A Nova Lei Do Lixo

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GESTÃO DE RESÍDUOS

A nova lei do lixo

Marcos Lima

Ilustração: Marcos Aurélio

A forma de descartar entulhos vai mudar e promete mexer, e muito, com todo o processo construtivo

simples, porém dispendiosa, prática de remover entulho está sofrendo mudanças significativas. Daqui a pouco tempo não será mais suficiente apenas contratar os serviços de caçambeiros e esquecer da existência dos resíduos. As construtoras serão obrigadas a apresentar, junto com o projeto de liberação da obra, um outro de remoção e destinação compromissada do entulho. A discussão que abarca as questões de destinação, reuso e reciclagem

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foi iniciada a partir da elaboração da resolução 307, do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). O grupo responsável pelo texto era formado por professores, construtores e caçambeiros e vinha se reunindo desde 1999 até que, em julho de 2002, apresentou as novas regras para os Resíduos de Demolição e Construção. O ponto mais polêmico da resolução é a transferência da responsabilidade pelo entulho. Se até então a sociedade paga pela deposição irres-

ponsável do material, que é um subproduto da construção, a partir da data-limite prevista no texto, os construtores e demolidores serão responsabilizados pelo lixo “construtivo” (veja boxe). Apenas na cidade de São Paulo são geradas, diariamente, cerca de 17 mil t de entulho proveniente da construção civil. O lixo comum domiciliar responde por cerca de outras 8 mil t. A proposta é ousada e sofisticada. Segundo o arquiteto Tarcísio de Paula TÉCHNE 82 | JANEIRO DE 2004

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Prazos

A Resolução 307

Municípios: - 2 de julho de 2004: implementação e fim da disposição dos resíduos de construção civil em aterros de resíduos domiciliares e em áreas de bota-fora

Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil – municipal  Programa Municipal de Gerenciamento de resíduos de Construção Civil – público, destinado a pequenos geradores  Projetos de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil – privado, destinado aos grandes geradores (construtoras)

Construtoras: - 2 de janeiro de 2005: os grandes geradores – não enquadrados no art. 7o – devem incluir os Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil em seus projetos de obras. Esses serão submetidos à aprovação ou ao licenciamento dos órgãos competentes, conforme § 1o e § 2o do art. 8o da Resolução Conama 307

Pinto, assessor do Plano Municipal de Gestão de Resíduos de São Paulo, com a resolução o Brasil entra para um seleto grupo de países que se preocupam com a destinação dos resíduos. "Estamos avançando com políticas inéditas, que poucos países no mundo têm", afirma destacando a ausência de propostas semelhantes em toda a América Latina. Apesar de parecer um entrave a mais para o já instável setor da construção civil, as obras que adotaram a prática em caráter experimental vêm apresentando resultados surpreendentes. Os principais são a redução de custos e de perdas de material. No entanto, é necessário promover uma maior divulgação e treinamentos específicos para que a proposta da resolução seja bem-sucedida. Caso contrário, os Projetos de Gerenciamento de Resíduos, a serem desenvolvidos em cada construtora, tenderiam a não atender os requisitos do Conama. Prevendo tais dificuldades, o SindusCon-SP, em con-

junto com a SSO (Secretaria de Serviços e Obras) do município de São Paulo, com a empresa Obra Limpa, o Sieresp (Sindicato das Empresas Removedoras de Entulho do Estado de São Paulo) e mais uma série de assessores, desenvolveu o Programa Piloto de Gestão de Resíduos em Canteiro de Obra – o Obra Limpa. A Resolução 307

A resolução em si não define os parâmetros de operação para municípios ou construtoras, mas estabelece regras para que cada agente envolvido no processo de geração de resíduos não agrida o ambiente. Por isso, prioriza a não-geração de resíduos. Para tanto, define todos os termos envolvidos: resíduos da construção civil, geradores, transportadores, agregado reciclado, gerenciamento de resíduos, reutilização, reciclagem, beneficiamento, aterro de resíduos da construção civil e áreas de destinação de resíduos. Em seguida, restringe-se aos resíduos para dividi-los entre as

classes A (reutilizáveis), B (recicláveis), C (reciclagem inviável) ou D (resíduos perigosos). Em relação às obrigações das partes envolvidas, a resolução coloca grandes geradores – entre os quais as construtoras – em um grupo e pequenos geradores – população em geral – em outro. Ambos fazem parte do Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil. No entanto, os grandes geradores devem desenvolver Projetos de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil, enquanto os pequenos geradores, responsáveis por 75% do entulho gerado, terão que atuar de acordo com os Programas Municipais de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil. A grande diferença é que os Projetos são de obrigação do setor privado e os Programas Municipais, como o nome diz, são de responsabilidade do setor público (veja tabela). "A resolução exige ações públicas e privadas para a destinação 53

