a lei do deserto #christian jack a lei do
deserto
romance tradu��o de ana maria chaves e helena
canto e melo
bertrand editora venda nova 1994 #t�tulo original: la loi du desert � christian jacq, 1993 capa de fernando felgueiras todos os direitos para a publica��o desta obra em portugal reservados por bertrand editora, lda. fotocomposi��o e montagem: atelier de imagem, publica��es e artes gr�ficas, lda. impress�o e acabamento: gr�fica manuel barbosa & filhos, lda. dep�sito legal 80604/94 acabou de imprimir-se em outubro de 1994 isbn: 972-25-0866-0 #magna � a regra, duradoura a sua efic�cia nada ousou perturb�-la desde o tempo de os�ris. a iniquidade � capaz de se apossar da quantidade, mas nunca o mal levar� tal empresa a bom porto. n�o te empenhes em maquina��es contra a esp�cie humana, pois deus castiga tal procedimento... se escutaste as m�ximas que acabo de te oferecer, cada desejo teu tornar-se-� realidade. ensinamentos do s�bio ptah-hotep, extractos das m�ximas 5 e 38. #cap�Tulo 1 o calor era t�o avassalador que apenas um escorpi�o negro se aventurava na areia do p�tio da pris�o, que, perdida entre o vale do nilo e o o�sis de khargeh, a mais de cem quil�metros para oeste da cidade santa de carnaque, albergava os reincidentes que carregavam pesadas penas de trabalhos for�ados. quando a temperatura o permitia, os prisioneiros conversavam na pista que ligava o vale ao o�sis, e era cruzada por caravanas de burros transportando mercadorias.
pela d�cima vez, o juiz paser apresentou o seu pedido ao chefe do campo, um colosso sempre pronto a castigar os indisciplinados. n�o suporto o regime privilegiado de que beneficio. quero trabalhar como os outros. esguio, bastante alto, de cabelos castanhos, face larga e alta e olhos verdes acastanhados, paser, cujos tra�os haviam perdido a juventude, mantinha uma distin��o que impunha respeito. tu n�o �s como os outros. sou um prisioneiro. mas n�o foste condenado. est�s aqui em segredo. para mim, tu nem existes. o registo n�o tem nome nem n�mero de identifica��o. mas isso n�o me impede de partir pedras. volta para o teu lugar. o chefe do campo desconfiava deste juiz. pois n�o tinha ele deixado o egipto inteiro boquiaberto, ao instruir o processo do famoso general asher, acusado pelo melhor amigo de paser, o tenente suti, #10 de ter torturado e assassinado um batedor, e de colaborar com inimigos de longa data, os bedu�nos e os l�bios? o cad�ver do infeliz n�o fora encontrado no local indicado por suti. os jurados, n�o podendo condenar o general, contentaram-se em pedir um inqu�rito suplementar, investiga��o que se gorou, uma vez que paser, caindo numa armadilha, fora acusado de assassinar o seu pai espiritual, o s�bio branir, futuro sumo-sacerdote de carnaque. apanhado em flagrante delito, fora preso e deportado, � margem da lei. o juiz estava sentado � escriba na areia escaldante. n�o parava de pensar na mulher, n�f�ret. durante muito tempo, julgara que ela nunca viria a am�-lo; depois, a felicidade chegou, forte como o sol de ver�o. uma felicidade despeda�ada, um para�so de onde fora expulso sem esperan�a de regressar. levantou-se um vento quente que fazia os gr�os de areia rodopiar chicoteando a pele. com um pano branco pela cabe�a, paser n�o ligava ao vento; recordava as etapas do inqu�rito. pequeno magistrado de prov�ncia, perdido na grande cidade de m�nfis, tivera o azar de se mostrar demasiadamente consciencioso ao examinar em pormenor uma documenta��o algo estranha. descobrira o assassinato de cinco veteranos que formavam a guarda de honra da grande esfinge de gize uma carnificina disfar�ada de acidente, o roubo de uma grande quantidade de ferro celeste destinado aos templos, e uma conspira��o envolvendo altas personalidades.
mas n�o conseguira provar de forma definitiva a culpa do general asher e a sua inten��o de destronar rams�s, o grande. e, quando tinha finalmente conseguido obter plenos poderes para ligar entre si os elementos dispersos, o azar batera-lhe � porta. paser lembrava-se de todos os momentos daquela noite terr�vel. a mensagem an�nima avisando-o de que o seu mestre branir corria perigo, a corrida desvairada pelas ruas da cidade, a descoberta do cad�ver do s�bio branir, uma agulha de madrep�rola espetada no seu pesco�o, a chegada do chefe da pol�cia, que n�o hesitou em considerar paser um assassino, a s�rdida cumplicidade do de�o do p�rtico, o mais alto magistrado de m�nfis, o seu transporte em segredo para a pris�o e, quando o seu fim chegasse, uma morte solit�ria sem que a verdade viesse a ser conhecida. a trama fora organizada com a m�xima perfei��o. com o apoio de branir, o juiz poderia ter investigado nos templos e identificado os #11 ladr�es do ferro celeste. mas o seu mestre tinha sido eliminado, tal como os veteranos, por misteriosos agressores cujos fins continuavam obscuros. o juiz chegara � conclus�o de que entre eles figuravam uma mulher e v�rios homens de origem estrangeira; as suas suspeitas reca�am sobre o qu�mico ch�chi, o dentista qadash e a mulher do transportador denes, homem rico, influente e desonesto, mas n�o tinha a certeza de nada. paser resistia ao calor, �s tempestades de areia e � comida intrag�vel, porque queria sobreviver, apertar n�f�ret nos bra�os e ver a justi�a florescer de novo. o que teria inventado o de�o do p�rtico, seu superior hier�rquico, para explicar o seu desaparecimento? e que cal�nias espalharia a seu respeito? fugir, era uma utopia, ainda que o campo se abrisse sobre as colinas vizinhas. a p�, n�o iria longe. tinham-no mandado para ali, para que ali definhasse. quando estivesse fraco, consumido, quando tivesse perdido a �ltima r�stia de esperan�a, divagaria, como um pobre louco repetindo incoer�ncias. nem n�f�ret nem suti o abandonariam. recusariam qualquer mentira e qualquer cal�nia, procur�-lo-iam por todo o egipto. tinha de ser optimista e deixar o tempo correr-lhe nas veias. os cinco conjurados encontraram-se na quinta abandonada onde era costume reunirem-se. a atmosfera era de j�bilo, o plano desenrolava-se como previsto. depois de terem violado a grande pir�mide de qu�ops e roubado as maiores ins�gnias do poder o c�vado em ouro e o testamento dos deuses, sem o qual rams�s, o grande, perdia toda a sua legitimidade cada dia que passava mais se aproximavam do seu objectivo. o assassinato dos veteranos que guardavam a esfinge de onde partia o corredor subterr�neo, que lhes permitira introduzirem-se na pir�mide, bem como a elimina��o
do juiz paser eram incidentes menores, j� esquecidos. ainda falta o mais importante disse um dos conjurados rams�s continua no poder. n�o sejamos impacientes. #12 fala por ti. falo por todos; precisamos de tempo para assegurarmos as funda��es do nosso futuro imp�rio. quanto mais preso rams�s se sentir, incapaz de agir, consciente da queda, mais f�cil se tornar� a nossa vit�ria. eje n�o pode revelar a ningu�m que a grande pir�mide foi assaltada e que o centro de energia espiritual, do qual ele � o �nico respons�vel, j� n�o funciona. em breve, as suas for�as enfraquecer�o; ver-se-� obrigado a viver o ritual da regenera��o. quem o obrigar� a isso? a tradi��o, os sacerdotes e ele pr�prio! � imposs�vel fugir a esse dever. no fim da festa, dever� mostrar o testamento dos deuses ao povo! ou seja, este testamento que est� nas nossas m�os. ent�o, rams�s ver-se-� obrigado a abdicar e entregar o trono ao seu sucessor. precisamente aquele que foi designado por n�s. os conjurados sentiam j� o sabor da vit�ria. rams�s, o grande, reduzido a escravo, n�o teria alternativa. todos os membros da conspira��o seriam recompensados segundo os seus m�ritos e, no futuro, todos ocupariam uma posi��o privilegiada. o maior pa�s do mundo pertencer-lhes-ia; modificariam as suas estruturas, alterariam o sistema e model�-lo-iam segundo a sua vis�o, radicalmente oposta � de rams�s, prisioneiro de valores decadentes. enquanto o fruto amadurecia, eles alargavam a sua rede de rela��es, simpatizantes e aliados. crimes, corrup��o, viol�ncia... nada disto os conjurados rejeitavam. era esse o pre�o do poder. #cap�TUlo 2 o p�r do sol rosava as colinas. �quela hora, bravo, o c�o de paser, e vento do norte, o burro, deviam estar a apreciar a refei��o servida por n�f�ret ap�s um longo dia de trabalho. quantos doentes teria ela curado, quantos doentes teria ela acolhido na sua casa de m�nfis, com o escrit�rio de paser no r�s-do-ch�o? ou teria ela regressado � sua aldeia, na regi�o de tebas, para a� exercer a profiss�o de m�dica, longe da agita��o da cidade? a coragem do juiz esmorecia.
ele, que dedicara toda a sua vida � justi�a, sabia que a mesma nunca lhe seria feita. nenhum tribunal reconheceria a sua inoc�ncia. supondo que sa�a da pris�o, que futuro poderia ele oferecer a n�f�ret? um velho veio sentar-se ao seu lado. magro, desdentado, com a pele crestada e enrugada, soltou um suspiro. para mim acabou-se. estou muito velho. o chefe tirou-me do transporte de pedras. ocupar-me-ei da cozinha. boa not�cia, hem? paser abanou a cabe�a. porque � que tu n�o est�s a trabalhar? perguntou o velho. n�o me deixam. quem � que tu roubaste? ningu�m. para aqui s� v�m os grandes ladr�es. roubaram tantas vezes que nunca sair�o da pris�o, pois n�o cumpriram o juramento de n�o o voltarem a fazer. os tribunais n�o brincam com a palavra dada. achas que procedem mal? o velho cuspiu para a areia. #14 isso � um caso complicado! tu est�s do lado dos juizes? eu sou juiz. a not�cia de que iria ser posto em liberdade n�o teria espantado mais o interlocutor de paser. est�s a gozar? achas que sim? esta agora... um juiz, um juiz de verdade! olhava-o, inquieto e reverente. o que foi que tu fizeste? iniciei um inqu�rito e quiseram calar-me a boca. deves ter-te metido num lindo sarilho. eu c� sou inocente. um concorrente desleal acusou-me de ter roubado o mel que me pertencia. apicultor? eu tinha corti�os no deserto, concorrentes tiveram inveja, e processo enervei-me. recusei o preparei a minha defesa com um mas foste condenado.
