que diminuem a dependência e aumentam a autonomia do camponês na construção de um novo jeito de produzir na terra. A insustentabilidade da agricultura química Mas é importante também saber que a agricultura química das multinacionais vai enfrentar uma crise brutal. Ela é uma agricultura petro-dependente, isto é, dependente demais do petróleo. A maior parte dos adubos e venenos são fabricados com derivados de petróleo. E o petróleo está cada vez mais escasso e mais caro. As monoculturas criam cada vez mais pragas e aumentam dramaticamente os problemas com insetos, fungos e ervas chamadas “daninhas”. Isso aumenta custos e mesmo com os recursos da transgenia, da clonagem, da mutagênese, de novos produtos químicos, da adubação suplementar, esses problemas são amenizados por alguns anos e depois voltam com mais força.
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As monoculturas atraem cada vez mais doenças nas plantas. Isso é fruto do desequilíbrio do meio ambiente, da falta de biodiversidade, do empobrecimento do solo. Nesse modelo, os problemas tornam-se crônicos e sem solução dentro do arsenal de meios oferecidos pelo instrumental técnico-científico da “revolução verde”. Essas doenças são tratadas com meios químicos que aumentam os custos para o agricultor na mesma medida em que diminuem a eficácia. E se isso implica aumento de custos, está acrescentando insustentabilidade econômica ao esgotamento tecnológico. Os problemas só se acumularão para a agricultura das multinacionais e os camponeses serão chamados pela sociedade urbana para salvar a produção de alimentos com qualidade para todo o povo depois do fracasso total da agricultura química. Por onde começar? Cresce dia-a-dia, entre os pequenos agricultores, a vontade de sair da agricultura química, produzir sem venenos e sem adubos químicos, adotar um modelo tecnológico de base ecológica. Mas surgem muitas dúvidas e inseguranças. Alguns tentam e não dá certo. Alguns procuram fazer uma passagem radical, mudar tudo de um ano para o outro e muitas vezes dá tudo errado. Assim mesmo, tenta-se de novo, pois a cada dia fica mais claro que no modelo da agricultura química, controlada pelas multinacionais, não há lugar para os pequenos. Os camponeses tendem mesmo a desaparecer. Aí nos vêm duas perguntas-chave: como fazer a passagem de um tipo de agricultura para a outra? E por onde começar? Para andar mil quilômetros é preciso dar os primeiros passos. Então, é preciso começar. Por pouco que seja, é preciso fazer, pois é assim que se aprende, se acumula experiência, se adquire segurança. Mas é preciso termos claro que se trata de uma passagem, um processo de transição. Não é possível mudar num passo só. É preciso ir dando passos ano a ano. Por vários motivos:
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• a terra que usamos está contaminada por adubos químicos e pelo uso de venenos; • as sementes “melhoradas” pelas empresas multinacionais são viciadas pelo pacote químico e substituí-las completamente é um processo demorado; • o meio ambiente, especialmente o solo, ao nosso redor está desequilibrado, e os insetos, fungos e plantas concorrentes, indicadoras (ditas “daninhas”), estão fora de controle; • nós não temos recursos financeiros sobrando para arcar com três, quatro anos de transição de uma agricultura para outra, bancando eventuais prejuízos; • não dispomos de conhecimentos suficientes que nos dêem segurança para enfrentar todos os problemas e desafios que nos surgem no dia-a-dia; • não temos assistência técnica e pesquisa suficiente na área agroecológica para acompanhar todos os pequenos agricultores que iniciam um processo de passagem, de transição. Por essas razões, é que precisamos ir construindo devagar o novo jeito de produzir que vai trazer melhores condições de vida na roça e a produção de alimentos saudáveis para os consumidores. Dar passos lentos, mais firmes e seguros é melhor que correr, tropeçar e cair. Esse é o nosso desafio. Então, quais os passos iniciais que precisamos dar? Recuperação e manejo do solo A terra, o solo, é a base de tudo na agricultura e na pecuária. O solo é um organismo vivo e cheio de vida. Da forma como for tratado, vai responder. Se for maltratado, vai produzir ervas daninhas, criar fungos que vão atacar as plantas. Se for bem tratado, vai nos dar plantas sadias, fortes e resistentes a eventuais ataques de doenças e pragas. A agricultura química não se preocupa em tratar o solo. Ela se preocupa em tratar a planta. Dá altas doses de adubo químico para a plan-
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ta. Normalmente adubos à base de N-P-K. Quando o solo se desequilibra e aparecem as ervas concorrentes, fora de controle, aplicam-se herbicidas. Quando os insetos e fungos escapam do controle, aplicamse inseticidas e fungicidas. Sempre tratando a planta e não olhando que todos esses problemas são causados por desequilíbrios provocados no solo e no meio ambiente. Só dando um exemplo: com o N-P-K estamos alimentando a planta com três elementos. Mas as plantas precisam de 42 elementos e microelementos. Então, alimentando as plantas com N-P-K, na verdade, se está criando uma planta fraca, doente e desequilibrando o solo, pois as plantas vão sugando até o extremo os outros 39 elementos e microelementos de que elas precisam. E isso vai matando a vida do solo. Para corrigir isso, só com matéria orgânica, corretivos naturais (pós de rocha, por exemplo) e rotação de culturas que vão restaurar a microbiologia (as diferentes e numerosas formas de vida) do solo, que vão transformar de forma equilibrada a matéria orgânica nos alimentos de que as plantas precisam. Um dos primeiros passos a serem dados é o cuidado, a recuperação da fertilidade natural e o manejo ecológico do solo. A base fundamental de uma nova agricultura, a base de um novo modelo tecnológico é a terra. A agricultura química contaminou e esgotou o solo, matou parte da vida que tem em seu interior. Para mudar de modelo, é essencial começar a recuperar o solo, nem que seja aos poucos. Pode-se fazer um plano de ir recuperando um ou dois hectares a cada ano. Mas a recuperação não se dará num único ano. Vai se dar aos poucos, até que recupere todo seu potencial de matéria orgânica, recupere a microbiologia (os pequeninos seres vivos que repõem os microelementos no solo), reponha o nitrogênio de forma natural, retenha a umidade. É bom sempre lembrar que recuperar o solo é também um trabalho lento e paciencioso, de vários anos. As vantagens: menor custo com fertilizantes, maior facilidade para controlar as plantas concorrentes (erradamente chamadas de
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“daninhas”), menor transferência de renda para as fábricas de adubos, maior autonomia para o agricultor, maior resistência das plantas em períodos de estiagem, maior aproveitamento dos resíduos (estercos, restos, bagaços etc.) na propriedade. Livrar-se dos vvenenos enenos agrícolas Os agrovenenos são a principal fonte de recurso das multinacionais. E o principal instrumento de exploração dos camponeses e dos agricultores em geral. É o mecanismo mais eficaz de transferência de renda da agricultura para a indústria. Presta-se a todo tipo de manipulação, pois muitas doenças, muitos insetos e muitas ervas ditas “daninhas” são artificialmente disseminadas para depois se vender os venenos. E com as novas técnicas da biotecnologia de laboratório, será sempre fácil “criar” doenças, oferecendo simultaneamente os “remédios”. Os agrovenenos são também os principais responsáveis pela contaminação das águas e do solo e por inúmeros problemas de saúde dos agricultores. São também os responsáveis pela contaminação dos alimentos. O uso intensivo de venenos tem causado vários problemas para as plantas que não são alvo das aplicações. Por exemplo, os pequenos agricultores têm dificuldades de cultivar mandioca e uvas onde se usam muitos herbicidas à base de glifosato ou à base de 2-4 D. O uso de venenos na agricultura tem aumentado a cada dia que passa. Os insetos, as plantas e os fungos tornam-se resistentes e exigem doses cada vez mais fortes e venenos cada vez mais perigosos. As sementes transgênicas mantêm a dependência aos venenos, e até aumentam. E não é fácil livrar-se depois que se está acostumado. As facilidades momentâneas cativam. A diversificação por si só já reduz o uso de venenos. A rotação de culturas também. E há inseticidas biológicos, que não provocam efeitos colaterais, que podem ser utilizados.
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É possível diminuir e aos poucos ir eliminando o uso de venenos na agricultura à medida que comunidades inteiras forem fazendo em conjunto a passagem para outro modelo tecnológico baseado nos recursos da própria natureza e na agroecologia. Div ersificar a pr odução – escapar da monocultura iversificar produção A monocultura é um dos principais desastres da agricultura química e um dos principais meios de concentrar renda e inviabilizar os pequenos agricultores, bem como esgotar o solo e desequilibrar o meio ambiente. Construir um novo modelo começa pela diversificação da produção, pelo que se chama de policultivo – muitos tipos de produção – e pela combinação da criação de animais com agricultura, como forma de aproveitar os resíduos animais como adubação orgânica. Produzir para o autoconsumo familiar A soberania alimentar do camponês começa em casa. Produzir sua própria alimentação variada e de forma estável, com qualidade e sem agrotóxicos, contribui para aumentar significativamente as áreas descontaminadas de venenos químicos, bem como aumenta a capacidade de autonomia dos pequenos agricultores. Contr olar as sementes e mudas Controlar As sementes são insumos básicos que devem estar sob o controle dos agricultores e suas organizações. Colher, selecionar, conservar, experimentar, cruzar, melhorar sementes e mudas deve ser uma prática a ser retomada pelos agricultores para construir um novo modelo de agricultura. Disponibilidade de água Coletar água da chuva, fazer pequenos açudes, cuidar das fontes e nascentes de água, criar peixes, ter sempre água boa, em abun-
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dância, para o consumo familiar e para os animais é um dos pilares de uma agricultura que se auto-sustenta gerindo bem um recurso que às vezes (em tempo de seca) se torna escasso. Matas e pomar es pomares As árvores e as matas são fundamentais para o equilíbrio ecológico e controle de pragas, pois abrigam boa parte dos inimigos naturais. São importantes também para manter a umidade e regular o clima e as chuvas. Uma parte pode ser destinada ao consumo doméstico, como lenha e madeira e outras necessidades, garantindo sempre sua reposição. O pomar tem também uma dupla importância: garante uma grande biodiversidade (animal e vegetal) ao mesmo tempo em que contribui para uma alimentação equilibrada, saudável e variada. E o plantio de árvores pode ser também uma boa fonte de renda. Pode ser utilizado em sistemas de agroflorestas, combinando produção de frutas ou de madeira com produção agrícola e animal (leite, carne, mel etc.). A falta de madeira no mundo tende a ser cada vez maior e quem hoje plantar árvores está, além de equilibrando a natureza, fazendo uma poupança para o futuro. Domínio de conhecimentos básicos Um dos maiores roubos que a agricultura das multinacionais fez com os camponeses foi roubar-lhes séculos de conhecimentos que foram transmitidos de pai para filho, durante várias gerações, em especial através da fala (tradição oral) e da experiência (aprendizado da prática e do ensino). Boa parte desse conhecimento não foi registrado, não foi escrito. Muito conhecimento, muita sabedoria camponesa popular se perdeu para sempre. É preciso reconquistar esse patrimônio perdido e buscar novos conhecimentos possíveis graças a sempre novos avanços do conhecimento humano, com base nos princípios agroecológicos de produção.
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Cada família de agricultores precisa se tornar cientista de sua própria profissão, aprendendo com a natureza, com o comportamento das plantas, dos animais e do meio ambiente, bem como buscar conhecimentos sistematizados pelos estudos científicos acumulados pela humanidade. Faz-se urgente que tenhamos escolas básicas de agricultura ecológica, para possibilitar um novo patamar coletivo de conhecimentos básicos que dêem segurança mínima para construir uma outra forma de fazer agricultura para a passagem, a transição, firme e decidida, para uma agricultura livre dos produtos químicos e de venenos, dependente da grande indústria multinacional. Constr ução de nossa própria infra-estr utura Construção infra-estrutura De forma associada, cooperativada, devemos construir nossa própria infra-estrutura de produção, transporte, armazenagem, industrialização e comercialização da produção. Isso tornará os camponeses independentes dos atravessadores, que também ficam com a maior parte da renda. A metodologia da transição agroecológica – o jeito de fazer Precisamos construir uma metodologia para massificar a transição, a passagem de um modelo para o outro. Alguns elementos dessa metodologia podem ser os seguintes: • Iniciar com um planejamento das ações, com base nos grupos e nas comunidades rurais, tendo o território rural presente, buscando a articulação das dimensões econômica, política, tecnológica, social, cultural e ambiental. Discutir conceitos como os da agroecologia e dos agroecossistemas. • Uma metodologia que gere relações de co-responsabilidades entre as famílias dos agricultores, suas organizações e seus assessores. As ações planejadas de forma participativa devem proporcionar situações de
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reflexão e tomadas de decisão progressivas por parte de cada família e pelo conjunto das comunidades envolvidas, e depois executadas com um constante monitoramento, avaliação e replanejamento. Logo, a obtenção dos resultados esperados estará subordinada ao efetivo comprometimento de todos buscando alcançar os objetivos individuais e coletivos que venham a ser estabelecidos. • Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas de produção, assim como os limites ambientais em que se desenvolvem, de modo a contribuir para o redimensionamento, redesenho e uso adequado dos meios de produção disponíveis e ao alcance de todos. • Estabelecer uma articulação dos movimentos sociais da Via Campesina com parcerias estratégicas, sejam instituições de assistência técnica, ensino e pesquisa, buscando a formação de redes, fóruns regionais, territoriais e outras formas de integração, em que a participação das famílias dos agricultores na definição de linhas de pesquisa, avaliação, validação e recomendação de tecnologias apropriadas esteja no centro. • Considerar as especificidades relativas a etnias, gênero, geração e diferentes condições socioeconômicas e culturais das populações rurais, em todos os programas, projetos de assistência técnica, pesquisa e atividades de capacitação. • Estimular a democratização dos processos de tomada de decisão, com participação de todos os membros das famílias na gestão da unidade familiar e nas estratégias de desenvolvimento das comunidades. • A participação de jovens e mulheres camponesas, considerando as especificidades socioculturais, deve ser central em todo o processo de transição e um dos elementos centrais da metodologia. • Fortalecer iniciativas educacionais apropriadas para agricultura camponesa, baseadas na Pedagogia da Alternância, assim como outras experiências educacionais construídas a partir da realidade das famílias camponesas.
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• Essa metodologia deve ser o mais participativa possível e devemos utilizar a vivência do dia-a-dia de cada pessoa, estabelecendo estreita relação entre teoria e prática, propiciando a construção coletiva de saberes, o intercâmbio de conhecimentos de experiências exitosas, que deram certo, com o qual os agricultores e os técnicos possam aprender uns com os outros. (Texto publicado no livro Os novos desafios da agricultura camponesa, de 2004, em parceria com frei Sérgio Görgen e Flávio Vivian)
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2. SECA NO RIO GRANDE DO SUL – quem são os responsáveis?
O Rio Grande do Sul está vivendo a pior seca de sua história contemporânea. Não basta ficarmos no debate superficial de que isso é um fenômeno da natureza, “culpa de São Pedro”, ou coisas desse tipo. Precisamos ver a fundo as causas estruturais dessa seca, pois se olharmos os dados oficiais veremos que nos últimos 14 anos tivemos oito secas. Em 1991, 287 municípios decretaram situação de emergência. Em 1996, foram 222. O número foi de 195 em 1997. Em 1999 foram 115, em 2000 foram 153, em 2003 foram 226, em 2004 foram 390 e, em 2005, até agora, 404 municípios já decretaram situação de emergência, com tendência a se agravar. Vários cientistas do mundo inteiro afirmam que está ocorrendo uma mudança no clima. Recentemente, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto,, talvez o tratado internacional mais importante para a humanidade, que trata das mudanças climáticas provocadas pelo efeito estufa – o aquecimento do planeta em função das emissões de gases pelo processo industrial e pelas queimadas das florestas.
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O Protocolo de Kyoto estabelece compromissos para os países desenvolvidos, como a redução de pelo menos 5%, em relação aos níveis de 1990, das emissões antrópicas combinadas de gases de efeito estufa para os períodos de 2008 a 2012. Se nada for feito e se continuarmos a destruir todas as florestas tropicais mundiais, a desestabilização do clima pode, realmente, ficar muito pior do que o previsto. É hora de reagirmos. Não podemos mais aceitar esse comportamento de passividade diante das evidências sobre o que vem ocorrendo. Afinal, são diversos os “fenômenos naturais”, como furacões, enchentes e secas, em especial essa que hoje atinge o RS. O que está acontecendo com o planeta? E o que é efeito estufa? Um grupo de cientistas, economistas e administradores, conhecido como Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), se reuniu nas Nações Unidas pela primeira vez em 1988 para informar os governos das possíveis causas e conseqüências das mudanças climáticas e soluções para aliviar o problema. Segundo o IPCC, o aquecimento global não somente está ocorrendo, mas é largamente induzido pelo homem, e irá aumentar muito mais rapidamente do que o anteriormente pensado. A superfície da Terra sofreu um aquecimento de 0,6 grau durante o século passado. A década de 1990 foi o período que registrou os anos mais quentes desde que os registros instrumentais começaram a ser feitos, em 1861. A maior parte do aquecimento observado nos últimos 50 anos é atribuída a atividades humanas, como a emissão de dióxido de carbono (CO2) devido à queima de combustíveis fósseis – petróleo e carvão mineral – e devido às queimadas e à destruição das florestas. O efeito estufa Em uma estufa de vidro ou de plástico, como essas usadas pelos agricultores para cultivar hortaliças e flores nas regiões frias, com risco de geada, a atmosfera interior é mais úmida. Os raios luminosos
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(radiação luminosa), ao passarem através do vidro ou plástico e chocarem-se com o solo e plantas, sofrem absorção, reflexão e dispersão, transformando-se em raios infravermelhos (radiação térmica) que, ao colidir com o vapor da água, aumentam a temperatura no interior da estufa. Também dentro da estufa há maior concentração de gás carbônico, pois ele é produzido pela transpiração das plantas e solo e não pode se dispersar pelo vento. Ao ficar contido, aumenta sua concentração. A radiação infravermelha colidindo com o gás carbônico também aumenta a temperatura ambiente no interior da estufa. Isso é suficiente para que um trabalhador ou dona de casa entenda o que é o efeito estufa e acompanhe a construção do conceito de mudança climática. O planeta Terra é muito mais complexo que o interior de uma estufa de vidro ou de plástico. A realidade de que é o ser humano que está provocando mudanças climáticas está acima de qualquer questionamento. Enquanto certos interesses velados e elementos da mídia de massa gostam de criar a impressão de uma controvérsia geral, na realidade existe um consenso global entre os cientistas de que as mudanças climáticas têm origem no modo “moderno” de vida humana. A destruição das florestas, em especial da Floresta Amazônica, provocará a desordem total do clima. O Rio Grande do Sul já teve seu território com 40% de cobertura vegetal. Com a “modernização” da agricultura e o desmatamento vigoroso nas décadas de 1970 e 1980, chegou-se a 5,6% de cobertura vegetal em fins dos anos de 1980. Atualmente, após alguma recuperação, estima-se que o RS tenha em torno de 17% de cobertura vegetal. Flor esta Amazônica: qual impor tância para o clima e sua rrelação elação loresta importância com a seca no RS? Existe um processo de absorção de calor nos trópicos pela Floresta Amazônica, carregado através de massivas nuvens de chuva e
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distribuído através da circulação de massas de ar para as regiões de latitudes mais altas. A energia do Sol, em termos anuais – 2,5 vezes maior no Equador do que nos pólos – é distribuída de forma homogênea por todo o planeta. Sem a floresta (27,5 milhões de hectares, uma área do tamanho do Estado do Rio Grande do Sul, já foi destruída), o mecanismo de transferência de energia pode ser levado ao colapso. De acordo com o físico brasileiro Eneas Salati, de toda a água que cai na forma de chuva sobre a região Amazônica, de 50% a 75% retorna à atmosfera através da evaporação e transpiração, chovendo novamente pela ação dos ventos alísios que vêm do oceano Atlântico, chegando a ficar nesse processo de evaporação e chuva até sete vezes, já que a área da bacia chega a 4 mil quilômetros de extensão. Um fenômeno extraordinário e sem paralelo. Numa floresta tropical saudável, a transpiração, processo pelo qual o vegetal libera água para a atmosfera, chega a representar 60% da umidade do ar na Amazônia. A evaporação, a partir das folhas e dos caules dos vegetais, responde pelos outros 40%. Quando a floresta está intacta, quase não ocorre evaporação diretamente do solo, mas da biomassa que não está submersa. Essa evapotranspiração representa uma enorme quantidade de energia solar e, de acordo com o meteorologista brasileiro Luiz Carlos Molion, chega a 80% de toda a energia solar que vem diretamente à floresta. Eneas Salati estima que o fluxo de energia através da bacia do Amazonas é o equivalente de 5 a 6 milhões de bombas atômicas explodindo diariamente. Considerando-se a floresta intacta, com sua poderosa bomba de evapotranspiração, 75% dessa energia é usada para evaporar a água. O ar quente e úmido gerado pela floresta tropical, então, sobe rapidamente e gera enormes nuvens cúmulos-nimbos cheias de chuva que, empurradas pelos ventos, fazem chover em novas áreas, liberando energia como “calor latente” de volta para a atmosfera. Dessa forma, direciona a grande massa de ar que atra-
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vessa a Bacia do Amazonas no sentido leste para oeste, até encontrar a cadeia de montanhas dos Andes. O fluxo, então, se divide em três correntes. A corrente central passa por cima das montanhas e segue através do oceano Pacífico e continua a oeste na altura da linha do Equador, seguindo a convergência da corrente marítima quente do Norte. A corrente sul é defletida pelas montanhas e atravessa pelo cerrado brasileiro até a Patagônia. Já a corrente norte é carregada por cima da massa de ar que circula entre Equador e os trópicos e cruza o Caribe, toca a costa leste dos Estados Unidos e vai através do Atlântico para a Europa do Norte. Contudo, se a floresta tropical não estiver intacta, a quantidade de energia solar que pode ser carregada para as latitudes mais elevadas fica reduzida a um quinto ou até menos. Somente essa redução já seria suficiente para causar um esfriamento significativo em regiões temperadas. As mudanças na transferência de energia a partir dos trópicos trazidas pela destruição da floresta Amazônica provocarão, nas latitudes intermediárias, a geração de fortes e turbulentas rajadas de ventos, o que funcionaria como uma descontinuidade entre a maioria dos sistemas circulatórios locais que perfazem o sistema circulatório global. A corrente de ar polar é a corrente mais poderosa de todas. Ela circula entre as massas de ar que se formam na região polar e aquelas que se formam entre os trópicos e as zonas temperadas. Portanto, ela corre seu caminho em alta velocidade entre a corrente quente dos trópicos e o ar frio do pólo Norte. Todo o clima é função das correntes de ar que circulam do norte ao sul e vice-versa. Quando ela empurra as correntes mais para o Sul, traz frio e ar seco com ela. Quando ela permanece retida mais ao norte, então temos o ar quente dos trópicos com tudo que isso representa (pesadas chuvas, ventos de superfície e depressão atmosférica). Quanto mais ao sul a corrente polar empurrar, mais frio torna-se o clima. Se a circulação
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enfraquecer devido aos desmatamentos (pois passa a haver menos transferência de calor), então a corrente polar terá mais força e fará com que todo o sistema do clima do hemisfério Norte chegue mais perto da linha do Equador. Isso significa mais frio e menos chuva na zona temperada. Uma diminuição de apenas 10% a 20% na quantidade de vapor de água sendo transportada no sistema faz uma enorme diferença para o total de transferência de energia – uma redução, em termos de energia, equivalente a mais de 20 vezes a energia total usada na indústria e na agricultura em todo o mundo. Pequenas mudanças relativas nas trocas de energia no oceano Pacífico podem causar uma mudança no sistema climático, exatamente como ocorreu em 1997/1998 com o El Niño. Esse fenômeno deveria nos dar motivo para uma profunda reflexão sobre o que estamos fazendo com a floresta Amazônica, bem como com as outras florestas tropicais de outras regiões do planeta. As florestas tropicais estão sendo destruídas em todo o planeta a taxas cada vez maiores. Estimativas atuais indicam que 17 milhões de hectares estão sendo destruídos anualmente. Desse valor, cerca de 6 milhões de hectares correspondem à Amazônia brasileira, incluindose nesse cálculo a destruição causada pela produção de carvão vegetal para produção siderúrgica. Além do que foi provocado pela indústria de carvão vegetal, mais de 50 milhões de hectares de floresta Amazônica já foram destruídos em questão de poucas décadas. Como se isso não bastasse, a agricultura industrial “moderna”, agora travestida de agronegócio, agrava as mudanças climáticas. Em reportagem da Folha de S. Paulo, de 28 de fevereiro, pesquisadores da Unesp mostram como a atividade agrícola provoca a emissão de gás carbônico. O solo descoberto, livre de vegetação, emite grandes quantidades de CO2, gás causador do aquecimento da atmosfera. Conforme estudos realizados sobre o efeito estufa no Brasil, há projeções de elevações médias de temperatura em torno de 4 a 4,5 graus, reduzindo o volume de chuvas nos meses de verão.
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Essa seca que está ocorrendo no Rio Grande do Sul pode ser conseqüência do desmatamento da floresta Amazônica, e é um fenômeno que poderá se repetir com mais freqüência. Frio e calor também poderão ocorrer com maior intensidade fora de meses considerados normais. Portanto, o que está ocorrendo não são fenômenos naturais, mas sim fenômenos provocados pela ação do homem. Isso ocorre em função de um modelo de desenvolvimento socioeconômico calcado na derrubada da floresta para o cultivo de pasto e de grãos – monocultura incentivada pelas empresas transnacionais que aqui no Estado patrocinam campanhas como a do “Poder da soja”, com objetivo de lucro a qualquer preço. A natureza está reagindo, o que pode virar rotina, causando sérios danos sociais, ambientais e econômicos. O que devemos fazer, de forma estrutural, para estancar esse problema? Quem deve pagar essa conta? Quem deve ser responsabilizado pelas mudanças do clima? São questões que merecem um bom debate hoje para que o amanhã venha a existir. Março de 2005
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3. MONOCULTURA DA SOJA – riqueza para alguns, crise e miséria para a maioria
Grandes grupos transnacionais associados a latifundiários e empresários brasileiros fazem uso de grande onda de propaganda e jogadas de marketing para expandir seu poder político e econômico de classe dominante no campo. Utilizam a soja, assim como outros produtos de exportação, como um grande negócio. Com a queda internacional dos preços, os pequenos e médios agricultores que embarcaram nessa monocultura sofrem as conseqüências da crise. Foi divulgada propaganda enganosa para a expansão do cultivo da soja como um grão milagroso para gerar superavit nas contas públicas, o grande cavalo de batalha do agronegócio, pesquisadores fascinados apontam para o grande crescimento. “A cada ano, pesquisas a respeito dos efeitos sobre a saúde gerados pela soja e seus componentes parecem crescer exponencialmente.” “Novas descobertas vislumbram que a soja tem benefícios potenciais que podem ser muito mais amplos do que jamais se imaginou.” Assim escreve Mark Messina, Coordenador Geral do Terceiro Simpósio Internacional sobre a Soja, ocorrido em
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Washington, em novembro de 1999, citado por Sally Fallon e Mary Enig, PhD.* Durante quatro dias, cientistas reunidos em Washington, prodigamente financiados, fizeram suas apresentações tanto para uma imprensa maravilhada quanto para seus patrocinadores: United Soybean Board (União dos Conselhos da Soja), American Soybean Association (Associação Americana da Soja), Monsanto, Protein Tecnhnologies International (Tecnologias Internacionais sobre Proteína), SoyLife, Whitehall-Robins Healtercare (Produtos Farmacêuticos Whitehall-Robins), além dos Conselhos da Soja e outros. O simpósio marcou o apogeu de uma campanha de marketing, de uma década, destinada a cativar o consumidor pela aceitação do tofu, do leite de soja, sorvete de creme de soja, queijo de soja, salchicha de soja, bem como seus derivados, destacadamente as isoflavonas como a genistieína e a deadzeína, compostos tipo estrogênicos encontrados na soja. Esse evento coincide com a decisão da U. S. Food and Drug Administratrion (FDA – Administração de Alimentos e Fármaco dos EUA) de aclamar a necessidade, para a saúde, do consumo de produtos que tenham “baixas taxas de gorduras saturadas e colesterol”, pela presença de 6,25 gramas de proteína por porção de
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“ALERTA – Soja: tragédia e engodo”. Apresentado no Terceiro Simpósio Internacional da Soja por Sally Fallon, autora do livro Nourishing Traditions: The Cookbook that Challenges Politically Correct Nutrition and the Diet Dictorcrats (1999, 2ª edição, New Trends Publishing)/”Tradições da Nutrição: livro de receitas que desafia politicamente a nutrição correta e os ditadores de dietas”), e presidente da Weston A. Price Foundation, Washington, DC (www.WestonAPrince.org) Mary G. Enig, PhD, é a autora de Know Your Fats: The Complete Primer for Understanding the Nutrition of Fats, Oils and Cholesterol Association, e vice presidente da Weston Price Foundatin, Washington, DC. Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, com co-tradução de Eduardo Rache da Motta. Maio de 2004.
