Agroecologia E Acesso A Mercados

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AGROECOLOGIA E ACESSO A MERCADOS

Três experiências na agricultura familiar da região Nordeste do Brasil

AGROECOLOGIA E ACESSO A MERCADOS Três experiências na agricultura familiar da região Nordeste do Brasil

Didier Bloch Consultoria para a Oxfam/GB

Abril de 2008

Índice Resumo

5

Siglas

7

Introdução • O mercado, nova fronteira das ONGs rurais • Foco nos agricultores pobres, produzindo segundo o paradigma agroecológico • Comercialização da agricultura familiar, discussão de três experiências • Estrutura do texto

9 9 9 10 11

Primeira parte: produzir para comercializar

13

Contextualização

14 14 16 19 20 23 25

• O peso e a diversidade da agricultura familiar brasileira • De que agricultores familiares estamos falando aqui? • Alguns elementos da economia da agricultura familiar nordestina • Políticas públicas para a agricultura familiar • O contexto nacional e internacional: fatores favoráveis e desfavoráveis • As polarizações brasileiras

Três projetos na Região Nordeste do Brasil: a produção agroecológica gerando renda • O Programa Meio de Vida Sustentáveis da Oxfam • Avanços palpáveis: a produção agroecológica gerando renda • Um rápido balanço das três experiências

Agroecologia e acesso a mercados

27 27 30 42

Produzir na perspectiva agroecológica • A produção agroecológica • Um ambiente favorável para a produção agroecológica • Avanços e dificuldades na produção agroecológica • Lições para a sustentabilidade

Agregar valor à produção: desafios tecnológicos e organizacionais • Beneficiamento e processamento da produção em unidades de médio porte • Um duplo desafio: agregar valor a agregar gente • Avanços e dificuldades na transformação da produção

44 44 48 51 56 57 57 58 60

Segunda parte: vender sem se vender

64

A procura de mercados diferenciados

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• Lidar com o mercado para incrementar o fator “renda” na economia familiar • Acessar, enfrentar e desenvolver mercados • Evitar os mercados convencionais e os atravessadores • Procurar mercados diferenciados

Foco em três mercados: Orgânico, Institucional e justo • O mercado local das feiras orgânicas • O mercado institucional • O comércio justo do algodão • Os vários mercados do babaçu

Como vender sem se vende? as lições da prática • A dura realidade da economia de mercado • Equilíbrio e tensão entre o político, o econômico, o social e o ambiental • Desafios e nós organizacionais

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65 67 68 72 76 76 83 85 95 100 100 113 126

Gênero e mercado • O reconhecimento ainda limitado das mulheres na agricultura familiar nordestina • Gênero na família, nos grupos produtivos e nas organizações de mulheres • Maior força política, porém ganhos econômicos limitados para as mulheres • O mercado emancipa as mulheres? sim! ... e não!

135 135 136 137 141

Terceira parte - Além do local

145

Ampliar o raio de ação entre a a família e a comunidade

146

• Que futuro para os jovens? • Intensificação e expansão das iniciativas agroecológicas • Conquistas políticas

Novas políticas públicas na confluência da agricultura familiar, da agroecologia e da economia solidária • Agroecologia e economia solidária: objetivos comuns e estratégias complementares • SECAFES e SCJS: novas políticas públicas para a agricultura familiar e a economia solidária • Elementos adicionais de políticas de comercialização da agricultura familiar

145 148 152

155

155 162 166

Conclusão

172

Notas de fim

178

Referências bibliográficas

183

Anexo

189

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Resumo No Brasil, as organizações de agricultores e as ONGs de assessoria a trabalhadores rurais avançaram bastante no campo das tecnologias apropriadas e da produção agroecológica. Souberam também consolidar o espaço da ação não governamental e, partindo dessa base mais firme, superar o tabu da parceria com o Estado. Hoje, a bola da vez é o mercado. A comercialização da produção – in natura ou beneficiada – é certamente um dos maiores gargalos da agricultura familiar e representa um enorme desafio para os agricultores pobres da região Nordeste do Brasil. O presente trabalho discute a viabilidade da agricultura familiar com base na experiência acumulada em três projetos de comercialização da produção agroecológica, desenvolvidos pelas organizações ESPLAR, Diaconia e ASSEMA, apoiadas pelo Programa Meios de Vida Sustentáveis (PMVS) da OxfamGB. A primeira experiência, da ADEC – Associação de Desenvolvimento Cultural, de Tauá, no sertão cearense, assessorada pelo ESPLAR, lida com o comércio justo de algodão orgânico. A Segunda, da AAOEV - Associação dos Agricultores Agroecológicos Oeste Verde, no sertão do Rio Grande do Norte, assessorada pela Diaconia, visa o abastecimento de feiras locais e mercados institucionais com hortaliças. A terceira gira em torno da produção de óleo da palmeira babaçu pela COPPALJ - Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco, com assessoria da ASSEMA - Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão, cuja história é vinculada à luta de milhares de quebradeiras de coco babaçu. Essas três iniciativas fornecem a base empírica para discutir três modos de comercialização da produção agroecológica: o mercado local (feiras); o mercado institucional (a compra direta pelo governo) e o mercado justo internacional, com ou sem certificação orgânica.

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Este documento foi produzido, principalmente, a partir de visitas às três experiências de referência, efetuadas em setembro de 2007, e da leitura da documentação produzida no âmbito dessas experiências. Além disso, foram consultados estudos brasileiros recentes sobre a comercialização da produção agroecológica e diversas publicações relativas aos temas da agroecologia, da agricultura familiar e da economia solidária. O resultado é um amplo panorama, onde a sistematização da prática em suas etapas sucessivas – produção, transformação, comercialização, difusão da experiência – traz um volume importante de informações e reflexões. Trata-se também de um texto no qual o autor defende determinadas posições, levantando questões, por vezes polêmicas, com o intuito de alimentar debates. Uma das principais constatações do estudo é de que em todas as etapas existem sérias dificuldades. Apesar desses empecilhos, as três iniciativas mostram que é possível falar em viabilidade da produção agroecológica e da sua comercialização, no âmbito de experiências localizadas (grupos de produtores familiares ou de assentamentos). Sua viabilidade em escala maior fica, porém, na dependência de políticas públicas ainda incipientes e que, apesar da presença de forças favoráveis à agroecologia em instâncias governamentais, permanecem minoritárias.

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Siglas

AAOEV ADEC AMTR AMTR ANA ASA ASSEMA ATES BSC CEB CMDR CONAB COOPAESP COPPALJ EES EFR EMATER GAM GCO GIPAF IBD IBGE INCRA MAPA MDA

Associação dos Agricultores Agroecológicos Oeste Verde (no Rio Grande do Norte) Associação de Desenvolvimento Cultural (de Tauá) Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago do Rodrigues (MA) Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais (no Maranhão) Articulação Nacional de Agroecologia Articulação no Semi-Árido Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão Assessoria Técnica, Social e Ambiental (para assentamentos da reforma agrária) Bases de Serviço de Comercialização (no SECAFES) Comunidade Eclesial de Base Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Companhia Nacional de Abastecimento Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis (Maranhão) Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (Maranhão) Empreendimento Econômico Solidário (no SECAFES) Empreendimento Familiar Rural (no SECAFES) Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (do Governo Federal) Grupo Agroecologia e Mercado (vários municípios do sertão cearense) Grupos de Consumidores Organizados (no SECAFES) Grupo de Interesse em Pesquisa para Agricultura Familiar Instituto Biodinâmico Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério do Desenvolvimento Agrário

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MDA/SDT MIQCB MST NEAD ONG OXFAM GB P1MC PAA PMVS PNPB PNRA PNUD POM PRONAF SCJS SECAFES SENAES/MTE STR

Secretaria de Desenvolvimento Territorial do MDA Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu Movimento dos Sem Terra Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (do MDA) Organização Não Governamental Oxfam Grã-Bretanha Programa Um Milhão de Cisternas (da ASA) Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos (do Governo Federal) Programa Meios de Vida Sustentáveis da Oxfam GB Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (do Governo Federal) Programa Nacional de Reforma Agrária Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Programa de Organização da Mulher Quebradeira (da Assema) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário Sistemas Estaduais de Apoio à Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

TAXA MÉDIA DE CÂMBIO EM FEVEREIRO DE 2008: 1,00 U$ = R$ 1,75

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Introdução O mercado, nova fronteira das ONGs rurais As ONGs de assessoria a trabalhadores rurais, os movimentos sociais e os agricultores familiares caminharam muito nas duas últimas décadas. Depois de desenvolver, testar e difundir uma série de tecnologias apropriadas para a agricultura familiar; depois de concretizar na prática o paradigma agroecológico; depois de superar o tabu da colaboração com o Estado – herança dos anos de ditadura e de um modelo de desenvolvimento centralizador e verticalizado – chegou a hora de enfrentar o mercado e suas areias movediças habitadas por seres pouco freqüentáveis... Ainda são poucas as ONGs que resolveram desbravar esse universo complexo e fazer da comercialização um eixo prioritário de seu trabalho. Essa situação pode mudar rapidamente como atesta, por exemplo, o número cada vez maior de discussões vinculando economia solidária com agricultura familiar e agroecologia. O que fala mais alto aqui é a força da necessidade: a comercialização é um assunto incontornável e muitas perguntas permanecem sem respostas satisfatórias. Onde vender os excedentes das culturas de subsistência? Como lidar com os “atravessadores”? De que maneira introduzir novas culturas de renda? Criar um mercado local diferenciado para a produção orgânica é sempre possível? Vale a pena procurar outros mercados mais distantes? O comércio justo é uma opção viável para todos? Até que ponto é possível atuar fora da economia capitalista?

Foco nos agricultores pobres, produzindo segundo o paradigma agroecológico. Entre as várias categorias de agricultores familiares vamos tratar aqui do maior e mais pobre contingente, indagando sob que condições seu acesso ao mercado é possível, quais os avanços e os obstáculos para tanto, e até que ponto esse acesso é sustentável.

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A produção de que vamos falar não é meramente “orgânica”. O tema aqui é a produção “agroecológica”, muito mais exigente em termos ambientais, sociais e políticos. Para os agricultores que a praticam e as ONGs que a promovem, a agroecologia representa um verdadeiro projeto de transformação social. Não se trata apenas de trocar um modo de produção por outro mais saudável. A produção agroecológica ainda conta com um número reduzido de praticantes e, logo, um volume de produção também reduzido. Segundo seus defensores, trata-se, porém, do único paradigma de desenvolvimento agrícola sustentável neste mundo em que importantes indicadores ambientais estão no vermelho.

Comercialização da agricultura familiar: discussão de três experiências Não nos propomos fazer a síntese exaustiva do estado da arte ou das reflexões já produzidas sobre o tema da comercialização da produção da agricultura familiar. Este não é um estudo teórico e, sim, a visão de um jornalista que, a pedido da OXFAM-GB, foi a campo em setembro de 2007, a fim de colher informações e de sistematizar três experiências de comercialização da agricultura familiar agroecológica. Essas experiências constituem o âmago deste trabalho. Dentre os trabalhos recentes sobre a comercialização da produção da agricultura familiar, muitos poucos versam sobre a comercialização da produção agroecológica. Mesmo assim, essas poucas referências1 examinam a questão sob ângulos variados (empreendorismo, economia solidária...) e foram suficientes para as necessidades do presente estudo. As três experiências visitadas fazem parte do Programa Meios de Vida Sustentáveis (PMVS) da OXFAM-GB no Brasil, que apoiou essas e outras iniciativas na região semi-árida do Nordeste do Brasil entre os anos 2000 e 2007. O texto é produto da sistematização dessas três experiências, do diálogo com os responsáveis pelo PMVS na Oxfam e de consultas da literatura. Pedimos também aos responsáveis pelas três iniciativas em foco uma revisão das informações que lhes dizem respeito. Além disso, é preciso agradecer a Guillermo Gamarra, que dedicou parte de seu

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precioso tempo na revisão do documento. Mesmo assim, o texto final, de inteira responsabilidade do autor, não reflete necessariamente as opiniões da Oxfam e, menos ainda, de quem aceitou generosamente fazer a leitura crítica.

Estrutura do texto O estudo oferece um amplo panorama que sistematiza a prática em suas etapas sucessivas – produção, transformação, comercialização, difusão das experiências – e levanta questões, por vezes polêmicas, ultrapassando o estrito âmbito das três experiências. Os boxes inseridos no texto principal fornecem informações complementares e sintetizam teorias suscetíveis de alimentar a reflexão. Em diversos momentos, o autor toma também deliberadamente partido, com o intuito de provocar debates sobre questões ainda insuficientemente discutidas. Depois de tratar da agricultura familiar em geral, a primeira parte apresenta rapidamente as três experiências sistematizadas e, nesta base, inicia a discussão sobre a produção agroecológica e seu eventual beneficiamento ou processamento. O caminho fica então aberto para, na segunda parte, abordar efetivamente o acesso aos mercados, focando mais especificamente três dentre eles: orgânico, institucional e justo. A prática da comercialização mostra que, quem ambiciona “vender sem se vender”, deve sempre levar em consideração as duras realidades econômicas e procurar equilibrá-las com aspectos políticos, sociais e ambientais. Nesta segunda parte, são também destacados dois grandes temas: os desafios organizacionais da comercialização e as relações entre gênero e mercado. A terceira e última parte amplia a reflexão além do âmbito local e atual, indagando sobre o futuro dos jovens agricultores, a expansão das iniciativas agroecológicas e as conquistas políticas. O destaque é a atual tentativa de construção de políticas públicas na confluência da agricultura familiar, agroecologia e economia solidária.

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Concluímos que a produção agroecológica e a sua comercialização são viáveis no âmbito de experiências localizadas de grupos e assentamentos de produtores familiares. Mas a viabilidade em escala maior fica na dependência de políticas públicas ainda incipientes e que, apesar da presença de forças favoráveis à agroecologia em instâncias governamentais, permanecem minoritárias. O Brasil ainda não está se enxergando como o gigante ambiental que, de fato, é. Continua se pensando como gigante econômico, que estimula o desenvolvimento agrícola predatório, e consolida um contexto institucional no qual, a curto prazo, a agroecologia pode sobreviver, porém, terá muita dificuldade para crescer.

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PRIMEIRA PARTE: produzir para comercializar

Contextualização O peso e a diversidade da agricultura familiar brasileira Metade da população do planeta é rural, e a agricultura ainda é a principal atividade nas regiões mais pobres. No Brasil, onde houve entre os anos 50 e 80 importantes fluxos de migração interna rumo às cidades, cerca de 20% da população vive hoje em áreas rurais. Sobretudo, o setor agropecuário desempenha um papel central na economia brasileira, uma vez que representa 33% do PIB nacional e dois terços dos excedentes comerciais do país2. É comum dividir a agricultura brasileira em dois segmentos opostos. Por um lado, a agricultura “patronal” ou “empresarial”. Por outro, a agricultura familiar, onde “a propriedade, a gestão e a maior parte do trabalho vêm de pessoas que mantêm entre si vínculos de sangue ou de casamento”3. Feito esse recorte, um estudo da Universidade de São Paulo mostrou que: “o segmento familiar da agropecuária brasileira e as cadeias produtivas a ele interligadas responderam, em 2003, por 10,1% do PIB brasileiro, o que equivale a R$157 bilhões em valores daquele ano. Tendo em vista que o conjunto do agronegócio nacional foi responsável, nesse ano, por 30,6% do PIB, fica evidente o peso da agricultura familiar na geração de riqueza do país”. O mesmo estudo destaca também o fato de que a agricultura familiar representa “a base de importantes cadeias de produtos protéicos de origem animal”, sendo até majoritária no caso dos suínos (59% do PIB da cadeia), do leite (56%) e das aves (51%). É preciso ainda destacar que a agricultura familiar, apesar de possuir apenas 30% das terras, ocupa 75% da população agrícola ativa e produz 60% dos alimentos consumidos no país. Ou seja, é equivocada a imagem “de uma agricultura familiar descrita como um setor pouco produtivo, limitado ao abastecimento do mercado local.5”

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Dentro da própria agricultura familiar, teríaos também, num extremo, a agricultura familiar tecnificada e integrada à agroindústria, participando de “cadeias estratégicas para a consolidação do sistema agroalimentar urbano (lácteos, aves/suínos)” e das dinâmicas de exportação6. No outro extremo, encontraríamos a família camponesa pobre, a mercê das variações climáticas e econômicas, mal produzindo o suficiente para a própria subsistência. A primeira, mais “moderna” e dinâmica, se encontraria em sua maioria no Sul e Sudeste do país, enquanto a outra, mais tradicional, seria típica das regiões Norte e Nordeste. Esse retrato corresponde parcialmente à realidade. Mais da metade dos 4,14 milhões de estabelecimentos familiares brasileiros, “os 2,8 milhões correspondentes aos segmentos mais pobres, produzem apenas 7,7% do valor bruto da produção agropecuária”7. Além disso, “de fato, os agricultores familiares do Sul concentram metade dos créditos destinados à agricultura familiar do país, 47% dos agricultores familiares do Sul utilizam assistência, e somente 2,7% no Nordeste”. Mas, para Sabourin, esta tripla dicotomia (patronal/familiar, moderna/tradicional, Sul/Norte), por demais caricatural, esconde uma realidade muito mais heterogênea. “Apaga a diversidade das situações locais em termos de estruturas, de capacidades de acesso aos mercados, ao crédito, à capacitação e à inovação, num contexto de abandono da educação rural e de falta de recursos da extensão rural. Subestima a fragilidade e as flutuações rápidas e freqüentes do mercado capitalista das grandes cadeias (leite, cereais, tubérculos). Ignora a herança de vários sistemas camponeses locais que garantem ainda a reprodução das unidades familiares graças à autonomia (dos insumos externos, do mercado capitalista, dos financiamentos públicos) e a flexibilidade de adaptação às demandas de mercados diversificados ou de proximidade”8. Além do mais, para esse mesmo autor, quando se trata de agricultura familiar é preciso examinar os números com muito cuidado, já que “as estatísticas oficiais e os estudos de cadeia não levam em conta o papel do autoconsumo e da redistribuição não monetária e não mercantil na consolidação da segurança alimentar”. Essa visão, limitada ao mercado capitalista de grande

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porte, também “ignora os efeitos positivos dos circuitos curtos (venda direta, feiras locais, mercados dos produtores e feiras agroecológicas)”, especialmente para o abastecimento das pequenas e médias cidades, que representam 90% dos municípios brasileiros9.

De que agricultores familiares estamos falando aqui? O presente estudo trata de agricultores familiares que vivem em três áreas pobres do Nordeste do Brasil. Duas delas ficam no Sertão, extensa região semi-árida com mais de 20 milhões de habitantes. A terceira fica no Estado do Maranhão, numa região de transição entre o Sertão e a Amazônia. Em cada uma dessas três áreas a situação dos agricultores pode variar bastante. Algumas famílias estão realmente em situação muito precária, enquanto outras, sem serem ricas, dispõem de recursos suficientes para viver dignamente. A grande maioria produz de forma autônoma, mas algumas trabalham ou já trabalharam de forma integrada com a agroindústria (ver o caso do fumo no box abaixo). A maioria também é dona de suas terras, seja em pequenas propriedades particulares, seja em assentamentos da reforma agrária. Mas as quebradeiras maranhenses catam em terras alheias a maior parte do coco babaçu que vendem para a cooperativa. Nas três experiências, a produção familiar pode ser comercializada in natura ou beneficiada e, como veremos adiante, os tipos de mercados são também dos mais diversos. Em síntese, mesmo na pequena amostra aqui considerada, é grande a heterogeneidade de situações. É preciso ressaltar, porém, que, diferentemente do Sul do Brasil, são muito poucas as cooperativas rurais econômica e politicamente bem sucedidas na região Nordeste. Assim, a COPPALJ, cooperativa de óleo de babaçu de Lago do Junco, no Maranhão, e a ADEC, associação de comercialização do algodão orgânico de Tauá, no sertão do Ceará – duas das três experiências aqui focadas – podem ser consideradas como exceções na região Nordeste. Ao contrário, a terceira experiência, no Rio Grande do Norte, aproveita e reformula uma tradição muito antiga na região, que é a feira local.

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Agricultura familiar integrada com o agronegócio: cada vez menos renda de forma cada vez mais insustentável No Estado do Rio Grande do Norte, como em todo o Brasil, a quase totalidade do fumo é produzida pela agricultura familiar “integrada” à agroindústria. No Rio Umari, na área de atuação da Diaconia, cerca de cem famílias estão produzindo fumo para uma grande empresa, a Souza Cruz, que exige contratos de três anos, financia o sistema de irrigação, fornece as sementes e compra a totalidade da produção. Mesmo assim, segundo a equipe da Diaconia, “muita gente está querendo sair do fumo e vem buscar nossa assistência técnica.” A razão é sanitária – pois muita gente ficou doente com as altas quantidades de veneno usadas no plantio – mas é também econômica. Por um lado, o fumo tem altos custos: o equipamento de irrigação custa 18 mil reais, é preciso contratar muita mão-de-obra, os insumos são caros, e as bombas gastam muita energia elétrica. Por outro lado, o preço do fumo depende da sua qualidade, determinada pela própria Souza Cruz. Lázaro, que já cultivou 2,5 hectares de fumo irrigado durante oito anos, diz que não compensa mais: “Antes um quilo de fumo pagava uma diária. Hoje a diária custa 15 reais, e o quilo de fumo nove reais.” Graças à assistência técnica da Diaconia, numa área menor, Lázaro ganha mais plantando hortaliças e frutas. Com um kit de irrigação mais simples, mão-de-obra exclusivamente familiar e custos muito mais baixos, consegue receitas da ordem de mil reais mensais vendendo nas feiras. Ou seja, o novo negócio é mais saudável, mais simples e mais rentável que o fumo. Para Ricardo Abramovay, a integração pode até ainda oferecer vantagens econômicas, mas é social, ambiental e até eticamente pouco sustentável. .“A integração agroindustrial oferece tanto à indústria como aos agricultores um horizonte de estabilidade, respectivamente, de oferta e de renda. Além disso, os agricultores integrados encontram maiores facilidades de acesso a créditos bancários

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exatamente por esta estabilidade. Mas existem aí sérios problemas. No caso do fumo, além dos problemas que se ligam à saúde pública, estão os problemas ambientais e as próprias condições de trabalho que fazem com que a fumicultura seja sempre encarada como um mal necessário, uma espécie de acumulação primitiva, pela qual o produtor tem de passar para mudar outras atividades. Os dados da agenda 21 mostram que o uso de agrotóxicos na produção de fumo vem aumentando ano a ano. Com relação a suínos e aves, alguns dos problemas ambientais mais graves começam a ser enfrentados no Brasil, mas nem se discute um tema fundamental hoje na Europa que é o bem estar animal. A integração vertical fornece um produto estandartizado, massificado e é bem provável que – da mesma forma que nos países desenvolvidos – o consumo se dirija para gêneros de qualidade cujos atributos ambientais façam parte dos fatores que influem a decisão do consumidor”10. John Wilkinson, especialista em mercados agrícolas, observa por sua vez que, se a integração vertical da agricultura familiar com o “agronegócio” permanece crucial, ela vai perdendo sua força.. “... a re-localização espacial, os efeitos de escala e os novos standards de qualidade mínima têm fragilizado a participação da agricultura familiar em commodities chaves tanto para o mercado doméstico como de exportação – aves, suínos, leite. As mesmas tendências parecem prevalecer também no caso de produtos frescos vendidos diretamente às redes de varejo. Assim, a participação da agricultura familiar tradicional como elo agrícola até privilegiado nas cadeias agroindustriais, embora ainda relevante em muitos casos e até predominante em outros como o fumo, diminuiu em importância nas últimas duas décadas. Ao mesmo tempo, com o aumento de importância de produtos não-tradicionais de exportação – carcinocultura, frutas e hortaliças, flores – os agronegócios estão sendo organizados mais em torno de assalariamento do que em relações contratuais com a agricultura familiar. A expansão da cana-de-açucar e a renovação da cadeia do café reforçam essa mesma tendência”11.

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Alguns elementos da economia da agricultura familiar nordestina Refinando um pouco mais o retrato da agricultura familiar nordestina, pegamos emprestado do Projeto Sertão12 a descrição do modo de produção dos estabelecimentos familiares no semi-árido brasileiro. Essa descrição vale também para a área do Maranhão onde a ASSEMA atua. Mesmo com taxas de precipitações bem mais altas, ali, como no Sertão, são duas estações: – o “verão” seco, sem chuva durante mais da metade do ano; e o “inverno” chuvoso. Nessas duas estações, existem cinco fontes de renda principais: § A agricultura centrada em culturas cruciais para a alimentação familiar e facilmente comercializáveis (feijão, milho, mandioca...) e numa cultura anual comercializável (algodão, castanha de caju, mamona, etc.) § A criação de animais (bovinos, caprinos, ovinos, aves de quintal) menos vulnerável às variações climáticas e que desempenha o papel de poupança para fazer face aos momentos de maior vulnerabilidade. § As atividades extrativistas (madeira, pedras, coco babaçu...) para uso da família e geração de renda. § O trabalho temporário em atividades agrícolas nas fazendas dos arredores. § As migrações sazonais durante o verão seco, em direção às áreas urbanas (serviços domésticos para as mulheres, serviços pouco qualificados para os homens) ou rurais (fruticultura irrigada, por exemplo). Outro elemento essencial na economia familiar nordestina são os “anos ruins” de seca no sertão. São anos (e, por vezes, vários anos seguidos) em que as chuvas de inverno são insuficientes ou

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irregulares demais. O maior problema, porém, não é o clima em si. É a fragilidade da estrutura econômica. Como diz a economista Tânia Bacelar, o problema da seca começa nos anos bons: “Nos anos de chuva regular, os pequenos produtores, rendeiros e parceiros produzem mas não conseguem acumular. Descapitalizados ao final de cada ciclo produtivo, são incapazes de enfrentar um ano seco”13. O acesso ao mercado, desses agricultores mais vulneráveis, é precário. Ele se dá através das feiras e pelo intermédio dos “atravessadores” que compram a produção a preço baixo diretamente nas comunidades. Outra prática comum é a venda em “cantinas” (ou “barracões”), onde a produção pode ser trocada por mercadorias.

Políticas públicas para a agricultura familiar Os agricultores familiares são o alvo de diversos programas governamentais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), um programa de crédito cujos recursos aumentaram muito no Governo Lula; o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que avança muito lentamente, mas conheceu melhorias qualitativas interessantes em termos de assistência técnica e de educação; o Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos (PAA), sistema eficiente de compra direta da produção, porém dotado de verbas muito limitadas; e, mais recentemente, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), muito controvertido, que visa “integrar agricultores familiares à oferta de biocombustíveis e, por aí, contribuir ao fortalecimento de sua capacidade de geração de renda”14. Os dois principais programas, o PRONAF e o PNRA, também procuram inserir os agricultores familiares pobres nos mercados. Um dos problemas é que, “na maioria das vezes, o acesso a ativos (terra, crédito e transferências diretas de renda) não consegue romper com as formas tradicionais de inserção nos mercados que caracteriza a pobreza”15.

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Por outro lado, políticas estruturais de grande alcance estão mudando aos poucos a realidade rural. É o caso, entre outros, dos programas Luz para Todos (eletrificação rural), Saúde da Família (com ações preventivas nas comunidades), e alguns programas de educação de jovens e adultos (em particular, iniciativas inéditas em assentamentos da reforma agrária). Mas a principal marca social do Governo Lula é, sem dúvida, o programa Fome Zero, cuja parte mais visível, o “BolsaFamília”, atinge milhões de famílias através da transferência direta de renda. Somando-se à aposentadoria (que, nas famílias pobres, representa uma fonte regular e importante de ingressos monetários), o Bolsa-Família tirou da miséria milhões de famílias urbanas e rurais em poucos anos. Sem negar a importância dessas políticas sociais e, menos ainda, do princípio de redistribuição da riqueza pelo Estado, não podemos deixar de falar de seus efeitos colaterais. As transferências de renda, junto com os salários pagos pelas prefeituras do interior, configuram o que Maia Gomes chama de “uma economia sem produção”16, que seria muitas vezes superior à economia mais “moderna” nos sertões (somando a agricultura irrigada, a indústria de calçados e têxteis, a soja, e, até, a maconha...). Maia Gomes mostra também que “a capacidade multiplicadora das transferências públicas de renda é muito pequena: além de contribuir (de forma precária) à sobrevivência da população (...), dinamizam o comércio local e as feiras, mas são lentas em estimular novas atividades produtivas.” As análises que recolhemos nas três experiências visitadas indicam que as políticas compensatórias podem até, em alguns casos, desestimular as atividades produtivas. A escolha das famílias é bastante racional: por que trabalhar horas e dias a fio no sol escaldante do sertão, se o governo fornece mensalmente o suficiente para sobreviver? Quando isso ocorre, representam um obstáculo para as Ongs e associações que procuram incentivar a agroecologia – que oferece retornos bons, porém lentos e limitados, e é bastante exigente em termos de tempo, conhecimentos, esforços e cuidados.

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Uma das questões de fundo, segundo Sabourin, é que, apesar dos avanços recentes com o PRONAF no Governo Lula, ainda prevalece uma política de apoio produtivo a uma agricultura familiar de tipo europeu, isto é, à empresa familiar integrada às cadeias do mercado capitalista, reservando o apoio social aos segmentos menos ligados a esse tipo de mercado (parte da reforma agrária, da agricultura familiar diversificada ou camponesa). “A tendência é dar a prioridade dos apoios produtivos aos agricultores capazes de se integrar ao mercado capitalista, e de reservar um tratamento social (Bolsa-Família, ajuda alimentar) aos segmentos menos dependentes do mercado capitalista, em nome da luta contra a pobreza”17. Por outro lado, se é verdade que essas políticas aquecem a demanda, nem sempre beneficiam a produção local. Assim, no âmbito do Fome Zero, “os 50 reais mensais distribuídos às famílias pobres (....) não viram em dinheiro, mas na forma de um cartão magnético de uso limitado aos supermercados conectados às redes bancárias. Essa medida só fez aumentar a compra de alimentos e produtos manufaturados provenientes da agricultura empresarial e não da produção local...”18 Sabourin alerta, então, para o perigo de uma visão dicotômica herdada das agências multilaterais, levando a “uma disjunção entre políticas sociais e políticas produtivas, contrária ao princípio tripartite do desenvolvimento sustentável (equilíbrio entre social, econômico e ambiental). Esses enfoques (previdência, aposentadoria rural, bolsa alimentação, bolsafamília) reduzem o econômico ao princípio do acesso das populações rurais pobres ao mercado capitalista e mantêm sua dependência dos supermercados e das firmas agroalimentares.”

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O que fazer, então, se as políticas compensatórias têm efeitos perversos e se as políticas de incentivos à produção para os mais pobres não conseguem mudar o quadro da comercialização, até então desfavorável aos pequenos agricultores? Abramovay destaca “a importância crescente do trabalho das ONGs”, deplorando ao mesmo tempo que não tenha “a amplitude capaz de reverter esse quadro, embora ofereça lições decisivas para as próprias políticas públicas.” Esta é precisamente a idéia que motiva o presente estudo: tirar as lições da prática de três iniciativas de comercialização. Falaremos também, na parte final, de novas políticas governamentais, destinadas a fomentar a comercialização da produção da agricultura familiar dentro da perspectiva da economia solidária e da agroecologia.

O contexto nacional e internacional: fatores favoráveis e desfavoráveis Para finalizar esta contextualização, é preciso ressaltar o crescimento extremamente rápido da agricultura empresarial no Brasil, que provavelmente tornar-se-á o primeiro exportador mundial de produtos agrícolas dentro de poucos anos. Essa onda de crescimento, alimentada em boa parte pelo mercado dos biocombustíveis (a cana-de-açúcar brasileira é econômica e ambientalmente bem superior a outras plantas como o milho, o trigo ou a beterraba) e do biodiesel (obtido a partir de mamona, dendê, girassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja), já tem efeitos diretos sobre a agricultura familiar. É verdade que há uma real preocupação do governo em incluir a agricultura familiar no Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). É verdade também que o governo incentiva o agricultor a, por exemplo, associar a mamona com culturas de subsistência como o feijão ou milho. Existe, mesmo assim, uma polêmica quanto a saber se a produção de mamona (ou de pinhão ou de dendê) para biodiesel se dá ou não em detrimento da produção alimentar. Para não prejudicar a diversidade e a sustentabilidade da agricultura familiar, seria preciso, na prática, a presença maciça de assistência especializada em sistemas integrados de produção de alimentos e energia19, o que é muito distante da realidade de assistência técnica e extensão rural no Brasil.

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Por outro lado, agricultores e grandes investidores brasileiros e estrangeiros estão comprando imensas extensões de terras para plantar soja, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar, expulsando famílias e criando “desertos verdes”, social e ambientalmente insustentáveis. Um dos casos mais gritantes ocorreu na Amazônia, com a expansão fulgurante da soja em Santarém, onde, “em 2000, o hectare de terra valia cerca de R$70,00 e, hoje [2006], custa até R$2.000,00. (...) Muitos moradores, ou foram expulsos, ou ficaram animados com as ofertas dos empresários do sul do país e venderam suas terras. Sem terra, a opção é ir para a cidade, para a beira de estrada ou para lugares bem distantes. Os que permanecem, em pouco tempo, estão cercados de uma paisagem bem diferente, de solos nus, onde antes havia mata”20. Na região Nordeste, ocorre o mesmo com a expansão do eucalipto no Espírito Santo, da soja no Piauí e do algodão na Bahia. Essa nova onda da “Revolução Verde” é também acompanhada pela difusão dos transgênicos. “A soja transgênica entrou ilegalmente no Brasil, trazida de contrabando da Argentina (...). A ausência do Estado tornou a contaminação pelos transgênicos uma estratégia bastante eficaz.” O mesmo ocorreu com o algodão, o que, como veremos adiante, pode criar sérios problemas de contaminação da produção nordestina, acabando com a possibilidade de certificação agroecológica. Dito isso, o cenário nacional e internacional apresenta também outra face, bastante favorável para os agricultores familiares. O crescimento vertiginoso do consumo de produtos orgânicos, tanto no exterior como no Brasil é uma boa notícia. Tem repercussão positiva, não apenas para quem consegue se organizar para exportar (caso do algodão e do óleo de babaçu nas organizações pesquisadas), mastambém para quem vende verduras e frutas nas feiras de pequenos municípios nordestinos. Com efeito, a mídia tem divulgado de várias formas os benefícios dos alimentos

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orgânicos e, em pouco tempo, os hábitos de consumo mudaram, inclusive nos lugares mais remotos. Por outro lado, o comércio justo e solidário está crescendo rapidamente no exterior e também, se bem que de forma mais tímida, no Brasil. De modo mais amplo, a economia solidária está passando, no Brasil, da fase de discussão e estruturação para a fase de implementação. Ganhou muita força em 2002, quando a sociedade civil obteve do Governo Lula a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), e a indicação do seu titular. Por fim, vale notar que o Brasil conta com um bom número de iniciativas de cooperativas de produção21, empresas de insumos orgânicos22 e, até, redes de consumo solidário23. A maior parte dessas iniciativas, contudo, está concentrada no Sul e no Sudeste do Brasil.

As polarizações brasileiras Sintetizando, podemos dizer que o contexto brasileiro exibe fortes polarizações Há muita miséria ao lado de uma das maiores produções agroalimentares do mundo. Existem também dois ministérios da agricultura distintos: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para a agricultura empresarial, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para a agricultura familiar. Além disso, as realidades das zonas rurais do Sul e no Nordeste do Brasil são também muito diferentes. Devido à enorme desigualdade que reina no país, o Brasil é ao mesmo tempo um global player no mercado agrícola internacional e, por outro, um país que ainda conta com mais de 50 milhões de desnutridos. Sua política agrícola não deixa de ser esquizofrênica, com dois ministérios, um patronal e outro familiar. Mesmo se os recursos destinados à agricultura familiar (sobretudo, o PRONAF) aumentaram bastante ao longo dos últimos anos, a agricultura patronal é tratada com toda a consideração de carro-chefe da economia: ela dispõe de muito mais recursos que a agricultura familiar em todos os âmbitos (pesquisa, ensino, crédito...).

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Finalmente, se a região Sul do Brasil é de fato mais avançada sob diversos aspectos, como a economia solidária e a agricultura orgânica, é importante lembrar que existe um grande número de experiências consolidadas de agroecologia na região Nordeste. Em particular, muitas Ongs que trabalham no semi-árido gozam de força política, reconhecimento nacional e internacional. Isso se deve, em boa parte, à sua capacidade de formar redes, unindo forças em prol de um objetivo comum. O exemplo mais famoso é a Articulação no Semi-Árido (ASA) e seu Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que congrega cerca de 800 organizações da e na região semi-árida, e seu Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) – também apoiado pela Oxfam24.

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Três projetos na Região Nordeste do Brasil: a produção agroecológica gerando renda O Programa Meios de Vida Sustentáveis da Oxfam Este estudo repousa sobre a experiência acumulada por três organizações não governamentais, com a comercialização de determinado tipo de produtos: § a ASSEMA no Maranhão (coco babaçu); § o ESPLAR no Ceará (algodão); e, § a DIACONIA no Rio Grande do Norte (hortaliças e frutas). As três iniciativas receberam o apoio da OXFAM, no âmbito do seu Programa Meio de Vida Sustentável (PMVS). O PMVS, na sua versão brasileira, beneficia um conjunto de dez organizações e tem quatro linhas de ação: 1) Segurança Alimentar e Acesso a Mercados 2) Acesso à Água (P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas) 3) Políticas agrárias, agrícolas e comerciais e 4) Igualdade de gênero. Entrelaçadas, essas quatro linhas procuram mostrar de que forma é possível assegurar meios de vida sustentáveis para a agricultura no semi-árido brasileiro. O PMVS brasileiro é parte do PMVS global da OXFAM- GB (Grã Bretanha), que atua através de alianças com organizações parceiras nacionais e locais. A abordagem do PMVS é baseada em direitos: direito de dispor de meios de vida sustentáveis (sustainable livelihoods), direito de ser escutado e direito à igualdade de gênero. Ela parte do pressuposto de que o acesso ao mercado pode ser benéfico para os pequenos produtores que, na maioria dos casos, são explorados pelo mercado. Daí, a proposta de que os pobres venham a ter mais “poder nos mercados”, reorganizando a relação com os intermediários e contribuindo para que os pequenos produtores e

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os assalariados rurais, organizados, possam ter mais “voz” nas decisões econômicas que os afetam. Na OXFAM GB, o direito de se dispor de meios de vida sustentáveis se expressa através de um conjunto de estratégias complementares. No caso do PMVS brasileiro, o programa visa promover a segurança alimentar pela agroecologia e comercializar os excedentes da agricultura familiar no mercado local. Nessa perspectiva, estabilizar sistemas agroecológicos é uma condição necessária da sustentabilidade. Ou seja, estamos muito longe da maximização dos lucros das abordagens empresariais. Trata-se, aí sim, de aumentar o poder de compra dos agricultores, fazendo com que as regras do jogo econômico lhes sejam mais favoráveis. Nesse mesmo sentido, a OXFAM considera a agroecologia não apenas como um conjunto de ferramentas de ordem técnica, e sim, como uma disciplina que busca mudar profundamente as práticas e os comportamentos, empoderando jovens e mulheres, por exemplo .