as minhas abelhas davam o melhor mel do egipto. os prepararam uma tram�ia na qual eu ca�. durante o veredicto a meu favor, pedi um segundo julgamento e escriba. estava certo de ganhar.
os meus concorrentes esconderam em minha casa objectos roubados de uma loja. provas de reincid�ncia! o juiz nem abriu o inqu�rito. foi injusto. no seu lugar, eu teria examinado os motivos dos acusadores. e se fosses para o lugar dele? se mostrasses que as provas s�o falsas? primeiro era preciso sair daqui. o apicultor voltou a cuspir para a areia. quando um juiz trai as suas fun��es, n�o vai em segredo para um campo como este. nem sequer te cortaram o nariz. deves ser espi�o ou coisa parecida. como queiras. o velho levantou-se e afastou-se. paser n�o tocou no caldo aguado do costume. j� n�o lhe apetecia lutar. o que poderia ele oferecer a n�f�ret sen�o a degrada��o e #15 a vergonha? seria melhor que ela nunca mais o visse e o esquecesse. assim, guardaria na mem�ria a recorda��o do magistrado inabal�vel, do amante ardente, do sonhador que acreditara na justi�a. deitado de costas, contemplava o c�u l�pis-laz�li. no dia seguinte desapareceria. velas brancas vogavam sobre o nilo. com o cair da tarde, os marinheiros divertiam-se saltando de um barco para o outro, enquanto um vento norte imprimia velocidade �s embarca��es. ca�am � �gua, riam-se, insultavam-se. sentada na margem, uma jovem n�o ouvia os gritos dos lutadores. de cabelos acastanhados, rosto puro e de linhas muito doces, olhos do azul do ver�o, bela como um l�tus desabrochado, n�f�ret invocava a alma de branir, seu mestre assassinado, e suplicava-lhe que protegesse paser, o homem que ela amava com toda a sua alma e cuja morte havia sido oficialmente proclamada, sem que ela conseguisse acreditar. posso falar contigo por um instante? ela virou a cabe�a. junto dela estava o m�dico-chefe do reino, n�bamon, um cinquent�o de bom aspecto. o seu maior inimigo. j� por v�rias ocasi�es lhe tentara destruir a carreira. n�f�ret detestava este cortes�o �vido de riquezas e de conquistas femininas, que se servia da medicina como um meio de exercer poder sobre os outros e fazer fortuna. com um olhar libidinoso, n�bamon admirava a jovem cujo vestido de linho deixava adivinhar formas t�o perfeitas quanto estimulantes. seios firmes e altos, pernas compridas e esbeltas, p�s e m�os delicados, um deslumbramento para o olhar. n�f�ret estava resplandecente.
deixa-me, pe�o-te. devias dar-me mais aten��o; o que sei interessar-te-� imenso. as tuas intrigas n�o me interessam. trata-se de paser. n�f�ret n�o conseguiu esconder a emo��o. #16 paser morreu. n�o � verdade, minha querida. est�s a mentir! conhe�o a verdade. terei de te implorar que ma contes? gosto mais de ti intrat�vel e arrogante. paser est� vivo, mas foi acusado de ter assassinado branir. isso... � um absurdo! n�o acredito. fazes mal. mentmos�, o chefe da pol�cia, prendeu-o em segredo. paser n�o matou o mestre. mentmos� est� convencido do contr�rio. querem humilh�-lo, arruinar-lhe a reputa��o e impedi-lo de dar seguimento ao inqu�rito. isso pouco me importa. porque me fazes todas estas revela��es? porque sou o �nico que pode inocentar paser. no arrepio que agitou o corpo de n�f�ret, misturavam-se a esperan�a e a ang�stia. se queres que leve a prova ao de�o do p�rtico, tens de casar comigo, n�f�ret, e esquecer esse ju�zeco. � esse o pre�o da sua liberdade. o teu verdadeiro lugar � junto de mim. a decis�o � tua. ou libertas paser ou o condenas � morte. #cap�TUlo 3 oferecer-se ao m�dico-chefe horrorizava n�f�ret, mas recusar a proposta de n�bamon era transformar-se no carrasco de paser. onde estaria ele prisioneiro, a que crueldades seria submetido? se demorasse muito a decidir, a pris�o destrui-lo-ia. n�f�ret n�o confiou o segredo a suti, amigo fiel de paser e seu irm�o espiritual; ele mataria o m�dico-chefe de imediato. decidiu aceder ao pedido do chantagista na condi��o de rever paser. desonrada,
desesperada, confessar-lhe-ia tudo antes de se envenenar. kem, o pol�cia n�bio �s ordens do juiz, aproximou-se da jovem. na aus�ncia de paser, ele continuava a fazer as rondas em m�nfis, na companhia de matador, o seu tem�vel babu�no, especialista na captura de ladr�es, que imobilizava cravando-lhes as presas nas pernas. kem sofrera o corte do nariz por estar implicado na morte de um oficial, culpado de se dedicar ao tr�fico de ouro; quando reconheceram a boa-f� do n�bio, fizeramno pol�cia. uma pr�tese de madeira pintada atenuava os efeitos da mutila��o. kem admirava paser. ainda que n�o tivesse a m�nima confian�a na justi�a, acreditava na integridade do jovem magistrado, causa do seu desaparecimento. tenho possibilidade de saber onde se encontra paser declarou n�f�ret com gravidade. no reino dos mortos, de onde ningu�m regressa. o general asher n�o te entregou um relat�rio, segundo o qual paser morreu na �sia, � procura de uma prova? #18 esse relat�rio era falso, kem. paser est� vivo. ent�o, mentiram-te? paser foi acusado de ter assassinado branir, mas o m�dico-chefe n�bamon tem a prova da sua inoc�ncia. kem agarrou n�f�ret pelos ombros. est� salvo! com a condi��o de eu me tornar esposa de n�bamon. col�rico, o n�bio bateu com o punho da m�o direita na palma da m�o esquerda. e se ele esteve a zombar de ti? quero voltar a ver paser. kem tocou no nariz de madeira. n�o te arrepender�s de me teres contado isso. depois de os for�ados terem partido, paser introduziu-se na cozinha, um barrac�o de madeira coberto com uma tela. a�, roubaria um dos peda�os de s�lex com que se acende o lume, e cortaria as veias. seria uma morte lenta, mas eficaz; em pleno sol, sucumbiria lentamente num torpor benfazejo. � noite, um vigilante dar-lhe-ia um pontap� e atiraria o cad�ver para a areia escaldante. durante estas �ltimas horas, vivera com a alma de n�f�ret, na esperan�a de que ela, invis�vel, mas sempre presente, o ajudasse nesta �ltima travessia. quando se apoderou da pedra cortante, recebeu um golpe violento na nuca e caiu ao p� de uma panela. de colher de madeira em punho o velho ironizava. com que ent�o, o juiz tornou-se ladr�o. o que te preparavas tu para fazer com esse s�lex? n�o te mexas que apanhas mais! derramares o teu pr�prio sangue e deixares este maldito s�tio atrav�s da m�
morte! seria uma estupidez, e indigno de um homem de bem. o apicultor baixou a voz. presta bem aten��o, juiz; conhe�o uma maneira de sa�res daqui. eu n�o teria for�a para atravessar o deserto; mas tu �s jovem. digo-te qual �, se aceitares defenderme e anulares a minha condena��o. paser recomp�s-se. # 19 � in�til. recusas? mesmo que consiga fugir, n�o voltarei a ser juiz. volta a s�-lo por mim. imposs�vel. acusam-me de um crime. a ti? isso � rid�culo! paser massajou a nuca. o velho ajudou-o a levantar-se. amanh� � o �ltimo dia do m�s. um carro de bois chega do o�sis para trazer alimentos, e partir� vazio. mete-te l� dentro e salta quando avistares o primeiro curso de �gua � tua direita. sobe esse curso de �gua at� ao sop� da colina; a�, encontrar�s uma nascente no meio de um pequeno palmar. enche o odre. depois, caminha em direc��o ao vale e tenta encontrar n�madas. pelo menos, ter�s tentado a tua sorte. o m�dico-chefe n�bamon tinha, pela segunda vez, esvaziado os tumores seb�ceos da senhora silkis, jovem esposa do abastado bel-tran, fabricante de papiros e alto funcion�rio, cuja influ�ncia n�o parava de aumentar. na qualidade de cirurgi�o pl�stico, n�bamon cobrava honor�rios elevad�ssimos, que os clientes pagavam sem protestar. pedras preciosas, pe�as de tecido, g�neros aliment�cios, mobili�rio, utens�lios, bois, burros e cabras, tudo isso vinha aumentar a sua fortuna, � qual faltava apenas um tesouro inestim�vel: n�f�ret. havia outras igualmente belas; mas nela existia uma harmonia �nica, onde a intelig�ncia se aliava ao encanto pessoal, irradiando uma luz incompar�vel. como poderia ela ter-se apaixonado por um ser t�o insignificante como paser? um devaneio de juventude que lamentaria para o resto da vida, se n�bamon n�o tivesse intervido. por vezes, sentia-se t�o poderoso quanto o fara�. Quem, melhor do que ele, conhecia os segredos que salvavam as vidas ou as prolongavam? n�o era ele rei entre os m�dicos e os farmac�uticos? n�o era a ele que os altos dignat�rios recorriam para recuperarem a sa�de perdida? se os seus assistentes trabalhavam inc�gnitos para descobrirem os melhores tratamentos, era n�bamon, e mais ningu�m, quem da�
retirava os louros. ora, n�f�ret possu�a um g�nio m�dico que ele devia explorar. #20 ap�s uma opera��o bem sucedida, n�bamon concedia a si mesmo uma semana de descanso na sua casa de campo, no sul de m�nfis, onde um ex�rcito de servos satisfazia os seus mais pequenos desejos. deixando as tarefas subalternas � sua equipa m�dica, que ele controlava com rigor, preparava a lista das futuras promo��es a bordo do seu novo barco de recreio. estava ansioso por saborear um vinho branco do delta, das suas pr�prias vinhas, e as �ltimas receitas do seu cozinheiro. o mordomo veio anunciar a visita de uma jovem bel�ssima. intrigado, n�bamon foi receb�-la ao vest�bulo. n�f�ret! que surpresa maravilhosa... almo�as comigo? estou com pressa. estou certo de que em breve poder�s visitar a minha casa de campo. vens trazer-me a resposta? n�f�ret baixou a cabe�a. o entusiasmo apoderava-se do m�dico-chefe. eu sabia que ias escutar a voz da raz�o. preciso de tempo. uma vez que vieste, � porque a decis�o est� tomada. d�s-me o privil�gio de voltar a ver paser? n�bamon amuou. queres submeter-te a uma experi�ncia in�til. salva paser mas esquece-o. devo-lhe um �ltimo encontro. como queiras. mas as minhas condi��es s�o as mesmas: primeiro tens de me provar o teu amor. depois, eu intervenho. mas s� depois. percebeste bem? n�o estou em posi��o de negociar. admiro a tua intelig�ncia, n�f�ret; apenas a tua beleza a iguala. e pegou-lhe carinhosamente na m�o. n�o, n�bamon, aqui n�o; agora n�o. onde e quando? no grande palmar, perto do po�o. algum local que te � caro? vou para l� meditar muitas vezes. n�bamon sorriu. #21 a natureza e o amor d�o-se bem. tal como tu, gosto da poesia das palmeiras. quando, ent�o?