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soja, feita em 25 de outubro desse mesmo ano de 1999. “O marketing do alimento perfeito.” Recentemente pôde se constatar essa grande propaganda no Brasil em megaevento da soja, quanto simultaneamente ocorreu a VII Conferência Mundial de Pesquisa da Soja, a IV Conferência Internacional de Processamento e Utilização da Soja e o III Congresso Brasileiro de Soja, nos dias de 29 de fevereiro a 5 de março de 2004, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Esse evento foi promovido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e pela Embrapa (Empresa Brasileira e Pesquisa Agropecuária), com apoio do Banco do Brasil, órgãos do governo brasileiro em parceria com a iniciativa privada do dito setor do agronegócio brasileiro. Pôde-se presenciar muita propaganda do tipo: • “O uso industrial da soja está em expansão para uma grande variedade de produtos como o biodiesel e outros produtos industriais. O consumo vem aumentando em 10% ao ano. Quanto às exportações, vêm caindo na Europa e aumentando na China. O setor privado vem investindo pesado em pesquisas, em que as indústrias como Cargil, ADM e BUNGE destacam-se.” • No Brasil nos últimos 10 anos, o crescimento se deu em média 10% ao ano. Só na safra 2002/2003 o crescimento foi de 24%, sendo 9% em produtividade e 13% em aumento de área. • A soja no cerrado brasileiro – “O cerrado possui uma área total de 204 milhões de hectares – 1/3 do território brasileiro. Possui solos quimicamente pobres, porém de fácil correção. Com uma topografia plana, profundos e fisicamente ricos, com um regime de chuvas bem distribuídos, durante 6 meses do ano. Essa nova fronteira abrange regiões do Centro Oeste, Norte e Nordeste, em Estados como MT, TO, MS, GO, BA, PI, PA, RR e RO.” A produção de soja brasileira nos cerrados passou de 2%, nos anos de 1970, para 20% nos anos de 1980, 40% nos anos de 1990 e na safra 2002/2003 foi
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60% do total da safra, com uma produção de 15 milhões de toneladas, sendo o Estado do MT o maior produtor brasileiro; depois vem o PR com uma produção de 10,9 milhões de toneladas, e o RS, com 9,6 milhões de toneladas. O potencial de crescimento da área é muito grande. Segundo a Embrapa, o Brasil tem um potencial de 50 milhões de hectares só no cerrado, que podem ser utilizados para a produção de grãos. Colocado como fator positivo é o fato de o MT, por exemplo, ter somente pouco mais 3 mil produtores de soja em grandes propriedades. “Como fator negativo, para o aumento da produção e produtividade, é o caso do RS, que possui em torno de 130 mil produtores de soja (pequenos e médios).” • Segundo a Embrapa, o mundo tropical vem buscar tecnologia no Brasil. A soja tem sido o carro-chefe do agronegócio brasileiro. Aumento das exportações, novas tecnologias e investimentos, com aumento do PIB, que hoje representa 11,5% dos 42% gerados pelo agronegócio. • A tendência de curto prazo, se continuar esse aumento em torno de 10% ao ano, em quatro anos, 2008, é chegar a mais de 80 milhões de toneladas, podendo ser o maior produtor mundial. • “Os estoques mundiais estão caindo. A produção mundial, que não chega a 200 milhões de toneladas ao ano, confronta-se com um consumo estimado de 210 milhões de toneladas para 2004/2005. Os atuais preços: US$ 9,5 o bushel = US$ 350 a tonelada, quase U$ 20 dólares a saca de 60 kg. Isso está no mesmo patamar do ano de 1986. A demanda depende da elasticidade da renda. Os países potenciais para isso são os asiáticos – China, Índia, Rússia e Nigéria, por exemplo, que possuem mais de 50% da população com 7% da renda mundial. Por outro lado, os países ricos do G-7 possuem 84% da renda mundial, mas somente 11,7% da população. Quando tudo apontava para essa “maravilha”, preços a quase US$ 20, ou seja, mais de R$ 50 a saca, produção “maior” e com custos “mais baixos” por causa dos transgênicos, euforia semelhan-
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te à década de 1970 e 1980, quando pequenos agricultores enfeitiçados pelas mil maravilhas do “ouro-verde” começam a substituir até o pomar e a horta para “ganhar dinheiro”, quando tudo isso era propagandeado pelas multinacionais e seus seguidores no Estado e no país e parecia tudo a grande vitória, veio o que ninguém imaginava. Alguns oportunistas e imediatistas misturaram semente com agrotóxico junto a cargas de soja para exportação e era só a desculpa que os controladores do mercado da soja – sete corporações internacionais – precisavam para derrubar os preços e acabar com a “bolha” especulativa. Desde 2003, o Brasil é o principal exportador de soja do mundo. Em 2003/2004, foram colhidos 52 milhões de toneladas, das quais 29 milhões foram processados, resultando em 5,6 milhões de toneladas de óleo e 23,4 milhões de toneladas de farelo. A maior parte da exportação é para alimentar vacas, porcos e galinhas de muitos países. Um alimento barato e dirigido aos pobres e agora, em função da propaganda, como uma substância “milagrosa”, que previne doenças do coração e o câncer, que varre os “calores” da menopausa. Há por trás da soja uma grande indústria que ganha muito dinheiro. Estima-se que, em 2003, cerca de US$ 84 bilhões teriam irrigado os negócios de sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinas, implementos, combustíveis, transportes, armazenagem, seguros, intermediações financeiras, processamento, embalagens etc. Tudo isso com custos sociais – uma população enorme de pequenos agricultores que são “embretados” pela propaganda e acabam se encalacrando numa monocultura como se fossem grandes produtores. E com custos ambientais, pois há uma contaminação com transgênicos e agrotóxicos, que afetam as pessoas, contaminam a água, o solo e diminuem as florestas, por conseqüência diminuem as águas e afetam o clima, mudando-o, com veranicos, estiagem, ondas de frio e calor fora de época. Estima-se um dispêndio de R$
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2 bilhões com fungicidas no controle da ferrugem da soja, para a safra que se avizinha. “A ameaça sanitária é crescente em função do crescimento e da expansão da soja a novos nichos ecológicos. Novas pragas exóticas podem surgir. Mais agrotóxicos serão usados e novas barreiras sanitárias podem ser impostas à soja brasileira.” “A literatura registra mais de uma centena de insetos e um número elevado de fungos, bactérias, vírus, nematóides ou plantas daninhas, considerados pragas de soja. Destas, 22 pragas foram consideradas de alto risco devido ao elevado potencial de introdução e dispersão e aos seus impactos econômicos, ambientais e sociais.”* Fica patente que a soja, considerada o motor do agronegócio, está à mercê de ameaças que podem esboroar a sua competitividade e sustentabilidade, drenando divisas, renda e postos de trabalho, além do incomensurável risco ao meio ambiente. Outros organismos, que sequer eram referidos como pragas da cultura, podem se adaptar à mesma, em função do vácuo ecológico e pela simplificação do agroecossistema decorrente da monocultura da soja. Há estimativas recentes preocupantes em relação ao mercado futuro, pois estima-se que os Estados Unidos devam colher, este ano, em torno de 80 milhões de toneladas. O Brasil deve colher em torno de 60 milhões e a Argentina em torno de 40 milhões de toneladas. Somado isso a outros países produtores, estima-se para esta safra de 2004/2005 uma produção mundial de 222 milhões de toneladas, contra 189,12 milhões da safra de 2003/2004. Os estoques mundiais, que no ano de 2003/2004 eram de 36,19 milhões de toneladas, passaram para 50,2 milhões de toneladas. Isso pode acarretar uma superoferta do produto, conseqüentemente uma queda nos preços futuros da soja, ou no mínimo permanecer nos patamares históricos, em média US$ 10 a saca, ou seja, em torno de R$ 30 a saca de 60 kg. *
Mais detalhes podem ser encontrados em www.gazzoni.pop.com.br
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A estimativa de preços para a safra de 2004/2005, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, setembro/2004), deve ficar entre 5,4 a 6,4 centavos de dólar o buschel (US$ 11,90 a US$ 14,11 por saca). Isso é preço de entrega no porto. Com a crise do mercado e a queda nos preços, quem mais sofre são os pequenos agricultores, pois o retorno por hectare mal cobre os custos de produção e sobra muito pouco por hectare, isso se o tempo contribuir com boas chuvas. Qualquer problema de estiagem, como a que ocorreu este ano, pode aprofundar ainda mais essa crise, voltando novamente o que já ocorreu em passado recente, quando muitos pequenos agricultores tiveram que vender suas terras para os médios e grandes e abandonar a agricultura, pois estes, quando se endividam, renegociam e prorrogam as dívidas. Por isso é urgente e necessário aos pequenos agricultores que estão na monocultura da soja uma conversão, uma transição gradativa e crescente para um novo padrão de produção, uma nova matriz tecnológica e um novo padrão de consumo, diversificando as atividades produtivas, redesenhando os lotes e as pequenas propriedades, como elemento central de uma estratégia para resistir à crise e à miséria e superar, gerando trabalho e renda para a família, para a região e para o país. Setembro de 2004
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4. QUEM VAI COMER A SOJA ENVENENADA?
Durante os meses de maio e junho, muitas notícias vieram à tona na grande mídia sobre a soja contaminada com agrotóxico no Rio Grande do Sul. A China rejeitou milhares de toneladas de soja – falase em seis navios, totalizando 359 mil toneladas de soja. Passado um mês e pouco do episódio, o assunto saiu da mídia, mas várias perguntas sem respostas são feitas: para onde foi essa soja? Quem vai ou está consumindo? Com certeza, essa soja com veneno está sendo consumida pelas pessoas dos países pobres. Informações diversas dizem que aqueles navios rejeitados pela China foram desviados para países como Malásia, Tailândia e outros. E a soja retida no porto de Rio Grande? E a que está sendo comercializada internamente no Rio Grande do Sul e no Brasil? As notícias de um mês atrás diziam que, para proteger o consumidor interno, fiscais do Ministério da Agricultura, em inspeção nos armazéns e silos de empresas e cooperativas do Estado, tinham suspendido a comercialização de milhares de toneladas de soja com suspeita de contaminação. O que foi feito com essa soja? Será que
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não está sendo esmagada para fazer azeite, margarina, maionese, doces e tantos outros produtos derivados dessa soja contaminada com veneno? Muito se falou em investigar, apurar e punir os responsáveis, em pedir desculpa ao governo chinês, em não tolerar mais esse tipo de “ganância e imediatismo”. O fato é que as notícias e as manchetes sumiram dos meios de comunicação, a soja voltou a ser comercializada, as responsabilidades não foram apuradas, nem os responsáveis foram punidos. E o povo que está consumindo isso, quem o protege? Agora, além do consumo de transgênicos, estamos comendo soja com veneno para o tratamento de doenças de semente, que é ilegal e deveria ser eliminado. E onde está o direito dos cidadãos, dos consumidores, de sabermos o que estamos consumindo e qual a qualidade dos produtos? E os órgãos responsáveis pela fiscalização e pelo zelo no cumprimento das leis e das normas de segurança alimentar? Esperamos em breve obter essas respostas de alguém. Agosto de 2004
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5. BIODIESEL – oportunidade para a agricultura camponesa
A produção de biodiesel como uma alternativa para o cultivo de grãos oleaginosos, principalmente para a região produtora, poderá ser uma grande oportunidade para a agricultura camponesa? Quase 30 anos após a criação do Pró-Álcool, o maior programa de combustível renovável do mundo, o Brasil pode voltar a apostar em um novo projeto de energia limpa. O biodiesel, também denominado biocombustível ou combustível renovável, é produzido com óleos vegetais, reagidos com um percentual de metanol ou etanol (álcool extraído da cana-de-açúcar). O processo resulta em biodiesel e glicerina. Em função da crise do petróleo e da forte pressão internacional pela diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano, derivados da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão vegetal, além da queima de florestas, causadores do efeito estufa – aquecimento do planeta –, o debate em torno da substituição do petróleo e da produção de energia alternativa “limpa” torna-se realidade. O programa de biodiesel é semelhante ao programa brasileiro de álcool combustível, que deu sustentação ao preço do açúcar, cujo maior
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produtor e exportador é o Brasil. Toda a gasolina vendida tem 25% de álcool, do qual o Brasil também é o maior exportador mundial. Em janeiro de 2005, o governo brasileiro publicou a Lei no 11.097, que em seu artigo segundo diz que o biodiesel fica introduzido na matriz energética brasileira, sendo fixado em 5% em volume o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final, em qualquer parte do território nacional. Em seu inciso primeiro, estabelece o prazo de 8 anos após a publicação dessa lei para a utilização de 5% e de 3 anos para um mínimo de 2% da mistura em volume de biodiesel ao óleo diesel. A proposta do governo prevê que o biodiesel B2 se torne obrigatório até o final de 2007 e que misturas mais altas, de 5% a 20% (B5-B20), se tornem obrigatórias até 2012. O Brasil consome cerca de 40 bilhões de litros de diesel anualmente. Um programa B5 obrigatório iria resultar em nova demanda por cerca de 2 milhões de toneladas de óleo vegetal por ano. O Brasil produziu cerca de 5,5 milhões de toneladas de óleo de soja na última temporada, dos quais aproximadamente 2,4 milhões de toneladas foram exportados. Diferente da época do Pró-Álcool, os movimentos sociais têm a oportunidade de debater e participar da elaboração de um possível Programa Nacional de Biodiesel. Por isso a importância da informação e discussão de nossa parte. Acreditamos ser um assunto de extrema importância para o momento. Texto escrito para a apresentação da cartilha sobre o biodiesel, que foi impressa em agosto de 2005.
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6. TECNOLOGIAS APROPRIADAS
Durante o governo Olívio Dutra, o então Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária (DRA), da Secretaria de Agricultura do Estado, cujo diretor era frei Sergio Görgen, teve a oportunidade de coordenar um estudo sobre a possibilidade de o Rio Grande do Sul vir a ter uma montadora de tratores populares, que poderia desencadear um processo de mecanização popular no Estado e no país. Após a realização de estudos, concluiu-se que era viável, oportuno e necessário um Programa de Mecanização Camponesa. Conforme escreve frei Sérgio no livro Os novos desafios da agricultura camponesa, “a indústria de máquinas e implementos agrícolas no Brasil se estruturou para atender os grandes. Por isso que só fabricam tratores, colheitadeiras e implementos grandes, sofisticados, pesados e caros. O pequeno agricultor precisa investir em mecanização leve, simples, resistente, rústica, econômica e barata”. No entanto, esse projeto foi suspenso por falta de maior interesse por parte da iniciativa privada e dos governos no sentido de tomar a dianteira do processo e viabilizar a construção de uma empresa.
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A mecanização da pequena unidade camponesa familiar, longe de ser entendida como substituta da mão-de-obra, que na agricultura de pequeno porte é considerada escassa, é indispensável. Mas a grande maioria das máquinas disponível no mercado é cara para o padrão de posse dos pequenos agricultores. A indústria de máquinas, com raras exceções, ainda não deu atenção necessária à fabricação de equipamentos adequados à realidade. Atualmente, uma montadora daquele tipo já é realidade no Estado. A empresa Metade Sul Ltda., de Pelotas, deu início a um processo de importação e montagem de micros e pequenos tratores chineses, ou partes destes, para a viabilização da mecanização popular para unidades familiares camponesas de nossos agricultores pequenos e médios. Estamos de acordo com o diretor presidente da empresa, Irajá Rodrigues, quando escreve que “os pequenos agricultores e assentados da reforma agrária vêm demonstrando uma grande capacidade de resistência ao processo de exclusão social, face à inexistência de políticas públicas que sejam capazes de estimular a missão da produção de alimentos e de garantia de vida para milhões de brasileiros”. Na avaliação, o que está faltando é um salto para um nível tecnológico melhor, com a complementação da enxada e da junta de bois por uma mecanização adequada. No Brasil, segundo alguns estudos, existe uma demanda reprimida desse tipo de tratores de mais de 70 mil unidades por ano. Ofertas desses tratores a baixo preço configurarão um mercado altamente promissor, principalmente se for resolvido o problema do financiamento aos pequenos agricultores. A solução para a importação em larga escala de tratores chineses para suprir a necessidade da demanda brasileira e até, quem sabe, da América Latina, exigirá um tratamento adequado das relações com o fabricante chinês, por um lado, e com os poderes públicos federal e estadual de outro, de modo a obter o máximo de vantagens comparativas.
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Acredita-se que os movimentos sociais, através de suas cooperativas, podem participar na busca de alguns acordos comerciais com aquela empresa para a venda desses tratores, visto que muitas partes parecem que estão sendo superadas, tais como investimentos iniciais, tratativas para importações, projeto de construção da planta industrial, fabricação, montagem, serviços de assistência técnica, manutenção e reposição de peças e outros. A China possui 22 províncias, além de quatro regiões autônomas. A maior parte das regiões possui fábricas de minitratores, tendo em conta a enorme demanda de mais de 100 milhões de unidades agrícolas familiares naquele país. Segundo informações preliminares, as principais fábricas desses tipos de tratores encontram-se em Liaoning, Shandong, Jiangsu, Zhejiang, Hubei e Guangdong, com modelos relativamente idênticos e preços bastante competitivos entre si. Várias das empresas de fabricantes de tratores dessas províncias já se encontram em condições de investir no exterior e buscam mercados e parceiros para realizarem tais investimentos, a exemplo dos investimentos de uma delas em Pomerode, em Santa Catarina. Por iniciativa nossa e com a participação da CUT-RS e da Federação dos Metalúrgicos, além de lideranças dos movimentos sociais da Via Campesina, fez-se uma visita de reconhecimento e primeiro contato com a direção da empresa. Pôde-se verificar, in loco, algumas unidades de tratores chineses, da marca Green Horse, pequenos, de alta qualidade, robustos e versáteis e – o mais importante – com preços possíveis de serem suportados pelos agricultores camponeses, num processo de mecanização planejada das pequenas propriedades. A empresa conveniou com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS), responsável pela formação dos técnicos das maiores montadoras de tratores do Brasil, para oferecer produtos à altura das necessidades dos agricultores.
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Comparando os preços de três modelos com as principais marcas disponíveis no Brasil, pode-se verificar uma grande diferença, conforme tabela abaixo: Mar ca arca
Modelo
Potência
Preço R$
Obs.
G. Horse Tramontini Yanmar G. Horse
GH 18 DF 18 TC 14 204
18 CV 18 CV 14 CV 20 CV
11.000,00 16.600,00 19.000,00 27.000,00
3 rodas
Yanmar Agrale G. Horse
1145-4 AG 4230 454
39 CV 26 CV 45 CV
58.860,00 43.000,00 45.000,00
Massey
250 ADV
51 CV
77.300,00
Yanmar
1155-4
55 CV
65.050,00
Tracionado e com dir. hidráulica
Tracionado e com dir. hidráulica
Fonte: tabela fornecida pela montadora Metade Sul Ltda.
Nesses valores já está incluído o preço de revenda (15%). No caso dos movimentos sociais, as cooperativas poderão ser as revendedoras e prestadoras de assistência técnica; podem-se treinar os técnicos das próprias cooperativas para que sejam os responsáveis pela assistência técnica. Acredita-se que, para agricultores com área de até 50 hectares ou para grupos de famílias, o modelo de 20 CV seja suficiente para um bom trabalho de preparo do solo, plantio, tratos culturais, além de possuir um equipamento para diversos outros serviços, como triturador, bomba de água, reboque etc. Tudo isso passa necessariamente por pesquisas, assistência técnica e formação, para que um equipamento, no caso um trator, possa frentear toda uma rede de mecanização na pequena propriedade, em que a busca constante de tecnologias apropriadas possam melhorar a qualidade de vida das famílias camponesas. Maio de 2005
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7. SOBERANIA ALIMENTAR, BIODIVERSIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL
A soberania alimentar e a diversidade cultural ou etnodiversidade, dois temas que estão inter-relacionados com um terceiro, a biodiversidade, ou seja, a diversidade da vida no planeta, não subsistem sozinhos. O futuro da humanidade depende deles. São três temas que a Conferência da Terra e da Água vai debater e apontar para a sociedade caminhos para a resistência e superação da atual civilização do Brasil e do mundo. A biodiversidade funcional Que é biodiversidade? – A biodiversidade é o conjunto de diversos organismos vivos que habitam a terra. Esse termo nos indica o caráter diverso da vida, formada por bactérias, fungos e liquens, protozoários e algas, bichos de diferentes tipos, insetos, moluscos, crustáceos, peixes, plantas superiores, répteis e anfíbios, aves, mamíferos e outras espécies. O próprio homem forma parte da biodiversidade terrestre, assim como a cultura dos diferentes grupos humanos. O conceito de biodiversidade abarca também as diferentes comunidades de organismos, ou seja, os ecossistemas, onde
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se criam condições especiais que permitem que se desenvolvam umas ou outras espécies. A etnobiodiversidade é a diversidade de culturas e raças da espécie humana que habitam esse planeta. Com seus diferentes hábitos, costumes, religião e relação com a natureza, a humanidade forma uma imensa heterogeneidade. A diversidade é a constante da vida. Ela não só se expressa nos diferentes reinos, taxinomia, famílias, gêneros e espécies de organismos vegetais e animais, mas também se manifesta dentro de indivíduos de uma mesma espécie, ainda que às vezes não consigamos observá-la à primeira vista. Quantos somos? – O número de organismos que habita a terra é incalculável; basta dizer que em um só metro quadrado de solo podem existir mais de 2 milhões de organismos pertencentes a mais de mil espécies distintas de animais. Por outro lado, o número de espécies diferentes que habitam o planeta não é conhecido. Atualmente, já foram identificadas cerca de 1,75 milhão de espécies biológicas, embora a cifra real das espécies existentes possa chegar aos 100 milhões. Qual a importância da biodiversidade para a humanidade? – A humanidade depende da biodiversidade para obter alimentos, medicamentos, materiais para a elaboração de roupa e utensílios diversos, materiais para a construção, energia, fins ornamentais, tintas, cosméticos e outros. Não obstante essas principais qualidades, a biodiversidade gera toda uma série de funções ecossistêmicas que permitem manter a vida e as condições sobre as quais se desenvolvem os diferentes organismos vivos, inclusive a humanidade. A Via Campesina Internacional propõe: • “Que a Biodiversidade deve ser a base para garantir a soberania alimentar, como um direito fundamental e básico – não negociável – dos povos. Direito que deve prevalecer sobre as diretrizes da OMC. Hoje, existem 800 milhões de pessoas com fome. Para resolver esse problema, devemos pensar em utilizar os alimentos locais com que
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nos brinda a diversidade, apoiar os mercados locais e regionais, aplicar a pesquisa, a tecnologia e a ciência com maior eqüidade”. • “Uma moratória na bioprospecção (exploração, coleção e recoleção, transporte e modificação genética) e o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos que os camponeses e as comunidades indígenas possuem desses recursos, enquanto não existirem mecanismos de proteção dos direitos de nossas comunidades para prevenir e controlar a biopirataria”. • “Proteger e promover os direitos dos agricultores sobre os recursos genéticos, o acesso à terra, à água, ao trabalho e à cultura. Isso deve passar por um amplo processo informativo e participativo dos sujeitos para a preservação da biodiversidade. Para isso, estabelecer um mecanismo de consulta e monitoramento permanente com as organizações de produtores, indígenas e comunidades”. Desde que o homem passou a fazer agricultura, há mais de 10 mil anos, os camponeses protegem e preservam a diversidade genética, selecionam as variedades mais produtivas e melhoram aquelas menos eficientes. A conservação, armazenamento e seleção de novas variedades foram se desenvolvendo de geração em geração, os recursos genéticos foram assim considerados uma responsabilidade dos produtores rurais. Depois da II Guerra Mundial, nos meados dos anos de 1940, quando a população urbana teve um grande crescimento em relação à população rural, o assunto “alimento” se converteu em tema e espaço de organismos internacionais e a produção de alimentos foi também tratada por governos e instituições. Logo surgiu a chamada “revolução verde”. As empresas agroalimentares cresceram rapidamente, a produção de insumos e sementes foi adquirindo um valor maior por se tratar de um negócio muito rentável. Posteriormente, foram estabelecidos novos usos para os recursos genéticos, criou-se o projeto genoma humano e a biotecnologia passou a fazer a manipulação genética de plantas, animais e humanos.
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A cada diferente etapa corresponderam diferentes formas de propriedade dos recursos genéticos. Antes da entrada das multinacionais, os recursos genéticos eram considerados patrimônios da humanidade e assim se subscreveu nos tratados internacionais. Posteriormente, as empresas dedicadas às sementes e aos insumos, assim como alguns fitomelhoradores, pressionaram para que fossem reconhecidos os direitos dos obtentores e foi criada a União Internacional de Proteção aos Direitos de Obtentor sobre Variedades Vegetais (Upov). Na etapa atual, um grande número de trabalhos da biotecnologia é conduzido sob o esquema de patentes protegidas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual e pela OMC. Com isso, os materiais vivos entram em um regime similar ao da propriedade industrial (leia-se propriedade privada). Das 250 mil espécies de plantas superiores que se conhecem, a cerca de 50% se atribui alguma utilidade direta para o homem. Apresentam interesse alimentar entre 20 mil – 50 mil espécies de plantas e cerca de 6 mil são relacionadas como plantas de cultivo no Manual de Plantas Cultivadas de Bailey (1976). Na medicina tradicional se empregam entre 25 mil e 75 mil espécies vegetais, das quais só 1% foi estudada de forma aceitável suas propriedades terapêuticas. Na atualidade, cerca de 20 mil são os compostos naturais procedentes das plantas até agora caracterizados pela indústria farmacêutica, de perfumaria e do ramo da fitoquímica. No entanto, essa cifra representa uma ínfima parte da enorme diversidade química do reino vegetal e animal. O homem como criador da biodiv ersidade biodiversidade A humanidade tem utilizado a diversidade existente na natureza para prover-se de alimentos. Mas, além disso, o homem, desde que iniciou a agricultura, empreendeu um processo de criar diversidade. Durante a Revolução Agrícola do Neolítico, o homem não só domesticou as espécies animais e vegetais, mas também seu tra-
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balho de seleção deu lugar ao aparecimento de novas espécies vegetais não existentes nas espécies silvestres, como o milho. A grande diversidade de variedades das espécies cultivadas que conhecemos (muitas desaparecidas ou em vias de desaparecimento) se devem à adaptação que o homem fez às diferentes condições sobre as quais cultivou e se desenvolveu a agricultura a suas preferências e diferentes estratégias de sobrevivência. Exemplos dessa tremenda diversidade das espécies cultivadas encontramos por todo o mundo. Na China, até a metade do século passado, se cultivava mais de dez mil variedades de trigo. Na Índia, se empregavam mais de 30 mil variedades de arroz. Em algumas chácaras dos Andes, foram encontrado mais de 50 variedades de batatas em uma mesma comunidade, algumas resistentes à neve, outras à seca, adaptadas a diferentes altitudes ou tipos de solos e com diferentes características nutricionais, medicinais e rituais. Não só foi importante a criação de diversidade, também foi o conhecimento adquirido no seu manejo, os sistemas agrícolas desenvolvidos e o uso da flora e da fauna silvestre. A biodiv ersidade está em perigo biodiversidade Se bem o homem contribuiu com a criação de biodiversidade, a atual civilização está provocando uma enorme destruição da biodiversidade do planeta, tanto do número de espécies quanto de ecossistemas, atingindo também grupos humanos e seus conhecimentos, sua cultura, sua tradição e seus costumes. Devemos assinalar que a extinção de espécies é um processo natural da evolução. O que não é normal é o ritmo que vem ocorrendo em nossos dias. A taxa de extinção normal produzida ao longo do tempo geológico aponta valores entre 0,25-10 espécies/ano. No entanto, durante o século passado e este século presente, a extinção se acelerou a mais de mil espécies por ano (Tuxill, 1999). É tão grave essa destruição que alguns biólogos estimam que estamos ante a sexta extinção massiva de espécies do planeta – se
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bem que as anteriores extinções massivas se deveram a catástrofes naturais. A atual é provocada pelo homem, devido à destruição e alteração de importantes ecossistemas pela exploração florestal, agropecuária e pesqueira, a contaminação generalizada, a sobrexploração de recursos, a simplificação dos sistemas produtivos e as espécies invasoras introduzidas pelo homem. A União Internacional da Conservação estima que há 20 mil espécies de plantas vegetais superiores silvestres em vias de extinção, quer dizer, quase 10% de sua diversidade total, ainda que outros considerem que essa cifra seja o dobro. Por outro lado, pesquisadores da Universidade de Tennessee estimam que umas 1,1 mil espécies de aves (11% do total) também estão em vias de extinção. Essas fontes estimam que, ao continuar o ritmo atual de deterioração, 50% da flora e da fauna do planeta estará em vias de extinção nos próximos 100 anos. Muitas espécies desaparecerão antes que posamos descobri-las, muitas plantas medicinais desaparecerão antes de estudarmos suas propriedades, muitos organismos desaparecerão sem que possamos compreender bem suas funções e o mais grave é que essas funções podem ser decisivas no equilíbrio necessário para a manutenção das comunidades de espécies contemporâneas e os ecossistemas que as suportam. A redução da biodiversidade também alcança de forma alarmante as plantas cultivadas, das quais depende a alimentação da humanidade. O informe da FAO (1996) sobre o Estado dos Recursos Fitogenéticos no mundo assinala que, ao longo do século 20, se perdeu cerca de 75% da diversidade genética das espécies cultivadas. Por exemplo, na China, das 10 mil variedades de trigo que existiam em 1949, nos anos de 1970 só se conservavam umas mil; na Índia, onde se cultivavam cerca de 30 mil variedades locais, provavelmente não ficou nem 50 ao acabar o século (Hobbeling, 1987). Na República da Coréia, foram substituídas 74% das variedades de 14 cultivos.
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A mesma história se repete nos países latino-americanos, onde ocorrem perdas gravíssimas no milho, feijão, batatas, tomate e outros. Por exemplo, no México, centro de origem do milho, na atualidade só se pode encontrar 20% das variedades de milho que se cultivavam em 1930 (FAO,1996). As principais causas da erosão genética de variedades cultivadas identificada pela FAO (1996) reflete como a introdução de variedades “melhoradas”, a deflorestação, a sobrexploração de recursos, a pressão demográfica, legislação e política etc. são as principais causas. A dependência da alimentação humana de poucas espécies de plantas e a redução que sofreu é outro fenômeno cujas conseqüências não estão bem quantificadas. Basta destacar que, na atualidade, das 20 mil-50 mil plantas com utilidade como alimento mundialmente, se utilizam de forma importante 200, se comercializam 100, no entanto 80% dos alimentos provêm de 20 cultivos, e, desses, o trigo, o arroz, o milho e a soja representam mais de 85% do consumo de grãos. Isso está levando à uma padronização da dieta alimentar em todo o mundo. Em alguns países, com maior intensidade, através do controle da oferta de alimentos industrializados nos supermercados, produtos esses originários da agroindústria oligopolizada multinacional. Contrário à soberania alimentar dos países, a pressão das corporações capitalistas e financeiras levam aos acordos internacionais na OMC, não permitindo que os países adotem políticas de incentivo e apoio à diversificação da produção para os mercados nacionais. A homogeneidade dos cultivos é também altamente preocupante. A “modernização” da agricultura, com seus enormes campos de cultivos homogêneos e o uso de poucas variedades de cada cultivo selecionadas em centros de pesquisas internacionais ou companhias de sementes, tem conduzido a uma impressionante e perigosa “homogeneidade genética”. Como exemplo, citaremos o
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caso dos Países Baixos, onde as três variedades mais difundidas de cada cultivo cobriam entre 85-99% das respectivas superfície semeadas. O mesmo ocorre nos países em desenvolvimento, onde a “revolução verde” interrompeu a diversificação com maior força; por exemplo, em Bangladesh, uma só variedade de trigo cobria 67% das terras trigueiras (relatado por Tuxil, 1999). Os efeitos da homogeneização genética já são bem conhecidos. Um dos exemplos mais mencionados foi o da fome que se estendeu por toda a Europa e que alcançou níveis dramáticos na Irlanda, onde morreram mais de um milhão de pessoas no século 21, devido à alta dependência da batata para a alimentação e à baixa diversidade manejada, que não incluía genótipos resistentes de Phytophtora infestan. Como exemplos mais recentes, tem-se perdas de mais de um bilhão de dólares que se produziram nos Estados Unidos em 1970, em conseqüência de uma enfermidade fúngica no milho (Helminthosporium maydis), que destruiu mais de 50% dos milharais do país (Esquina, 1981); a destruição de grande parte dos campos de cana-de-açúcar em Cuba na década de 1970, visto que a variedade mais cultivada ficou suscetível a uma nova doença, depois de ser colhida com êxito durante varias décadas no país; o mesmo sucedeu com o “arroz milagroso” (IRR-8) na Ásia, o qual se semeou em grandes extensões, mas resultou posteriormente ser sensível a certas pragas e doenças. A resultante dessa homogeneização é o incremento do gasto com agrotóxico e outros meios para manter sobre controle as pragas e as doenças que tal sistema provoca, assim como a necessidade de liberar, cada vez mais freqüentemente, novas variedades de cultivos que em pouco tempo necessitam ser substituídas por iguais causas, provocando perdas grandiosas aos agricultores e uma total dependência de insumos externos.
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O ecossistema como elemento funcional dos sistemas biológicos. O ecossistema é o resultado da integração funcional, interdependente e ordenada dos elementos vivos e não vivos da natureza que estão conectados ou relacionados de maneira que atuam ou constituem uma unidade ou um todo (Gasto, 1980). É, portanto, o sistema ecológico ou ecossistema a unidade funcional da natureza e forma parte da biodiversidade. Cada ecossistema se caracteriza pela presença de espécies de organismos específicos e tanto a modificação do ecossistema quanto o isolamento da espécie pode levar à extinção de um grupo ou o total dos organismos que o formam. Os ecossistemas realizam um grupo de funções ainda não bem entendidas, que são vitais para a manutenção da vida dos organismos vivos do planeta, e intervêm na distribuição e estabilidade do clima, sobre os quais são desenvolvidas as espécies contemporâneas, incluindo o homem.
O impacto humano sobr sobree os ecossistemas A atividade humana produz um forte impacto sobre os ecossistemas, em parte pela necessidade de produzir alimentos e obter outros recursos e em parte pelos métodos poucos racionais de uso dos recursos, a distribuição dos mesmos e os efeitos secundários produzidos pelos novos produtos criados pelo homem. O avanço da agricultura, o corte das florestas para obter madeira e energia, a sobreexploração dos mares e outros recursos como os campos, a contaminação da atmosfera e as águas pelo uso inadequado da energia fóssil e as substâncias químicas empregadas na agricultura ou na produção de outros bens industriais são em parte os elementos que têm destruído muitos ecossistemas, têm reduzido ou estão próximo de um colapso. As florestas jogam um importante papel na estabilidade do clima e na manutenção da biodiversidade do planeta. As florestas ocupam
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27,7% de toda a terra não coberta pelo gelo, ou seja, 3,6 bilhões de ha, das quais 53,4% são florestas tropicais (Tolba, 1992). Na atualidade, já se perdeu a metade das florestas tropicais e o ritmo de perdas alcança a cifra de 16 milhões de ha cada ano, estimando-se que no ano 2030 só reste 1/5 das florestas tropicais (Porrit, 1991). Nos países industrializados, a superfície das florestas está estabilizada, no entanto está ameaçada, parte deles, pelos efeitos da chuva ácida e os incêndios florestais que avançam todo ano, sobretudo nas zonas mais secas, como ocorre na Espanha e outros países europeus. Estima-se que a flora e a fauna da Amazônia alcance a cifra de 500 mil espécies conhecidas e quiçá mais de 30 milhões ainda não identificadas e classificadas, as quais estão em perigo de extinção inclusive antes de serem descobertas. A destruição acelerada das florestas assim como a deflorestação nas áreas agrícolas estão trazendo sérios problemas de erosão dos solos e a aceleração de processos de desertificação, salinização e a perda da biodiversidade. Nas zonas agrícolas, a destruição das florestas, cordões de árvores nos limites dos campos, zonas de escorrimento, bordas de riachos e rios, bosques de galerias e árvores em geral, com o objetivo de construir campos agrícolas extensos onde se possa trabalhar com grandes máquinas agrícolas, está acelerando os processos de erosão, reduzindo a infiltração da água no solo e também a biodiversidade, especialmente de pássaros, répteis, anfíbios e insetos predadores de pragas dos cultivos (Tivy, 1990). Também está se eliminando uma via de difusão e emigração da fauna benéfica à biodiversidade e de conexão entre diferentes ecossistemas. A destruição das florestas, ademais dos efeitos antes mencionados, provoca um incremento na luminosidade da terra, o qual acabará por alterar a conversão dos sistemas de ventos e o regime de chuvas, a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera aumen-
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tará pelo efeito da queima dos bosques, processo que é responsável por 30% do excesso de acumulação de dióxido de carbono, ademais de se eliminar um importante sumidouro de dióxido de carbono, já que um milhão de km² de bosque tropical podem absorver um bilhão de toneladas de carbono por ano (cada ano se acumula na atmosfera 4 bilhões de toneladas de carbono) (Porrit, 1991). O impacto humano não é só sobre os ecossistemas, também os agroecossistemas, base onde se gera a produção de alimentos, estão sofrendo uma forte deterioração. Referindo-nos somente aos problemas de erosão no Brasil, temos que a perda média de solo é algo assustador. São milhões de hectares de solo que se perde por ano. As funções ecossistêmicas da biodiv ersidade biodiversidade Os ecossistemas produzem um grupo de funções ecossistêmicas que são imprescindíveis para a otimização do uso dos recursos e o funcionamento dos ecossistemas e portanto dos organismos que nele vivem. Entre essas funções, temos a otimização do uso da energia e os recursos, a reciclagem de nutrientes, a conservação do solo e água, a regulação das populações de organismos (regulação biológica), a criação de um meso e microclimas favoráveis aos organismos que nele se desenvolvem e a estabilidade ambiental. A biodiversidade é fundamental para que essas funções se realizem com uma alta eficiência. Nos agroecossistemas, sem a biodiversidade seria impossível lograr muitos dos benefícios que as funções ecossistêmicas aportam e, portanto, a sustentabilidade dos sistemas agrários se veria seriamente afetada pelo grau das intervenções externas necessárias para manter sua produção, como nos ocorre atualmente. Resulta que o estudo das funções da biodiversidade na regulação dos sistemas naturais (ecossistemas) e agrários (agroecossistemas) é fundamental se desejamos desenvolver sistemas agrários e humanos sustentáveis. É por isso que queremos chamar a atenção para a importância da biodiversidade funcional.