Por que continuar investindo na zona rural? Por que não abandonar de vez a zona rural ao seu destino, investindo apenas nas cidades para onde um grande número de agricultores, sobretudo os mais jovens, está migrando? A primeira razão é que mais de 30 milhões de pessoas, quase um sexto da população do Brasil, ainda vivem na zona rural, onde muita gente está envolvida na agricultura familiar (85% dos 4,86 milhões de estabelecimentos agropecuários brasileiros são familiares, conforme o censo agropecuário de 1995). Além disso, a agricultura familiar responde por boa parte da produção de alimentos e tem um papel crucial na economia das pequenas e médias cidades. O mundo rural conheceu diversas mudanças demográficas nos últimos anos, algumas delas surpreendentes, como a existência em certas regiões de uma migração de retorno de quem foi trabalhar na metrópole e voltou. Durante a fase de campo do presente estudo, pudemos observar

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que programas federais, como o Luz para Todos (eletrificação rural) ou o bolsa-família, estão favorecendo a volta à zona rural de quem havia se mudado para a zona urbana do mesmo município. Entretanto, o êxodo rural, mesmo com menos força do que no passado, continua elevado e provoca ao mesmo tempo o envelhecimento e a masculinização da população rural. Em outras palavras, ele “atinge fundamentalmente os jovens e as meninas”25. Nessas condições, por que continuar investindo nas pequenas cidades do interior, e não nas cidades de maior porte para onde os jovens estão migrando à procura de educação, lazer e trabalho? Essencialmente porque os núcleos urbanos estão absorvendo os migrantes rurais de forma extremamente precária: “A maior parte de quem deixa o campo, sobretudo os jovens, são justamente aqueles que encontram mais dificuldades em integrar-se nos mercados de trabalho urbanos”, afirma Ricardo Abramovay26, que desenvolve várias proposições de criação de renda no meio rural na linha do empreendorismo (baixos investimentos de alta alavancagem, participação dos agricultores familiares em mercados dinâmicos e inovadores, etc.). Por fim, o mais importante talvez seja que o apoio à agricultura familiar “garante a existência de um tecido social que vai gerar diversas atividades além da própria agricultura”27.

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Avanços palpáveis: a produção agroecológica gerando renda São Luis

Fortaleza

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MA

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CE RN

3

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Natal

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Recife

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BRASIL

SE

Nas três experiências apoiadas pela OXFAM GB, a comparação entre a situação anterior ao trabalho de comercialização da produção e a situação atual não deixa dúvidas: houve uma nítida melhoria das condições de vida dos agricultores. A produção agroecológica e o acesso ao mercado permitiram passar de uma situação de pobreza, por vezes extrema, para uma situação de vida digna.

BA

BRASIL

A ASSEMA: quebradeiras de “babaçu livre”, cooperativa de óleo e fábrica de sabonetes.

NORDESTE 1. Médio Mearim (MA) 2. Inhamuns Crateús (CE) 3. Alto Oeste (RN)

A Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA) foi criada em 1989, com o objetivo de apoiar famílias extrativistas na região do Médio Mearim. Sua sede fica em Pedreiras, cerca de 300 quilômetros ao sul de São Luis, capital do Maranhão. No Médio Mearim, a partir dos anos 40, chegaram várias levas de migrantes, fugindo das secas do Sertão, em busca de melhores condições climáticas e de terras férteis. Nos anos 70, o Estado resolveu apoiar a chegada de grandes empresas pecuárias, que grilaram terras públicas até então ocupadas pelos agricultores familiares. Estes perderam o direito tradicional de livre acesso à terra, e os babaçuais dos quais tiravam a maior parte da sua renda foram substituídos por pastos. Iniciou-se um período de lutas violentas pela terra e pelos recursos naturais. A situação só se abrandaria um pouco em meados dos anos 80, com a criação de assentamentos da reforma agrária. Em diversos municípios do Médio Mearim, porém, os conflitos continuaram. Não raro, os fazendeiros eram também os comerciantes que controlavam o mercado da amêndoa de babaçu

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e usavam esse poder para tentar subjugar o movimento dos agricultores e das quebradeiras de coco. Foi nesse contexto que nasceu a ASSEMA, já com o intuito de organizar a comercialização do babaçu. Os resultados impressionam. Vinte anos atrás, o babaçu, principal produto de renda, era vendido por um preço irrisório e as famílias viviam em condições miseráveis. Era preciso vender dez quilos de babaçu para poder comprar um quilo de arroz. Hoje, a proporção é de um quilo de amêndoa por um de arroz, graças à COPPALJ, a cooperativa de produção e comercialização do óleo de babaçu, que, após enfrentar todo tipo de adversidades desde a sua criação em 1991, conseguiu firmar-se. É essa cooperativa que, através de sua própria rede de cantinas comunitárias, passou a comprar a amêndoa de babaçu por um valor bem acima do preço de mercado, forçando assim os atravessadores a fazer o mesmo. Aos poucos, a ASSEMA, a COPPALJ e o movimento das quebradeiras de coco babaçu passaram a figurar entre as principais forças econômicas e políticas da região. Conseguiram a votação de leis municipais inéditas que, superando o princípio sagrado da propriedade privada, autorizam o livre acesso aos babaçuais nas grandes fazendas. Iniciaram uma série de experimentos com roças orgânicas, consórcios agroextrativistas e outras iniciativas agroecológicas. Além de duas cooperativas de processamento do babaçu (respectivamente, de óleo e de farinha) abriram uma fábrica de sabonetes em plena zona rural e uma loja na capital São Luis. Hoje, estão exportando parte do óleo orgânico de babaçu para grandes empresas internacionais de cosméticos.

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Retrato de Toinho, diretor da COOPALJ,e Diocina, quebradeira e produtora de sabonetes Diocina Lopez dos Reis, 55 anos, apresenta-se como “quebradeira, lavradora e produtora”. Atrás do largo sorriso e da fala mansa, há uma “mulher de fibra” que colhe e quebra o babaçu desde a mais tenra infância, trabalha duro na roça e também, quando aparece uma encomenda, fabrica sabonetes. Diocina é sócia da AMTR, a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais que reúne 120 mulheres de dois municípios. A AMTR deu origem à fábrica e outros núcleos produtivos como a farmácia viva, as oficinas de papel reciclado e o laboratório de essências. Na sua vertente política, fomenta também discussões sobre cidadania, preservação ambiental e renda familiar. Para Diocina, esse conjunto de atividades redunda numa tripla jornada “no trabalho, nas reuniões políticas e em casa, como esposa e mãe” , encarada como “um desafio que consolida a luta”. A voz de Diocina faz-se mais dura quando evoca as lutas passadas e as humilhações pelas quais teve que passar. “Antes, os poderosos nos olhavam como se fossemos bichos, só lembravam da gente na hora de votar. Nos reunimos muito, trabalhamos duro para que nossos filhos tivessem educação. Após tanto massacre e sofrimento, temos organização, união e conseguimos meio de vida dentro da comunidade. Não estudei, mas meu filho assessora um grupo de produtores. E ganhamos o respeito, até dos governantes.” Antônio Soares, o Toinho, 33 anos, é da segunda geração. “Meu pai é um líder político e sindical histórico, é sócio-fundador da cooperativa. Eu vi muita luta, sobretudo entre 1986 e 1993.” Toinho estudou até a oitava série, casou, trabalhou e voltou a estudar para cursar o magistério. Sócio da COPPALJ desde 1994, já administrou uma cantina, foi vice-presidente da cooperativa

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e, recentemente, foi eleito gerente. “O gerente é o responsável comercial. Cuido da organização da casa, das vendas, das contas...”. Junto com a diretoria formada por agricultores, com a presidente-quebradeira e com a assistência técnica da ASSEMA, Toinho supervisiona o trabalho dos dois funcionários da COPPALJ que operam as máquinas, cuida dos 156 sócios e dos 2.000 não sócios que entregam babaçu em 8 cantinas comunitárias, e acompanha a transformação das 330 toneladas de amêndoas processadas anualmente em 170 toneladas de óleo orgânico. Cerca de 35% desse óleo é exportado para empresas do comércio justo, entre elas a inglesa Body Shop, que usa o lindo sorriso de Diocina para divulgar a sua marca mundo afora, em cartazes, onde letras grandes dizem: “feito com paixão”.

O trabalho da Assema em números · A ASSEMA, Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão, tem um quadro técnico formado 25 pessoas, apoiando mais de 1500 famílias em 7 municípios da região do Médio Mearim, no Estado do Maranhão. · A sede da ASSEMA fica em Pedreiras (37.984 habitantes, área 289 km2) · São 76 associados individuais e (sobretudo) coletivos. · A ASSEMA assessora e participa de diversas redes, conselhos e articulações estaduais e nacionais. Uma das mais antigas, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), representa os interesses de cerca de 300 mil mulheres do Maranhão e dos estados vizinhos do Tocantins, Pará e Piauí. · A ASSEMA apóia duas cooperativas, associações e grupos produtivos informais, envolvendo diretamente cerca de 300 famílias na fabricação de dez produtos diferentes. Mais precisamente, em 2006:

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o A COPALJJ, Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco, processou 331,5 toneladas de amêndoas para produzir 169,1 toneladas de óleo de babaçu e 98,1 toneladas de torta. o A AMTR, Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais conta com 146 famílias produzindo. Na fábrica de sabonetes, 22 famílias produziram 43.814 mil unidades. · Na COOPAESP, Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis, 53 famílias processaram 12,4 toneladas de mesocarpo para produzir 8,2 toneladas de flocos, comercializadas em grande parte em programas governamentais, que as destinaram às criancas das escolas municipais da região

A Diaconia: pequena irrigação, quintais produtivos e feiras agroecológicas. A Diaconia, ONG evangélica fundada em 1967, tem sede em Recife e escritórios nos Estados de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Neste último, a Diaconia está presente há mais de trinta anos na região de Umarizal, na parte mais ocidental do Estado, chamada Médio Oeste Potiguar ou “tromba do elefante” devido à sua forma peculiar no mapa. Essa região semi-árida muito pobre apresenta uma grande diversidade de ambientes – caatinga, várzea, brejo, serra, arenoso... – onde as condições de vida também variam, seja de uma área para outra, seja ao longo do ano ou de um ano para outro, como é comum no sertão. O milho, o feijão e os animais são onipresentes. Mas a cera da carnaúba, outrora uma boa fonte de renda para as famílias de agricultores, só se encontra nas áreas de brejo, onde essa palmeira vem sendo fortemente dizimada. O cajueiro, que prospera em solos profundos e férteis, vê a sua produtividade ameaçada devido a ausência de manejo dos solos e de conservação da biodiversidade, que redundou na ampla dispersão da mosca branca, provocando ultimamente uma queda brutal da produção28. Quanto à cultura do fumo, ela se dá na beira do rio Umari, onde uma centena de agricultores familiares verticalmente integrados à empresa Souza Cruz, endividaram-se para

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comprar kits de irrigação. Por fim, como em muitas outras regiões do semi-árido nordestino, atravessadores estão presentes em todas as comunidades. A Diaconia trabalha com todo tipo de famílias, inclusive as mais pobres, aquelas que não possuem terra, não pertencem a nenhuma associação e vendem a força de trabalho nas fazendas da região para sobreviver. As intervenções da Diaconia são múltiplas. Antes de se interessar pela comercialização, a tônica do trabalho era a água, insumo fundamental no semi-árido Os territórios onde a Diaconia concentra a sua atuação contam agora com mais de cem barragens subterrâneas29 e cacimbões construídos em parceria com o governo federal, o governo estadual, e com associações comunitárias. A perenização do rio Umari por barragens sucessivas ao longo de 50 quilômetros, também já foi iniciada. Além do mais, enquanto Unidade Gestora Microrregional da Articulação no Semi-Árido (ASA), a Diaconia já construiu cisternas para captar a água da chuva em praticamente todas as comunidades da região. Além da água e do apoio à organização, abriu também outras frentes, como a criação animal ou, mais recentemente, a retomada do cultivo do algodão. Os avanços mais espetaculares, porém, se deram graças à combinação de quintais produtivos irrigados por sistemas simples e baratos, com o acesso ao mercado local na forma de barracas de produtos orgânicos na feira. Através de doações ou de fundos rotativos solidários, dezenas de famílias puderam adquirir motor, canos e microaspersores para irrigar suas hortaliças e frutas, vendidas semanalmente nas quatro feiras municipais da região. A simples possibilidade de ter ingressos monetários modestos, porém, seguros e regulares, tem mudado a vida dessas famílias e incentivado a criação de associações, entre elas a Associação de Agricultores e Agricultoras Agroecológicos Oeste Verde (AAOEV). Mesmo modestos, esses ingressos provocaram uma rápida mudança nas faixas de renda das famílias (Maiores detalhes abaixo no quadro “O trabalho da Diaconia em números”).

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As trajetórias fulgurantes de Iranildo e Lázaro Iranildo e a esposa Lucivânia são jovens agricultores que concentraram toda a sua energia para sair da miséria. E conseguiram. Moram na comunidade de Cacimba do Meio, a 25 km da sede do município Caraúbas. Dois anos atrás, Iranildo costumava trabalhar como diarista, alugando, de fazenda em fazenda,a sua força de trabalho. “Saía às 3 horas da manhã e voltava às 8 h da noite, sem ter certeza de conseguir serviço no dia seguinte”. Ao trabalhar para um vizinho num cultivo de hortaliças conheceu a DIACONIA, passou a participar de reuniões e resolveu arriscar-se, plantando hortaliças no quintal da casa. “Peguei a minha chance. No início, o solo do meu quintal não prestava; tive que carregar toda a terra no carrinho de mão para dentro do quintal. Também não tinha sistema de irrigação: molhava as plantas com o galão.” Com o dinheiro da feira e da venda na comunidade (ao todo, cerca de 500 reais por mês), sentiu-se seguro e adquiriu um kit de irrigação, junto com uma cisterna calçadão. Hoje, no quintal de 650 m2, produz coentro, alface, cebolinha, macaxeira, milho, feijão, guandu, batata doce, mamão, cana, maracujá, goiaba e várias plantas medicinais. A alimentação da família melhorou e a incerteza financeira praticamente acabou. O principal problema agora é o transporte. Pagar o frete para vender na feira não compensa e Ivanildo percorre todo sábado 50 km – ida e volta – no sol escaldante do sertão, com a bicicleta supercarregada! Já que não há perspectiva da prefeitura providenciar transporte coletivo, o sonho de Iranildo é adquirir uma moto e uma carrocinha. Na mesma comunidade, seu Lázaro plantava fumo até pouco tempo atrás. “O fumo já foi um bom negócio, quando a inflação era alta. Depois de um tempo, só dava para pagar as despesas, e o veneno estava acabando com a minha saúde”.

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Ao ver a transformação rápida na família de Iranildo, Lázaro trocou o fumo pelo feijão irrigado, as frutas e as hortaliças. Em um ano, com a assistência técnica da Diaconia, deixou de usar agrotóxicos, conseguiu dar conta da terra sozinho (ao contrário do fumo, que exige muita mãode-obra) e passou a ganhar mais do que antes (1000 a 1500 reais por mês). O fator limitante, para ele, é o estrume, raro e caro na região e, a saída, a curto prazo, seria criar ovelhas. Isso representaria um avanço na conversão agroecológica na medida em que subprodutos da criação de sequeiro seriam redistribuídos para a horticultura irrigada.

O trabalho da Diaconia em números · A equipe da DIACONIA no Médio Oeste Potiguar, Rio Grande do Norte, conta com 11 técnicos. · O número de famílias cultivando e comercializando frutas e hortaliças passou de 11 em 1999 para 250 em 2007, em quatro municípios: Caraúbas (19.739 habitantes em 1.095 km2), Umarizal (10.640 habitantes em 240 km2), Lucrécia (3.418 habitantes em 31 km2) e Rafael Godeiro (3.131 em 100 km2). · Juntando todos os projetos da DIACONIA (algodão, animais, barragens subterrâneas...), mais de 3500 famílias já foram beneficiadas no Rio Grande do Norte. · A DIACONIA desenvolve outro programa semelhante no Sertão do Pajeú, em Pernambuco. Ao todo, somando os dois territórios (Pajeú e Médio Oeste Potiguar), em 2002 começou com quatro famílias comercializando sua produção em duas feiras agroecológicas; em 2007, já eram 77 famílias comercializando em sete feiras agroecológicas.

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· 76 produtos são cultivados: hortaliças, frutas, legumes, cereais, raízes, tubérculos, bulbos, bolos, doces, mel, rapadura, mudas, artesanato, queijos, ovos, animais abatidos, etc... · Através das feiras, calcula-se que um total de 7.300 pessoas tem acesso a uma alimentação mais saudável, além das 500 famílias de agricultores que consomem a própria produção. · Uma pesquisa mostrou que, em 2004, 49,17% das famílias tinham renda inferior a um salário mínimo, 42,84% tinham entre um e três salários mínimos, 7,98% tinham mais de três salários mínimos. Em 2007, 41,63% das famílias tinham renda inferior a um salário mínimo, 40,81% ganhavam entre um e três salários mínimos e 17,55% (10% a mais, comparando com 2002) ganhavam mais de três salários mínimos.

O ESPLAR: renascimento do algodão e comércio justo O ESPLAR foi fundado em 1974, em plena ditadura militar, para prestar serviços às organizações de trabalhadores rurais no Estado do Ceará. Concentra-se inicialmente nas Comunidades Eclesiais de Base e, mais tarde, nos sindicatos e organizações ligadas à Igreja. Em 1984, redefinese como entidade autônoma da sociedade civil e participa da criação da Rede PTA, pioneira em agroecologia. Em 1990, organiza o primeiro “grupo de pesquisa do algodão” com 12 agricultores em 7 municípios cearenses, visando a implantação de consórcios agroecológicos31. Em 1993, no município de Tauá, no Sertão Central, a ADEC, Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá, que até então abrigava grupos de produção artesanal, reestrutura-se para implementar o Plano de Desenvolvimento Agroecológico e Participativo dos Pequenos Produtores de Tauá, em parceria com o ESPLAR. Uma das atividades desse plano é o cultivo de algodão em consórcios. Aos poucos, a ADEC vai adquirindo equipamentos e experiência até tornar-se o elemento central do beneficiamento do algodão orgânico na região. No Estado do Ceará, como em praticamente todo o interior do Nordeste, o algodão “mocó” (arbustivo), principal produto de renda, foi durante muito tempo chamado de “ouro branco do

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sertão”. Até meados dos anos 80, dois terços do algodão cearense eram produzidos por agricultores familiares em regime de parceria. Os grandes proprietários cediam a terra nua e os “parceiros” arcavam com todo o trabalho, sendo ainda obrigados a entregar 50% da colheita ao proprietário a título de renda da terra, e a vender-lhe a outra metade, a preço por ele definido!32 A desigualdade do sistema e sua ilegalidade (em relação ao Estatuto da Terra) começaram a gerar muitos conflitos no final dos anos 70 e início de 80. Seguiu-se uma rápida seqüência de eventos muito intensos: quatro anos sucessivos de seca, de 1979 a 1983, que provocaram a migração de milhares de parceiros; cercamento das propriedades e expropriação dos parceiros-moradores; desapropriação de inúmeras grandes propriedades, transformadas em assentamentos a partir da segunda metade dos anos 80, na época da redemocratização do país. Nesse mesmo contexto, ocorreu também a disseminação da praga do bicudo, um besouro que acabou por inviabilizar o cultivo do algodão. Ao analisar esse período particularmente conturbado, a,equipe do ESPLAR faz o seguinte diagnóstico: “O setor seguramente mais penalizado pela crise foi a agricultura familiar, que tinha na exploração do algodão arbustivo uma das suas principais fontes de renda e que, até agora, não encontrou outra alternativa econômica”33. Ao longo de muitos anos de pesquisa, tentativas, erros e acertos, o ESPLAR foi experimentando e divulgando no sertão cearense uma boa quantidade de consórcios agroecológicos, onde o algodão (desta vez herbáceo) é o elemento central. A produção é inteiramente beneficiada na ADEC, em Tauá. Toda a pluma de algodão é vendida, como orgânica, principalmente para uma pequena empresa francesa do comércio justo, a Veja, que fabrica tênis. Outra parte, menor, constitui o primeiro elo da cadeia produtiva solidária brasileira Justa Trama, que produz camisetas. Graças aos contratos com a Veja e com a Justa Trama, a ADEC pode pagar aos agricultores duas vezes o preço de mercado. Tem à sua frente um futuro promissor na medida em que a demanda por algodão orgânico é muito superior à oferta. Além disso, os consórcios agroecológicos produzem alimentos para o consumo das famílias e uma renda adicional com o gergelim (que, além de combater pragas, tem um bom valor de mercado) e o nim (um inseticida

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natural). Por fim, o ESPLAR foi procurado por outras ONGs nordestinas ,e a experiência está se espalhando pelos sertões afora, em particular no Rio Grande do Norte, onde a Diaconia acompanhou a primeira colheita em 2007.

João Félix e Dona Antônia, melhor preparados para conviver com as secas João Félix de Souza, 42 anos, e Antônia Dantas de Souza, 40 anos, da comunidade do Riacho do Meio, a 17 km da sede do município de Choró, implantaram o seu consórcio agroecológico em 2003, depois de uma visita de intercâmbio em outra comunidade. “Vi algodão, gergelim, milho, feijão, fava, guandu, tudo isso em um hectare. Entendi o quanto eu estava errado e comecei também a plantar com curvas de nível, valas de retenção, cobertura morta... Em 2004 tive uma safra boa de tudo. Vendi 23 arrobas (345 kg) de algodão por 17 reais a arroba. Antes, plantava algodão, mas perdia quase tudo e usava veneno no milho e no feijão.” Entre 2004 e 2007, houve momentos difíceis: “Em 2007, faltou chuva; perdi 70% da safra de milho e feijão. Mas o algodão deu certo. O bom do consórcio é isso: sempre se colhe algo.” Influenciados por João Félix – e pelo bom preço do algodão – 11 das 63 famílias da comunidade também criaram consórcios e a associação local implantou um banco de sementes. Além do mais, para poder certificar o algodão como orgânico, as famílias precisam deixar de usar veneno e de praticar a queimada.

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João Félix e sua esposa Dona Francisca, provavelmente nunca serão ricos mas, diferentemente de seus pais, já estão melhor preparados para conviver com o imprevisível clima do semi-árido.

O trabalho do ESPLAR em números · O ESPLAR atua diretamente em municípios do semi-árido cearense, desenvolvendo atividades voltadas para a agroecologia a serviço da agricultura familiar. Realiza trabalhos de desenvolvimento de sistemas agroecológicos; processamento e comercialização da produção agrícola na perspectiva da sócioeconomia solidária; fortalecimento das organizações de trabalhadores rurais para incidência nas políticas públicas de interesse da agricultura familiar; promoção da igualdade de gênero, com enfoque feminista, de classe e de combate à discriminação de raça e etnia; justiça ambiental e qualidade de vida, a partir do direito à terra, à água e à biodiversidade. · Sua sede fica em Fortaleza, capital do Ceará, e sua equipe é formada por 22 funcionários. Na área de desenvolvimento de sistemas agroecológicos, além dos consórcios com o algodoeiro, o ESPLAR acompanha cerca de 950 famílias em atividades como o manejo de caprinos e ovinos, a criação de abelhas, o manejo e armazenamento da água (cisternas de placas) e o manejo e conservação de sementes crioulas. · O trabalho com consórcios e algodão orgânico se concentra mais especificamente em cinco municípios, do semi-árido cearense: Tauá (54.273 habitantes em 4.018 km2) onde também fica a ADEC que processa o algodão, Quixadá (76.105 habitantes em 2.020 km2), Choró (12.790 habitantes em 816 km2), Canindé (73.878 habitantes em 3.218 km2)e Massapê (33.256 habitantes em 572 km2) . · Em 2007, 245 consórcios com cerca de um hectare cada produziram 42,6 toneladas de algodão em 256 hectares. Depois de processado na ADEC, o algodão em rama rendeu 15

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toneladas de pluma, das quais 13 foram vendidas para a Veja (tênis) e dois para Justa Trama (confecção). · Em 2006, a produção total foi de 36 toneladas de algodão, 19 toneladas de feijão; 30 toneladas de milho, 1,5 toneladas de gergelim e 12 toneladas de melancia. · Em 2005, 148 famílias cultivaram 180 hectares e venderam a sua produção por R$70 mil (U$40 mil). A renda bruta adicional foi cerca de R$500,00 (U$285,00) por família.

Um rápido balanço das três experiências Do conjunto dessas experiências, destacaremos na segunda parte deste documento três grandes tipos de mercados para a produção agroecológica: a feira local (Diaconia), o comércio justo internacional (ESPLAR e ASSEMA) e a compra garantida pelo governo (Diaconia). Esses três mercados têm algo em comum: o preço de compra das hortaliças, do algodão ou do babaçu está acima do valor de mercado. Não menos importantes, esses mercados também têm conseguido garantir a estabilidade do preço nesse patamar elevado. As experiências mostram que pequenos investimentos na produção (assistência técnica, água, equipamentos simples, organização, trocas de experiências e, às vezes, pequenos subsídios), associados ao beneficiamento e ao ingresso em um mercado mais justo e mais estável podem trazer melhorias na alimentação, renda, autonomia, saúde para a família e a comunidade. As organizações existentes também saíram reforçadas, houve a criação de novas associações e cooperativas , e o meio ambiente saiu beneficiado de diversas maneiras: menos fogo, menos veneno, maior proteção dos solos, mais água e mais vegetação. Há, porém, diversas limitações, sobre as quais voltaremos na seqüência deste estudo. Entre elas, podemos desde já destacar a fragilidade das cadeias produtivas envolvidas e a escala reduzida

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das intervenções. Se o êxito dessas três ONGs e das organizações de produtores mostra que o mercado pode, de fato, ser visto como uma oportunidade para a agricultura familiar, o acesso a esse mercado permanece uma questão longe de ser resolvida. Não basta produzir (ver box abaixo), é preciso beneficiar, aprender a conhecer os mercados e os clientes, organizar-se em associações, administrar cooperativas, vender, inovar, buscar novos mercados, entre outros. Estes são temas sobre os quais voltaremos adiante, com uma pergunta recorrente em mente: até que ponto o caminho da agroecologia e dos mercados diferenciados é viável para a agricultura familiar?

O desafio do mercado Seguem-se trechos de um artigo escrito por Ricardo Abramovay em 199834, cujo teor permanece plenamente atual. “É na construção de novos mercados – tanto para os produtos até aqui predominantes, como, sobretudo, para as atividades que apenas começam a se desenvolver – que se concentra o mais importante desafio do desenvolvimento rural. Esta construção não vai resultar da ação espontânea dos agentes privados, mas sim da organização dos produtores apoiada de maneira decisiva pelos movimentos sociais e pelo poder público.” “Até recentemente, os agricultores eram profissionais da produção, mas não da venda, da qual se encarregavam grandes organizações, como as cooperativas e as agências públicas às quais, com freqüência, destinavam seus produtos. Hoje, ao contrário, os agricultores e suas organizações, bem entendido, cada vez mais precisam saber qual é o seu cliente, em que nicho de mercado vão inserir seus produtos, a que demanda da sociedade serão capazes de responder. Em suma, sua afirmação econômica não está mais apenas da porteira para dentro, mas supõe um profundo conhecimento do mercado com o qual se relacionam. A idéia de que os agricultores produzem e os mecanismos da política agrícola garantem sua renda – tão arraigada até hoje na consciência das lideranças rurais brasileiras – está definitivamente ultrapassada.”

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Produzir na perspectiva agroecológica Para poder vender, é preciso produzir. Na perspectiva agroecológica não é o lucro a variável prioritária. Nessa ótica, segurança alimentar, meio ambiente e mercado são indissociáveis. Para algunas até, uma vez que o paradigma da Revolução Verde está em crise, o modelo agroecológico seria o único sustentável. Entretanto, a chamada “transição” ou “conversão” agroecológica não é óbvia, nem rápida. O primeiro elo da cadeia, a produção agroecológica propriamente dita, já representa um belo desafio para os agricultores e as Ongs sob pelo menos dois aspectos: a prática experimental e sua difusão em maior escala.

A produção agroecológica As várias dimensões da agroecologia Para o ESPLAR, mais importante do que a maximização do lucro é procurar a interação permanente dos três componentes constitutivos do que denomina o “tripé de sustentação” dos consórcios agroecológicos. Esses três componentes são: 1) a estabilidade dinâmica do agroecossistema, que inclui a conservação dos recursos naturais envolvidos na produção (água, solo, vegetação), junto com um componente de biofertilização e defensivos naturais (nim, gergelim); 2) a segurança alimentar (feijão, milho, melancia) e 3) a geração de renda (algodão, gergelim). É a estabilidade dinâmica desse “agroecossistema” que o torna capaz de conviver com as condições climáticas extremas do semi-árido (resistência) ou, no pior dos casos, recuperar-se rapidamente depois de atravessar secas prolongadas ou outros eventos climáticos extremos (resiliência). A segurança alimentar corresponde à necessidade de assegurar, a partir das possibilidades oferecidas pelo agroecossistema, uma adequada alimentação, nutrição e saúde às famílias produtoras. A geração de renda envolve um esforço importante e contínuo em direção ao mercado, aqui, principlamente, o comércio justo da pluma de algodão orgânico.

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Além dos aspectos técnico-produtivos, econômicos e ambientais, a agroecologia ainda tem um forte componente político e social: “Traz embutidos aspectos referentes à equidade social, solidariedade, associativismo, valorização cultural, autonomia das comunidades locais...35”. Autores como Guzmán, até consideram a agroecologia como uma “estratégia metodológica de transformação social”, visando “o estabelecimento de dinâmicas de transformação em direção a sociedades sustentáveis”, como “alternativas à atual crise civilizatória”36 . As ambições do ESPLAR e das outras ONGs deste estudo são certamente mais modestas, porém, em todas elas, as dimensões técnico-produtivas, ecológicas, econômicas, políticas, sociais e culturais estão presentes. Todas também se contrapõem ao modelo da Revolução Verde e põem em prática, aos poucos, o que pode vir a ser um novo paradigma para a agricultura sustentável. (Ver abaixo o box “A insustentabilidade da agricultura convencional”). A agroecologia como caminho para a sustentabilidade nas suas mais variadas dimensões, é o que buscam as 500 famílias cultivando algodão nos consórcios do Esplar; as 1.550 famílias do programa de produção agroextrativista da ASSEMA; e as 300 famílias que, com a ajuda da DIACONIA, produzem frutas e hortaliças, verduras e plantas medicinais.

Orgânica ou agroecológica? Qual é o volume da produção brasileira? Falar em produção agroecológica não é o mesmo que falar em produção orgânica. Numa primeira aproximação, podemos dizer que toda produção agroecológica é orgânica, sendo que o inverso não é verdadeiro. A produção estritamente orgânica preocupa-se com aspectos técnicos mais ligados às dimensões de ambiente e saúde, substituindo agrotóxicos por insumos naturais. A rigor, a prática da monocultura de, digamos, goiabeiras, importando esterco de uma fazenda distante e explorando trabalhadores sazonais na época da colheita poderia vender a sua produção como “orgânica”, desde que não se use insumos químicos37. A agroecologia, como visto acima, vai muito além.

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Feita essa distinção, uma pesquisa recente38 indicou que, em 2007, cerca de 31 milhões de hectares já estavam sob cultivo orgânico no mundo. O primeiro produtor orgânico no mundo é a Austrália com 11,8 milhões de hectares, seguida pela Argentina com 3,1 milhões de hectares (sobretudo cereais e carne) e, em terceiro lugar, a China com 2,3 milhões de hectares. O Brasil tornou-se em poucos anos um dos maiores produtores e possui a oitava maior área, com 842 mil hectares (em 2000 eram apenas 100 mil hectares). Haveria também um forte potencial de crescimento, estimado a 30% por ano, e a área poderia atingir 3 milhões de hectares a curto prazo, segundo o Instituto Biodinâmico39. Além disso, o país teria o maior potencial de produção do mundo, com 90 milhões de hectares prontos para o cultivo. No mercado mundial, que já movimenta cerca de U$ 30 bilhões, a fatia de mercado do Brasil ainda é pequena (U$ 250 milhões), mas o potencial de crescimento de anual seria de 25%. Atualmente, o Brasil exporta 60% da sua produção orgânica, essencialmente para o Japão, EUA e Europa. Como se pode ver, os dados existentes dizem respeito à produção orgânica. E a produção agroecológica brasileira? Logicamente, deveria ser menor que a orgânica. Um artigo publicado em julho de 2005 pela revista Carta Capital40 começava, porém, com a seguinte informação: “O Brasil é o vice-campeão mundial em área de produção orgânica, com 6,5 milhões de hectares. À sua frente, só a Austrália.” Essa informação destoante com as estatísticas até então conhecidas, tinha como origem o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (o MAPA, voltado para o agronegócio de grande porte) que decidiu “incluir 5,7 milhões de hectares do extrativismo sustentável, onde há açaí, látex e outros produtos da floresta. Isto ajudou, segundo o ministério, a dar visibilidade para a agroecologia, que tem no mercado externo o principal alvo.” A polêmica estava lançada, cada um tentando puxar a sardinha para a sua brasa. A maior certificadora orgânica brasileira, o Instituto Biodinâmico (IBD), declarou que “seriam números sérios, se todas as áreas extrativistas fossem auditadas” (melhor ainda, se fosse pelo IBD?...). “A produção agroecológica é subestimada” respondeu um técnico do Ministério do Desenvolvimento Agrário (o MDA, ou seja, o outro ministério brasileiro da agricultura, mais preocupado com o componente familiar e com a reforma agrária).

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“A contabilidade oficial, diz ele, inclui apenas os projetos certificados, que reúnem produtores individuais ou grupos. Mas haveria um grande número, ignorado pelas estatísticas, de produtores não certificados que vendem a colheita localmente, em geral nos cinturões verdes de metrópoles.” No mesmo artigo, uma pesquisadora da Embrapa Ecologia (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) calcula que o tamanho médio das unidades de produção orgânica seria de 44 hectares (nas unidades convencionais é de 73 ha), sendo que os “carros-chefe dos orgânicos no Brasil (...) são o açúcar, a soja, o café e a carne.” Por outro lado, a matéria traz interessantes informações oriundas de uma pesquisa de doutorado de Renato Linhares de Assis sobre agroecologia. O pesquisador comparou os produtores filiados a duas associações orgânicas, com pequenos agricultores familiares não certificados, apoiados pela ONG AS-PTA, todos da região Sul do Brasil. Constatou o seguinte: “A agroecologia tem práticas menos intensivas no uso de capital e mais intensivas no uso de mão-de-obra. Ponto a favor da agricultura familiar. Para grandes produtores, o processo de conversão é investimento de risco. A terra viciada com agroquímicos pode levar três anos para ser descontaminada. E o custo da mão-de-obra pesa.” Outro doutor citado pela revista, Manoel Baltasar Costa, da USP de Piracicaba, avaliou quatro décadas de agricultura em 25 municípios da região metropolitana de Curitiba. Primeiro resultado: “O agricultor foi o mais prejudicado. Em 40 anos, todos os preços agrícolas caíram. Mas os insumos agrícolas encareceram”. Também, a observação de 32 sistemas agrícolas, orgânicos ou não, mostrou que apenas

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“30% das propriedades revelaram padrões aceitáveis de sustentabilidade. O saldo negativo surgiu tanto na agricultura convencional como em parte dos sistemas orgânicos, em que a única troca real foi de agroquímicos por insumos orgânicos.” Costa conclui que a agricultura orgânica “é menos impactante, mas, não basta”.

Um ambiente favorável para a produção agroecológica O alicerce político-organizacional da produção Um dos elementos que encontramos nas três regiões visitadas é a presença de uma firme base política e organizacional, anterior ao apoio técnico e econômico das ONGs. Foram assim as lutas políticas que levaram à criação da ASSEMA no Maranhão. Vale também para o Sertão Central cearense, onde os sindicatos de trabalhadores rurais representam uma força importante desde os anos 60 e, ainda, para o Médio Oeste Potiguar, onde o tecido associativo rural sempre foi robusto. Nas três regiões pesquisadas, organizações da Igreja também deixaram a sua marca, sejam elas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), entidades pastorais ou organizações evangélicas como a Diaconia presente em Umarizal desde os anos 70. Duros conflitos reforçaram a organização política, os sindicatos rurais e a influência social das igrejas, criando laços de solidariedade. Este é o alicerce sobre a qual o trabalho produtivo repousou inicialmente. Depois veio a “conversão” (com um quê de conotação religiosa?) à agroecologia e a preocupação com a comercialização da produção. A onda ambiental já atingiu o sertão O box acima mostrou o crescimento acelerado da produção orgânica no mundo, respondendo a um crescimento muito rápido da demanda. Trata-se, sem dúvida, de uma conjuntura extremamente favorável para quem apostou no algodão orgânico ou no óleo de babaçu no início

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dos anos 90. A demanda atual por algodão orgânico é muito superior à oferta. E os tênis “orgânicos” da Veja Fair Trade, a empresa francesa que compra o algodão da ADEC no Ceará, tiveram uma aceitação muito boa, acima do previsto. O consumo de produtos orgânicos não é reservado à classe média do hemisfério norte. Se as feiras agroecológicas estão se espalhando muito rapidamente pelo interior do Nordeste é por que nelas se praticam preços acessíveis. Mas é também por que a onda ambiental já atingiu o sertão através, por exemplo, de programas de televisão como o Globo Rural ou o Globo Ecologia, que figuram entre os favoritos das famílias rurais. Ou seja, até nos municípios e comunidades mais distantes, consumidores e produtores estão sensibilizando-se pouco a pouco aos benefícios ambientais e às melhorias na saúde ligadas à qualidade da produção agrícola. Por isso, um número crescente de consumidores mais conscientes prefere comprar, pelo mesmo preço e na mesma feira municipal, um molho de coentro orgânico produzido e vendido diretamente por pequenos agricultores do município, do que um molho aparentemente idêntico, vendido por um comerciante, que o comprou de um atacadista, que foi buscá-lo numa fazenda irrigada da beira do rio, distante em mais de 200 km de distância, onde foi produzido com muito veneno.

A insustentabilidade socioeconômica e ambiental da agricultura convencional Numa demonstração de grande clareza41, Peter Rosset diagnostica a dupla face – ecológica e socioeconômica – da crise da agricultura convencional. A partir daí, critica a mera substituição de insumos (o enfoque estritamente orgânico) e argumenta em favor do enfoque agroecológico. Para começar, Rosset levanta vários indícios da crise do modelo convencional, tomando como referência a agricultura norte-americana. O primeiro deles, envolvendo as dimensões econômica e social, é a considerável redução do número de agricultores por motivos econômicos.