amanh� � noite, depois do p�r do sol. aceito a escurid�o para a nossa primeira uni�o; mas depois viveremos � luz do dia. #cap�Tulo 4 paser rebolou para fora da galera quando viu o curso de �gua serpenteando entre os rochedos, em direc��o a uma colina batida pelo vento. n�o fez o mais pequeno ru�do ao cair na areia, e o ve�culo seguiu viagem na poeira e no calor. o condutor, adormecido, deixava-se conduzir pelos bois. ningu�m se lan�aria no encal�o do evadido, pois o calor e a sede n�o lhe dariam qualquer hip�tese de sobreviv�ncia. na devida altura, uma patrulha recolheria as suas ossadas. descal�o e com uma tanga velha, o juiz via-se obrigado a avan�ar muito devagar, para poupar energias. aqui e al�m, ligeiras ondula��es na areia testemunhavam a passagem de uma �spide, a terr�vel v�bora do deserto, cuja mordedura era mortal. paser imaginava que caminhava na companhia de n�f�ret num campo verdejante, animado pelo canto dos p�ssaros e percorrido por canais; a paisagem parecia-lhe menos hostil e o seu andamento mais r�pido. seguiu o leito seco do curso de �gua at� ao sop� de uma colina com forte inclina��o onde, incongruentes, tr�s palmeiras teimavam em crescer. o juiz ajoelhou-se e escavou com as m�os; alguns cent�metros abaixo da crosta fendida, a terra estava h�mida. o velho apicultor n�o lhe havia mentido. ao cabo de uma hora de esfor�os apenas interrompidos por breves pausas, encontrou �gua. depois de matar a sede, despiu a tanga, limpou-a com areia e esfregou a pele. em seguida, encheu o odre de que se munira com o precioso l�quido. #24 � noite, partiu em direc��o a leste. � sua volta ouvia o sibilar das serpentes, que sa�am com o cair da noite. se pisasse alguma, n�o escaparia a uma morte atroz. apenas um m�dico experimentado, como n�f�ret, conhecia os ant�dotos. o juiz esqueceu os perigos e continuou, sob a protec��o da lua. deliciava-se com a frescura da noite. quando raiou a aurora, bebeu um pouco de �gua, abriu uma cova na areia, tapou-se e dormiu em posi��o fetal. quando acordou, o sol j� come�ava a baixar. com os m�sculos doridos e a cabe�a a arder, continuou em direc��o ao vale, t�o long�nquo e t�o inacess�vel. quando a reserva de �gua acabasse, tinha de encontrar um po�o assinalado por um c�rculo de pedras. come�ava a cambalear naquela vastid�o des�rtica, ora rasa, ora ondulante. com os l�bios secos e a l�ngua entumecida, estava a chegar ao limite das suas for�as. que mais poderia fazer sen�o esperar a interven��o de uma divindade benfazeja? n�bamon ordenou que o levassem at� � orla do grande palmar e mandou a liteira regressar. saboreava j� antecipadamente aquela noite maravilhosa, em que n�f�ret se lhe ofereceria. teria preferido que ela viesse de livre vontade, mas os m�todos
utilizados pouco lhe importavam, uma vez que ia ter aquilo que desejava, como era j� h�bito. os guardas do palmar, encostados aos troncos das grandes �rvores, tocavam flauta, bebiam �gua fresca e cavaqueavam. o m�dico-chefe meteu por um arruamento largo, virou � esquerda e dirigiu-se para o velho po�o. o local era solit�rio e apraz�vel. ela parecia nascida do clar�o do ocaso, que tingia de tons alaranjados a longa t�nica de linho. n�f�ret so�obrava. a mulher orgulhosa que o havia desafiado obedecia-lhe como uma escrava. quando ele a conquistasse, ela ser-lhe-ia dedicada e esqueceria o passado. seria for�ada a admitir que apenas n�bamon podia oferecer-lhe a vida com que sonhava sem o saber. ela amava de mais a medicina para se refugiar por mais tempo num servi�o subalterno; tornar-se esposa do m�dico-chefe era, obviamente, o mais invej�vel dos destinos? ela n�o se mexeu. ele avan�ou. #25 poderei paser? tens a minha palavra. liberta-o, n�bamon. � essa a minha inten��o, se aceitares ser minha. porque �s t�o cruel? s� generoso, suplico-te. est�s a brincar comigo? apelo � tua consci�ncia. n�f�ret, ser�s minha mulher, porque eu assim o decidi. desiste, n�bamon. ele avan�ou e parou a um metro da presa. gosto de olhar para ti, mas exijo outros prazeres. e destruir-me faz parte desses prazeres? livrar-te de um amor ilus�rio e de uma vida med�ocre. pela �ltima vez, desiste. tu pertences-me, n�f�ret. n�bamon estendeu a m�o para n�f�ret. mal lhe tocou, foi atirado brutalmente para tr�s e caiu no ch�o. transtornado, viu o seu agressor; um enorme babu�no, de dentes arreganhados, a espumar. o animal
fincou a m�o direita, peluda e tenaz, na garganta do m�dico, enquanto a esquerda lhe agarrava os test�culos e os puxava. n�bamon soltava gritos de dor. kem p�s o p� sobre a cara do m�dico-chefe. o babu�no, sem soltar a presa, imobilizou-se. se te recusas a colaborar connosco, o meu babu�no castra-te. eu fa�o de conta que n�o vi nada; e ele n�o ter� quaisquer remorsos. o que querem de mim? a prova da inoc�ncia de paser. n�o, eu... o babu�no soltou um grunhido surdo. os dedos serraram-se-lhe. aceito. aceito! sou todo ouvidos. n�bamon arquejava. quando examinei o cad�ver de branir, reparei que a morte ocorrera muitas horas antes, talvez um dia inteiro. o estado dos olhos, o aspecto da pele, a crispa��o da boca, o aspecto do golpe... os sinais cl�nicos n�o enganavam. relatei as minhas constata��es num papiro. #26 n�o houve flagrante delito; paser era apenas uma testemunha. n�o havia qualquer acusa��o s�ria contra ele. porque ocultaste a verdade? era uma �ptima oportunidade... n�f�ret ficava � minha merc�. onde est� Paser? eu...eu n�o sei. estou certo de que sabes. o babu�no grunhiu de novo. aterrorizado, n�bamon cedeu. comprei o chefe da pol�cia para que ele poupasse a vida de paser. era preciso mant�-lo vivo para eu ser bem sucedido na minha chantagem. o juiz est� preso em regime de segredo, ignoro onde. conheces o verdadeiro assassino? n�o, juro que n�o! kem n�o duvidou da sinceridade da resposta. quando o babu�no procedia a um interrogat�rio, os suspeitos n�o mentiam. n�f�ret rezou, agradecendo � alma de branir. o mestre protegera o disc�pulo. o parco jantar do de�o do p�rtico compunha-se de figos e queijos. � falta de sono juntava-se a falta de apetite. n�o suportando qualquer presen�a, mandara o servo
embora. de que poderia ele censurar-se, sen�o do desejo de manter o egipto longe da desordem? n�o estava, por�m, de consci�ncia tranquila. nunca, em toda a sua longa carreira, se tinha desviado tanto da regra. enjoado, empurrou a tigela de madeira. l� fora, ouviam-se gemidos. segundo os m�gicos, seriam os fantasmas, vindos para torturar as almas indignas. o de�o saiu. kem arrastava o m�dico-chefe n�bamon por uma orelha, com o babu�no ao lado. n�bamon tem uma confiss�o a fazer. o de�o n�o gostava do n�bio. conhecia o seu passado de viol�ncia, desaprovava os seus m�todos e deplorava o facto de ele fazer parte das for�as de seguran�a. #27 n�bamon age sobre coac��o. o seu depoimento n�o ter� qualquer valor. n�o se trata de um depoimento, mas sim de uma confiss�o. o m�dico-chefe tentou libertar-se. o babu�no abocanhou-lhe a barriga da perna sem enterrar as presas. tem cuidado recomendou kem. se o irritas, tudo pode acontecer. vai-te embora! ordenou o de�o, enfurecido. kem empurrou o m�dico para a frente do de�o. despacha-te, n�bamon. os babu�nos n�o s�o nada pacientes. tenho um ind�cio sobre o caso paser declarou a not�vel personagem com a voz enrouquecida. n�o se trata de um ind�cio corrigiu kem mas sim da prova da inoc�ncia de paser. o de�o empalideceu. o que vem a ser isto, uma provoca��o? o m�dico-chefe � um homem s�rio e respeit�vel. n�bamon tirou de dentro da t�nica um papiro enrolado e selado. redigi as minhas constata��es em rela��o ao cad�ver de branir. o flagrante delito � um erro de aprecia��o. esqueci-me... de lhe transmitir este relat�rio. o magistrado recebeu o documento contra vontade; era como se estivesse a pegar em brasas. engan�mo-nos lamentou o de�o do p�rtico. para paser, j� � muito tarde. talvez n�o objectou kem.
esqueces-te de que ele morreu? o n�bio sorriu. um outro erro de aprecia��o, sem d�vida. abusaram da tua boa f�. com o olhar, o n�bio ordenou ao babu�no que largasse o m�dico-chefe. estou... estou livre? desaparece. #28 n�bamon fugiu a coxear. tinha gravadas na barriga da perna as marcas dos dentes do macaco cujos olhos brilhavam na noite. kem, ofere�o-te um emprego tranquilo, se aceitares esquecer estes acontecimentos deplor�veis. n�o digas mais nada, de�o do p�rtico; caso contr�rio, n�o segurarei o matador. em breve ser� preciso contar a verdade, toda a verdade. #cap�Tulo 5 no cora��o da paisagem de areia dourada e montanhas negras e brancas, erguia-se uma nuvem de poeira. aproximavam-se dois homens a cavalo. paser encontrava-se � sombra de um enorme bloco de pedra, destacado de uma pir�mide natural. sem �gua, era-lhe imposs�vel ir mais longe. se fosse a pol�cia do deserto, levavam-no de novo para a pris�o. se fossem bedu�nos, agiriam conforme a disposi��o do momento: ou o torturavam ou faziam dele seu escravo. a excep��o dos n�madas, ningu�m mais se aventurava nas profundezas do deserto. na melhor das hip�teses, paser trocaria a pris�o pela escravatura. eram dois bedu�nos! vestiam t�nicas �s riscas coloridas. tinham os cabelos compridos e as barbas curtas. quem �s tu? fugi do campo dos ladr�es. o mais jovem desceu do cavalo e examinou paser dos p�s � cabe�a. n�o pareces muito forte. tenho sede. a �gua, tens de fazer por merec�-la. levanta-te e luta. estou sem for�as. o bedu�no desembainhou um punhal. se n�o consegues lutar, morrer�s. sou um juiz, n�o um soldado. um juiz! ent�o n�o vens do campo dos ladr�es.