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A agricultura é uma necessidade da humanidade para proporcionar grande parte dos alimentos e outros produtos de que necessitamos. Por outro lado, continuar destruindo os ecossistemas naturais e a base de recursos dos agroecossistemas pode ser um suicídio para a humanidade. Portanto, é necessário estabelecer uma relação adequada entre ecossistemas e agroecossistemas e, por outro lado, fazer com que os agroecossistemas realizem o máximo de funções ecossistêmicas possível ou necessárias. A biodiversidade funcional se refere às funções ecossistêmicas que permitem potencializar a biodiversidade e que são necessárias para manter a sustentabilidade dos ecossistemas, os agroecossistemas e a produção de alimentos sem deteriorar sua base produtiva, como já assinalado anteriormente. As principais funções ecossistêmicas que permite a biodiversidade funcional são: • A utilização eficiente dos recursos • Regulação biótica • Proteção do solo • Reciclado de nutrientes • Ciclo da água • Estabilidade ambiental e biótica A utilização eficiente dos recursos A vida é possível pela conversão que realizam as plantas da energia solar em substâncias orgânicas, em um processo conhecido por fotossíntese, onde o CO2 do ar e o hidrogênio (H) da água se combinam para formar os hidratos de carbono a partir dos quais se sintetizam outras substâncias e do qual participam também outros minerais do ar e do solo. A partir da produção das substâncias orgânicas pelas plantas, estabelecem-se diferentes e complexas cadeias alimentares por onde flui a energia solar capturada pelas plantas e se reciclam os nutrientes neces-
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sários para sua formação. Nesse ciclo, as plantas são as produtoras, os organismos que vivem das partes vivas das plantas se denominam herbívoros ou fitófagos e os que se alimentam de herbívoros se denominam predadores, que também podem se alimentar de outros predadores, existindo vários níveis nesse grupo. Os animais que decompõem a matéria orgânica morta que está formada por microorganismos, alguns insetos, minhocas e outros pequenos organismos, se denominam transformadores e têm a função de manter ótimas condições, não só para o desenvolvimento das plantas, mas também para fazer regressar os nutrientes necessários para continuar a produção de substâncias orgânicas que permitem a renovação da vida. No nível dos organismos transformadores da matéria orgânica do solo, também se estabelecem diferentes cadeias alimentares, pois um número importante de organismos alimentam-se de matéria orgânica morta (saprófitos), enquanto outros são depredadores desses organismos. A biodiversidade se expressa nesse ciclo de duas formas. Na que temos descrito, que nos assinala como diferentes organismos, se acoplam para conjurar um ciclo vital; e a segunda é a biodiversidade de organismos que se complementam para potencializar a produção de biomassa a partir dos recursos existentes. Essa segunda função da biodiversidade se dá em todos os níveis tróficos dos organismos vivos. Assim temos plantas adaptadas a viver em diferentes tipos de solos, regimes hídricos, latitude e altitude etc. Dentro de uma mesma condição climática, os ecossistemas se encontram formados por comunidades de plantas, umas são altas com requerimentos elevados de energia solar, outras crescem debaixo destas, utilizando os raios solares que deixam passar as primeiras e a energia difusa, desenvolvendo seu potencial sob essas condições. Desde o ponto de vista de exploração do solo, também a biodiversidade permite a exploração de diferentes estratos e uso de diferentes nutrientes.
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A biodiversidade nos animais também lhes permite empregar os diferentes recursos que se produzem e, às vezes, criam-se complexas cadeias tróficas de alimentação e produção de biomassa, estabelecendo as regulações bióticas das diferentes populações. O emprego da biodiversidade para otimizar os recursos existentes também se emprega nos agroecossistemas. Exemplo deles são os sistemas agroflorestais, agrofrutícolas, silvopastoris, os policultivos, a integração da pecuária com a agricultura e também em certa medida as rotações de cultivos. A agricultura “intensiva” baseia sua produção no monocultivo e na separação da agricultura, bem como na pecuária, com os quais se perdem as vantagens da biodiversidade na otimização do uso dos recursos e a produtividade do sistema. A agricultura “intensiva” para manter a produtividade de seus cultivos emprega elementos alheios aos sistemas, no geral tóxicos, para os organismos vivos ou os agroecossistemas. Regulação biótica A regulação biótica é outra das funções ecossistêmicas de grande importância que se efetua na natureza e onde a biodiversidade é a chave dessa função. Esta consiste na regulação do crescimento de populações de organismos por outros organismos e tem grande importância no controle de todo tipo de explosão populacional de qualquer organismo que se converter em praga, sejam esses microorganismos insetos, mamíferos ou plantas, como as mal chamadas “daninhas”. Em todos os grandes grupos de organismos, desde nosso ponto de vista, existem espécies potencialmente pragas que são os organismos fitófagos e parasitas no geral de uma alta taxa de reprodução e propagação. Há predadores que são animais que se alimentam de outros animais e que chamamos reguladores biológicos ou organismos benéficos, e outros que por seus hábitos de alimentação
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(saprófagos, que se alimentam de substâncias mortas), capacidade de reprodução ou outra característica que limite sua população, o consideramos neutros ou sem potencial de fazer dano, ainda que algumas espécies por razões de falta de alimento habitual ou a criação de certas condições podem se converter em parasitas, como é o caso de alguns microorganismos do solo ou as próprias plantas silvestres que podem infestar os campos de cultivos. São inumeráveis e em parte desconhecidas todas as atividades de controle que realizam os predadores e parasitas na natureza. A modo de exemplo assinalaremos os seguintes: • As larvas das moscas sirfidos comem de 200-800 pulgões até sua transformação em crisálida. • Uma vespa icneumônida é capaz de parasitar e destruir mil pulgões. • Uma aranha de jardim devora ao ano uns 2 quilos de insetos. O uso de agrotóxicos na agricultura, além de eliminar os organismos pragas, elimina também os organismos predadores ou parasitas das pragas, seja diretamente ou através da contaminação acumulada nos seus organismos, criando condições mais propícias para o crescimento dos fitófagos pragas e a aparição de pragas cada vez mais violentas. Proteção do solo A natureza tende por meio da biodiversidade de plantas cobrir sempre o solo se existem condições mínimas para seu desenvolvimento. Esta é uma reação natural própria da utilização de recursos, com o fim de reprodução e competição pela sobrevivência, e que conduz à produção de biomassa. As plantas não só ocupam o solo também que o desenvolvem através do trabalho de suas raízes, exaltando a vida de diferentes organismos que encontram nelas aporte de matéria orgânica. Um solo capaz de suportar uma produção vegetal abundante é uma mescla de substâncias inorgânicas procedentes do substrato ori-
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ginal, matéria orgânica produzida pelas plantas e uma vida intensa que transforma a matéria orgânica, pondo à disposição das plantas uma boa parte dos nutrientes de que necessitam, associando-se para facilitar a tomada de nutrientes, reduzindo a perda destes do solo e criando condições para a aeração e penetração e retenção da água no solo. A modo de resumo Desde o ponto de vista prático, existe um grupo de elementos vitais para que se produzam os efeitos ecossistêmicos benéficos que ajudariam a preservação da natureza e a deter os efeitos negativos que sobre ela está desenvolvendo a agricultura intensa. Essa agricultura com a alta destruição da biodiversidade, o solo e o uso de substâncias tóxicas e contaminantes, que não só afetam a vida natural e a destruição dos recursos do qual depende a humanidade para sua alimentação e outras necessidades, mas também ameaça a própria saúde e existência da humanidade. No quadro abaixo, enumeramos os elementos essenciais no restabelecimento da biodiversidade funcional e as funções principais que podem desempenhar. A recuperação da biodiversidade funcional está ligada à reconstrução da paisagem daquelas zonas deterioradas. As bases para a recuperação da biodiversidade funcional e a paisagem são as seguintes: • Reflorestar as partes altas das colinas e as ladeiras fortes com espécies autóctones ou mistura de espécies autóctones e introduzida sempre que estas últimas não tenham efeitos negativos sobre o sistema. • Reflorestar todos os cursos dos rios, permitindo que, além de árvores, se estabeleçam outras plantas autóctones e pastagens que cubram o solo. • Proteger as zonas de escorrimentos com árvores, capoeiras e vegetação espontânea. • Estabelecer barreiras vivas em zonas de ladeiras dedicadas à agricultura, forma de deter a erosão ou produzir barreiras naturais.
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• Arborizar divisas e bordas de estradas e deixar que cresça a vegetação natural. • Facilitar a criação de pastagens diversificadas. • Criar de forma temporal alguns refúgios para animais benéficos. • Diversificar a agricultura empregando plantas de diferentes famílias, incorporando variedades locais e favorecendo o uso de diferentes variedades do mesmo cultivo, tanto no tempo como no espaço. • Usar cobertura vegetal nos cultivos permanentes, como as frutíferas, e usar métodos de semeadura direta ou cultivo mínimo. • Rotação dos cultivos empregando como mínimo quatro cultivos. • Integrar a agricultura à pecuária. • Emprego de raças autóctones. Elementos, componentes e principais funções da biodiv ersidade: biodiversidade: Elemento Árvores
Vegetação Natural Vida silvestre
Agricultura
Componentes Bosque natural Plantações florestais Arvoredos de elevação e ladeiras Cortinas quebra-ventos Barreiras vivas Flora melífera Capoeiras Outras Microorganismos e animais do solo Animais silvestres Diversidade Rotação de cultivos Policultivos Coberta vegetal
Pecuária
Raças autóctones Integração agricultura
Principais funções Estabilidade ambiental e biótica, biodiversidade Estabilidade ambiental, proteção da fauna Proteção do solo e fauna, economia de água Proteção do solo e fauna, corredores de biodiversidade Biodiversidade, estabilidade ambiental Alimento para insetos benéficos Refúgio e alimentos fauna natural Alimento insetos e outros nutrientes Formadores de solo, fertilidade, reciclado nutrientes, regulação biológica Controladores biológicos Resistência, adaptação, estabilidade Controle de pragas, fertilidade Controle de pragas, uso de recursos, estabilidade Proteção do solo, fertilidade, economia de água Regulação biótica Adaptação, resistência, qualidade Uso de recursos, controle biológico, fertilidade
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Numa iniciativa que a Via Campesina do Brasil vem desenvolvendo para a produção teórica e empírica de textos para debates sobre o campesinato no Brasil, se tem ressaltado que são inúmeras as formas sociais de apropriação da natureza e de inserção na sociedade capitalista que as famílias produtoras rurais camponesas adotam como estratégias de sobrevivência e de acumulação. “(...) Essa diversidade camponesa inclui desde os camponeses proprietários privados de terras aos posseiros de terras públicas e privadas; desde os camponeses que usufruem dos recursos naturais como os povos das florestas, os agroextrativistas, a recursagem,* os ribeirinhos, os pescadores artesanais lavradores, os catadores de caranguejos e lavradores, os castanheiros, as quebradeiras de coco babaçu, os açaizeiros, os que usufruem dos fundos de pasto até os arrendatários não capitalistas, os parceiros, os foreiros e os que usufruem da terra por cessão; desde camponeses quilombolas a parcelas dos povos indígenas já camponeizados. E os novos camponeses resultantes dos assentamentos de reforma agrária.”** Conforme Horacio Martins de Carvalho, o campesinato brasileiro sempre andou nas bailas das conversas e controvérsias teóricas e ideológicas nas sociedades capitalistas contemporâneas. Há nele alguma coisa que incomoda, em especial àqueles que desejam a rea*
**
Recursagem, segundo Mazzetto, Carlos E. Silva (1999), in “Cerrados e camponeses no Norte de Minas: um estudo sobre a sustentabilidade dos ecossistemas e das populações sertanejas”. Belo Horizonte, IGC/UFMG. 250 páginas (dissertação de mestrado), é a atividade de extrair recursos naturais da natureza pelos lavradores locais. Ela significa mais do que uma coleta aleatória. Representa uma extração ordenada, pressupõe um recurso ofertado pela natureza, mas adquirido pela intervenção humana. É um potencial da natureza recursado pelo conhecimento sistematizado e conjunto de técnicas da família, que está embasado numa classificação e discriminação do meio, passada de geração a geração. Via Campesina do Brasil (2004). “Estratégias para o desenvolvimento do campesinato no Brasil” (textos para debate). Brasília, mimeo, 37 páginas.
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lização de lucros num processo de exploração da força de trabalho assalariada. Também, as idéias quase “fixas” de família e comunidade parecem perturbar muitos dos que supõem que o mercado capitalista é suficiente para dar conta de todas as dimensões da vida econômica, da social e da cultural. Não declaram, mas se incomodam porque necessariamente os camponeses, entre tantos outros, não tendem ao consumismo e desejam, sem muito alarde, vivenciar sua história de um jeito diferente daquele apregoado pelos meios de comunicação de massa. Por isso, quiçá, eles perturbem a mesmice do cotidiano capitalista só por existirem e clamarem, por vezes, que aí estão e desejam ser reconhecidos como tal. Pois esse campesinato brasileiro é o único que pode e deve se organizar cada vez mais para resistir. Resistindo, num diálogo permanente com a sociedade urbana, para que esta entenda a sua importância para a preservação necessária à vida, da biodiversidade ou da etnobiodiversidade, para a construção de uma civilização soberana alimentarmente, para ser soberana econômica e politicamente. Tema apresentado por ocasião da Conferência Terra e Água – 22 a 25 de novembro de 2004 –Brasília/DF, tradução e adaptação do original em espanhol do prof. Roberto García Trujillo do Instituto de Sociología y Estudios Campesinos – Universidad de Córdoba, por ocasião do VII Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável – abril-junho/ Espanha.
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São patenteadas – os donos são as multinacionais como a Monsanto, que vão cobrar altos preços pela tecnologia gerada por eles – monopólio. Usando pouco veneno no início mas depois surge novos inços, novas pragas e novas doenças, mais resistentes que exigirão maior quantidade e novos venenos. Monocultura – no verão, só soja, ou só milho; no inverno, só trigo.
Qual é o custo de pr odução produção desse modelo? O que ocorr ocorree nesse modelo com o meio ambiente?
E a pr odutividade é maior? produtividade
Quem contr ola esse modelo? controla Multinacionais da biotecnologia e da agroquímica. Antes da produção, Monsanto, Syngenta, Dow, Dupont; e, depois da produção, Bung, Cargil, Adm. etc. Sua justificativa é “alta eficiência e produtividade”. No entanto, se compararmos quantidade obtida e emprego total; tem escassos níveis de produtividade. Custos elevados, pois depende de uma grande quantidade de insumos externos importados. Já ocorreu contaminação, mistura das sementes transgênicas nas variedades crioulas de milho no México; Contaminação das lavouras vizinhas. Já existem mais de 2 mil processos da Monsanto contra agricultores nos EUA, que usaram sementes transgênicas, muitas vezes sem saber. O aparecimento de novas pragas, doenças e novos inços.
Qual a forma e tipo de adubação usado? Aduba-se as plantas e não o solo – altas doses de fertilizantes químicos – NPK + adubação foliar
Qual o tipo de cultiv o pr edominante? cultivo predominante?
Como contr olar os inços, controlar pragas e doenças?
Quem contr ola as sementes? controla
Agricultura imperialista dos transgênicos ou de pr odução orgânica produção As multinacionais e latifundiários - um modelo excludente e insustentável, no longo prazo.
Equilibrando, nutrindo o solo, e o meio ambiente, com rotação de cultura, diversidade de plantas, uso de caldas, controle biológico e preservando os inimigos naturais. Policultura – produção diversificada no inverno e no verão, consórcio de plantas, cultivo de árvores, e produção de animais. Aduba-se o solo e não a planta – adubos orgânicos, plantas de adubação verde de inverno e de verão, biofertilizantes, caldas etc. Os pequenos e médios agricultores com suas cooperativas e associações, grupos de base, e movimentos sociais, organizados para produzir, industrializar e comercializar. As pequenas propriedades que adotam a diversidade biológica têm um rendimento muito maior em termos de utilização eficiente de recursos e de maior produção por hectare. Baixo custo de produção, pois não depende de insumos externos, pode se produzir tudo. Um meio ambiente equilibrado diminui a incidência de pragas e doenças. Com o tempo, os inços deixam de competir com as plantas. Reaparece e cresce a população de inimigos naturais das pragas e doenças, eliminando a necessidade de aplicar venenos.
Os pequenos e médios agricultores – um modelo de agricultura ecológica, com sementes crioulas, independente e sustentável, em longo prazo. São dos agricultores que produzem há dezenas e centenas de anos, melhorando e conservando-as.
Agricultura popular oecológica popular,, agr agroecológica
Quadr o comparativ o entr uadro comparativo entree dois modelos de agricultura:
Quem se beneficia nesse modelo?
Os dois modelos de pr odução: produção:
8. AGRICULTURA CAMPONESA X AGRICULTURA IMPERIALISTA
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Quais os conceitos rrelacionados elacionados com os transgênicos? E como está a no novva fase da agricultura moderna? • Rastr eabilidade – É uma maneira de acompanhar a produção desde a lavoura até o suRastreabilidade permercado, incluindo o possível uso do produto como ração para animais. Então podese saber se qualquer alimento teve ingrediente transgênico em alguma fase de sua produção ou industrialização. • Cer tificação – São normas de produção, tipificação, processamento, embalagem, disCertificação tribuição e identificação da qualidade de produtos orgânicos de origem animal e vegetal, conforme normas nacionais (Instrução Normativa n o 7, de 17/5/99), e normas internacionais. •R otulagem – Refere-se à obrigatoriedade do aviso nos rótulos da presença de transgênicos Rotulagem nos alimentos, como forma de exigir o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor, Lei no 8.078, de 11/9/90. Com o Decreto no 4680/03, de 28/4/03, a rotulagem agora é obrigatória no Brasil para qualquer alimento que contenha qualquer ingrediente transgênico em mais de 1%. • Taxa tecnológica – É uma taxa cobrada pelas empresas, no caso a Monsanto, pela tecnologia que ela desenvolveu na produção dos transgênicos. É também chamada royalties e será cobrada obrigatoriamente de todos os que usarem sementes transgênicas, mesmo que guarde as sementes em casa. Isso é permitido pela Lei de patentes. • Lei de patentes – Lei no 9.279/96, que regula a propriedade industrial no Brasil, sendo regulamentada em 1997, quando entrou em vigor no dia 15 de maio. Garante o direito à propriedade intelectual, expressa a força de quem detém tecnologia: o monopólio de uso de uma patente de invenção por um período de 20 anos. • Lei de pr oteção de cultiv ar es – No 9.456/97, foi promulgada em 25 de abril de 1997 cultivar ares proteção e regulamentada pelo Decreto no 2.366/97. Os produtos que agora compõem a dieta alimentar da população mundial foram em algum momento anterior ao início da agricultura, há cerca de 12 mil anos, plantas silvestres. Com o início da agricultura, as plantas que hoje são cultivadas passaram por alterações genéticas e fenotípicas na própria natureza. Durante todo o tempo de desenvolvimento da agricultura, as sementes sempre foram um recurso de livre acesso para os agricultores, que produziam suas sementes e trocavam entre si. Essa lei foi criada para garantir o direito de propriedade dos cultivares por parte dos melhoristas ou empresas, com a perda por parte dos produtores do livre acesso a esses recursos. •M edida P Medida Prrovisória 113 – Lei que autorizou a comercialização da safra de soja 2002/ 2003, clandestina e contaminada com transgênico do RS, e manteve a proibição do plantio da safra de soja 2003/2004. • E ngenharia genética - Técnicas que permitem isolar, cortar e colar partes do código Engenharia genético de diferentes espécies e introduzi-las no genoma de outro organismo. É através da engenharia genética que se produz o transgênico. • B iossegurança – Significa o uso sadio e sustentável dos produtos tecnológicos em terBiossegurança mos dos seus impactos à saúde humana, à biodiversidade e ao meio ambiente. Antes de colocar um alimento transgênico na mesa do povo, deve-se analisar sua segurança para a vida – sua biossegurança.
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•B iodiv ersidade – Compreende todas as formas de vida, ecossistemas e processos ecolóBiodiv iodiversidade gicos associados. Corre sérios riscos com os transgênicos. Principalmente a poluição genética – o cruzamento dos transgênicos com outras plantas nativas ou não. •P rincípio da pr ecaução – Esse princípio diz que é preciso cautela, cuidado com tecnologias Princípio precaução novas antes de liberá-las para consumo humano ou no meio ambiente. Quando há incerteza científica devem ser tomadas medidas para evitar ou minimizar os possíveis danos.
Transgênicos: saúde humana e animal Quais os problemas já comprovados dos transgênicos em relação à saúde das pessoas e dos animais no mundo? Enquanto não houver consenso da comunidade científica, os seres humanos não podem se tornar cobaias. Morte – Em 1980, a indústria japonesa Showa Denko K. K. usou bactéria transgênica para produzir triptofano, um aminoácido usado com suplemento alimentar. Uma toxina mortal foi produzida devido à alteração no metabolismo interno do microorganismo, criando uma toxina mortal para 35 pessoas nos EUA e mais 1,5 mil pessoas ficaram aleijadas. Alergias – Em 1998, outro grave acidente ocorreu quando a empresa Aventis introduziu um milho modificado, o milho StarLink Bt, que foi comercializado mesmo com restrições. Devido à polinização cruzada e mistura nos armazéns, contaminou em torno de 40% da produção de milho estadunidense. Esse milho causou graves reações alérgicas em seres humanos. O milho comum misturado com o transgênico perdeu o seu valor de mercado, levando os produtores a ter grandes prejuízos e os consumidores a ter reações alérgicas graves. Outro exemplo, o feijão transgênico da Embrapa – contém um gene da castanha-do-pará que ao ser testado nos EUA causou reações alérgicas. O laboratório de York, no Reino Unido, constatou que as alergias à soja aumentaram 50% naquele país, depois da comercialização da soja transgênica. Resistência – Os alimentos oriundos de cultivos transgênicos podem prejudicar seriamente o tratamento de algumas doenças de
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homens e animais. Isso ocorre porque muitos cultivos possuem genes de resistência antibiótica. Se um gene resistente atingir uma bactéria nociva, pode conferir-lhe imunidade ao antibiótico, aumentando a lista, já alarmante, de problemas médicos envolvendo doenças ligadas a bactérias imunes. Retardo no crescimento – Pesquisas realizadas em 1998 pelo médico escocês Arpad Pusztai demonstram que batatas transgênicas de genes que produzem lectins (proteína que danifica as células do sistema imunológico) podem modificar o metabolismo humano. Pusztai durante 100 dias alimentou ratos com batatas transgênicas e o resultado foi: retardo do crescimento e menor resistência às infecções, quando comparados com ratos alimentados com batatas naturais. Intoxicação – Também se aponta, como fator de risco à saúde, o fato de que a tolerância induzida às plantas, relativamente a herbicidas (e, futuramente, a outros agroquímicos), ocasionará um incremento de resíduos desses produtos nos alimentos, elevando sua ingestão pelo ser humano e pelos animais. A propósito, o Ministério da Saúde, a pedido da Monsanto, em 1998, na véspera da liberação da soja RR, elevou o limite máximo de resíduos de glifosate aceito para soja, de 0,2 ppm, para 2 ppm. Na Inglaterra, um sério problema de saúde pública: câncer de cólon e de estômago causado pelo vírus mosaico da couve-flor, utilizado em alimentos transgênicos. Os médicos da Associação Médica da União Britânica sugerem que os transgênicos sejam retirados do mercado por não se conhecerem seus efeitos na saúde. Existem outros problemas que o mundo vem enfrentando com os transgêncios? No Canadá, um agricultor canadense, sr. Percy Schmeiser, produz há 50 anos sua própria semente de colza. Em 1988, um teste detectou colza transgênica em sua lavoura e ele foi processado e multado pela empresa criadora da semente por uso indevido. Ele
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nunca havia plantado transgênico. Mais tarde soube que seus vizinhos haviam plantado colza transgênica, que através do pólen levado pelo vento acabou contaminando sua lavoura. Mas a empresa (Monsanto) não quis saber disso e manteve o processo. Nos Estados Unidos, um agricultor, criador de suínos, sr. Jerry Rosman, teve grandes prejuízos em sua produção de leitões por ter alimentado as porcas com milho transgênico Bt. As porcas diminuíram em 80% o índice de prenhez. Testes de laboratório revelaram que o milho continha alto nível de bolor Fusarium. Ele voltou a tratar as porcas com milho não transgênico e os partos voltaram ao normal. Também nos Estados Unidos, um agricultor, grande produtor de grãos de Dakota do Norte, sr. Rodney Nelson, foi um dos primeiros a adotar a soja transgênica RR. Além de insatisfeito com os resultados, após suspender o cultivo de variedades RR o agricultor se viu acusado e processado pela Monsanto por quebra de patente, devido à incapacidade de descontaminar sua lavoura. Além de soja, ele cultiva em seus 3.645 hectares de terra nos EUA girassol, trigo e beterraba. Com a propaganda da Monsanto sobre os benefícios dos transgênicos, ele diz em um depoimento no Brasil que “... Meu primeiro ano cultivando a soja transgênica foi 1998. A produção foi baixa, comparada com meu cultivo convencional. Fiquei decepcionado. Eu pensei que eu poderia ter escolhido uma variedade ruim, então no ano seguinte, 1999, experimentei umas cinco variedades diferentes em 567 ha. Mais uma vez ficamos decepcionados com a produção e não planejávamos cultivar a soja RR outra vez, a menos que a produtividade aumentasse. A maioria dos vizinhos com os quais conversei tiveram experiências similares...”. “... Minha família e eu fomos informados por um ex-agente do FBI, agora trabalhando para a Monsanto, que alguém havia denunciado a eles que nossa família havia guardado soja RR da nossa safra de 1998 e replantado em 1999. A Monsanto mantém uma linha 0800 (disque-denúncia), de forma que qualquer um pode fazer
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uma ligação anônima e acusar agricultores de infração de patente (por guardar sementes próprias). A Monsanto abriu um processo contra nós acusando-nos de haver infringido sua patente. No México, em função do plantio de milho transgênico Bt, houve contaminação de variedades crioulas e nativas, acabando com um trabalho de 12 mil anos de melhoramento natural de sementes de milho feito pelos índios mexicanos e camponeses, agricultores daquele país. Agronegócio burguês X agricultura camponesa • O agronegócio responde por um terço do PIB, 42% das exportações e 37% dos empregos. • Com clima privilegiado, solo fértil, disponibilidade de água, rica biodiversidade e mão-de-obra qualificada, o país é capaz de colher até duas safras anuais de grãos. • Nenhuma nação teve crescimento tão expressivo na agropecuária quanto o Brasil nos últimos anos. Em 2003, gerou superavit comercial de US$ 25,8 bilhões. Essa é, no entanto, apenas a metade da história. Há uma série de questões pouco debatidas: • Como se distribui a riqueza gerada no campo? • Que impactos o agronegócio causa na sociedade, na forma de desemprego, concentração de renda e poder, contaminação da água e do solo (já que promove o uso intensivo de agrotóxicos) e destruição de biomas? • Quanto tempo essa bonança vai durar, tendo em vista a exaustão dos recursos naturais?
a. Insustentabilidade socioambiental • Quais serão as conseqüências da erosão genética? • E os impactos pela expansão da soja? • Até quando vai se usar agrotóxicos e herbicidas em larga escala?
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• E a ameaça tóxica invisível? • O impacto da cultura do tabaco? • Impactos socioambientais nos cerrados? • A modernização parcial dos latifúndios? • Essas e outras questões precisam ser debatidas. • O agronegócio brasileiro mistura a modernidade técnica com o atraso das relações sociais. • Seu agronegócio, com máquinas agrícolas munidas de computador de bordo, é de “Primeiro Mundo”. • O resto do país continua afundado no “Terceiro Mundo”, com 3,6 milhões de famílias (dados oficiais) rurais em situação de extrema pobreza, vivendo com menos de US$ 1 per capita ao dia. b. A “modernização” X geração de trabalho e renda A agricultura de grande escala gera pouco emprego e causa um êxodo rural que os centros urbanos não são capazes de absorver com dignidade. Na década de 1990, houve uma diminuição de 21,5% na demanda de força de trabalho agrícola em 30 culturas, sendo 21% na de grãos. Quem ganha e quem perde? O agronegócio não é solução, é parte do problema, pois resolve a vulnerabilidade externa do país, aumentando a interna. É a associação do grande capital internacional com a grande propriedade, o latifúndio: ganham os dois lados e perde a sociedade e o povo brasileiro. Mitos e verdades: do texto de Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2004). “Barbárie e Modernidade” • Há controvérsias com relação a quem de fato tem a participação mais expressiva na produção agropecuária do país. • Há autores (e a mídia em geral os repete) que afirmam não haver sentido no interior da lógica capitalista, por exemplo, em distribuir terra através de uma política de Reforma Agrária.
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• O capitalismo no campo já teria realizado todos os processos técnicos e passado a comandar a produção em larga escala. • As posições expressivas na pauta de exportações. Alguns dos muitos mitos “A Reforma Agrária massiva poderia desestabilizar esse setor competitivo do campo e deixar o país vulnerável em sua ‘política vitoriosa de exportações’ de commodities do agronegócio”. Não há mais “latifúndio no Brasil” e sim, o que há agora, são modernas empresas rurais. Não haveria, assim, mais terra improdutiva. São alguns mitos produzido no Brasil, para continuar garantindo 132 milhões de hectares de terras concentradas em mãos de pouco mais de 32 mil latifundiários. A estrutura fundiária concentrada 850,2 milhões de hectares. Dessa área total, há unidades de conservação ambiental (102,1 milhões de ha). Terras indígenas: 128,5 milhões de ha. Área total dos imóveis cadastrados no INCRA: aproximadamente 420,4 milhões de ha. Portanto, a soma total dessas áreas dá um total de 651 milhões de ha, o que quer dizer que há ainda no Brasil aproximadamente 199,2 milhões de ha de terras devolutas. Todas com cerca e alguém se diz “dono”. Concentração de terra No Brasil estão os maiores latifúndios que a história da humanidade já registrou. A soma das 27 maiores propriedades existentes no país atinge uma superfície igual àquela ocupada pelo Estado de São Paulo, e a soma das 300 maiores atinge uma área igual à de São Paulo e do Paraná.
