A Vida No Campo

  • April 2020
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  • Words: 705
  • Pages: 1
-Filho! Acorda filho, já é de manhã e são horas de te levantares. Aliás o teu amigo Joaquim ou João não interessa, aquele que encontrámos em Lisboa daquela vez que fomos à feira agrícola e que tu brincaste com ele, mandou-te uma carta. Está aqui, toma e despacha-te. A carta dizia o seguinte: Lisboa, 15 de Maio de 1878 ”Caro amigo Sebastião Envio-te esta carta, esperando que a mesma te encontre bem de saúde, bem como aos teus. Queria perguntar-te o que é que tu fazes pela província, no campo? Como te entreténs? Como te divertes? Com quem brincas, o que fazes? Como são os teus dias? Certamente bem diferentes dos meus aqui na capital. Espero terte aqui de novo ou ir visitar-te em breve. Com muita estima. Joaquim.” - Sebastião despacha-te. - Vou já. Estou a acabar de responder à carta ao Joaquim. “Meu amigo Joaquim, foi com imensa alegria que recebi a tua carta. Ter notícias tuas deixou-nos a todos muito contentes. Respondo à mesma, começando por dizer que todos nos encontramos bem e esperamos que tu e a tua família também. Aqui o dia passa rápido, sempre com muito que fazer. Começo o dia, levantando-me às sete horas da manhã, quando o sol ainda não nasceu no horizonte. Em seguida vou comer a merenda que a minha mãe nos prepara antes de sairmos de casa. Umas vezes como pão, outras cereais. Deixa-me que te diga que a alimentação aqui não é nada rica, havendo pão, sopa, azeitonas, toucinho, sardinhas secas assadas, jantares de feijão e grão, papas de milho, poucos legumes e frutas, faltando o peixe fresco que há aí em Lisboa. Cerca das 8.30 chega a minha professora, que me ensina as mais diversas matérias. História, Geografia, Português, Aritmética, Geometria, Álgebra, Botânica, e muitas mais coisas interessantes que a D. Matilde nos ensina. Digo nos ensina, pois há alguns meninos pobres, filhos de trabalhadores nossos cujos pais não têm posses para os deixarem aprender sequer a ler e o meu pai deixa-os terem aulas comigo. E assim se passa a manhã. Por vezes vou ajudar o meu pai, pois, embora ele tenha muitos trabalhadores para trabalharem no campo, de vez em quando, algum adoece. Agora, com quem brinco muito, é com os meninos mais novos, quando não estudo ou ajudo o meu pai, porque os irmãos mais velhos e já crescidos têm de ir ajudar os seus pais no campo. Às vezes, invento brincadeiras quando não tenho ninguém para brincar. Por exemplo, vou passear com o meu cão para o mato e atiro-lhe paus e ele vai buscá-los. Uma vez encontrámos um javali e tivemos de nos esconder numa gruta que estava lá ao pé e nem imaginas de quem era a gruta! Era a do javali! Apercebi-me disso quando já era noite e quando começaram a entrar na gruta quatro javalis robustos e muito altos. Felizmente, nesse preciso momento, ouvi um tiro de uma arma e eu conhecia aquele barulho. Era o meu pai que me tinha ido procurar com os meus irmãos mais velhos. Como já era tarde para voltarmos para casa, passámos a noite no bosque, mas apesar de ser Verão estava ainda muito frio e por isso tivemos de acender uma fogueira para nos aquecermos. A ceia é servida cedo, aí pela seis ou sete da tarde. É uma hora em que toda a família se reúne e aproveitamos para falar sobre o dia que passou. De seguida, recolhemo-nos para os nossos quartos, onde aproveito para ler um pouco antes de adormecer, que o dia seguinte começa sempre cedo. Como vês, a vida aqui no campo é mais calma, mas nem por isso aborrecida. E tu, querido amigo, que tens feito por aí? Tenho saudades da vida de Lisboa, dos passeios no Chiado e no Passeio da Liberdade, dos Espectáculos no São Carlos. E o outro teatro, como vai a construção? Chegou-me a notícia de que se iria chamar Rainha D. Amélia. Mais um para se juntar ao São Carlos e ao da Trindade e animarem os dias de Lisboa. Despeço-me, esperando que esta carta te vá encontrar bem de saúde e que nos possamos ver em breve. Por cá te espero. Com muita amizade. Sebastião Vicente”

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