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“Devido à superprodução e o monopólio da comercialização por empresas transnacionais, os preços dos alimentos mantêm-se estáveis por muito tempo, enquanto os custos dos insumos industrializados têm se elevado consideravelmente”. Consequentemente, os agricultores que se endividaram para comprar equipamentos pesados, “não conseguem cobrir os juros de suas dívidas, o que tem provocado falências.” A crise do modelo convencional tem também uma dimensão ecológica. Aqui, o principal indício é “a desaceleração dos rendimentos médios das lavouras”, devido a “uma constante degeneração da base produtiva da agricultura através de práticas insustentáveis”. Vários problemas surgiram: erosão do solo, salinização, desertificação, redução da eficácia dos agrotóxicos, doenças, e assim por diante. As causas dessa dupla crise residem na lógica que orientou o nascimento e o desenvolvimento da agroindústria moderna: “Desde o princípio, a ciência agrícola americana esteve orientada para aumentar, ao máximo, a produtividade do fator que mais limitava o desenvolvimento da sua economia – a mão-de-obra”. Por isso, a mecanização conduziu rapidamente à monocultura, e a ciência concentrou-se, de um lado, “na definição de variedades e na densidade de plantio aplicadas à monocultura”, e, do outro, “nos fertilizantes químicos, que permitiram substituir as práticas mais trabalhosas”. Os problemas passaram então a formar círculos viciosos. Por exemplo, a monocultura em grandes propriedades provocou o surgimento de pragas, que foram controladas com inseticidas sintéticos. Os custos dos produtos químicos e de outros insumos aumentaram, favorecendo as propriedades de grande porte, a monocultura, a mecanização e a especialização da produção. Por tabela, isso levou ao uso de maiores quantidades de inseticidas sintéticos e despesas cada vez maiores:

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“... um indicador importante da crise da agricultura convencional é o grau de utilização de capital (...). Historicamente, o capital tem se 'apropriado' dos elementos do processo produtivo, substituindo os mecanismos naturais de controle de pragas pelo uso de agrotóxicos, a fertilidade natural do solo pela aplicação de adubos químicos e assim sucessivamente. O resultado inevitável de tudo isso é o conflito de interesses, identificado pela grande quantidade de dinheiro entrando em jogo para manter uma agricultura industrializada, que depende de fortes inversões de capital, o qual converte tanto os países como os agricultores em entidades dependentes de fornecedores, de insumos e equipamentos. Sem dúvida, muitos lucros deixariam de ser auferidos se houvesse uma mudança para caminhos alternativos e tradicionais...” A única alternativa, segundo Rosset, é a agroecologia: “...a estratégia de substituição de insumos se baseia unicamente na busca de insumos agrícolas alternativos, menos prejudiciais ao meio ambiente, sem questionar nem a estrutura dos monocultivos, nem a dependência de insumos externos (...) Qualquer modelo alternativo (...) deve considerar as questões ecológicas, sociais e econômicas.”

Avanços e dificuldades na transição agroecológica Muitos avanços... Sob vários aspectos, a transição do sistema tradicional para o agroecológico parece vantajosa para o agricultor familiar. É, de fato, possível observar avanços importantes nas famílias que adotaram essa abordagem inovadora para o desenvolvimento dos seus sistemas. Contudo, muitas não aceitam esse desafio e, entre aquelas que o fazem, a distância entre teoria e prática não se percorre tão fácil ou rapidamente.

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Os progressos trazidos pelo desenvolvimento dos “novos” agroecossistemas são, em muitos casos, palpáveis. Produção de alimentos mais diversificada e mais contínua; alimentos mais saudáveis; melhorias no solo; reservas de forragem para os animais; melhorias na saúde por deixar de usar agrotóxicos: estes são ganhos muitas vezes citados pelos próprios agricultores. O aumento na renda é também visível: fogão novo, geladeira, às vezes uma moto. Nas propriedades também: mais água, mais vegetação, mais pássaros, mais vida acima, sobre e dentro da terra. Em outros casos, o resultado não é tão visível, mas contribui da mesma forma para o bem-estar da família. “Quem abraça a proposta agroecológica e respeita o calendário agrícola tem resultados, resume Valdener, técnico da ASSEMA. Pelo menos, a alimentação e a saúde melhoram e, aí, gastam menos.” Outra contribuição importante é a diminuição da incerteza em relação ao futuro, devido à maior estabilidade da produção e da renda. A diversificação da produção (“sempre se colhe algo”) também contribui para a sustentabilidade da proposta e, devido à sazonalidade de diversos produtos, ajuda a melhorar a qualidade da alimentação: sempre se come algo diferente ao longo do ano. Além disso, estudos científicos mostraram que, nos consórcios, se a produtividade de cada tipo de cultivo é obviamente menor do que na monocultura, a eficiência energética – relação entre os produtos obtidos (cereais, verduras, algodão, qualidade do solo, forragem...) e os insumos necessários para produzi-los (sementes, trabalho familiar...) – é bem melhor. Em termos ambientais, os avanços são nítidos. Conseguiu-se plantar algodão sem veneno, testando todo tipo de defensivos naturais (nim, gergelim, urina de vaca, dentre outros), alimentando assim pesquisas acadêmicas originais. Nas comunidades, houve o que os economistas chamam de “externalidades positivas”. Mesmo nas propriedades que não aderiram à proposta agroecológica, muita gente deixou de usar veneno e o uso do fogo diminuiu. À pergunta “O que mais mudou?”, lideranças camponesas e responsáveis sindicais que circulam muito nas comunidades respondem, de forma um tanto surpreendente, “o conhecimento das

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pessoas”. O agricultor João Félix conta assim que “antes do ESPLAR, era como se tivesse um pano preto. Eu usava veneno porque a EMATER indicava. Não sabia.” Do seu lado, Eliane Lobo Ramos, presidente do sindicato de trabalhadores rurais de Choró, no Ceará, constatou que “quem avança mais na questão política e fala mais em público, é geralmente quem estudou mais e sabe ler e escrever. Mas entender a proposta do consórcio agroecológico não depende de alfabetização: a técnica é clara.” Em Choró, os bons resultados dos consórcios agroecológicos com algodoeiro serviram também de barreira concreta contra os argumentos da Secretaria Municipal de Agricultura, do Banco e da EMATER, para quem o uso maciço de produtos químicos na agricultura é sinônimo de progresso. Por sua vez, Eronilton Buriti, presidente do sindicato no município vizinho de Quixadá, acha que o que mais mudou foi “a visão das pessoas”. Como conseqüência, “vêem a possibilidade de permanecer no campo, para elas e para os filhos”. Por que algumas famílias apostam na transição agroecológica, e outras não? Para a equipe técnica da DIACONIA, os avanços se medem também pelo fato de que “é mais fácil convencer o agricultor hoje do que quatro anos atrás”. É verdade, mas quem visita as comunidades pode constatar que a transição para a agroecologia é longe de ser majoritária. Também, entre as famílias dispostas a mudar de sistema, o mais comum é a mudança parcial. Tanto é que a ASSEMA faz a diferença entre “transição” e “evolução” agroecológica. “Das 1500 famílias com as quais trabalhamos, 110 estão em processo de transição, diz Ronaldo Carneiro, Coordenador técnico do programa de produção agroextrativista da ASSEMA. Estas famílias intensificam as práticas, consorciam o babaçu com fruteiras, plantam hortaliças, recuperam o solo com leguminosas e não usam mais nem fogo, nem agrotóxicos, nem trator em boa parte da sua terra. Ao lado, tem aquelas que consideramos em processo de 'evolução” que, por exemplo, não usam mais veneno nem trator, mas ainda queimam.”

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Aí, vem a pergunta: por que algumas famílias operam a transição agroecológica, e outras não? Abaixo, as respostas dos próprios agricultores e técnicos. · A transição para a agroecologia é motivada por necessidades emergentes: “O uso do fogo era sustentável até os anos 60. Depois, com a pecuarização, o tamanho das terras agricultáveis diminuiu e o tempo de pousio caiu para cinco anos. Hoje, não é mais sustentável usar o fogo, mesmo se o hábito permaneceu.” · Muita gente ainda não conhece as experiências bem sucedidas. Mas até quem conhece e vê – inclusive parentes próximos – pode não acreditar ou não querer acreditar. “As outras famílias não acreditavam quando comecei, me chamavam de doido. Diziam que eu ia matar a família de fome porque não pensavam que uma terra ruim feito essa ia dar. Até meu irmão e meu pai não acreditavam.” · É preciso assistência técnica especializada e de qualidade e as capacidades das ONGs em termos de recursos humanos são limitadas. “O INCRA deixou o assentamento, que ficou muitos anos à toa. O povo se criou trabalhando para o patrão, criando gado, plantando milho e feijão. Só sabe fazer dessa forma.” “Às vezes, os próprios técnicos demonstram resistência ou descrença em relação a novas técnicas. A sua formação se dá pela prática, depois de anos em escolas agrícolas onde a agroecologia não era valorizada. “ · A agroecologia pede muito trabalho, muitos cuidados e muito tempo. “É preciso trabalhar todos os dias e participar de muitas reuniões. Tem pessoas que não querem vir para a discussão, acham perda de tempo.”

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· O manejo de pragas pode ser muito trabalhoso quando se trabalha na perspectiva agroecológica. “Para o algodão, a catação manual do bicudo é o principal fator limitante. O veneno tem custos, mas dá resultados mais rápidos.” · A venda direta ao atravessador na comunidade, ou a integração com a agroindústria têm suas vantagens. “Pessoas acham melhor plantar fumo porque a Souza Cruz financia tudo que precisa e compra todo o fumo. Não precisa sair da comunidade para comprar insumos ou vender a produção”. · Testar novidades comporta riscos. “Arrisquei, apostei, fiz muito esforço. Pouca gente está disposta a fazer isso.” · Políticas assistenciais desestimulam. “A bolsa-família ajuda a não produzir”, · Mas simplesmente, há sempre quem se satisfaz com pouco. “Quem conseguiu o básico, acha que está bem assim, há certa acomodação”. · Para compensar os riscos e estimular a transição, as Ongs adotaram uma política de incentivos, seja na forma de subsídios monetários ou e doação de material. Contudo, muitas ficaram sem condição financeira para manter essa política e tiveram que suspendê-la. “A idéia inicial era de que as famílias, ao ver os benefícios dos kits de irrigação, fossem buscar doações ou financiamentos via políticas públicas. Mas não há políticas públicas

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para os mais pobres e as próprias associações locais priorizam seus sócios, que raramente são os mais pobres.” · A força do hábito é grande “Mesmo com os insumos para sistemas agroecológicos, alguns reproduzem o sistema anterior”

Lições para a sustentabilidade da produção com fins de comercialização Além da assistência técnica, o fator tempo e a escolha livre pelo agricultor são elementos fundamentais da sustentabilidade. “É preciso deixar a pessoa à vontade, livre para escolher o que quer fazer, diz Élson, técnico da Diaconia.. Até livre para errar, e depois discutir o erro com ela. Hoje não chegamos mais com o kit completo de irrigação. O agricultor decide se quer ou não um motor, ou um tanque. Há um fundo solidário para financiar esses equipamentos. Antes, gastavam-se 3000 reais para a família irrigar. Hoje gastam-se 300 e aproveita-se todo o potencial da família .” Por isso, de modo geral, o trabalho é lento, leva vários anos. Trata-se de mudanças de comportamento. Trata-se, também, de recuperar terras muito desgastadas: “Sete anos trabalhando a proposta agroecológica é pouco, calcula Valdemar, da ASSEMA. Aqui, antigamente, o solo era bom, mas passou por mais de quarenta fogos, plantio de capim, pisoteio de gado... Precisa de tempo para se recuperar.” Por outro lado, se a resistência e a resiliência estão de fato melhorando, até mesmo nas propriedades agroecologicamente mais avançadas, ninguém está preparado, ainda, para enfrentar três anos sucessivos de seca, como ocorreu no início dos anos 90. Haverá com toda

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certeza outras secas prolongadas, com uma intensidade provavelmente ampliada em decorrência das mudanças climáticas globais. Logo, as famílias deveriam capitalizar-se de diversas formas: bancos de proteínas para os animais, silagem, reservas de água, e também, dinheiro vivo (poupança individual, fundo comunitário ou, ainda, seguro público ou privado). As ameaças externas à transição agroecológica também são múltiplas: desde a adoção dos transgênicos, até incertezas em relação à implantação do biodiesel; desde ameaças já bem conhecidas como o avanço rápido do eucalipto e da soja (chegando agora no sul do Maranhão), até ameaças mais surdas como a criação industrial de aves, poderoso império econômico que lentamente estrangula o mercado da galinha caipira42. Essas são discussões que precisariam ser travadas urgentemente, tanto em Brasília, como nas comunidades. Mas um dos maiores desafios para as Ongs e as organizações de agricultores é o próprio mercado. A comercialização, muito precária, gera incertezas que representam uma das principais “barreiras à conversão”43. Sem dúvida, é preciso hoje “fazer no âmbito da comercialização o esforço que dezenas de Ongs e grupos de agricultores organizados fizeram no passado, com o desenvolvimento de opções técnicas para a conversão da produção”. Antes, porém, de analisar a comercialização, é preciso se debruçar um tempo sobre a etapa intermediária de transformação que visa agregar valor à produção44.

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Agregar valor à produção: Desafios tecnológicos e organizacionais Beneficiamento e processamento da produção em unidades de médio porte As hortaliças e frutas dos quintais produtivos são vendidas na feira. No máximo, processos caseiros simples, visando a agregar valor, são aplicados para transformar a goiaba em geléia ou o milho em canjica. Na experiência do ESPLAR e da ASSEMA, porém, a agregação de valor – beneficiamento do algodão e processamento do babaçu45 – é mais complexa. Na ADEC, em Tauá, o algodão “em rama” passa por uma descaroçadeira que separa a rama da pluma e da semente. A pluma é prensada antes de ser estocada e vendida para empresas do comércio justo. Na COPPALJ - Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas der Lago do Junco, no Maranhão, a amêndoa (semente) de babaçu também passa por processos sucessivos (aquecimento controlado, prensagem, armazenamento em tonéis selados). O óleo assim produzido tem vários destinos: a maior parte vai para uma fábrica local de sabão comum; 30% é vendido como óleo orgânico certificado para empresas do comércio justo e uma pequena parte constitui a principal matéria prima da fábrica de sabonete “Babaçu Livre”, dirigida e operada por quebradeiras de coco. Em ambos os casos, a capacidade operacional é incomparavelmente inferior à capacidade das grandes indústrias modernas. Mas não se trata tampouco de processos caseiros: os volumes de produção relativamente importantes para a escala da agricultura familiar e as tecnologias de médio porte necessitam uma sólida organização para coletar e transportar a matéria prima de vários produtores, operar máquinas ou cuidar da parte administrativa. Estes são novos desafios para a produção familiar.

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Antes de analisá-los, vale lembrar que, se o algodão é o principal produto comercializado pela ADEC, não é o único. O nim e o gergelim, que também fazem parte dos consórcios agroecológicos, são transformados em produtos com potencial de mercado, como os óleos, explorados por alguns agricultores. Da mesma forma, a COPPALJ comercializa também a torta, subproduto do processamento do babaçu, e a casca é usada ou vendida pelas famílias como matéria prima para fazer carvão. Além do mais, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis (COOPAESP), também assessorada pela ASSEMA, aproveita a parte mais delicada do babaçu, o mesocarpo, transformado em farinha, condicionado e vendido em lojas de produtos orgânicos, com excelente aceitação46.

Um duplo desafio: agregar valor e agregar gente À procura da tecnologia adaptada à escala de produção da agricultura familiar Tecnologias novas podem ser necessárias “para tornar economicamente viável a gestão de sistemas mais complexos como o exigem as regras da gestão ecológica”47. Como vimos anteriormente, as tecnologias de produção agroecológica estão relativamente bem adiantadas: já foram testadas diversas opções para o manejo da água, dos solos, da vegetação nativa, para adubar, plantar, selecionar e armazenar sementes. Em comparação, para o beneficiamento e o processamento da produção familiar, a carência é enorme. Pouquíssimas máquinas disponíveis no mercado estão adaptadas à escala familiar ou comunitária. O beneficiamento caseiro da castanha de caju da Serra do Mel (RN), uma das histórias de sucesso entre as mais conhecidas no semi-árido, foi fruto de longos esforços de adaptação por parte de ONGs, agricultores e pequenas oficinas mecânicas48. O mesmo ocorreu na COPPALJ: quando surgiu a idéia de processar o óleo de babaçu, Valdener, da ASSEMA, visitou usinas e procurou equipamentos no mercado.

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“As menores prensas, com capacidade de 600 kg de sementes por hora – quatro vezes a nossa produção atual – iam ficar ociosas a maior parte do tempo”. A saída foi procurar os serviços de um torneiro em Bacabal, cidade situada a100 km de Lago do Junco. Até hoje a COPPALJ continua ajustando a prensa feita sob medidas, melhorando aos poucos o desempenho da máquina. Conseguir uma tecnologia adaptada às necessidades é um fator determinante para o êxito da comercialização, tanto em termos de produtividade, como de bem estar e segurança dos operadores. Por exemplo, as quebradeiras ainda usam um pau e um machado para extrair manualmente a semente de babaçu. A ASSEMA não deseja perpetuar esse processo tradicional e defende o uso da tecnologia para aumentar a taxa de quebra do babaçu e diminuir o esforço físico das quebradeiras. Sem contar o perigo que representa o manejo do machado: mesmo com toda a habilidade adquirida desde criança, as quebradeiras sempre acabam se cortando. O problema é que nenhuma das soluções tecnológicas testadas até hoje para substituir o machado foram satisfatórias. O desafio de agregar gente: a carência de apoio especializado para organizar grupos de produção informais em cooperativas A COPPALJ recebe muitas visitas de Ongs e grupos de produtores rurais de outros estados, que desejam transformar a sua produção. Todos se empolgam frente à imponência do galpão e das máquinas da cooperativa. O diretor da cooperativa precisa sempre colocar as coisas no seu divido lugar: “Quem vem, vê a estrutura, que não é o mais importante. Explicamos a história, toda a luta para constituir a cooperativa. As máquinas são de menos, o mais importante é pensar no coletivo.”

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Da mesma forma que a técnica, a organização, dimensão invisível da produção, sofre de uma enorme carência de apoio profissional. Para o hardware (as máquinas) como para o software (a gestão e a organização da produção), a pesquisa, a extensão e o ensino estão muito pouco voltados para as necessidades da agricultura familiar. Em ambos os casos, a aprendizagem se dá pela prática, “na marra”. Com a ausência de apoio especializado49 como também de experiências vivas, devido à pouca tradição de cooperativismo no Nordeste, as ONGs, os sindicatos e os grupos de agricultores tiveram que improvisar também nessa dimensão organizacional. Devido à importância desses aspectos organizativos, dedicaremos um capítulo inteiro ao assunto mais adiante, na segunda parte do estudo.

Avanços e dificuldades na transformação da produção Diversificar os processos de agregação de valor A simples existência da COPPALJ, durante mais de 15 anos – comprando a amêndoa de babaçu das quebradeiras, administrando uma rede de cantinas nas comunidades, processando 300 toneladas de babaçu por ano e equilibrando a sua gestão vendendo a torta e o óleo nos mercados local, nacional e internacional – por si só, já representa uma enorme conquista dos agricultores familiares e seus assessores. Pode-se falar o mesmo da ADEC, no Ceará, que beneficia algodão desde 1993, e hoje domina a operação a ponto de exportar os conhecimentos adquiridos para outros estados. Resta que o princípio de diversificação, que vale para a produção agrícola, valha também para a comercialização. “È preciso fugir de um só produto e promover a diversidade de produtos para o mercado”, insiste Pedro Jorge, agrônomo do ESPLAR, pioneiro no apoio à produção do algodão orgânico no Brasil. Daí a importância do processamento do nim e do gergelim em óleo, para uso próprio e para a venda. O nim já é usado como inseticida natural nas plantações consorciadas e como vermífugo e carrapaticida na criação animal. Sua transformação em óleo concentrado pode facilitar a

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expansão do uso na vizinhança e além. No entanto, ainda não existe mercado, e Pedro Jorge faz uma importante ressalva relativa à adoção do óleo pelos agricultores: “Já houve duas capacitações sobre como fabricar e usar o óleo de nim, mas ninguém adotou. Talvez este não seja o bom modelo para eles, talvez a maioria só queira ser agricultor e vender apenas as sementes.” Ou seja, mais uma vez, os aspectos técnicos e econômicos são indissociáveis de aspectos relacionais, culturais e organizacionais. Não adianta o ESPLAR querer criar um mercado ainda inexistente se não for o que os agricultores desejam ou precisam. O caso do óleo de gergelim é diferente. Existe um mercado constituído, onde o alto preço (100 reais o litro) atraiu alguns produtores, justificando assim o investimento do ESPLAR em capacitação e equipamentos para o processamento caseiro. Essa situação vivenciada pelo ESPLAR, suscita questionamentos sobre as relações entre conhecimento tradicional, conhecimento científico e inovação. Estão em jogo atitudes, idéias e crenças, tanto por parte dos agricultores como dos técnicos das ONGs e dos organismos governamentais de ensino, extensão e pesquisa50. À procura de uma máquina para o aproveitamento integral do babaçu A ASSEMA sonha no que chama de “aproveitamento integral do babaçu” (amêndoa, casca, mesocarpo e endocarpo). Por enquanto, a COPPALJ aproveita apenas a amêndoa, e a COPPAESP, apenas o mesocarpo. Em ambos os casos, a extração da amêndoa pelas quebradeiras é feita manualmente, respectivamente com um machado e com um facão amarrado a uma tábua. Para os técnicos da ASSEMA, a questão da produtividade permanece como um dos principais gargalos da comercialização: “Com a extração manual, mesmo com preço alto no mercado, o valor que as quebradeiras recebem permanece baixo. Precisaria investir muito em pesquisa tecnológica. Já foram feitas mais de cem tentativas de aproveitamento integral, sem sucesso.”

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A Fundação Banco do Brasil que, através do seu programa de Desenvolvimento Rural Sustentável, apóia diversas cadeias produtivas como a do mel ou da castanha de caju, está agora investindo no babaçu. A ASSEMA, principal interlocutor da Fundação nesse âmbito, considera que essa cadeia comporta a produção agroecológica, o beneficiamento integral, o mercado justo e a consolidação da legislação do acesso livre aos babaçuais, discussão política que envolve as comunidades agroextrativistas da região. O apoio da Fundação pode ser providencial para a COPPAESP, que produz farinha de mesocarpo de babaçu. Por razões ligadas à tecnologia e à produtividade, essa cooperativa está passando por um momento paradoxal. Por um lado, a demanda tende a crescer e o mercado oferece um preço de venda relativamente elevado. Por outro, a produção não acompanha essa tendência e tende até a cair, porque a extração manual do mesocarpo é muito trabalhosa e o valor da hora trabalhada não compensa o esforço. Sem processo agroecológico eficaz para controlar o bicudo, a produção e a produtividade do algodão ficam estagnadas. Para o algodão, o gargalo tecnológico fica mais a montante, na fase de cultivo. Nenhum dos biodefensivos até então testados – nem o gergelim, nem o nim, nem os sofisticados feromônios – foram plenamente eficazes contra duas pragas que ameaçam a produção de algodão: o bicudo, um inseto que ataca os botões florais, e a lagarta rosa. Como conseqüência, a produtividade permanece baixa. O método mais eficaz até agora contra o bicudo é a catação manual, desde que feita logo no início da infestação – o que supõe um cuidadoso monitoramento, nem sempre óbvio quando a área cultivada é distante da moradia. Este é o principal fator limitante, já que a área produtiva do consórcio com algodoeiro fica restrita, no máximo, aos dois hectares em que uma família consegue catar o inseto manualmente. Ou seja, enquanto não houver uma solução agroecológica para melhor controlar o bicudo e a lagarta, a produção de algodão por unidade familiar vai ficar estagnada.

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Tecnologias permitindo o aproveitamento em grande escala podem representar ameaças Para o agronegócio, a principal utilidade do babaçu é o óleo feito a partir da amêndoa extraída manualmente pelas quebradeiras. Nesse mercado, a COPPALJ consegue concorrer, mesmo com uma produção relativamente baixa, graças ao diferencial no preço de venda do mercado orgânico. Está tentando promover tecnologias mais eficazes que o machado, de modo que as quebradeiras possam obter uma renda melhor. Mas se um dia surgir uma máquina eficaz de extração da amêndoa em grande escala, os proprietários de grandes babaçuais (mil hectares ou mais) podem muito bem resolver quebrar o babaçu por conta própria. Essa é a razão pela qual a ASSEMA sempre associa à questão técnica a luta política e jurídica em prol do livre acesso aos babaçuais privados – de onde vêm 85% do babaçu da COPPALJ. Já conseguiu ganhar várias batalhas, na forma de leis municipais, porém, a guerra, ainda não: em nível federal a lei da propriedade privada continua vigorando. Outra ameaça é o risco de devastação do babaçual natural, devido ao avanço das plantações de soja, milho, dendê e eucalipto. A estratégia da ASSEMA consiste em procurar a votação de uma lei de preservação dos babaçuais enquanto áreas de preservação florestal. Em suma, para melhorar a produtividade e a segurança (o machado é perigoso), os empreendimentos agroecológicos estão dependendo de avanços tecnológicos favoráveis, para os quais não existem políticas públicas que dessem conta de suas demandas muito peculiares. Ou pelo menos, não existem políticas comparáveis com aquelas que beneficiam a agricultura e a indústria patronais. As Ongs e os produtores precisam, então, recorrer a investimentos próprios muito limitados em volume, a parcerias pontuais com as universidades, e a uma série de bricolagens e testes que podem se alastrar por anos. O mesmo vale para a superação dos gargalos organizacionais, já que organizar uma cooperativa supõe qualificações específicas, para as quais o suporte é, neste caso também, praticamente inexistente.

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SEGUNDA PARTE: vender sem se vender

À procura de mercados diferenciados Lidar com o mercado para incrementar o fator “renda” na economia familiar Certa visão da agroecologia procura o máximo de autonomia em relação ao mercado capitalista51. Nesta ótica, a família deveria produzir prioritariamente para garantir uma alimentação de boa qualidade. Não produziria “para o mercado”, apenas venderia eventuais excedentes. A menor dependência em relação a insumos externos, a solidariedade entre famílias, os mutirões, as trocas minimizariam a necessidade de recorrer ao mercado. O Estado poderia entrar com financiamentos, incentivos, sistemas de compra garantida, enfim, desempenhando seu papel de redistribuição mais igualitária. Melhor ainda, os consumidores se uniriam aos produtores para determinar os preços, isolando assim totalmente o circuito econômico da economia capitalista e sua lógica de concorrência. Os protagonistas nas três experiências sistematizadas inspiram-se em parte nessa visão. A sua prática, porém, trouxe à tona uma diferença fundamental: sabem que, queiram ou não, a comercialização da produção agroecológica se dá no mercado capitalista (Ver abaixo o box”A monetarização crescente das relações econômicas”). Sem excluir os outros grandes princípios de comportamento econômico (autoconsumo, redistribuição e solidariedade), não negam a força do mercado capitalista e procuram vender, porém sem “se vender”. A partir daí, o desafio é duplo. Primeiro, enfrentar sem receios a (dura) realidade do mercado, que tem regras e exigências próprias para as quais as Ongs e organizações de agricultores não estão a priori bem preparadas. Em segundo lugar, lidar com esse universo vasto e complexo, mantendo os valores éticos, políticos, sociais e ambientais, que são a razão de ser das Ongs e dos movimentos.

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Além das dimensões políticas, sociais e ambientais, indissociáveis da dimensão econômica, é preciso acrescentar mais duas, que serão examinadas no final deste capítulo: a dimensão organizacional, com o desafio da criação de novas configurações (cooperativas, associações, lojas do comércio justo...) em consonância com os valores proclamados, e a dimensão de gênero, essencial para entender a relação da família camponesa com o mercado. Mais do que maximizar o lucro, já vimos que as experiências aqui examinadas buscam a estabilidade, resistência e resiliência dos sistemas produtivos, com base na agroecologia. Procuram também estabilizar a renda num nível capaz de tirar a família da descapitalização crônica. Para Marcus Vinícius, do ESPLAR, no semi-árido é essencial dispor de várias fontes de renda ao longo do ano: “Além de milho e feijão na estação chuvosa, é preciso trabalhar com uma cultura de renda (algodão ou mamona, por exemplo) na época da estiagem, no segundo semestre.” Se a renda da criação animal é tradicionalmente a maior no interior do Nordeste, estamos aqui focando outros componentes da economia familiar: o agroextrativismo (melhorar a renda a partir do babaçu), a produção alimentar (produzir hortaliças e frutas, não apenas para o consumo próprio, mas também, para vender) e a agricultura de renda (algodão em consórcios). Veremos também neste capítulo que as três vias de comercialização mais promissoras nas experiências estudadas foram a feira local, o comércio justo e o mercado institucional.

A monetarização crescente das relações econômicas A visão de Sabourin52 sobre as práticas de economia solidária no meio rural brasileiro está em consonância com a vivência dos protagonistas nas três experiências que visitamos. “Por certo, pode-se defender um projeto renovado de agricultura camponesa mais autônoma do mercado capitalista, menos dependente de insumos externos, mais respeitosa do meio ambiente e

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dos recursos naturais. Essa postura politicamente correta e cada vez mais divulgada na onda do desenvolvimento sustentável termina sendo um pouco ideológica, além de exigir esforços desproporcionados dos menos dotados e capacitados. Mas, as dificuldades do crédito solidário como as da inserção dos agricultores familiares nos mercados têm a ver com a monetarização crescente das relações econômicas e sociais inclusive em meio camponês e com a diversificação das necessidades. Não se pode ignorar esse problema e negar aos agricultores mais pobres o acesso a bens de consumo ou serviços entre os mais básicos e elementares. Caillé53, mesmo defendendo alternativas anti-utilitaristas, reconhece que a monetarização e a globalização das relações econômicas reduz a perspectiva única de autoprodução. É mais uma razão por se preocupar da questão da distribuição da produção e da sua valorização econômica nos mercados (e não no mercado).”

Acessar, enfrentar e desenvolver mercados. Para comercializar a produção agroecológica, as várias estratégias que observamos podem ser divididas em três categorias. A primeira é o “acesso a mercado” stricto sensu, no sentido de aproveitar-se de estruturas existentes, públicas ou privadas. É o caso da COPPALJ, quando vende a maior parte da produção de óleo de babaçu para uma usina de sabão na própria região. É o caso, também, de famílias de Umarizal (RN) que vendem pequenas quantidades de frutas e verduras para um supermercado da cidade. Nesta mesma categoria, entra, ainda, o mercado institucional, venda direta de produtos para programas governamentais. Na segunda categoria, a estratégia consiste mais em enfrentar do que propriamente acessar o mercado. O exemplo mais claro é o da COPPALJ, na permanente queda de braço travada com poderosos atravessadores de amêndoa de babaçu. A estratégia da cooperativa agroextrativista sempre foi de forçar o preço da amêndoa para cima, obrigando esses atravessadores a fazer o mesmo.

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No terceiro caso, a estratégia consiste mais em desenvolver mercados que ainda não existem, ou existem de forma embrionária. Já que os mercados existentes não permitem obter uma renda boa, o jogo consiste em criar um mercado diferenciado, valorizando o produto (atribuindo um valor social e ambiental às hortaliças, ao óleo de babaçu e ao algodão) e tentando estabilizar o valor num patamar elevado. Trata-se, então, de desenvolver espaços econômicos até então inexistentes na região, com uma diferenciação, seja ela palpável (barracas orgânicas na feira) ou não (certificação formal ou informal do algodão e do óleo de babaçu para o comércio justo...).

Evitar os mercados convencionais e os atravessadores De modo geral, nas três experiências de comercialização, evita-se lidar com os mercados convencionais, onde os produtores agroecológicos e as organizações que os apóiam não têm praticamente nenhum poder de determinação dos preços. Esses mercados – do milho, do feijão, do algodão, dos óleos vegetais, dos animais etc. – são também muito instáveis. Os preços variam em função da época (safra/entressafra), do clima (seca, excesso de chuva), das flutuações nos mercados nacional e internacional (commodities com cotações em bolsa), das prioridades e políticas agrícolas do momento... A ADEC não teria como concorrer no mercado internacional do algodão, uma commodity cotada na bolsa de Chigago, onde o valor é muito inferior ao do algodão orgânico. Da mesma forma, para a fábrica de sabão comum de Pedreiras (MA), tanto faz o óleo de babaçu da COPPALJ ser orgânico ou não. O preço pago à COPPALJ corresponde ao valor do óleo na bolsa de São Paulo no dia da transação, isto é, um terço do valor oferecido no comércio justo. É por isso que a COPPALJ procura ampliar a venda de óleo para empresas de cosméticos do mercado justo, mais estável e financeiramente mais interessante. Apesar dos esforços, nas três regiões aqui destacadas, os mercados convencionais e os atravessadores continuam com peso muito forte nas cadeias produtivas trabalhadas pelas Ongs (algodão, babaçu) e, mais ainda, fora delas. “A melancia vai diretamente para o supermercado, e boa parte do coco é comprada pelos atravessadores”, observa Joseilton, coordenador do PAAF, o Programa de Apoio à Agricultura Familiar, da Diaconia. Alguns produtos da agricultura familiar

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abastecem os supermercados da região; outros, como a castanha de caju, são vendidos para médias e grandes empresas de beneficiamento. Seria um erro considerar a presença dos atravessadores como algo aberrante ou irracional. Pelo contrário, há boas razões para o agricultor familiar continuar vendendo a esses intermediários que pagam mal, porém, pagam no ato da venda, sem que o agricultor precise se deslocar para a cidade. Os técnicos da equipe de campo da Diaconia em Umarizal sabem muito bem disso. “Os armazéns esperam o agricultor chegar, mas os atravessadores vão até as comunidades. O atravessador permanece um elo forte porque as pessoas se acostumaram a vender os produtos sem sair de casa.” O agricultor troca o preço baixo contra os esforços e as incertezas da comercialização. É precisamente o que ocorreu em 2007, no primeiro ano de comercialização do algodão orgânico no Rio Grande do Norte, quando famílias venderam logo a sua colheita para atravessadores. A Diaconia, mesmo prometendo um valor duas vezes maior, não tinha como pagar na hora da entrega. Ou seja, além do preço, fatores como a necessidade imediata, a confiança e a maior ou menor consciência política estão também em jogo (ver box a seguir).

“Eliminar o atravessador”? O que o atravessador sabe, e o agricultor, não? É comum ouvir, na esfera não-governamental, uma retórica guerreira radical contra os atravessadores, inimigos absolutos que deveriam ser “eliminados” do mercado. Mas, ao julgar pelos resultados, entrincheirar-se na boa consciência e travar uma guerra de palavras não tem adiantado muito. Melhor seria começar por entender a função do atravessador, os conhecimentos que ele tem e que fazem a sua força.

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Ricardo Abramovay, no seu estudo Mercados do Empreendorismo de Pequeno Porte no Brasil54, dá uma primeira pista ao afirmar que as relações entre produtores e atravessadores são “mantidas como forma de reduzir o risco e a incerteza dos produtores, mesmo que essa relação seja desvantajosa para eles”. Como resultado, “na sua grande maioria, os agricultores vendem seus produtos a intermediários e participam muito pouco da formação de seus preços.” E isso vale “mesmo em regiões onde existem associações de produtores”, uma vez que “o associativismo por si só não é capaz de romper com as formas tradicionais de comercialização. Isso porque a cooperação, embora seja uma ação necessária para melhorar a capacidade de inserção ao mercado, não é suficiente, pois ela pode estar simplesmente replicando as mesmas estruturas de relações que havia anteriormente”. É o caso, por exemplo, dos assentados da Zona da Mata na sua relação de dependência com os usineiros da cana. Um excelente artigo de Ricardo Costa, escrito na ocasião do I Encontro Nacional de Agroecologia55 ajuda a entender as razões da onipresença dos atravessadores e por que é tão difícil suplantá-los. O autor parte do princípio de que, para os agricultores familiares desenvolverem a autonomia na comercialização da produção, “um dos poucos caminhos é (...) criar um processo de vendas em coletivo”. Ora, “as organizações de agricultores familiares têm larga experiência em lidar coletivamente com questões de ordem política, (...) já nas atividades econômicas os agricultores familiares tendem a agir individualmente.” A partir daí, ele levanta duas grandes questões relativas, respectivamente às práticas necessárias para vender e às relações a serem estabelecidas entre associados. Em seguida, faz uma pergunta que nos interessa particularmente aqui: “Quais os conhecimentos que o atravessador tem, e que não temos?”. A seguir, a síntese das respostas do autor.

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· O conhecimento da região. “O atravessador conhece cada produtor, sabe onde mora, o quanto produz, a qualidade de sua produção. (...) É muito grande o número de associações/cooperativas que não têm esse conhecimento a respeito de seus próprios associados. O atravessador sabe mais sobre as organizações do que elas próprias!” · O conhecimento dos preços e de seu comportamento. “Quando o atravessador sai para comprar sua mercadoria, ele já sabe o preço que pode pagar aos produtores, porque tem a informação do preço pelo qual vai conseguir vender. (...) Ele está em constante contato com seus compradores, busca informações sobre as safras, faz telefonemas, enfim, mantém-se informado”. Do outro lado, “muitos produtores não sabem o valor real de seus produtos.” · O conhecimento dos compradores. “Ele sabe quem são e onde estão seus compradores. A pergunta que se põe é: como ele adquiriu esse conhecimento? A resposta é uma só: viajando. Só se pode conhecer o mercado saindo para procurá-lo. Só se aprende a vender vendendo. (...) Aqui reside o investimento a ser feito em coletivo: uns poucos produtores que façam viagens para conhecer onde estão os compradores retornarão com informações úteis para todos os demais.” · A importância da informação. “O que primeiro circula são as informações. Não se mexe no produto antes de se ter as informações sobre preço, frete, quantidade que cada produtor tem para vender e a quantidade que o comprador quer comprar etc. O produto só se desloca por último...”

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· O mito do caminhão. “Existem muitos atravessadores que (...) trabalham com caminhões de terceiros. O ganho do atravessador não está no frete e sim na diferença entre os preços que paga e os que recebe. (...) Ele sabe que o caminhão parado dá prejuízo, que tem custos fixos elevados e os riscos próprios a qualquer veículo, como acidentes e quebras.” · O mito do capital de giro. “O que é que motiva a associação quando se preocupa em aprimorar seus métodos de comercialização? Se o objetivo é meramente o de melhorar os preços de venda, então sim, é preciso conseguir capital de giro para financiar as compras. Se for só isso a associação não será mais do que outro atravessador. Se a motivação é, porém, de superar a dependência, o que se quer é apropriar-se dos conhecimentos necessários para conduzir autonomamente seus processos de comercialização, aí o capital de giro passa a ter importância secundária. (...) Só a partir da prática concreta do comércio é que os agricultores familiares vão descobrir uma série de direitos que têm.”

Procurar mercados diferenciados As três experiências tentam de fato evitar os mercados convencionais e focam seus esforços em três mercados diferenciados: a feira orgânica local (DIACONIA), o mercado internacional justo (ESPLAR e ASSEMA) e a compra garantida governamental (DIACONIA). As demais opções servem de complemento (venda de verduras na comunidade ou na cidade de porta em porta ou no supermercado local; entrega de pequenas quantidades de óleo de babaçu no comércio justo nacional). Ou, então, representam a única alternativa no momento (a maior parte do óleo de babaçu é vendida na indústria local). Ou, ainda, devem ser consideradas como tentativas malogradas sobre as quais ainda é preciso refletir (a loja da ASSEMA em São Luis).