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Enquanto mais de 2,4 milhões de imóveis (57,6%) ocupavam 6% da área (26,7 milhões de hectares), menos de 70 mil imóveis, maiores de 2 mil ha (1,7%), ocupavam uma área igual a mais de 183 milhões de hectares (43,8%). Os latifúndios improdutivos Segundo o cadastro do Incra, de agosto de 2003, apenas 30% das áreas das grandes propriedades foram classificadas como produtivas, enquanto que 70% foram classificadas como não produtivas. Portanto, o próprio cadastro do Incra, que é declarado pelos próprios proprietários, indicava a presença da maioria das terras das grandes propriedades sem uso produtivo. Mais de 120 milhões de ha improdutivos. As pequenas unidades são as que mais empregos geram no campo. A tecnologia também chegou às pequenas unidades. Outro mito que os defensores do agronegócio apresentam para justificar o baixo número de empregos na grande propriedade é a sua integral mecanização. Assim, a grande propriedade seria a grande consumidora de tratores e outras máquinas e implementos agrícolas. O Censo Agropecuário indicava que, no total, 63,5% dos tratores estavam nas pequenas unidades de produção e apenas 8,2% nas grandes unidades. Até entre aqueles de alta potência (mais de 100 CV), as pequenas unidades possuíam mais tratores. c. Os financiamentos obtidos por poucos e a distribuição profundamente desigual Os números dos créditos obtidos na agricultura são outro indicativo da profunda desigualdade existente no setor. Os poucos créditos obtidos foram maciçamente para o agronegócio das grandes unidades. Aquelas unidades com mais de 10 mil hectares obtiveram parcelas médias de mais de um milhão de reais para cada uma. As unidades menores entre as pequenas que
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receberam financiamentos tiveram que dividir entre si apenas entre R$ 2.900 e R$ 20.000. O crédito também vai engrossar as rendas do agronegócio. Quanto ao financiamento geral da safra agrícola 2003/2004, o governo alocou R$ 32,5 bilhões. Deste total, foi reservado R$ 5,4 bilhões para o Pronaf. 2004/2005 – 39,5 bilhões para os grandes e 7 bilhões para os pequenos. Dez grandes grupos econômicos multinacionais obtiveram financiamento do Banco do Brasil no ano de 2003 num total 4,3 bilhões de reais; nesse mesmo período, aproximadamente 1,3 milhão de camponeses alcançarão efetivamente cerca de 4,5 bilhões de reais para a safra 2003/2004. d. As pequenas unidades produzem mais em volume da produção Há o mito de que quem produz no campo são as grandes propriedades Com relação à utilização da terra, as lavouras ocupavam 50,1 milhões de hectares e nelas as pequenas unidades ficavam com 53%, as médias com 34,5% e as grandes com 12,5%. As pastagens, por sua vez, ocupavam 177,7 milhões de hectares, ou 49,8% da área total dos estabelecimentos e nelas as pequenas unidades ficavam com 34,9%, as médias com 40,5% e as grandes com 24,6%. e. Quanto cada setor produz? Na pecuária: Apenas o rebanho de búfalos era maior nas grandes unidades. Mesmo quanto ao rebanho bovino, as pequenas unidades tinham um percentual quase o dobro daquele dos latifúndios. É preciso repetir que embora a área ocupada seja maior nos latifúndios, a terra não é usada para produzir. Ela fica com a função de patrimônio, ou seja, a terra é retida apenas como reserva de valor.
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Leite, lã e ovos: Quanto à produção de leite, a posição das pequenas unidades foi majoritária, 71,5%, sendo que os latifúndios produziram apenas 1,9% (as médias ficaram com 26,6%). No que se refere à produção de lã, as pequenas participaram com 27,7% enquanto que os latifúndios produziram apenas 17,7% (as médias produziram 54,6%). Já em relação à produção de ovos, 79,3% vieram das pequenas unidades, ficando as médias com 18,5% e as grandes com apenas 2,2%. A participação de cada uma nas lavouras temporárias As pequenas unidades de produção também geram mais renda no campo. Outro mito: os analistas costumam atribuir à grande exploração o papel de destaque. A análise dos dados mostram exatamente o oposto, pois quem detém a maior participação na geração de renda no campo brasileiro também são as pequenas unidades de produção com menos de 200 hectares, que ficam com 56,8% do total geral. Quanto às receitas totais geradas pelos estabelecimentos agropecuários, cabe destacar que as pequenas unidades também ficaram com o maior percentual, ou seja, 53,5% do total. Há a necessária distribuição da renda e da riqueza no meio rural brasileiro. Assim, parece que sempre teimosamente, quando a história se repete, ela o faz como farsa. Esse conjunto de resultados apresentados referentes aos dados da agricultura brasileira é mais um indicativo de que a necessária e fundamental melhor distribuição da renda na agricultura passa necessariamente pela redistribuição da terra. Maior acesso à terra significa possibilidade de obtenção de melhor fatia da renda geral.
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f. A necessidade de uma reforma agrária Se a esses 106 milhões de hectares de terras supostamente disponíveis acrescentarmos os 100 milhões de terras subaproveitadas dos latifúndios do país, teríamos aproximadamente 200 milhões de hectares para a reforma agrária e, portanto, para o crescimento do campesinato no país. Mas essas terras e outras, como as das florestas da Amazônia, dos cerrados e da Mata Atlântica, já têm destinação: a exploração agropecuária e madeireira pelos grandes grupos econômicos nacionais e multinacionais. g. A concentração consentida pelos governos Aliado a esse estoque de terras para o grande capital, expandese na atualidade a compra e arrendamento de terras de camponeses por grandes grupos econômicos como, por exemplo, a Votorantim Papel e Celulose e a Aracruz Celulose, como está ocorrendo no Estado do Rio Grande do Sul (município de Piratini e entornos), onde esses grupos econômicos estão se apropriando de 400 mil hectares de terras de camponeses para o plantio de eucalipto. O mesmo está ocorrendo em outros Estados, como SC, ES, MG e BA. h. Expansão massiva do neoliberalismo no campo Esse comportamento das classes dominantes no país e dos governos que lhes são orgânicos é condizente com as premissas da expansão do neoliberalismo (cf. Carvalho, 2004), que tem como fundamento a livre expansão da iniciativa privada nacional e internacional no campo. Expansão essa induzida e legitimada pelo FMI, Banco Mundial e a FAO. i. O avanço do capital no campo Temos aqui, em especial, o capital dos grandes grupos econômicos mundiais da indústria da química fina e da biotecnologia nas
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suas frações relacionadas com o agronegócio burguês e com o capital financeiro internacional. O que atrai com maior ênfase esses capitais para o Brasil é a facilidade de realizarem simultaneamente vários movimentos econômicos: • acumulação primitiva ao se apropriarem dos recursos naturais como florestas, minérios e biodiversidade. • o mercantilismo ao usufruírem a impunidade no comércio ilegal de madeira, e a acumulação capitalista monopolista ao controlarem o comércio internacional da soja e outras commodities. No recente episódio de rejeição da soja brasileira pela República Popular da China, constatou-se mais uma vez que somente 7 empresas tradings controlavam o comércio exportador brasileiro de grãos com esse país. j. A necessidade do debate nacional A inexistência de uma proposta de desenvolvimento rural a partir dos interesses do campesinato brasileiro para o desenvolvimento rural do Brasil que negue o atual modelo dominante e afirme um processo de democratização da renda e da riqueza rurais e a socialização das relações sociais de produção obscurece as possibilidades de se definir estratégias de transformação estrutural no campo, assim como de se estabelecer os rumos estratégicos para a luta social. O modelo econômico e tecnológico dominante (ETD) caracteriza-se pela • Tendência à concentração da terra, dos recursos naturais e da renda rural. • Tendência crescente de homogeneização genética e monoculturas, oligopolização e, em casos, a monopolização da oferta de sementes. • Utilização massiva de agroquímicos de origem industrial e de motomecanização pesada, ampliação de novas áreas de terras e con-
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seqüente derrubada da cobertura florestal, apropriação de terras devolutas seja nas regiões dos cerrados seja na Amazônia. • Dependência de insumos importados e sob o controle de empresas multinacionais oligopolistas: • pela oferta de produtos agrícolas para exportação, • pela agroindustrialização controlada pelo capital estrangeiro, • pela contaminação ambiental e degradação dos solos e da água, • pela dependência de incentivos diretos e indiretos governamentais. A democratização do desenvolvimento rural Economia camponesa: alternativa vigorosa de desenvolvimento rural sustentável em longo prazo A ideologia dominante durante toda a história do Brasil é de que a grande propriedade da terra é a forma mais eficiente para responder aos desafios de um modelo de desenvolvimento rural que satisfaça às expectativas dos interesses econômicos nacionais e estrangeiros dominantes. Todavia, acabamos de ver uma breve síntese do balanço de perdas e ganhos – mais impactos negativos que contribuições.
a. A desqualificação planejada Desde sempre a economia camponesa no Brasil tem sido desprestigiada politicamente e desqualificada ideologicamente, a não ser nos discursos populistas, nas práticas de políticas públicas compensatórias, ou nas ladainhas filantrópicas que vêem no camponês os resquícios de tempos românticos ou bucólicos de convívio com uma natureza sublimada. É necessária a transição democrática socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável para que haja um processo de transição da situação atual de dependência e de subalternidade do campesinato aos valores econômicos e sociais dominantes para uma
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nova situação desejável de democratização da renda e da riqueza no campo. Para isso se requererá não apenas uma nova compreensão teórica do campesinato que permita melhor situá-lo no âmbito de uma sociedade capitalista, mas mudanças estruturais profundas, como a democratização, a posse e o uso da terra, e a intervenção do Estado. No entanto deverão ocorrer mudanças imediatas. São possíveis: • Nos modelos de produção e tecnológicos que facilitem, ao mesmo tempo, um novo modo de apropriação da natureza. • Um outro perfil do hábito de consumo familiar de bens e serviços e inclusive aqueles diretamente relacionados com o processo, sistemas e rotinas de trabalho. A agroecologia política tem propostas: A abordagem agroecológica propõe mudanças profundas nos sistemas e nas formas de produção. Na base dessa mudança está a filosofia de se produzir de acordo com as leis e as dinâmicas que regem os ecossistemas – uma produção com e não contra a natureza. Propõe, portanto, novas formas de apropriação dos recursos naturais que devem se materializar em estratégias e tecnologias condizentes com a filosofia-base. Entretanto, três fatores fundamentais devem ser contemplados nessa problemática. Três premissas básicas: • A eqüidade enquanto um fator fundamental para a sustentabilidade dos agroecossistemas; • A diversidade e a compatibilidade cultural como base da construção de agroecossistemas biodiversificados e de uma pedagogia de troca de saberes. • A relação entre território disponível e capacidade de suporte dos ecossistemas e a organização espacial/territorial necessária ao desenvolvimento de sistemas agroecológicos de produções.
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b. A resistência e a superação A ruptura da dependência do campesinato das políticas públicas compensatórias, por um lado, e dos grandes grupos econômicos transnacionais, por outro lado, exigirá mudanças em profundidade da matriz dominante de produção imposta como o único caminho da modernização rural desde o início da década de 1970; exigirá a construção de uma nova matriz de produção. Essa nova matriz de produção deverá atender a alguns critérios, tais como: • Substituição, no nível da unidade de produção camponesa, da importação de insumos para a produção. • Diversificação das atividades de cultivos, criações e extrativistas (estas quando pertinentes); • Redefinição das relações de convivência com o ambiente; • Geração de produtos do trabalho e de processos de trabalho saudáveis, sejam em relação à natureza, seja em relação ao consumidor. c. E uma nova relação da produção e com a produção • Beneficiamento de produtos e subprodutos agropecuários e extrativistas. • Produção artesanal qualificada para o autoconsumo e para o mercado – construir mercados alternativos. • Diversificação de fontes de rendimentos através de multiatividades. • A substituição gradativa e parcial da importação de insumos para a produção exigirá, como exemplos, a produção interna de insumos como sementes nativas e crioulas, fertilizantes orgânicos, adubação verde, práticas de manejo de pragas e doenças. Isso pressupõe: A mudança proposta significa a conversão (transição) gradativa, por parte dos camponeses, da denominada agricultura industrializada apregoada pelo neoliberalismo e pela globalização econômica.
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Segundo Glória Guzman Casado, isso deverá atender aos seguintes objetivos: produzir alimentos de alta qualidade nutricional em quantidades suficientes; e trabalhar com os sistemas naturais mais do que pretender dominá-los. Isso pressupõe (II): • Fomentar e potencializar os ciclos biológicos dentro da unidade de produção, implicando os microorganismos, flora e fauna edáficas, plantas e animais. • Manter e incrementar, no longo prazo, a fertilidade dos solos. • Usar, até onde seja possível, os recursos renováveis em sistemas agrícolas localmente organizados. • Trabalhar, no possível, um sistema fechado, com especial atenção à matéria orgânica e aos elementos nutritivos. Isso pressupõe (III): • Dar as condições de vida aos animais de criação que lhes permitam desenvolver todos aqueles aspectos de seu comportamento nato. • Evitar todas as formas de poluição que possam resultar das técnicas agrícolas. • Manter a diversidade genética do sistema agrícola e seus arredores, incluindo a proteção de plantas e do habitat silvestre. • Permitir aos produtores retornos econômicos adequados e satisfação pelo trabalho, incluindo um ambiente de trabalho seguro. • Considerar o amplo impacto que gera, nos níveis social e ecológico, um determinado sistema de exploração agrícola. Substituição da importação de insumos: • Importante redução nos gastos com a compra de insumos que, aliadao à redução de gastos com a produção de alimentos para o autoconsumo, permitirá a superação do endividamento crônico. • Dispensar ou não mais depender do crédito rural de custeio (e em médio prazo do de investimento). • Redução ou eliminação da dependência de insumos.
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• A produção interna (autonomia) de sementes e mudas. • Produção de alimentos ecologicamente saudáveis. • Nova relação com os mercados. • Nova relação com o meio ambiente em decorrência de uma matriz de produção ecologicamente sustentável. d. Agroecologia e campesinato Eduardo Sevilla Guzmán “se atreveria” a definir o campesinato como uma forma de manejar os recursos naturais que permite a reprodução do homem e a natureza (que são um todo), conservando a biodiversidade ecológica e sociocultural. A agroecologia é uma forma de entender e atuar para campenisar a agricultura, a pecuária, o florestamento e o agroextrativismo, a partir de uma consciência intergeneracional (não exploração de crianças e velhos), de classe (não exploração do capital ao trabalho), de espécie (não exploração dos recursos naturais), de gênero (não exploração do homem à mulher), de identidade (não exploração entre etnicidades). Isso tudo pode parece uma utopia. Utopia é algo que nós damos um passo para próximo dela, ela dá um passo se afastando de nós... Se damos dois passos para próximo dela ela dá dois passos se afastando de nós..., no entanto isso faz com que nós caminhemos. Roteiro para apresentação de palestra no seminário “Qualidade do Solo e da Água na Agricultura Familiar”, na Universidade Federal de Santa Maria, em novembro de 2004.
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9. BASES TEÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS DA AGROECOLOGIA A PARTIR DA SOCIOLOGIA RURAL
Enfoque agronômico convencional (I) Os enfoques convencionais da atividade agrícola se baseiam na segmentação e no parcelamento do conhecimento científico. A Agronomia, como disciplina científica, tem os mesmos defeitos que a ciência convencional: Axiomática – que não se submete à discussão. Dentro dela, a própria motivação da atividade agrária. Produtivismo – produzir o máximo sem levar em conta os custos. Enfoque agronômico convencional (II) A idéia de progresso ilimitado, o antropocentrismo, a identificação do desenvolvimento com o crescimento econômico, a identificação da qualidade de vida com a renda disponível e consumo etc.. Epistemologia superada pelo próprio desenvolvimento da ciência: o objetivo do conhecimento científico é a formulação de leis, a pretensão da verdade, a natureza objetiva dos fenômenos, o princípio de causalidade, a lógica mecanicista, a demonstração e replicação dos experimentos (linguagem matemática).
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As bases epistemológicas da agronomia convencional (I) Atomismo: o sistema agrário se compreende como uma soma de partes, sem que exista relação entre elas. Na realidade não se considera a noção de sistema. A atividade agrícola se faz depender de um ou vários fatores (causa-efeito). Mecanicismo: os sistemas agrários se comportam de maneira predizível (a ciência é predicativa, formula as leis). Universalismo: há um conjunto de princípios universais que podem ser aplicados em qualquer espaço e tempo, independentemente das condições agroecológicas regionais e da heterogeneidade de unidades produtivas. As bases epistemológicas da agronomia convencional (II) Objetividade: supõe que a realidade agrária pode ser conhecida e modificada independentemente de nossos valores e de nossas intenções. Monismo: há uma única maneira de entender os sistemas naturais e sociais e, se existe outra, alguma delas está equivocada (ignorância do conhecimento não “científico”). A Agroecologia e o paradigma ecológico (I) Surge dentro desse paradigma emergente que por natureza é antitotalitário e pluralista. É evolucionista, com uma concepção do tempo baseada na segunda lei da termodinâmica e a irreversibilidade dos processos. Evolução e mudança. Portanto, o conhecimento da realidade não pode ser acumulativo nem completo, se não provisional e aproximado. Questiona a superioridade da ciência e do conhecimento científico. O conhecimento científico produz por aproximação à realidade, admitindo a incerteza, o erro, o paradoxo. Questiona o lugar subalterno de outros saberes (camponês, por exemplo)
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A Agroecologia e o paradigma ecológico (II) Frente ao parcelamento do conhecimento e da realidade: o todo é mais que a soma das partes, o importante não são os componentes (a substância) se não as relações entre elas. A complexidade do real. O princípio de precaução (crítica à lógica científico-técnica). Biocentrismo frente a antropocentrismo.
Que é a Agr oecologia? Agroecologia? Não é uma disciplina e sim um enfoque transdisciplinar que enfoca a atividade agrária desde uma perspectiva ecológica. Enfoque teórico e metodológico que, utilizando várias disciplinas científicas, pretende estudar a atividade agrária desde uma perspectiva ecológica. Vinculação essencial que existe entre o solo, a planta, o animal e o ser humano. A Agroecologia é uma filosofia? Uma técnica agronômica? Uma ferramenta de análises? Há diferenças entre a agricultura ecológica, agricultura tradicional e a agricultura com base no enfoque agroecológico. Que é Agr oecologia? Agroecologia? A dinâmica das explorações agrárias não se explica só por condicionamentos agronômicos da parcela e sim por condicionamentos ambientais, sociais e econômicos. E mais, as variáveis sociais ocupam um papel muito relevante, dado que as relações estabelecidas entre os seres humanos e as instituições que as regulam constituem a peça-chave dos sistemas agrários, que dependem do homem para sua manutenção. Conceito de sistema Sistema é um arranjo de componentes físicos, um conjunto ou coleção de coisas, unidas ou relacionadas de tal maneira que formam e atuam como uma unidade ou um todo (Becht, 1974).
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As características básicas de qualquer sistema estão dadas por dois componentes básicos Elementos que geralmente encontramos na estrutura de um sistema: • Limites • Componentes • Relação entre componentes • Entradas e saídas • Processos em um ecossistema • Processos em um agroecossistema • As relações entre componentes pode ser de distintos tipos Existe na rrealidade ealidade um agr oecossistema? agroecossistema? Todo agroecossistema é uma construção social, produto da coevolução dos seres humanos com a natureza. Por quê? Diferenças entre ecossistema e agroecossistema. Todo ecossistema é um conjunto em que os organismos, os fluxos energéticos, os fluxos biogeoquímicos vivem em equilíbrio estável, é dizer, são entidades capazes de automanter-se, auto-regularse e auto-reparar-se independentemente dos homens e das sociedades baseado em princípios naturais. Que é um Agr oecossistema? (II) Agroecossistema? Os seres humanos, ao artificializar os ecossistemas para obter alimentos, domesticando plantas e animais, quebram as secessões e os mecanismos de auto-regulação ecossistêmica. Os agroecossistemas passam assim a depender do homem para se manter, regular-se e renovar-se. Tornam-se dependentes de fluxos de energia e de materiais externos que o ser humano incorpora no processo de trabalho agrário.
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Que é um Agr oecossistema? (III) Agroecossistema? Portanto, os agroecossistemas evolucionam ao mesmo tempo em interação com a sociedade que os maneja e da qual dependem. Dele se fala que é produto da coevolução histórica entre a sociedade e a natureza. O princípio da coevolução social e ecológica. Esse enfoque supera a “ilusão metafísica” da modernidade. O enfoque social da agroecologia permite interpretar os agroecossistemas como resultado de um processo coevolutivo entre o sistema social e o sistema biológico (Norgaard y Sikord, 1997). O enfoque holístico Considera a propriedade/lote agrícola como a unidade de análise. Esse lote está integrado por diferentes subsistemas. O lote se integra a sistemas maiores com os quais troca materiais e informações. O lote está afetado por diferentes elementos externos. Os agroecossistemas estão integrados por três elementos principais, que por sua vez são determinantes dos agroecossistemas, estabelecendo o tipo de agricultura.
Roteiro para apresentação de palestra, com base em texto de Eduardo Sevilla Guzmán.
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10. NIM (Azadirachta indica) Nim é o nome comum de uma planta que pertence à família Meliaceae, como o cinamomo, o cedro e o mogno. É originária da Ásia e é usada há séculos, principalmente na Índia, como planta medicinal, com diversos usos: anti-séptico, curativo ou como vermífugo, em sabões medicinais etc. O nim é uma planta que contém mais de 30 substâncias com propriedades inseticidas, repelentes, fungicidas e nematicidas. Todas as partes da planta possuem esses compostos ativos, porém é no fruto que se encontra a maior concentração. É uma árvore de crescimento rápido, não perde as folhas, tem flores hermafroditas, permitindo que árvores solitárias possam produzir frutos. As abelhas ajudam na polinização. A floração se inicia em dezembro e janeiro, já os frutos amadurecem de abril a maio. O nim desenvolve-se melhor em solos arenosos, profundos e bem drenados, com pH entre 6,2 e 7,0. Como uma típica planta tropical/subtropical, tem se desenvolvido bem em regiões com temperaturas anuais médias entre 21ºC e 32ºC. Tolera altas temperaturas, entretanto temperaturas abaixo de 4°C podem levar plantas jovens à perda das folhas e até mesmo à morte. Estudos de adaptação do nim no Paraná, conduzidos pelo Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), mostraram que o nim pode desenvolverse em condições de clima subtropical. Entretanto o crescimento das árvores foi mais lento. Até o ano de 1996, 413 espécies de insetos foram relatadas como sensíveis a algum tipo de ação do nim. As espécies mais facilmente controladas são as lagartas, pulgões, cigarrinhas, larvas de besouro que se alimentam de plantas. Além dessas também controla barata, gafanhoto, percevejo, piolho, moscas, carunchos, traças etc. Pode-se usar todas as partes da planta como “remédios”, desde a torta da semente, o extrato da folha, mas principalmente o óleo da semente,
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que contém 40% de óleo. Cada 4 kg de semente com casca produz meio litro de óleo que contém 0,1% de azadiractina – o produto ativo. Não é tóxico para humanos e animais. Na África e no Caribe, as pessoas, principalmente as crianças, comem frutos maduros de nim. Também é muito utilizado na medicina natural e homeopática para várias doenças como diabetes, vermes, furúnculos, úlceras e doenças de pele. O óleo serve para úlceras infectadas, dores de cabeça, urticária, dermatose, micoses e sarna. Bom para problemas de gengivas e ouvidos etc. O nim na agricultura orgânica ou ecológica O nim é um insumo natural, um inseticida biológico sem paralelo na agricultura orgânica. A aplicação dele no momento em que surgem as pragas promove a redução do ataque e a proteção necessária ao cultivo. É um bioinseticida preventivo de alguns insetos. Essas mudas são para tomar o conhecimento da planta e para o seu devido uso no futuro próximo.
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11. ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA O PLANTIO CAMPONÊS
A extensão rural ou transferência tecnológica está em crise, não só no Brasil ou na América Latina, mas também em outros países do mundo. Foi o principal veículo para impulsionar a industrialização e a tecnificação da agricultura nos Estados Unidos e na Europa e da chamada “revolução verde” nos países em desenvolvimento. Desde os anos de 1950 foi um componente central de praticamente todos os programas e projetos de desenvolvimento agropecuário, baseado no aumento da produção e da produtividade a qualquer custo econômico, sem considerar os prejuízos ambiental, social e cultural dos povos e das regiões. Esse instrumento de política pública cumpriu um papel estratégico em diversos países da África, Ásia e América, incluindo o Brasil, a partir dos interesses dos organismos internacionais e das corporações multinacionais dos Estados Unidos e Europa. Há mudanças fortes, que tiveram início a partir do final dos anos de 1980 e ainda estão ocorrendo, entre elas a globalização dos mercados agrícolas, a retirada do Estado da execução mesmo dos programas rurais e a privatização de serviços estatais. Mesmo ante as crescen-
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tes preocupações acerca da sustentabilidade dos sistemas agropecuários induzidos, a extensão agropecuária como veículo dinâmico entre a investigação científica e a produção agropecuária é seriamente questionada. O técnico deveria ser um especialista com domínio de técnicas e práticas e com boa capacidade de convencimento (assistência técnica). A extensão rural foi apresentada como sendo um processo de educação informal, para melhorar as condições econômicas e sociais dos produtores rurais. O “extensionista” definia como componentes principais de ação fatores socioeconômicos, atuando no desenvolvimento da agricultura e na inovação tecnológica na produção agropecuária. Uma nova Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) que gere respostas concretas aos desafios do campesinato no Brasil – não como um veículo de transmissão de resultados de pesquisas tecnológicas até os agricultores, mas como um instrumento para fortalecer a capacidade de auto-aprendizagem das famílias camponesas para a autogestão dos agroecossistemas e das comunidades rurais para um desenvolvimento rural sustentável – deve ser uma Ater pública, democrática e que atenda todos os camponeses do Brasil, portanto, que seja universal. A sua gestão deve ser centralizada pelo Estado, enquanto gestor público, mas descentralizada do ponto de vista de sua ação com o público beneficiário, em que os camponeses através de suas organizações e instituições possam gerir em parceria com o Estado. Atualmente, a Ater pública é insignificante frente à demanda necessária para uma universalização desse serviço para o desenvolvimento do campesinato no Brasil. Segundo dados do IBGE (1996), somente 762.700 estabelecimentos menores de cem hectares receberam esse importante serviço, sendo que destes, somente 327 mil foram serviços do governo. Nos estabelecimentos menores de dez hectares, o número é de 240.700, sendo do governo somente 103 mil estabelecimentos. Portanto, dos 4,1 milhões de estabelecimentos com menos de cem hectares existentes hoje no país, somente 430
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mil estabelecimentos, ou seja, em torno de 10% dos pequenos estabelecimentos rurais brasileiros, receberam esses serviços. Segundo documento do governo federal (2004), “Ações para a Agricultura, no Primeiro Ano do Governo Lula”, atualmente apenas 17% dos agricultores familiares recebem alguma assistência técnica. No Nordeste, segundo o mesmo documento, esse índice cai para 2,7% dos estabelecimentos. Ainda segundo esse documento, o “Plano Safra para a Agricultura Familiar” também realizará ações para a assistência técnica e investirá R$ 15,5 milhões no grupo A (assentados da reforma agrária). Cada família receberá até R$ 1.500 em quatro anos, igual a R$ 375 por família ao ano. Se estendêssemos esse valor para atender, num primeiro momento, a metade das famílias camponesas brasileiras, algo em torno de 2 milhões de famílias, seria necessário um orçamento de R$ 750 milhões por ano. Segundo o MDA/SAF (2004), o governo Lula investiu no Plano Safra 2003/04 R$ 127 milhões em Ater, beneficiando um milhão de famílias, e no ano 2004/2005 investirá R$ 198 milhões em Ater, beneficiando 1,6 milhão de famílias. Seguindo esse raciocínio econômico, para a universalização da Ater no Brasil seria necessário um orçamento de R$ 519 milhões anuais. Segundo Silva & Souza (1999), citado por Heribert (2000), o número de funcionários públicos de Ater oficial (estatal) no Brasil é de 21.736 funcionários, sendo 8,8 mil técnicos atuando em 5.082 municípios. Se fizermos um cálculo da necessidade de técnicos na proporção de um técnico para cem famílias, número considerado bom para uma boa ação de Ater, seria necessário um total de 42 mil técnicos para universalizar a Ater. A extensão rural no Brasil Podemos constatar que o serviço de extensão rural brasileiro, durante seus mais de 50 anos de existência, passou por 6 etapas, às
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vezes se sobrepondo ou acontecendo simultaneamente (Silva, 1992): o modelo clássico (1948-1956), o modelo difusionista-inovador (1956-1967), o modelo de transferência de tecnologias (1968-1978), o “repensar da extensão rural” (1979-1991), o desmantelamento do serviço (1991-até hoje) e a fase de discussão e experimentação (1996até hoje). Como mencionado anteriormente, o primeiro modelo foi abandonado por causa dos resultados insatisfatórios. O modelo difusionista-inovador era direcionado a pequenos e médios produtores. Com o sucessivo processo de expropriação, o modelo perdeu seu sentido e a extensão mudou sua clientela, concentrando-se na transferência de tecnologias numa visão orientada apenas ao aumento da produção, sendo o objetivo “Assistir o agricultor que explorar comercialmente sua propriedade, em vez dos pequenos e médios produtores, cuja evolução é demorada e retarda o avanço econômico” (Silva, 1969, citado por Fonseca, 1985:175). Nos planos governamentais dessa época, a agricultura era pensada ao mesmo tempo como mercado para máquinas e insumos agrícolas e como fonte de divisas. O êxito da modernização conservadora foi alcançado pagando altos custos sociais: em vez de fixar o homem no campo – um dos objetivos principais da criação do serviço de extensão – reforçou ainda mais sua saída (Fonseca, 1985:175-178). Fica superada a etapa de uma ação mais ampla diante da ambiência do produtor rural e sua família; o trabalho com os jovens e em nível de comunidade não se justificava mais (Silva, 1992:138). O quarto momento é caracterizado pela luta de diversos setores em função da redemocratização. Novamente o público preferencial é modificado sendo “... pequenos e médios agricultores, os jovens, a produção de alimentos básicos e as atividades que levam ao fortalecimento de estruturas comunitárias...” (Embrater, 1983, citado por Silva, 1992:144) prioridade do trabalho da extensão, voltando a preocupação com o enfoque social. Planejamento participativo, a importância do saber do agricultor e os princípios educativos de Paulo Freire, como a relação horizontal educador-edu-
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cando, marcam o discurso de uma parte da extensão rural. Porém, essas propostas ficaram no nível do discurso e o movimento do repensar não conseguiu evitar o desmantelamento do serviço. Os técnicos, na sua maioria formados numa visão tecnicista, não têm a capacidade de impulsionar as novas idéias e continuam, na prática, com a postura autoritária, deixando um leque sempre maior entre discurso e ação, causando um quadro confuso e contraditório. Em conseqüência, apesar da extensão rural ser considerada um processo educativo, isso não se revela na prática, conforme Silva (1992:199-201), referindose ao exemplo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater/RS), que em 1987, provavelmente por mudanças políticas, teve que abandonar o “repensar”. Alguns princípios básicos Essa proposta para a construção de uma política de Assistência Técnica e Extensão Rural para o campesinato brasileiro deve levar em consideração a recém-criada “Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater” – Governo Federal – MDA/SAF, em que descreve sua política, através de documento, cujo elaboração final contou com a participação dos diversos movimentos sociais do campo, que teve sua consolidação em oficina nacional em Brasília, no mês de setembro de 2003. Inicialmente, se fará uma crítica ao documento final apresentado pelo MDA/SAF, considerando os pontos positivos e negativos do documento, que se propõe implantar uma nova política de Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater – para o país. A partir daí, propomos uma política compatível com as reais necessidades do campesinato brasileiro do ponto de vista dos movimentos sociais da Via Campesina. Segundo do documento, “Essa nova Ater deve alicerçar-se na crítica aos resultados negativos da “revolução verde” e nos problemas já evidenciados pelos estudos dos modelos de Ater baseados no
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difusionismo, pois só assim o Estado construirá um instrumento verdadeiramente novo e capaz de contribuir, decisiva e generosamente, para a construção de outros estilos de desenvolvimento rural e de agricultura sustentáveis, que permitam assegurar melhores condições de vida para a população rural e urbana”. Nessa introdução do documento há uma coincidência com o que se deseja para uma Ater pública, pois propõe a crítica à “revolução verde”, onde a Ater foi e continua sendo um instrumento da implantação de um modelo dependente. Entende-se que a mudança no modelo de Ater deve começar de fato fazendo uma crítica ao atual modelo, abordando a extensão rural adotada – de fora para dentro e de outros para alguém, base do modelo difusionista, ou como escreveu Alan Roger, (1987), apontando a necessidade de uma abordagem radicalmente nova em relação à extensão, que busque não a transferência de tecnologias, ou mesmo “aprender com os agricultores”, mas “fortalecer a capacidade de gerar conhecimentos, já existente na comunidade – capacidade de questionar, analisar e testar possíveis soluções para os próprios problemas”. O autor chama isso de extensão de “terceira geração”, contrastando-a com os modelo de “primeira geração” (diretiva) e de “segunda geração” (reativa, “os agricultores em primeiro lugar”). Na nossa opinião, esses modelos criam dependência. Isso já foi um avanço, mas pode haver aumento de dependência em relação ao extensionista e eliminação das maneiras tradicionais com que esse agricultor resolve problemas e aprende. Pode causar a sensação de que os agricultores não são capazes de resolver suas próprias dificuldades. Os extensionistas de segunda geração pedem aos agricultores que identifiquem seus problemas e então saem para buscar soluções, geralmente voltando logo depois com as respostas. Depois que o extensionista traz a resposta, há pouca oportunidade de escolha para o agricultor. Em função disso devemos propor e nos desafiar na construção de uma nova Ater intercomunicativa, que parte de duas premissas:
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• O conhecimento não pode ser transferido; uma pessoa não pode aprender o conhecimento de outra: pode apenas criar o seu próprio. O aprendizado é um processo ativo, realizado por aquele que aprende e não por uma recepção passiva do conhecimento a ele “transmitido”. “Aprender não é descobrir o que outros já sabem, mas resolver nossos próprios problemas tendo em vista nossos próprios objetivos, questionando, raciocinando e experimentando até que a solução se torne parte de nossas vidas.” (sir Charles Handy) • Todos aprendem durante a vida inteira; o aprendizado é contínuo. Isso significa que os agricultores já estão solucionando seus próprios problemas sem a ajuda do extensionista e que desenvolveram, ao longo do tempo, estilos e estratégias de aprendizagem que lhes parecem adequadas. Eles não têm problemas de escassez de recursos no que diz respeito a essa aprendizagem. Através desse processo, os agricultores não apenas obtiveram um grande estoque de conhecimentos e habilidades, do qual lançam mão, mas também desenvolveram aptidões e redes de relações que lhes permitem lidar com seus problemas. Essa abordagem, interativa, incentiva a independência no processo de aprendizagem; ela parte do princípio não apenas de que o agricultor já tem muitos conhecimentos, mas também, o que é muito mais importante, que ele possui formas tradicionais de resolver seus problemas. A função do extensionista, nesse caso, é a de ajudá-lo a ser ainda mais capaz de gerar conhecimentos, tornando-o mais independente. A dimensão educativa como base da formação técnica condiciona o “que fazer” técnico a uma ação mais ampla e a uma definição de quem são os educadores. Um assentamento de Reforma Agrária ou uma comunidade camponesa podem ser definidos como “uma unidade pedagógica, na qual são educadores não somente os professores que atuam num centro de educação básica, mas também os agrônomos, os administradores, os planificadores, os
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pesquisadores, enfim, todos os que estejam ligados ao processo” (Paulo Freire, 1983). A extensão rural pública e gratuita, mesmo após décadas de ações social e ambientalmente desastrosas no âmbito da “revolução verde”, sofrendo críticas constantes, continua sendo um dos principais instrumentos de intervenção, ordenação e controle do Estado sobre o meio rural. Trata-se de poder. De poder para deliberar sobre a alocação de recursos, de decidir o início e o término de atividades, de beneficiar certos grupos em detrimento de outros. Quando falamos de participação, de enfoque participativo, de métodos participativos, estamos tratando da distribuição do poder em nossa sociedade. Quando debatemos a extensão rural, estamos debatendo sobre o poder no meio rural (Broze, 2004). Observamos o esgotamento e o fim de um modelo de Ater, baseado em uma doutrina tecnicista, reducionista, que tem sua origem a partir dos anos de 1980 a partir da liberalização e globalização dos mercados agrícolas, da privatização dos serviços de apoio ao desenvolvimento agropecuário, de um questionamento de fundo dos resultados obtidos em termos da redução da pobreza rural e de uma crescente preocupação pela sustentabilidade dos sistemas agropecuários. Soma-se a isso a falta de integração da assistência técnica tradicional com a educação, focando apenas a produção; a parcialidade do enfoque direcionado apenas à agropecuária e, nesta, apenas aos sistemas produtivos dependentes do pacote da “revolução verde”; a seletividade, priorizando produtores que respondem economicamente ao mercado; a reprodução do poder do governo, sendo o seu braço político no município etc. É o fim de um sistema tradicional, concebido por interesses alheios aos agricultores – não serve mais, por sua atuação de caráter linear, seu desprezo pelo conhecimento não científico, sua falta de orientação para uma demanda dos camponeses e as exigências dos mercados, seu enfoque paternalista e sua atuação de forma individual.