#30 acusaram-me injustamente. algu�m quer a minha ru�na, o sol fez-te mal � cabe�a. se me matares, ser�s amaldi�oado no al�m, e os juizes dos infernos cortar-te-�o a alma em peda�os. quero l� saber! o mais velho segurou o bra�o armado. a magia dos eg�pcios � tremenda. vamos p�-lo de p�; depois, ser� nosso escravo. pantera, a l�bia de cabelos loiros e olhos claros, n�o se acalmava. a suti, amante fogoso e inventivo, sucedia um suti moleng�o, piegas e circunspecto. inimiga irredut�vel do egipto, pantera ca�ra nas m�os do tenente dos carros de combate, transformado em her�i desde a sua primeira campanha na �sia. ele concedera-lhe a liberdade, da qual ela n�o beneficiava, de tanto que gostava de fazer amor com suti. at� quando fora expulso do ex�rcito, depois de ter tentado estrangular o general asher, a quem vira a assassinar um batedor, mas que o tribunal n�o pudera condenar por o cad�ver ter desaparecido, o jovem n�o havia perdido o seu dinamismo. por�m, ap�s o desaparecimento do seu amigo paser, remetera-se ao sil�ncio, n�o comendo nem olhando para ela. quando voltar�s a ser o mesmo? quando paser regressar. paser, sempre paser! n�o v�s que os seus inimigos o mataram? n�o estamos na l�bia. matar � um acto t�o grave que condena ao aniquilamento. um criminoso n�o ressuscita. s� h� uma vida, suti. aqui e agora! esquece essas balelas. esquecer um amigo? era o amor que alimentava pantera. privada do corpo de suti, definhava. suti era um homem de boa figura, rosto esguio, olhar franco e sincero e longos cabelos negros; for�a, sedu��o e eleg�ncia caracterizavam geralmente o seu m�nimo gesto. sou uma mulher livre e n�o aceito viver com uma pedra. se continuas assim, deixote. #31 est� bem, ent�o deixa-me. ela ajoelhou-se e abra�ou-o pela cintura. j� n�o sabes o que dizes.
se paser sofre, eu tamb�m sofro; se ele est� em perigo, a ang�stia aperta-me o cora��o. tu n�o podes mudar nada. pantera despiu a tanga de suti. este n�o protestou. nunca um corpo de homem fora t�o belo, t�o forte, t�o harmonioso. desde os treze anos, pantera tivera muitos amantes, mas nenhum a fascinara tanto como este eg�pcio, inimigo figadal do seu povo. acariciou-lhe suavemente o peito, os ombros, tocou-lhe ao de leve nos mamilos, desceu em direc��o ao umbigo. os seus dedos, �geis e sensuais, faziam crescer nele o prazer. por fim, suti reagiu. com uma m�o vigorosa, quase irritada, arrancou as al�as da curta t�nica que ela vestia. nua, ela encostou-se a ele ternamente. sentir-te, estar contigo mais uma vez que seja ser� o bastante. mas para mim n�o. e, num repente, suti virou-a de barriga para baixo e deitou-se por cima dela. l�nguida, triunfante, ela acolheu o seu desejo como um elixir da juventude, oleoso e quente. l� fora, uma voz chamou-o. uma voz grave, autorit�ria. suti precipitou-se para a janela. anda disse kem. sei onde est� Paser. o de�o do p�rtico regava o pequeno canteiro de flores, � entrada de casa. com a idade, tinha cada vez mais dificuldade em curvar-se. posso ajudar-te? o de�o voltou-se e viu suti. o antigo tenente n�o perdera a arrog�ncia. onde est� o meu amigo paser? est� morto. mentira. foi redigida uma declara��o oficial. isso n�o importa. #32 a verdade desagrada-te, mas ningu�m a pode modificar. a verdade � que n�bamon te comprou, a ti e ao chefe da pol�cia. o de�o do p�rtico empertigou-se. n�o, a mim n�o! ent�o, fala. o de�o hesitou.
podia mandar prender suti por inj�ria a um magistrado e por viol�ncia verbal; mas envergonhava-se da sua pr�pria conduta. sem d�vida, o juiz paser metia-lhe medo: determinado de mais, apaixonado de mais, enamorado de mais pela justi�a. e n�o tinha o velho magistrado, habituado a todas as intrigas, tra�do a confian�a da juventude de paser? a sorte do jovem juiz incomodava-o. talvez j� estivesse morto, incapaz de resistir � reclus�o. na pris�o dos ladr�es, perto de khargeh murmurou. d�-me uma credencial. isso j� � pedir muito. despacha-te, que tenho pressa. suti deixou o cavalo na �ltima pousada, na orla da pista dos o�sis. s� um burro seria capaz de suportar o calor, a poeira e o vento. com um arco, cerca de cinquenta flechas, uma espada e dois punhais, suti sentia-se preparado para enfrentar o advers�rio, fosse ele quem fosse. o de�o do p�rtico dera-lhe uma tabuinha de madeira, declarando que devia conduzir o juiz paser a m�nfis. embora contra vontade, kem ficara com n�f�ret. quando n�bamon se recompusesse do susto, n�o ficaria inactivo. apenas o babu�no e o seu dono poderiam proteger a jovem eficazmente. o n�bio, que tanto desejava libertar o juiz, entendeu que devia ficar e proteger n�f�ret. a not�cia da partida do amante irritou pantera. se ele se ausentasse por mais de uma semana, engan�-lo-ia com o primeiro que aparecesse e proclamaria a sua infelicidade aos quatro ventos. mas suti n�o prometera nada, excepto regressar com o amigo. o burro transportava os odres e os cestos cheios de carne e #33 peixe seco, fruta e p�o, coisas que se conservariam comest�veis por v�rios dias. homem e burro descansariam pouco, pois suti tinha pressa de atingir o seu objectivo. ao avistar o campo prisional, um conjunto de barrac�es miser�veis dispersos no meio do deserto, suti evocou o deus min, padroeiro dos caravaneiros e dos exploradores. ainda que achasse os deuses inacess�veis, mais valia garantir a sua protec��o em certas circunst�ncias. suti acordou o chefe do campo, que estava a dormir debaixo de um toldo. o colosso praguejou. sei que tens aqui prisioneiro o juiz paser. esse nome n�o me diz nada. sei que ele n�o est� registado.
n�o o conhe�o, j� disse. suti mostrou-lhe a tabuinha, o que n�o despertou no homem qualquer interesse. aqui n�o h� nenhum paser. s� ladr�es reincidentes, nada de juizes. venho em miss�o oficial. espera que os prisioneiros voltem e ver�s com os teus pr�prios olhos. o chefe do campo voltou a adormecer. suti perguntou a si mesmo se o de�o do p�rtico n�o o teria enviado uma vez mais para um beco sem sa�da. entrou na cozinha para se reabastecer de �gua. o cozinheiro, um velho desdentado, acordou sobressaltado. quem �s tu? venho libertar um amigo. infelizmente, n�o te pareces com paser. que nome disseste? juiz paser. o que lhe queres? libert�-lo. bem, para isso... chegaste tarde de mais! #34 o que queres tu dizer? o velho apicultor falou em voz baixa. gra�as a mim, ele evadiu-se. em pleno deserto! n�o sobreviver� mais de dois dias. que direc��o tomou? o primeiro curso de �gua, a colina, o palmar, a fonte, o planalto rochoso e, depois, sempre a direito em direc��o ao vale! se tem a alma bem pregada ao corpo, h�-de l� chegar. paser n�o tem qualquer resist�ncia. vai depressa procur�-lo; prometeu inocentar-me. n�o ser�s tu, por acaso, um ladr�o? nem por isso, e bastante menos do que outros. quero cuidar das minhas colmeias, e que o teu juiz me leve de volta a casa.
#cap�Tulo 6 mentmos� recebeu o de�o do p�rtico na sua sala de armas, onde tinha em exposi��o escudos, espadas e trofeus de ca�a. c�nico, de nariz pontiagudo e voz roufenha, o chefe da pol�cia era completamente calvo e tinha o cr�nio um pouco avermelhado devido �s erup��es cut�neas que frequentemente o afligiam. corpulento, fazia regime para preservar uma certa eleg�ncia. presen�a ass�dua nas grandes recep��es, dotado de um vasto leque de amizades, homem prudente e h�bil, mentmos� reinava sem restri��es sobre as diferentes corpora��es da pol�cia. ningu�m podia apontar-lhe o m�nimo erro; e velava pela sua reputa��o de alto dignit�rio intoc�vel com o maior zelo. visita de cortesia, meu caro de�o? discreta, como gostas. � a garantia de uma carreira longa e tranquila, n�o � verdade? quando prendi paser secretamente, impus uma condi��o. falha-me a mem�ria. teres de revelar o m�bil do crime. n�o te esque�as de que surpreendi paser em flagrante delito. por que raz�o teria ele matado o seu mestre, um s�bio que viria a ser o sumosacerdote de carnaque e, consequentemente, o seu melhor apoio? inveja ou tolice. n�o me tomes por um pobre de esp�rito. #36 mas por que te preocupas tanto com o m�bil? livr�mo-nos de paser, � o que importa. est�s seguro da sua culpabilidade? eu repito.- ele estava debru�ado sobre o corpo de branir quando o interceptei. no meu lugar, que conclus�es terias tirado? mas qual o m�bil? at� tu o admitiste: um processo seria bastante prejudicial. o pa�s deve respeitar os seus juizes e ter confian�a neles. paser gosta de esc�ndalos. o seu mestre branir deve ter certamente tentado acalm�-lo, mas ele exaltou-se e agrediu-o. qualquer j�ri o condenaria � morte. n�s fomos at� muito generosos com ele, visto que salvaguard�mos a sua reputa��o. oficialmente, morreu no desempenho de uma miss�o. n�o te parece a solu��o mais satisfat�ria, tanto para ele como para n�s? suti conhece a verdade. como... kem obrigou n�bamon, o m�dico-chefe, a falar. suti sabe que paser est� vivo e eu consenti que lhe revelassem o lugar onde est� detido.