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Por ora, vamos concentrar a nossa atenção na feira orgânica, no mercado justo e na compra garantida. Nesses três mercados os produtores, além de valorizar seu produto, garantir e estabilizar o preço, procuraram também minimizar a concorrência. Por exemplo, os produtores agroecológicos de Umarizal combinam entre si um valor único para as hortaliças orgânicas no início de cada feira. No Ceará, o preço do algodão é garantido por contratos com duração de três anos pelo principal comprador e, no Maranhão, a COPPALJ tenta aproveitar a sua posição de única produtora mundial de óleo orgânico de babaçu. A entrada nesses três mercados diferenciados fez com que agricultores familiares saíssem da pobreza e passassem a ganhar um pouco mais. Mas o principal fator, em termos de sustentabilidade, talvez seja a estabilidade desses novos mercados. Com a quase certeza de poder vender o produto nos dias, meses e anos seguintes por um preço razoável, um novo horizonte econômico se abre e a existência fica menos incerta para as famílias e as comunidades. Quando o futuro de médio e longo prazo passa a existir, faz sentido planejar a produção, é possível arriscarse mais, contratar um crédito, investir na propriedade e na casa. A principal diferença entre esses três mercados está no grau de complexidade; é mais fácil para uma associação de agricultores incentivar o cultivo de hortaliças e criar uma feira orgânica, do que lidar com consórcios, máquinas pesadas e mercado internacional. Contudo, não se deve subestimar a dificuldade de criar uma “simples” feira. De modo geral, desenvolver um novo mercado, por mais local que seja, demora vários anos. Um tempo geralmente maior que o ritmo eleitoral de quatro anos que pauta a maioria das políticas governamentais. Por isso, mesmo se a implicação dos governos municipais, estaduais ou federal é importante, os novos empreendimentos não devem repousar inteiramente sobre apoios públicos. Além disso, aqui também, é preciso buscar a diversificação, desta vez dos compradores. Esta é uma das regras básicas de sustentabilidade da comercialização, nem sempre respeitada. Por exemplo, os agricultores de Umarizal, atraídos pelos preços e a facilidade de entrega ao programa governamental de compra direta, deixaram por um tempo de priorizar a feira orgânica, que chegou a enfraquecer perigosamente.

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Por um lado, não se pode contar cegamente com o Estado. Por outro, porém, o mercado capitalista tem regras das quais é difícil escapar. A concorrência é uma delas, e ela não pode ser abolida por decreto... Falaremos nisso mais adiante.

Os vários mercados para a agricultura familiar o Brasil Prosseguindo no estudo para a CEPAL, já citado, Ricardo Abramovay faz um “Sumário da importância relativa dos vários mercados e pontos de venda (formal e informal) para produtores familiares (feiras, supermercados, agroindústria)”. Eis a sua síntese · “As experiências de intervenções de maior sucesso são as que têm o caráter sistêmico, isto é, adotam ações que buscam coordenar todo o sistema produtivo de dentro e fora da “porteira”. Além disso, o aumento do poder de barganha com a união dos produtores se alia à estratégia de fuga para mercados diferenciados.” Entre os exemplos citados figuram os agricultores de Capanema, no Estado do Paraná. Integrados ao mercado por meio de cooperativas e agroindústrias e até então produzindo commodities, fizeram a transição para lavouras orgânicas e o processamento dos produtos. Abramovay cita também a experiência do ESPLAR com algodão, e ressalta a importância de estimular a “organização dos agricultores e o aumento da escala de produção”. · As feiras representam modos de inserção ao mercado, dos agricultores mais pobres, de duas formas: “um circuito mais longo inclui a figura do atacadista e do feirante, em geral em localidades maiores. A outra se refere a circuitos mais curtos em que o próprio agricultor comercializa pequenas quantidades de seus produtos.” · O comércio varejista no segmento de alimentos tem crescido no Brasil. Esse “comércio de proximidade, por meio dos mercadinhos de bairro, reflete uma possibilidade de inserção dos produtores pobres.”

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· Os grandes supermercados, que também cresceram muito através de um movimento de fusões e aquisições, têm muitos requisitos de “transporte próprio, qualidade, pontualidade e acima de tudo, preço. (...) No caso de legumes e frutas, a necessidade de volume de produção e a falta de organização limita muito a participação dos produtores mais pobres.” Outro limitante é a exigência de nota fiscal. · Dessa forma, “a produção dos mais pobres é praticamente destinada aos mercados locais e centrais de abastecimento.” · “Uma grande parcela dos agricultores familiares é integrada à agroindústria, principalmente no caso dos produtores de soja, aves, suínos e fumo. Se, de um lado, a integração facilita a comercialização, remuneração mais estável e ascensão a grupos de renda mais elevados, de outro gera uma série de conflitos com a grande especialização e redução de autonomia, que acabam excluindo os produtores [mais pobres] do tipo C e D. Na agroindústria artesanal uma limitação importante é a falta de legislação sanitária adaptada à pequena escala de produção. Outros entraves são a exigência de regularidade de oferta, além da falta de organização e de capacitação.” · “A inserção dos produtores ao mercado externo já pressupõe um grau maior de coordenação diante da burocracia necessária para exportação. Além de questões sanitárias, a necessidade de informação das regras que regem diferentes mercados extrapola os limites das relações pessoais que ocorrem em boa parte das experiências já realizadas.”

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Foco em três mercados: Orgânico, Institucional e justo O mercado local das feiras orgânicas Na feira livre de Umarizal, como em muitas feiras do semi-árido, a quase totalidade dos produtos comercializados vem de grandes pólos de agricultura irrigada, em particular aqueles situados na beira do rio São Francisco. Os comerciantes que vendem na feira são meros intermediários, não agricultores. È verdade que, devido ao clima, em tese, é muito difícil produzir e abastecer uma feira sertaneja o ano todo. Na região de Umarizal, porém, a Diaconia vem investindo muito em tecnologias de acumulação de água, construindo assim a base que permitiu o florescimento de várias feiras orgânicas nessa parte muito seca do estado do Rio Grande do Norte. Contudo, se a água é condição necessária, não é suficiente. Neto, presidente da Associação dos Agricultores e Agricultoras do Oeste Verde (AAOEV) explica por que se passaram cinco anos entre as primeiras discussões sobre comercialização da produção e o estabelecimento da feira de Umarizal, em 2004. “Os agricultores-experimentadores estavam produzindo cada vez mais. Foi daí que surgiram as primeiras discussões em 1999. A AAOEV foi criada em 2002 com o apoio da Diaconia e com o objetivo de comercializar a produção. Demoramos mais dois anos vendendo nas comunidades e na cidade, de porta em porta, para não vender para os atravessadores que compravam pela metade do preço. Não se sabia como fazer para criar uma feira. Tínhamos muitas dúvidas: se havia condição, se a produção era suficiente... Tinha também que providenciar toda a infra-estrutura: barracas, balança, sacolas, faixas, transporte, fazer a divulgação...” A Diaconia contando com apoio financeiro da Oxfam acompanhou todo o processo, que incluiu uma pesquisa de mercado. A pesquisa mostrou que a maioria das frutas e hortaliças

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comercializadas na região vinha de Petrolina, na beira do rio São Francisco, e apontou que produtos orgânicos cultivados localmente seriam muito bem aceitos, desde que o seu preço não fosse proibitivo. A pesquisa serviu também para dar alento e mobilizar um maior número de famílias de produtores, de modo que a primeira feira acabou sendo criada em Umarizal, em 2004. Existem hoje dez feiras em todo o Estado, das quais quatro são iniciativas dos agricultores apoiados pela Diaconia. Nas três principais, 27 famílias oriundas de 17 comunidades vendem semanalmente hortaliças, frutas, ovos, queijos e bolos. Uma rápida pesquisa no início de cada feira indica o valor dos produtos naquele dia. Por exemplo, a alface pode custar entre 30 e 65 centavos a depender da época do ano. Dessa forma, o preço das hortaliças orgânicas é sempre o mesmo que o preço das hortaliças comuns. A diferença é que, no caso do produto orgânico, uma vez fixado, o valor não varia entre o início e o final da feira. A renda média bruta por família é da ordem de 400 reais por mês, apenas com a feira. Pode parecer pouco, comparando com as feiras orgânicas das grandes cidades (ver box abaixo). Mas Joseílton, coordenador do programa de agricultura familiar da Diaconia lembra que esses empreendimentos são “muito diferentes da feira agroecológica de uma capital como Recife, onde a feira tem espaço próprio e uma demanda por produtos agroecológicos muito maior do que num pequeno município do interior.” Com efeito, no sertão riograndense, as feiras orgânicas acontecem dentro das férias livres, de modo que “a clientela não é da classe A ou B, como em Recife. No interior, todo mundo freqüenta a feira livre.” Os agricultores agroecológicos se diferenciam dos outros comerciantes apenas pelo espaço separado ocupado dentro da feira e pelas faixas indicando o caráter orgânico da produção. Um dos aspectos ressaltados pela Diaconia é a maneira como usou a feira para atrair quem cultivava fumo na região. “São mais ou menos cem produtores de fumo na beira do Rio Umari. Essa é uma monocultura que esgota os solos, usa muita água e muito veneno. Rende bastante, mas tem custos muito elevados. Agricultores agroecológicos que vendem nas feiras estão servindo de exemplo, de modo que cada vez mais pessoas estão saindo do fumo. O fumo

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dá um bom lucro no primeiro ano, mas as coisas se complicam no segundo ano, quando o produtor começa a reembolsar o material de irrigação.” Vender hortaliças na feira, produzidas com custos relativamente baixos, é hoje mais vantajoso do que plantar e vender fumo para a Souza Cruz. É menos trabalhoso, não cria a dependência típica da relação de integração com uma grande empresa, o lucro é maior, é mais saudável e, com a consolidação da feira, a renda passou a ser tão segura quanto a do fumo: ”Tudo o que os produtores levam para feira, vendem”. Mesmo que numa escala ainda pequena, a experiência mostra que melhorias rápidas são possíveis para um conjunto de produtores agroecológicos, até nos locais mais remotos do sertão. Há, contudo, sinais de saturação dos produtos de ciclo mais rápido, como o coentro e a alface, que tendem a predominar em detrimento da diversidade dos produtos. Essas dificuldades têm a ver com o rápido crescimento do número de associados e a fragilidade da AAOEV, a associação dos produtores. Essa associação continua muito dependente da DIACONIA, em particular para a organização das reuniões e do transporte. É verdade que não é fácil reunir agricultores de três municípios, espalhados em 17 comunidades rurais muito distantes, numa região onde o transporte público é praticamente inexistente. Difícil mas indispensável, pois há muito o que discutir: o planejamento da produção para diversificar a oferta, o beneficiamento das frutas, o regimento interno da associação... Neste último aspecto, por exemplo, falta estabelecer regras de modo a evitar a multiplicação de ocorrências pouco éticas entre os próprios associados. Quem dispõe de uma maior infra-estrutura de irrigação e produz muito está vendendo alfaces a preço baixo para intermediários que as revendem na feira. Ou seja, estão surgindo casos de concorrência desleal entre quem pode produzir em grande escala e produtores orgânicos que só dispõem do quintal da sua casa. Se a associação não interferir, a regulação será feita pelo mercado, em detrimento dos mais pobres.

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A consolidação das feiras agroecológicas é fruto de anos de experimentação, reflexão e organização As feiras do Rio Grande do Norte se inspiraram em boa parte em feiras mais antigas promovidas pelo Centro Sabiá56, em Pernambuco. Uma publicação do Sabiá conta a história e faz o balanço de dez anos de feiras em Pernambuco, estado pioneiro que já contava, em 2006, com 25 feiras ou “espaços agroecológicos”, do litoral até o sertão profundo. As três primeiras feiras surgiram em 1997, primeiro em Umari e Gravatá, no Agreste, e logo depois na capital, Recife. Pegando emprestado bancadas da feira dominical tradicional, dez agricultores de Umari iniciaram a venda de produtos agroecológicos durante a semana. “No inicio, ficavam meio encabulados, aguardando os compradores. (...) As pessoas da comunidade não entendiam a diferença entre os produtos daquele grupo e os outros da feira tradicional. Demorou muito para que a comunidade entendesse.” Vários problemas foram logo identificados, como a fraqueza da divulgação, a disparidade de preços entre feirantes, ou a produção ainda muito limitada. Após uma avaliação das três feiras pernambucanas, decidiu-se incorporar culturas de ciclo curto nas experiências agroflorestais, favorecer intercâmbios entre experiências e criar uma organização específica para a comercialização. Constatou-se também que os sindicatos de trabalhadores rurais não tinham como assumir o papel de promotor da feira. Além disso, a assessoria passou a atuar mais fortemente no planejamento da produção. Relações difíceis com a Prefeitura e mobilização dos consumidores. Em Recife, foi preciso, desde o início, levar em conta a lei municipal que proíbe a realização de feiras em praças públicas. Na terceira feira, quando a autorização provisória venceu, a polícia foi acionada para impedir a comercialização. O fato mais interessante foi que “os consumidores se mobilizaram e impediram a ação policial.” Ou seja, no início, o Espaço Agroecológico não tinha o apoio da Prefeitura, mas já podia contar como o apoio dos fregueses. A partir de 2000, com a mudança na

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administração municipal, “houve um apoio efetivo da Prefeitura, especialmente nas questões de segurança, organização do trânsito e divulgação da feira.” Porém, o Sabiá adverte de que “é necessário um diálogo constante com a Prefeitura”, já que a mudança de pessoas nos quadros das Secretarias Municipais gera sempre novos desafios.” Em 1999, “as relações de solidariedade entre os consumidores e os agricultores permitiram que fosse desenvolvida a experiência do Crédito Solidário”, isto é, o pagamento antecipado dos produtos, “gerando créditos que eram descontados à medida que as feiras iam acontecendo.” Graças a esse sistema, vários agricultores puderam adquirir o material de comercialização (barracas, grades...). Em 2000, quando os consumidores foram entrevistados, as principais preocupações giravam em torno da qualidade irregular do atendimento, da pouca oferta de produtos, da sujeira na feira e do preço dos produtos. A consolidação da feira: treinamento, regimento interno e manual de certificação. Depois da pesquisa, houve treinamento para “tratar com o cliente, saber conversar e ter cuidado com a higiene”. Cuidou-se mais do visual dos agricultores e da aparência das barracas, que foram padronizadas. Depois de cada feira, havia reuniões, além de outros encontros onde problemas eram discutidos. As decisões mais importantes foram registradas em atas, facilitando assim “a organização de um só documento que se transformou no Regimento Interno do Espaço Agroecológico.” Esse regimento interno determina, entre outros, a política de preço e a criação de um fundo de feira alimentado por uma taxa de adesão e uma taxa semanal. O fundo é utilizado para investir na melhoria da feira, pagar o transporte, além de permitir pequenos empréstimos e ajudas emergenciais. Nesse mesmo espírito de organização uma comissão também elaborou um manual de certificação. Nos primeiros anos, o Sabiá participava muito das reuniões. Sua participação foi diminuindo, até os agricultores assumirem plenamente a coordenação da feira. Hoje, apenas “em momentos críticos, a entidade é chamada a ter uma participação maior.” Os resultados alcançados pelas feiras agroecológicas se deram em termos de segurança alimentar; mudanças significativas na alimentação e na saúde dos agricultores; planejamento das

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unidades familiares para estabelecer uma oferta mais constante; entrada semanal de dinheiro proporcionando também momentos de lazer para as famílias; controle do dinheiro por mulheres e jovens, e não mais apenas pelos homens; mudanças nas relações de gênero devido às mudanças impulsionadas por mulheres nos sistemas de produção; profissionalização enquanto agricultores e comerciantes. O sucesso das feiras pioneiras e os conhecimentos acumulados provocaram também a multiplicação de iniciativas no Recife, em outros municípios pernambucanos e outros Estados nordestinos. A renda com a feira é muito diferente na capital e no interior. Um levantamento realizado em agosto e setembro de 2003, no Recife e em Serra Talhada, índica qual é a renda das famílias que vendem seus produtos numa feira agroecológica semanal. Mostra também uma considerável diferença de renda entre Serra Talhada, cidade de médio porte do Sertão pernambucana e Recife, a capital do estado de Pernambuco. Está resumido na Tabela a seguir.

Tabela 1: Renda dos agricultores familiares nas feiras agroecológicas de Recife e Serra Talhada57 En R$ de 2003) (US$1=R1,75 em fevereiro de 2008)

Receita bruta (2 meses)

Transporte (2 meses)

Outras despesas (2 meses)

Renda líquida mensal

RECIFE

Família de maior renda Família de menor renda Média das famílias

2.860

200

78

1291

1.030

320

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312

SERRA TALHADA

Família de maior renda Família de menor renda Média das famílias

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2.860

200

78

1291

1.030

320

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312

2.542

356

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825

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O mercado institucional Sabourin58 define os mercados institucionais como: “instrumentos com os quais o estado, por meio da administração pública, pode decidir comprar em prioridade bens ou serviços produzidos [pelos] empreendimentos [solidários], eventualmente com preços mínimos garantidos. Este mecanismo protege os empreendimentos solidários da concorrência do mercado capitalista. Tem a vantagem de existir em vários níveis do Estado e de poder ser administrado de maneira descentralizada: na escala municipal (merenda escolar, creches, mobiliário escolar), na escala estadual (hospitais, colégios, administração e empresais estaduais) e na escala federal (mercados da administração federal e da regulação de estoques).” O governo Lula criou o Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos (PAA), uma forma de mercado institucional que, para Sabourin “se tornou o melhor instrumento do Projeto Fome Zero a favor do apoio aos agricultores familiares mais pobres.” A feição que o PAA tomou em Umarizal (RN) confirma em parte essa avaliação, mas mostra também os limites do PAA e os riscos de interferência desse programa governamental com as feiras agroecológicas. No Rio Grande do Norte, onde o PAA chama-se “Compra Garantida”, os produtos adquiridos pelo governo – mel, raízes, carne, queijo, bolos e, principalmente, hortifrutigranjeiros – complementam a merenda escolar e as refeições de centros de idosos, creches e organizações beneficientes em geral. Em Umarizal, mais da metade dos dez mil habitantes da cidade teriam sido beneficiados pelo programa. O princípio do PAA é simples: as organizações previamente cadastradas vão buscar os produtos no mesmo ponto onde os produtores os entregam. O valor total das mercadorias não pode ultrapassar R$3.800,00 (U$2.170,00) por família de produtor. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR) seleciona os beneficiários e é o responsável pelo controle social do processo no seu conjunto. A EMATER, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural cuida da logística, cadastra os produtores e emite as notas

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fiscais, que são pagas dois dias após a entrega. Faz também tomada de preço no mercado para determinar o preço dos produtos. De modo geral, o melhor preço serve de referência, o que representa um fator atrativo muito forte para o produtor. Por exemplo, em 2006, o quilo de mel, vendido por R$5,00 (U$2,85) na feira era comprado por R$9,00 (U$5,15) pelo PAA. Em Umarizal, nesse mesmo ano, 150 produtores se cadastraram. O valor total disponível para pagar os produtos era de R$180 mil. (U$103.000,00) O programa tem tudo para dar certo, uma vez que funciona com a lógica win-win, ou seja, todos ganham. Faz circular dinheiro no município, estimulando a economia local, e é menos exigente que os supermercados quanto à quantidade e freqüência de entrega da produção. “O PAA pega os produtos da época, garante o pagamento e paga melhor”, resume um técnico da Emater. E para a associação de produtores, “é bom ter mais uma forma de comercialização”. Infelizmente, “a melhor política do Fome Zero”, na sua modalidade estadual, é sensível à má gestão e à politicagem, particularmente em ano eleitoral59. Entre outras ocorrências, famílias conseguiram cadastrar mais de uma pessoa e houve pressões políticas sobre a EMATER para incluir famílias que não respondiam aos critérios passando por cima do CMDR, conselho teoricamente encarregado do cadastramento. No final das contas, os R$180 mil inicialmente previstos para o ano 2006 foram insuficientes, alguns produtores foram pagos com vários meses de atraso, o que, por tabela, atrasou a liberação de verbas para o PAA em 2007. Existe outra versão do PAA, em que a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), dispensa os intermediários. Neste caso, é a associação de agricultores ou a cooperativa que cuida da logística de entrega nas entidades beneficiadas. A AAOEV da região de Umarizal poderia se candidatar mas seu presidente admite que “ainda não é organizada o suficiente para cuidar disso”. Já vimos que as políticas assistenciais do programa federal Fome Zero como o Bolsa-Família têm efeitos tanto positivos (ao injetar dinheiro na economia local, incentivam o consumo e

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desaceleram o êxodo rural) como negativos (desestimulam a produção e favorecem a compra nos supermercados) sobre a comercialização. Em comparação, uma política como o PAA, quando bem administrada, parece de fato ser mais sustentável. É pelo menos o que mostram os processos de aquisição e redistribuição de alimentos em Caraúbas e Lucrécia, municípios vizinhos de Umarizal, onde o PAA transcorreu sem maiores incidentes. Resta que o orçamento do Bolsa- Família é muitas vezes superior ao do PAA. Segundo Marcus Vinicius, do ESPLAR, apesar das vantagens apresentadas, é pouco provável que essa política cresça muito, devido às pressões internacionais: “O PAA é fundamental, mas, se a verba aumentar, a Organização Mundial do Comércio vai barrar. A OMC não permite políticas exclusivas que priorizam determinado setor. Até mesmo no âmbito nacional, se o PAA fosse crescer, teríamos um forte embate com o agronégócio.” Outra questão é de que o PAA é muito sensível às flutuações políticas (mudança de equipe governamental) e à conjuntura político-administrativa (funciona razoavelmente no Rio Grande do Norte e muito mal no Ceará). Em Umarizal, apesar das advertências da DIACONIA quanto à volatilidade dos programas governamentais, o apelo do dinheiro foi mais forte e revelou potenciais efeitos perversos desse programa. Várias famílias deixaram de abastecer a feira semanal para vender sua produção ao PAA, colocando assim em xeque o bom atendimento e a fidelização do consumidor na feira orgânica. Ao descuidar da diversidade, qualidade e regularidade do abastecimento, colocaram em risco a sustentabilidade da feira. Além do mais, o episódio mostra também que, se a palavra de ordem “diversificar os mercados” parece sensata, ela traz também desafios organizacionais. Como produzir coletivamente para vários mercados (PAA, feira, porta a porta, supermercado, loja própria) que têm ritmos, lógicas e exigências diferentes? Quem deveria responder esta pergunta são as associações de produtores como a AAOEV, que serão cada vez mais exigidas em termos de planejamento da produção, profissionalização da comercialização e administração de negócios em geral, como mostra claramente a história das feiras agroecológicas em Pernambuco (ver box anterior ).

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O comércio justo do algodão Como vimos anteriormente, os consórcios agroecológicos do ESPLAR comportam de três a seis culturas diferentes agrupadas em três componentes: alimentar (milho, feijão, melancia, gergelim), ambiental (nim) e renda (gergelim, algodão). Desde os primeiros experimentos em 1990, o algodão é a estrela do consórcio. Mas foi preciso esperar quatorze anos para que o crescimento da produção encontrasse uma base segura, graças ao ingresso no comércio justo em 2004. O que é o comércio justo? Os primeiros contatos do pessoal do Ceará com empresas do comércio justo ocorreram no próprio local de produção e beneficiamento do algodão, em Tauá, com duas empresas francesas, a Veja e a Alter Eco. Foi a Veja que acabou fechando um contrato com a ADEC, mas as duas empresas têm muito em comum. Os agricultores ainda lembram da forma didática e transparente com que Tristan Lecomte, da Alter Eco, apresentou a cadeia do algodão. Lecomte, além de empresário, é também autor de um livro sobre comércio justo60 do qual extraímos boa parte da apresentação a seguir. O comércio justo postula que o comércio convencional é injusto, sobretudo em relação aos pequenos produtores dos países em desenvolvimento. As causas dessa desigualdade são de dois tipos. Há fatores locais (pobreza e isolamento dos pequenos produtores, preços baixos, poder dos intermediários, mercados mal organizados, monopólios...) e fatores internacionais ligados à organização do comércio mundial e às condições de troca desfavoráveis entre o Norte e o Sul (preços baixos, fortes variações do valor das commodities e das taxas de câmbio...). Com base nessa análise, Lecomte define o comércio justo como uma prática que consiste em: “trabalhar prioritariamente com os produtores mais desfavorecidos, incentivando seu desenvolvimento autônomo e sustentável através de condições comerciais vantajosas,

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como a garantia do preço de compra, o contrato de longo prazo, o pré-financiamento, a atribuição de um prêmio de desenvolvimento...” Um dos principais pressupostos do comércio justo é de que a melhor maneira de ajudar famílias a viver com dignidade “passa pelo desenvolvimento econômico e a justa remuneração dos atores da cadeia.” O seu objetivo seria então “o desenvolvimento local dos pequenos produtores”, como também “a regulação dos mercados internacionais, o desenvolvimento de normas e de uma certificação social internacional.” Na realidade, há duas grandes tendências do comércio justo. A primeira, mais crítica para com o sistema capitalista, “reserva o comércio justo a um circuito alternativo especializado”. A segunda exige “ajustes no processo de criação de valor do sistema liberal” sem, porém, criticar seus fundamentos e “propõe a integração dos produtos do comércio justo nos circuitos de distribuição convencionais”61. Por fim, Lecomte ressalta que o comércio justo inspirou-se em temáticas do desenvolvimento sustentável, seja na sua dimensão econômica (valorizar os produtos, intensificar e diversificar os cultivos), como social (remuneração suficiente para poder viver dignamente em termos de nutrição, saúde, educação), ambiental (agricultura orgânica, rastreabilidade da cadeia produtiva) e cultural (valorização das culturas tradicionais).

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Os critérios de “exigência” e “progresso” do comércio justo A Veja Fair Trade, principal comprador de algodão orgânico da ADEC, é membro da Plataforma Francesa do Comércio Justo (PFCE), que define duas séries de critérios para suas afiliadas62. A) justo.

Os critérios de “exigência”, obrigatórios para todas as organizações do comércio

1) Solidário: trabalhar prioritariamente com os produtores menos favorecidos de forma solidária e sustentável. 2) Direto: evitar os intermediários para maximizar o ganho do produtor. 3) Justo: o preço de compra é calculado de modo que o produtor possa gozar de uma renda digna e, também, de modo a garantir o respeito de determinados critérios sociais e ambientais. 4) Transparente: apresentar todas as informações sobre o produto e o circuito de comercialização. 5) Qualitativo: valorizar os saberes tradicionais e o uso de insumos naturais. B) Os critérios de “progresso”, aplicados à medida que a atividade econômica vai se desenvolvendo. 1) Favorecer organizações participativas, que não discriminam e respeitam a liberdade de expressão. 2) Eliminar o trabalho infantil, tolerado apenas como transitório ou acoplado à escolarização ou à formação profissional. 3) Garantir salários e condições de trabalho decentes para os assalariados. 4) Incentivar a autonomia dos produtores, diversificando as opções de comercialização, em particular no mercado local. 5) Engajamento dos atores em relação ao seu ambiente econômico, social e ambiental.

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Muitos avanços na região de Tauá após o ingresso no comércio justo A história do algodão orgânico no Ceará começa em 1990, com o “grupo de pesquisa do algodão”, formado por dois técnicos do ESPLAR e doze agricultores de sete municípios, que fizeram as primeiras experimentações de cultivo consorciado. Em 1993, a associação dos produtores de Tauá, a ADEC, adquire uma descaroçadeira e, durante três anos, a pluma de algodão é vendida para uma indústria de São Paulo que confecciona camisetas orgânicas para o Greenpeace. Durante os dez primeiros anos, o interesse dos agricultores pelo consórcio é extremamente irregular. O número de interessados salta de sete em 1997 para 154 em 200063. No mesmo período, o algodão recebe a certificação orgânica, financiada por dois compradores, a Baobá Tecidos Artesanais (SP) e a Tribal Company (PR). No ano 2000, a proposta parece consolidada, faltando apenas capital de giro para pagar os produtores no ato da entrega. O Banco do Nordeste do Brasil promete um crédito para o capital de giro, mas não cumpre o seu compromisso e o número de produtores de algodão cai para 17 em 2001, para subir novamente para 119 em 2002, quando o ESPLAR resolve emprestar capital de giro à ADEC e passa a oferecer subsídios a quem for plantar algodão nos moldes do consórcio agroecológico. Graças ao apoio do ESPLAR a oferta volta a crescer, resolvendo metade do problema. Metade porque, naquele momento, a demanda vai passar a ser problemática. Quando a empresa brasileira Osklen adquire 3,6 toneladas de algodão orgânico para confeccionar as roupas de um badalado desfile de moda em São Paulo em 2002, os técnicos do ESPLAR e os agricultores da ADEC comemoram: desta vez, o empreendimento está decolando para valer. Mas eles vêem logo suas expectativas frustradas quando a mesma empresa desiste repentinamente de comprar a safra em 2003, cinco meses depois de ter apalaravado a compra da pluma. A situação só se estabilizaria com a chegada da empresa francesa de comércio justo, a Veja Fair Trade, recém-criada, à procura de algodão orgânico para fabricar calçados esportivos no Brasil, destinados ao comércio justo europeu.. Em 2004, depois de uma longa conversa com os agricultores em Tauá, a Veja compra as

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três toneladas da safra de 2003, encalhadas há um ano, por um preço superior em mais de duas vezes ao do mercado internacional. Em 2005, ela fecha um contrato de três anos com a ADEC. No mesmo ano, a Univens, empresa brasileira de comércio justo, lança a Justa Trama, marca da cadeia ecológica do algodão. (Ver o box abaixo) Pedro Jorge, engenheiro agrônomo do ESPLAR que incansavelmente procurou novos mercados para a ADEC, enfatiza a importância desse momento, verdadeiro ponto de inflexão na trajetória de comercialização do algodão orgânico: “Até então, havíamos encontrado alguns compradores decentes, porém eram empresas convencionais, não do comércio justo. Quando entram a Veja e a Univens, muita coisa muda.”. A partir de então, o preço muda: “Antes o preço era ligado à bolsa de Nova York; hoje não, graças ao comércio justo. A proposta feita em 2004, R$6,00 (U$3,40) o quilo de pluma, era, na época, 2,5 vezes maior que a cotação na bolsa.” As relações também mudam: “Logo na primeira visita em Tauá, lembra Chagas Maia, gerente da ADEC, o pessoal da Veja apresentou aos agricultores o circuito de fabricação e comercialização do tênis. A partir dessas informações discutimos o que seria um preço justo. A gente sempre conversa, é uma relação aberta e flexível. Mesmo com o sucesso da venda dos tênis, e a escassez de algodão orgânico no mercado, por solidariedade, a Veja sempre cede uma parte da produção à Univens, da Justa Trama.” O contrato de três anos, ao garantir a demanda, forneceu um chão firme para ampliar a oferta. O ESPLAR que já havia incentivado a criação de consórcios nos municípios vizinhos de Choró, Quixadá e Massapê, pôde estimular sua implantação em Canindé e em outros três municípios da

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região norte do estado: Sobral, Forquilha e Santana do Acaraú. Resultado: em 2007, 245 agricultores produziram 42 toneladas de algodão em rama numa área de 256 hectares. Depois de processada, a produção rendeu 15 toneladas de pluma, das quais 13 foram compradas pela Veja, que adiantou 40% do valor da compra, resolvendo assim boa parte dos problemas da ADEC com capital de giro. As outras duas toneladas foram adquiridas pela Univens, infelizmente sem condição de fazer o mesmo. Com a expansão da produção, surgiu uma nova institucionalidade: o Grupo Agroecologia e Mercado (GAM), composto por representantes da ADEC de Tauá, do ESPLAR e dos sindicatos dos demais municípios produtores do algodão ecológico. O GAM participa das negociações com os compradores, discute problemas técnicos e comerciais, planeja a produção e tenta regular a tempestuosa relação entre a ADEC, experiente e dona das máquinas, e os sindicatos recémchegados no mercado de algodão, responsáveis pela organização da produção nos seus respectivos municípios. Juntos, o GAM, a ADEC e o ESPLAR estão contribuindo para firmar o primeiro elo de duas cadeias bastante distintas. Por um lado, a venda dos tênis da Veja em lojas especializadas, espalhadas mundo afora, vai crescendo muito rapidamente, o que praticamente garante um preço alto e estável para o algodão nos próximos anos. Por outro lado, o esquema de venda de confecções da Justa Trama é bastante improvisado e não oferece as mesmas perspectivas. A diferença é fundamental e o último elo da cadeia (a comercialização) influi sobremaneira sobre o primeiro (a produção). Com efeito, a venda de tênis para a juventude relativamente bem abastada (porém ambiental e socialmente consciente) do Norte, garante o preço justo pago aos agricultores familiares do sertão cearense e permite contornar os atravessadores graças ao adiantamento do capital de giro. No final das contas, é também o contrato com a Veja que viabiliza o primeiro elo da Justa Trama. Sem o dinheiro adiantado pela Veja, a ADEC não teria como agüentar os atrasos de pagamento da Univens e todos os elos da Justa Trama, do primeiro ao último, ficariam na dependência das receitas irregulares e imprevisíveis da venda das confecções em feiras e eventos da economia solidária.

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Os circuitos de comercialização da Veja e da Justa Trama64 Em 2004 a Univens, uma cooperativa de costureiras de Porto Alegre (RS) articula uma rede de cooperativas e associações de trabalhadores de todos os elos da cadeia têxtil para fabricar confecções, pautando-se pelas normas do comércio justo e do mercado solidário. Uma dessas cooperativas, a CONES – Cooperativa Nova Esperança, de Nova Odessa (SP), ao aceitar o desafio de produzir fios a partir de pequenos volumes de algodão (3 a 5 toneladas por ano), remove o principal obstáculo ao funcionamento das cadeias orgânicas do tênis e das confecções. O primeiro elo da cadeia do tênis (Veja) e das confecções (Justa Trama) é o algodão orgânico cearense da ADEC. Com esse algodão, uma única empresa, a CONES, fabrica os fios, grossos e finos. Com o fio grosso fabrica-se a lona do tênis da Veja, em Americana (SP). Em seguida, uma indústria de Nova Hamburgo (RS) usa a lona orgânica e a borracha oriunda de uma reserva extrativista da Amazônia para montar os tênis. Estes são vendidos em torno de 30 euros para lojas de varejo da moda, na França, Espanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Suécia e outros países, e chegam aos consumidores por cerca de 80 euros o par. Os fios mais finos viram malha e tecido em Sant André (SP). Aí, a cadeia produtiva da Justa Trama divide-se. Por um lado, a Univens, cooperativa de costureira de Porto Alegre (RS), confecciona roupas, adornadas com sementes decorativas compradas na AÇAÍ´, uma cooperativa do Estado de Rondônia, que também integra a cadeia da Justa Trama. Essas roupas são vendidas em feiras de economia solidária ou deixadas em consignação em algumas lojas de Porto Alegre e São Paulo. Vale notar que a produção orgânica da Univens representa apenas 10% da sua produção total (o resto não é orgânico) Por outro lado, a Fio Nobre, cooperativa de Itajaí (SC), também membro da Justa Trama, usa o fio de algodão e as sementes para confeccionar roupas.

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Como administrar o crescimento? “A comercialização do algodão se estruturou quando o mercado ficou garantido, nota Marcus Vinicius só, do ESPLAR, mas é preciso ter cuidado: não podemos ficar dependendo de um só comprador.” A própria Veja sempre ressalta que não deseja ter a exclusividade da compra do algodão da ADEC, mas é importante que tenha a prioridade. Os contratos ressaltam esse aspecto, quando definem um percentual da produção total da ADEC destindado à Veja. Felizmente, graças à ampla divulgação dos bons resultados na mídia, o algodão orgânico está de vento em popa: no segundo semestre de 2007, um grande número de novos compradores estava na fila de espera. A pergunta agora é: como administrar o crescimento? A ICCO, uma importante agência de cooperação holandesa que apóia cadeias produtivas, está exigindo da ADEC a elaboração de um plano de negócio para os próximos anos. A Fundação Banco do Brasil está querendo financiar um novo galpão e uma descaroçadeira a fundo perdido. Mas não é tão fácil transformar agricultores em empreendedores. Na ADEC, por exemplo, apesar da insistência do ESPLAR, as planilhas de custos ainda não fazem parte da rotina. Essa não é apenas uma questão econômica ou administrativa. A pergunta, reformulada, poderia ser: como resistir à tentação de aumentar a produção descuidando dos outros parâmetros – políticos, sociais e ambientais? “Vamos crescer de acordo com o tamanho do mercado justo”, responde Pedro Jorge. Não é tão simples, pois a produtividade do consórcio familiar é limitada. Isto é, o único jeito de aumentar a produção é aumentar o número de produtores. O que significa mais assistência técnica e mais formação dos agricultores. Ambas funcionam na base de momentos de capacitação, visitas de acompanhamento, intercâmbios, trocas de conhecimentos entre pares – que são lentos por natureza, enquanto a demanda está crescendo muito rapidamente. Se houver desatenção, a forte demanda pelo algodão pode chegar a atropelar o consórcio no seu princípio mesmo. Chagas Maia, gerente da ADEC não gostaria de repetir o que ocorreu na safra

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de 2007, quando algumas famílias plantaram até 90% de algodão nos seus “consórcios”. O ESPLAR tampouco: “Estamos rediscutindo com os sindicatos e a ADEC o que é um consórcio agroecológico. Terá que ter no mínimo três cultivos, com no máximo 60% de algodão. A partir daí vamos retomar a capacitação.” Duas grandes ameaças externas também preocupam. Como será que o algodão reagirá à forte seca que, irremediavelmente, vai chegar, como já chegou inúmeras vezes desde que o sertão é sertão? “Acho que, se houver uma seca, a produção vai diminuir, mas não vai acabar, responde Chagas Maia. Precisamos persistir no plantio de algodão arbustivo, que dura três anos, e não cair na armadilha de plantar apenas o herbáceo, que rende mais mas é anual. E para dar sustentabilidade ao algodão, devemos também cuidar melhor da comercialização de outros produtos do consórcio, como o gergelim.” Pedro Jorge concorda e vai mais longe: “Além da diversidade de produtos, vamos cuidar da diversidade dos mercados: trabalhar o quanto for possível dentro do comércio justo, sim, mas sem esquecer o mercado convencional, as feiras, por exemplo.” Outra grande preocupação é o algodão transgênico, que pode inviabilizar o cultivo orgânico. “Vamos exigir do governo federal que o sertão seja decretado zona de exclusão para os transgênicos, como já ocorre em outras regiões como o Pantanal e a Amazônia”, continua Chagas Maia.

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Vale notar, de passagem, que, na defesa do bioma caatinga, o político, o social e o ambiental se mesclam de forma estreita. O ESPLAR, Ong veterana criada em 1974, não tem medo de lidar com o mercado. “Na década de 80, já havia essa discussão. Diferentemente de outras Ongs, o ESPLAR sempre defendeu que, tanto a relação com o Estado como a relação com o mercado, são necessárias. Hoje, lidar com o grande mercado passou a ser comum para nós. Não temos medo porque existe uma grande clareza, e porque o agricultor se beneficia.” É verdade, porém os ganhos para o agricultor familiar não são tão grandes e, até, destoam em relação à forte empolgação em torno do consórcio agroecológico, do comércio justo e do mercado internacional orgânico. Com um hectare de consórcio, uma família apura um valor bruto da ordem de 800 a 950 reais (US$460,00 a US$540,00) por ano65. O que pode, no máximo, ser qualificado de complemento de renda razoável. O processamento do óleo de gergelim oferece certamente boas perspectivas para incrementar a renda oriunda dos consórcios. Mas este é um negócio totalmente diferente do algodão: são outros tipos de máquinas e os mercados do gergelim precisariam ser melhor conhecidos. A onda do comércio justo levanta várias questões. Autores como Lecomte insistem muito no fato de que “o comércio justo não é caridade” porque trata-se de “um novo modelo econômico eficaz”. A proposta consiste em introduzir os agricultores no mercado, com o objetivo de que se tornem empreendedores autônomos. Talvez seja possível para alguns, organizados em cooperativas. Não temos certeza de que seja possível para a maioria, nem mesmo que seja esse o seu desejo. É como se os adeptos do comércio justo quisessem universalizar uma única via, a do mercado, dotada de maiores virtudes que as outras - a redistribuição, o autoconsumo, a solidariedade – para promover o desenvolvimento sustentável. Sem negar as virtudes do comércio justo, evidentes na experiência do ESPLAR e da ASSEMA, a “hibridação” de vários princípios econômicos – mercado, redistribuição pelo Estado e solidariedade – talvez seja uma via mais flexível e mais promissora66.

