Abordagem De Adolescentes Com Anorexia Nervosa Relato De Caso

  • October 2019
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R E L AT O D E C A S O

Abordagem de adolescentes com anorexia nervosa: relato de caso Anorexia nervosa approach in adolescents: case report Abordage de adolescentes com anorexia nerviosa: relato de caso Márcia Takey¹, Evelyn Eisenstein²

Resumo

Abstract

Objetivo: Estudo descritivo e retrospectivo de adolescentes com diagnóstico de anorexia nervosa. Descrição dos casos: Foram analisados dados da história clínica, familiar e psicossocial e do exame físico de dez adolescentes com anorexia nervosa. Nos dez casos havia perda ponderal auto-imposta importante, amenorréia e características biopsico-sociais próprias da doença. Quatro pacientes tinham história familiar positiva para algum distúrbio psiquiátrico (depressão, esquizofrenia). Oito foram internadas na instituição e receberam nutrição enteral. Conclusões: Os resultados demonstram a etiologia multifatorial dos transtornos alimentares durante a adolescência, semelhantes aos discutidos na literatura internacional. A estrutura familiar é de extrema importância no diagnóstico e na recuperação da adolescente e o vínculo com a equipe multidisciplinar é parte essencial no tratamento da anorexia nervosa. (Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):174-7) UNITERMOS: anorexia nervosa, transtornos alimentares, adolescência.

Objective: The description of adolescents with anorexia nervosa. Case descriptions: It was analyzed the clinical manifestations and physical signs, family and psychosocial history of tem adolescent girls with anorexia nervosa. All of patients presented important self-induced weight loss, amenorrhea and biopsychosocial characteristics for anorexia nervosa. Four patients had family history of psychiatric disorder (depression, schizophrenia). Indications for hospitalization and parenteral nutrition were necessary in eight patients. Conclusions: The results were similar to the ones described in the literature, including multiple determinants for the eating disorder. Family therapy and an interdisciplinary team approach are essential for the treatment. (Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):174-7) KEYWORDS: anorexia nervosa, eating disorders, adolescence.

Resumen Objetivo: Estudio descriptivo y retrospectivo de adolescentes con anorexia nerviosa. Descripción de los casos: Fueron analizados datos de la história clínica, familiar y psicosocial y del examen físico de diez adolescentes com anorexia nerviosa. En los diez casos había pérdida ponderal auto-impuesta importante, amenorrea y características bio-psico-sociales propias de la enfermedad. Cuatro pacientes tenían historia familiar positiva para algún disturbio psiquiátrico (depresión, esquizofrenia). Ocho fueron internadas en la institución y recibieron nutrición enteral. Conclusiones: Los resultados demuestran la etiología multifactorial de los transtornos alimenticios durante la adolescencia, semejantes a los discutidos en la literatura internacional. La estructura familiar es de extrema importancia en el diagnóstico y en la recuperación de la adolescente y el vínculo con el equipo multidisciplinario es parte esencial en el tratamiento de la anorexia nerviosa. (Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):174-7) UNITÉRMINOS: anorexia nerviosa, transtornos alimenticios, adolescencia.

1.Médica pediatra e clínica de adolescentes em treinamento profissional no Ambulatório de Adolescentes do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente - NESA/ Hospital Universitário Pedro Ernesto / Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2.Médica pediatra e clínica de adolescentes, professora adjunta e coordenadora do Ambulatório de Crescimento e Desenvolvimento do NESA/HUPE/UERJ, doutora em Ciências da Nutrição pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) Endereço para correspondência: Márcia Takey - Rua Barão de Mesquita, 314 – bloco 12, apto 605 – Tijuca – Rio de Janeiro - CEP 20540-003 – E-mail: [email protected] Submissão: 8 de setembro de 2005 Aceito para publicação: 29 de maio de 2006 174

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Introdução A primeira descrição médica da anorexia nervosa foi feita por Richard Morton, há 300 anos na Inglaterra1. Trata-se de um transtorno alimentar que pode ser conceituado como um distúrbio de conduta auto-imposto com a restrição voluntária de alimentos, resultante de uma complexa interação de fatores: emocionais e de personalidade; pressões familiares; possível susceptibilidade genética ou biológica; além de fatores culturais onde há abundância de oferta de alimentos e ao mesmo tempo obsessão pela magreza2,3. Ocorre jejum prolongado ou restrição alimentar, partindo de uma busca incansável por emagrecer (independente do peso que apresentem) e pavor da obesidade. Este transtorno é mais comum em adolescentes do sexo feminino, numa relação 9:1 e incidência em torno de 0,7% nesta faixa etária4. Geralmente inicia-se em torno de 15-25 anos e também pode ocorrer em adolescentes do sexo masculino, prépúberes e mulheres próximas à menopausa. As classes sócioeconômicas média e alta são as mais acometidas e adolescentes atletas, modelos e bailarinas pertencem ao grupo de maior risco. Sua incidência vem aumentando nas últimas três décadas, acometendo inclusive classes econômicas mais baixas, áreas rurais e comunidades orientais2,4 . A taxa de mortalidade varia em torno de 5-10% , em conseqüência de arritmias cardíacas, distúrbios eletrolíticos, suicídio2,3. O objetivo do presente estudo foi descrever o perfil de adolescentes com anorexia nervosa.