o de�o do p�rtico ficou estupefacto com a c�lera do chefe da pol�cia. mentmos� era considerado um homem ponderado. insensato, completamente insensato! tu, o mais alto magistrado da cidade, inclinares-te perante um soldado exonerado! kem e suti n�o podem fazer absolutamente nada. est�s a esquecer-te do depoimento escrito de n�bamon. as confiss�es obtidas sob tortura n�o t�m qualquer valor. mas estas foram datadas e assinadas bem antes disso. destr�i-as. kem pediu ao m�dico-chefe que redigisse uma c�pia, autenticada por dois servidores seus. a inoc�ncia de paser est� estabelecida. durante as horas que precederam o crime, ele esteve a trabalhar no seu escrit�rio. os testemunhos comprov�-lo-�o; eu j� verifiquei. admitamos que sim... mas por que raz�o revelaste o local onde o escondemos? nada nos obrigava a isso. para poder ficar em paz comigo mesmo. com a tua experi�ncia, e na tua idade, tu... justamente na minha idade. o juiz dos mortos pode chamar-me a qualquer momento. e, no caso de paser, eu tra� o esp�rito da lei. #37 tomaste o partido do egipto, sem te preocupares com os privil�gios de um indiv�duo. o teu discurso j� n�o me ilude, mentmos�. vais abandonar-me? se paser voltar... morre-se muito na pris�o. h� j� algum tempo que suti ouvira o galope dos cavalos. vinham de leste, eram dois e aproximavam-se a grande velocidade. eram bedu�nos que andavam em pilhagem, � procura de uma presa f�cil. suti esperou que eles se aproximassem um pouco mais, esticou o arco, fincou um joelho em terra e fez pontaria para o da esquerda. atingido no ombro, o homem caiu de costas. o seu companheiro precipitou-se em direc��o ao agressor. suti fez novamente pontaria. a flecha atingiu o segundo n�mada na coxa. o bedu�no, soltando um grito de dor, perdeu o controlo da montada e caiu violentamente sobre um rochedo, perdendo os sentidos. os dois cavalos ficaram
desnorteados. suti encostou a ponta da espada de dois gumes � garganta do n�mada cambaleante, que tinha acabado de se levantar. de onde vens? da tribo dos corredores da areia. onde fica o teu acampamento? atr�s das rochas negras. capturaram algum eg�pcio nestes �ltimos dias? captur�mos um desvairado que se julga juiz. e como � que o t�m tratado? est� a ser interrogado pelo chefe da tribo. suti saltou para o dorso do cavalo mais robusto e agarrou o outro pelas r�deas rudimentares que os bedu�nos utilizavam. os dois feridos que se salvassem como pudessem. os cavalos enveredaram por um carreiro bordado de seixos, que se tornava cada vez mais abrupto; resfolegando, e com a manta que #38 os cobria completamente suada, atingiram o cume de uma colina de pequenos rochedos irregulares. o local era sinistro. entre as rochas enegrecidas, crestadas pelo sol, cavavam-se bacias onde a areia rodopiava, evocando os caldeir�es do inferno onde os danados eram mergulhados de cabe�a, para baixo. ao fundo da ladeira ficava o acampamento n�mada. a tenda mais alta e mais colorida devia ser a do chefe. havia cavalos e cabras dentro de uma cerca. duas sentinelas, uma a sul outra a norte, vigiavam as redondezas. contrariamente �s leis da guerra, suti esperou o cair da noite. os bedu�nos, que se entregavam � invas�o das terras inimigas, destruindo e saqueando, n�o mereciam qualquer considera��o. o eg�pcio rastejou em sil�ncio, palmo a palmo, e s� se levantou quando se acercou da sentinela do posto sul, que matou com um golpe certeiro nas v�rtebras cervicais. os da tribo dos corredores da areia trilhavam ininterruptamente o deserto � procura de uma presa, por mais pequena que fosse, apesar de haver poucos em cada acampamento. suti esgueirou-se at� � tenda do chefe, onde entrou sorrateiramente por uma abertura oval que lhe servia de porta. tenso, concentrado, sentia-se prestes a usar toda a viol�ncia de que era capaz.
ficou, por�m, estupefacto ao contemplar um espect�culo inesperado. o chefe bedu�no, reclinado sobre almofadas, ouvia atentamente o discurso de paser, sentado � escriba. o juiz parecia livre de executar qualquer movimento. o bedu�no levantou-se. suti atirou-se imediatamente para cima dele. n�o o mates gritou paser. come��vamos a entender-nos. suti atirou o advers�rio para cima das almofadas. interroguei o chefe sobre os seus costumes explicou paser e tentei demonstrar-lhe que estava errado. ficou admirado com a minha recusa em me tornar seu escravo, mesmo sabendo que com essa atitude arriscava a pr�pria vida. e, agora, queria saber como funciona a nossa justi�a... #39 quando deixasses de lhe interessar, amarrava-te � cauda de um cavalo e serias arrastado sobre pedras cortantes que te dilacerariam. como me encontraste? da mesma forma que te perdi. suti amarrou e amorda�ou o bedu�no. temos de sair daqui o mais depressa poss�vel. est�o dois cavalos � nossa espera no alto da colina. para qu�? n�o posso regressar ao egipto. vem comigo, em vez de dizeres parvo�ces. n�o terei for�as para tal. tu as encontrar�s quando souberes que est�s ilibado e n�f�ret se impacienta com a tua aus�ncia. #cap�TUlo 7 o de�o do p�rtico n�o ousava sequer encarar o juiz paser. est�s livre declarou, num tom arrogante. o de�o j� estava � espera de uma dura censura e uma acusa��o devidamente elaborada. contudo, paser limitou-se a olh�-lo demoradamente. evidentemente que a queixa � anulada. quanto ao resto, pe�o-te um pouco de paci�ncia... vou tratar de regularizar o mais rapidamente poss�vel a tua situa��o. e o chefe da pol�cia? pede imensa desculpa. est�vamos os dois enganados. e n�bamon? o m�dico-chefe n�o � propriamente culpado. tratou-se de uma simples neglig�ncia administrativa... foste v�tima de um infeliz conjunto de circunst�ncias, meu caro paser. se quiseres apresentar queixa...
vou reflectir sobre o assunto. por vezes � necess�rio saber perdoar... - devolve-me o meu posto o mais rapidamente poss�vel. os olhos azuis de n�f�ret assemelhavam-se a duas pedras preciosas nascidas no cora��o das montanhas do ouro, no pa�s dos deuses; ao pesco�o, uma turquesa protegia-a dos malef�cios. envergava um vestido longo, de linho branco, com al�as, que delineava a sua silhueta perfeita. #42 ao aproximar-se, o juiz aspirou os perfumes de l�tus e jasmim que aromatizavam a sua pele acetinada. tomou-a nos bra�os e assim permaneceram, sem conseguirem articular uma palavra, durante longos minutos. ainda me amas um pouco? n�f�ret afastou-se para olhar melhor para ele. era orgulhoso, apaixonado, um pouco louco, jovem e velho ao mesmo tempo, sem beleza aparente, fr�gil, mas en�rgico. aqueles que o julgavam fraco e f�cil de abater estavam redondamente enganados. apesar do seu ar severo, da fronte alta e austera e do seu car�cter exigente, a felicidade seduzia-o. nunca mais quero separar-me de ti. apertou-a contra o peito. a vida tinha agora um novo sabor, pujante como o jovem nilo. uma vida, por�m, t�o pr�xima da morte, naquela imensa necr�pole de saqqarah onde paser e n�f�ret caminhavam de m�os dadas, lentamente. queriam ir prestar,� sem mais demora, uma �ltima homenagem ao t�mulo de branir, o seu mestre assassinado. afinal, n�o fora ele quem transmitira os segredos da medicina a n�f�ret e encorajara paser a concretizar a sua voca��o? entraram na sala de mumifica��o, onde dju�, sentado no ch�o e encostado a uma parede caiada de branco, comia carne de porco com lentilhas, apesar de o consumo dessa carne ser interdito durante os per�odos de maior calor. n�o tendo sido circuncidado, o mumificador n�o fazia caso das prescri��es religiosas; de rosto comprido, sobrancelhas espessas e negras, unidas sobre o nariz, l�bios finos privados de sangue, m�os intermin�veis e pernas esguias, vivia num mundo � parte dos mortais. sobre a mesa de embalsamamento jazia a m�mia de um homem idoso em que dju� tinha acabado de fazer uma incis�o no flanco com uma faca de obsidiana. estou a reconhecer-te disse, erguendo os olhos na direc��o de paser. �s o juiz que fez o inqu�rito sobre a morte dos veteranos. mumificaste branir? � esse o meu of�cio. n�o notaste nada de anormal?