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Os vários mercados do babaçu Na ASSEMA, dois técnicos trabalham exclusivamente no apoio à comercialização e lidam com diferentes tipos de mercado. O principal empreendimento é a produção de óleo de babaçu pela COPPALJ. Mas o óleo é apenas um dos vários itens da linha “ Babaçu Livre”: o mesocarpo e os sabonetes são também produtos importantes e, em escala muito menor, há ainda artefatos de papel reciclado, remédios naturais à base de plantas, licores e doces... O óleo de babaçu é vendido no mercado justo internacional e nacional, e sobretudo no mercado local. A torta de babaçu é comercializada apenas no mercado local. O mesocarpo, por sua vez, já entrou no mercado institucional, o PAA. Junto com os sabonetes e o papel reciclado, é também vendido na Embaixada do Babaçu Livre, a loja de economia solidária que a ASSEMA abriu na capital do estado, São Luis do Maranhão. A partir da Embaixada, os sabonetes e o mesocarpo são também redistribuídos para outras lojas da capital e outras cidades. Entretanto, a quase totalidade do faturamento e das receitas vem da comercialização do óleo de babaçu e, aqui também, o comércio justo tem sido fundamental.

Duas cooperativas sobreviveram, outras duas fecharam No início dos anos 90, a ASSEMA já discutia a comercialização dos excedentes de arroz e farinha de mandioca. Logo, deu-se conta de que havia um mercado interessante para o babaçu, desde que se conseguisse sair das garras do atravessador. A COPPALJ nasceu em 1991, em Lago do Junco. Comprava acima do preço convencional o carvão da casca do babaçu e a amêndoa, através de uma rede de cantinas espalhadas nas comunidades. Nas cantinas, o produtor podia trocar a amêndoa e o carvão de babaçu por dinheiro, ou por produtos básicos, como sal, café, açúcar, sabão, arroz...

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Nessa época, o atravessador comprava a amêndoa por onze centavos o quilo. Graças ao capital de giro doado pela MISEREOR, a cooperativa pôde oferecer o dobro, vinte e dois centavos, pagando na hora. Então, os atravessadores lançaram mão de uma prática chamada dumping. Ofereceram vinte e sete centavos o quilo, cinco centavos a mais que a COPPALJ. Quer dizer, aceitaram perder dinheiro durante um tempo – até quebrar a COPPALJ - para logo depois voltarem a praticar preços baixos. Conseguiram: a COPPALJ, sem fôlego, acabou perdendo esse jogo de queda-debraço e quebrou. Foi daí que surgiu em 1993 a idéia de fabricar o próprio óleo de babaçu. Demoraria muitos anos até a COPPALJ tornar-se autosuficiente. Nos seus primeiros anos, cometeu erros, corrigiu o rumo, sofreu desvio de dinheiro, contraiu dívidas, um acidente destruiu o caminhão, o número de cooperados caiu e depois subiu novamente, a cooperativa passou por várias crises e por longos processos de avaliação para, no final das contas, firmar-se como referência nacional e internacional do movimento agroextrativista. Em 1992, um ano após a criação da COPPALJ em Lago do Junco, três outras cooperativas nasceram em três municípios vizinhos. As duas que comercializavam amêndoas de babaçu faliram, vítimas de uma visão irrealista do mercado e da falta de compromisso dos seus membros. A COOPAESP, de Esperantinópolis, sobreviveu e continua viva até hoje. No início, comercializava apenas os excedentes da produção de arroz. O arroz deu prejuízo, e os assessores da ASSEMA voltaram-se para a extração do mesocarpo de babaçu, com os quais as mulheres costumavam fazer mingau. Firmaram uma parceria com a EMBRAPA, analisaram o produto, estudaram o mercado e partiram para a produção de mesocarpo em maior escala, rumo ao aproveitamento integral do babaçu.

O comércio justo foi fundamental na estabilização da COPPALJ A COPPALJ começou realmente a firmar-se a partir de 1995, quando a Bodyshop, uma empresa inglesa de cosméticos, resolveu comprar 63 toneladas de óleo de babaçu por ano, por um preço três vezes superior ao do mercado convencional.

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“Na época, isso era mais que um quarto da nossa produção, recorda Valdener, técnico da ASSEMA encarregado da comercialização. No início a Bodyshop pagava mais de três doláres por quilo de óleo orgânico, para ajudar na estruturação. Depois, foi baixando progressivamente para 2,7 dólares e exigiu da gente a procura de outros mercados, para não criar dependência! Recentemente, a Bodyshop foi vendida para a L´Oréal, a maior multinacional mundial de cosméticos, mas o departamento de comércio justo continuou com os mesmos técnicos.” Hoje, a COPPALJ vende um terço da sua produção de 150 toneladas de óleo para outras empresas do comércio justo como a Natura, por cerca de 3 dólares o quilo. Os dois terços restantes vão para o mercado local, por um dólar o quilo, valor médio da cotação internacional. Graças ao comércio justo e à prática do pagamento adiantado, foi possível superar um dos maiores gargalos das cooperativas populares: a falta de capital de giro. “No início a Bodyshop deu folga. Hoje, fazendo a média entre o mercado justo e o mercado local convencional, dá para enfrentar o atravessador.” Depois de um tempo, a Bodyshop cobrou a certificação orgânica de todo o processo de extração do óleo. Manter o selo orgânico implica em cuidar cada vez mais do meio ambiente, acabar com as queimadas e o uso de veneno nas lavouras. Com o selo internacional, melhorou o preço de venda para o exterior. “Passamos a distribuir prêmios no final de cada ano para os cooperados”, ressalta João Valdeci, agricultor, ex-diretor da COPPALJ, hoje secretário de agricultura de Lago do Junco. O prêmio distribuído todo final de ano a cada um dos 158 sócios é proporcional à quantidade de amêndoa entregue e à quantidade de mercadoria comprada pelo sócio na cantina. Pode chegar a mais de mil reais, que vêm somar-se ao valor recebido pela amêndoa durante o ano (as cantinas compram o quilo de amêndoa por R$1,00 e uma quebradeira produz até 12 quilos por dia). Outra vantagem: o sócio que quita a sua cota-parte (200 quilos de amêndoa entregues ao longo de dois anos) pode comprar fiado na cantina. Sem contar que toda a comunidade se beneficia com o transporte propiciado pelo caminhão da cooperativa, que percorre toda a zona rural, de cantina em cantina.

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Outros mercados da ASSEMA Comparados com o mercado do óleo de babaçu da COPPALJ, que faturou mais de um milhão de reais em 2006, os demais mercados apoiados pela ASSEMA são muito pequenos. O segundo mercado mais importante é o da torta de babaçu, subproduto da extração do óleo. Essa ração de primeira qualidade, vendida prioritariamente aos cooperados, rendeu quase R$100 mil em 2006. A COOPAESP, que transforma o mesocarpo, vende parte de sua produção no mercado institucional e outra parte na loja da ASSEMA e em outras lojas. Faturou cerca de R$50 mil em 2006. Apesar do forte aumento da demanda, está com grandes dificuldades pois não consegue gerar benefícios suficientes para remunerar corretamente o trabalho. Os sabonetes, que têm no óleo de babaçu sua principal matéria prima, são fabricados por mulheres na comunidade do Ludovico. Algumas caixas já foram exportadas para os Estados Unidos, mas a principal saída são as lojas da capital maranhense. O faturamento foi da ordem de R$40 mil em 2006. Em 2007, a fábrica foi embargada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que exigiu reformas no prédio por um valor superior a R$100 mil! A fábrica teve que parar a produção até achar uma solução. Tem capacidade suficiente para produzir até 40 mil sabonetes por mês, faturados um real cada. As quebradeiras que nela trabalham não são remuneradas pelo volume da produção. Elas recebem um valor fixo de R$12,00 por diária de trabalho e trabalham por encomendas. A título de ilustração, para atender uma encomenda de 9.000 unidades, foram necessárias 60 diárias de trabalho. As seis pessoas que trabalharam durante duas semanas receberam R$120,00 cada. O maior custo de produção são as essências (100 a 600 reais por quilo, quantidade necessária para fabricar pouco mais de 1000 sabonetes de 90g). Por isso, as mulheres do Ludovico já estão se capacitando para produzir as essências localmente.

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Sustentabilidade do mercado justo orgânico e insustentabilidade da loja de economia solidária A COPPALJ, experiência-farol da ASSEMA, está passando por um momento delicado devido à queda do dólar, mas permanece como uma empresa saudável; é reconhecida no mercado pela sua seriedade, e busca envolver os filhos dos agricultores nos seus esforços de profissionalização. Os mercados no qual a COPPALJ atua – comércio justo orgânico, mercado local do sabão comum, e a própria rede de cantinas – funcionam bem. Por contraste, os outros modos de comercialização são problemáticos. Em quatro anos de existência a Embaixada do Babaçu nunca conseguiu decolar. No final de 2007, as despesas dessa loja continuavam muitas vezes superiores aos benefícios. E com o fim do apoio financeiro da OXFAM, a questão da sua permanência estava em discussão. O sabonete e o mesocarpo, sucessos de venda, não têm sido sucessos de renda por motivos variados: problemas de gestão, irregularidade da produção no caso do sabonete e limitações técnicas no caso do mesocarpo. O mercado justo nacional do óleo orgânico está crescendo. Atendê-lo, desde o Maranhão, não tem sido fácil, segundo Valdener, da ASSEMA. “O mercado justo nacional são pequenos grupos muito distantes, do Sul do Brasil. Aqui no Maranhão o transporte é um problema. Por exemplo, um grupo de Botucatu (SP) pediu 180 quilos de óleo por mês durante quatro meses. A quantidade é pequena, mas a encomenda significa muita logística para nos. Perdemos um dia só para levar a mercadoria para São Luis; quando chegamos lá, às vezes, a transportado ainda não está.” Apesar das dificuldades, a ASSEMA avalia a sustentabilidade do mercado agroecológico como boa, já que “a COPPALJ tem o único óleo de babaçu certificado orgânico no mundo.”

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Como vender sem se vender? as lições da prática Falaremos primeiro de elementos incontornáveis e de regras inerentes ao universo da economia de mercado. Teremos, em seguida, uma idéia da maneira como as entidades envolvidas administram o equilíbrio entre o econômico, o político e o ambiental, e das tensões entre essas dimensões. Depois, daremos ênfase aos desafios de ordem organizacional e, por fim, refletiremos sobre a relação entre economia e gênero. Estamos conscientes da complexidade de cada um desses temas. A intenção aqui é apenas extrair elementos de discussão, partindo sempre das práticas nas três experiências sistematizadas.

A dura realidade da economia de mercado O comércio, por mais “solidário” que seja, se dá dentro do mercado capitalista. “A economia solidária se realiza no mercado. Mesmo quando se procura articular redes, estas têm que confrontar-se com o mercado”, provoca Armando de Melo Lisboa67. Essa foi, de fato, a dura lição aprendida pela ASSEMA com sua loja em São Luis, a Embaixada do Babaçu Livre, tecnicamente falida. “A loja está no mercado capitalista e deve seguir as regras desse mercado” reconhece Francinaldo, secretário executivo da ASSEMA. Uma dessas regras elementares é vender acima do valor de custo, ou então compensar a perda em um item, com o lucro em outro. Parece óbvio. Mas não é. Na prática, nem sempre ocorre, pelas mais diversas razões. Uma delas é que ninguém sabe exatamente o valor dos custos de produção. Outra tem a ver com a segmentação do circuito devido à distância geográfica e social entre quem produz e quem vende, com as subseqüentes dificuldades de comunicação. Francinaldo diferencia claramente a venda na loja da “relação com a Body Shop, construída dentro dos parâmetros do mercado justo”. Há de fato uma grande diferença entre o mercado justo, onde a troca se dá “entre atores organizados”, e uma loja onde os “produtos oriundos da economia solidária constituem simples mercadorias destinadas ao mercado”68, e são submetidos às suas leis.

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Há de se reconhecer que “preços perfeitamente justos são possíveis apenas no caso de transações planificadas e coordenadas entre as empresas e os clubes de consumidores associados”. Ou seja, quando o elo final formado pelos consumidores entra também na discussão da distribuição dos custos, remunerações e preços em cada etapa do circuito. Mas essa situação, muito rara, é de difícil construção69. No caso da ASSEMA e do ESPLAR, os circuitos do comércio justo não englobam os consumidores, a não ser como clientes “conscientes”. Por isso, as regras e o ritmo do mercado capitalista acabam contaminando também esses circuitos. “A Natura quer fechar um contrato de mesocarpo conosco para fazer produtos cosméticos. A ASSEMA conversa então com a cooperativa, mas é tudo muito devagar. A Natura espera um pouco, tenta se adaptar, mas é mercado capitalista: ela já vem com um cronograma de lançamento do produto e quer tudo no curto prazo.” Sabemos também que, se por um lado o comércio justo traz uma maior estabilidade dos preços em benefício dos produtores, por outro, ele continua se dando na economia capitalista e não é isento de influências macroeconômicas. Assim, o desmoronamento do dólar em 2007 provocou uma queda brutal do faturamento da COPPALJ com óleo de babaçu. O mercado justo internacional é exigente e complexo A ASSEMA é uma ONG pioneira na relação entre pequenos produtores e grandes empresas internacionais do comércio justo, a começar pela Body Shop, em 1994. Desde então, um dos seus papéis é buscar novos mercados. Ora, se é relativamente fácil vender óleo de babaçu para a fábrica local de sabão em barra, o mercado justo é complexo e bastante exigente. “O problema são todos os desdobramentos não planejados, queixa-se Valdener, da ASSEMA. Depois de dois anos de discussão com a Natura, de muitos testes do uso do mesocarpo de babaçu em produtos cosméticos, dedicamos os últimos seis meses para

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fechar o contrato. Descobrimos que, por se tratar de produtos novos, é preciso uma declaração de patrimônio genético. Aí, a ASSEMA teve que contratar um advogado para cuidar das cláusulas da declaração, um economista para levantar a cadeia, e um antropólogo... Tudo isso por um contrato de 30 mil reais por ano que, é vedade, pode abrir novas portas.” Foi exatamente dessa maneira, debatendo-se com novos problemas à medida que eles se apresentavam, que a ASSEMA foi acumulando conhecimentos sobre os meandros do mercado internacional. Lidar com o mercado exige habilidades específicas “As forças do mercado apontam para uma necessidade de melhor capacitação das organizações para negociações.” .Essa foi uma das lições aprendidas pelo ESPLAR depois de ficar com a safra de 2003 encalhada, quando a empresa Osklen, de última hora, desistiu da compra. Saber negociar, comprar e vender, aprender a planejar a produção em função da conjuntura e de projeções de mercado, tudo isso faz parte da longa lista de habilidades requeridas pelo mercado. O poder na cadeia de abastecimento é de quem faz o preço “O mercado tem dono: é quem faz o preço, aprendeu Marcus Vinicius, ao longo dos anos de contato com empresas capitalistas. O preço do algodão convencional é ditado pela bolsa de Chicago, e o da castanha de caju, pelos grandes compradores.” A COPPALJ também descobriu essa regra básica logo no início dos anos 90, quando quebrou depois de meses de dumping por parte dos atravessadores. Depois desse episódio, boa parte de seus esforços consistiram justamente em fazer o inverso: impor ao mercado local um preço alto para a amêndoa de babaçu. Conseguiu essa façanha graças à transformação da amêndoa em óleo, porém apenas na sua área de influência, circunscrita a seis ou sete municípios.

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Quanto a determinar o preço do óleo, nem pensar: o peso da cooperativa no mercado internacional é praticamente nulo. A dificuldade para os administradores da cooperativa é de que o preço do óleo e o da amêndoa estão diretamente ligados: “Para a COPPALJ, poder pagar à quebradeira um real por quilo de amêndoa, precisa vender o óleo acima de R$3,15/kg” calcula Valdener. Para tanto, a COPPALJ compensa eventuais perdas no mercado local de óleo com ganhos maiores no mercado justo. Essa estratégia é semelhante à do atravessador, que compensa o preço alto da amêndoa na região de influência da ASSEMA, pagando preços mais baixos para as quebradeiras fora dessa região. Capital de giro: o grande gargalo Não precisa insistir nesse tema, já muito comentado. È simples: famílias pobres que entregam sua produção hoje não gostam e, muitas vezes, não têm condição de receber amanhã. “Não pode demorar demais, senão acabam vendendo mais barato para atravessadores, por isso precisa de capital de giro” constata Pedro Jorge. Venda prematura, fuga de cooperados, licores à espera de frascos: os exemplos não faltam. “Sem capital de giro, é impossível crescer e manter o quadro de sócios”, conclui Chagas Maia, da ADEC. O cliente é quem manda Qualidade, regularidade, agilidade, atendimento: “A economia solidária não é diferente da economia clássica: tem que atrair e satisfazer o cliente” provoca Marcus Vinicius.

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Em Umarizal, no Rio Grande do Norte, Ednardo, dono de supermercado, poderia até comprar mais hortaliças e frutas produzidas na região, mas precisa de abastecimento regular, e de respostas rápidas: “Quando preciso de um produto, telefono e chega no mesmo dia.” Idem do lado do Maranhão: em 1995, quando a COPPALJ quebrou e deixou de produzir óleo durante seis meses, “o cliente de Fortaleza foi comprar de outros fornecedores.” A concorrência faz parte do jogo. Por um lado, consumidores cada vez mais bem informados são potenciais clientes dos mercados orgânicos e justos. Por outro lado, nunca deixam de ser consumidores que, em troca de dinheiro, querem achar na prateleira os produtos que procuram, gostam de ser bem atendidos e exigem qualidade. Daí a necessidade de desenvolver métodos de capacitação dos produtores agroecológicos que têm contatos diretos com os consumidores na feira e, também, de fazer regularmente pesquisas junto à clientela.

Várias categorias de consumidores Ainda há muito caminho para andar até chegar ao “consumo solidário” que, segundo Mance, visa “satisfazer as necessidades e desejos do consumidor” buscando, ao mesmo tempo, “o bem-estar dos trabalhadores que produzem e distribuem os produtos ou serviços; o equilíbrio dos ecossistemas; uma sociedade justa e solidária70”. O consumo solidário diferencia-se do consumo “alienado” (influenciado pelas manipulações publicitárias), do consumo “obrigatório” (quando o consumidor dispõe de poucos recursos e procura os preços mais baixos) e do consumo “de bem-estar” (dos consumidores bem abastados que gostam de singularizar-se através do ato de consumo). É também distinto do consumo “crítico”, em que o consumidor procura não ser “cúmplice de ações desumanas ou ecologicamente nefastas.”, mas eventualmente continua comprando produtos de empresas capitalistas.

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Os riscos são inevitáveis, mas podem ser minimizados. A COPPALJ não resistiu ao dumping dos atravessadores e quebrou. Os sócios da ADEC se afastaram quando a associação não tinha mais dinheiro para comprar a sua produção. A ASSEMA teve que procurar rapidamente uma saída no mercado convencional depois da Mashai Company, empresa norte-americana do comércio justo, desistir da encomenda de 2.000 cestos de palha de babaçu, que jovens filhos de agricultores haviam confeccionado. Errar, arriscar-se, faz parte do jogo econômico. Não se pode evitar os riscos, mas é possível minimizá-los, uma vez que, como Abramovay adverte, “populações vivendo em situação de pobreza dificilmente podem aventurar-se a participar de mercados de alto risco71”. Este é, aliás, um dos principais motivos da venda para os atravessadores, que é “uma forma de reduzir o risco”. Por isso, “... mostra-se necessário buscar um equilíbrio, sempre dinâmico, entre especialização, com a finalidade de alcançar economias de escopo e de escala, e diversificação, com a finalidade de reduzir riscos sistêmicos”. É o que o ESPLAR busca através dos consórcios, até então centrados no algodão, porém oferecendo aberturas para o comércio de gergelim e outros cultivos no futuro. Diversificar os mercados pode ser uma falsa boa idéia A ASSEMA, mesmo contando com um setor totalmente dedicado à comercialização, tem dificuldades em lidar com muitos mercados diferentes. Ela domina bem o mercado do óleo e seus múltiplos desdobramentos internacionais, locais e nacionais. Em relação aos demais mercados –

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PAA, loja solidária, comércio convencional, venda na comunidade, etc, - e aos demais produtos, tão diversos, como mesocarpo, sabonetes, caixas de papel, remédios a base de plantas, doces e compotas, a ASSEMA nem sempre está à altura das necessidades dos produtores e das exigências desses mercados. E quem estaria, com essa diversidade toda? Diversificar os mercados pode ser uma falsa boa idéia se essa diversificação for excessiva ou descontrolada. Em Umarizal, por exemplo, o mercado institucional, interessante, porém ocasional, colocou em risco a feira, que tem freguesia semanal. Na mesma região, a diretoria da associação dos produtores sonha em abrir um ponto de venda fixo com câmara fria, onde a produção poderia ser entregue diariamente. A tentação é grande, mas toda cautela é pouco. Os investimentos e as habilidades requeridas para esse novo modo de comercialização são muito diferentes de uma feira onde o produtor traz e vende a própria produção. Quem cuidará da loja? Essa pessoa será remunerada? Ou haverá um sistema de rodízio? Como garantir a regularidade do abastecimento? Como dividir o valor da venda dos produtos entre produtores? E também, como é que os agricultores distribuirão a sua produção entre a feira semanal, a venda na comunidade, o mercado institucional e a loja? Antes de tudo, seria prudente acompanhar de perto a experiência do Caatinga, uma ONG do sertão pernambucano, que abriu recentemente um armazém de venda de produtos da agricultura familiar. Logística e transporte são problemas em municípios extensos com péssima infra-estrutura Os municípios do interior do Nordeste têm uma grande extensão, péssimas estradas e um sistema de transporte precário. A distância, o isolamento, o custo do frete dificultam sobremaneira a comercialização da produção rural. A pé, de bicicleta, de burro, de moto, de carro, de camionete ou de caminhão, as famílias fazem o que podem para escoar seus produtos. Uma prefeitura municipal com um pouco de visão dinamizaria bastante a sua economia investindo, o mínimo que seja, no acesso às comunidades e no transporte coletivo. Evitaria assim que os “Iranildos” da vida pedalassem todo sábado 50 quilômetros debaixo do sol sertanejo, em suas bicicletas abarrotadas com isopores e sacolas cheios das frutas e verduras do quintal. Só porque, devido à distância, fretar um carro não compensaria, e não existe o serviço elementar de transporte coletivo.

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Certificações e registros trazem vantagens comerciais Este é um vasto tema, que não vamos esgotar aqui. Apenas constatamos que, tanto o ESPLAR como a ASSEMA, acabaram certificando a sua produção orgânica com selos convencionais. Foi exigência das empresas internacionais do comércio justo, que a bancaram, pois esse tipo de certificação é caro. Vale notar, contudo, que durante quatorze anos, o algodão da ADEC não precisou desse tipo de selo. A própria Veja, que fabrica os tênis, não o exigiu. Não há problemas, pois a sua relação com a ADEC está baseada na confiança, e a distribuição dos tênis se dá através de pequenas lojas de varejo. Já a Alter Eco, outra empresa francesa do comércio justo, sempre exige um selo internacional FLO72, indispensável para distribuir produtos em supermercados. Neste caso, a confiança que brota do contato direto não é mais suficiente. As grandes redes de distribuição querem contratos, garantias, selos oficiais. É a sua imagem que está em jogo: imagem positiva de protetora do meio ambiente, solidária com os mais pobres, se tudo correr bem. Mas, se houver qualquer contratempo, essa mesma imagem pode se tornar negativa e este é exatamente o tipo de risco que uma multinacional exposta à mídia não quer correr – daí a obrigatoriedade do selo nesse tipo de mercado. Chagas Maia, gerente da ADEC, aprecia essa obrigatoriedade da certificação: “Ela vai no sentido da agroecologia e impõe uma adaptação rápida.” Francinaldo, da ASSEMA, também enxerga nela várias vantagens: “Abre novos horizontes comerciais, melhora o preço e obriga a trabalhar aspectos políticos e ambientais. O selo do Instituto Biodinâmico exige que os trabalhadores tenham carteira assinada e que todas as crianças estejam na escola.” Já Valdener, também da ASSEMA, emite críticas: “A certificação no Brasil é dominada pela grande distribuição e por grandes

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certificadoras, que fazem da certificação um mercado bastante lucrativo. O alto custo da certificação elimina o pequeno produtor O movimento de economia solidária está propondo a certificação participativa, mas essa proposta ainda não foi discutida com a base.” Outra discussão a ser travada diz respeito aos registros e outras exigências legais. Dispensáveis – ou pelo menos, dispensados de fato – no início da comercialização, quando o volume ainda é baixo, tornam-se imprescindíveis para produzir e vender em grande escala. “A rede nacional de supermercados Pão de Açúcar quer comprar dez mil unidades de nossos sabonetes por mês, diz Valdener. Para ingressar nesse mercado, vamos precisar regularizar a situação junto à ANVISA, que exige mudanças na fábrica. O problema é que essas mudanças custam mais de 100 mil reais! Estamos tentando um financiamento a fundo perdido, pelo Projeto de Incentivo ao Desenvolvimento Local do governo do Maranhão.”

Problemas, fatores de sucesso e fatores limitantes do acesso aos mercados Daniel Tygel, no “Levantamento inicial de entidades que trabalham com a comercialização ou consumo de produtos agroecológicos no Brasil”73, destaca cinco problemas da comercialização mais citados pelos entrevistados. 1)

Dificuldade de entrada nos mercados

2)

Falta de uma rede de distribuição ou de transporte própria ou solidária

3)

Falta de constância e planejamento na produção e entrega da produção.

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4) Baixa consciência dos consumidores quanto aos impactos sociais e ambientais relacionados ao ato da compra de produtos alimentícios. 5)

Falta de capital de giro.

Abramovay, por sua vez, fala dos fatores de sucesso e fatores limitantes de diversas “experiências de integração dos pobres aos mercados74”. Os fatores de sucesso são ligados à educação, organização, preservação ambiental, assistência técnica, agregação de valor, promoção da comercialização e valorização do produto orgânico. Os fatores limitantes têm a ver com organização, capital, mudanças de governo, custos de certificação, pequena escala, infraestrutura, escoamento e pragas.

Ganhando ou perdendo dinheiro? Um balanço econômico difícil de fazer (e que poucos fazem) A contabilidade da COPPALJ e a da ADEC são rigorosas. Balanços mensais e anuais das receitas e despesas permitem monitorar o desempenho da produção e da comercialização. A partir desses dados, podemos saber quanto as famílias ganham com a comercialização do babaçu ou do algodão. Em outros termos, podemos calcular o valor da renda bruta média por família com aquele produto. Mas calcular os custos de produção e de comercialização para chegar à renda líquida é muito mais difícil. Precisaria levar em conta as doações, pesquisas, horas de assessoria, intercâmbios, custos organizacionais. Como nota Domingos Armani75 num livro que trata de mobilização de recursos: “É comum que custos com pesquisa, contratação de assessorias especializadas, intercâmbios, processos organizativos, etc. não sejam adequadamente computados na formação de preço dos produtos.”

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De fato, ninguém na Diaconia ou na AAOEV sabe dizer qual é o custo de produção das hortaliças. E o mesmo vale também, em nível familiar, para os custos de produção, transformação e comercialização do algodão ou do babaçu. Por outro lado, certos benefícios não são facilmente mensuráveis em dinheiro: “Quanto vale a massa orgânica que o solo ganha com a produção agroecológica?” pergunta Marcus Vinicius, do ESPLAR. Em nível individual, notamos um fenômeno curioso. São poucos os produtores que calculam custos e benefícios na ponta do lápis. Mesmo assim, parecem saber se estão ou não perdendo dinheiro. A equipe da Diaconia notou, por exemplo, que “Os produtores não colocam um preço à altura do que vale realmente o produto agroecológico, que dá mais trabalho e é mais saudável. Mas quando o atravessador quer comprar o molho de coentro por 5 centavos, respondem que preferem dar para os animais. Parece que, para eles, o valor mínimo que compensa é 7 centavos. Comparam com o preço na feira, com o valor do dia de serviço e com o valor de outros produtos como o fumo.” Da mesma forma, quando chegam na feira, em Umarizal, começam por se informar do valor dos produtos nas outras bancas, não orgânicas, e fixam esse mesmo preço para a sua mercadoria. Quando fomos entrevistar o dono do mais próspero supermercado de Umarizal, ele confessou que, como os produtores, ele não faz uma contabilidade precisa: “Faz sete anos que estamos abertos, mas é só agora que o contador está organizando as coisas. Sei o que ganho pelo que consigo comprar para mim, o tipo de carro, por exemplo. Sei também que preciso ter oito produtos de base com preços melhores que a concorrência, pois são eles que o consumidor olha mais.” Parece ser esse tipo de benchmarking – comparação com a concorrência, muito usada pelas grandes empresas – que permite a todos se situarem e que, também, regula em parte o mercado.

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ONGs e agricultores precisam se qualificar melhor para o mercado A escassez de informações mais precisas também vem do fato de que, para as ONGs e os agricultores, o ingresso para valer no mercado significa adentrar um universo inteiramente novo, cheio de potencialidades, mas com exigências próprias para as quais não estão bem preparados. De certa forma, as ONGs estão ainda menos preparadas que os agricultores, cuja renda sempre dependeu do contato com o mercado – atravessador, armazém, feira de animais... – enquanto o dinheiro das Ongs sempre veio através de projetos e doações. Outro fator: poucas são as ONGs, mesmo entre aquelas que obtêm bons resultados, que se preocupam em mensurar mais precisamente esses resultados. A entrada no mercado levanta uma nova pergunta, de ordem quantitativa: o negócio é economicamente viável ou não? A sanção do mercado é objetiva – novidade um tanto assustadora num universo ainda fortemente marcado pelo político e que não incorporou indicadores de desempenho na sua rotina (e, não raro, recusase em fazê-lo). É preciso ainda ressaltar que as equipes técnicas das ONGs raramente têm a formação necessária para lidar com o mercado, isto é, para poder dar o apoio que as cooperativas, associações, lojas e outras empresas “solidárias” precisam. Surge o dilema: onde achar aquele técnico ideal que, primeiro, tem a alma militante e compartilha os valores políticos, sociais e ambientais; segundo, conhece bem o mercado; terceiro, aceita as condições salariais pouco atraentes das ONGs e, por fim, está disposto a viajar sertão adentro e possui as habilidades didáticas e relacionais que requer o diálogo com os agricultores? A ASSEMA não conseguiu achar a resposta: seis vendedores se revezaram na Embaixada do Babaçu em menos de quatro anos. “Talvez um vendedor puro não sirva para a gente, se pergunta Francinaldo. A ASSEMA não é uma empresa. Ao mesmo tempo, a loja está no mercado capitalista.”

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O mercado também exige mais de toda a equipe da ASSEMA: “Precisamos nos profissionalizar mais em termos de gestão, processamento, qualidade, comércio”. Mesmo discurso do lado da Diaconia: “Ainda temos que aprender muito. Além da feira, estamos entrando agora no mercado do algodão. Nossa formação como técnicos não tratou disso.” Análise de cadeia, cálculos de custos e benefícios, gestão comercial, logística da distribuição, qualidade...: para o agricultor familiar e as organizações de assessoria, há ainda muito que aprender. Nem tudo é mercado: solidariedade e reciprocidade são também necessárias à produção A economia de uma família de agricultores ou de um assentamento da reforma agrária não depende apenas de transações no mercado capitalista: a produção para autoconsumo, os programas governamentais e as trocas entre vizinhos desempenham também um papel importante. O sociólogo Jean-Louis Laville, retomando os trabalhos do famoso economista Polanyi, define quatro princípios de comportamento econômico: a administração doméstica (produzir para uso próprio), a reciprocidade (em que a dádiva representa o “fato social elementar” e “as transferências são indissociáveis das relações humanas”), a redistribuição (por uma autoridade central) e o mercado propriamente dito (local de encontro da oferta e da demanda)76. Ao lado da economia capitalista, mercantil e monetária, existem assim outras economias, não mercantis ou não monetárias. Para nos ajudar a escapar de uma definição demasiadamente estreita da palavra “mercado”, Armando de Melo Lisboa lembra o seguinte: “Na origem, o mercado é o lugar onde são comercializados artigos de primeira necessidade em pequenas quantidades e com preços fixos. Os mercados de proximidade são tão antigos como a própria humanidade. É preciso lembrar que a agora, espaço público central nas cidades gregas, onde

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nasce a idéia de democracia e de autogoverno, era a praça onde aconteciam ao mesmo tempo o comércio e as assembléias populares77”. Existe todo um universo oculto de práticas de reciprocidade nas três experiências em foco, quase sempre ignoradas na medida em que vêm mescladas às práticas do mercado capitalista e de redistribuição pelo Estado. No Rio Grande do Norte, podemos citar, entre outras práticas solidárias, os fundos rotativos para kits de irrigação e as trocas de produtos entre agricultores no final de cada feira. Da mesma forma, no Ceará, o lucro não é o que fala mais alto: a empresa do comércio justo Veja, apesar da alta demanda de algodão orgânico, faz questão de não comprar toda a produção da ADEC, incentivando assim a diversificação dos compradores. O mesmo vale para a Cones, da Justa Trama, que aceita fazer a limpeza completa de suas máquinas para rodar, durante um dia apenas, todo o fio de algodão orgânico da ADEC. No Maranhão, a COPPALJ criou um fundo de assistência social para outras entidades e a ASSEMA recebe o apoio de um grupo de dezenas de voluntários que escrevem livros, filmam, discutem, dão uma força na loja... E nesses três estados como em todo o sertão, agricultores agroecológicos recebem visitas, discutem, trocam sementes e conhecimentos... Para Sabourin, práticas econômicas gratuitas como essas não são ornamentais ou meramente complementares. Não “relevam o altruísmo ou qualquer tradição camponesa. São necessárias ao processo de produção (...) e para garantir a coesão da organização social a partir da produção de valores humanos ou éticos comuns”78 . Adverte, contudo, para não cair no extremo oposto, pensando que a solidariedade resolve tudo. O crédito solidário, por exemplo, depende de voluntariado e reciprocidade, mas também não dispensa boas capacidades operacionais e técnicas.

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Equilíbrio e tensão entre o político, o econômico, o social e o ambiental Como bem diz Domingos Armani, “por serem sociais, os negócios em ONGs têm a obrigação de produzir efeitos sociais e políticos, além de gerar receitas79”. Atravessados por tensões entre as várias dimensões do desenvolvimento sustentável – o social, o político, o econômico e o ambiental –, esses “negócios” estão sempre em equilíbrio dinâmico, instável. O perigo, na fórmula de Lisboa, é de que “ao aceitar o desafio do mercado, a economia solidária pode se perverter80”. Nas três experiências examinadas aqui, as lideranças camponesas e os técnicos não tiveram medo de enfrentar o “desafio do mercado” e não parece ter havido “perversão”. Mesmo assim, no seu esforço cotidiano para equilibrar as várias dimensões, estão vivenciando tensões e dilemas de todo tipo. Alguns deles são retratados abaixo. A relação íntima entre o político, o econômico, o social e o ambiental: o caso da ASSEMA Na ASSEMA, a luta política pelo livre acesso ao babaçu não se dissocia da luta econômica para garantir a matéria prima para a fábrica de óleo, da luta social por melhores condições de vida na região e da luta ambiental contra os agrotóxicos, as queimadas e o uso do trator. As várias dimensões do desenvolvimento sustentável são inseparáveis na Embaixada do Babaçu Livre, uma loja fora do comum, simultaneamente espaço econômico de venda e distribuição da produção, espaço político de reuniões e discussões, e espaço de sensibilização social e educação ambiental, onde alunos de escolas e estudantes universitários vêm conversar e buscar materiais de pesquisa. Ali, a ASSEMA não vende apenas sabonetes, vende também uma causa. Da mesma forma, as quebradeiras de babaçu da comunidade do Ludovico, onde fica a fabriqueta de sabonetes, procuram mercados que “valorizam produtos que têm uma dimensão cultural, produtos ecológicos com selo social”81. Nessa mesma linha, para a COPPALJ poder manter as vantagens comerciais do selo orgânico, é preciso um longo trabalho político e ambiental, muitas discussões, campanhas sucessivas, inclusive junto aos grandes fazendeiros (onde ficam os maiores babaçuais).

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Em mais de quinze anos dedicados ao apoio aos empreendimentos econômicos, “A ASSEMA não flexibilizou seus princípios em função do mercado”, afirma Francinaldo. Isso porque seu objetivo sempre foi claro; nunca foi o crescimento econômico: “Já recusamos muitas demandas de grandes volumes de óleo orgânico. Várias empresas já ficaram aborrecidas conosco por causa disso, mas nosso objetivo é manter a base, o babaçual”. Para o gerente da COPPALJ, Toinho, o objetivo também não é crescer, e sim “a qualidade de vida dos sócios”. Os sócios da cooperativa e os participantes dos programas da ASSEMA não são apenas “produtores”. São pessoas engajadas, que têm compromissos políticos e sociais (Ver box) Para Francinaldo, “o econômico têm que vir acompanhado pelo político.” Para ser sócio, não basta depositar os 200 quilos de babaçu da cota-parte. O futuro sócio precisa também corresponder a determinados critérios e provar, na prática, que está em sintonia com os princípios políticos da COPPALJ. “A comunidade indica a pessoa, que só se torna sócia após seis meses, com a condição de participar ativamente das reuniões, explica Francinaldo. Ao longo dos seis meses, várias pessoas desistem e quem ficou ainda precisa ser aprovado pela assembléia da cooperativa.” Por isso, o quadro de sócios da cooperativa cresce muito lentamente, apenas quatro ou cinco novos cooperados por ano. A primeira vista, os efeitos são positivos: engajamento político e eficácia econômica parecem progredir juntos. “Os três melhores grupos em termos de organização política – a COPPALJ, a COOPAESP e a fábrica de sabonetes – são também os que andam melhor financeiramente”, constata Valdener.

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Do seu lado, as quebradeiras da fábrica de sabonetes afirmam que “a política não prejudica a produção. Não é um problema porque o negócio é nosso.” Mas a realidade, como sempre, apresenta mais nuances. Como veremos adiante, grupos de mulheres com muita força política nem sempre obtêm bons resultados no âmbito econômico. Antes disso, porém, vamos mostrar de que forma, nas três experiências, é preciso constantemente administrar tensões entre as dimensões econômicas, políticas, sociais e ambientais.

