A_fundacao_prejudica_o_sus

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A FUNDAÇÃO ESTATAL NÃO FORTALECERÁ O SUS

O artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 12 de agosto de 2007, p. A3, firmado pelo Ministro da Saúde, acena com um modelo de fundação, a estatal, particularmente para os hospitais públicos, porque os avanços do SUS esbarram na rigidez do modelo de administração pública, exigindo a adoção do regime celetista, para os novos contratatados. De início , o Ministro faz uma afirmação, que pode dar margem a uma interpretação equivocada, porque, se permanecem os conceitos de universalidade e gratuidade do SUS, eles estão a exigir uma estrutura de administração mais moderna para a sua consecução. Isto pode gerar a idéia de que se a universalidade e a gratuidade fossem minimizadas e, no limite, eliminadas, a convivência entre o SUS e a organização da administração pública seria harmônica. Acho que se as palavras são, na maioria das vezes, infiéis às idéias, elas, muitas vezes, podem trair mensagens subliminares a respeito de determinado tema. Não fica aí o Ministro. Vai além, dizendo que o novo modelo traz inovações que o mundo inteiro experimenta e que haverá liberdade dos trabalhadores dos hospitais públicos para migrarem ou não para o regime da CLT. Contudo, o anteprojeto de lei complementar que foi enviado ao Congresso Nacional não diz nada disto, simplesmente, cria uma autorização para que se possam criar fundações estatais de direito público ou de direito privado, vinculados à administração indireta, para aquilo que não for considerado atividade essencial, entre outras, na área de saúde. Aliás, se o Ministro tivesse lido o artigo 40, parágrafos 14,15 e 16 da Constituição Federal veria que o espectro de um passivo previdenciário, decorrente da manutenção de quadros de pessoal sob o regime estatutário, está resolvido. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que criem um regime de previdência complementar, sob a modalidade de contribuição definida, podem estabelecer limites máximos de comprometimento do caixa do respectivos Tesouros iguais aos do regime geral da previdência social. Que bom se se pudesse começar pelos serviços públicos de saúde este modelo de previdência complementar. Mas, não parece ser esta a intenção do Ministro. O que ele quer é que, os hospitais públicos, mantidos pelo Ministério da Saúde, se tornem um novo tipo de ente da administração pública indireta, onde, em relação ao pessoal, o sistema de contratação seja o da CLT. Reitero que isto é dito no artigo publicado, mas não consta em nenhuma linha do anteprojeto de lei complementar encaminhado ao Congresso Nacional, pelo Poder Executivo Federal. Por outro lado, o Ministro não deve desconhecer que a contratação de pessoas para atividades permanentes de Estado, merecem um cuidado maior e, tal como está, também, atuam contra o avanço do SUS. Eu citaria, por exemplo, - e aí mostrando que o regime celetista é vulnerável - as contratações, feitas para dois programas - o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e o Programa de Saúde da Família- de grande repercussão e resolutividade. Se o sistema tivesse quadros permanentes com as garantias que o estatuto dos servidores públicos reveste, possívelmente, não estaria acontecendo o impasse flagrado em Porto Alegre(RS), cujo gestor contratou a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, terceirizando as ações de tais programas e uma disputa sobre valores, devidos ou não, provocou a rescisão do contrato, restando perto de trezentas mil pessoas, inseguras sobre o futuro dos serviços, além de mais de setecentos profissionais e trabalhadores de saúde com aviso-prévio dado pela entidade contratada. Esta é uma das facetas de não se manter quadro estável de servidores concursados sob o regime estatutário. Outro argumento que subjaz na proposta ministerial é o de que a fundação não estaria sujeita aos limites de comprometimento com a folha de pessoal da administração direta,

determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Aqui, há, também um esclarecimento a fazer. A Lei de Responsabilidade Fiscal, porque Lei Complementar, não pode impedir nem servir de fundamento para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deixem de atender aos mínimos constitucionais direcionados à saúde, previstos na Emenda Constitucional nº 29/2000 que deu redação adicional ao artigo 198 da Constituição Federal e novo conteúdo ao artigo 77 das Disposições Constitucionais Transitórias: variação do PIB (União), 12% da arrecadação de impostos previstos na Constituição, para os Estados e Distrito Federal e 15% para os municípios, sobre a sua arrecadação; tudo isto a partir de 2004. Simplesmente, porque estar-se-ia dando espaço a interpretar-se a Constituição Federal a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando, o contrário, é que deve imperar . Assim, a rigor, por se tratarem de comprometimentos financeiros mínimos com ações e serviços de relevância pública, não é descabido se afirmar que, os gastos, pelo menos, com o pessoal, na área de saúde, em quaisquer esferas de gestão pública, não estariam sujeitos às regras limitadoras da Lei de Responsabilidade Fiscal. Também caberia ao Ministro detalhar - e o trabalho teórico que sustenta seu entendimento faz referência - o significado de que, a partir da criação de tais fundações, os hospitais públicos não receberiam recursos obrigatórios do Orçamento da União. Exemplifico com o Grupo Hospitalar Conceição, tão valioso para a saúde pública dos gaúchos. Composto por empresas privadas, com capital quase exclusivo da União Federal (mais de 98%), e a totalidade das suas ações e serviços de saúde prestados ao SUS, tem o orçamento anual de cerca R$800.000,00, deles R$600.000.000,00 são de recursos do Tesouro Nacional e o restante de receita dos serviços prestados ao SUS. A retirada dos recursos orçamentários, sendo toda a estrutura voltada ao atendimento de uma saúde pública de excelência, implicará na inviabilização dos hospitais do GHC, com todos os efeitos disto para a manutenção e os avanços do SUS no Rio Grande do Sul e, quiçá, para muitos Estados do Brasil. Fica difícil entender o alcance da não-orçamentação, salvo se a idéia é a de que as fundações estatais passarão a vender serviços aos planos privados de saúde!!! Por fim, a alusão que o Ministro faz à recente decisão do STF, datada de 02 de agosto de 2007, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, de iniciativa do PT,PDT, PCdoB e PSB,onde houve a suspensão liminar da redação do artigo 39 da Constituição Federal, no seu "caput", com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, e consequente retomada da vigência e eficácia da redação originária, consagrando que o regime dos servidores da administração direta e indireta, autarquias e fundações públicas é único, gera o impedimento de se editarem novas leis de qualquer iniciativa contrária àquela decisão, até porque é o próprio Ministro quem afirma em seu texto que a fundação estatal é uma entidade do Estado. A sugestão que faço ao Ministro, antes de ele afirmar categoricamente que tem respaldo doutrinário entendendo que o seu projeto não estaria abrangido por tal manifestação do STF, é a de que consulte a Advocacia-Geral da União a respeito desta novidade.

Derocy Giacomo Cirillo da Silva, 58 anos, Procurador da República aposentado

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