n�o. veio algu�m visitar o t�mulo? #43 depois da inuma��o n�o veio c� ningu�m; s� o sacerdote encarregado do servi�o f�nebre entrou no templo. paser ficou desapontado. esperava que o assassino, atormentado pelo remorso, tivesse vindo implorar o perd�o da v�tima, para evitar a puni��o do al�m. mas nem mesmo essa amea�a o assustava. o inqu�rito chegou a alguma conclus�o? a seu tempo chegar�. o mumificador, indiferente, cravou os dentes num naco de carne de porco. a pir�mide em degraus dominava a paisagem desde o come�o dos tempos. uma grande quantidade de t�mulos estavam orientados na sua direc��o, de forma a participarem da imortalidade do fara� Dj�ser, cuja sombra imensa subia e descia todos os dias a gigantesca escadaria de pedra. geralmente, escultores, gravadores de hier�glifos e desenhadores davam vida a in�meras obras; aqui cavava-se um jazigo; ali restaurava-se um outro. filas de trabalhadores puxavam zorras de madeira carregadas de blocos de calc�rio ou granito, enquanto os aguadeiros matavam a sede aos trabalhadores. nesse dia de festa, em que se venerava imotep, o mestre de obras da pir�mide em degraus, o local estava deserto. paser e n�f�ret passeavam entre fiadas de t�mulos datados das primeiras dinastias, zelosamente conservados por um dos filhos de rams�s, o grande. quando o seu olhar pousava nos nomes dos defuntos, escritos em hier�glifos, trazia-os de novo � vida, ultrapassando a barreira do tempo. o poder da palavra superava o poder da morte. a sepultura de branir, pr�ximo da pir�mide em degraus, tinha sido constru�da com bonita pedra branca proveniente da pedreira de turah. o acesso ao po�o funer�rio que conduzia �s c�maras subterr�neas onde repousava a m�mia tinha sido obstru�do por uma enorme laje, ao passo que a capela permanecia aberta aos vivos que viessem banquetear-se em companhia da est�tua e das representa��es do defunto, carregadas da sua energia imperec�vel. #44 o escultor tinha criado uma magn�fica ef�gie de branir, imortalizando-o com o aspecto de um homem idoso, de rosto sereno e grande robustez. o texto principal, escrito em linhas horizontais sobrepostas, desejava ao ressuscitado as boas-vindas no belo ocidente; depois de uma longa viagem, ele estava agora junto dos seus irm�os, os deuses, alimentava-se de estrelas e purificava-se com �gua do oceano primordial. guiado pelo seu cora��o, trilhava os caminhos perfeitos da eternidade. paser leu em voz alta a dedicat�ria destinada ao h�spede do t�mulo: vivos que
andais na terra e passais por este sepulcro, que amais a vida e odiais a morte, pronunciai o meu nome para que eu viva, dizei por minha inten��o a prece da oferenda. hei-de descobrir o assassino prometeu paser. n�f�ret tinha sonhado com uma felicidade serena, longe dos conflitos e das ambi��es; mas o seu amor nascera na tormenta, e nem paser nem ela pr�pria poderiam ter paz enquanto n�o descobrissem a verdade. quando as trevas foram vencidas, a terra resplandeceu de luz. as �rvores e as ervas reverdesceram, os p�ssaros sa�ram dos ninhos, os peixes saltaram das �guas, os barcos subiram e desceram o rio. paser e n�f�ret sa�ram da capela cujos baixosrelevos reflectiam a luz t�nue da aurora. tinham passado a noite junto da alma de branir, sentindo-a pr�xima, vibrante e calorosa. jamais se separariam dele. terminada a festa, os art�fices regressaram ao local. os sacerdotes celebravam os ritos matinais, para perpetuar a mem�ria dos desaparecidos. paser e n�f�ret seguiram ao longo do caminho coberto do rei unas, que terminava num templo situado num n�vel inferior, e sentaram-se � sombra das palmeiras, na orla dos campos cultivados. uma menina sorridente trouxe-lhes t�maras, p�o fresco e leite. pod�amos ficar aqui para sempre, esquecer os crimes, a justi�a e os homens. tornaste-te num sonhador, juiz paser? #45 quiseram livrar-se de mim da maneira mais vil poss�vel e n�o v�o desistir. ser� sensato empreender uma guerra perdida � partida? por branir, pelo esp�rito que veneramos, temos o dever de lutar sem pensar em n�s mesmos. n�o passo de um juiz insignificante que a hierarquia colocar� nos confins da mais long�nqua prov�ncia. v�o destruir-me sem d� nem piedade. e n�o tens medo? falta-me a coragem. a pris�o foi uma prova aterradora. n�f�ret encostou a cabe�a ao ombro de paser. agora, estamos juntos. n�o perdeste a tua for�a; sei-o, sinto-o. um doce calor invadiu paser. o sofrimento abrandou, a fadiga atenuou-se. n�f�ret tinha poderes m�gicos. todos os dias, durante um m�s, vais beber �gua recolhida num recipiente de cobre. � um rem�dio eficaz contra a fraqueza e o desespero. quem poderia ter-me armado esta cilada, sen�o aquele que sabia que, em breve, branir seria o sumo-sacerdote de carnaque e, como tal, o nosso mais fiel aliado? a quem confiaste os teus segredos?
ao teu perseguidor, o m�dico-chefe n�bamon, para o impressionar. n�bamon... n�bamon possu�a a prova da tua inoc�ncia e obrigava-me a casar com ele! cometi um erro terr�vel. ao revelar-lhe a nomea��o de branir, ele decidiu matar dois coelhos de uma cajadada: eliminar branir e acusar-me do crime. uma ruga sulcou a testa de paser. ele n�o � o �nico poss�vel culpado. uma vez que foi mentmos�, o chefe da pol�cia, quem me prendeu, tinha for�osamente de estar combinado com o de�o do p�rtico. a pol�cia e a magistratura aliadas no crime... um conluio, n�f�ret, um conluio que reuniu homens de poder e influ�ncia. branir e eu torn�mo-nos inc�modos, pois eu tinha reunido ind�cios decisivos e ele ter-me-ia permitido levar o inqu�rito at� ao fim. por que raz�o � que a guarda de honra da esfinge foi exterminada? eis uma quest�o a que devo responder. #46 n�o te estar�s a esquecer do qu�mico ch�chi, do roubo do ferro celeste e de asher, o general traidor? sinto-me incapaz de estabelecer qualquer liga��o entre os suspeitos e os delitos cometidos. acima de tudo, preocupemo-nos com a mem�ria de branir. suti tinha querido festejar cond�gnamente o regresso do seu amigo paser, convidando o juiz e a mulher para jantarem com ele numa taberna respeit�vel de m�nfis, onde serviam um vinho tinto da colheita do ano um de rams�s, borrego grelhado de primeira qualidade, legumes com um molho especial e bolos inesquec�veis. transbordante de alegria, tentara faz�-los esquecer durante algumas horas o assassinato de branir. de volta a casa, a cambalear e com a cabe�a a andar � roda, foi de encontro a pantera. a l�bia de cabelos loiros agarrou-o pelos cabelos. de onde vens? da pris�o. meio b�bado? meio, n�o, completamente; mas paser est� s�o e salvo. e eu? ent�o, comigo n�o te preocupas? suti agarrou-a pela cintura e levantou-a do ch�o, colando-a ao seu corpo. voltei, n�o � milagre suficiente? nem dei pela tua falta.
mentes. os nossos corpos ainda t�m muitos segredos por revelar. deitou-a docemente na cama, levantou-lhe o vestido curto com a delicadeza de um velho amante, e penetrou-a com um arrebatamento de adolescente. pantera gritou de prazer, incapaz de resistir � investida que tanto desejava. quando estavam a descansar, lado a lado, ofegantes e em �xtase, ela pousou a m�o no peito de suti. tinha prometido trair-te durante a tua aus�ncia. e foste bem sucedida? #47 nunca o saber�s. a d�vida far-te-� sofrer. n�o te iludas. para mim s� contam o instante que passa e o prazer. �s um monstro! tens raz�o de queixa? vais continuar a ajudar o juiz paser? claro, fizemos um pacto de sangue. continua decidido vingar-se? antes de ser homem, ele � juiz. a verdade pesa mais que os seus sentimentos. pelo menos desta vez, d� ouvidos ao que te digo. n�o o encorajes e, se ele persistir, afasta-te. por que raz�o me fazes esse aviso? est�s a incomodar gente muito importante. que percebes tu disso? � s� um pressentimento. est�s a esconder-me alguma coisa? haver� mulher capaz de te enganar? o gabinete do chefe da pol�cia parecia uma colmeia fervilhante de zumbidos. mentmos� n�o parava de andar de um lado para o outro, dando por vezes ordens contradit�rias, apressando os empregados, para transportarem os rolos de papiro, as tabuinhas de madeira e qualquer arquivo que se tivesse acumulado ap�s a sua entrada ao servi�o. de olhar febril, mentmos� co�ava a cabe�a calva e praguejava contra a lentid�o da sua pr�pria administra��o. no momento em que saiu � rua para verificar o carregamento de uma galera, viu-se subitamente frente a frente com o juiz paser.
meu caro juiz... est�s a olhar para mim como se eu fosse um fantasma. que ideia! espero que a tua sa�de... ficou um pouco abalada com a estada na pris�o, mas a minha mulher tratar� de me restabelecer rapidamente. vais mudar de instala��es? #48 os servi�os de irriga��o previram uma grande cheia. devo tomar as minhas precau��es. n�o me parece que este bairro v� ficar inundado. o seguro morreu de velho. onde te vais instalar? bem... em minha casa; coisa provis�ria, claro. coisa sobretudo ilegal. o de�o do p�rtico foi consultado? o nosso querido de�o est� muito cansado. teria sido inconveniente ir importun�lo. n�o achas que devias suspender essa transfer�ncia de relat�rios? a voz de mentmos� tornou-se roufenha e estridente. talvez estejas inocente do crime de que �s acusado, mas a tua posi��o � ainda incerta e n�o te autoriza a dares-me ordens. tens raz�o. em contrapartida, a tua obriga-te a ajudares-me. os olhos do chefe da pol�cia semicerraram-se como os de um gato. que queres tu, afinal? examinar de perto a agulha de madrep�rola que matou branir. mentmos� co�ou a cabe�a. a meio da mudan�a... n�o se trata dos arquivos, mas de uma prova do crime, que, como tal, deve estar apensa ao processo com a mensagem que me traiu: �branir corre perigo, vem depressa.� os meus homens n�o encontraram nada. e a agulha? espera um momento. o chefe da pol�cia eclipsou-se. a agita��o acalmou. os carregadores de papiros pousaram a carga nas prateleiras e
retomaram o f�lego. passados cerca de dez minutos, mentmos� reapareceu. estava perplexo. a agulha desapareceu. #cap�TUlo 8 assim que paser come�ou a beber a �gua medicinal contida dentro da copela de cobre, bravo mendigou a sua parte. sentado nas patas traseiras, com a longa cauda enrolada, as grandes orelhas ca�das, para s� arrebitarem � hora da refei��o, e trazendo ao pesco�o uma coleira de couro cor-de-rosa e branca onde se podia ler: �bravo, companheiro de paser�, o c�o lambeu o l�quido ben�fico, logo seguido do burro, que dava pelo nome de vento do norte. diabrete, a sagui de n�f�ret, saltou para o dorso do burro, puxou a cauda ao c�o e refugiou-se atr�s da dona. como posso eu restabelecer-me nestas condi��es? n�o te queixes, juiz paser. tens o privil�gio de teres em casa uma m�dica conscienciosa, permanentemente ao teu lado. paser beijou-a no pesco�o, precisamente no s�tio que a fazia arrepiar-se toda. mas n�f�ret encheu-se de coragem e repeliu-o. a carta. paser sentou-se � escriba e desenrolou sobre os joelhos um papiro da melhor qualidade com cerca de vinte cent�metros de largura. dada a import�ncia da mensagem, escreveria somente no rosto do documento. � sua esquerda, a parte enrolada; � direita, a extremidade desenrolada. para dar um car�cter respeit�vel ao texto, disp�-lo em linhas verticais separadas por um tra�o bem aprumado, desenhado os hier�glifos com a sua melhor tinta e um c�lamo cuja ponta tinha sido afiada com perfei��o. a m�o estava absolutamente firme. #50 para o vizir bagey, da parte do juiz paser. possam os deuses proteger o vizir, ra ilumin�-lo com os seus raios, �mon preservar a sua integridade, ptah dar-lhe coer�ncia. espero que o vizir se encontre de boa sa�de e a prosperidade lhe n�o seja usurpada. se a ele recorro, na minha qualidade de magistrado, � com o intuito de o informar de factos da maior gravidade. n�o s� fui acusado injustamente do assassinato do s�bio branir e deportado para um campo de degredo, como, tamb�m, a arma do crime desapareceu enquanto estava na posse de mentmos�, o chefe da pol�cia. como mero juiz de bairro creio ter posto em evid�ncia o comportamento suspeito do general asher e demonstrado que os cinco veteranos encarregados da guarda de honra da esfinge desapareceram sem deixar rasto.