Os princípios da Assema para a comercialização dos produtos No seu livro sobre mobilização de recursos, escrito a pedido da Oxfam, Domingos Armani resume os princípios da Assema para a comercialização de produtos em um quadro, reproduzido abaixo. · Respeito ao modo de vida da população · Uso do conhecimento tradicional · Geração de renda a partir das potencialidades da comunidade · Foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas, na melhora da renda e na redução das desigualdades · Criação de novos sistemas de produção e de novas relações de trabalho · Instrumentos de gestão dotados de significado para as pessoas das comunidades, com capacitação destas para seu uso consciente · Plano de Negócios como instrumento de transformação social, com discussões políticas em sua elaboração e adoção · Sistematização da tecnologia social desenvolvida, possibilitando que mais pessoas sejam incorporadas ao empreendimento social

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· Qualidade do produto diretamente relacionada aos valores sociais e ambientais agregados · “Produto” como canal direto de comunicação com a sociedade e como ferramenta para sua sensibilização e mobilização · Empoderamento e emancipação da comunidade · Fortalecimento da luta pelo reconhecimento de direitos · Vínculo do empreendimento com a ação política · Luta pela garantia do acesso à terra · Visão de fomento a modelo de desenvolvimento anti-hegemônico

A regulação dos comportamentos pelo mercado: a forte tentação do ganho econômico imediato Ao oferecer preços acima da média, o programa de compra garantida do governo federal atraiu agricultores familiares, que passaram a descuidar da freguesia, esvaziando assim por um tempo a feira agroecológica semanal de Umarizal. No mesmo município, alguns agricultores, inclusive entre aqueles que pertencem à associação, tendem a se pautar mais pelo ganho rápido do que pela ética. Por falta de consciência coletiva e na ausência de uma boa coordenação pela associação, não resistem à tentação de vender para atravessadores e comerciantes que fazem concorrência à feira. No Ceará, em razão de dificuldades com o capital de giro, houve um ano em que o número de sócios da ADEC despencou de 350 para 50 em poucos meses. Foram poucos os sócios dispostos a agüentar tempos melhores em nome de ideais mais elevados. No Maranhão, o mesocarpo de babaçu está em falta por razões semelhantes: “É trabalhoso e a renda não é tão atrativa: é mais fácil vender a amêndoa ou receber o bolsa-família”, lamenta Francinaldo. Pior ainda: já houve casos de famílias vendendo galinha orgânica para comprar galinha “industrial”. Um absurdo em

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termos agroecológicos, porém não em termos econômicos: uma galinha orgânica vale duas industriais. Nos empreendimento agroecológicos, a regulação pelo mercado continua forte. Para contraporem-se à atração pelos benefícios individuais imediatos, as ONGs, cooperativas e associações contam com a sua força política e organizacional. Tensões existem, fazem parte do dia-a-dia das experiências. Como diz o Francinaldo, “Trabalhamos a geração de renda com a família de modo que integre o lado político, porque é o econômico que puxa. A ASSEMA puxa para o lado político e a família puxa o outro lado, o econômico.” Sair da pobreza sem virar operário Graças à comercialização da sua produção, muitas famílias dos assentamentos e comunidades do interior nordestino saíram da pobreza extrema. “Já trabalhei com família que, antes, não tinham feijão o ano todo e que, hoje, tem segurança alimentar, casa, um animal no terreiro para vender em caso de necessidade, conta a socióloga Silvianete, da ASSEMA. Mas, hoje, estão lidando com a economia de mercado: ou têm poder de concorrência ou não geram renda suficiente.” Na fábrica de sabonetes, por exemplo, as mulheres pretendem, é claro, gerar renda para suas famílias, mas querem também continuar a quebrar coco, criar galinhas e participar de reuniões políticas. “Não querem trabalhar oito horas por dia na fábrica e virar operárias, continua Silvianete. Mas aí, sem virar operária em tempo integral, como atender o cliente em dia, na quantidade pedida?”

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Esse é um dos dilemas que não tem solução concreta, apenas idéias cuja sustentabilidade ainda precisaria ser testada: “Podemos fazer um rodízio: somos mais de 20 sócias, nem todas precisam trabalhar ao mesmo tempo”, dizem as quebradeiras-operárias. E se vier um pedido maior, implicando em meses de produção intensiva, qual seria a decisão? Atender ou não? Na COPPALJ como na ADEC, onde a fama trouxe muita demanda, a resposta é clara: atender, sim, porém, na medida das possibilidades, ainda bastante limitadas. Toda cautela é pouca para não atropelar um processo lento por natureza, que supõe tomar decisões de forma colegiada, crescer de modo orgânico, priorizar o mercado justo... “É uma construção progressiva”, resume Chagas Maia, da ADEC. O ganho econômico é um bom ponto de entrada para a agroecologia? O exemplo do algodão O trabalho dos consórcios ficou muito mais fácil a partir de 2004, quando o preço do algodão estabilizou-se num patamar atrativo. Ao mesmo tempo, porém, o crescimento do número de consórcios foi tão rápido que a assistência técnica não teve pernas para acompanhar o movimento. Resultado: em 2007 houve “transições agroecológicas irregulares”, com consórcios apresentando taxas de 90% de algodão. Nessas condições, será que o ganho econômico pode ser considerado um ponto de entrada interessante para a conversão agroecológica? “O bom preço ajudou, foi provavelmente o principal fator motivador para o crescimento do plantio de algodão em 2007, responde Pedro Jorge. Até 2006, o avanço se dava mais pelos intercâmbios ou entre vizinhos. Mas o ganho econômico não é tão significativo assim, não explica tudo. As pessoas também tomam consciência dos benefícios da agroecologia a partir da experimentação concreta. Aos poucos, vão criando uma nova identidade. Além disso, os sindicatos fizeram muita sensibilização nas comunidades.”

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Eliane Lobo, presidente do STR de Choró também acha que o dinheiro não é o único motivo “porque o algodão dá trabalho e nem sempre produz”. Outro fator é o aspecto altamente simbólico do algodão, uma cultura mais que centenária no sertão e que tem a peculiaridade de agregar pessoas dos mais variados horizontes, numa espécie de unanimidade em que todos desejariam vê-lo vicejar e tornar-se novamente o “ouro branco” de outrora. Chagas Maia, gerente da ADEC, compartilha esse anseio, mas fica preocupado com o crescimento anárquico da produção em detrimento da qualidade do produto. “O problema é que o dinheiro que o cliente mandou foi para primeira qualidade e alguns sindicatos mandaram algodão de segunda.” Chagas Maia é a favor de certa flexibilidade no primeiro ano da transição agroecológica, para sensibilizar novos sócios. “Mas se não fizerem o consórcio corretamente ou se continuarem queimando no segundo ano, teriam que sair.” A certificação, além do forte atrativo econômico, também ajuda a trabalhar a qualidade e o respeito ao meio ambiente: “O agricultor vai ter que se adaptar, porque é do interesse de todos trabalhar a agroecologia em toda a unidade de produção, não apenas na área de um hectare do consórcio”. Então, atrair novos adeptos da agroecologia pelo dinheiro é uma boa estratégia? Pedro Jorge acha que sim, porém, sob certas condições: “Crescer de acordo com o tamanho do comércio justo, das capacidades de assistência técnica e de capacitação dos agricultores. O intercâmbio também continua fundamental.” Ou seja, trata-se de atrair novos adeptos a fim de aumentar a produção, mas sem descuidar, nem da qualidade do produto, nem do equilíbrio da formação dos consórcios. Pedro Jorge reconhece,

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contudo, que o ESPLAR, ao concentrar-se nos aspectos técnicos, organizacionais e econômicos, negligenciou o aspecto político. “Os transgênicos são uma grande ameaça, que pode acabar com a nossa cadeia produtiva. Mas sua chegada pode também ser vista como uma oportunidade para dar um salto qualitativo no trabalho do ESPLAR, que ficou muito no econômico e no organizacional, e pouco no político.” Ora, são precisamente as dimensões políticas e ambientais que fazem a diferença. Sem elas, o ESPLAR ou a ADEC tornar-se-iam uns atravessadores a mais, que atraem o agricultor familiar com argumentos meramente econômicos. Subsídios e prêmios individuais para atrair sócios ou capitalização coletiva do capital de giro? Na mesma linha, o ESPLAR já pagou subsídios aos agricultores para incentivá-los a criar consórcios e compensar os riscos que comporta toda experimentação. A ASSEMA lança mão de uma estratégia semelhante para incentivar a produção agroextrativista e a COPPALJ paga prêmios para seus sócios todo final de ano. Subsídios e prêmios são importantes incentivos econômicos. Sem eles, o número de famílias praticando a agroecologia certamente seria menor. Mas são também criticáveis por representarem estímulos individuais e voláteis, distribuídos em detrimento de outras estratégias mais coletivas e sustentáveis. Por exemplo, a ADEC, pelo fato de pagar prêmios, nunca conseguiu acumular reservas para formar seu capital de giro. O ESPLAR se viu, então, compelido a emprestar esse capital para a ADEC, numa estratégia pouco sustentável, que acabou junto com as reservas do ESPLAR.

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Capacitação política para combater a tendência à desmobilização “Antes, na época das lutas, as pessoas falavam de uma só voz e pensavam mais no coletivo. Faziam dez quilômetros a pé para participar das reuniões sem receber um centavo. Hoje ninguém mais faz isso; as pessoas estão desmobilizadas.” Toinho, gerente da COPPALJ, não sabe bem o que motiva os sócios hoje em dia. “Antes era a opressão os cooperados tinham princípios políticos.”. E hoje, é o dinheiro? Quando a luta política arrefece, resta apenas a motivação pelo mercado? “Essa é uma das dificuldades que a ASSEMA enfrenta, reconhece Francinaldo, da ASSEMA. A nossa estratégia é a inserção consciente no projeto econômico, a capacitação política ao associativismo, a organização coletiva, a incidência nas políticas públicas, tudo através de muita discussão. Os intercâmbios e a participação em eventos externos são também muito importantes.” Ao mesmo tempo, porém, a COPPALJ não teria como se sustentar apenas com 156 sócios “conscientes”. Do ponto de vista econômico, ela precisa dos dois mil não sócios, de quem compra amêndoas de babaçu. É nessa tensão permanente entre o político (a exigência de que os sócios sejam realmente comprometidos) e o econômico (o volume mínimo de amêndoa para que o negócio seja viável) que a COPPALJ vai crescendo lentamente. Para Toinho, “um esforço maior deve ser feito para aumentar o número de sócios conscientes.” Criar uma dinâmica de reequilíbrio permanente do econômico pelo político e pelo ético A dimensão econômica nova, complexa e desafiadora, tende a focalizar as atenções. “Quando se criou a área de comercialização na ASSEMA, só se falava da COPPALJ nas reuniões. Criou muita expectativa e tinha que funcionar” lembra Valdener.

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Do lado da ADEC e do ESPLAR, no Ceará, as discussões giram mais em torno de assuntos técnicos, econômicos e organizacionais, do que politicos. Para Valdener, esse tipo de desequilíbrio representa um perigo: “É preciso o econômico e o político andar juntos, senão a cooperativa quebra”. “Andar juntos” significa criar uma dinâmica de reequilíbrio entre esses dois pólos. Assim a ASSEMA já teve que “rever os ideais e discutir alguns posicionamentos: de quem aceitar recursos financeiros? A quem vender os produtos?” Depois de longas e, por vezes, polêmicas discussões internas, a ASSEMA já recusou o dinheiro de grandes empresas. O mesmo aconteceu na Diaconia que, por razões éticas e políticas, não quis receber o dinheiro da fundação de uma grande companhia de sementes e fertilizantes químicos, para apoiar as feiras no Rio Grande do Norte. Discutir esse tipo de tensão até criar consenso na equipe leva tempo. Requer também certa habilidade e flexibilidade para não inviabilizar os negócios. O político pode travar o econômico A valorização da dimensão política tem limites. Um deles é a inviabilização das conquistas econômicas. A COPPALJ, diferentemente do ESPLAR, não comercializa o óleo de babaçu apenas no mercado justo e tem uma margem de manobra relativamente estreita em termos comerciais. “Para a venda do óleo de babaçu não podemos escolher os clientes, senão a cooperativa quebra. Estamos agora com 30 toneladas armazenadas e sem capital de giro. Vamos vender a quem for aparecer.” No caso, a COPPALJ vende para fábricas de sabão comum, que não estão interessadas em saber se o óleo é orgânico ou não e, talvez, não sejam exatamente empresas amigas do meio ambiente... Mas, no momento, para a COPPALJ, é o possível. A quebra da cooperativa seria pior e prejudicaria milhares de famílias agroextrativistas.

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A ASSEMA sabe muito bem o quanto a aplicação cega de princípios utópicos pode inviabilizar qualquer tipo de negócio. No início dos anos 90, para respeitar regras igualitárias, tratava todas as cantinas da mesma maneira. Mandava para todas a mesma quantidade de mercadoria a ser trocada por amêndoas. Estas cantinas, porém, não recebiam todas as mesmas quantidades de amêndoas das quebradeiras. Em poucos meses, o sistema, ideologicamente eqüitativo, ficou economicamente inviável. Na esfera não governamental, quando se quer lidar com o mercado – que, muitas vezes, quer respostas rápidas – é preciso ter certo cuidado com o tempo que se leva em reuniões e discussões. Conviver com essa tensão é um dos papeis mais delicados das assessorias (ESPLAR, ASSEMA ou Diaconia). Trata-se, por um lado, de resistir às pressões do mercado para preservar a democracia interna e a ética, fazendo também com que isso, por outro lado, não inviabilize a saída comercial em benefício dos agricultores. Nada fácil, devido às dificuldades de comunicação dessas assessorias com as comunidades rurais e, sobretudo, às agendas superlotadas das lideranças. Em Choró, a presidente do sindicato faz um retrato que dispensa comentários: “Em um só assentamento, temos as reuniões do INCRA, do Projeto Um Milhão de Cisternas, do Projeto Dom Helder, dos consórcios do ESPLAR, da EMATER, da EMBRAPA... É uma reunião atrás da outra.” Onde e para quem vender? Há controvérsias sobre onde e para quem vender a produção agroecológica. Em lojas mais sofisticadas ou circuitos especializados freqüentados por “consumidores conscientes” com melhores condições econômicas? Em espaços militantes, nem sempre de grande expressão e nem sempre bem administrados? Em supermercados, que são freqüentados por todas as classes sociais, e estão tentando estabelecer uma imagem de empresa social e ambientalmente responsável?

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Os militantes da economia solidária têm nítida preferência pela economia local e pelos mercados não elitizados. Mas os técnicos da ASSEMA e do ESPLAR sabem que a comercialização exige flexibilizar certos princípios em benefício dos agricultores familiares. Afinal, é o comércio justo internacional, e não o mercado local, que tem contribuído fortemente para viabilizar o trabalho agroecológico de base, tanto na experiência cearense como na maranhense. E os tênis orgânicos da Veja, sem serem artigos de luxo, também não são acessíveis a todos. Talvez não seja o ideal, mas é o que é possível hoje. Radicalizar significaria ficar sem ter a quem vender. Por outro lado, as lojas da economia solidária podem não ser tão solidárias assim. Ali também encontramos jogos de poder, organizações defendendo seus próprios interesses econômicos ou simplesmente desorganização. Quando o Movimento dos Sem Terra (MST) abriu a própria loja, retirou todos seus produtos da Embaixada do Babaçu, que deixou de se beneficiar com o valor da consignação e com a diversificação dos produtos. Há também o caso de produtos como a castanha de caju que, sem serem da ASSEMA, são sucessos de venda, mas podem sumir das prateleiras durante meses, sem que haja notícias dos produtores. Além do mais, as lojas de economia solidária do Nordeste raramente conseguem sustentar-se com suas vendas. No caso presente, as receitas da Embaixada estão muito longe de cobrir os custos de aluguel, consumo de energia e salário da atendente. Uma pergunta paradoxal: quem vai bancar a comercialização? Pelos resultados econômicos e pelo desempenho organizacional da associação que a dirige, a Embaixada do Babaçu Livre já deveria ter encerrado suas atividades há muito tempo. Se não fecha, é em razão de suas outras funções. Sobretudo, porque é muito importante do ponto de vista político. Por outro lado, as Ongs falam bastante da dificuldade de achar quem financie projetos de comercialização. O ESPLAR é a exceção que confirma a regra. Estima-se sortudo porque o ICCO, uma das poucas agências que trabalha com cadeias produtivas, escolheu trabalhar

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precisamente com a cadeia do algodão. Mesmo assim, o ESPLAR está numa situação financeira delicada, que o obrigou a deixar de subsidiar os consórcios e de fornecer capital de giro para a ADEC. Outra fonte de renda seria a mobilização de recursos nacionais junto a doadores privados, individuais ou institucionais. Apesar da insistência nessa tecla, salvo raras exceções, os resultados das Ongs ficaram muito aquém do esperado. O programa de mobilização de recursos da ASSEMA, por exemplo, a julgar pelo volume de recurso arrecadado, pode ser qualificado de fracasso. Como última opção, muitas Ongs brasileiras estão agora se voltando para fontes governamentais, com o risco não desprezível de perda de autonomia política. Voltaremos a esse assunto na Terceira Parte. Se levarmos em conta os custos da assessoria pelas Ongs, não temos certeza de que as três experiências de comercialização aqui focadas sejam capazes de sustentar-se apenas através do mercado. O que é compreensível, pois não são apenas empreendimentos econômicos. Devem, também, ser consideradas nas suas dimensões políticas, sociais e ambientais. Resta, então, uma pergunta fundamental em termos de sustentabilidade: quem se importa com o papel dessas experiências de comercialização da agroecologia em suas múltiplas dimensões, a ponto de bancá-las no longo prazo, sem interferir na sua autonomia? Em outros termos quem, no futuro, vai bancar iniciativas de comercialização desse tipo?

Desafios e nós organizacionais Para poder agir coletivamente no âmbito técnico e político, os agricultores familiares e suas assessorias criaram novas formas organizacionais – cooperativas, associações, lojas “solidárias”, associações de consumidores. Este é um enorme desafio na região Nordeste, onde a história do cooperativismo é problemática. Talvez seja por isso que a dimensão organizativa permanece, nos dizeres de alguns técnicos, “a parte menos resolvida”.

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Uma história conturbada: os altos e baixos das cooperativas e associações Queda de braço com atravessadores, falência, dívidas, desvio de dinheiro, hemorragia de sócios: a COPPALJ sobreviveu em mares muito revoltos antes de conhecer um período de (relativa) calmaria. A ADEC, no Ceará, também conheceu altos e baixos extremos até recentemente. Não fosse a teimosia de algumas pessoas, já teria fechado há tempo: em 2001, por exemplo, quando quase todos os sócios saíram, ou em 2003, quando ficou com muitos sócios mas sem compradores e com uma safra inteira de algodão encalhada. Foi na adversidade que ambas aprenderam e reforçaram a sua estrutura. Em 2001, no auge da crise, a ADEC, que até então trabalhava com sócios e não sócios, se deu conta de que que havia muitos “passageiros clandestinos”. Eram não sócios que se beneficiavam com os apoios e não avançavam na transição agroecológica. A partir de então, para ter direito à assistência técnica, a adesão à ADEC passaria a ser obrigatória. Um subsídio gradual foi instaurado: 204 reais por hectare de consórcio para quem aplicasse o conjunto das técnicas agroecológicas, e um valor menor se a família deixasse de aplicar uma ou outra das técnicas preconizadas. Com o comércio justo a ADEC e a COPPALJ estabilizaram a gestão e expandiram os negócios. Mas nem tudo ficou resolvido e velhos problemas de democracia interna permaneceram. Entre outros, a ADEC ficou paralisada durante dois anos por um empate eleitoral na eleição da diretoria. A expansão dos empreendimentos trouxe novidades organizacionais e, junto, novos problemas. Quando a produção de algodão se estendeu de Tauá para os municípios vizinhos, foi criada uma nova organização, o Grupo Agroecologia e Mercado (GAM), com representantes da ADEC e dos sindicatos de cada município. Em 2007, logo na primeira safra administrada em comum, houve litígios entre o GAM e a ADEC em torno do peso e da qualidade do algodão. No fundo, tratava-se provavelmente de conflitos de poder gerados pela reconfiguração organizacional entre, por um lado, a ADEC, dona das máquinas e porta de entrada para o mercado e, por outro, o GAM, que controla boa parte da nova base de produção e detém assim a chave da expansão. Esse episódio também pode ser visto como uma espécie de advertência para os

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assessores do ESPLAR, que precisariam adquirir – ou procurar fora de seu quadro – maiores qualificações no âmbito organizacional e relacional, de modo a poder ajudar a ADEC e o GAM a viver da melhor forma possível os inevitáveis momentos de conflito.

A ASSEMA: um ente organizacional à parte O que é a ASSEMA? “Essa é uma boa pergunta, responde Francinaldo, secretário executivo dessa organização à parte. Fazemos questão de não nos encaixarmos em uma definição única. A ASSEMA é, ao mesmo tempo, uma rede regional de organizações da agricultura familiar, uma ONG que tem uma equipe técnica e assessora outros grupos e cooperativas, e um movimento social com forte capacidade de mobilização. Além disso, é nordestina e amazonense, ou talvez seja nem uma nem outra, a depender do ponto de vista. O Maranhão faz oficialmente parte da região Nordeste, mas é também contemplado por diversos programas beneficiando a região amazônica, por ser um estado onde se opera a transição entre Nordeste e Amazônia.“ A ASSEMA é também uma entidade onde técnicos, agricultores, diretores de cooperativas e quebradeiras, a base e as “representações” trabalham juntos de forma muito estreita, unidos por um mesmo compromisso político: “a permanência das famílias em condições dignas”. Sua capacidade de resistir, renovar-se e evoluir deve muito a essa convivência muito próxima dos mais diversos setores. Será, porém, que essa configuração muito singular e politicamente muito exigente está hoje engessando a comercialização? Fica difícil responder. O certo é que um estudo organizacional da ASSEMA, que tem uma história extremamente rica – com momentos de avaliação lúcida, demissões em massa, mudanças estruturais profundas, formas inéditas de democracia interna, critérios de desempenho para acabar com o corporativismo, técnicos e administrativos trabalhando conjuntamente – mereceria um capítulo à parte.

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A “cadeia social”, peça central, porém, frágil, da sustentabilidade Nas experiências estudadas, à cadeia produtiva mercantil (vinculada ao mercado) está associada uma “cadeia social” não mercantil (porém monetária) que possui mais ou menos a seguinte estrutura: Financiadores ONG Agricultor familiar

Cooperativa/Associação de produtores

Sindicato

Agências internacionais como a Oxfam, ICCO e Action Aid são os principais financiadores de projetos de comercialização da produção apresentados pelas Ongs, que ficam encarregadas de implementar e monitorar esses projetos. Com o apoio dessas Ongs, cooperativas ou associações cuidam mais diretamente do beneficiamento e da comercialização. O papel dos sindicatos de trabalhadores rurais é mais de “difundir o novo modelo agroecológico, organizar e conscientizar os agricultores através de intercâmbios, planejamentos, campanhas de mobilização, muitas visitas e muito diálogo nas comunidades e assentamentos.”, como explica Eronilton Buriti, o jovem diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Quixadá, no Ceará. Eventualmente, outros parceiros vêm completar essa cadeia social. São, entre outros, pesquisadores, consultores autônomos ou agentes governamentais.. Assim, o Projeto Dom Helder Câmara (PDHC) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) é um parceiro importante para o desenvolvimento da agroecologia no sertão nordestino. Por outro lado, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará estão com o ESPLAR desde a primeira hora, quando em 1990, um entomologista participou, ao lado das famílias de agricultores, do grupo de pesquisa do algodão. Foram assim produzidas dissertações e, até, fórmulas de produtos à base de nim, usados como inseticidas naturais. Atualmente, nessa cadeia social, o primeiro elo, o financiador, está dando sinais de enfraquecimento, como visto acima (“Quem vai financiar a comercialização?”). Conseqüentemente, sem recursos financeiros suficientes, a assistência técnica pelas Ongs,

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elemento essencial nas primeiras etapas de consolidação da cadeia produtiva mercantil, não tem como acompanhar todos os projetos e, menos ainda, a expansão produtiva e comercial. O ideal, em termos de sustentabilidade, seria que o apoio das ONGs se concentrasse no fortalecimento das organizações – inclusive no trabalho em rede – e fosse diminuindo gradualmente. Sabemos que este é um processo longo e difícil, que requer uma forte incorporação de qualificações dentro das próprias ONGs de apoio. Outros elos da cadeia social também apresentam fraquezas. Podemos citar, entre outros, a alta rotatividade dos técnicos nas Ongs (é difícil a atração e permanência de técnicos experientes em municípios perdidos no meio do sertão, onde as opções de estudo e lazer são muito reduzidas); a dificuldade de achar sindicatos determinados em apoiar novas formas de produção (a maioria prefere continuar cuidando de aposentadorias); o enorme desafio político da democracia que tenta fazer dialogar várias categorias de atores (Ongs, cooperativas, sindicatos, agricultores, governos) e a subseqüente morosidade dos processos decisórios. A dependência em relação a um punhado de pessoas comprometidas No ESPLAR como na ASSEMA, dos primórdios até hoje, existe uma figura proeminente. Sem a teimosia de um Pedro Jorge, no Ceará, e de um Valdener, no Maranhão, ninguém sabe o que seria da ADEC e da COPPALJ hoje. Articular, mediar conflitos, sistematizar informações, procurar financiadores, explorar novos mercados, cuidar de contatos internacionais, animar os sócios nos momentos em que tudo parece perdido...: ao longo de mais de quinze anos Pedro Jorge e Valdener tornaram-se figuras incontornáveis. Mas o que fez a sua força representa também uma fraqueza dessas organizações, que ficaram dependentes de um assessor externo ímpar, com experiência única e que, por isso mesmo, tornouse muito difícil de ser substituído. Hoje, sua saída provavelmente não acabaria com a ADEC ou a COPPALJ (como seria o caso alguns anos atrás), mas provocaria um enorme retrocesso em termos de visão estratégica.

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Cooperativas e associações dependem dramaticamente de boas lideranças... no plural. Melhor mesmo que seja no plural, sob pena de ficar na dependência de uma única pessoa. A COPPALJ, com sua diretoria de produtores engajados, e sua reserva de fortes lideranças, jovens e não tão jovens, homens e mulheres, parece menos frágil que a ADEC, onde a figura do atual gerente é onipresente. ONG x Cooperativa/associação: simbiose natural ou eterna dependência? Além da dependência em relação a indivíduos com determinadas personalidades, existe nas três experiências a mesma simbiose, muito forte, entre a organização que comercializa e a Ong que assessora. É sintoma dessa simbiose, essa declaração na primeira pessoa do plural, de um técnico da ASSEMA, com relação à produção da COPPALJ: “Nós produzimos 300 toneladas de óleo este ano”, como se não houvesse diferença entre assessor e assessorado. Na ADEC, o próprio gerente reconhece a dependência institucional: ”Se o ESPLAR fosse desaparecer seria uma perda enorme, porque não é apenas assistência técnica, é assessoria de gênero, meio ambiente, direitos... ao longo de mais de 30 anos. Seria muito difícil achar outro parceiro como este. O ESPLAR é companheiro, irmão, tem compromisso e experiência.” Acrescenta, porém, logo depois, “mas não podemos depender dele...”. Está bem resumido um dilema que, provavelmente, não tem solução em curto prazo. A Diaconia que ajudou a criar a AAOEV em 2002, tem a intenção de que esta associação se torne autônoma. O estatuto da associação foi recentemente alterado nesse sentido. Na prática, porém, ela continua precisando da ajuda organizacional da DIACONIA para diversificar e planejar a produção. Precisa também da sua capacidade de articulação como do seu apoio financeiro. Da mesma forma, a ASSEMA vai continuar por um bom tempo ainda a participar de feiras internacionais de agricultura biológica e de articulações de economia solidária. A estratégia que

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consiste em juntar um técnico e um agricultor ou uma quebradeira em todos os espaços políticos e econômicos, contribui para a partilha de conhecimentos, mas reforça mais ainda a simbiose institucional. Do lado da ADEC, o gerente que tanto preza a autonomia, reconhece que o ESPLAR foi “essencial para achar o caminho da comercialização” e “gerar confiança junto às entidades internacionais do comércio justo”. Além da assessoria técnica, de comunicação e comercialização, o ESPLAR também tem garantido durante vários anos o capital de giro da ADEC e continua atuando como mediador com o mundo acadêmico. Nos três casos, a cooperativa/associação de agricultores familiares e a Ong de assessoria estão numa relação de simbiose tão grande que uma separação visando a “autonomia” da primeira é muito pouco provável a curto prazo. E, quem sabe, talvez seja até pouco desejável? Será que o apoio de longo prazo é a regra nesse tipo de empreendimento? Se for o caso, melhor resignar-se e aceitar esse casamento do que procurar saídas por enquanto impossíveis. E reconhecer também que a dependência não é de mão única: o bom desempenho e o financiamento da Ong também dependem por boa parte da cooperativa/associação, cujo desaparecimento seria catastrófico para a entidade de assessoria. A difícil experimentação de novos arranjos econômicos Além dessas três cooperativas ou associações com as quais estão em simbiose, as três Ongs tentaram criar outros arranjos ligados à comercialização da produção. Em todos, encontraram dificuldades. No Rio Grande do Norte, a associação de consumidores Amigos da Feira começou bem, visitando produtores nas comunidades e sensibilizando outras pessoas. Mas murchou rapidamente até ficar praticamente inexistente hoje. O caso de maior sucesso, mesmo assim bastante problemático, é o GAM, na região de Tauá. Peça central da expansão dos consórcios agroecológicos, está atravessado por tensões em torno da qualidade e do peso do algodão, e por jogos de poder que requerem mediações.

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No Maranhão, a cooperativa Babaçu Livre e seus 22 sócios, representando todos os empreendimentos comerciais apoiados pela ASSEMA, está em crise. Melhor dizendo, sempre esteve em crise, tanto política como economicamente. Sem cotas-partes, sem reuniões regulares, sem decisões nem avaliações, a mais nova cooperativa apoiada pela ASSEMA decolou efetivamente. Ao abrir a loja Embaixada do Babaçu, em São Luis, o objetivo dessa cooperativa era ganhar independência em relação à ASSEMA. Ao cabo de quatro anos de financiamento da loja pela OXFAM é preciso repensar a estratégia. É provável que a loja sobreviva por ser uma importante vitrine política para a ASSEMA, mas o futuro da cooperativa Babaçu Livre é muito mais incerto. A cadeia Justa Trama é emblemática no universo da economia solidária, por ter produzido as sacolas de algodão para o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. A equipe do ESPLAR a vê como uma organização importante, porém frágil, “com problemas estruturais”. Além de dificuldades na comercialização das pecas de confecção e da fragilidade dos elos intermediários, a produção de algodão orgânico pela ADEC também apresenta fragilidades, capazes de debilitar o conjunto da cadeia. Com efeito, a ADEC é o único produtor. Se falhar – em razão de adversidades climáticas, por exemplo – toda a cadeia fica comprometida. Por isso, a expansão da produção de algodão para outros estados do Nordeste é vital para a Justa Trama. Assessoria permanente para ultrapassar o nível organizacional A maioria das tentativas de apoio citadas acima – o GAM, a cadeia Justa Trama, a Cooperativa Babaçu Livre – visa ultrapassar o nível da cooperativa de produção e criar novos arranjos econômicos para trabalhar na articulação de várias organizações. Esses exemplos mostraram que as Ongs de assessoria estão ainda engatinhando nesse novo patamar. Ao mesmo tempo, porém, ultrapassar o nível de uma única organização comercial para chegar à cadeia, rede, agrupamento comunitário ou territorial, parece ser uma etapa incontornável na busca do desenvolvimento sustentável. Por outro lado, já vimos que o apoio continuado, de longo prazo, da ONG para a cooperativa/associação, é um elemento essencial para a sustentabilidade da comercialização dos produtos da agroecologia.

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Passar do nível organizacional (ADEC, AAOEV ou COPPALJ) para o nível comunitário ou territorial supõe certamente esse mesmo tipo de apoio permanente. Pelo menos essa foi a conclusão a que chegou Ana Maria Dubeux, coordenadora da Incubadora de Cooperativas Populares, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, a INCUBACOOP: “Mudamos totalmente a nossa abordagem. Antes, havia um cronograma de préincubação, incubação e desincubação dos grupos, ao longo de dois a cinco anos no máximo. Com as primeiras experiências vimos que, além das dimensões organizacionais e econômicas, era preciso trabalhar todas as outras – em particular, o trabalho de proximidade, com a vida comunitária. Desse jeito, o processo é muito mais lento e resolvemos não desincubar mais. Trabalhamos o desenvolvimento local, sem prazo para terminar. Quando um grupo ou uma cooperativa atinge certo patamar, passa para outro patamar. A perspectiva agora é de articulação entre grupos: os mais avançados servem de multiplicadores para os outros, e assim por diante.”

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Gênero e Mercado O reconhecimento ainda limitado das mulheres na agricultura familiar nordestina Um estudo de Hildete Pereira, da Universidade Federal Fluminense, revela a “invisibilidade do trabalho feminino no meio rural”. No Brasil, “80% das mulheres trabalham no campo sem remuneração”83. Dados como estes ainda são raros, uma vez que “falta um olhar feminista para desvelar o papel da mulher no meio rural” e “grande parte das estatísticas (...) não apresenta a diferença entre as dinâmicas femininas e masculinas”. Outra constatação do estudo é a masculinização do meio rural, conseqüência do “êxodo das mulheres para as cidades, buscando melhores oportunidades de trabalho e estudo”. Também, até pouco tempo atrás, a mulher tinha “grande dificuldade em obter a titularidade da terra”. Melhorou em 2003, quando foi criado um mecanismo facilitando a obtenção do título. Por sua vez, Felipe Jalfim, no seu estudo sobre a criação de galinhas pelas mulheres, ressalta a força da cultura patriarcal no semi-árido nordestino. As mulheres têm pouca voz nas tomadas de decisão em geral, em particular com respeito à comercialização da produção. Outro elemento característico dessa cultura tradicional é a nítida divisão sexual do trabalho, com as mulheres cuidando mais da casa (trabalhos domésticos, crianças, água...), do quintal (hortaliças, frutas, plantas medicinais, manejo dos pequenos animais) e da comercialização dos produtos na comunidade e na feira. Os homens “ficam responsáveis pelos animais maiores, os cultivos e seus respectivos processos de comercialização”. Mesmo assim,

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“as mulheres contribuem com sua mão-de-obra em diversas fases do cultivo, particularmente para certos trabalhos entre os mais penosos, como a colheita do feijão, não lhes cabendo, porém, a decisão sobre o que, como e onde cultivar.” Em síntese, as relações de gênero continuam muito desequilibradas no meio rural brasileiro, em particular no interior do Nordeste. Ora, sem relações mais equilibradas e mais justas, não só a qualidade de vida da família está comprometida, como também a produção e a comercialização; presas na jaula da cultura patriarcal, correm o risco de estagnar. O que Jalfim conclui na sua análise da criação de galinhas vale certamente para outras atividades econômicas: “Os avanços nesse âmbito dependem de processos que contribuam à promoção de mudanças favoráveis do poder das mulheres.” Trata-se, então, de entender como as Ongs e outras organizações contribuem para o “empoderamento” das mulheres. Ou, de modo mais amplo, de que forma elas trabalham a “questão de gênero”, que a Oxfam sempre considerou central nos projetos de desenvolvimento.

Gênero na família, nos grupos produtivos e nas organizações de mulheres A grosso modo, as três Ongs aqui focadas abordam o gênero de três maneiras: através da família, dos grupos produtivos de mulheres e dos grupos de mulheres em geral. Na Diaconia onde “o olhar de gênero é recente”, o trabalho ocorre, sobretudo “no âmbito familiar” e versa sobre “os direitos da mulher, do homem e dos filhos”. É feito “em conjunto, diferentemente de certas vertentes do movimento feminista, que trabalham sem a presença dos homens.” A Diaconia também atua junto a grupos de mulheres que produzem e comercializam hortaliças na feira.

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O ESPLAR, por sua vez, faz a ponte entre política, agroecologia e gênero, dando preferência ao empoderamento das mulheres, com um trabalho de organização política.” Assessora também grupos produtivos de mulheres que criam caprinos, cuidam de quintais produtivos ou participam de consórcios coletivos (e não familiares) de algodão. A ASSEMA tem um programa inteiramente dedicado ao gênero, com estratégias mais sofisticadas, onde organização, política e produção andam conjuntamente. O Programa de Organização da Mulher Quebradeira (POM) declina-se em três linhas. A primeira é o apoio à organização de grupos produtivos informais e à sua inserção em espaços políticos (associações, sindicatos...). A segunda linha trata especificamente da geração de renda, com pequenos empréstimos (o “Banco da Mulher”) ou fundos rotativos onde, mesmo que seja a família toda que se beneficie, é a mulher que fica responsável pelo projeto de avicultura, horta, carpinocultura e outros empreendimentos O aspecto político é embutido nos critérios de seleção: para pedir um crédito é preciso participar ativamente de uma organização de mulheres. Na terceira linha de trabalho, o foco é a capacitação: especialistas em saúde ou direitos da mulher vão debater nas comunidades, de modo a também favorecer a participação dos homens. Formou-se, dessa forma, o chamado “grupo de estudo das quebradeiras”, majoritariamente composto por mulheres jovens que se reúnem regularmente em um fórum regional. Aqui também “o gênero é concebido através da família, com os homens.” Duas organizações de mulheres são particularmente importantes: o MIQCB, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Côco Babaçu, representação políticas das quebradeiras de vários estados; e a AMTR, Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais, composta por 120 mulheres de dois municípios84, das quais 50 representam núcleos produtivos (a fábrica de sabonetes, a farmácia viva, a produção de essências...). A AMTR se reúne a cada dois meses para discutir cidadania, preservação ambiental ou renda familiar.