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Uma nova Ater pública e universal deve incorporar uma proposta como a promoção da cidadania e da participação, reconhecendo os saberes dos camponeses e suas experiências de vida; deve romper o isolamento das milhares de famílias empobrecidas; articular a construção de tecnologias apropriadas e de baixo custo; oportunizar a construção de redes de proteção das economias camponesas. Deve ainda andar junto, lado a lado, com uma nova educação e uma nova pesquisa no campo. Os movimentos sociais participaram na discussão final do documento do MDA/SAF, concordando com pontos considerados favoráveis para um processo de descentralização e de fortalecimento de uma assistência técnica pública e gratuita para os agricultores camponeses. A possibilidade da participação dos movimentos sociais como co-executor da Ater possibilita a retomada de uma experiência como o antigo “Projeto Lumiar”, no qual bons resultados foram alcançados num passado recente e que serviu com exemplo a ser seguido. No ano de 1997 foi implementado no Brasil o Projeto Lumiar como fruto de pressão dos movimentos sociais e do reconhecimento do governo federal de sua insuficiência no campo de assistência técnica nas áreas de reforma agrária, especialmente diante do perigo de que os investimentos nos outros componentes – como acesso à terra, infra-estrutura e acesso a crédito – fossem comprometidos. Esse serviço teve caráter emergencial e durou até o momento que o governo entendeu que poderia “ameaçar” seu controle, e de forma unilateral foi liquidado no ano 2000. “O Programa de Qualidade e Produtividade nos Assentamentos de Reforma Agrária trazia, como estratégias de ação para o alcance desse objetivo, o assessoramento técnico na área de gestão da organização, produção e comercialização nos assentamentos, tendo em vista a implementação de um processo de aprendizagem coletiva das comunidades assentadas, na busca do desenvolvimen-
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to sustentado e da melhoria da qualidade de vida. Para isso deveria: constituir equipes de assistência técnica e capacitação; desenvolver metodologias e estratégias de ação adequadas às necessidades dos assentados; introduzir tecnologias mais adequadas para o desenvolvimento da qualidade de vida dos assentamentos, processo produtivo e do acesso aos mercados; implantar e gerir sistemas de informações técnico-econômicas com mecanismos de comunicação adequados à cultura dos assentados.” (Ramos 2004) Esse projeto tinha como premissas algumas orientações básicas, tais como: • Respeito à autonomia dos assentados para decidir sobre todas as questões que afetem seus interesses, inclusive os contratos e a condução dos processos de assistência técnica. • Garantia de qualidade dos serviços, orientando-se para um modelo de gestão por resultados, com ênfase para indicadores de desempenho devidamente pactuados entre as equipes locais e os assentados. • Implementação de uma sistemática transparente de informações que permitisse aos assentados tomar decisões, conscientes de todos os aspectos envolvidos e, à sociedade, acompanhar a execução do projeto. • Utilização de métodos de trabalho que procurem estabelecer processos dinâmicos para a formulação coletiva de diagnósticos, planos e programas de ação, visando o desenvolvimento sustentável dos assentamentos. • Abertura à participação das organizações dos assentados na gestão do projeto, instâncias deliberativas, de acompanhamento e avaliação, e, principalmente, na contratação dos técnicos. Embora essa iniciativa do governo federal, através de convênios com os movimentos sociais, seja importante, entendemos que somente o instrumental “convênio”, por ser de curta duração, é precário, complementar, insuficiente, limitado e dependente da vontade dos governantes. Precisamos construir um aparato legal e
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institucional que possa dar vida longa e permanente aos serviços, com oportunidades de qualificação técnica em vários níveis, possibilitando a busca de um novo paradigma no qual a assistência técnica, a educação e a pesquisa possam andar juntos com a efetiva participação das famílias camponesas para a construção de um novo desenvolvimento rural sustentável. Críticas e alternativas ao termo extensão Conforme P. Freire (1992), citado por Heribert (2000), o termo extensão significa estender algo a alguém. Alguém, sujeito ativo (por ex., o extensionista), estende algo, objeto direto da ação verbal (por ex., seus conhecimentos; o conteúdo, escolhido por quem estende), a ou até alguém, o objeto indireto da ação (por ex., o camponês; o receptor do conteúdo). Segundo vários autores em vários países o termo tem significado diferente: na Alemanha, Grã-Bretanha e Escandinávia, focalizase o trabalho de aconselhamento para resolver problemas específicos, enquanto que na tradição estadunidense é usado “extensão educativa” para enfatizar que se trata de atividades educacionais que procuram ensinar as pessoas a resolver problemas através da divulgação de informações. Nos Países Baixos se usa a palavra woorlinchting, que significa algo como iluminação (colocar a luz em frente de alguém para facilitar a procura do caminho), enquanto na França o termo vulgarisation indica que se trata da simplificação de informações para que o vulgus, o povo comum, possa entendê-la. No Brasil, foram utilizadas as expressões assistência rural, extensão rural, assistência técnica e aconselhamento técnico-gerencial para denominar essa modalidade de trabalho com os agricultores. Segundo Risco (1973), citado pelo mesmo autor, o extensionista é visto como educador e o trabalho de extensão é baseado no poder persuasivo da demonstração, compreendendo aspectos de extensão, psicologia educacional, sociologia rural e antropologia rural aplicada.
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As críticas a esse termo levaram ao surgimento de outros como: “animação”, “mobilização” e “conscientização”. As mudanças, nesses termos e conceitos, se dão por várias iniciativas, principalmente em função da crise provocada pelo modelo da “revolução verde”. Em pesquisa e extensão, aparecem no nível mundial a tentativa de substituir abordagens predominantes “de cima” por abordagens “de baixo”, a partir do grupo alvo, que pode ser denominado de participativas. Pesquisa-desenvolvimento, pesquisa-ação, pesquisa participante, diagnóstico rápido participativo (DRP), desenvolvimento participativo de tecnologia (DPT), e outros métodos fizeram surgir, entre outros, o enfoque sistêmico e a hipótese da racionalidade dos agricultores desde o início do processo. Houve uma transição da atuação orientada pela oferta para a orientada pela demanda. Do lado da assistência técnica não aconteceu essa transição com a mesma dinâmica. Em muitos países, a extensão continua sendo uma intervenção dos governos que se movem conforme os interesses das classes dominantes. Em todos esses anos, a assistência técnica e a extensão rural sempre estiveram descoladas da pesquisa, mesmo em instituições responsáveis pelas duas atividades. Existe muitas tecnologias nos estabelecimentos de pesquisas que não chegam até os agricultores ou não servem para os pequenos agricultores por serem feitas de forma isolada, separadas da realidade. Outro problema é o tempo utilizado pelos técnicos para fazer trabalho diretamente com as famílias: a maior parte do seu tempo é para fazer projetos de crédito, não sobrando tempo para atuar com os agricultores. A seguir, se farão breves comentários sobre os vários pontos discutidos no documento final do MDA/SAF, quando apontaremos uma série de aspectos positivos e outros negativos da política nacional oficial de Ater.
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Pontos positivos
Antecedentes históricos O documento traz uma síntese histórica da assistência técnica e extensão rural no Brasil desde a década de 1940, passando pelas diversas épocas com suas diferentes formas institucionais de atuação. Teve seu início ainda na década de 1940, “no contexto da política desenvolvimentista do pós-guerra”, que tinha como objetivo principal a modernização da agricultura, “inserindo-se nas estratégias voltadas à política de industrialização do país. A Ater foi implantada como um serviço privado ou paraestatal”. Posteriormente, com apoio do governo do presidente Juscelino Kubitschek, foi criada, em 1956, a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural – Abcar, constituindo-se, então, um sistema nacional articulado com associações de crédito e assistência rural nos Estados. Em meados da década de 1970, o governo do presidente Ernesto Geisel “estatizou” o serviço, implantando o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural – Sibrater, coordenado pela Embrater e executado pelas empresas estaduais de Ater nos Estados, as Ematers. Como parte da política nacional de Ater, durante mais de uma década, a participação do governo federal chegou a representar, em média, 40% do total dos recursos orçamentários das Ematers, alcançando até 80%, em alguns Estados. “Em 1990, o governo do presidente Collor de Mello extinguiu a Embrater, desativando o Sibrater e abandonando claramente os esforços antes realizados para garantir a existência de serviços de Ater no país.” Sobrou para os Estados as Emater’s, em que a política dominante de cada região adotava o que mais lhes convinha. A participação financeira do governo federal caiu abruptamente, passando a ser irrisória em relação ao orçamento das empresas de Ater do setor público ainda existentes, que gira em torno de R$ 1 bilhão por ano. “A conseqüência desse processo de afastamento do Estado e diminuição da oferta de serviços públicos de Ater ao meio rural e à
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agricultura revelam-se, hoje, através de uma comprovada insuficiência desses serviços em atender à demanda da agricultura familiar, principalmente nas áreas de maior necessidade, como a região Nordeste.” “Cabe destacar que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a Lei Agrícola de 1991 determinam que a União mantenha serviços de Ater pública e gratuita para os pequenos agricultores.” Princípios e diretrizes que orientam a política nacional de Ater Os princípios e diretrizes apresentados no documento fazem uma forte crítica ao atual modelo de Ater – modelo da “revolução verde” – e propõem uma “ruptura com o modelo extensionista da Teoria da Difusão”, propondo “novos enfoques metodológicos e outro paradigma tecnológico” para mudar a atual situação e buscar novos objetivos. “Essa política deve contribuir para uma ação institucional voltada para a implantação e consolidação de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, ... potencializando atividades produtivas agrícolas voltadas à oferta de alimentos sadios e matérias-primas, bem como apoiará estratégias de comercialização tanto nos mercados locais quanto nos mercados regionais e internacionais. Igualmente, deverá estimular a agroindustrialização e o desenvolvimento de atividades rurais não agrícolas.” A concepção da política abre a possibilidade de parcerias com os movimentos sociais como executores de parte da ação da Ater. “... pretende-se que seja estabelecida de forma sistêmica, articulando recursos humanos e financeiros a partir de parcerias eficazes, solidárias e comprometidas com o desenvolvimento e fortalecimento da agricultura familiar”. “... Destaca-se o respeito à pluralidade e às diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do país. Sobretudo, cabe enfatizar que a busca da inclusão social da população rural brasileira mais pobre será elemento central de todas as ações orientadas pela Política Nacional de Ater, o que implica na
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necessidade de incluir enfoques de gênero, geração e etnia, nas orientações de projetos e programas.” “Frente aos desafios impostos pela necessidade de implementar estratégias de produção que sejam compatíveis com os ideais do desenvolvimento sustentável, os aparatos públicos de Ater terão que transformar sua prática convencional e introduzir outras mudanças institucionais, para que possam atender às novas exigências da sociedade. As crises econômica e socioambiental, geradas pelos estilos convencionais de desenvolvimento, recomendam uma clara ruptura com o modelo extensionista baseado na Teoria da Difusão de Inovações e nos tradicionais pacotes da “revolução verde”, substituindo-os por novos enfoques metodológicos e outro paradigma tecnológico, que sirvam como base para que a extensão rural pública possa alcançar novos objetivos.” “... A transição agroecológica, que já vem ocorrendo em várias regiões, indica a necessidade de resgate e construção de conhecimentos sobre distintos agroecossistemas e variedades de sistemas culturais e condições socioeconômicas...” “... Ater pública deve estabelecer um novo compromisso com os seus beneficiários e com os resultados econômicos e socioambientais relacionados com sua ação, não podendo se omitir diante de eventuais externalidades negativas geradas por sua intervenção e pelas suas recomendações técnicas, como ocorreu no período da ‘revolução verde’.” “... as ações da Ater pública devem auxiliar na viabilização de estratégias que levem à geração de novos postos de trabalho agrícola e não agrícola, no meio rural, à segurança alimentar e nutricional sustentável, à participação popular e, conseqüentemente, ao fortalecimento da cidadania.” Princípios da política nacional de Ater • Exclusividade aos agricultores familiares. • Desenvolvimento endógeno.
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• Adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de um paradigma ecológico baseado nos princípios da agroecologia. • Um modo de gestão capaz de monitorar, avaliar e rever continuamente o andamento das ações, de forma a democratizar as decisões. • Desenvolver processos educativos. Esses princípios estão compatíveis com nossa proposta. Diretrizes da política nacional de Ater • Apoiar ações múltiplas e articuladas de assistência técnica e extensão rural. • Garantir a oferta permanente e contínua de serviços de Ater. • Apoiar ações destinadas à qualificação e aumento da produção agropecuária e pesqueira, com ênfase à produção de alimentos básicos. • Contemplar todas as fases das atividades econômicas, da produção à comercialização e abastecimento, observando suas peculiaridades. • Desenvolver ações que levem à conservação e recuperação dos recursos naturais dos agroecossistemas e à preservação dos ecossistemas e da biodiversidade. • Viabilizar serviços de Ater que promovam parcerias entre instituições federais, com organizações não governamentais e organizações de agricultores familiares. • Estimular a participação da Ater nos processos de geração de tecnologias e inovações organizacionais, em relação sistêmica com instituições de ensino e pesquisa, de modo a proporcionar um processo permanente e sustentável de aperfeiçoamento da agricultura familiar. • Orientar estratégias que permitam a construção e valorização de mercados locais e a inserção não subordinada dos agricultores no mercado globalizado, visando gerar novas fontes de renda. • Garantir que os planos e programas de Ater, adaptados aos diferentes territórios e realidades regionais, sejam construídos a partir do reconhecimento das diversidades e especificidades étnicas, de
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gênero, de geração e das condições socioeconômicas, culturais e ambientais presentes nos agroecossistemas. • Viabilizar ações de Ater dirigidas especificamente para a capacitação e orientação da juventude rural, visando estimular a sua permanência na agricultura familiar, de modo a assegurar o processo de sucessão rural. • Apoiar ações específicas voltadas à construção da eqüidade social e valorização da cidadania, visando a superação da discriminação, opressão e exclusão de categorias sociais, tais como as mulheres trabalhadoras rurais, os quilombolas e os indígenas. Objetivos específicos Dentre os objetivos específicos, identificamos vários que nos identificam com a proposta de uma visão de Ater, tais como a produção de alimentos básicos, primeiro para o auto-sustento das famílias, depois para o mercado, preservação dos agroecossistemas, novas formas associativas, valorização do conhecimento local, métodos participativos e educativos etc.. • Estimular a produção de alimentos sadios e de melhor qualidade biológica, a partir do apoio e assessoramento aos agricultores familiares e suas organizações para a construção e adaptação de tecnologias de produção a serem adotadas, e para a otimização do uso e manejo dos recursos naturais. • Desenvolver ações que levem à conservação e recuperação dos ecossistemas e ao manejo sustentável dos agroecossistemas, visando assegurar que os processos produtivos agrícolas e não agrícolas evitem danos ao meio ambiente e riscos à saúde humana e animal. • Incentivar a construção e consolidação de formas associativas geradoras de laços de solidariedade e que fortaleçam a capacidade de intervenção dos atores sociais como protagonistas dos processos de desenvolvimento rural sustentável. • Fortalecer as atuais articulações de serviços de Ater e apoiar a organização de novas redes e arranjos institucionais necessários para
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ampliar e qualificar a oferta de serviços de Ater, visando alcançar patamares crescentes de sustentabilidade econômica e socioambiental. • Promover a valorização do conhecimento local e apoiar os agricultores familiares no resgate de saberes capazes de servir como ponto de partida para ações transformadoras da realidade. Orientações estratégicas para ações de Ater pública • Orientar o desenvolvimento de sistemas produtivos norteados pelos princípios da Agroecologia, considerando sua amplitude conceitual e científica. • Incentivar e apoiar sistemas alimentares regionalmente adaptados, voltados à produção de subsistência, como garantia da segurança alimentar e nutricional sustentável das famílias. • Adotar o planejamento das ações com base no território rural, buscando a articulação das dimensões tecnológica, econômica, política, social e ambiental, num contexto de relações de trabalho e de vida. • Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas de produção, assim como os limites ambientais em que se desenvolvem, de modo a contribuir para o redimensionamento, redesenho e uso adequado dos meios de produção disponíveis e ao alcance dos agricultores familiares. • Restabelecer a articulação da Ater com as instituições de ensino e pesquisa buscando a formação de redes, fóruns regionais, territoriais e outras formas de integração Ater, ensino e pesquisa, que assegurem a participação da Ater e dos agricultores familiares e suas organizações na definição de linhas de pesquisa, avaliação, validação e recomendação de tecnologias apropriadas, compatíveis com a política nacional de Ater. • Considerar as especificidades relativas a etnias, gênero, geração e diferentes condições socioeconômicas e culturais das populações rurais, em todos os programas, projetos de Ater e atividades de capacitação.
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• Incorporar às ações de Ater os princípios da economia solidária e da segurança alimentar e nutricional sustentável. • Apoiar o estabelecimento de redes solidárias de cooperação que ajudem a potencializar e articular o capital social necessário para estabelecer processos sustentáveis de desenvolvimento local e territorial. • Estimular a democratização dos processos de tomada de decisão, com participação de todos os membros das famílias na gestão da unidade familiar, considerando as questões étnicas, de gênero e de gerações, nas estratégias de desenvolvimento das comunidades. • Contribuir na orientação dos processos organizativos de jovens e mulheres trabalhadoras rurais, considerando as especificidades socioculturais. • Fortalecer iniciativas educacionais apropriadas para agricultura familiar, baseadas na Pedagogia da Alternância, assim como outras experiências educacionais construídas a partir da realidade dos agricultores familiares. • Desenvolver ações que possibilitem e garantam o resgate de sementes e raças tradicionais de animais domésticos, contribuindo diretamente para evitar a erosão genética e para assegurar a biodiversidade. • Promover abordagens metodológicas que sejam participativas e utilizem técnicas vivenciais, estabelecendo estreita relação entre teoria e prática, propiciando a construção coletiva de saberes, o intercâmbio de conhecimentos e o protagonismo dos atores na tomada de decisões. Orientações metodológicas para as ações da Ater pública Compatível com os princípios e diretrizes antes enunciados, a metodologia para a ação da Ater pública deve ter um caráter educativo, com ênfase na pedagogia da prática, e ser capaz de promover a geração e apropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos e a
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adaptação e adoção de tecnologias voltadas ao desenvolvimento rural e a agricultura sustentável. Desse modo, a intervenção dos agentes de Ater deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologias participativas e uma pedagogia construtivista e humanista, tendo sempre como ponto de partida a realidade local. Isso se traduz, na prática, pela animação e facilitação de processos coletivos capazes de resgatar a história, identificar problemas, estabelecer prioridades e planejar ações para alcançar soluções compatíveis com os interesses, necessidades e possibilidades dos protagonistas envolvidos. Essa metodologia deve permitir, também, a avaliação participativa dos resultados e do potencial de replicabilidade das soluções encontradas para situações semelhantes em diferentes ambientes. No processo de desenvolvimento rural sustentável atualmente desejado, o papel das instituições, bem como dos agentes de Ater, do ensino e da pesquisa, deverá ser exercido mediante uma relação dialética com os agricultores, baseada na problematização dos fatos concretos da realidade. Dessa forma, é necessário se adotar um enfoque metodológico que gere relações de co-responsabilidade entre os agricultores, suas organizações e as instituições prestadoras de serviços no planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações. Logo, a obtenção dos resultados esperados estará subordinada ao efetivo comprometimento dos assessores técnicos com as dinâmicas sociais locais, e dos agricultores e suas organizações com os objetivos individuais e coletivos que venham a ser estabelecidos. Para que isso venha a ocorrer, os serviços de Ater devem incorporar, em sua forma de ação e intervenção, uma abordagem holística e um enfoque sistêmico, articulando o local, a comunidade e/ou território às estratégias que levem a enfoques de desenvolvimento rural sustentável e, também, de transição a estilos de agricultura sustentável. A partir dessas premissas, deverão ser privilegiadas atividades de pesquisa-ação participativas, que contemplem o protagonismo de agricultores-experimentadores, bem como novas estratégias de so-
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cialização de conhecimentos e mobilização comunitária e que possibilitem a participação de agricultores(as) como agentes comunitários de desenvolvimento rural. Entidades participantes do Sistema Nacional de ATER Para fins dessa política considera-se como instituições ou organizações de Ater aquelas que tenham como natureza principal de suas atividades a relação permanente e continuada com os agricultores familiares e que desenvolvam um amplo espectro de ações exigidas para o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvimento rural sustentável, em toda a sua complexidade. Tais instituições ou organizações poderão se habilitar a participar do Sistema Nacional de Ater Pública, buscando seu credenciamento junto ao Conselho Nacional de Ater. A partir dessa referência, estão compreendidas como entidades, instituições ou organizações que podem participar do Sistema Nacional Descentralizado de Ater: • as organizações dos agricultores familiares que atuam em Ater; • as cooperativas de técnicos e de agricultores que executam atividades de Ater; • estabelecimentos de ensino que executem atividades de Ater na sua área geoeducacional; • as CFRs (Casa Familiar Rural), EFAs (Escola Família Agrícola) e outras entidades que atuem com a Pedagogia da Alternância e que executem atividades de Ater; • redes e consórcios que tenham atividades de Ater; • outras, que atuem dentro dos princípios e diretrizes dessa política. Sobre a gestão e coordenação do sistema nacional de Ater A estrutura de gestão e coordenação da Ater nacional deverá ser composta pelos seguintes organismos:
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• Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar – Condraf; • Comitê de Agricultura Familiar do Condraf ou similar; • Secretaria da Agricultura Familiar – SAF/MDA; • Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural – Dater, da SAF/MDA. A gestão da Ater pública será compartilhada em nível dos conselhos, devendo contar com a participação de representantes do governo federal, dos governos dos Estados, das entidades de representação da agricultura familiar e de organizações representativas da sociedade civil que atuem na promoção do desenvolvimento rural sustentável. No âmbito federal, o acompanhamento da execução da política nacional de Ater será realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar – Condraf. Os papéis e responsabilidades do conselho, com respeito à Ater, serão definidos pelo próprio conselho, devendo ser tomados como básico, o seguinte: • Zelar pela implementação e rigoroso cumprimento dos princípios e diretrizes da política nacional de Ater, bem como pela missão, objetivos, orientações estratégicas e metodológicas para a ação da Ater pública; • Analisar e aprovar os programas de Ater, zelando pela sua execução; • Incentivar a formação de redes de serviços de Ater nos Estados e municípios; • Articular-se com os Conselhos Estaduais ou Câmaras Técnicas Estaduais de Ater, buscando subsídios e passando orientações necessárias para a qualificação de ações de Ater no âmbito dos Estados; • Propor critérios e formas de monitoramento e avaliação das ações realizadas no âmbito da política nacional de Ater. No âmbito da SAF/MDA, será instituído um Fórum Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que se constituirá num órgão colegiado que terá como responsabilidade a implementação e o
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fortalecimento da política e do programa nacional de Ater. O Fórum deverá se constituir num fórum privilegiado para a articulação das organizações vinculadas à Ater, visando a formação de um Sistema Nacional Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural. Recursos financeiros Na esfera federal, o MDA deverá incluir no Plano PlurianualPPA e no Orçamento Geral da União-OGU o volume de recursos necessários para viabilizar as ações de Ater requeridas pela Agricultura Familiar, indispensáveis à implementação e continuidade da oferta de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural. Caberá ao Dater/SAF/MDA identificar, captar e alocar recursos de outras fontes, buscando viabilizar convênios com outros ministérios e outras entidades governamentais e não governamentais. Do mesmo modo, caberá ao Dater/SAF/MDA promover ações capazes de viabilizar a alocação de recursos de parceiros internacionais. Outra parte dos recursos deverá ser canalizada para um Fundo Nacional de Apoio aos Serviços de Ater, a ser constituído e administrado pelo Dater/SAF/MDA. Aos recursos desse fundo teriam acesso, mediante seleção e avaliação de projetos, entidades de Ater credenciadas e que atendam às exigências da Política Nacional de Ater, correspondentes às condições mínimas de infra-estrutura, equipes multidisciplinares, capacitação técnica, condições de abrangência e garantia de continuidade dos serviços aos grupos/ comunidades participantes de diferentes projetos de desenvolvimento rural sustentável, respeitando as diferenças regionais. O programa nacional de Ater deverá estabelecer critérios de participação financeira da União, de modo a favorecer os municípios e Estados com maiores dificuldades financeiras, visando assegurar a universalização da oferta dos serviços. De igual forma, devem ser observadas as peculiaridades geográficas e produtivas de cada região. A participação da União se dará de forma tal que fique assegurada uma
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maior parcela dos recursos aos Estados mais carentes. Na medida em que se fortaleçam os serviços de Ater nesses Estados, essa diferenciação deverá ser reduzida progressivamente até ser alcançado um equilíbrio na oferta de serviços nas diferentes unidades federativas. Requisitos básicos para credenciamento de entidades prestadoras de serviços As entidades que queiram participar da rede de serviços de Ater apoiada pelo MDA/SAF deverão atender os seguintes requisitos básicos: • Somente serão aceitos os pedidos de credenciamento de entidades com base territorial e abrangência geográfica definidas, não sendo acolhido o credenciamento de entidades que não possam comprovar essa condição. O credenciamento de entidades deverá considerar a infra-estrutura disponível, assim como a capacidade operacional e a adequação entre o dimensionamento da equipe técnica e de apoio em relação ao trabalho a ser realizado, área de abrangência e número de beneficiários a serem atendidos. • Ao solicitar o credenciamento, as entidades ou redes de Ater devem comprovar: a) que possuem um corpo técnico multidisciplinar, com seus profissionais devidamente registrados nos respectivos Conselhos Profissionais (quando for o caso); b) que seu corpo profissional detém conhecimentos nas áreas requeridas pelos projetos a serem apoiados. Tanto a condição de multidisciplinaridade quanto a das áreas de conhecimento poderão ser atendidas em forma conjunta por entidades parceiras, no caso de organizações que atuam vinculadas a redes de Ater. • A entidade a ser credenciada deve se comprometer a utilizar os recursos alocados pela Política Nacional de Ater exclusivamente para a prestação de serviços de Ater aos beneficiários que estejam enquadrados como agricultores familiares, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, assentados pelos programas de reforma agrá-
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ria, ribeirinhos, seringueiros, extrativistas e outros públicos definidos pelo Dater/SAF/MDA. • A entidade a ser credenciada deve ter incorporado em suas diretrizes de trabalho as questões de gênero, geração e etnia. • A entidade deve se comprometer a prestar orientações técnicas com ênfase para o uso sustentável dos recursos naturais renováveis, eliminação do uso de agroquímicos de síntese e de organismos geneticamente modificados, preservação e aumento da biodiversidade, entre outras práticas que promovam o uso e o manejo ecológico dos recursos naturais, bem como atuar mediante o uso de metodologias participativas tendo como referência as orientações presentes no documento da política nacional de Ater. • A entidade credenciada deve se submeter aos mecanismos e procedimentos de acompanhamento, controle e avaliação das atividades contratadas e/ou conveniadas, estabelecidos pelo Conselho Nacional de Ater e poderá ser descredenciada a qualquer momento, se constatado o não cumprimento dos serviços contratados com o Dater/SAF/MDA. • O credenciamento deverá ser renovado anualmente, mediante avaliação e aprovação dos serviços prestados, considerando a opinião dos beneficiários. • A opinião dos agricultores diretamente envolvidos como beneficiários de serviços de Ater deverá ser considerada na escolha das entidades prestadoras de serviços. Critérios para a alocação de recursos • A entidade de Ater interessada em receber recursos do MDA deve seguir os princípios, diretrizes, missão, objetivos, orientações estratégicas e metodologias da política nacional de Ater. • Independentemente da alocação geral de recursos, o Dater/SAF poderá apoiar financeiramente a realização de projetos-piloto que possam servir como referência de “boas práticas”.