Descrição dos casos Este estudo foi realizado para avaliar as mudanças de comportamento que ocorrem em adolescentes na busca de um corpo cada vez mais magro. Estas pacientes, a princípio, não tinham dificuldade em obter alimentos, todas possuíam condição sócio-econômica favorável, eram inteligentes e estudavam. Pela interação de características biológicas, psicológicas e familiares, associados aos fatores de risco socioculturais passaram a apresentar um comportamento obsessivo pela magreza, com um medo intenso de ganhar peso4,5. No período entre 2000 a 2004, nos níveis de atenção secundária e terciária do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NESA/HUPE/ UERJ), na cidade do Rio de Janeiro, foram avaliadas dez pacientes com anorexia nervosa, com idades compreendidas entre 12 a 19 anos, de níveis sócio-econômicos médiobaixo, estudantes de colégios públicos, com nível de escolaridade adequado para a idade. Dados antropométricos, estadiamento puberal de Tanner, perda ponderal, idade da menarca, presença de amenorréia, história familiar de doença psiquiátrica, atividade física excessiva, uso de antidepressivos, critérios de internação hospitalar e adesão ao tratamento foram as variáveis analisadas Todas apresentavam perda ponderal importante em curto período de tempo, amenorréia e já estavam em desenvolvimento puberal. Duas pacientes relataram excesso de

atividades físicas. Os dados demonstrados são semelhantes aos encontrados na literatura internacional, revelando a complexidade da etiologia multifatorial1,2,3,4,6. Estas adolescentes vieram à consulta trazidas por suas mães com as queixas principais de constipação intestinal, epigastralgia pós-prandial, amenorréia e perda ponderal importante. Todas apresentavam comportamento perfeccionista, interesse por literatura dietética e ambiente social limitado à família e poucos amigos. Quanto à dinâmica familiar, foram observadas algumas características comuns nas famílias de pacientes anoréticas: superproteção, dificuldade na resolução dos conflitos e falta de privacidade dentro da família. A presença de doença psiquiátrica e obesidade na história familiar está associada à contribuição hereditária da anorexia nervosa, conforme também observado na literatura2,3,4,6,7. Cinco pacientes apresentaram idéias suicidas e quadro depressivo, sendo iniciado medicação antidepressiva e duas já faziam uso da medicação antes da primeira consulta no setor. Oito preencheram critérios de internação hospitalar e, de acordo com o quadro agudo, apresentando perda maior de 20 % do peso inicial, foi iniciada nutrição enteral. Quanto à adesão ao tratamento, inclusive ambulatorial, os critérios utilizados foram de ida às consultas, vínculo das pacientes e das suas famílias com o tratamento e com a equipe. Duas pacientes abandonaram o tratamento após recuperação nutricional.

Discussão O diagnóstico de anorexia nervosa destas adolescentes baseia-se na história clínica, no exame físico e nos critérios para Anorexia Nervosa, conforme relatado a seguir2,8,9: 1) recusa em manter o peso normal mínimo para a idade e altura (p.ex, perda ponderal maior do que 15-25% do ideal para a altura, peso e desenvolvimento puberal ou peso menor do que 85% do esperado para a idade ou a incapacidade de ganhar o peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso inferior a 85% do ideal) 2) intenso medo de ganhar peso ou de ser tornar obesa 3) distorção negativa da imagem corporal 4) amenorréia (ausência de 3 ciclos menstruais consecutivos). Este transtorno alimentar pode ser classificado em tipo restritivo ou tipo purgativo, quando ocorre alimentação compulsiva/excessiva com purgação e comportamento bulímico associado, que se caracterizam por episódios recorrentes (pelo menos 2 vezes por semana durante no mínimo 3 meses) de ingestão compulsiva de alimentos num curto espaço de tempo, com sensação de falta de controle e comportamento compensatório inadequado recorrente para prevenir o aumento de peso, tais como: vômitos auto-induzidos, uso de diuréticos e/ou laxantes, jejum ou excesso de atividade física6. Outros sinais e sintomas também associados: epigastralgia pós-prandial, vômitos, constipação intestinal, intolerância ao frio, extremidades frias (alteração na termogênese secundária à disfunção hipotalâmica devido às perdas calóricas), preocupação constante com alimentos (valor 175