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Maior força política, porém ganhos econômicos limitados para as mulheres Um nítido empoderamento político Os avanços mais nítidos em termos de gênero se deram no campo político. Dentro da família, a divisão do trabalho, das responsabilidades e das decisões pouco evoluiu, e o comportamento dos homens não mudou muito. No campo econômico, os ganhos também têm sido lentos, apesar da presença cada vez maior de grupos de mulheres que se organizam para produzir e comercializar, de casos em que a mulher é chefe de família, e de famílias onde a mulher comercializa os produtos na feira. Hoje, no Sertão, não é mais uma raridade achar uma mulher presidente de associação ou de sindicato de trabalhador rural. Nas áreas de atuação das três ONGs, que são regiões com tradição de mobilização política e social, talvez haja uma maior concentração ainda de lideranças femininas. Em Lucrécia, perto de Umarizal, no Rio Grande do Norte, há muitos grupos de mulheres e elas têm forte presença nas associações. Em Canindé e Choró, no Ceará, as presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais coordenam o trabalho com os consórcios de algodão. “São duas lideranças que se destacam”, enfatiza Adriana, responsável pelo tema de gênero no ESPLAR. Na região do Médio Mearim, no Maranhão, as quebradeiras sempre tiveram papel de destaque. A ASSEMA atuou como uma espécie de incubadora de lideranças, tanto masculinas como femininas. “O MIQCB85, que cobre quatro estados, surgiu de um grupo de estudo na ASSEMA. Hoje, está firmado como força política.” constata Valdener. Ivete Ramos Silva, atual presidente da COPPALJ, também é uma liderança política conhecida, que passou pelos programas de formação da ASSEMA. A própria ASSEMA, como também a DIACONIA e o ESPLAR, adotaram um sistema de paridade entre homens e mulheres no seu quadro de pessoal. A cota de 30% de mulheres, adotada pelos sindicatos, também ajudou na

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progressão da liderança política feminina, com rebatimento em outras instâncias (conselhos municipais, articulações regionais...). Essa progressão, por sua vez, deu mais mobilidade às mulheres, na medida em que elas têm de se afastar de suas famílias por algumas horas ou, até, vários dias, para participar de reuniões, encontros e formações. Resumindo, nas três regiões pesquisadas houve um claro empoderamento político das mulheres. Progressos ainda tímidos na família e na produção Nos consórcios de algodão no Ceará e nos babaçuais maranhenses, progressos econômicos e nas relações familiares foram registrados, porém, permanecem tímidos quando comparados aos avanços políticos. Na relação com o mercado, a desigualdade de gênero se perpetua. O algodão, cultura valorizada, é sempre comercializado pelos homens. “O trabalho de gênero nos consórcios familiares ainda está engatinhando. As mulheres são mãode-obra para a limpeza, o plantio e a colheita. Ainda precisa mapear e vizibilizar seu trabalho, e incluí-las em processos de capacitação. Nos consórcios coletivos, contudo, em alguns municípios, as mulheres são referência.” analisa Adriana, que coordena o trabalho de gênero no ESPLAR. No Maranhão, segundo Silvianete, responsável pelo programa de mulheres na ASSEMA, a quebradeira é reconhecida: “Hoje, ela consegue discutir em eventos públicos, se coloca, discorda, diz que produz – não apenas que ajuda na produção –, reconhece seu próprio trabalho produtivo.” Mesmo assim, na comercialização houve poucos avanços; ainda é feita pelos homens. A não ser quando a mulher é chefe de família (são muitas nesta situação) e também para os pequenos animais e a amêndoa de babaçu, que valem menos dinheiro. O que vale mais – o gado, a safra grande – continua na mão dos homens.” Por outro lado, mulheres estão à frente de muitos empreendimentos produtivos, como a fábrica de sabonetes e a de mesocarpo de babaçu, onde tomam todas as decisões produtivas. Mas elas não estão diretamente envolvidas na comercialização da sua produção e – talvez por isso mesmo? –

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não conseguiram um retorno econômico à altura dos seus esforços. Nos grandes negócios com o óleo de babaçu, a situação é mais equilibrada, segundo Silvianete:“As mulheres estão muito presentes na COPPALJ. A cooperativa já teve duas mulheres como presidentes. Embora sua palavra valha muito, quem toma as decisões é um conselho composto por homens e mulheres.” Olhando agora do lado da região de Umarizal, no Rio Grande do Norte, mudanças mais marcadas podem ser observadas nas famílias rurais a partir da introdução de sistemas de captação de água. Uma pesquisa da Articulação no Semi-Árido (ASA) mostrou que a proliferação de cisternas, graças ao Programa Um Milhão de Cisternas, que a ASA anima, teve um grande impacto na liberação do tempo da mulher e, em menor grau, do homem também. Em média, na época da estiagem, a família economiza três horas de trabalho por dia. Por outro lado, segundo Edjane, da Diaconiaa relação com o mercado estaria contribuindo para empoderar as mulheres.“Nos três municípios onde a Diaconia trabalhou apoiando a comercialização da produção, há mulheres cultivando hortas, mulheres nas feiras, e indícios de que as mulheres estão começando a se sentir importantes” De fato, a diretoria da AAOEV, a associação responsável pela produção e a comercialização, conta hoje com 30% de mulheres. Resta que os progressos são lentos, especialmente do lado dos homens: “Alguns poucos homens acham interessante a participação das mulheres no mercado. Mas a maioria ainda acha que o homem deve fazer isso. Talvez 30% aceitam. Não é tão comum ainda ter mulheres comercializando.” A própria formulação “os homens não acham interessante a participação das mulheres” diz muito a respeito do longo caminho a ser trilhado ainda. Olhando para o conjunto, percebe-se que, nas regiões onde ONGs investem no assunto “gênero”, os avanços políticos parecem ter sido maiores. Apesar dessa dedicação, porém, os progressos nas relações familiares e na comercialização da produção permanecem tímidos.

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As razões dos avanços Se, de modo geral, houve avanços nas áreas de atuação das três Ongs, talvez nem todos sejam imputáveis às iniciativas da assessoria. Omar Rocha, coordenador do Programa Meios de Vida Sustentáveis, na Oxfam GB, programa que certamente contribuiu bastante para os avanços nas relações de gênero, reconhece a existência de outros possíveis fatores, entre os quais figuram os novos programas sociais do Governo Lula. “O Programa Luz para Todos expandiu o acesso à televisão na zona rural. Junto com os novos programas de educação, aumentou a freqüência nas escolas noturnas. O programa Saúde da Família também trouxe novos papeis para as mulheres. E o aumento da sindicalização (para conseguir a aposentadoria rural), junto com a as cotas de 30% de mulheres nos sindicatos, levaram muitas mulheres para o espaço público.” Omar lembra também que o movimento de mulheres trabalhadoras rurais é forte no sertão e que, todo ano, a Marcha das Margaridas leva centenas de produtoras sertanejas e suas reivindicações para Brasília.

O mercado emancipa as mulheres? Sim!... e não! Saber se o mercado contribui ou não para a emancipação (maior grau de liberdade) das mulheres não é tão óbvio quanto parece (ver o box abaixo). Por um lado, nossas interlocutoras foram unânimes em responder que, “sim, o mercado emancipa”; por outro, colocaram tantas condições para essa emancipação ocorrer de fato que é permitido duvidar da primeira resposta afirmativa... À pergunta “O mercado contribui para emancipar as mulheres?” Edjane, da Diaconia, responde sem hesitação: “Sem dúvida, as mulheres se sentem importantes quando contribuem para gerar renda. Também, quando comercializam estão dialogando fora da família.”

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Adriana, do ESPLAR, vê no mercado “um espaço público onde é importante que as mulheres estejam”. Para Silvianete, da ASSEMA, os grupos de produção femininos empoderam as mulheres. E ter acesso ao mercado e ao dinheiro é um fator importante para a emancipação da mulher. “O mercado emancipa e provoca mudança na estrutura familiar. Quando a família vê que pode melhorar de vida, há uma abertura. A mudança nas relações passa a ser um elemento importante para melhorar a qualidade de vida. Relações de gênero são relações de poder, e dinheiro dá poder, dá segurança para a mulher que, em caso de ruptura da relação de casal, tem como se manter.” Mas existem vários “porém”. O principal deles é a “tripla jornada” da mulher. “É dona de casa, trabalha na roça, e agora vem a comercialização da produção”, nota Edjane. Na verdade dever-se-ia falar em quádrupla jornada, acrescentando as novas funções políticas que exigem a participação em um grande número de reuniões. O que está em jogo aqui é a divisão do trabalho na família. “Para estar no mercado, as mulheres vão ter que sair, e alguém vai ter que fazer as atividades de casa. A grande questão é a divisão sexual do trabalho doméstico e produtivo. É preciso discutir isso, senão, em vez de libertá-la, o trabalho da mulher só faz aumentar; ela faz as tarefas de casa antes de sair para comercializar ou discutir política” diz Adriana, do ESPLAR. Por isso, acha que “Não adianta fazer um plano de negócio com mulheres caprinocultoras se essa realidade não muda.” Ora, no sertão nordestino, mudar a realidade da relação de gênero representa um longo trabalho. O que significa, por tabela, que avanços maiores na produção e na comercialização da produção agroecológica podem também ser muito lentos.

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São pelo menos duas grandes frentes de trabalho para as Ongs, associações e cooperativas que desejam contribuir para mudar as relações de gênero, com impacto na comercialização da produção. Uma delas consiste em trabalhar o aspecto organizacional, seja com grupos produtivos de mulheres, seja com grupos produtivos mistos, onde a participação da mulher está atualmente inexistente ou fraca. A outra frente ajudaria a desatar o grande nó da divisão desigual das obrigações familiares (tarefas domésticas e cuidados com crianças e idosos). Ao tratar de “Economia solidária e relações de gênero86”, Isabelle Guérin fala dessas obrigações familiares e nota que “em nome dessa responsabilidade, vista como verdadeiro dever, a liberdade individual das mulheres tem sido sacrificada em prol da eficácia coletiva...”. Guérin propõe uma saída original, que ultrapassa o estrito âmbito familiar. Seu raciocínio é o seguinte: “Se reconhecemos que a liberdade feminina tem o mesmo valor que a liberdade masculina, então precisamos também reconhecer que parte das obrigações familiares, em particular os cuidados para com pessoas dependentes, é um bem público, no sentido de que beneficia o conjunto dos contribuintes, (...) Administrar este bem público supõe, por um lado, uma divisão de responsabilidades entre a família, as autoridades públicas, e também o mercado e a sociedade civil e, por outro lado, uma divisão das responsabilidades intrafamiliares.” Para promover a maior igualdade ente homens e mulheres, Guérin propõe, primeiro, “revalorizar práticas de reciprocidade e de cuidado do outro” como formas genuínas de ação econômica (de que nem o mercado, nem o Estado estão dando conta) e, dessa forma, “reconhecer que ações não utilitaristas participam ao bem estar individual e social”. Em segundo lugar, incentiva a criação de “espaços intermediários” (nem da família, nem do Estado) para a “expressão e reivindicação das necessidades (...) e a autogestão coletiva de problemas particulares”.

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“A modificação das relações familiares através do microcrédito é evidentemente uma falsa idéia” Vale a pena prestar atenção às provocações da feminista belga Hedwige Peemans-Poulet, “uma das poucas vozes a se levantar contra a unanimidade que se tornou a história de sucesso (...) do Prêmio Nobel da Paz de 2006, Muhamad Yunus.” Na entrevista que concedeu à Revista do Terceiro Setor em 20 de setembro de 2007, ela vincula “a escolha das mulheres como principal clientela do microcrédito” (75% a 100% nas experiências ao redor do mundo) à “feminização da pobreza” (70% dos pobres são mulheres conforme dados do PNUD). Hedwige Peemans-Poulet tem palavras muito duras para com iniciativas como o Grameen Bank de Muhamad Yunus. Abaixo, dois trechos desta entrevista bombástica. “(...) com minha visão de feminista, vejo que a idéia de um “empréstimo mínimo” só poderia ir a um “objetivo mínimo”, em mãos das mulheres numa sociedade dominada pelo patriarcalismo.” “O empowerment é uma dessas palavras-chave que crescem como uma bola de neve de significados, fazendo tudo colar por onde passa. No lançamento do modelo de microcrédito, o discurso era de que o acesso ao recurso monetário faria com que essas mulheres se tornassem independentes do poder patriarcal, como se esse acesso fosse modificar as relações intrafamiliares, por exemplo. Evidentemente, uma falsa idéia. Mas por trás desse argumento há uma questão fundamental: como as mulheres vão articular essa mudança de uma renda ´in natura´(normalmente elas antes produziam os alimentos para auto-consumo da família) a uma renda monetária, basicamente com o mesmo fim? E elas terão de continuar fazendo o trabalho doméstico, que não resulta nem em remuneração, nem em produtos que podem ser trocados, além agora de se preocupar com uma produção para vender no mercado externo.”

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TERCEIRA PARTE: além do local

Ampliar o raio de ação além da família e da comunidade Nas três experiências, o acesso aos mercados – orgânico, institucional, justo, local, nacional, internacional – de comercialização da produção agroecológica, é essencial para a qualidade de vida das famílias beneficiadas pelos projetos. Tem também importantes repercussões nas comunidades onde moram essas famílias. Mas o impacto desses modos alternativos de comercialização permanece marginal na economia municipal, e é insignificante no contexto da economia regional – sem nem falar do conjunto da economia brasileira. Quais são, então, as vias possíveis para ampliar o raio de ação além da família e da comunidade? As três Ongs deste estudo já são referências regionais, nacionais e internacionais. Outras organizações públicas ou privadas conhecem suas atividades e algumas as replicaram ou adaptaram à sua realidade. Para tanto, as três Ongs lançaram mão de estratégias de multiplicação e difusão, criando assim uma massa crítica de vivências bem sucedidas capazes de interessar os jovens, provocar novos experimentos e influenciar políticas públicas.

Que futuro para os jovens? O trabalho em direção à juventude rural é ao mesmo tempo indispensável e extremamente desafiante. A realidade dos municípios interioranos mudou muito nos últimos trinta anos. Êxodo e envelhecimento da população rural, de um lado, profundas mudanças políticas e culturais, do outro: o futuro dos pequenos municípios nordestinos não parece nada promissor. O tempo das grandes lutas já passou. No mundo rural, os filhos dos militantes históricos têm inserção política tímida, e sua motivação é diferente daquela que levou seus pais a lutar. Esse é o quadro desenhado por Didi, responsável pelo Programa de Juventude Rural da ASSEMA, “Os pais lutaram para mudar a realidade e garantir certo “modo de vida”. Hoje, isso já não é tão forte.”

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O Programa de Juventude, da Assema, atinge mais de 600 jovens, apóia a organização de grupos, fomenta discussões sobre assuntos como drogas, gênero ou doenças sexualmente transmissíveis, e financia pequenas iniciativas produtivas. Alguns desses jovens pretendem se formar para dar continuidade ao trabalho nas organizações – COPPALJ, ASSEMA, fábrica de sabonetes, organizações comunitárias... Outros não se preocupam muito com o bem-estar coletivo: “Há jovens que não estão muito interessados pelo político. Perguntam: 'o que é que vou ganhar com isso', chegando ás vezes a desestimular os colegas”. A maioria não quer permanecer no campo, muitas vezes associado a uma imagem de “atraso”. A escassez de políticas públicas para a juventude rural e a apatia dos governos municipais não ajudam. “O êxodo não é tão catastrófico como alguns previam, diagnostica Marcus Vinícius, do ESPLAR, mas existe um problema real: a identidade de agricultor não é vista pelos jovens como algo interessante. A TV veicula outras coisas. Chega, via parabólica, um modo de viver atrativo, mesmo que irreal. As roupas são as mesmas no Rio de Janeiro e em Tauá. As lanhouses também.” Ou seja, a questão não fica circunscrita à agricultura. Leonardo, representante da Diaconia em Umarizal, afirma que “os jovens querem permanecer no campo, desde que tenham boas condições de vida, educação, lazer e renda.” Por enquanto, porém, os jovens vão buscar educação, renda e lazer na cidade e raramente voltam para o seu lugar de origem. A situação é preocupante, e algumas linhas de ação estão aparecendo, particularmente no âmbito da educação. Nesse aspecto, o trabalho da Assema é emblemático. Aproveitando-se de políticas federais inovadoras como o PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, e de financiamentos privados, a ASSEMA conseguiu operar programas experimetais em todos os níveis: pré-escola, escola-família de ensino fundamental, ensino médio e ensino superior de

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qualidade, com professores da Universidade Federal do Maranhão dialogando com assentados e quebradeiras. Além disso, as três Ongs – ASSEMA, ESPLAR e Diaconia– já estão pensando na integração dos jovens nos empreendimentos cooperativos e associativos. Seja como produtores, administradores, comerciantes, pesquisadores ou multiplicadores, todos sabem que, sem a inclusão dos jovens, não há como sustentar os avanços na agroecologia.

Intensificação e expansão das iniciativas agroecológicas Para ganhar legitimidade, as experiências de comercialização da produção agroecológica se expandem de duas maneiras. A primeira consiste em intensificar ou refinar o trabalho existente, numa espécie de “expansão para dentro” que tem a ver com a experimentação de novas alternativas nas mesmas áreas produtivas. A segunda é a difusão ou expansão em novas áreas, fora do que já é considerado como sendo um trabalho consolidado. Antes de ilustrar essas duas vertentes da expansão, cabe uma indagação: “Expandir o que?”. É preciso relembrar aqui a dupla face da tecnologia social: a face visível, sólida (o hardware); a outra, invisível, conceitual, organizacional, processual, relacional (o software). Quando a Diaconia traz o consórcio de algodão do Ceará para o Rio Grande do Norte, não está apenas importando sementes ou máquinas debulhadoras. Está também levando em conta um conjunto de saberes adquiridos pelo ESPLAR e pela ADEC, ao longo de mais de quinze anos de experiência. Esses saberes dizem respeito à mobilização dos agricultores, à organização do beneficiamento, às relações com o mercado ou, ainda, aos contatos com financiadores.. É esse tipo de preocupação que Francinaldo, secretário executivo da ASSEMA, expressa quando delegações de organizações populares desejosas de reproduzir a experiência da COPALJ se deslumbram frente ao galpão e às máquinas da cooperativa: “Para replicar a nossa experiência, é preciso enxergar que, por trás da fábrica de óleo de babaçu, existe toda uma organização, um trabalho ambiental e social; a fábrica não é só o que parece: um galpão com máquinas.”

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Intensificar o trabalho Esclarecido esse ponto, podemos voltar ao primeiro tipo de expansão da experiência, para dentro dos limites institucionais e geográficos existentes, intensificando o que já foi feito, preenchendo espaços desocupados e, sobretudo, experimentando novas alternativas de produção agroecológica Por exemplo, sem sair dos atuais limites institucionais, nem das áreas de consórcio já cultivadas, o ESPLAR pretende intensificar o trabalho com o gergelim e o nim e, paralelamente, avançar na transformação e comercialização desses dois produtos. Poderia também aumentar a densidade dos cultivos nos consórcios, acrescentando uma nova forrageira, por exemplo. Nesse mesmo sentido, a ASSEMA, está incentivando a diversificação da produção, consorciando o babaçu com fruteiras, e um maior cuidado com a segurança alimentar através de hortas e quintais produtivos. Está também procurando novos mercados para a produção de óleo da COPPALJ, a fim de aumentar o percentual de vendas para o comércio justo: “Não é aumentar a produção, é o mesmo volume, mas trabalhando cada vez mais com consumidores conscientes e buscando melhorar a renda dos produtores”, precisa Valdener. Expandir além dos limites atuais O segundo tipo de expansão das experiências agroecológicas se dá para fora dos limites atuais. Um dos principais empecilhos para tanto é o fato de que a qualidade do trabalho das Ongs depende muito da qualidade da assistência técnica junto aos agricultores familiares. Essa é a razão pela qual, na ASSEMA, a expansão para novas áreas sempre foi complicada: “A tendência é concentrar na mesma área ou aproveitar programas como o ATES87 para trabalhar em novas áreas. A assistência técnica depende de financiamentos.” Resultado: expansão da equipe e do trabalho para novas áreas quando chegam novas verbas, e retraimento quando as verbas acabam. Em meados de 2007, 13 dos 25 membros da equipe eram bancados pelos recursos federais do ATES, terminando no final de 2007. Há tímidos sinais de

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mudança na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), o órgão federal encarregado da extensão rural. No Rio Grande do Norte, Élson, técnico da Diaconia, notou a entrada de pessoas novas nos últimos anos. “São pessoas que já trabalharam em Ongs e fizeram o concurso da EMATER. Temos uma parceria forte com eles para o algodão.” Não dá, porém, para se empolgar demais, pois “há muita gente fechada ainda”. Por isso, a Diaconia conta, antes de tudo, com suas próprias pernas para difundir a agroecologia na região. Pernas que o sucesso, paradoxalmente, torna cada vez mais curtas... “Nos anos 80, a Diaconia começou a fazer algo em que ninguém acreditava – recuperar solos, diversificar a produção... conta Joseilton. Hoje, o número de famílias sensibilizadas e produzindo é muito grande; a Diaconia não dá mais conta do acompanhamento de todas.” Várias estratégias de expansão em nível local Como fazer então? As famílias mais experientes estão se tornando multiplicadores para outras famílias menos experientes, numa lógica de descentralização da assistência técnica. Também, os técnicos da Diaconia passaram a acompanhar, cada vez mais, grupos de famílias (e, cada vez menos, as famílias individualmente) e estão começando a formar jovens como agentes multiplicadores de agroecologia. Tanto para a produção como para a comercialização, métodos de expansão que já se tornaram clássicos continuam sendo usados. O intercâmbio entre comunidades, as visitas a agricultoresexperimentadores bem sucedidos ou, ainda, os fundos rotativos são elementos essenciais de uma estratégia de expansão a partir do que poderia ser chamado de “ilhas agroecológicas”, espalhadas em diversas comunidades no território. Élson, da Diaconia, notou que, raramente uma família se sensibiliza por um sistema completo ou um conjunto de tecnologias, mas “sempre começa com um elemento, uma barragem subterrânea, por exemplo.” Depois, vai expandindo para outros elementos.

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Existem, então, duas grandes opções estratégicas: atuar mais no sentido do desenvolvimento local, intensificando as atividades no mesmo território, de modo a constituir uma referência mais “compacta” em um número limitado de comunidades, ou, então, ir semeando experiências em um número cada vez maior de comunidades e municípios, e fazer com que o poder público se sensibilize e passe a multiplicar o trabalho. A mídia desempenha um papel importante. As três experiências já foram assunto de programas de televisão e matérias de jornais. A equipe da Diaconia também elabora um programa semanal difundido por uma emissora de rádio local que alcança mais de 50 municípios. Em outra frente, vale notar que as Ongs nordestinas já têm uma longa história de criação de redes regionais (água, sementes, mel...) bem sucedidas. No caso da comercialização do algodão, uma nova articulação está nascendo entre o ESPLAR (CE), a Diaconia (RN e PE), o Caatinga (PE), a AS-PTA e a Arribaçã (PB). Ela vai poder se beneficiar das conexões internacionais do ESPLAR no âmbito do comércio justo. Por exemplo, uma reunião da Organic Exchange88 está prevista em Tauá, em pleno sertão cearense! Pedro Jorge, do ESPLAR destaca ainda novas possibilidades de parcerias com pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), onde também entrou gente nova: “Na EMBRAPA, vinte ou trinta técnicos que estão elaborando um marco referencial para a pesquisa em agroecologia, o que deve significar novos recursos orçamentários para o tema.” Todos os avanços citados acima são tímidos. Para sustentar seu trabalho e ampliar seu raio de ação, as Ongs continuam contando com métodos artesanais, como o intercâmbio e seu insubstituível cara-a- cara, ao mesmo tempo em que procuram atuar na arena política.

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Conquistas políticas Como já visto anteriormente, as três experiências de comercialização da agricultura familiar aproveitaram-se de uma sólida base política pré-existente ao seu nascimento. Por outro lado, o viés político é inerente ao trabalho das Ongs, cooperativas e associações, que buscam cativar a atenção dos governantes, desenvolver parcerias com poderes públicos e influenciar políticas públicas através de redes, fóruns, articulações, grupos de reflexão e de pressão, em todos os níveis, do municipal ao internacional. O contexto desse trabalho político comporta fatores favoráveis e desfavoráveis. De um lado, a força da sociedade civil (tecido associativo, sindicatos, “capital social”...); do outro, a debilidade generalizada do poder municipal no interior nordestino. De um lado, políticas nacionais que favorecem a comercialização da produção agroecológica (o PAA, a compra direta); do outro, iniciativas federais como a política de incentivo à produção de biodiesel, muito controvertidas e que pessoas como Marcus Vinicius, do ESPLAR, enxergam como “desestruturadoras da agroecologia e da agrobiodiversidade”. Além do mais, contar com o Estado para apoiar e expandir iniciativas de comercialização é problemático por, pelo menos, duas razões. A primeira é de que os governos são voláteis e não oferecem garantia de continuidade administrativa. O outro desafio é fazer com que os governantes, naturalmente apressados e ávidos de resultados em grande escala, entendam que, para implantar novos esquemas de comercialização, é preciso começar numa pequena escala e ter paciência. Pedro Jorge lembra que “o ESPLAR e a ADEC quebraram a cabeça durante mais de dez anos até conseguir se estruturar e abrir mercados interessantes.” O nível municipal é certamente, ao mesmo tempo, o mais importante de todos e o menos receptivo à ação política das Ongs. Há, contudo, exceções. No Rio Grande do Norte, a retomada do plantio de algodão está gerando uma mobilização inédita: “Pela primeira vez, conseguimos o apoio concreto do poder local”, comemora Joseílton, da Diaconia. Fora esse caso excepcional, um dos maiores feitos até então foi emplacar, em troca de apoio eleitoral, secretários municipais de agricultura egressos, seja do sindicato (no Rio Grande do Norte), seja da cooperativa (no

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Maranhão). Outra façanha da ASSEMA foi conseguir a votação de leis municipais protegendo os babaçuais e dando acesso às propriedades privadas para as quebradeiras. Com o apoio de um deputado federal, a ASSEMA está agora constituindo um lobby para a votação de uma lei federal nesse mesmo sentido. A Diaconia tornou-se,também, uma força política na região de Umarizal. Nesse município, o Fórum de Políticas Públicas, coordenado pela sociedade civil, consegue elaborar projetos de boa qualidade e, dessa forma, captar financiamentos estaduais e federais vultuosos, que beneficiam toda a região. Em 2008, o Fórum vai priorizar os recursos hídricos. Quinze barragens sucessivas visando a perenização de cinqüenta quilômetros do Rio Umari estão previstas. Esse projeto tornou-se a menina dos olhos da Diaconia, que ajuda a costurar parcerias intermunicipais para a formação de um comitê de bacia – tarefa delicada que supõe, entre outras coisas, o diálogo com os plantadores de fumo do Rio Umari, financiados pela empresa Souza Cruz. A Diaconia pode também se valer de um bom relacionamento com o governo estadual, uma parceria que rendeu mais de cem barragens subterrâneas em todo o Rio grande do Norte, com o apoio técnico da EMATER. Outra interessante parceria da Diaconia é com o projeto federal Dom Helder Câmara, que reúne em seu Comitê Territorial atores importantes de diversos municípios, a fim de discutir e apoiar projetos de produção agroecológica e comercialização. A ASSEMA, por sua vez, tem sido uma verdadeira incubadora de lideranças, graças ao esforço de capacitação política embutida no projeto cooperativista. A formação ao associativismo, às políticas públicas, à ecologia e à organização coletiva, junto com a participação em muitos eventos externos, acabou gerando uma massa crítica de pessoas conscientes de seus direitos e preparadas para reivindicá-los. Resultado: a ASSEMA pôde criar um fórum regional que consegue ter peso nas decisões políticas numa área abrangendo sete municípios. Na hora de reivindicar a construção de uma estrada rural junto ao INCRA, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ou de mobilizar recursos estaduais para a fábrica de sabonetes, não são a representação do assentamento ou a diretoria da fábrica que negociam e, sim, o fórum no seu conjunto. O mesmo princípio vale para o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB).

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Por fim, vale lembrar que as três Ongs, bem como as associações e cooperativas que assessoram, são membros de inúmeras redes, fóruns e articulações. Não podemos citar aqui todas eles. Com o advento das redes virtuais, multiplicaram-se sobremaneira. Entre as mais importantes, duas são diretamente vinculadas à produção e comercialização agroecológicas: a ANA (Articulação Nacional de Agroecologia) e o FBES (Fórum Brasileiro de Economia Solidária). Mais até do que pensar na própria sobrevivência, as experiências e as organizações que as originaram deveriam procurar transcender a si próprias. O essencial é perpetuar e multiplicar as experiências no espaço – ampliar o raio de ação para outros grupos e organizações, alargar o círculo de influência além da escala familiar e comunitária – e no tempo – através da inclusão da juventude. Introduzir novas tecnologias sociais, experimentar, consolidar e difundi-las localmente, e influenciar políticas públicas são os papéis das Ongs. Salvo exceções89, quem pode e deve atuar em maior escala é o Estado. Para a comercialização da produção agroecológica, que está ainda engatinhando, novas políticas públicas, levando em conta a lógica territorial, estão nascendo no Brasil, num encontro inédito entre agricultura familiar, agroecologia e economia solidária.

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Novas políticas públicas na confluência da agricultura familiar, da agroecologia e da economia solidária. Pelo quadro desenhado até agora, as experiências de comercialização da produção agroecológica no interior do Nordeste permanecem dispersas e carentes de maior apoio para sua consolidação e expansão. A recente aproximação entre agricultura familiar, agroecologia e economia solidária na forma de políticas públicas de comercialização, oferece pistas promissoras. Não podemos aferir a sua eficiência visto que sua implementação mal está engatinhando (na região Sul do Brasil). Estão aqui registradas como projetos inovadores, ao lado de outras sugestões de apoio à comercialização, colhidas nas entrevistas e na literatura.

Agroecologia e economia solidária: objetivos comuns e estratégias complementares A proximidade da economia solidária e da agroecologia vista como projeto político Se quem pratica a agroecologia vê nela muito mais do que técnicas de manejo ecológico dos recursos naturais, alguns estudiosos vão muito mais longe e chegam a considerá-la como um projeto completo, político, econômico, social e cultural, de transformação da sociedade. Eros Marion Mussol considera assim que o futuro da agricultura familiar é “praticamente incompatível com o modelo de crescimento econômico atual”90 e “passa por uma revisão profunda do paradigma de desenvolvimento que, sem dúvidas, indica as dimensões da agroecologia e da sustentabilidade como fatores fundamentais de viabilização de um novo modelo agrário e de sociedade, ambientalmente são e com justiça social.” Da mesma forma, para o sociólogo espanhol Eduardo Sevilla Guzmán, a agroecologia visa “estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para enfrentar a destruição ecológica e social atualmente gerada pelo neoliberalismo”91. A base para tanto seriam as sociedades rurais na sua dimensão local, pois

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“[é na dimensão local que] se encontram os sistemas de conhecimentos (local, camponês e indígena), portadores do potencial endógeno que permite potencializar a diversidade ecológica e sociocultural. Tal diversidade é o ponto de partida de suas agriculturas alternativas, a partir das quais pretende-se desenhar de forma participativa métodos endógenos de melhoria sócio-econômica para estabelecer dinâmicas de transformação rumo a sociedades sustentáveis.” Guzmán propõe uma verdadeira metodologia de transformação social a partir da base agroecológica camponesa. Essa transformação seria o “ponto culminante” de um processo gradual incluindo mudanças no âmbito produtivo (agricultura agroecológica), socioeconômico (controle da circulação de bens e dos setores não agrários em nível local) e político (mudanças nas estruturas de poder). Sua estratégia baseia-se na valorização dos conhecimentos locais, e no desenho conjunto agricultor-pesquisador de “ações produtivas e de mudança social”. Repousa, também, sobre redes de intercâmbio entre agricultores, bem como na criação de mercados alternativos e de novas estruturas organizativas, “numa dinâmica vinculada aos movimentos sociais rurais”. A dificuldade de controlar o conjunto da cadeia: radicalidade política e realidade econômica. Desenvolvimento local, luta contra o neoliberalismo, participação, mercados alternativos, intercâmbios, redes: o discurso da vertente mais política da agroecologia é acolhido de forma positiva pelos adeptos da economia solidária. Há, neste caso, muita proximidade entre a agroecologia e a economia solidária que, segundo Cassarino, têm “objetivos comuns”, “estratégias complementares”, e um grande desafio, que é “a articulação do público de agricultores ecologistas com as comunidades urbanas, de forma a conciliar a necessidade de comercialização dos agricultores com as iniciativas de consumo solidário dos trabalhadores urbanos”92. Vale parar um pouco neste ponto para tecer algumas reflexões críticas. A primeira é de que, até então, além das fragilidades em cada uma das duas pontas (urbana e rural), as iniciativas de comercialização no molde descrito por Cassarino permanecem extremamente

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raras. Esta é a constatação feita por Daniel Tygel, pesquisador e militante da economia solidária, ao concluir o seu estudo sobre comercialização da produção agroecológica no Brasil. (Ver o resumo do conjunto das conclusões no box abaixo) “Chama a atenção a pequena quantidade de iniciativas em que o consumidor tem papel ativo: a idéia do consumidor como “cliente” ainda é muito forte, o que traz uma assimetria que persiste mesmo em iniciativas de comércio direto”93. Tygel lamenta esta situação: “A questão da conscientização do consumidor aponta para a necessidade e importância de ações junto aos consumidores buscando ressaltar os valores éticos, sociais e ambientais ligados ao ato de comprar.” Significativamente, Tygel dedica seis das nove conclusões do seu estudo ao papel do consumidor em “sistemas solidários de comercialização” e “cadeias solidárias”, apelando para a diminuição da “assimetria entre quem consome e quem produz”. Reconhece, ao mesmo tempo, que realizações como as “redes de distribuição solidárias, exigiriam uma complexificação (bastante exigente) das entidades interessadas em buscar transformações sociais (isto envolve não só redes de comunicação, mas também de transporte – distribuição – e venda).” Acreditamos que a razão dessa insistência no estreitamento da relação com o consumidor seja a seguinte: sem esse fechamento da cadeia, que passaria a incluir um consumidor consciente e solidário, a economia solidária está fadada a permanecer encravada ou pelo menos fortemente vinculada ao mercado capitalista. Como bem explica Lisboa: “Preços perfeitamente justos só são possíveis para transações planificadas e coordenadas dentro de redes formadas entre empresas [ou produtores] e clubes de consumidores associados (...) Mas o intercâmbio entre atores organizados é muito diferente de uma situação onde os produtos oriundos da economia solidária se constituem em simples mercadorias destinadas ao mercado”94

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Este último caso é o de todas as experiências aqui descritas, seja com feiras, comércio justo ou mercado institucional. Há nelas certa proteção contra a concorrência, mas as regras do mercado capitalista permanecem vigentes. Isso não significa que a multiplicação de iniciativas como a sempre citada Rede Ecovida95, no Sul do Brasil, não deveria ser tentada. Há de se saber, porém, que é de difícil realização. Por um bom tempo ainda, a concepção mais radical da economia solidária vai permanecer como “apenas mais uma das vias possíveis”. Por um bom tempo, também, a primeira conclusão do estudo de Tygel deve permanecer vigente: “O foco das entidades de produtores ou de assessoria é garantir uma vida digna ao pequeno agricultor familiar, não tendo a economia solidária necessariamente como fim.” A rigor, as iniciativas aqui descritas não caberiam dentro de concepções mais restritivas da economia solidária, por exemplo, aquela expressa em outra conclusão do estudo de Tygel: “É preciso fazer um alerta com relação às iniciativas que visam o estabelecimento de um comércio justo e solidário, que é o perigo de repetir o ciclo de ver os consumidores como “clientes”, ou seja, há o perigo de se trabalhar muito mais pressionando os produtores (selos verticalizados, exigência de que não tenham ambição de lucro, que saibam se organizar e trabalhar coletivamente, etc.) do que os consumidores, alimentando uma elitização dos produtos agroecológicos e um acirramento da assimetria entre quem consome e quem produz.“ O pessoal da ASSEMA (que é membro do Fórum Brasileiro de Economia Solidária) sabe disso, mas sabe também que, se for exigente demais ao escolher os clientes, terá que fechar a cooperativa. Para a ASSEMA, a entrada no comércio justo internacional, mesmo com “selos verticalizados” e fortes “assimetrias” entre produtores e consumidores, fez muita diferença. Mais ainda: um dos objetivos da ASSEMA é ampliar as vendas para o comércio justo internacional. Entre “disputar com o capital”96 (melhorar a qualidade, aumentar o valor agregado, concorrer nos mercados) e “instituir outra economia” (criar redes autônomas de construção conjunta da oferta e da demanda), é a primeira opção que, por hora, predomina amplamente. A possibilidade de expansão em grande escala da segunda ainda está para ser demonstrada.

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Neste ponto da discussão, na agroecologia e, mais ainda, na economia solidária, há de se reconhecer que as realizações econômicas nem sempre estão à altura do discurso militante. Por isso mesmo, o debate interno, entre praticantes e militantes da economia solidária, é algo extremamente saudável. Nesse sentido, a troca de idéia que ocorreu em meados de 2007, na rede eletrônica da economia solidária no Brasil, foi muito feliz. Um dos intervenientes, membro de uma cooperativa, frisou que “do ponto de vista da construção teórica já avançamos bastante. Falta-nos verificar a eficácia das nossas muitas discussões e continuar pensando teoricamente para adiante”97. Um respeitado professor universitário insistiu nesta mesma tecla: “... mesmo sendo a economia solidária um projeto de sociedade, um projeto político (...), precisamos dar maior atenção à sua dimensão (ou porção) econômica. Jamais consolidaremos a economia solidária apenas a partir da política. (...) Sem empreendimentos fortes economicamente, não teremos movimento social e político forte. (...) Precisamos enxergar os agentes que fazem a economia solidária, não apenas como sujeitos políticos, mas, sobretudo, como agentes econômicos – produzindo ou consumindo...98” Ou seja, a economia solidária, que teve no Brasil uma rápida e impressionante trajetória política99, precisa agora confrontar-se com suas práticas econômicas concretas, analisar e debatê-las abertamente, sem deixar-se cegar pelo próprio discurso político. Para tanto, os SECAFES – Sistemas Estaduais de Apoio à Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária, e o SCJS – Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário, dois programas governamentais tratando diretamente de comercialização dos produtos da agricultura familiar e elaborados conjuntamente com o movimento de economia solidária, representam uma oportunidade ímpar de amadurecimento pela prática.

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Um olhar da economia solidária sobre a comercialização de produtos agroecológicos Um estudo de Daniel Tygel realizado em 2003 faz a leitura, sob a ótica da economia solidária, de um conjunto de iniciativas de comercialização de produtos agroecológicos no Brasil. Resumimos abaixo suas principais conclusões, com a importante ressalva de que a grande maioria das iniciativas nas quais o autor fundamenta suas conclusões está concentrada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. 1) Para coletivos de produtores, há uma busca de conseguir comercializar os produtos, e a perspectiva da economia solidária é apenas mais uma das vias possíveis: o foco das entidades de produtores ou de assessoria é garantir uma vida digna ao pequeno agricultor familiar, não tendo a economia solidária necessariamente como fim (vemos também, entretanto, que estes coletivos têm tido muitas dificuldades junto aos esquemas convencionais de comercialização). 2) Ao mesmo tempo, alguns caminhos que claramente vão no sentido de uma comercialização com características de economia solidária, não são tão comuns enquanto alternativas de comercialização, o que mostra o caráter ainda incipiente da economia solidária. 3) O problema da falta de constância e planejamento na produção e na entrega da produção agroecológica familiar parece estar relacionado à fragilidade de sistemas solidários de comercialização. Pode ser superado pela articulação de coletivos de produtores visando o fornecimento coletivo da produção, passo extremamente complexo e, portanto, exigente (não só para os coletivos de produtores, mas também para os agentes intermediários) 4) A questão da conscientização do consumidor aponta para a necessidade e importância de ações junto aos consumidores buscando ressaltar os valores éticos, sociais e ambientais ligados ao ato de comprar. Esta questão também indica a vital necessidade de políticas públicas que poderiam popularizar estes produtos e abrir portas para o consumo institucional.