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• Deverão ser construídos indicadores a serem usados para estabelecer parâmetros para a distribuição dos recursos federais. A combinação dos fatores abaixo, entre outros, poderá ser usada para orientar a maior ou menor destinação dos recursos aos Estados: Número de agricultores familiares, por Estado. Menor grau de IDH de Estados e municípios. Renda líquida média do universo de agricultores familiares, por Estado. Maior porcentagem de estabelecimentos rurais caracterizados como de agricultura familiar, por Estado e município. Maior número de estabelecimentos rurais de agricultores familiares, por Estado e município. • Considerar como elemento positivo aquelas abordagens que integrem atividades voltadas para a melhoria no desempenho do trabalho e dos resultados da agricultura familiar, tais como: inserção nos mercados, verticalização e transformação da produção, agricultura de base ecológica, produção de artesanato, promoção e participação no turismo rural, organização dos agricultores, administração rural, adoção de metodologias participativas para a construção de processos de DRS e de planejamento municipal, levando em conta as especificidades regionais. Capacitação para a transição Para o estabelecimento de um novo paradigma orientado ao desenvolvimento rural sustentável e ao estabelecimento de estilos de agricultura sustentável, com base nos princípios da Agroecologia, deve-se ter como ponto de partida um processo de capacitação massiva de extensionistas e assessores técnicos capazes de garantir a implantação de um enfoque de Ater baseado em processos educativos potencializadores do crescimento do ser humano como cidadão. Isso requer uma sólida formação dos agentes para o uso de metodologias participativas promotoras do envolvimento consciente
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dos atores sociais e que fortaleçam suas capacidades para a ação individual e coletiva. O processo de capacitação para a transição deverá ter um conteúdo capaz de formar os profissionais para atuarem como agentes de desenvolvimento local, com condições de investigar, identificar e disponibilizar aos agricultores e suas famílias um conjunto de opções técnicas e não técnicas, compatíveis com as necessidades dos beneficiários e com o espaço territorial onde estejam inseridos. Do ponto de vista metodológico, deverão ser privilegiadas metodologias baseadas na Pedagogia da Alternância. As ações de capacitação devem abranger, além dos técnicos, agricultores e outros agentes envolvidos nos processos de desenvolvimento rural, considerando sempre as demandas e realidades locais, regionais ou territoriais. Pontos negativ os da política negativos Na parte das “Diretrizes da Política Nacional de Ater” o documento fala em: • Privilegiar os conselhos como fóruns ativos e co-responsáveis pela gestão da política nacional de Ater, nos âmbitos municipal, estadual e federal, de modo a fortalecer a participação dos beneficiários e de representantes da sociedade civil na qualificação das atividades de assistência técnica e extensão rural. • Desenvolver ações de capacitação de membros de conselhos ou Câmaras Técnicas de Ater, apoiando e incentivando a formação e qualificação dos conselheiros. É sabido que os conselhos no nível do Estado e municípios são “viciados”. A participação de seus membros na grande maioria dos casos se dá pelo interesse dos governantes e de suas políticas. Não são paritários, e têm decisões desfavoráveis aos agricultores camponeses. Na parte da “Descentralização da gestão da Ater nos âmbitos estaduais e municipais”, o documento aponta que “a gestão com-
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partilhada deverá ser exercida também no âmbito dos Estados e municípios, por meio de conselhos ou Câmaras Técnicas de Ater dos respectivos Conselhos de Desenvolvimento”. Embora se propugne que estes “devam ser, preferentemente, deliberativos e paritários, contando com a participação dos setores estatais, de representação dos agricultores e da sociedade civil organizada”, cai na mesma situação acima. Se a coordenação nos Estados e municípios for a partir dos Conselhos Estaduais e Câmaras Técnicas, a política de Ater tende a ser como antes. Nós defendemos que a coordenação se dê de forma articulada, diretamente, entre os prestadores de serviços, os agricultores camponeses e suas organizações com os órgãos da administração federal, através do Conselho de Desenvolvimento Nacional. Alocação de recursos Quanto a alocação de recursos financeiros, requisito básico para credenciamento de entidades prestadoras de serviços, gestão e coordenação do Sistema Nacional de Ater, o documento prevê: “disponibilização para os Conselhos Estaduais ou Câmaras Técnicas Estaduais de Ater para o financiamento de instituições ou organizações de Ater credenciadas, que tenham trabalho permanente e continuado no âmbito dos Estados e/ou municípios, conforme estabelecido neste documento, com parecer dos Conselhos Estaduais, buscar seu credenciamento junto aos Conselhos ou Câmaras Estaduais de Ater designados pelo MDA, mediante procedimento definido pelo Dater”. Da mesma forma, nos Conselhos Estaduais ou Municipais na gestão a alocação dos recursos corre o mesmo risco dos vícios históricos desses fóruns dirigidos por interesses locais e regionais onde o poder econômico das elites políticas controlam a Ater de acordo com suas vontades.
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Modelo institucional Outra falha que se entende da nova política nacional de Ater se refere ao modelo institucional. O formato apresentado para a execução da Ater prevê que tanto os Estados (através da Emater) quanto os municípios (não explicita como) e também os movimentos sociais (através de suas instituições) possam se credenciar e se habilitar para prestar os serviços de Ater. Não prevê a criação de uma nova instituição pública de administração direta ou indireta ou “algo novo” sob o controle público com a participação dos agricultores através de suas organizações, por exemplo. Limitações no formato de contratação de serviços unicamente através de convênios Essa forma que a política nacional prevê e que atualmente os movimentos sociais estão buscando, através de suas associações e/ou cooperativas de técnicos, traz uma série de limitações e implicações futuras para a qualidade desses serviços. Entre elas podemos citar: • Curto prazo dos convênios, não permitindo o planejamento estratégico em médio e longo, impossibilitando a formação e capacitação permanente dos técnicos com cursos regulares. • A renovação dos convênios fica dependente da vontade política dos dirigentes políticos. • A interrupção de forma abrupta de um convênio traz grandes prejuízos às famílias dos agricultores beneficiários com os serviços. • Os técnicos ficam dependentes dos convênios para sua atuação profissional. Outros pontos negativos O documento não aponta estratégias para o alcance dos objetivos, bem como não estabelece metas, números de famílias a serem beneficiadas ao longo do tempo, nem a forma como essas famílias serão atingidas.
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Há muito poder para o Dater/SAF/MDA, o qual é um mero departamento burocrático que não pressupõe nenhuma participação popular efetiva. Por outro lado, o Condraf é pouco participativo. Sua composição é frágil e sem poder efetivo. Outros princípios de uma Ater pública 1. Uma extensão rural pública, com estabilidade e perenidade, sem a constante preocupação na disputa por recursos. E que estes sejam garantidos por lei. 2. Caráter não governamental – cooperativado, com alguns princípios básicos, tais como: • Uma relação de diálogo de sujeito a sujeito – do extensionista ao agricultor, estabelecendo métodos de pesquisa e ação participativa que leve a uma integração de saberes e conhecimentos científicos com o saber popular local, compatível com a reprodução física, social e econômica e preservação do meio ambiente. • Possibilidade de os agricultores concretizarem seus sonhos e aspirações a partir da produção de forma auto-sustentável e com respeito às culturas locais, estimulando formas de cooperação para a industrialização e comercialização direta dos produtos aos consumidores. • Fazer-se de ponte entre o agricultor e o pesquisador para que o primeiro participe do desenvolvimento tecnológico e de condições locais agroecológicas de seu trabalho no processo. • Influenciar os técnicos (pesquisadores de ciências básicas e aplicada) para que valorizem o conhecimento local dos agricultores e não o considerem, simplesmente, como algo aproveitável pela ciência, senão de mesmo valor que esta, propiciando uma revolução ecológico-social na pesquisa agrária.
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BIBLIOGRAFIA 1. BROSE, M. (2004). Participação na Extensão Rural: Experiências inovadoras de desenvolvimento local. Tomo Editorial. 2. ENGEL, G. H. P. (2002). “Facilitando el desarrollo sostenible: Hacia una estensión moderna?” Chile, disponível em www.rimisp.cl/ boletines/bol10/index.php 3. FREIRE, P. (1983). Extensão ou comunicação? 7ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 4. MDA/SAF (2003). Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília/DF. 5. SÁNCCHES DE PUERTA, F. (2004). “Agroecología, desarrollo, comunicación y extensión rural: La construcción de un paradigma ecossocial en el Iberoamérica”. In CIMADEVILA, G. y CARNIGLIA, E. (eds). Comunicación, ruralidad y desarrollo. Mitos, paradigma y el cambio. Buenos Aires; Inta. 6. SCHITZ, H. (2000). “Perspectiva de assistência técnica para a agricultura familiar”. In LOPES, E. S. A.; MOTA, D. M.; SILVA, T. E. M. Ensaios: Desenvolvimento rural e transformações na agricultura. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, Universidade Federal de Sergipe, 2002, pp. 313-347. 7. ROGERS, A. (1993). “A extensão rural de terceira geração: em direção a um modelo alternativo”. The Rural Extensión Bulletin. Reading: AERDD, no 3.
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12. A MOTIVAÇÃO DOS CAMPONESES PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL (a partir do conhecimento local) ENIO GUTERRES EDSON CADORE VILMAR QUADRADO
A Agroecologia vem construindo o debate da multidisciplinaridade e da transdisciplinaridade, dos estudos das Ciências Sociais e Naturais, dando sustentação necessária para um processo de transformação ambiental, social, político e cultural a partir do local, de dentro para dentro. O resgate dos saberes tradicionais e culturais dos povos camponeses e indígenas tem por base as ciências sociais e naturais com suas disciplinas de Sociologia, Ecossociologia ou Sociologia Ambiental, Antropologia, Economia Ecológica, sendo esses alguns exemplos de áreas que vêm sendo pesquisadas e trabalhadas no sentido de dar sustentação científica para um desenvolvimento rural sustentável. A agricultura camponesa no Brasil vem vivenciando um processo de perda de saberes locais populares, num processo crescente, em função do avanço das classes dominantes e do controle hegemônico do capital externo no campo. A crise que vivemos é uma crise civilizatória e ambiental. O mundo todo está perguntando: onde está o “novo”, que contenha um conjunto de valores, um novo pensamento, um conhecimento que parece estar longe de nossas comunidades e assentamentos? Uma outra
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forma de agir, produzir, viver, e não este do pensamento cartesiano, mecanicista, do individualismo tecnológico (a parte explica o todo), da consciência tecnocrática que nos levou à privatização, à mercantilização e ao cientificismo? Com isso, queremos debater e questionar: onde está o “novo”? Que valores a agricultura camponesa tem? De onde está se buscando elementos para a construção de uma estratégia de desenvolvimento humano e sustentável? Urge o resgate de identidades locais, tradicionais e culturais de saberes populares (identidade de classe), para que possamos construir um desenvolvimento rural sustentável, contrapondo o avanço convencional “modernizador” que se impõe e coloca em risco o futuro do meio ambiente e da população brasileira. A construção de uma proposta prática e política, segundo Lacosta, discutido em aula por Pablo Balenzuela, que define que desenvolvimento é um processo de transformação de uma situação A – “desenvolvimento” centralizado e hegemonizado pelas corporações econômicas externas, as transnacionais, ineficiente, com resultados perversos, com destruição e depredação ambiental, social e cultural – para uma situação B – em que a população local possa se motivar para uma tomada de decisão e pôr em prática um processo de planificação integrada, de um desenvolvimento endógeno, ou seja, de dentro, no qual o controle do processo de decisão seja dos grupos sociais locais. Esse processo de construção, de um desenvolvimento endógeno e integrado, deve contemplar vários elementos, tais como a autosustentação econômica, o desenvolvimento humano, com acesso ao trabalho, à saúde e à educação, com a discussão de gênero, para o bem-estar social de todas as famílias. O primeiro passo deve ser a motivação. Como conquistá-la? Talvez o trabalho de resgate dos saberes locais presentes em todas as comunidades, por mais que a maioria esteja num processo crescente de perdas, seja o ponto de partida para a motivação das pessoas
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num processo de construção de conhecimentos. Estamos percebendo que os recursos não estão fora, não são alheios, mas estão juntos, são próprios, nós e os camponeses que não os enxergamos e ficamos à espera de que algo ou alguém de fora possa vir nos trazer. O resgate desses saberes para o desenvolvimento rural passa pela tomada de consciência: de identidade de classe social, da valorização dos recursos internos, em que o cultural e o tradicional tenham um valor imprescindível para qualquer processo de tomada de decisão para a transformação da realidade em que vivem os camponeses. Mesmo não sendo possível que uma comunidade seja capaz de se isolar do mundo mercantilizado, alheio, de fora, essa utopia permite a produção de tensões necessárias ao enfrentamento da dependência. Para a construção de um modelo de desenvolvimento, que começa na comunidade, nos grupos de base, com seu conjunto de famílias tendo o controle social, alguns pressupostos teóricos e metodológicos são necessários, como o resgate e a reconstrução de valores éticos e culturais, na relação entre si e com a natureza. É necessária a superação e substituição de razões de competição individualista, egoísta e predatória, construída por uma doutrina econômica absoluta do capital, por valores de solidariedade, cooperação e ajuda mútua. Essas razões estéticas e externas estão levando a sociedade a um brutal enfrentamento com a natureza na tentativa de moldá-la ao seu interesse econômico, criando uma crise ambiental e social e levando milhões de camponeses à exclusão social. O campo de ação deve se unir ao conjunto de valores socioculturais e históricos (a reconstrução do saber local) para o resgate da identidade própria tipicamente camponesa, preservando as diversidades de vida – biodiversidade e cultural – para a superação da crise. Isso só será possível com a constante busca de motivação num processo de organização social, com amplo debate coletivo, formação política, social e cultural, não só dos dirigentes e assessores mas também da massa como um todo.
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Nosso papel neste momento é estudar, decifrar os diferentes métodos e técnicas de investigação-ação para, junto com o povo, construir o processo de mudança na pesquisa, assistência técnica e extensão rural. Há mais de duas décadas, grupos e instituições comprometidas com uma transformação vêm discutindo, frente ao marco teórico dominante, alternativas de mudanças, gerando novas propostas metodológicas participativas que corrijam as distorções e deficiências e superem as perversões do modelo excludente.
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13. PLANEJAMENTO – Quem não sabe onde quer chegar não chega lá nunca
Planejar é ter esperança, é crer numa certeza que não se vê e se age como se tudo dependesse de nós. É organizar as ações para realizar o querer das pessoas envolvidas, num contexto e conjuntura, tendo clareza dos próprios sonhos e dos objetivos concretos, como conhecimento da realidade, disposição, disciplina consciente, individual e coletiva, para seguir os passos combinados. Quem quer atuar sobre a realidade para transformá-la tem que ter claro seu ponto de chegada e a disposição interna para encarar o caminho e atingir seu sonho. Antes de fazer sua roça, o camponês faz planos: o que quer plantar, em que terra, como plantar, que etapas vai seguir, que instrumentos vai usar, quanto quer colher, para quem vai vender etc. Também o time de futebol planeja os jogos do campeonato: os objetivos, os adversários, os recursos, a preparação, o campo, a tática de jogo. Quem vive e age sabe que só com a organização se chega à vitória. Dificuldades para planejar – três grandes grupos de dificuldades:
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a. Cultura enraizada: • Durante 500 anos, foi cultivada a idéia de que trabalhador não precisa pensar: alguém pensa por ele. E a ele cabe executar as tarefas. Por isso, mesmo não sendo escravo, delega esse poder ao “intelectual”, ao patrão, ao chefe, ao presidente ... isso é papel deles. • A representação, a substituição e a transferência de responsabilidade são resquícios históricos da mentalidade escravocrata de dominação/submissão: um gosta de mandar porque outro aprende a obedecer. • Cultivou-se também a descrença no planejamento, por ser coisa complicada, que não considera a realidade concreta, que tira a liberdade das pessoas etc. Junto com a sadia defesa contra o enquadramento, a castração da iniciativa individual e a burocracia, podem estar escondidos o basismo, o oportunismo e o personalismo. A resistência ao planejamento e à disciplina justifica o ativismo ou o temor do controle social sobre os planos que os donos têm na sua cabeça. b. Pouca capacitação técnica: – Para atingir um ideal não basta apenas a vontade. Fazer política é uma arte que exige competência, perseverança, disciplina e qualificação mínima do domínio de algumas técnicas e instrumentos. Os trabalhadores precisam se apropriar dessas ferramentas para aplicar no seu trabalho e na sua luta. – Muitas pessoas pensaram sobre sua prática e tiraram orientações que podem servir hoje. Falam do ponto de partida, do ponto de chegada, do caminho, da articulação das partes, das manhas, do acompanhamento, da retificação. Podem ser válidas quando usadas conforme os momentos, o jeito das pessoas e o ritmo dos lugares. c. Modelos e receitas: • Convencido da necessidade de planejar e avaliar, buscam-se métodos de planejamento. Existem muitas receitas em moda. Co-
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piar modelos ou impor receitas, em geral, frustra. Porque só pode planejar quem vai executar, ou vice-versa, só executa quem planejou. Dialogando com vários modelos, cria-se o próprio. • Há muitos modelos feito por encomenda e por exigência de quem dá o dinheiro, que acabam nos arquivos. Afinal, foram feitos p’rá inglês ver. O que é um planejamento? São sinônimos de planejamento: plano, programa ou projeto. Planejamento é um processo com quatro fases básicas: • Conhecer a realidade. • Tomar uma decisão, decidir. • Agir. • Criticar. Planejar é conhecer para tomar uma decisão: diagnóstico, prognóstico, estudos, pesquisas – gera um produto –, plano operacional, execução, acompanhamento, controle, avaliação – monitoramento. Planejamento e avaliação são como duas faces da mesma moeda. O que lev ar em conta no planejamento? levar a. Conhecer a realidade, lugar onde estamos: • Os óculos a partir dos quais a militância vê a si, a realidade: concepção de mundo, utopias, convicções, princípios e valores que são as motivações fundamentais. Por isso, se fala em “eu creio em...”, “eu sonho com...”. • O projeto político, a missão que as pessoas ou a organização se coloca. Isso tem a ver com a vontade e a disposição. Por isso se diz, “eu quero...”. • A metodologia usada tem a ver com a postura adotada (autoritária ou de diálogo) e os procedimentos aplicados. Por isso se fala em “eu faço assim...”.
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A realidade influencia nosso olhar. Mas também é verdade que contemplamos o mundo a partir do que acreditamos. b. O público que escolhemos: • Suas convicções e valores. • Sua experiência histórica. • Seus limites e potencialidades. c. O chão onde se dá o relacionamento: • O contexto, o cenário, a conjuntura. • Realidade social/política/econômica/religiosa/cultural. • Tendência dominante, contradições, possibilidades. • A trajetória histórica. O planejamento é essa intensa interação e tensão de todos com todos, influenciando(-se) entre si: agentes, contexto, público-alvo, plano, projeto, programa. O plano canaliza as ações, dentro de um cronograma, seguindo uma lógica, no rumo de um objetivo. Ao planejar é preciso ter claras as tarefas permanentes (que todo trabalho dever ter) e as tarefas conjunturais (determinadas pelo momento). As tarefas permanentes são: contatar, conhecer, mobilizar, organizar, formar, articular e conseguir vitórias. As tarefas conjunturais são determinadas pelo momento. Quem tem claro seus objetivos prepara essa onda ou entra na onda criada para sensibilizar e mobilizar as pessoas para determinado rumo. Planejar é tomar uma decisão para antecipar o futuro. Só podermos planejar sobre algo que temos o controle dos recursos. Se não tem controle dos recursos não planeja e, sim, faz uma pauta de lutas políticas. Sai do campo do planejamento e vai para o campo da luta.
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Para tomar decisão precisamos de: • Objetivo – definir o objeto, a coisa a ser planejada, o que vai ser estudado. Definir os campos temáticos, ou os eixos estruturantes, as linhas estratégicas. • Metas, é um objeto quantificado dentro de um prazo. • Prazo (tempo) – que pode ser de curto, médio ou longo prazo (planejamento estratégico). • Indicadores – unidade de medida da meta. Exemplo de um plano: • Objetivo, ou objeto ou o Eixo Estruturante é a massificação dos assentamentos. • Meta – 5 mil famílias num prazo. • Prazo – até 2007. Num determinado local, no RS. • Indicadores – no de famílias assentadas.
Objetiv os do planejamento: bjetivos • aumentar a previsibilidade • reduzir o acaso, as incertezas • Como? Planejando as ações. O centro no processo do planejamento é a decisão. Planejamento tem que fazer parte do cotidiano, da vida de todos. De uma forma ou de outra todos fazemos planejamento. A participação é fundamental. Só executa um planejamento quem planeja. E só toma decisão quem tem alternativas. Decisão (estratégia) – reduzir o universo que vamos ver no futuro. Objeto do estudo – é decomposto em campo temático, para chegar aos indicadores. Sinônimos de campo temático – estrutura do conjunto de ações, linhas estratégicas, elos condutores e eixos estruturantes. Isso define o rumo. Mas é preciso ter quem coordene e dê o comando. A espontaneidade leva à fragilidade. Cenário atual – é a situação atual, um diagnóstico; e cenário desejado – é a situação que se deseja dentro de um determinado prazo
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pré-determinado. Pode ser curto prazo – 1 ano; médio prazo – de 2 a 5 anos; ou longo prazo – 10 anos, por exemplo. Indicadores definidos – é o que vamos ver juntos. Planejamento ascendente pelo Método de Validação Progressiva – MVP* O MVP é um método de planejamento que proporciona processos participativos da totalidade da população envolvida, desde o nível dos coletivos sociais até o nível da família singular, de maneira que essa população se torne sujeito das decisões do conteúdo do plano que ela mesma selecionou. Proporciona situações de reflexão e de tomada de decisão progressivas por parte de cada uma das famílias e pelo coletivo social de maneira a se constituir um compromisso público com referências futuras (cenários desejados) às estratégias e os meios para alcançá-lo. Deve-se romper com os procedimentos tradicionais de se elaborar planos a partir de um diagnóstico formal da realidade para em seguida se alcançar a fase de tomada de decisões, implantando-se um procedimento em que se começa pela tomada de decisões sobre o que se deseja para gradativamente (validação das múltiplas decisões), através de um processo de problematização da decisão, tomando-se consciência da distância entre o desejado e o possível a partir de explicações do real confrontadas com várias concepções de mundo que permitam compatibilizar as decisões (metas desejadas) e meios possíveis e potenciais para a sua consecução.
a. A validação progressiva Como validação progressiva se compreende o processo de legitimação continuada e progressiva das macrodecisões (assumidas no nível dos coletivos sociais) e em interação constante com as *
Conforme Horacio Martins de Carvalho (2004).
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microdecisões (no nível de cada família singular) tomadas durante todo o processo de elaboração de um plano, programa ou projeto. A decisão final será sempre da família, mesmo que entre ela e o coletivo social a que se considera integrada ou tenha relações de pertencimento, identidade ou de associação por interesse haja mediações através de grupos, núcleos ou associações de representação. A decisão tomada nos níveis coletivos terá sempre caráter indicativo em relação ao comportamento esperado da família e dos indivíduos que a compõem. b. A construção do problema para o plano O esperado com o plano é encontrar o problema para superálo. A construção do problema do assentamento/comunidade, sob as dimensões econômica, social, cultural, ambiental ou administrativa, deverá perdurar durante toda a elaboração do plano num processo continuado e educativo de proposição e revisão da proposição onde seja possível se criar condições político-sociais e educacionais de desenvolvimento da consciência crítica dos sujeitos do plano. A construção da problemática nessa abordagem parte do que os sujeitos do plano desejam realizar, independentemente da leitura que eles fazem das suas realidades e das suas possibilidades efetivas. Portanto, nesse método, a problemática é representada pelos cenários desejados de curto e médio prazo construídos pela população envolvida a partir de seus desejos, aspirações e esperanças. A construção dessa problemática (questionamento sobre a viabilização dos cenários desejados), através do confronto amoroso entre saberes populares e eruditos, é que permitirá se construir o problema objeto do plano: ajustar e viabilizar os cenários desejados perante os meios disponíveis e potenciais de sua realização.
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c. Fases do Método de Validação Progressiva – MVP A elaboração do plano pelo procedimento ascendente pressupõe diferentes níveis de decisão em distintas fases de trabalho: • Em nível macro (direção ou coordenação estadual ou do assentamento) – definição dos temas geradores ou dos eixos estruturantes, parâmetros para medi-lo e uma meta para cada tema, ou submeta. Com os indicadores. • Em nível meso (coordenação regional, setores do movimento, cooperativa, associação ou núcleo de famílias) – é o primeiro ajuste do plano. • Em nível micro (assentamento ou família singular) – cada assentamento, núcleo, ou família assume uma meta por tema gerador. Em nível macro – recenseamento dos projetos de metas depois de passar pelo nível micro. Plano Preliminar de Metas do Coletivo Social: é o somatório de todos os coletivos ou indivíduos. • Em nível macro – organização administrativa para a implantação do plano. Uma matriz: no eixo horizontal, os temas geradores, ou eixos estruturantes e suas decomposições em parâmetros e, no eixo vertical, as regiões, os assentamentos, os núcleos ou as famílias. Depende da dimensão que se queira dar ao plano. Plano de metas significa que se está dando ênfase à meta a ser alcançada no final do prazo estabelecido para o plano, programa ou projeto de cada região, assentamento, núcleo ou família. Para isso será necessário um monitoramento, avaliação e replanejamento. Avaliar é um exercício de reconstruir processos, refazer caminhos, reencontrar as referências básicas e recordar (passar de novo pelo coração) a convicção essencial. A finalidade é realizar um diagnóstico prospectivo (análise visando soluções) que compara o dito com o feito para mudar, retificar ou ratificar o dito ou o feito. Por isso, é parte integrante do processo de (re)planejamento que olha o já realizado para:
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• perceber a coerência entre o dito e o feito; • compreender os limites e possibilidades do que se faz; • aperfeiçoar ou mudar a própria prática. Recursos para a produção (essa parte se refere quando se planeja a produção de um assentamento/comunidade): Nos cinco níveis anteriores, pode surgir demanda de recursos – um novo planejamento para decidir os recursos a serem utilizados. A relação produto-insumo etc. Três hipóteses para isso: • 1a hipótese:: ao se considerar o conjunto de metas preliminares indicativas (fase 1), já se calcula para cada tema gerador, e dentro dele para cada parâmetro, a demanda provável de insumos físicos, humanos e financeiros necessários e indispensáveis para que cada meta seja alcançada no prazo estabelecido. Nesse mesmo procedimento, se estabelecerá um cronograma de implantação das atividades de cada tema gerador em função do calendário agrícola, liberação de créditos etc. Assim, o plano preliminar de metas indicativas será acrescido da demanda estimada de recursos e sua oferta provável. • 2ª hipótese: completa-se todo o ciclo do procedimento de elaboração do plano de metas pelo procedimento ascendente (as cinco fases anteriormente comentadas). Somente após se ter estabelecido o plano de metas é que se recomeçaria um novo ciclo similar ao das cinco fases anteriores para estabelecer a relação produto (meta) e os insumos requeridos. Essa segunda hipótese requer mais tempo, incorpora certo empirismo (procedimento de tentativa e erro), poderá exigir a revisão das metas etc. Por outro lado, é mais educativa, proporciona maior tempo de amadurecimento. A primeira hipótese é mais consistente do ponto de vista técnico. Porém, é mais complexa em função do elevado número de aspectos que deverá abordar simultaneamente. • 3ª hipótese: já existe a decisão prévia de todas as famílias de
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que se fará de imediato a mudança da matriz tecnológica para a produção ecológica. Nesse caso, a relação produto-insumo não passa necessariamente pela dependência do mercado de insumos, mas pela capacidade de cada família de produzir os próprios insumos. Nesse caso, poderá se prever a elaboração, seguindo-se o mesmo ciclo das cinco fases anteriormente descritas, de um plano de mobilização de recursos a partir do plano de metas estabelecido. Nesse caso, um plano de mobilização de recursos deveria se concentrar em três aspectos integrados entre si: • Procedimentos de assistência técnica; • Formação das famílias dos agricultores; • Formas de cooperação entre as famílias. Texto elaborado para o Encontro Regional do MST, em agosto de 2004.
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14. A FORMAÇÃO DO MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) no Rio Grande do Sul e o primeiro assentamento rururbano
Este trabalho procura trazer para o debate o surgimento de um novo movimento social no cenário do Rio Grande do Sul, que buscou, primeiramente, agregar desempregados das periferias da região metropolitana de Porto Alegre e da própria capital gaúcha em torno de um objetivo comum: lutar por trabalho. Propagando sua luta por várias regiões do Estado para a construção dessa luta, consubstanciou-se, em 2000, o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). O surgimento desse movimento está ligado à temática do desemprego urbano, à concentração da terra, ao êxodo rural, ao crescimento desordenado das cidades, à falta de opções de trabalho por parte de uma massa crescente de pessoas que não têm onde trabalhar, morar e viver com dignidade. Como resultado do surgimento do MTD, nasceu também, no Rio Grande do Sul, uma experiência inusitada de geração de trabalho e renda, associada a um local de moradia para essas famílias, que é o “assentamento rururbano” – uma política pública, dentro do Programa Estadual de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul.
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Na ótica desse programa, os denominados assentamentos de “novo tipo” possibilitam o retorno dessas famílias urbanas para o meio rural. Esse retorno ao campo não é visto como uma viagem de volta ao passado, mas como a construção de novas condições para o presente e o futuro. Assim, o retorno ao campo significa condições de moradia digna, ocupações rurais agrícolas e não-agrícolas, alimentação, educação, isto é, a devolução da inclusão social para famílias excluídas da sociedade. Essa primeira conquista socioeconômica do movimento desencadeou a constituição de novos acampamentos em outros grandes municípios do Estado, como Pelotas, Caxias do Sul e Bagé, além de vários outros núcleos em municípios de porte médio do Estado. Para falar da formação do MTD, inicialmente é preciso contextualizar a urbanização e a situação do desemprego no Rio Grande do Sul, pois é a partir dele que surge esse movimento. Urbanização e desemprego no Rio Grande do Sul O Estado do Rio Grande do Sul, apesar de sua vasta extensão territorial, apresenta uma grande concentração de sua população em torno dos centros urbanos, nas grandes e médias cidades, em especial na região metropolitana de Porto Alegre. É uma urbanização não planejada, desestruturada, fruto do êxodo rural ocorrido nas últimas décadas. Segundo dados do IBGE, em 2000, 81,6% da população gaúcha concentrava-se nas cidades. Isso tem causado um desarranjo em termos de infra-estrutura social – emprego, moradia, saneamento, saúde, educação etc. –, impondo um rebaixamento da qualidade de vida da maioria das famílias que vivenciam esse processo. Ao analisarmos uma série histórica da urbanização do Rio Grande do Sul nos últimos 50 anos, segundo dados da Secretaria de Coordenação e Planejamento/Fundação de Economia e Estatística do Estado/2002, poderemos observar que, em 1950, a população total do
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Rio Grande do Sul era de 4.164.821 habitantes, sendo 65,9% rural e 34,1% urbana. Em 2000, a população total do Estado era de 10.181.749 habitantes, sendo 18,4% rural e 81,6% urbana. Em 40 anos, houve inversão de números. A população das 5 maiores cidades em 1950 era de 595.772 habitantes (Porto Alegre, Pelotas, Santa Rosa, Erechim e Passo Fundo). Estas se tornaram cidades-pólo regionais e, em 2000, contavam com 2.468.097 habitantes (Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas e Novo Hamburgo), com um grau de urbanização de 81,65% e um índice de urbanização de 63,82%, conforme Tabela 1. Ainda, observando os números da cidade de Três Passos, uma cidade com mais de 20 mil habitantes, do interior do Estado, típica da colonização alemã, com um forte perfil rural na década de 1960, quando havia uma população total de 38.555 habitantes, sendo que, destes, 32.612 (84,6%) residiam no meio rural e 5.943 (15,4%) residiam na cidade, pode-se ver uma quase completa evasão do meio rural e a urbanização dessa população. Em 2000, o município contava com 24.654 habitantes, sendo 18.142 na cidade (73,5%) e 6.512 habitantes (24,5%) no meio rural. Fica evidente o deslocamento da população para os grandes centros urbanos. Nessa mesma análise, observamos o grande aumento do número de cidades com mais de 20 mil habitantes, das quais, em 1950, havia 10, passando para 72 em 2000. Tabela 1. U rbanização do Rio G rande do SSul ul nos últimos 50 anos Urbanização Grande Ano População total (habitantes) População urbana (%) População rural (%) População de Porto Alegre População das 5 maiores cidades Nº de cidades com mais de 20 mil habitantes Grau de urbanização Índice de urbanização
1950 4.164.821 34,1 65,9 375.049 595.772 10 34,14 17,69
2000 10.181.749 81,6 18,4 1.304.998 2.468.097 72 81,65 63,82
Fonte: FEE/RS.