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RESÍDUOS

compromissada", explica Tarcísio de Paula Pinto. Para as construtoras, é fundamental definir procedimentos para o manejo e a destinação ambientalmente adequados dos resíduos. Isso porque cada projeto será analisado pelo órgão ambiental local. Assim, os projetos devem contemplar as etapas de caracterização, triagem, acondicionamento, transporte e destinação. Quanto aos locais de destinação, a Resolução proíbe que os resíduos sejam dispostos em aterros de resíduos domiciliares, em áreas de bota-fora, encostas, corpos d`água, lotes vagos ou em áreas protegidas por lei. A responsabilidade

Divulgação

O paulistano Obra Limpa é pioneiro no Brasil e visa estabelecer diretrizes para auxiliar os construtores a se adequarem ao Plano Municipal. "São necessários padrões para que todo mundo saiba o que fazer", alega Francisco Vasconcellos, do Comasp (Comitê de Meio Ambiente, Segurança e Produtividade do SindusCon-SP). Argumentos para alterar a cultura das empresas, como os reflexos econômicos dos novos processos, também estão sendo revelados. Afinal, não haverá interesse por parte das empresas em adotar os projetos caso isso signifique mais custos.

A maior prioridade do grupo foi desenvolver e adotar uma metodologia prática de gestão que não prejudicasse e, preferencialmente, dinamizasse os trabalhos dentro do canteiro. Foram chamadas empresas que já estavam familiarizadas com algum tipo de programa de gestão, não necessariamente na área ambiental: Barbara, BKO, Cyrela, Construtora Humaitá, DP Engenharia, Sinco, Tecnum, Fortenge, Inmax Tecnologia de Construção, Tecnisa e Souen & Nahas. Essas empresas, além de bancar financeiramente o projeto, estão colaborando com a indicação de obras para testar as definições geradas no grupo de discussão. O desenvolvimento dos programas de gestão compreende duas fases, segundo Elcio Dudushi Careli, diretor da empresa Obra Limpa, responsável pela coordenação das obras-piloto. A primeira tarefa é separar todos os resíduos de acordo com a natureza. Para isso é feito, em conjunto com a liderança da obra, um planejamento para adequar o canteiro aos procedimentos. A destinação dos resíduos é estabelecida na segunda fase. São identificados locais adequados para depositar os entulhos que não foram processados na obra. A segregação permite o reaproveitamento ou reciclagem dos materiais. Alguns dos mate-

A Resolução 307 divide os resíduos em quatro classes: A (reutilizáveis), B (recicláveis), C (recilagem inviável) e D (resíduos perigosos)

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riais que não são encaminhados para a coleta seletiva, como a madeira, são enviados a empresas que os utilizam. Todas as etapas são documentadas, desde o cadastramento do transportador e do receptor até o volume e tipo de materiais enviados em cada caçamba. O grupo elaborou três tipos de documentos para registro das atividades. Os testes nas obras revelaram que realizar parcerias é fundamental para o sucesso dos Projetos de Gerenciamento. Além da necessidade de alianças com empresas responsáveis pela coleta do entulho, já se sabe que as fornecedoras de mão-deobra terceirizada e os próprios fornecedores de materiais devem se integrar ao processo. Com a segregação ainda dentro do canteiro, as empresas do grupo passaram a economizar com a retirada do papel, dos plásticos e da madeira. Agora, empresas de reciclagem retiram gratuitamente esses materiais dos canteiros. "Pesquisamos para onde podemos encaminhar os resíduos", explica Israel Maia, engenheiro responsável pela obra-piloto da DP engenharia. O assessor Tarcísio de Paula Pinto lembra que não apenas as construtoras devem se responsabilizar e arcar com as despesas pela destinação dos resíduos. Os fornecedores também devem internalizar os custos, evitando repassá-los à sociedade. Sendo assim, o grupo Obra Limpa vem promovendo discussões e parcerias em toda a cadeia da produção para definir os custos do processo. "A segregação no canteiro está tornando a cadeia mais responsável socialmente", complementa o professor Vanderley John. Algumas discussões que o grupo está levantando junto aos fornecedores referem-se à destinação dos resíduos de tinta, gesso e impermeabilizantes. Além disso, a questão da embalagem está sendo abordada. Os alvos não são somente as latas de tinta, mas todas as embalagens e proteções que envolvem os produtos adquiridos. O ideal é o construtor não pagar pelo produto e ainda pela destinação do lixo gerado pelo fornecedor. TÉCHNE 82 | JANEIRO DE 2004