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5) Chama à atenção a pequena quantidade de iniciativas em que o consumidor tem papel ativo: a idéia do consumidor como “cliente” ainda é muito forte, o que traz uma assimetria que persiste mesmo em iniciativas de comércio direto. Outras perspectivas de relações só podem nascer se houver compromisso mútuo na comercialização. 6) É preciso fazer um alerta com relação às iniciativas que visam o estabelecimento de um comércio justo e solidário, que é o perigo de repetir o ciclo de ver os consumidores como “clientes”, ou seja, há o perigo de se trabalhar muito mais pressionando os produtores (selos verticalizados, exigência de que não tenham ambição de lucro, que saibam se organizar e trabalhar coletivamente, etc.) do que os consumidores, alimentando uma elitização dos produtos agroecológicos e um acirramento da assimetria entre quem consome e quem produz. Além disso, pode ficar a idéia de que “consumir produtos saudáveis” é mais um dos inúmeros privilégios de quem é mais rico. 7) Podemos perceber, no estudo, a existência de iniciativas quantitativamente pouco significativas, mas que qualitativamente trazem elementos propositivos de alternativas. Refiro-me particularmente às entidades que envolvem os consumidores como agentes ativos (coletivos de consumidores e coletivos mistos), e a relações de comercialização por meio de cadeias éticas e que envolvem vínculos mútuos. 8) Um outro universo particularmente interessante e bastante inexplorado está contido nos caminhos do mercado institucional e das “cadeias éticas”. As “cadeias éticas” apontam para a idéia de fortalecimento de “redes de distribuição solidárias”, que exigiriam uma complexificação (bastante exigente) das entidades interessadas em buscar transformações sociais (isto envolve não só redes de comunicação, mas também de transporte – distribuição – e venda). 9) Por fim, percebe-se no estudo que entidades de mobilização popular e assessoria técnica têm, além das entidades de conscientização e de animação de coletivos de consumidores, um papel importante na luta pelo estabelecimento de redes de comercialização/consumo solidários. Várias destas entidades já lidam com muitos agrupamentos de produtores.

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SECAFES e SCJS: novas políticas públicas para a agricultura familiar e a economia solidária No Brasil, políticas de fomento à agricultura familiar no âmbito da economia solidária começaram a sair do papel no final de 2007100. Trata-se dos SECAFES – Sistemas Estaduais de Apoio à Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária e do SCJS – Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário. Reproduzimos abaixo trechos dos primeiros documentos apresentando essas propostas. O SECAFES, tal como foi implantado a título experimental no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, visa “articular as (sub)regiões em torno da complementaridade de produtos, serviços de gestão, assistência técnica, e outros meios facilitadores da comercialização de produtos com origem nos empreendimentos solidários dos meios urbano e rural, cooperativas, grupos e agroindústrias de base familiar”101. Mais concretamente, o projeto-piloto pretende, por exemplo, “sensibilizar consumidores através de oficinas temáticas, buscar espaços para feiras livres e estabelecimentos comerciais interessados em adquirir produtos ecológicos, estruturar rotas de produtos e dinamizar a logística de acesso aos produtos e alimentos.” O SECAFES é o resultado de uma aproximação em torno do tema da comercialização, entre a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA/SDT), responsável pela produção familiar, e a Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/SENAES),. O documento de apresentação conceitual dos SECAFES102 refere-se explicitamente às sinergias entre agricultura familiar e economia solidária, ao mesmo tempo em que destaca a agroecologia, cujos princípios, “balizadores da busca pela melhoria da qualidade de vida dos produtores familiares (...) fundamentam a proposta como elemento não excludente”.

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SECAFES no nível estadual e Bases de Serviço de Comercialização no nível local As categorias usadas na proposta são o Empreendimento Familiar Rural (EFR), o Empreendimento Econômico Solidário (EES), incluindo-se neste também os Grupos de Consumidores Organizados (GCO). A partir daí, são definidas estruturas locais, chamadas Bases de Serviço de Comercialização (BSC), e estruturas estaduais, chamadas SECAFES:

“Os dois principais instrumentos apresentados para a melhoria da comercialização são: a estruturação de Bases de Serviço de Comercialização (BSC), com foco no ambiente local ou território, e a organização de Sistemas Estaduais de Apoio à Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária (SECAFES) para atuar na coordenação das ações em nível das unidades federativas”104. Em nível local, temos as Bases de Serviço de Comercialização (BSCs): “Os BSCs são organizações, existentes ou a serem constituídas, que serão estruturadas de forma a suprir limitações dos EFR, EES e dos GCO nas áreas de comercialização. Por isso podem se especializar em funções como logística, organização do consumo/centrais de compra, organização/planejamento da produção, centrais de venda ou pontos de venda, pesquisas e sistemas de informação, comunicação e promoção, processamento e outras, ou atuar em diversas funções simultaneamente. Elas poderão atuar como organizações (com ou sem fins lucrativos) de prestação de serviço – como o desenho de um rótulo ou de uma nova embalagem – como unidades agroindustriais, como empreendimentos comercializadores com as mais diversas formas e outras consideradas adequadas. Uma premissa dessa proposta é que as BSCs não podem funcionar no médio prazo somente com a injeção de recursos governamentais. Independente das funções que venham a

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cumprir deve conseguir gerar sua sustentabilidade econômica a partir da remuneração dos seus serviços pelos empreendimentos ou grupos de consumidores que delas se utilizem, pela formação de parcerias que assegurem esses serviços ou outras formas. (...) Essas organizações poderão assumir diversas formas como associações, cooperativas, empresas públicas e privadas, consórcios, redes solidárias e outros pertinentes, além de arquiteturas mais complexas que combinem diferentes formas”104. Na escala estadual, temos o SECAFES propriamente dito: “Um Sistema Estadual de Apoio à Comercialização da Produção Familiar e Solidária é composto de unidades de produção, bases de serviço, assessorias, infra-estruturas de agregação de valor e venda, órgãos governamentais, redes solidárias e outros elementos do aparato organizacional e institucional, articulados para o provimento de apoio e serviços de comercialização para os EFR, EES e GCO. O objetivo dos SECAFES é apoiar a coordenação dos fluxos comerciais provenientes dos EFR e dos EES para os mais distintos mercados e daqueles para os grupos de consumidores organizados em âmbito dos estados, com a contribuição das BSC. Os SECAFES são desenhados para facilitar as trocas entre os excedentes produzidos nos ambientes locais e a demanda identificada em outros ambientes ao longo da cadeia de valor como o estadual, a nação, e mesmo o mercado internacional.” Por fim, o documento ressalta o papel indutor – e não executor – do Estado: “O apoio à estruturação dos sistemas estaduais (assim como das bases de serviço) deve buscar incentivar manifestações endógenas visando que a ação do Estado seja apenas indutora/catalizadora e que todos os aspectos operacionais de execução sejam realizados com elevado grau de autogestão dos EFR, EES e GCO.”

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O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS) é: “um sistema ordenado de parâmetros para promover relações comerciais de base justa e solidária, articulando e integrando os Empreendimentos Econômicos Solidários em todo o território brasileiro”105. Este sistema, cuja implementação está prevista para o ano de 2008, está sob a responsabilidade da Secretaria de Economia Solidária (SENAES). Suas sete diretrizes são resumidas a seguir: 1. Difundir o comércio justo e solidário como um fluxo comercial diferenciado. 2. Promover o estabelecimento de uma identidade nacional para o conceito e as práticas. 3. Divulgar produtos, processos, serviços e organizações. 4. Favorecer a prática do preço justo para quem produz, comercializa e consome os produtos e serviços. 5. Reconhecer diferentes mecanismos de garantia de credibilidade. 6. Subsidiar os Empreendimentos Econômicos Solidários e demais participantes com uma base nacional, estadual e territorial de informações em economia solidária e em temas afins à comercialização. 7. Contribuir nos esforços públicos e privados, de promoção de ações de melhoria às condições de comercialização dos Empreendimentos Econômicos Solidários, por meio de Bases de Serviço de Comercialização. Como se vê nesta última diretriz, os dois sistemas, SECAFES e SCJS, estão interligados.

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Elementos adicionais de políticas de comercialização da agricultura familiar As propostas do SECAFES e do SCJS, que ainda precisam sair do papel, não esgotam as possibilidades de políticas públicas de apoio à comercialização da agricultura familiar. A título de complemento, vamos apresentar algumas propostas de Eric Sabourin e Ricardo Abramovay. Sabourin106 faz três grandes propostas, das quais duas nos interessam mais especificamente. A primeira visa fomentar uma maior autonomia para a agricultura familiar e pede “... o reconhecimento pelas políticas públicas de situações e de sistemas de produção diferenciados. (...) Trata-se de apoiar sistemas de produção mais autônomos, menos dependentes do mercado capitalista e de insumos externos, e, portanto, melhor adaptados a certas situações econômicas ou geográficas, sistemas mais rústicos para garantir a reprodução de unidades familiares viáveis.” A segunda diz respeito à comercialização e qualificação dos produtos. Após a constatação de que “o potencial de conquista sustentável de nichos de mercados especializados pelos agricultores familiares foi amplamente exagerado”, o autor afirma: “A verdadeira diversificação passa pela identificação e pela promoção da diversidade dos mercados potenciais, locais, de proximidade, regionais, nacionais... e, sobretudo pela diversidade das modalidades de acesso aos consumidores. Neste sentido, fala-se de construção social desses mercados: venda direta, venda na roça, feiras, dias de festa por produto típico, venda às cooperativas de consumo, etc.” Por outro lado, “nada impede o Estado de criar mercados internos politicamente protegidos” como o PAA. Outra linha de diferenciação dos produtos é “a qualificação em função da origem, do processo ou de especificidades locais”, que constitui também uma modalidade de redução da

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concorrência e de criação de mercados territorializados, associando relações de troca e de reciprocidade107. (a esse respeito ver também o box abaixo). Ricardo Abramovay, por sua vez, conclui seu estudo dos “mercados do empreendorismo de pequeno porte no Brasil”108 com a seguinte pergunta: “De que maneira transferir recursos para regiões e famílias pobres, de forma a estimular a revelação de suas capacidades produtivas e a manifestação destas capacidades em mercados promissores?” Responde com quatro propostas de mudança: 1) “É preciso que o Governo Federal possa estabelecer relações com grupos de municípios e não só com cada município, isoladamente, (...) pois, um município de 10 mil habitantes não pode ser considerado uma unidade apta a planejar o processo de desenvolvimento. 2) “É preciso que os projetos envolvam diferentes segmentos sociais, profissionais e políticos. Projetos de desenvolvimento não se confundem com a experiência piloto que se faz junto a uma certa comunidade, nem com a transferência de recursos para construir um hospital, uma estrada ou um conjunto de poços. Ele envolve um horizonte para a melhor inserção em mercados, sobretudo para os mais pobres. Envolve a formação de vínculos localizados de conhecimento e confiança que estão na base dos próprios processos de inovação. (...) o pressuposto aí é a formação de capacidades localizadas de planejamento, hoje quase nunca existentes. 3) “É preciso que a relação entre as forças vivas localizadas, territorializadas, e quem financia seu projeto de desenvolvimento seja objeto de contratos cuja avaliação vá além do puro cumprimento burocrático de seus itens componentes. (...) [Mesmo os melhores dentre os projetos existentes] quase nunca vão além da tentativa de suprir carências imensas, sem que adquiram a coerência de um verdadeiro projeto. 4) “É preciso que os projetos sejam aprovados por seu mérito e não pela condição de precariedade em que se encontra a população que justificou sua elaboração.”

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Em direção às agências internacionais, Abramovay manda também o seguinte recado: "Até aqui, não se tem notícia de projetos cuja premissa seja a junção das forças vivas — convém repetir: dos empresários, do setor associativo, e dos eleitos locais — em torno de projetos sobre cuja base se estabeleça um contrato a ser avaliado (e eventualmente renovado) a partir de seus resultados. As organizações internacionais de desenvolvimento — tanto as agências multilaterais, como as que financiam as ONG's — precisam repensar o formato de suas políticas de ajuda e os mecanismos de incentivo em que se apóiam. (...) Formar técnicos e capacidades voltadas à elaboração de projetos que possam ser caracterizados, de fato, como de desenvolvimento, talvez seja esta a mais importante contribuição das organizações internacionais de desenvolvimento.”

Articular reciprocidade e intercâmbio capitalista: o casamento econômico da economia solidária e da agricultura familiar Se os SECAFES e o SCJS representam tentativas de casamento político da economia solidária com a agricultura familiar, o seu casamento econômico poderia se dar na articulação entre troca capitalista e reciprocidade. Constatar que a comercialização da produção agroecológica da agricultura familiar está inserida no mercado capitalista não significa que valores como a solidariedade, a confiança ou a eqüidade estejam ausentes das iniciativas em curso. Numa abordagem original que articula reciprocidade e intercâmbio capitalista, Sabourin convida a modificar a nossa visão das práticas camponesas109. Abaixo, uma síntese de seu artigo, que termina com a observação de que as políticas públicas “mais bem sucedidas são aquelas que reconhecem e apóiam os dispositivos coletivos e

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institucionais dos atores rurais”. Para definir a reciprocidade, Sabourin cita Godbout: “Podemos definir a reciprocidade de maneira simples: quando alguém recebe algo na forma de uma dádiva, ele tem tendência em dar por sua vez...” Cita também Temple: “A operação de intercâmbio corresponde a uma permutação de objetos, enquanto a estrutura de reciprocidade constitui uma relação reversível entre sujeitos”. Assim curiosamente, “a dádiva não é desinteressada, mas motivada pelo interesse pelo outro ou pelas necessidades da coletividade”. Partindo desse princípio de solidariedade, Sabourin faz uma leitura diferente das “prestações econômicas e sociais no mundo rural”, sem negar a existência de “relações de intercâmbio mediante o mercado capitalista”. Frente a essa realidade múltipla, o método de leitura consiste em “considerar qual é o princípio dominante, qual é o projeto da sociedade ou do grupo quanto aos valores que pretende privilegiar.” Para ilustrar essa abordagem, o autor analisa práticas como o mutirão, o manejo compartilhado de recursos comuns ou, ainda, a renovação do cooperativismo no campo, com a criação da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e de Economia Solidária (UNICAFES) em 2005. Depois de dedicar um capítulo ao crédito solidário e seus limites, Sabourin aborda o tema da comercialização para constatar que, “apesar dos processos de mercantilização capitalistas, existem ainda mercados socialmente controlados”, como as feiras locais. As relações diretas entre produtor e consumidor nas feiras estabelecem “laços de sociabilidade”. São também “valores humanos”. que deram origem ao comércio justo onde, contudo, nem sempre conseguiram ser reproduzidos. “O comércio justo propõe na base de valores humanos de eqüidade e de justiça, uma remuneração privilegiada, na falta de uma relação humana direta entre produtores e consumidores. Porém, a procura da eficiência leva, muitas vezes, ao uso dos mesmos sistemas e redes de intermediação àqueles das commodities do livre-câmbio, o que reduz ou compromete a possibilidade de estabelecer relações de reciprocidade capazes de produzir valores humanos.”

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Este último ponto, a produção de valores humanos éticos e afetivos, faz toda a diferença. Como “o capitalismo não se determina em função de valores humanos”, são necessárias “interfaces entre sistemas regulados pelo princípio de reciprocidade e sistemas governados pelo princípio de livre-câmbio.” A título de ilustração, Sabourin analisa três “instrumentos públicos de desenvolvimento rural que permitem discutir essa interface”: a qualificação dos produtos (garantia da origem, do processo, da qualidade de um produto); os mercados institucionais (como o Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos – PAA) e os dispositivos coletivos dos próprios agricultores: manejo de recursos comuns (como os bancos de sementes, fundos de pasto, reservas de água, reservas extrativistas, babaçuais); produção de informações (como os grupos de agricultores experimentadores, casas ou escolas familiares agrícolas, fundos rotativos de construção de cisternas). No caso dos dispositivos coletivos, diferentemente do que ocorreu na Europa, onde o reconhecimento da multifuncionalidade dos espaços rurais se deu através de compensações monetárias, outra política seria possível no Brasil. “Em vez de monetarizar e mercantilizar serviços já realizados pelo agricultor para dar lugar a uma remuneração individual, o apoio público (financeiro ou não), seria outorgado ao dispositivo institucional que mantém a estrutura de reciprocidade.” Sabourin nota ainda, que nem tudo é cor-de-rosa nas prestações reguladas pela dádiva e a reciprocidade, uma vez que “existem formas de alienação específicas aos sistemas de reciprocidade que precisam ser criticadas e analisadas”. Da conclusão do artigo, podemos destacar dois elementos. Em primeiro lugar: “Na proposta de economia solidária existe uma contradição entre reciprocidade (interna, na unidade de produção) e intercâmbio mercantil (fora da unidade) que precisa ser reconhecida, para poder colocar a questão das articulações ou interfaces entre os dois sistemas.”

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Em segundo lugar, “na realidade, a prática antecipou a teoria. Já existem certas interfaces de sistema funcionando no Brasil rural, ao nível dos agricultores ou dos instrumentos públicos.(...), as políticas públicas de economia solidária e de apoio à agricultura camponesa ou familiar mais bem sucedidas e pertinentes são precisamente aquelas que reconhecem e apóiam os dispositivos coletivos e institucionais dos atores rurais. Mediante reconhecimento público, jurídico, institucional ou através de apoio técnico, pedagógico ou financeiro, tais instrumentos permitem manter ou desenvolver também as estruturas de reciprocidade associadas a esses dispositivos, assegurando ao lado da sua produção material, os valores de uso, mas também os valores humanos éticos que elas geram.”

Conclusão: O futuro da agroecologia no Brasil Sérias dificuldades de viabilização da comercialização estão presentes desde a etapa da produção agroecológica e em todas as etapas subseqüentes. Apesar disso, as três iniciativas em foco mostram que é possível falar em viabilidade da produção agroecológica e da sua comercialização no âmbito de experiências localizadas – grupos de produtores familiares ou de assentamentos – que se beneficiam do forte suporte de uma ONG.. Viabilizar a produção e comercialização em escala maior está na dependência de políticas públicas, que mal começam a ser esboçadas. Na atual conjuntura, apesar de um forte aumento do apoio governamental à agricultura familiar, e da presença de forças favoráveis à agroecologia no governo federal, as orientações predominantes no Brasil favorecem nitidamente o desenvolvimento econômico stricto sensu, desconsiderando, na maioria das vezes, os aspectos ambientais e sociais. No que diz respeito à comercialização da produção agroecológica, as ONGs e as organizações de agricultores estão cumprindo com seu papel inovador. As três iniciativas aqui destacadas e várias outras no interior no Nordeste estão explorando novos caminhos que, a princípio, têm tudo para se tornarem vias maiores. Como prova disso, basta observar a rápida expansão das feiras agorecológicas no Nordeste; o crescimento das vendas no comércio justo internacional, e o grande potencial do Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos. Em cada um desses mercados os volumes ainda são pequenos e há muita margem para crescer. Além disso, outros modos de comercialização podem ser explorados: mercados municipais, lojas de produtos agrícolas, balcões de produtos na Internet, venda direta do produtor para o consumidor, entre outros. São muitas as potencialidades de comercialização da produção agroecológica. O presente estudo apontou fatores que limitam, e outros que reforçam a sustentabilidade da cadeia de produção/processamento/comercialização de produtos agroecológicos. Do ponto de

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vista ambiental, a proeminência da abordagem agroecológica em relação a outras linhas de ação (inclusive à agricultura biológica) parece pouco discutível. Do ponto de vista econômico, o que estas e outras experiências deixam claro é a possibilidade para a maioria das famílias que apostam na “transição agroecológica”, de rapidamente aumentar a sua segurança alimentar e sair da pobreza. Ainda falta efetuar balanços econômicos mais precisos para o conjunto dos elos da cadeia, levando em conta todas as despesas, inclusive as ocultas (assessoria técnica, pesquisa...), como também as externalidades positivas (benefícios para o solo, a água, o ar, a fauna, a saúde da família e da comunidade...) – se é que faz realmente sentido contabilizar elementos naturais a priori incomensuráveis... As maiores dificuldades para consolidar e generalizar os avanços, parecem ser de ordem organizacional, cultural e política. As três experiências demonstram claramente que é preciso muita perseverança para criar, e, sobretudo, manter e desenvolver associações e cooperativas. Conseguir, na prática, o equilíbrio dinâmico entre as exigências implacáveis do mercado capitalista e os valores políticos, éticos e ambientais próprios à abordagem agroecológica, talvez seja o maior desafio de todos. No âmbito social e cultural, a análise, pelo enfoque de gênero, tende a mostrar que, sem uma melhor divisão das tarefas domésticas, sem o reconhecimento do trabalho “invisível” da mulher e sem a discussão do lugar que ela ocupa no sistema produtivo, os avanços na produção familiar e na sua transformação e comercialização permanecerão limitados. Do ponto de vista político houve progressos nas áreas de atuação direta dos três projetos. Para além do raio da ação imediata, constituído pelas comunidades beneficiadas, também pudemos verificar avanços pontuais em escala municipal (leis beneficiando a agricultura familiar, conselhos, secretarias de agricultura ocupadas por representantes do movimento social) ou microrregional (novos fóruns, associações e grupos de pressão).

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Dito isso, o tema da comercialização não deixa de revelar de forma gritante a extrema desigualdade que reina no Brasil rural. De modo geral, as instituições e serviços públicos mais próximos do mundo rural (agências locais de bancos públicos, administrações municipais, organizações educacionais, serviços de pesquisa e extensão rural) não funcionam a contento para a faixa mais pobre da população nordestina. Pior: sua ação é vista, por vezes, como um entrave ao desenvolvimento sustentável, a ponto dos agricultores verem na sua inércia uma benção! (“Melhor que não façam nada mesmo, pelo menos não atrapalham como antes”!). As conseqüências para as Ongs e as organizações de produtores são dramáticas: não podem contar com apoio público em áreas-chave. Há, por exemplo, uma carência enorme de apoio ao cooperativismo e ao associativismo. Do mesmo modo, a pesquisa, o ensino e a extensão, fora e dentro do âmbito universitário, permanecem muito distantes da realidade da agricultura familiar. Essas carências podem ter levado as Ongs a assumir um leque cada vez maior de tarefas pelas quais estavam a priori muito pouco preparadas – como é o caso da assessoria à comercialização para a agricultura familiar. Mas é também plausível que as ONGs tenham se fechado, atribuindose capacidades que as tornam “insubstituíveis”, no intuito de garantir a sua reprodução social. Ou seja, poderiam investir em relações mais abertas e considerar com maior freqüência a colaboração com outros atores, mais qualificados que elas próprias – em matéria de comercialização, por exemplo. Esse conjunto de fatores talvez explique a simbiose existente nas três experiências, entre a associação/cooperativa e a ONG que a apóia, entre o empreendimento econômico e a assessoria técnica que cumpre – improvisando, errando e aprendendo – todos os papeis imagináveis: desde a concepção de máquinas inéditas e a provisão de capital de giro até a abertura de contatos internacionais. No caso das feiras locais, a experiência de Pernambuco demonstra a possibilidade de autonomização progressiva das associações de produtores (depois de vários anos de assessoria muito próxima). Nos casos mais complexos de transformação da produção (aqui, de algodão e de babaçu) em unidades de médio porte e sua comercialização no mercado nacional e internacional,

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a dupla ONG—Associação/Cooperativa aparece como sendo quase que indissolúvel. Se a assessoria por um tempo longo, a priori indeterminado, permitiu até agora viabilizar a transformação e a comercialização da produção agroecológica, isso não significa necessariamente que essa parceria deva se perpetuar para sempre daquela forma exclusiva. A atual simbiose cria uma dependência que configura uma fragilididade organizacional, e deveria ser vista como algo conjuntural a ser discutido e, na medida do possível, ultrapassado. Nessas condições e com essas ressalvas, a agroecologia surge como um dos caminhos – talvez não o único – viável para a agricultura familiar. E a transição agroecológica aparece como mais importante ainda nas terras do semi-árido, onde a degradação devido às práticas inadequadas de cultivo traz sérias ameaças de desertificação. Uma vez aferidas, com base em experiências familiares, comunitárias e microrregionais, a necessidade, a possibilidade e a viabilidade da agroecologia, permanece o desafio da sua expansão via políticas públicas. Em nível territorial, no interior do Nordeste, as experiências são muito recentes e localizadas. O ESPLAR/ADEC e a ASSEMA/COPPALJ já atuam além do nível municipal, mas as dinâmicas econômicas nessa escala ainda são por demais incipientes para tirar delas qualquer conclusão. Outras políticas públicas, como os SECAFES e o Sistema Nacional de Comércio Justo, estão nascendo na confluência da agroecologia e da economia solidária, porém ainda não saíram do papel nos territórios do semi-árido nordestino. Nesse nível territorial, que abrange vários municípios vizinhos, têm destaque os projetos da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em particular o Projeto Dom Helder Câmara (PDHC). As ações de incentivo à agroecologia no semi-árido do PDHC repousam sobre parcerias com atores locais, parcerias em que as ONGs têm um papel determinante. Políticas públicas como esta, favoráveis à agroecologia, ainda são frágeis. O seu alcance depende do resultado de embates políticos entre tendências opostas na sociedade, com reflexos dentro do próprio governo brasileiro, seja entre ministérios, seja entre secretarias no mesmo ministério. É,

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por exemplo, significativo, que o PDHC, maior projeto governamental de apoio à agroecologia no Nordeste, seja apenas demonstrativo, limitado geograficamente (oito territórios espalhados em seis estados), e no tempo (o seu financiamento vai até 2009). Significativa, também, a compartimentação estanque entre as diversas secretarias do MDA, cada uma liderada por uma tendência política distinta em disputa com as demais. Por isso, o PDHC, dificilmente cumprirá a sua função de projeto demonstrativo, que seria de influenciar as políticas de assessoria técnica (da EMATER), de reforma agrária (do INCRA) e de crédito para agricultura familiar (PRONAF), que são todas parte da estrutura desse mesmo ministério Outro embate, maior ainda, é aquele já amplamente comentado entre os dois ministérios brasileiros da agricultura, o MDA e o MAPA. Essa esquizofrenia política se traduz no campo por situações em que uma política pública (como o PDHC) pode favorecer a abordagem agroecológica e, outra, do mesmo governo, pode ser-lhe nefasta a curto prazo (a expansão rápida de cultivos transgênicos, por exempo). Infelizmente, essa é uma luta muito desequilibrada: a agricultura familiar (apoiada pelo MDA), apesar de ter-se beneficiado de orçamentos cada vez maiores nos últimos anos, continua a anos-luz do tratamento preferencial da agricultura patronal (apoiada pelo MAPA). O jogo das forças políticas será determinante para o futuro da agroecologia no Nordeste. Por enquanto, os defensores da agroecologia formam uma tendência muito minoritária. Em tempos de globalização econômica, o Brasil, gigante agrícola, foi claramente seduzido pelo mercado, na sua versão mais primitiva, isto é, a busca imediata de lucro a curto prazo com enormes custos ambientais e sociais. É com parte dos ganhos auferidos com essa política que o governo brasileiro financia suas políticas sociais compensatórias, numa aposta que funciona bem dentro dos prazos eleitorais, mas pode vir a ser catastrófica além. Em tempos de aquecimento global, quem dá as cartas mais importantes não é mais o mercado: a própria natureza entra no jogo e responde às agressões. No semi-árido brasileiro, é preciso se preparar para conviver com secas e enchentes mais fortes ainda do que no passado – lembrando que as grandes secas mais recentes ocorreram em 1990-93 e em 1998, e que houve enchentes devastadoras em 2004. Essa é, sem dúvida, a principal razão pela qual, nessa área do tamanho da

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França e da Alemanha reunidas, onde vivem cerca de 20 milhões de pessoas, muitas delas pobres e dependendo da produção rural, a agroecologia deveria logicamente ocupar um lugar preponderante. Um lugar que só ocupará quando o Brasil passar a se enxergar, não apenas como gigante econômico, mas também como o gigante ambiental que, de fato, é.

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Notas de fim. 1

Entre os documentos e autores mais citados neste estudo podemos destacar: ABRAMOVAY, R. Mercados do empreendorismo de pequeno porte no Brasil, CEPAL. Março de 2003. KÜSTER, J.; MARTÍ, F., FICKERT, U. (Org). Agricultura familiar, agroecologia e mercado no Norte e Nordeste do Brasil. DED. Fortaleza. 2004. TYGEL, D.. Levantamento inicial de entidades que trabalham com a comercialização ou consumo de produtos agroecológicos no Brasil (em busca de iniciativas dentro da perspectiva da economia solidária). Caldas-MG, novembro 2003. Disponível em http://www.fbes.org.br/component/option,com_docman/task,doc_download/gid,572/ acessado em 22 de novembro de 2007. SABOURIN, E.. Economia solidária no meio rural brasileiro: uma análise a partir da noção de reciprocidade. VII Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural (Alasru). Quito, 20-24 de novembro de 2006, GT 09 “Asociación productiva, economía solidaria y cooperativas”. 2 (INSEE, 2007) 3 Esta é a definição muito simples citada por (ABRAMOVAY, 2007c). A definição de “agricultura familiar” usada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para ter acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) é a seguinte: Produzir na terra, na condição de proprietário(a), posseiro(a), arrendatário(a), parceiro(a) ou assentados(as) do Programa Nacional de Reforma Agrária e Programa Nacional de Crédito Fundiário; Residir na propriedade ou em local próximo e ter no trabalho familiar a base da produção. Possuir no máximo 4 módulos fiscais (ou 6 módulos, no caso de atividade pecuária), cujo tamanho varia conforme a região. Ter parte da renda gerada na propriedade familiar (de 30% até 80% a depender do tipo de crédito). Ter renda bruta anual compatível com aquela exigida para cada grupo do PRONAF (conforme tabela do MDA). Fonte: http://www.mda.gov.br/saf/arquivos/1137912740.doc, acessado em 23/11/2007. 4 (AZZONI, 2006) 5 (SABOURIN, 2007b) 6 (WILKINSON, 2007) 7 (FICKERT, 2004) 8 (SABOURIN, 2007b) 9 Mais de 4.000 dos 5.561 municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes e mais de 5.000 possuem menos de 50 mil habitantes (ano 2000). Fonte: IBGE, ano 2000. 10 (ABRAMOVAY, 2007c) 11 (WILKINSON, 2007) 12 (PDHC, 2004) 13 (BLOCH, 1998)

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(ABRAMOVAY, 2007A) (ABRAMOVAY, 2003) 16 MAIA GOMES, citado por (ABRAMOVAY, 2003) 17 ( SABOURIN, 2007b) 18 Idem 19 (ABRAMOVAY, 2007A) 20 (ANA, 2006) 21 A Coolmeia, em Porto Alegre , tem mais de 20 anos de existência e conta com 800 sócios, entre agricultores e consumidores. 22 A Terra Preservada, empresa do Paraná, presta assistência técnica, fornece insumos, promove a certificação e a compra da produção para mais de 1.000 agricultores orgânicos. (Cf FICKERT, 2004). 23 A Rede Ecovida, no Rio Grande do Sul, “conta com 21 núcleos regionais, abrangendo em torno de 170 municípios. Seu trabalho congrega, aproximadamente, 200 grupos de agricultores, 20 ONGs e 10 cooperativas de consumidores. Em toda a área de atuação da Ecovida, são mais de 100 feiras livres ecológicas e outras formas de comercialização.” (www.ecovida.org.br) 24 Maiores detalhes em http://www.asabrasil.org.br/. 25 (ABRAMOVAY, 2007b) 26 (ABRAMOVAY, 1998) 27 (ABRAMOVAY, 2007b) 28 (GAMARRA-ROJAS, 2007) 29 A barragem subterrânea é, segundo a definição da própria Diaconia, “uma tecnologia de baixo custo que permite guardar água de riachos temporários na terra ao longo do ano, favorecendo a produção de alimentos e forragens, e o abastecimento da casa.” 30 O salário mínimo valia 380 reais (cerca de U$210) em setembro de 2007. 31 Esses consórcios agroecológicos são pequenas áreas, que se caracterizam sobretudo pela diversificação das culturas. (aqui, o algodão, o milho, o feijão, a melancia, o gergelim, o nim, e algumas outras espécies arbóreas). plantadas de forma intercalada. Além de promover essa diversificaçào, os agricultores empregam técnicas de conservação do solo, adubação orgânica e manejo ecológico de pragas. 32 (Ver ESPLAR) 33 (ESPLAR) 34 (ABRAMOVAY, 1998) 35 (CASSARINO, 2004) 36 (GUZMÁN, 2006) 15

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Teria, porém, dificuldades em conseguir uma certificação, pois as certificadoras orgânicas passaram a incluir critérios sociais e ambientais mais rigorosos. O Instituto Biodinâmico (IBD) “considera, por exemplo, aspectos como a não utilização de adubos solúveis e agrotóxicos nos últimos dois a três anos, a existência de barreiras vegetais quando há vizinhos que praticam agricultura convencional, a qualidade da água utilizada na irrigação e na lavagem dos produtos, as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, o cumprimento das legislações sanitária, ambiental e trabalhista, a correta disposição do lixo e o bem estar dos animais.” (www.ibd.com.br, acessado em 27/11/2007) 38 (YUSSEFI, 2007) 39 www.cabianca.net/social, acessado em 20/09/2007 40 (CZAPSKI, 2005) 41 (ROSSET, 2006) 42 Ver a esse respeito (JALFIM, 2007) 43 (ROMEIRO, 2007) 44 (CASSARINO, 2004) 45 De modo geral, distinguem-se duas maneiras de agregar valor. Temos, por um lado, o beneficiamento, que é a seqüência de operações requeridas para que um produto primário possa ser consumido (por exemplo, o descaroçamento do algodão ou descascamento do arroz) e, por outro lado, o processamento, voltado para a obtenção de um subproduto (como no caso da extração do azeite de babaçu ou do óleo de gergelim). 46 Ver no Anexo 1 os fluxogramas de aproveitamento do babaçu e do algodão. 47 (ROMEIRO, 2007) 48 (BLOCH, 1999) 49 A situação está evoluindo lentamente. Hoje, por exemplo, várias universidades oferecem apoio na forma de um programa de extensão chamado Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP). Esse apoio permanece, contudo, sujeito a muitas limitações de dinheiro, recursos humanos e logística. A Incubacoop, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, por exemplo, só tem condição de incubar dois ou três grupos de produtores rurais, e apenas em municípios muito próximos da capital Recife. 50 Para aprofundar esse importante tema, ver por exemplo (RÖLING, 1998). 51 É por exemplo o caso da permacultura. Ver (MOLLISON, 1990) 52 (Sabourin, 2006) 53 (CAILLÉ,. 2005) 54 (ABRAMOVAY, 2003) 55 (COSTA, 2004) 56 (SABIÁ, 2006) 57 Tabela elaborada com base em (SABIA, 2006)

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(SABOURIN, 2006) Eleições estaduais e federal ocorreram em 2006. 60 (LECOMTE, 2004) 61 A Oxfam, com sua grande campanha “Make Trade Fair' está mais próxima da primeira tendência, quando pressiona organizações multilaterais como a OMC. Atua também, mais especificamente, no comércio justo do café. Por outro lado, é um importante ator, não exatamente do comércio justo, mas no âmbito economia solidária, devido à sua rede de 750 lojas na Grã-Bretanha, onde vende roupas, livros, móveis e discos, todos doados. Maiores informações no site http://www.oxfam.org.uk.. 62 (LECOMTE, 2004). Maiores informações em www.commercequitable.org 63 Ver (ESPLAR) 64 Maiores informações em www.justatrama.com.br, www.veja.fr e http://blog.veja.fr/fr/ 65 160 kg de algodão x R$1,66/kg + 50 kg de gergelim x R$13,00/kg + 2 sacos de feijão x R$60,00/saco + 1 saco de milho x R$30,00/saco. O milho e o feijão, quando não são vendidos, deixam de ser comprados. Além disso, o restolho das culturas serve de forragem para os animais, com valor estimado em cerca de R$100,00. (Na época do cálculo, fevereiro de 2008, U$1,00 = R$1,75) 66 Ver (LAVILLE, 2007) 67 (LISBOA, 2006) 68 (LISBOA, 2006) 69 Um dos exemplos brasileiros mais citados é a rede Ecovida. Ver CASSARINO, 2004. 70 (MANCE, 2006) 71 (ABRAMOVAY, 2003) 72 FLO: Fair Trade Labelling Organizations Internacional 73 (TYGEL, 2003) 74 (ABRAMOVAY, 2003) 75 (ARMANI, 2008) 76 (LAVILLE, 2007) 77 (LISBOA, 2006) 78 (SABOURIN, 2007a) 79 (ARMANI, 2008) 80 (LISBOA, 2006) 81 (LISBOA, 2006) 83 (NEAD, 2007) 84 Lago do Junco e Lago do Rodrigues. 85 MIQCB: Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu 59

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(GUÉRIN, 2007) ATES: Programa federal de Assessoria Técnica, Social e Ambiental para assentamentos da reforma agrária. 88 A Organic Exchange é uma associação norte-americana, cuja missão é “catalizar as forças de mercado a fim de produzir benefícios sociais, econômicos e ecológicos através da expansão da agricultura de fibras orgânicas”. Maiores informações em http://www.organicexchange.org. 89 A Articulação no Semi-Árido (ASA), que já construiu mais de 200 mil cisternas no semi-árido brasileiro, é uma exceção notável. 90 (MUSSOI) 91 (GUZMÁN, 2006) 92 (CASSARINO, 2004) 93 (TYGEL, 2003) 94 (LISBOA, 2006) 95 A Rede Ecovida se apresenta da seguinte forma: “Somos agricultores familiares, técnicos e consumidores reunidos em associações, cooperativas e grupos informais que, juntamente com pequenas agroindústrias, comerciantes ecológicos e pessoas comprometidas com o desenvolvimento da agroecologia, nos organizamos em torno da Rede Ecovida” (Maiores detalhes em www.ecovida.org.br) 96 (CARVALHO, 2006c) 97 Rede eletrônica e_solidaria “Sobre comercialização entre empreendimentos na América Latina”, Mensagem 6900, julho de 2007 98 Rede eletrônica e_solidaria “Sobre comercialização: 3 questões e duas sugestões”, Mensagem 6897, julho de 2007 99 Ver por exemplo (CARVALHO, 2006a) 100 Começaram a ser testadas na região Sul em setembro de 2007. Ver por exemplo http://www.ecovida.org.br/?sc=SA011&sa=SA000&codPublicacao=NOT00002&codIdioma=1 101 http://www.ecovida.org.br/?sc=SA011&sa=SA000&codPublicacao=NOT00002&codIdioma=1 102 (MDA, 2007a) 103 (MDA, 2007b) 104 (MDA, 2007a) 105 (SENAES, 2007) 106 (SABOURIN, 2007b) 107 Para maiores detalhes sobre a certificação, em especial a certificação de grupo ou participativa, ver (Sabourin, 2007c) 108 (ABRAMOVAY, 2003) 109 (SABOURIN, 2006) 87

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Anexo: fluxogramas de aproveitamento do babaçu e do algodão Etanol

Amido Mesocarpo

Fertilizante Farelo

Fibras Epicarpo Combustível

Carvão ativado Coque

Carvão

Gases combustíveis

Coco Babaçu

Gases combustíveis

Acetatos

Endocarpo Gases condensáveis

Metanol

Ácido acético Acetona Piche Fenol

Alcatrão Creosol Farelo Amêndoas

Torta

Óleo bruto

Óleo refinado

Benzol Margarina

Sabão Glicerina

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FIOS (85%) PLUMA (35%)

CAROÇO (38%)

ALGODÃO EM RAMA

SEMENTES (25%)

PERDAS (15%)

CONFECÇÃO ARTESANAL

MERCADO

ÓLEO (35 a 40%) TORTA (60 a 65%)

RAÇÃO

SEMENTES (2%)

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