pessoalmente, penso que a pr�pria justi�a foi ridicularizada. tentaram desembara�ar-se de mim com a cumplicidade do chefe da pol�cia e do de�o do p�rtico, com o intuito de travarem o meu inqu�rito e protegerem os conspiradores, cujo objectivo ignoro. n�o me importa a minha sorte, mas quero identificar o, ou, os culpados pela morte do meu mestre. que me seja ainda permitido expressar a minha apreens�o pelo futuro do pa�s; se tantas mortes atrozes permanecerem impunes, n�o ser�o o crime e a mentira, dentro em breve, os novos guias do povo? somente o vizir tem poder para arrancar as ra�zes do mal. por esta raz�o, solicito a sua interven��o, sob o olhar vigilante dos deuses, e juro sobre a regra a veracidade dos meus prop�sitos. paser datou e ap�s o seu sinete � carta, enrolou o papiro, atou-o e fechou-o com um cunho de argila; inscreveu nele o seu nome e o do destinat�rio; e, em menos de uma hora, entregou-o ao empregado dos correios que nesse mesmo dia o entregaria no gabinete do vizir. o juiz levantou-se, inquieto. esta carta pode significar o nosso ex�lio. tem confian�a. a reputa��o do vizir n�o � infundada. se nos enganarmos, ficaremos separados para sempre. de modo nenhum, pois partirei contigo. #51 n�o havia ningu�m no pequeno jardim. encontrando aberta a porta da casinha caiada de branco, paser entrou. nem suti nem pantera estavam em casa, apesar do adiantado da hora. como faltava pouco para o p�r do sol, talvez os amantes se tivessem ido sentar debaixo do caramanch�o, junto ao po�o, a apanhar o fresco da tarde. paser, intrigado, atravessou a sala principal. finalmente, ouviu ru�dos. n�o provinham do quarto, mas da cozinha ao ar livre, situada nas traseiras da casa. sem d�vida alguma, pantera e suti estavam a trabalhar! a l�bia de cabelos loiros fabricava manteiga, que conservava na parte mais fresca da cave, � qual misturava alforba e alcaravia, sem lhe adicionar �gua nem sal para n�o escurecer. suti fazia cerveja. com farinha de cevada mo�da e amassada, tinha feito uma pasta que cozera superficialmente em formas dispostas � volta de uma lareira. os p�es assim obtidos eram depois postos a macerar numa �gua a�ucarada com t�maras; ap�s a fermenta��o, era necess�rio mexer e filtrar o l�quido e depois transvaz�-lo para uma bilha de barro vidrado, indispens�vel � conserva��o da bebida. tr�s bilhas foram introduzidas nos buracos de uma t�bua colocada sobre tacos e
fechadas com um rolh�o de limos secos. vais dedicar-te ao artesanato? perguntou paser. suti voltou-se. nem te ouvi chegar! pois �, a pantera e eu decidimos fazer fortuna. ela fabricar� manteiga, e eu cerveja. irritada, a l�bia empurrou o bloco de gordura para o lado, limpou as m�os a um pano escuro e desapareceu sem cumprimentar o juiz. n�o lhe ligues, � o mau g�nio. esque�amos a manteiga. felizmente, h� cerveja! ora prova l� isto. suti retirou a bilha maior do buraco, tirou a rolha e introduziu um tubo ligado a um filtro para n�o deixar passar sen�o o l�quido e reter as part�culas de massa flutuantes. paser bebeu um gole, mas parou de imediato. que azedo! azedo como? segui a receita � risca. #52 suti tamb�m bebeu, e cuspiu. est� horr�vel! vou abandonar o fabrico de cerveja; n�o � of�cio para mim. como v�o as coisas? escrevi ao vizir. � muito arriscado. mas indispens�vel. olha que se fores preso outra vez, n�o vais resistir. a justi�a triunfar�. a tua credulidade � comovente. o vizir bagey ter� de agir. por que raz�o n�o poder� ele ser tamb�m corrupto e estar comprometido, tal como o chefe da pol�cia e o de�o do p�rtico? porque ele � o vizir bagey. esse velho carcomido � inacess�vel a qualquer forma de sentimento. ele privilegiar� os interesses do egipto. que os deuses te oi�am! esta noite, revivi o momento de pavor em que vi a agulha de madrep�rola cravada no pesco�o de branir. trata-se de um objecto precioso, de custo muito elevado, que somente uma m�o h�bil pode manejar.
tens alguma pista? simples intui��o, talvez desprovida de interesse. aceitarias fazer uma visita � principal tecelagem de m�nfis? eu, de novo em miss�o? parece-me que l� as mulheres s�o muito bonitas. n�o me digas que tens medo de l� ir? � que a tecelagem fica fora da minha jurisdi��o, e um passo em falso desse calibre seria proveitoso para mentmos�. sendo monop�lio real, a tecelagem empregava um grande n�mero de homens e mulheres, que trabalhavam em teares de li�os baixos, constitu�dos por dois cilindros sobre os quais se enrolavam os fios da urdidura, e teares de li�os altos, formados por um quadro rectangular #53 colocado verticalmente, em que o fio da urdidura se ia enrolando num cilindro superior, e a pe�a tecida num cilindro inferior. certos tecidos ultrapassam os vinte metros de comprimento, podendo a altura variar entre um metro e vinte e um metro e oitenta. suti observou um tecel�o, com os joelhos encostados ao peito, que rematava um gal�o para a t�nica de um nobre; fixou em primeiro lugar a aten��o nas raparigas que torciam e enrolavam num novelo as fibras de linho curtido. outras raparigas, n�o menos sedutoras, dispunham uma urdidura sobre o cilindro superior de um tear horizontal, antes de entrecruzarem duas s�ries de fios esticados. uma fiandeira utilizava um fuso com um disco de madeira, que manejava com espantosa destreza. suti n�o passou despercebido; o seu rosto esguio, o olhar discreto, os longos cabelos negros e um andar marcado pela for�a e pela eleg�ncia, deixavam poucas mulheres indiferentes. que desejas? perguntou a fiandeira, que molhava as fibras de forma a obter um fio fino e resistente. gostaria de falar com o director da tecelagem. a senhora tapeni s� recebe visitas com recomenda��o do pal�cio. nunca abre excep��es? murmurou suti. impressionada, a fiandeira abandonou o trabalho. vou ver. a tecelagem era ampla e muito limpa. a inspec��o do trabalho assim o exigia. a luz penetrava por clarab�ias rectangulares abertas no telhado plano, e a circula��o
de ar era obtida gra�as a uma s�bia disposi��o de lucarnas oblongas. no inverno era quente e, no ver�o, fresca. os oper�rios especializados, com v�rios anos de experi�ncia, recebiam sal�rios elevados, sem discrimina��o entre homens e mulheres. no momento em que suti sorria a uma tecel�, a fiandeira reapareceu. vem comigo. a senhora tapeni, cujo nome significava �a ratinha�, estava sentada numa sala imensa cheia de teares, correntes, lan�adeiras, agulhas, fusos e demais instrumentos necess�rios � pr�tica da sua arte. pequena, de longos cabelos negros, olhos verdes, tez morena e aspecto jovial, #54 dirigia os oper�rios com pulso militar. a sua do�ura aparente escondia um autoritarismo muitas vezes marcante. todavia, os produtos que sa�am da sua tecelagem eram de uma beleza tal que nenhum defeito se lhes podia apontar. celibat�ria aos trinta anos, tapeni s� pensava no seu of�cio. fam�lia e filhos apareciam-lhe como obst�culos ao progresso da sua carreira. mal deparou com suti, sentiu o medo apoderar-se dela. medo de se apaixonar estupidamente por um homem a quem bastava aparecer diante de uma mulher para a seduzir. o seu receio transformou-se imediatamente num outro sentimento, deveras excitante: a atrac��o irresist�vel da ca�adora pela sua presa. a sua voz tornou-se af�vel. em que posso ser-te �til? trata-se de um assunto privado. tapeni dispensou os seus ajudantes. o perfume do mist�rio fazia aumentar a sua curiosidade. estamos s�s. suti deu uma volta pela sala e parou diante de uma fiada de agulhas de madrep�rola dispostas sobre uma tabuinha coberta com pano. s�o soberbas. quem est� autorizado a utiliz�-las? interessas-te pelos segredos do of�cio? apaixonam-me. �s inspector do pal�cio? est� descansada, procuro apenas uma pessoa que utilizou este tipo de agulhas. uma amante atrai�oada. quem sabe? os homens tamb�m as usam. espero que n�o sejas...