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Fluxograma dos resíduos em São Paulo Ecoponto-gratuito (recebe todo tipo de resíduos e o lixo seco domiciliar em pequenos volumes)

Pequeno gerador

Não-segregado

Grande gerador Segregado (mineral) Segregados recicláveis

ATT (Área de Transbordo e Triagem) – paga/privada

Sergio Colotto

Central de reciclagem

Materiais recicláveis vendidos

Fonte: SindusCon-SP

Indiretamente, o grupo passou a ter noção da quantidade de perdas de cada obra. "Começamos a criar um outro tipo de dado, o dos números do desperdício",afirma Vasconcellos.O professor Vanderley John considera, ainda, que a prevenção de perdas incorporadas é o próximo passo para evitar a geração de resíduos futura, causada pela demolição do edifício ao final da sua vida útil . "A perda que vai para a caçamba está sendo controlada, mas a perda incorporada gerará maior quantidade de resíduos futuramente", analisa. Reflexos para o construtor

O grande gerador que continuar não segregando os materiais terá que se valer dos serviços das ATTs (Áreas de Transbordo e Triagem) – a serem criadas pelas prefeituras – e continuará pagando pelo transporte, pela deposição e segregação futura, o que encarecerá o processo. Caso prefira promover a segregação no canteiro, destinará o segregado mineral a centrais de reciclagem, também criadas pelas prefeituras, e os demais materiais – papel, madeira, plástico – poderão ser vendidos ou doados em troca do transporte. A segregação no canteiro, aliada à mudança de cultura dos funcionários, pode trazer benefícios para o constru-

tor. O mais imediato é a possibilidade de reutilização de materiais triados – sarrafos, meios-tijolos, pedaços de tubos – em outras etapas da obra. O reaproveitamento evita a geração de mais resíduos, e a percepção dos pontos em que o índice de perda é maior aumenta o controle sobre os gastos com materiais. Caso estejam cobertos por uma pilha de materiais diversos, a reutilização é impossível. Outra possibilidade é a da diminuição de custos com transporte. Quando o papel, a madeira e o plástico estão separados, empresas de reciclagem têm interesse e se dispõem a retirá-los gratuitamente do canteiro. A madeira pode ser aproveitada como combustível para empresas que utilizam fornos. Um exemplo, citado pelo arquiteto Tarcísio de Paula Pinto, é o do caminhão que traz os tijolos cerâmicos para a obra e leva a madeira descartada para a olaria. Conseqüentemente o rendimento das caçambas aumenta. Livre de materiais leves e volumosos, os caminhões carregam mais peso e somente o estritamente necessário. Segundo o professor Vanderley John, algumas obras já estão diminuindo as equipes de limpeza e, por conseqüência, aumentando a produ-

tividade. "É possível que, com a implantação da gestão, o sistema de descarte se pague", afirma. John cita, ainda, a possibilidade de valorização de pessoal. Para ele, a ação em prol da sociedade faz o operário se sentir mais cidadão. "É importante em um grupo social pouco valorizado ", afirma. A longo prazo e indiretamente, a preocupação em evitar degradar o meio ambiente pode se tornar um argumento de venda. De acordo com Tarcísio de Paula Pinto, um dos objetivos é provar que o compromisso social proporciona uma imagem diferenciada perante o mercado. Isso, segundo ele, resultaria em acesso ao consumidor mais exigente. A empresa Obra Limpa enumera uma série de resultados conquistados com a implantação de um eficiente sistema de gestão de resíduos. Dentre os pontos, destacam-se a isenção de responsabilidade por passivos ambientais, o atendimento a requisitos ambientais dos programas de certificação (PBPQ-H, QualiHab, IS0 14000), a redução de volume de resíduos, do consumo de materiais como areia e pedra, o diferencial de imagem no mercado, a possibilidade de agregar argumento de venda e atingir novos grupos de consumidores, a diminuição de acidentes de trabalho, entre outros. Bruno Loturco

SERVIÇO Comasp (Comitê de Meio Ambiente, Segurança e Produtividade do SindusCon-SP): www.sindusconsp.com .br/meioamb.asp ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas): www.abnt.org.br Obra Limpa: www.obralimpa.com.br Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente): www.mma.gov.br/port/conama/ EcoAtitude: www.ecoatitude.org.br Reciclar para construir – Poli:: www.reciclagem.pcc.usp.br Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos Especiais): www.abetre.com.br

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