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A taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre em agosto de 2002 alcançava índices de 15,4% (PED/FEE). Segundo esse mesmo estudo, a criação de 13 mil ocupações laborais, nesse mês, foi insuficiente para satisfazer a pressão exercida sobre o mercado de trabalho pela entrada de 21 mil pessoas da População Economicamente Ativa (PEA). Como resultado desses movimentos, ocorreu a incorporação de 8 mil pessoas ao contingente de desempregados da região, que ficou estimado em 277 mil pessoas. A dinâmica de crescimento regional e urbano no atual sistema de desenvolvimento globalizado neoliberal é diferente da década de 1950, da época da ditadura, de 1960 e 1970, e até meados de 1980. Naquela ocasião, o crescimento econômico e populacional ocorria principalmente nas grandes cidades, com uma industrialização acelerada calcada no investimento de capital estrangeiro e altas contribuições estatais. Nessas condições tivemos o crescimento rápido das grandes e médias cidades, que ofereciam empregos (mesmo que com salários minguados) e outros serviços. As conseqüências desse desenvolvimento são bastante conhecidas, mas seguramente não alcançavam a gravidade de hoje em dia. Temos, atualmente, um forte desemprego, desequilíbrios ambientais agravados, a violência urbana é dramática, o uso do solo piorou por sua mercantilização acelerada e, assim, o acesso aos bens urbanos, os direitos humanos e a cidadania estão cada vez mais distantes de uma boa parcela da população. Para o MTD, o desemprego é um traço intrínseco ao sistema capitalista, até porque nunca houve pleno emprego nesse modelo econômico: “O capitalismo sempre cria mecanismos pelos quais uma parte da força de trabalho se converte num exército industrial de reserva – aquela que está desempregada – permitindo ao capitalista rebaixar os salários, as condições de vida e fragilizar a luta dos trabalhadores”. A natureza do desemprego nos anos recentes vem da modernização conservadora e da concentração de capital, tanto no setor primário quanto no secundário e terciário. Esse desemprego joga milhões
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de pessoas na informalidade, como forma de sobrevivência, deixando as pessoas desamparadas das políticas sociais e previdenciárias. A formação do MTD Em entrevistas com lideranças, que foram os principais pilares para a formação do MTD, ficou clara a origem desse importante e contemporâneo movimento social. Foram três, as organizações que deram origem ao movimento: a Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul (com seus sindicatos filiados), a Pastoral Operária e o Movimento da Luta por Moradia. “A história do Movimento dos Trabalhadores Desempregados é um conjunto de discussões e lutas, é a realidade das duas últimas décadas perdidas na economia, com conseqüências sociais desastrosas na camada mais empobrecida dos trabalhadores e, por fim, é a história de um desafio, um desafio complexo diante da atual situação de recuo nas lutas massivas por parte do conjunto da esquerda brasileira.” (Texto da coordenação estadual do MTD, 2001). No início da década de 1990, com a crise econômica e a modernização do setor industrial, no país e no Estado, deflagrou-se um processo de demissões e rotações de trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, aumentando em muito o número de trabalhadores desempregados. Notícias divulgadas nos jornais, como Correio do Povo, de 14 de novembro de 1995, demonstravam essa situação: “A produção industrial brasileira apresentou queda de 6,7% em setembro, segundo divulgou ontem o IBGE. O Rio Grande do Sul obteve o pior resultado entre as principais capitais, no período, com queda de 25,9%, influenciada em especial pelo setor de equipamentos e máquinas agrícolas. De janeiro a setembro, a produção industrial no Estado caiu...”. Com isso o movimento sindical entra em crise, com o fim das greves por melhores condições de trabalho, o descenso das mobilizações, lutas pequenas, o medo de perder o emprego, a diminuição da ação dos sindicatos e dos sindicalistas.
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Em 1995, iniciou-se um debate na Federação dos Metalúrgicos, em que se discutia que o crescimento do desemprego na categoria era irreversível e que alguma coisa era necessário ser feita. Surgiu da discussão a seguinte questão: o que os sindicatos deveriam fazer para agregar essa categoria de desempregados? Os dirigentes sindicais deveriam assumir outras tarefas além das fábricas, deveriam também atuar nas vilas, bairros e periferias das cidades, com o povo pobre e miserável desempregado. O complexo industrial metalúrgico da região metropolitana de Porto Alegre foi um dos setores que desempregou um grande número de trabalhadores dentre os principais setores industriais da região. A Federação dos Metalúrgicos, juntamente com seus sindicatos filiados, iniciou uma discussão com sua base (trabalhadora operária), que havia perdido o emprego. Outro setor que desempregou muita gente, e foi o principal atrativo de mão-de-obra barata para a região, foi o coureiro-calçadista, principalmente na região do Vale dos Sinos. Esse setor, ao mesmo tempo em que foi o responsável por atrair, no auge da produção, muitas pessoas de várias regiões do Estado, por outro lado, no momento da crise e da modernização, desempregou milhares de pessoas. Com a crise econômica do país, outro setor que desempregou muita gente foi o da construção civil. No entanto, analisando os cadastros das famílias do MTD, podemos observar que a grande maioria das pessoas que se engajou na luta do movimento não tinha uma profissão definida. Observamos as mais diferentes profissões entre os cadastrados, como: balconistas, faxineiras, empregadas domésticas, serventes de pedreiros, pedreiros, carpinteiros, motoristas, carregadores, metalúrgicos, costureiras, diaristas do meio rural etc. Atuavam no que surgisse, como biscates para sobreviver. A grande maioria não era sindicalizada, nunca teve carteira assinada e a renda anual variava entre R$ 500 e R$ 1.500 reais. Outros que tiveram alguns empregos fixos estavam há 2 ou 3 anos sem trabalho.
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Isso mostra que quem se engajou na luta do movimento não foi a base dos sindicatos dos metalúrgicos, uma das vertentes do movimento, ou outro sindicato, mas sim aquelas pessoas mais excluídas do processo produtivo, pessoas com o mais baixo grau de instrução e que nunca tiveram, e nas atuais condições não teriam, chance no mercado formal de trabalho. Uma proposta de cadastramento das pessoas desempregadas foi levada adiante, desencadeando um movimento e a constituição de fóruns de várias categorias de trabalhadores a lutar pela moratória nas contas públicas como água, luz e IPTU, baseados na moratória das empresas em dificuldades financeiras. Em vários municípios do Estado, foram realizadas assembléias municipais chamando o povo desempregado para se cadastrar. Foram realizados atos públicos com a presença de lideranças sindicais, agentes de pastorais da Igreja Católica, parlamentares e representantes de outros movimentos populares, como aposentados e sem-terra, e cadastravam-se os desempregados. A justificativa da moratória era a de que “se o governo concede a moratória ao empresariado, por que não poderia conceder aos desempregados em estado pré-falimentar”. A partir desse movimento, várias ações foram realizadas no Estado, como a “1a Conferência da Classe Trabalhadora Gaúcha”, e a “I Marcha dos Sem Contra o Neoliberalismo”, ambas no ano de 1995. No ano de 1996, foram realizadas várias apresentações de projetos de lei nas câmaras municipais e na Assembléia Legislativa estadual, no sentido de suspender o pagamento de contas públicas, inclusive com a aprovação de um projeto de lei da deputada Jussara Cony, da bancada do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), “que dispõe sobre a suspensão do fornecimento de água e de luz dos trabalhadores desempregados e dá outras providências”, para os trabalhadores que comprovassem estar desempregados por mais de 6 meses. O projeto foi vetado pelo governador da época.
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Essas ações tiveram resultados, tais como: o Programa RS-Emprego, do governo do Estado, com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), repassados pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, que atuava na qualificação profissional, com treinamento de mão-de-obra, subsidiava cursos de formação, com recursos para transporte e alimentação. Há outros exemplos de conquistas, como no município de Santana do Livramento, no interior do Estado, onde um advogado conseguiu uma liminar na justiça mantendo os serviços de fornecimento de água e esgoto, desencadeando várias ações semelhantes em outros municípios. Um dos grandes problemas constatados nessas iniciativas foi a forma de atuação e direção das lutas, que fora até então tratada “de fora para dentro”, ou seja, os dirigentes sindicais agiam em nome dos desempregados. Estes deveriam assumir o seu papel. Outro problema identificado era que não ficava nada organizado depois das lutas; no máximo, constituía-se uma comissão de desempregados, oportunizando cooptação, oportunismo pessoal dessa lideranças e uso indevido da função para proveito político próprio. A idéia inicial dos sindicatos dos metalúrgicos era atingir os desempregados de sua categoria. No entanto, outras pessoas desempregadas, na maioria as que nunca tiveram emprego fixo, mais desqualificadas profissionalmente, que viviam “de bico”, foram as que mais se sensibilizaram com a proposta de se cadastrar para lutar por trabalho. Uma possível explicação para isso é o desafio, a coragem e a própria falta de oportunidade para essas pessoas “juntarem suas tralhas” e se submeterem a acampar sob uma lona preta sem saber o seu futuro. Enquanto que os desempregados ex-sindicalizados, com maior qualificação, buscam outra alternativa de sobrevivência e não se submetem a tal desafio. Outros sindicatos, exceto o dos metalúrgicos, não assumiram a proposta de buscar seus ex-sindicalizados para lutar por trabalho. Em 1998, a Pastoral Operária ajudou a organizar “O Grito dos Excluídos” na região metropolitana de Porto Alegre.
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Numa entrevista com uma ex-coordenadora da Pastoral Operária do Rio Grande do Sul, atualmente assentada no projeto de assentamento rururbano, e uma das coordenadoras estaduais do MTD, relata-se o trabalho da pastoral que, no início de sua existência, era com trabalhadores, operários urbanos na ativa, até porque o problema do desemprego era menor. Com o aumento do desemprego, a entidade voltou-se para o problema dos desempregados, causando uma séria crise de identidade na pastoral, em função da mudança de rumo, em direção aos trabalhadores mais necessitados, os desempregados. No ano de 1999, criou-se uma subcomissão do desemprego, dentro da Comissão de Direitos Humanos, na Assembléia Legislativa do Estado, que realizou várias audiências públicas em alguns municípios para discutir a problemática do desemprego e ao mesmo tempo buscar alternativas para este. Desse debate resultou a gestação de um projeto de lei que criou o Programa de Frentes de Trabalho, aprovado em novembro de 2000, porém vetado pelo governo do Estado, alegando vício de origem e substituído pelo Programa Estadual de Coletivos de Trabalho, este de iniciativa do Poder Executivo gaúcho, iniciando a operar no ano de 2001, coordenado pela Secretaria de Estado do Trabalho, Cidadania e Assistência Social. Durante o ano de 1999, com a forte retomada da luta pela organização dos trabalhadores desempregados, a partir dos núcleos organizados, construiu-se uma “vigília” de um dia com o objetivo de chamar a atenção para o desemprego em várias cidades do Estado. A idéia era que, a partir dessa vigília, se pudesse manter os núcleos já existentes e construir outros. Não se conseguiu manter os núcleos organizados, talvez por falta de um método adequado e clareza de objetivos da luta ou porque as necessidades do dia-a-dia são mais imperiosas. A falta de objetivos claros e perspectiva de ganho econômico também deve ter contribuído para a desmobilização da luta. A partir daí, aprofunda-se o debate sobre a forma de organizar
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essa população de modo que a luta política seja permanente, que ocorra autonomia dos próprios trabalhadores e que o paternalismo e o assistencialismo sejam superados, visto que essa tem sido a tônica dos que atuam no meio dos excluídos, sejam as igrejas, os clubes de mães, as associações de vilas e bairros. Estes têm objetivos de ajudar; no entanto, a organização é precária e não visa avanços econômicos das famílias e na comunidade. Os políticos conservadores e assistencialistas também influenciam com seus currais eleitorais e, através de favores esporádicos, mantêm vínculos com a população pobre, que lhes fica devendo favores cobrados na forma de voto. Outra atuação forte, principalmente nas comunidades mais pobres e desorganizadas, é a do crime organizado, atuando no aliciamento de jovens que vêem na venda de drogas uma forma fácil de ganhar dinheiro e poder. Com a participação de lideranças que atuavam na luta por moradia, surge a terceira vertente e com ela a experiência de que essa luta acabava no momento da conquista da casa própria (lutavam, faziam muitas ocupações, conquistavam a casa, mas não avançavam para além disso). Juntamente com os sindicatos dos metalúrgicos e com diversas lideranças dos movimentos sociais do campo, a tão propalada aliança do campo e da cidade, em torno de objetivos comuns, começa a dar alguns passos concretos, pelo menos, do ponto de vista de métodos organizativos populares. Nesse contexto, a aliança campo/cidade assume uma forma bastante distinta da tão propalada que, na verdade, era pensada como aliança operário-camponesa. No limiar do século 21, não se trata mais disso, passando inclusive pela dificuldade de delimitar fronteiras entre campo e cidade. Aproximam-se e unificam o debate na busca de maior ação. Pastoral Operária, Federação dos Metalúrgicos e membros da Consulta Popular, que, numa leitura da conjuntura, identificam a necessidade de organizar os pobres urbanos, visto que os pobres do campo já estão mais organizados – a partir do sindicalismo rural e principalmen-
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te das “oposições” sindicais rurais que deram origem à CUT, bem como dos diversos movimentos sociais, MST, MPA, MAB, MMTR e outros, para lutar por um “Projeto Popular para o Brasil”. Ocorre um aprofundamento do debate e da reflexão, deliberando-se uma linha de ação com o desafio de organizar o povo urbano, excluídos, pobres e miseráveis que não tinham representação e organização para lutar por melhores condições de vida, deixando de lado as lutas pontuais e partindo-se para uma luta política, econômica e social de longo prazo, em que os próprios trabalhadores desempregados detenham o controle e a autogestão da mesma. O eixo central da luta foi definido como sendo o trabalho, pois é este que define a vida das pessoas. Com argumentos do tipo “emprego não tem para todos, mas trabalho autogestionário sim” e agregando ao eixo central a moradia e produção de alimentos para o autosustento familiar, a terra passou a ser uma necessidade básica para a concretização do eixo central agregado dos demais eixos, formando o tripé terra, trabalho e moradia. No final desse mesmo ano [1999], colocou-se em prática um plano com metas definidas para organizar um grande acampamento de desempregados com mais de mil pessoas, para se efetivar no início do ano 2000. A idéia do acampamento era para construir uma simbologia, um marco histórico, uma espécie de ponto de partida do movimento. Deu-se início a um trabalho de base em 18 municípios da região metropolitana de Porto Alegre, com cinco pessoas liberadas, entre elas metalúrgicos desempregados, membros da Pastoral Operária e membros do Movimento da Luta por Moradia, utilizando-se do método da frente de massa do MST, para contatar com pessoas nas vilas, realizar entrevistas e reuniões questionando a realidade em que viviam e possíveis ações para superar a crise. Foram elaboradas duas cartilhas: uma para os militantes e outra para os desempregados, base para o debate. A pauta de discussão com a população era: conquistar um lugar para morar, trabalhar e produzir o alimento para
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o auto-sustento – um assentamento no meio rural próximo da cidade – e constituir frentes de trabalho de forma organizada. Muitas dificuldades foram encontradas. Entre elas, as relacionadas aos participantes do acampamento, uma vez que, em sua maioria, eram lideranças preocupadas com o desemprego, mas com muitas outras atribuições, o que dificultava a dedicação; os desempregados que, para sobreviverem, tinham de fazer seus biscates, ficavam impedidos de participar permanentemente das atividades organizativas internas. Além disso, havia falta de recursos financeiros para sua locomoção e articulação. Segundo as pessoas entrevistadas, havia uma grande atração, um encanto para com a proposta, ao mesmo tempo uma grande desconfiança e desesperança da possibilidade de conquista, um sonho distante, já perdido, para muitos que não acreditavam mais em nada. Com o trabalho de base proposto, atingiu-se diretamente duas mil pessoas. Destas, num primeiro momento, cerca de 80% se dispunham a ir acampar. Foi acertada a data do acampamento e aí começou o dilema (ou desculpa?) das pessoas, com impasses do tipo: “onde deixar minhas tralhas?”, “e o meu barraco?”, “se eu sair, vou perdê-lo, outros vão ocupá-lo!” etc. Isso fez com que a maioria das pessoas que, no primeiro momento, se dispuseram a acampar, desistissem. A data do acampamento foi marcada para abril de 2000 e coincidiu com uma ofensiva do governo federal e da mídia contra as ocupações do MST e do MPA em nível nacional, marcada pela violência policial. Mesmo assim, mais de 300 pessoas se propuseram a ir acampar. O local escolhido para o acampamento foi um terreno da prefeitura no município de Gravataí, na Grande Porto Alegre, em frente das instalações do complexo automotivo da General Motors do Brasil (GM), uma montadora multinacional de automóveis que ganhou uma série de incentivos, isenções fiscais e financiamentos públicos para se instalar no Estado. Esse local era simbólico do ponto de vista polí-
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tico, visto que todos os recursos públicos concedidos, após muita polêmica, à montadora tinham como pano de fundo o desenvolvimento do Estado e a geração de emprego. O acampamento era um contraponto a essa política governamental, pois, se o Estado concedia recursos públicos subsidiados para uma multinacional, também deveria tê-los para os desempregados, os que querem trabalhar. Das mais de 300 pessoas acertadas para acampar na véspera da ocupação, somente 200 pessoas apareceram e montaram o acampamento, no dia 22 de maio de 2000. Já no momento inicial da montagem dos barracos, muitas não concordam com a forma de organização: um acampamento coletivo, agrupado por núcleos de 10 a 12 pessoas, ou seja, os barracos próximos uns dos outros em forma de avenidas, já que sua permanência na área era provisória, com a coordenação de um homem e de uma mulher por núcleo, diferente das ocupações urbanas, em que “cada um vai para um canto”, já pensando no seu lote individual. Muitos desistiram logo no início, permanecendo no acampamento menos de 200 pessoas. A Prefeitura Municipal de Gravataí entrou com o pedido de reintegração de posse da área, o que foi protelado pela Justiça por mais alguns dias, mas que, com sua concessão, levou o movimento a ocupar outra área em frente da primeira, após dez dias de ocupação. Dessa vez, a ocupação se deu num lote vago, em litígio, pois havia sido desapropriado pelo Estado para a GM, que não o utilizou. Num acordo entre o governo do Estado e o MTD, este permaneceu acampado no local até o governo apresentar uma área para o assentamento definitivo das famílias. Um grupo de famílias, hoje ainda, segue acampado nesse local. Essas pessoas que se sujeitaram a ir acampar tinham origem em diversas cidades do interior do Estado. Elas e/ou seus familiares migraram para a cidade em busca de melhores condições de vida. Não encontrando trabalho fixo, passaram a viver de biscates, entregandose a uma situação de miséria em uma disputa desigual, num territó-
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rio estranho à sua cultura e capacitação para o trabalho. Analisando o cadastro dessas pessoas, encontramos uma ampla gama de atividades que foram realizadas por elas, conforme já citado anteriormente. Foi assim que nasceu mais um movimento social no Brasil, o MTD, que a partir do acampamento em Gravataí, da visibilidade dada pela mídia, parte para uma maior organicidade e lutas concretas para a conquista de seus objetivos. A partir do acampamento, deu-se início a um trabalho de formação política interna, e ampliação dos contatos em vários outros municípios, também no interior do Estado, culminando com uma marcha rumo a Porto Alegre, denominada de “Marcha por Trabalho e Teto”. Durante oito dias, no final do mês de dezembro de 2000, passaram pela periferia de várias cidades da região metropolitana, conversando com os trabalhadores desempregados e discutindo as propostas do movimento, onde receberam um grande apoio solidário da sociedade. Um exemplo bem concreto desse apoio se deu quando da chegada e entrada num shopping center na cidade de Canos, onde algumas lojas fecharam as portas e logo em seguida tiveram que reabri-las por exigência dos consumidores, numa reação espontânea de solidariedade à marcha. Nessa marcha, também presenciaram e conheceram o lado cruel da sociedade: o controle territorial por parte do crime organizado que, em algumas localidades, não permitiu a continuidade da caminhada, e os ameaçou, caso continuassem por aquele local. Essa marcha chegou em Porto Alegre com uma longa pauta de reivindicações, tendo como central “as frentes de trabalho” e “o primeiro assentamento rururbano”. Suas lideranças foram recebidas por diversas autoridades públicas, como o presidente da Assembléia Legislativa, o delegado regional do Trabalho, o superintendente da Caixa Econômica Federal e o governador do Estado, sendo que este se comprometeu a desapropriar uma área de terra para a implantação de um assentamento.
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O assentamento rururbano como a primeira conquista do MTD Uma das diferentes formas de gerar trabalho, renda e emprego para as famílias, proposta pelo MTD, é o assentamento rururbano: mais uma demanda por terra num país e num Estado onde ela está concentrada nas mãos de poucos e foi distribuída em algum momento da história de forma desproporcional e desigual. Em recente texto, Guterres e Thies (2001), citado por Ramos e outros (2002), observam que no contraponto à questão urbana no Estado está a questão agrária, que apresenta um elevado grau de complexidade decorrente dos processos históricos que caracterizaram a evolução agrária rio-grandense-do-sul. O marco referencial remonta aos processos de colonização, que, numa primeira fase da imigração – açoriana –, caracterizaram-se pelas doações de extensas áreas de sesmarias, enquanto que nas imigrações posteriores – basicamente imigração alemã, italiana e polonesa – os colonos tiveram que ocupar áreas restritas, de difícil acesso, além de necessitarem efetuar a compra para obter a posse. O processo de evolução histórica identifica o vício na origem da distribuição da riqueza do território que mais tarde viria a se constituir no Estado do Rio Grande do Sul. As sucessivas crises entre os períodos que caracterizaram a evolução agrária gaúcha sempre demonstraram a dicotomia agrária. De um lado, estavam os que tinham acesso farto à terra e que mais tarde viriam a ser reconhecidos como latifundiários; e, de outro, os que tiveram de conquistar seu espaço, adquirindo pequenas porções de terra, enquadrados na categoria de minifundiários. Esse resgate sucinto permite identificar o arcabouço que fundamentou a atual estrutura fundiária do RS (Ramo e outros, 2001, pp. 3-4). Os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1996 nos dão idéia da dimensão da concentração da terra no Rio Grande do Sul. Segundo o referido censo, no Estado, os 7.850 estabelecimentos com mais de 500 ha (1,83% do número total) acumulam cerca de 40% da área total. Existem 85 estabelecimentos com mais de 5 mil ha que acu-
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mulam 641.257 ha, e que totalizam uma área muito superior ao total da área dos 70.743 estabelecimentos com menos de 5 ha. Diante desse quadro, a legislação vigente nacional e estadual contempla formas viáveis para que órgãos públicos possam, junto com as populações organizadas, viabilizar, com estrutura técnica e financeira, formas de ocupação de áreas que devolvam a função social que estas deveriam desempenhar. Uma alternativa está nos assentamentos humanos voltados para o resgate e a restituição da cidadania de indivíduos que não encontram mais perspectivas que lhes garanta a reprodução social no sistema capitalista, que expropria aqueles que não têm capacidade competitiva, vindo a formar um contingente de indivíduos marginalizados da sociedade. O governo do Estado do Rio Grande do Sul traz como uma de suas prioridades a implantação do Programa Estadual de Reforma Agrária, que objetiva proporcionar o desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Esse programa atua em diversas linhas de ação. Uma delas são os assentamentos denominados de “Novo Tipo”, a exemplo do rururbano, que são unidades produtivas com projetos adequados à realidade da região, com matrizes produtivas previamente estipuladas e associadas à realidade do assentamento com atividades rurais não só agrícolas, dentro dos conceitos da multifuncionalidade e da pluriatividade da agricultura familiar. A literatura destaca que, nos países considerados desenvolvidos, as unidades familiares se inserem no mercado de trabalho combinando várias atividades em busca de diferentes fontes de renda. É um fenômeno antigo, que começou a ser objeto de reflexão mais recentemente no Brasil – sua maior presença se dá no Sul e no Sudeste, com destaque para as áreas de colonização européia (Graziano da Silva, Balsdi e Del Grossi, apud IICA, 2000, p. 28). Quando da audiência do movimento com o governo do Estado, em dezembro de 2000, o governador logo em seguida criou, através de um decreto, um Grupo de Trabalho (GT), composto por várias secre-
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tarias de Estado, para a elaboração de um projeto de assentamento que atendesse à reivindicação do MTD. Sua pauta era uma área de terra próxima da cidade de Porto Alegre, ou outra cidade metropolitana que pudesse assentar as famílias acampadas, proporcionando área suficiente para produzirem o alimento para o auto-sustento das famílias, e que parte da população pudesse se deslocar para trabalhar na cidade, tanto na prestação de serviços quanto na venda de produtos do assentamento. Da elaboração da proposta do Projeto de Assentamento Rururbano, esse GT realizou visitas a outros projetos semelhantes, como o Programa de Vilas Rurais no Estado do Paraná, e outros exemplos de projetos de outros Estados e das discussões teóricas acerca dos mesmos, e manteve diálogo permanente com a coordenação do movimento. Surge o Projeto Rururbano, que apresenta um proposta de assentamentos, localizados em áreas rurais ou urbanas de ocupação extensiva, e/ou em áreas de extensão rural próximas a grandes centros urbanos, que visa a reintegração de trabalhadores urbanos, em situação de desemprego ou subemprego vivida nas periferias urbanas. Trata-se de um público heterogêneo, no que se refere à atividade e qualificações profissionais, formando um misto de experiências do campo e de atividades urbanas. Nesse programa, os beneficiários moram no assentamento, atuando na área agrícola, dentro de princípios agroecológicos e/ou desenvolvendo atividades não agrícolas, tanto no assentamento quanto na cidade, em função do conjunto coletivo interno. Cada família assentada deve se inserir em alguma atividade produtiva agrícola ou não agrícola no assentamento, tais como: participar de algum grupo – Coletivo de Trabalho – seja na produção agrícola (horta, lavoura, criação de animais) ou não agrícola (padaria, fábrica de tijolos, de esquadrias metálicas ou metalurgia, entre outros). O projeto de assentamento rurubano intencionava resolver, primeiramente, os problemas de auto-sustento para a reprodução digna das famílias, ou seja, proporcionar que produzam alimentos para uma dieta de 3 refeições diárias, tenham acesso à água potável, a
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módulos habitacionais condizentes com as necessidades humanas, educação, transporte, saúde e alguma linha de produção agrícola e não agrícola, que viabilize a geração de renda para os integrantes do projeto. É uma proposta de ação concreta que visa restituir a qualidade de vida e cidadania dos trabalhadores urbanos desempregados. O “Projeto de Novo Tipo”, assentamento rururbano, apresenta-se como um projeto inovador, arrojado, de vanguarda, que permite uma nova organização associada em agrovilas, constituindo formas cooperadas de trabalho e produção, que conduzam à justiça social, à dignidade, à qualidade de vida e à cidadania das pessoas. Esse projeto difere de outras experiências, como as vilas rurais do Paraná, por exemplo, basicamente pelo público e pela forma de organização. Enquanto aqui conta com um público urbano e sua forma de organização é a de grupos coletivos, lá o público é rural, o tradicional “bóia-fria”, e se organiza de modo individualizado. As pequenas propriedades têm múltiplas funções que beneficiam tanto a sociedade quanto a biosfera e contribuem muito mais que uma só produção particular, além de existirem muitas evidências de que o modelo em pequena escala de desenvolvimento agrícola poderia produzir muito mais alimento que o modelo de propriedade em grande escala jamais conseguiu produzir (Rosset, 2001). O pr ojeto piloto – assentamento B elo M onte projeto Belo Monte O assentamento rururbano denominado Belo Monte, em função de sua área geográfica, que apresenta em parte de seu relevo um morro de preservação permanente, na forma de uma montanha, está situado a 40 km de Porto Alegre, no município de Eldorado do Sul. A área total do assentamento é de 442,5 ha, e a parte agricultável é de aproximadamente 41% do total da área, com solos que permitem a exploração de culturas anuais, como feijão, milho, arroz, sorgo, forrageiras de inverno, e de verão, para a produção animal, além de horticultura e culturas permanentes, como fruticultura, cana-de-açú-
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car, silvicultura e outras. Considerando a sua localização privilegiada, facilidade de acesso, presença de terras bem drenadas com relevo suave ondulado e boa disponibilidade de água, o imóvel apresenta condições favoráveis para esse projeto. A estratégia de produção no assentamento está sendo discutida e praticada, ainda de forma incipiente, dentro dos princípios da agroecologia, e isso é importante pois, segundo Altieri (1989), em seu livro Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável, “a agroecologia fornece as ferramentas metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento”. Segundo Chambers (1983), citado por Altieri no mesmo livro, “o objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento”. Esse é mais um grande desafio desse assentamento, pois, em função dos atores sociais, o que se verá logo a seguir, o conhecimento local-tradicional, esse público não o possui. Dos ator es sociais atores São 95 famílias beneficiadas, fruto de uma luta social, desafio proposto e assumido por um grupo de famílias desempregadas da região metropolitana de Porto Alegre que se reuniram para constituir um novo movimento social, que germina e nasce da necessidade básica de todo ser humano – o trabalho. A experiência do período de acampamento, que perdurou por um ano, foi de extrema importância para esse grupo de indivíduos em termos de formação e conscientização. O tempo de maturação dos acampados proporcionou internalizar o processo social e político que representa a luta pelo acesso à terra, trabalho e renda para cada um dos atores sociais. Um universo de 331 pessoas, composto por crianças, adolescentes, jovens e adultos, está fazendo parte dessa experiência, conforme Tabela 2, perfazendo um total de 200 pessoas com menos de 25
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anos, ou seja, 60% da população é jovem, com um potencial enorme de trabalho pela frente. Outro dado interessante é o equilíbrio entre os sexos masculino e feminino, sendo, do total, 53% do sexo masculino e 47% do sexo feminino. Tabela 2. Númer o de pessoas por faixa etária no pr ojeto de assentamento Número projeto Pessoas por faixa etária Crianças de 0 a 6 anos Crianças de 7 a 12 anos Adolescentes e jovens de 13 a 18 anos Jovens de 19 a 25 anos Adultos de 26 a 45 anos Adultos com mais de 45 anos Total
Númer o de pessoas Número 68 59 41 32 90 41 331
(%) 20,5 17,8 12,4 9,7 27,2 12,4 100,0
Fonte: Plano de Desenvolvimento do Assentamento – Emater/RS.
Quanto ao grau de escolaridade, observamos, na Tabela 3, o grande número de pessoas com o primeiro grau incompleto que, somado ao de analfabetos e às crianças com menos de 6 anos de idade, constitui a grande maioria do assentamento. Chegando a 286 pessoas, ou seja, 86,6% do total das pessoas do assentamento, esse dado nos aponta para a importância e a necessidade de um trabalho forte na formação e educação dessas pessoas, seja no ensino formal para as crianças e jovens, seja na formação profissional, técnica, social e política para todo o assentamento. Tabela 3. Númer o de pessoas conforme a escolaridade Número Pessoas por grau de instr ução instrução Crianças com menos de 6 anos Pessoas analfabetas 1º grau incompleto 1º grau completo 2º grau incompleto 2º grau completo 3º grau incompleto 3º grau completo Total
Númer o de pessoas Número 69 13 205 12 14 13 03 02 331
(%) 20,6 3,9 62,1 3,6 4,2 3,9 0,9 0,6 100,0
Fonte: Plano de Desenvolvimento do Assentamento – Emater/RS.