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calórico, dietas, planejamento das refeições), baixa autoestima, características depressivas, choros freqüentes, ansiedade, flutuações do humor, idéias obsessivas e atitude perfeccionista2,3,10,11. Ao exame físico observou-se a presença de emagrecimento com Índice de Massa Corporal < 15 kg/m2 para a idade, pele seca e amarelada (hipercarotenemia), lanugem, cabelos ressecados e quebradiços, sopro sistólico (anemia), edema de membros inferiores pela desnutrição e hipoproteinemia e, nos casos mais avançados, refletindo a baixa taxa metabólica, verificou-se hipotensão arterial, hipotermia e bradicardia10. Alterações hormonais, hematológicas, cardiovasculares, renais e metabólicas podem ser encontradas nos exames complementares2,3,12,13,14,15. Não existem exames confirmatórios específicos para anorexia nervosa e por isso os transtornos alimentares são considerados como uma síndrome de má-alimentação ou desnutrição na adolescência. O diagnóstico diferencial inclui as outras doenças que podem cursar com anorexia: doença de Crohn, doença celíaca, neoplasias (hipotalâmicas, craniofaringiomas), tuberculose, hipotireoidismo, hipertireoidismo, doença de Addison e outros distúrbios psiquiátricos como depressão, esquizofrenia e os transtornos conversivos3,6. O tratamento de pacientes adolescentes com anorexia nervosa é demorado, mesmo quando realizado por equipe multidisciplinar, sendo extremamente importante o vínculo e a confiança da paciente e de sua família à equipe. Tem como objetivos o ganho de peso, o retorno da menstruação, mudanças nos hábitos de vida, além de um equilíbrio na dinâmica familiar e no estilo de vida cotidiano1,4. A hospitalização, por vezes, torna-se necessária para se instituir alimentação por via enteral ou parenteral. A terapia medicamentosa não é a primeira escolha, mas alguns autores recomendam o uso de inibidores da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina) quando há quadro depressivo associado2,16. A reposição hormonal, com baixas doses de estrogênio/progesterona para o retorno da menstruação só deve ser considerada após a recuperação nutricional.

O plano alimentar tem de ser individualizado, iniciando-se com uma dieta de 1200 a 1500 kcal/dia, contendo refeições principais e lanches intermediários, com variedades de alimentos, a fim de haver um ganho de aproximadamente 800–1000g/semana. No caso de recusa da alimentação pela via oral ou devido à gravidade do quadro, é instituída nutrição enteral (por sonda naso-gástrica) ou parenteral. Durante esta fase, o paciente precisa ser monitorizado quanto a sintomas ou repercussões clínicas importantes, como a síndrome de realimentação: disfunção gastrintestinal, redução dos níveis de potássio, fosfato e magnésio séricos, arritmias cardíacas e edemas17,18,19.

Conclusões A anorexia nervosa tem despertado o interesse público e a atenção da mídia. É crescente o número de casos em prépúberes e adolescentes e a freqüência em determinadas atividades esportivas e profissionais, como dançarinas e atletas. A desnutrição aguda secundária atrasa ou interrompe o desenvolvimento puberal, interferindo na trajetória do crescimento e desenvolvimento, conforme pode ser observado nas curvas antropométricas5. Este relato reforça a idéia de que a etiologia da anorexia nervosa é multifatorial, necessitando de uma abordagem interdisciplinar (médico, nutricionista, enfermeiro, psicoterapeuta e assistente social), com troca constante de informações entre os profissionais da equipe. A melhora na dinâmica familiar e seu vínculo ao tratamento são fatores importantes na recuperação das pacientes. O acompanhamento deve ser em longo prazo, mesmo após o desaparecimento dos sintomas, já que um terço dos pacientes continuam com distorção da imagem corporal e hábitos alimentares errados, com recorrências freqüentes dos transtornos alimentares e distúrbios emocionais2,3,4,6,17,18,19. É importante que qualquer profissional de saúde ou educação que lide com adolescentes nas escolas, academias, clubes e unidades de saúde esteja alerta para o diagnóstico precoce do transtorno alimentar e para as intervenções imediatas necessárias, evitando complicações futuras durante a adolescência e a vida adulta.

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