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As famílias são compostas por pessoas com as mais diversas aptidões e conhecimentos de trabalho, com diferenças de raças, religião e cultura. Na área profissional, encontram-se pedreiros, carpinteiros, mecânicos, padeiros, costureiras, balconistas, artesãos, entre outras profissões urbanas. O conhecimento agrícola está restrito às pessoas com maior faixa de idade, que migraram para a cidade ainda em tempo de terem contato direto com a agricultura, ou poucas pessoas que já atuaram de alguma forma na atividade agrícola. Para reverter essa situação – que, por um lado, é bom de se trabalhar tecnicamente, pois essas pessoas não trazem os “vícios” da agricultura moderna, agroquímica –, os técnicos que atuam no assentamento têm praticado e transmitido alguns conhecimentos e experiências agroecológicas de outros assentamentos do MST, de sua própria região, os quais, inclusive, já foram visitados por lideranças do agora Assentamento Belo Monte. São utilizadas algumas técnicas alternativas, como o uso de adubação orgânica, caldas de biofertilizantes, inseticidas biológicos, entre outras, ainda de forma incipiente, porque, por outro lado, há a necessidade da produção imediata de alimentos com maior produtividade, o que está levando os técnicos e as lideranças a terem que utilizar adubação química, num primeiro momento, para elevar a produção. (Ainda que com nem tão segura qualidade, por enquanto, neste período de transição.) Esse conjunto de atores sociais é bastante complexo: de um lado, estão os mediadores (agentes políticos e técnicos que têm a função de mediar, facilitar e ajudar, mas não de assumir o papel dos dirigentes, que são os próprios assentados) e, de outro lado, estão pessoas excluídas da sociedade e do processo de produção, muitas já sem esperança, com diferentes vícios, carências e deficiências. Ambos estão em permanente processo de construção, numa dinâmica de trabalho em grupo, com uma boa participação, vêm num crescente de interação e conhecimentos, muitos conflitantes, mas que
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discutem, elaboram e aplicam as políticas para a implantação desse assentamento. Há muitas crises e conflitos decorrentes do processo de construção do novo. O imediatismo e o assistencialismo são grandes obstáculos a serem superados. A “cultura da vila” incrustada na vida das pessoas dificulta o avanço, porque elas vêm de um mundo de busca de sobrevivência a qualquer preço, de forma individual, da falta de cooperação em comunidade, na qual, no máximo, a família é o círculo maior de convivência social. A exploração integrada entre os indivíduos consistiu na formação de coletivos de trabalho, nos quais os diferentes grupos estabeleceram, de acordo com cada trajetória de vida, a especificidade das atividades: horticultura, fruticultura, apicultura, bovinocultura leiteira, avicultura, piscicultura, suinocultura, turismo rural e ecológico, padaria, olaria (fabrico de tijolos ecológicos), serralheria, cultivo de plantas medicinais etc. Estabelecidas as principais atividades a serem desenvolvidas, os mediadores, juntamente com as lideranças do movimento, destacaram a importância da capacitação. A formação é para, num primeiro momento, garantir o auto-sustento alimentar das famílias e, num segundo, direcionada para a ação futura nessas atividades, constituindo-se a organização do trabalho e geração de renda dos assentados. Os temas enfocados abordam aspectos importantes para o desenvolvimento das atividades das famílias no assentamento e suas relações com o mercado, como, por exemplo, formas alternativas populares de comercialização da produção agropastoril e prestação de serviços. Dessa maneira, os atores sociais acreditam chegar a uma capacitação tal, a ponto de constituírem elementos pessoais indispensáveis no resgate da esperança, da auto-estima e da sua valorização profissional. No processo de formação e capacitação, identificou-se a necessidade de os atores sociais do assentamento rururbano refletirem qual é a forma de conseguirem se manter num espaço social e econômico de integração com a sociedade. Isso está na constante constru-
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ção, avaliação e busca da manutenção da unidade do grupo em cooperação. As razões que conduziram a essa constatação estão relacionadas à construção da identidade de assentado. Essa identidade está sendo construída a partir do debate e da necessidade da criação de consciência da nova vida em comunidade. Em torno da escola, da igreja, dos espaços a serem criados para a juventude, para a participação das mulheres, de forma coletiva. Esses são elementos que devem influenciar na construção dessa identidade. O significado para as pessoas é a perspectiva de uma vida digna, diferente daquela de onde têm origem. Dos difer entes conflitos diferentes Até o presente momento, um ano e meio desde a chegada das famílias no assentamento, muitos são os conflitos, desafios e pontos de estrangulamento observados, tais como: • A caracterização do assentamento em divergência aos seus componentes humanos, por não possuírem um histórico agrícola, além da reduzida área agricultável disponível; • A organização do gerenciamento da ocupação da mão-de-obra e da compreensão da magnitude do projeto; • O modelo de gestão do assentamento, de forma que permita a geração de renda e emprego, visando alcançar a auto-sustentabilidade; • A assimilação dos processos coletivos, de forma que o individualismo não se sobreponha; • A preservação do meio ambiente, conservando-o, reflorestando-o, principalmente nas áreas de reserva legal e de preservação permanente; • As disputas internas, pelo poder, e externas, por maior participação no Estado. Esstes são alguns dos conflitos socioculturais, econômicos, políticos e ambientais que essa experiência está propiciando e desafian-
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do a organização interna do Assentamento Belo Monte, que passa por um momento de consolidação inicial, com suas contradições, pela construção de um regimento interno, regulamentando a vida das pessoas em sua nova comunidade, que tenta abarcar todos esses elementos conflitantes, construído de baixo para cima, num processo de muita discussão e que vai da coordenação geral do assentamento aos núcleos de base, com assembléias gerais que, em última instância, delibera e aprova resoluções. Essa diversidade e complexidade de conflitos desafiam a organização desse assentamento, colocam em prova a possibilidade de uma nova política pública, que inclua pessoas que estão em busca de melhores condições de vida, fora do tradicional, e dos padrões já existentes, a exemplo da habitação urbana, que gera local de moradia, mas não disponibiliza a possibilidade de trabalho. O texto de Julia Guivant (1996) “Heterogeneidade do conhecimento no desenvolvimento rural sustentável” traz “lições dos conflitos dos conhecimentos para construir uma sustentabilidade”. Para isso, há a necessidade de recuperar os conhecimentos locais. Métodos participativos têm surgido para isso. O intenso debate entre o conhecimento local, as relações entre este e o conhecimento técnico-científico e o papel dos agricultores, bem como os processos de conhecimento no desenvolvimento rural, colocam essa questão em debate nessa experiência. Como é um assentamento diferente, com um público distinto do camponês tradicional ou do agricultor familiar, que não conhece a realidade local, bem como suas expectativas são diversas em relação ao projeto, isso aumenta os desafios para a construção da sustentabilidade. Da forma de organização Após um amplo processo de discussão, a organização interna deliberou que cada assentado iria ter uma parcela individual por família, dividida em fração ideal de mil metros quadrados (20 m x 50 m)
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para a construção de moradia e outra área maior para uso coletivo de todo o assentamento e/ou dos grupos de produção. A parte da área individual constitui-se sob garantia das decisões no âmbito familiar, enquanto que o restante do lote será destinado parte para a preservação ambiental e parte para uso coletivo, onde as decisões passam pelas instâncias organizadas e constituídas através dos grupos. A concepção do projeto rururbano – rural e urbano, agrícola e não-agrícola, moradia em agrovila, formas coletivas de trabalho, formado por famílias que vêm de uma convivência urbana, e por algumas pessoas que continuam com atividades no meio urbano, não obstante haja a obrigatoriedade de no mínimo um membro da família que tenha atuação no interior do assentamento – desafia todos na construção e busca da sustentabilidade de tal projeto. Além disso, essa proposta considera indispensável uma logística mínima em relação ao mercado, que garanta o acesso dos assentados tanto para a comercialização da produção projetada para o mercado e de produtos excedentes quanto para a prestação de serviços. A organização do assentamento, que libera quadros dirigentes para seguirem na construção do MTD fora do assentamento, adquiriu representatividade e o reconhecimento do grupo social que representa e, por conseqüência, o reconhecimento dos órgãos públicos, inclusive por parte do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que reconhece o assentamento para fins de liberação de recursos, semelhantes aos demais assentamentos da reforma agrária que, junto aos recursos do Estado, são disponibilizados para os assentamentos, tais como: o fomento para sua instalação na área e para a produção de alimentos de subsistência – hortas e pequenas criações – os primeiros recursos para a obtenção de utensílios domésticos, além dos recursos para a primeira etapa de implantação, como a construção das moradias, e o restante para investimentos nos grupos de produção em sua estruturação inicial e manejo dos recursos naturais. A segunda etapa da implantação prevê ações que complementam a infra-
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estrutura social básica, que são: eletrificação, água e estrada, além do Pronaf A, que vem no sentido de consolidar projetos de geração de renda no assentamento. Esse assentamento, por sua peculiaridade, também acessou recursos para formação/capacitação associada a alguma atividade de geração de renda, do Programa Social “Coletivos de Trabalho”, coordenado pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, a partir de ações articuladas entre o poder público, movimentos sociais e trabalhadores desempregados, com vistas à promoção de melhorias sociais em comunidades em situação de vulnerabilidade. Os trabalhadores recebem uma bolsa-auxílio e cestas-básicas. Das difer entes par ticipações dos ator es sociais e mediador es diferentes participações atores mediadores São vários os órgãos do Estado que, de uma forma ou de outra, se envolveram nesse projeto, visto que é um assentamento diferente do tradicional e que exigiu maior presença dessa instituição pública, tais como: o Gabinete da Reforma Agrária (GRA) – responsável direto pelo projeto, pois é dele a atribuição de criação desses novos tipos de assentamento, pelos recursos financeiros, humanos e materiais, além de ser quem responde pelo Programa Estadual de Reforma Agrária; Secretaria Especial de Habitação (Sehab) – responsável pelo projeto de Habitação Rural e saneamento ambiental; Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS) – responsável pelos programas sociais de inclusão, geração de postos de trabalho e capacitação; Secretaria do Meio Ambiente (Sema) – responsável pelo licenciamento ambiental; Secretaria de Educação – por escola e professores; e Secretaria de Agricultura e Abastecimento, através da Emater (SAA) – pela assistência técnica e capacitação. Uma maior participação dos atores sociais em interface com os mediadores tem-se dado em momentos importantes, como em reuniões periódicas e constantes, entre a coordenação geral do assentamento e os mediadores (assistência técnica e um ou dois agentes
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políticos do GRA), em função dos desafios impostos a todos, como a gestão econômica e produtiva do assentamento, que vai desde a produção de alimentos para o auto-consumo, à geração de trabalho e renda para todos, e à distribuição de solidariedade de recuperar pessoas, muitas já sem perspectiva para o trabalho com dignidade. Também ocorreram algumas ações pontuais de outros agentes externos ao assentamento, como: Oficina de Planejamento, orientações para separação de resíduos sólidos, criação de linha de ônibus Belo Monte – Porto Alegre – Belo Monte, Seminário de Turismo, visitas técnicas, Olimpíadas Participativas, participação no I e II Fórum Social Mundial, participação em feiras externas e outros, com a participação de órgãos estaduais. Embora o assentamento se justifique pela oportunidade de melhoria da qualidade de vida dos indivíduos marginalizados, essa condição não é suficiente para sustentar argumentos diante de parte da sociedade dominante, que faz oposição sistemática à Reforma Agrária. Tais circunstâncias conduziram os assentados a observar que, além da necessidade de utilizar a força de trabalho coletiva para garantir produtos e serviços excedentes, seria fundamental utilizar os recursos públicos destinados a cada família da mesma forma. Isso possibilitou que a implementação de projetos que requerem investimentos iniciais elevados se tornasse viável. O fato está relacionado ao custo dos bens de capital para constituir as ações dos grupos como, por exemplo, a aquisição de um trator e seus implementos. O uso desses bens no assentamento seria inviável, tanto na aquisição individual quanto na de poucas famílias assentadas. Portanto, há a necessidade da compra conjunta (Ramos et alli, 2002, p. 11). Outra intensa participação entre mediadores e esses atores sociais se dá na construção de um regimento interno que permita a autoregulação do assentamento. Há uma série de regras, que vão desde os critérios para preenchimento de vagas que por um motivo ou outro venha a ocorrer; da participação nos núcleos; da coordena-
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ção; dos setores de produção e socioculturais; dos grupos de produção; das equipes; número de pessoas por grupo; das penalidades e advertências; da permanência e do afastamento do assentamento; das assembléias; da regularização; do grupo de apoio à gestão; da preservação ambiental; até a convivência comunitária e as relações humanas. Todos esses itens estão sendo construídos num intenso debate entre os mediadores e a coordenação geral do assentamento que, depois de discutido em cada núcleo de base, com todas as pessoas, deverá ser aprovado em assembléia geral. Quem não se enquadrar ou não cumprir esse regimento interno, mais ainda com as normas do Estado – condutor da política pública –, corre o risco de perder o seu lote e sua vaga no assentamento, coisa que já ocorreu com algumas pessoas. Esse regulamento tem trazido tensões do tipo, por exemplo, de taxar a coordenação do assentamento como muito dura, ou muito fraca, que privilegia uns em detrimento de outros, que tem regras que precisam ser modificadas, aperfeiçoadas etc. Esse assentamento rururbano nos traz mais uma vez a lição de que não basta ter um bom projeto, embasado em grandes idéias, com cálculos e planilhas demonstrando o “que será no futuro”, se não for construído conjuntamente com os principais atores, que são as famílias que serão beneficiadas com o projeto. Os papéis e as tarefas de cada ator, além das responsabilidades, devem ser pactuados e divididos, de forma que possam ser executados, avaliados, reavaliados, replanejados e repactuados constantemente, para que o projeto tenha resultado efetivo. O conjunto de pessoas que estão envolvidas com o processo de construção do projeto está sentindo as dificuldades de se efetivarem as idéias e planos que, mesmo sendo construídos de baixo para cima, com participação efetiva dos atores sociais e forte presença do Estado, ainda assim são de muita complexidade e dificuldade, por se tratar de pessoas com um perfil sociocultural de exclusão, com baixa escolaridade, baixa faixa etária e baixa auto-estima.
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Avaliação geral da experiência Neste momento, a avaliação da experiência mostra que a vontade da maioria das famílias do assentamento rururbano é de se manter na terra de forma coletiva, mas com a maior privacidade possível. Querem viver com dignidade. Para muitos, só o fato de obterem seu “canto” para morar e terem um teto para sua família já foi uma grande conquista. No entanto, o esforço da direção, dos mediadores do Estado, e da maioria dos grupos de produção é de avançar e produzir para o auto-sustento e para gerar renda, construir ali uma referência, uma nova comunidade, que sirva de exemplo para outras experiências nesse sentido. O processo de organização social do Assentamento Belo Monte vem evidenciando que as questões complexas referentes a sua implantação estão sendo superadas. Entretanto, os aspectos referentes ao seu desenvolvimento ainda se mantêm incógnitos. Contudo, as perspectivas de êxito têm revelado um cenário animador, a partir dos encaminhamentos consensuais que estão sendo obtidos com a aplicação de metodologias participativas, tais como diagnóstico, avaliação e plano de desenvolvimento do assentamento, acompanhamento, replanejamento e execução, apesar de todos os conflitos e das contradições geradas no processo. Recentemente, foi adotada uma atitude extrema, mas necessária, no assentamento: a exclusão de sete componentes que não se enquadraram nas normas internas e no termo de concessão de uso do seu lote, sendo obrigados a deixarem a vaga para outras famílias que estão acampadas e fazem parte da organização estadual. O Programa Estadual de Reforma Agrária, no qual o Projeto de Assentamento Belo Monte está contido, possui uma portaria de criação do assentamento e um termo de concessão de uso. Estes definem uma série de normas, obrigações e deveres em que o assentado deve se enquadrar e cumprir. Caso não cumpra essas normas, juntamente com as normas internas do assentamento, o regimento
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interno, haverá uma ata relatando o fato e comunicando ao órgão responsável – o setor de regularização do Gabinete da Reforma Agrária do Estado –, para apurar tal fato, para o que o Secretário Extraordinário de Reforma Agrária, através de ordem de serviço, nomeia uma comissão, abrindo um processo administrativo e notifica os acusados para sua defesa. Depois de cumpridos os prazos e feito o julgamento por esta comissão, dando o direito de defesa para o assentado infrator, esse é excluído caso não volte a regrar-se e/ou a cumprir seus deveres. Essa decisão do assentamento, respaldada pelo Estado, torna prático o esforço da comunidade de manter a ordem interna no assentamento no sentido de avançar na organização. As irregularidades que ocasionaram essas exclusões foram: má conduta de assentado, violência sexual contra criança, agressões por embriaguez, furto comprovado e abandono de lote. A produção de alimento básico para abastecer todas as famílias com uma dieta diária mínima necessária para a boa nutrição com proteínas, carboidratos, e a alimentação das mais de 300 pessoas no interior do assentamento são os desafios que estão sendo colocados em prática com ações que já deram resultado de imediato. Até o presente momento, vêm em plena produção: uma horta coletiva e algumas individuais, a primeira colheita de aipim, batata e vários outros produtos, os primeiros animais para carne e produção de leite, ainda de modo insuficiente, mas com bom andamento. O planejamento para o primeiro cultivo de verão está sendo executado, o que dará a base da alimentação vegetal e animal para o próximo ano, o cultivo de segurança alimentar para o próximo período. A alimentação tem sido um dos grandes conflitos e gerador de crise no assentamento, quando de sua falta. O trabalho dos grupos de produção – grupo da horta, grupo de leite, grupo de suínos, grupo de lavoura coletiva para auto-sustento e outros –, juntamente com a construção das casas, vêm consumindo quase toda a força de trabalho das pessoas no interior do assentamento.
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Atualmente, poucas pessoas vêm saindo do assentamento para trabalhar fora, contrariando a organização interna, que se resume à realização de alguns “bicos”, visto que internamente há muito trabalho a se fazer, principalmente na construção das habitações, que será o empreendimento de maior destaque no momento de sua conclusão. A construção das casas (parte delas feitas com tijolos ecológicos fabricados no próprio assentamento por um dos grupos de produção) está num processo inicial. Esse é o primeiro teste que o assentamento está enfrentando, pois o trabalho deve ser gerido pelas próprias famílias do assentamento, somente com o apoio técnico de uma arquiteta, que presta assessoria e capacita as pessoas do assentamento a construírem suas próprias casas. Segundo Guivant et alli (1998) “... seguindo-se os atores, pode-se analisar como estes constroem seus mundos, na medida que forjam vínculos com outros, ‘colonizando’ seus mundos num processo do qual emergem diversas redes de relações sociais”. Considerações finais Essa experiência está só começando. Teremos que fazer ainda muitas reflexões, no sentido de ajudar a aperfeiçoá-la, no decorrer de sua construção. Terá esse projeto, que ora inicia, ainda muitos questionamentos com respostas a serem buscadas. Citando algumas frases das pessoas que se manifestaram pela idealização de uma nova vida, logo no início do processo, quando numa oficina de planejamento foram colocadas as questões: “O que queremos fazer? E onde queremos chegar?”, vieram algumas respostas: “Quero fazer o meu sonho acontecer”; “Clarear os caminhos, separar o joio do trigo, eliminar dúvidas e adquirir um norte”; “Trocar idéias, aprender a trabalhar coletivamente para ter um futuro melhor”. São vontades e sonhos que ainda devem se concretizar. Outras reflexões consideráveis são as relacionadas com a interação do assentamento com o mercado, de como a buscar a
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comercialização dos seus produtos, que devem vir envoltos em uma diferenciação, bem como a prestação de serviços fora do assentamento, a funcionalidade das rotinas pluriativas, em que cada um deverá ter um papel definido, responsável por ações que nunca experimentaram, simultâneo à continuidade do emprego da mão-de-obra e da geração de renda. Apesar dessa complexidade, esse Projeto de Assentamento de Novo Tipo, denominado rururbano, reúne condições para se estruturar e se expandir no Rio Grande do Sul. O surgimento do MTD traz como pauta principal o trabalho. O assentamento rururbano é uma forma encontrada de pôr em prática essa pauta. No entanto, outras formas de trabalho vêm sendo praticadas como fruto da luta e das conquistas obtidas com a organização. Uma delas é a participação nos Coletivos de Trabalho, um programa do governo do Estado, coordenado pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS), que beneficiou mais de 1.500 famílias no movimento, organizadas em núcleos em várias cidade do Estado. Esse programa tem como eixo central a garantia do direito ao trabalho e inclusão social, com ações de geração de trabalho e renda voltadas a dois tipos de trabalhadores desempregados: àqueles historicamente excluídos das relações formais de trabalho e inseridos no plano da economia informal, e àqueles incluídos no mercado formal com relativa estabilidade até a década de 1990 e jogados à margem do processo produtivo, pela reestruturação produtiva e privatização dos serviços públicos. Esses núcleos recebem um aporte de recursos por parte da STCAS/Orçamento do Estado, para o pagamento de bolsas-auxílio alimentar, por um período de 6 meses, quando as pessoas atuam num plano de formação/qualificação de mão-de-obra na forma de prestação de algum serviço ou execução de atividades laborais voltadas para a melhoria na infra-estrutura, nos equipamentos sociais e moradias, ou para a construção de equipamentos para a produção, na forma de geração emergencial de renda para a comunidade.
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Outro avanço no movimento foi a formação de vários núcleos em 8 cidades do interior do Estado, com mais de 1,5 mil pessoas participando de alguma atividade do MTD, além de contatos em 20 municípios, para a organização de mais núcleos. A organização em nível estadual vem se dando com uma coordenação estadual, composta por pessoas representantes de núcleos e setores já constituídos, como: setor de trabalho, educação e formação, animação e mística e setor de finanças. Em nível nacional, há contatos de diferentes regiões e Estados, com possibilidades de organização de trabalhadores desempregados para uma luta nacional por trabalho, crédito e renda. O que falta, segundo a coordenação, é “perna”, recursos financeiros e materiais para ampliar o debate por várias regiões do país. Há perspectivas de crescimento e unificação de lutas em torno de uma bandeira com símbolo forte na busca do trabalho, incluindo outros trabalhadores de outros países da América Latina e, nas duas recentes edições do Fórum Social Mundial, firmaram-se os primeiros contatos com lideranças nacionais e internacionais nesse sentido. Esse trabalho, além de descrever e registrar essa novíssima formação de mais um movimento social urbano, articulado com o meio rural e suas respectivas formações político-sociais, em função do assentamento rururbano, deve apontar para possibilidades, ou não, de políticas públicas para esse tipo de público. Analisando a situação das famílias, a partir de um pequeno questionário com dados básicos, aplicado numa amostra de famílias, pode-se perceber e retirar alguns elementos para as considerações finais deste artigo, asseverações e inferência sobre a construção de um novo movimento social e de um primeiro assentamento de novo tipo, denominado rururbano, no Estado do Rio Grande do Sul. Com relação à origem das famílias entrevistadas, percebe-se que a grande maioria é oriunda ou nascida em várias cidades pequenas e médias do interior do Estado, migrando para as cida-
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des da região metropolitana de Porto Alegre já há alguns anos, variando de 3 a 8 anos, onde viviam de trabalho temporário sem carteira assinada e de biscates para sobreviver na periferia da cidade, morando em sub-habitações, sem perspectivas de vida para si e para a família. É consenso que as migrações se deram em busca de melhores condições de vida na cidade grande, visto que a cidade de origem não oferecia mais condições de trabalho para sobrevivência. Atraídos por parentes que já haviam migrado, ou por ouvirem falar que nas cidades perto de Porto Alegre há emprego, as pessoas se aventuram em busca de soluções. As razões por que se mobilizaram no MTD foram as de terem esperança e perspectivas de se organizar em movimento, para construir uma vida digna para a família. As pessoas se mobilizaram porque alguém foi até elas com uma proposta de organização e conquista do seu futuro. Antes, nenhuma outra organização ou movimento as havia contatado, para convidá-las ou convencê-las a fazer luta por trabalho. Foi unânime a afirmação das pessoas que hoje vivem e participam do primeiro assentamento rururbano do Rio Grande do Sul, o Belo Monte, de que estão em melhores condições do que antes de sua adesão ao MTD. Entretanto, ainda estão longe da vida idealizada na cabeça de cada um, que vem, no dia-a-dia, sendo construída no seu mundo imaginário, mesmo sem conhecer direito a nova realidade em que estão envolvidas e sem saber no que isso realmente vai dar. Contudo, há uma grande esperança, na maioria dos casos, de um futuro digno para todos, apesar de terem experimentado algumas desilusões e desencantamentos iniciais, em função das disputas, brigas e desavenças internas que vêm ocorrendo, o que é normal num processo como esse. A perspectiva para o futuro, próprio e dos filhos – que são muitos –, é a de construírem um mundo melhor.
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BIBLIOGRAFIA ALTIERI, M. (1998). Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS. FEE – Fundação de Economia e Estatística/Secretaria de Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul (2002). Um século de população do Rio Grande do Sul – 1900-2000. Edição em CDRom. FERNANDES, Bernardo Mançano (2000). A formação do MST no Brasil. Porto Alegre: Vozes. GUTERRES, Enio e THIES, Vanderlei F. (2001). “Problemas da estrutura fundiária no Rio Grande do Sul”. Cadernos de Textos da Conferência Estadual de Reforma Agrária, Porto Alegre, pp. 9-14. GUIVANT, Julia S. (1996). “Heterogeneidade de conhecimentos no desenvolvimento rural sustentável”. Artigo, parte do trabalho de pósdoutorado, realizado na Wegeningen Agricultual University, Holanda. GUIVANT, Julia S. et alli (1998). Conflitos e negociações nas políticas de controle ambiental. O caso da suinocultura em Santa Catarina. Plano de Desenvolvimento do Assentamento Rururbano Belo Monte. Escritório Regional da Emater de Porto Alegre e Escritório Municipal da Emater de Guaíba (2002). Programa Estadual de Reforma Agrária (2000). Rio Grande do Sul. Projeto de Assentamento Rururbano (2001). Porto Alegre/RS. Programa Social: Coletivos de Trabalho (2001). Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social. Rio Grande do Sul. RAMOS, Ieda Cristina Alves e outros (2002). “Os desafios da reforma agrária no RS: implantação do Projeto de Assentamento de Novo Tipo Rururbano”. Texto não publicado. Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 2002.
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CATÁLOGO EXPRESSÃO POPULAR 1. REALIDADE BRASILEIRA História das idéias socialistas no Brasil – Leandro Konder .................... R$ 15,00 Belo Monte – uma história da guerra de Canudos – José Rivair Macedo e Mário Maestri ................................................ R$ 10,00 Mato, palhoça e pilão – o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes (1532-2004) – Adelmir Fiabani ........................... R$ 18,00 É preciso coragem para mudar o Brasil – Entrevistas do Brasil de Fato – José Arbex Jr. e Nilton Viana (orgs.) ............................................. R$ 13,00 A linguagem escravizada – língua, história, poder e luta de classes Florence Carboni e Mário Maestri .................................... R$ 10,00 Tiradentes, um presídio da ditadura – memórias de presos políticos Alípio Freire, Izaías Almada, J. A. de Granville Ponce (orgs.) .................. R$ 10,00 Morte e vida Zeferino – Henfil e humor na revista Fradim – Rozeny Seixas ........ R$ 8,00 Dossiê Tim Lopes – Fantástico Ibope – Mário Augusto Jakobskind .............. R$ 10,00
2. CLÁSSICOS Clássicos sobre a revolução brasileira – Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes .... R$ 10,00 Reforma ou revolução? – Rosa Luxemburgo ............................ R$ 8,00 Sobre a prática e sobre a contradição – Mao Tse-tung ...................... R$ 7,00 Fundamentos da escola do trabalho – M. M. Pistrak ....................... R$ 10,00 O papel do indivíduo na História – G. V. Plekhanov ....................... R$ 10,00 A nova mulher e a moral sexual – Alexandra Kolontai ..................... R$ 10,00 Lenin – coração e mente – Tarso F. Genro e Adelmo Genro Filho ............... R$ 10,00 A hora obscura – testemunhos da repressão política – Julius Fucik, Henri Alleg e Victor Serge ................................................. R$ 13,00 Estratégia e tática – Marta Harnecker ................................. R$ 10,00. Marx e o socialismo – César Benjamin (org.) ............................. R$ 10,00 Florestan Fernandes – sociologia crítica e militante – Octavio Ianni (org.) ......... R$ 18,00 Che Guevara – política – Eder Sader (org.) .............................. R$ 13,00 Gramsci – poder, política e partido – Emir Sader (org.) ...................... R$ 10,00 Trabalho assalariado e capital & Salário, preço e lucro – Karl Marx .............. R$ 10,00 Teoria da organização política I – escritos de Engels, Marx, Lenin, Rosa e Mao – Ademar Bogo (org.) ................................... R$ 15,00
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3. VIDA E OBRA Rosa Luxemburgo – Vida e obra – Isabel Maria Loureiro .................... R$ 7,00 Paulo Freire – Vida e obra – Ana Inês Souza (org.) ......................... R$ 13,00 O pensamento de Che Guevara – Michael Löwy ......................... R$ 10,00 Anton Makarenko – Vida e obra – a pedagogia na revolução Cecília da Silveira Luedemann ...................................... R$ 15,00 Florestan Fernandes – Vida e obra – Laurez Cerqueira ...................... R$ 10,00 Ruy Mauro Marini – Vida e obra – Roberta Traspadini e João Pedro Stedile (orgs.) ... R$ 13,00 Mariátegui – Vida e obra – Leila Escorsim .............................. R$ 15,00 Lenin e a revolução russa ......................................... R$ 13,00
4. VIVA O POVO BRASILEIRO Gregório Bezerra – um lutador do povo – Alder Júlio Ferreira Calado ............ R$ 3,00 Abreu e Lima – general das massas – Angelo Diogo Mazin e Miguel Enrique Stedile . R$ 3,00 Lima Barreto – o rebelde imprescindível – Luiz Ricardo Leitão ................. R$ 3,00 Luiz Gama – o libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin Mouzar Benedito ............................................... R$ 3,00 João Amazonas – um comunista brasileiro – Augusto Buonicore ............... R$ 3,00 Luiz Carlos Prestes – patriota, revolucionário, comunista – Anita Leocádia Prestes ... R$ 3,00 Marçal Guarani – a voz que não pode ser esquecida – Benedito Prezia .......... R$ 3,00 Roberto Morena – o militante – Lincoln de Abreu Penna .................... R$ 3,00 5. IMPERIALISMO Imperialismo & resistência – Tariq Ali e David Barsamian .................... R$ 12,00
6. AMÉRICA LATINA Políticas agrárias na Bolívia (1952-1979) – reforma ou revolução? Canrobert Costa Neto ............................................ R$ 10,00 Rebelde – testemunho de um combatente – Fernado Vecino Alegret ........... R$ 6,00 Rumo à Sierra Maestra – os diários inéditos da guerrilha cubana Che Guevara e Raúl Castro ........................................ R$ 10,00 EZLN - Passos de uma rebeldia ...................................... R$ 10,00
7. LITERATURA A mãe – Máximo Gorki .......................................... R$ 15,00 Contos – Jack London ........................................... R$ 10,00 Assim foi temperado o aço – Nikolai Ostrovski ........................... R$ 18,00 Os mortos permanecem jovens – Anna Seghers .......................... R$ 20,00
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Week-end na Guatemala – Miguel Ángel Astúrias ........................ R$ 13,00 Aqui as areias são mais limpas – Luis Adrián Betancourt .................... R$ 13,00 Poesia insubmissa afrobrasileira – Roberto Pontes ......................... R$ 10,00
8. ESTUDOS AGRÁRIOS A história da luta pela terra e o MST – Mitsue Morissawa ................... R$ 20,00 Pedagogia do Movimento Sem Terra – Roseli Salete Caldart .................. R$ 15,00 MST ESCOLA – Documentos e estudos 1990-2001 – Setor de Educação do MST ... R$ 15,00 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL – João Pedro Stedile (org.) - Volume I – O debate tradicional: 1500-1960 ........................... R$ 13,00 - Volume II – O debate na esquerda: 1960-1980 .......................... R$ 13,00 - Volume III – Programas de reforma agrária: 1946-2003 .................... R$ 13,00
10. DEBATES & PERSPECTIVAS Tecnologia atômica – a nova frente das multinacionais – ETC Group ............ R$ 8,00
11. TRABALHO E EMANCIPAÇÃO O ano vermelho – a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil Luiz Alberto Moniz Bandeira ....................................... R$ 18,00 A dialética do trabalho – escritos de Marx e Engels – Ricardo Antunes (org.) ...... R$ 10,00 Toyotismo no Brasil – desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência Eurenice de Oliveira ............................................. R$ 13,00 Marx e a técnica – um estudo dos Manuscritos de 1861-1863 – Daniel Romero .... R$ 13,00 A liberdade desfigurada – a trajetória do sindicalismo no setor público brasileiro Arnaldo José França Mazzei Nogueira ................................. R$ 13,00 O trabalho atípico e a precariedade – Luciano Vasapollo .................... R$ 8,00 Trabalho e trabalhadores do calçado – Vera Lucia Navarro ................... R$ 13,00 O olho da barbárie – Marildo Menegat ................................ R$ 15,00 O trabalho duplicado – a divisão sexual no trabalho e na reprodução: um estudo das trabalhadoras do telemarketing – Claudia Mazzei Nogueira ............... R$ 13,00 O debate sobre a centralidade do trabalho – José Henrique Carvalho Organista .... R$ 13,00
12. REVOLTAS MILITARES A esquerda militar no Brasil – João Quartim de Moraes ..................... R$ 13,00 A rebelião dos marinheiros – Avelino Bioen Capitani ....................... R$ 13,00
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13. AGROECOLOGIA Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos ............................... R$ 13,00
14. ASSIM LUTAM OS POVOS História do socialismo e das lutas sociais – Max Beer ....................... R$ 22,00 Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971 – Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá ...... R$ 20,00
15. CADERNOS DE EXPRESSÃO POPULAR As tarefas revolucionárias da juventude – Lenin, Fidel e Frei Betto .............. R$ 6,00 As três fontes – Vladimir Lenin ..................................... R$ 6,00 A História me absolverá – Fidel Castro Ruz ............................. R$ 6,00 Sobre a evolução do conceito de campesinato – Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina ............................................. R$ 6,00
TEXTOS TEMÁTICOS O Consenso de Washington – a visão neoliberal dos problemas latino-americanos Paulo Nogueira Batista ........................................... R$ 3,00 Valores de uma prática militante – Leonardo Boff, Frei Betto, Ademar Bogo ....... R$ 3,00 História, crise e dependência do Brasil – Plinio Arruda Sampaio e João Pedro Stedile . R$ 3,00 A ofensiva do império e os dilemas da humanidade – Noam Chomski, Arundhati Roy e Samir Amin ....................................... R$ 3,00 O neoliberalismo ou o mecanismo para fabricar mais pobres entre os pobres ...... R$ 3,00 A política dos Estados Unidos para o mundo e o Brasil – Samuel Pinheiro Guimarães
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