que as tuas d�vidas sejam dissipadas. como te chamas? suti. profiss�o? viajo muito. mercador e um pouco espi�o... �s muito atraente. e tu �s deslumbrante. #55 achas? tapeni correu a pe�a de madeira que fazia de ferrolho. � poss�vel encontrar este tipo de agulhas em qualquer tecelagem? s� nas grandes tecelagens. ent�o a lista de utilizadores � limitada. certamente. tapeni aproximou-se dele e tocou-lhe nos ombros. �s forte. deves ser um grande lutador. sou um her�i. concordas em dar-me os nomes? talvez. est�s assim com tanta pressa? identificar o propriet�rio de uma agulha como aquela... cala-te, falaremos mais tarde. aceito ajudar-te, mas com a condi��o de seres meigo, muito meigo... tapeni pousou os seus l�bios nos de suti, que, ap�s uma breve hesita��o, se viu obrigado a corresponder ao convite. a delicadeza e o sentido de reciprocidade contavam entre os valores mais intang�veis da civiliza��o. nunca recusar um presente era ponto de honra para suti. a senhora tapeni untou o sexo do amante com uma pomada � base de sementes de ac�cia mo�das e mel; assim, e uma vez o esperma esterilizado, desfrutaria com toda a tranquilidade daquele magn�fico corpo de homem, esquecendo o barulho dos teares no seu eterno vaiv�m e as recrimina��es dos trabalhadores. �fazer inqu�ritos por conta de paser n�o traz sen�o perigos�, pensou suti. #cap�TUlo 9
o juiz paser e kem, o pol�cia n�bio, abra�aram-se. o colosso negro estava acompanhado do seu babu�no, cujo olhar inquiridor assustava os transeuntes. comovido quase at� �s l�grimas, o n�bio apalpou a pr�tese de madeira que substitu�a o nariz mutilado. n�f�ret contou-me tudo. se estou livre, devo-o a voc�s dois. o babu�no mostrou-se persuasivo. h� not�cias de n�bamon? est� a descansar na casa de campo. vai retomar a ofensiva. quem duvida disso? mas vai mostrar-se mais prudente contigo. se ainda for juiz. escrevi ao vizir: ou se ocupa do inqu�rito e me confirma nas fun��es, ou vai julgar o meu pedido insolente e inadmiss�vel. corado, bochechudo, com os bra�os carregados de papiros, o escriv�o larrot entrou no gabinete do juiz. eis o que fiz na tua aus�ncia! devo retomar o trabalho? ignoro o que o futuro me reserva, mas detesto que os processos fiquem parados. como n�o mo proibiram, coloco-lhes o meu sinete. como vai a tua filha? teve um princ�pio de sarampo e envolveu-se numa zaragata com um rapazito odioso que a arranhou na cara. apresentei queixa contra os pais. por sorte, dan�a cada vez melhor. mas a minha mulher... que harpia! sempre a resmungar, larrot arrumou os papiros nos respectivos lugares. #58 at� o vizir me dar uma resposta, n�o saio deste escrit�rio. vou dar uma volta para os lados da casa de n�bamon disse o n�bio. n�f�ret e paser tinham decidido n�o ir viver para a casa de branir, pois onde a desgra�a tinha grassado, jamais algu�m devia morar. contentar-se-iam com a pequena resid�ncia oficial, da qual, metade estava ocupada com os arquivos do juiz. se fossem ali apanhados, voltariam para a regi�o de tebas. n�f�ret levantava-se mais cedo do que paser, que gostava de trabalhar at� tarde. depois de se lavar e pintar, dava de comer ao c�o, ao burro e � sagu�. bravo, que tinha uma pequena infec��o numa pata, era tratado com lodo do nilo, cujas virtudes desinfectantes eram bem conhecidas pela sua rapidez e efic�cia. a jovem pousava a maleta dos medicamentos na garupa de vento do norte e, com um sentido inato de orienta��o, o burro levava-a pelas vielas do bairro, onde os doentes aguardavam a sua interven��o. como retribui��o, enchiam-lhe com os mais variados alimentos as cangalhas que o burro transportava com evidente satisfa��o. n�o havia bairros separados para ricos e pobres. nas mesmas ruelas buli�osas, por
onde circulavam pessoas e animais, coexistiam pequenas casas de adobes encimadas por terra�os sombreados de �rvores e grandes casas rodeadas de magn�ficos jardins. as pessoas trocavam insultos, regateavam, riam-se; mas n�f�ret n�o tinha tempo nem para tert�lias nem para alegrias. depois de tr�s dias de luta incerta, conseguira finalmente expulsar uma febre maligna do corpo de uma menina que os dem�nios da noite tinham invadido. a pequena enferma j� podia chupar o leite da ama conservado numa garrafa em forma de hipop�tamo, o ritmo do seu cora��ozinho voltara ao normal, e as pulsa��es eram regulares. n�f�ret colocou � volta do pesco�o da beb� um colar de flores, e nas orelhas umas argolas leves; o sorriso da paciente foi a melhor das recompensas. quando voltou para casa, extenuada, suti discutia com paser. falei com a senhora tapeni, a directora da principal tecelagem de m�nfis. #59 com bons resultados? aceitou ajudar-me. alguma pista importante? ainda n�o. in�meras pessoas podem ter utilizado este tipo de agulha. paser baixou os olhos. diz-me suti... essa tal senhora tapeni � bonita? n�o � desagrad�vel de todo. e este primeiro contacto foi s�... amig�vel? a senhora tapeni � uma mulher independente e afectuosa. n�f�ret perfumou-se e deu-lhes de beber. esta cerveja n�o tem qualquer tipo de riscos disse paser. se calhar, n�o se pode dizer o mesmo da tua liga��o com tapeni. est�s a pensar na pantera? ela vai compreender a necessidade deste inqu�rito. suti beijou n�f�ret nas duas faces. voc�s n�o se esque�am de que eu sou um her�i. denes, o rico transportador altamente reputado, gostava de repousar na sala da sua sumptuosa casa de m�nfis. nas paredes, flores de l�tus; no ch�o, lousas coloridas, evocando peixes a brincarem num lago. dispersos sobre mesas redondas, uma boa dezena de cestos repletos de rom�s e cachos de uvas. quando regressava das docas, onde controlava a partida e a chegada dos seus barcos, denes gostava de saborear coalhada com sal e de beber �gua mantida fresca numa bilha de barro. estava reclinado sobre almofadas, uma serva massajava-o e o seu barbeiro privativo barbeava-o, aparando-lhe os p�los da barba branca. de rosto quadrado e carrancudo, denes parou
de dar ordens quando a mulher, n�nofar, se intrometeu; opulenta e majestosa, vestida na �ltima moda, era dona de tr�s quartos da fortuna do casal. como tal, denes achava sempre prefer�vel ceder durante as frequentes desaven�as do casal. nessa tarde, nenhuma zanga se desenhava no horizonte. denes estava com dores de cabe�a e nem ouvia o discurso inflamado de n�nofar, vociferando contra o fisco, o calor e as moscas. #60 quando o servo mandou entrar o dentista qadash, denes levantou-se e cumprimentou-o com um abra�o. paser voltou declarou o dentista, sombrio. choroso, de testa baixa e ma��s do rosto salientes, esfregava as m�os, vermelhas da m� circula��o. no nariz, as veias viol�ceas pareciam prestes a rebentar. com os cabelos brancos em desalinho, qadash mostrava-se muito agitado. ele e o seu amigo denes estavam sob suspeita do juiz e haviam suportado os seus ataques, sem que ele conseguisse provar que eram culpados. mas afinal o que se passa? ent�o um relat�rio oficial n�o tornou p�blico o falecimento de paser? acalma-te recomendou denes. ele voltou, mas n�o ousa empreender mais nenhuma ac��o contra n�s. a deten��o abalou-o. sabe-se l�! protestou n�nofar, que se pintava, retirando um pouco de unguento de um boi�o com a cavidade de uma colherinha, cujo cabo representava um negro deitado com as m�os cruzadas atr�s das costas. este juiz � um obstinado. ele vai vingarse. n�o creio. porque �s cego, como sempre. a tua posi��o nos tribunais permite-nos estar permanentemente informados das maquina��es de paser. a senhora n�nofar, que dirigia com �mpeto uma equipa de agentes comerciais encarregados de vender produtos eg�pcios no estrangeiro, tinha obtido os lugares de intendente de mat�rias-primas para fabrico e inspectora do tesouro. o aparelho judicial n�o tem qualquer liga��o com as exig�ncias econ�micas objectou ela. e se ele for at� ao vizir? bagey � t�o teimoso quanto intrat�vel. n�o se vai deixar manipular por um magistrado ambicioso cujo �nico objectivo � fazer esc�ndalo para aumentar a sua notoriedade. a chegada do qu�mico ch�chi interrompeu a conversa. franzino, com o l�bio superior debruado por um bigodinho preto, pouco expansivo, a ponto de se remeter dias inteiros ao sil�ncio, avan�ava como uma sombra.
estou atrasado. #61 paser est� em m�nfis! revelou qadash atabalhoadamente. estou ao corrente. que pensa o general asher? est� t�o surpreendido como tu e eu. t�nhamos acolhido com tanta alegria o an�ncio da morte do juiz... quem o libertou? asher n�o sabe quem foi. que medidas pensa ele tomar? n�o me confidenciou os seus intentos. e o programa de armamento? perguntou denes. continua. alguma expedi��o em vista? adafi, o l�bio, fomentou algumas desordens perto de biblos, mas as for�as de seguran�a foram suficientes para suster a revolta das duas aldeias. ent�o, asher continua a ter a confian�a do fara�. uma vez que a culpabilidade dele n�o foi provada, o rei n�o pode demitir um her�i que ele mesmo condecorou e nomeou chefe dos instrutores dos ex�rcitos da �sia. a senhora n�nofar colocou ao pesco�o um colar de ametistas. a guerra faz muitas vezes prosperar o com�rcio. se asher previr uma campanha contra a s�ria ou contra a l�bia, avisa-me quanto antes. assim, mudo os meus circuitos comerciais e saberei mostrar-me generosa contigo. ch�chi anuiu, inclinando-se. est�s a esquecer-te de paser! protestou qadash. um homem sozinho contra as for�as que o ir�o esmagar ironizou denes. temos de continuar a ser astutos. e se ele descobre? deixemos n�bamon agir. afinal, n�o � o nosso m�dico-chefe a parte mais interessada? n�bamon tomava, por dia, uma dezena de banhos frios numa grande cuba de granito cor-de-rosa onde os servos deitavam um l�quido
#62 perfumado. depois, envolvia os test�culos com uma pomada calmante que, pouco a pouco, lhe apaziguava as dores. o maldito babu�no de kem, o pol�cia n�bio, quase lhe tinha arrancado a virilidade. dois dias depois da agress�o, uma forte erup��o cut�nea tinha-lhe atacado a pele delicada do escroto. receando uma supura��o, o m�dico-chefe tinha-se isolado na casa de campo mais bonita que possu�a, depois de anular as opera��es de cirurgia est�tica prometidas �s belezas da corte que se sentiam a envelhecer. quanto mais odiava paser, mais amava. n�f�ret. ela tinha tro�ado dele, sem d�vida, mas n�o lhe guardava rancor. sem este juiz med�ocre, pernicioso � for�a de tanta obstina��o, a jovem teria cedido e ter-se-ia tornado sua mulher. n�bamon nunca havia sido recusado, e sofria agora na carne esta afronta insuport�vel. o melhor aliado de n�bamon ainda era mentmos�. a posi��o do chefe da pol�cia, que tinha destru�do a mensagem, destinada a atrair paser, e tamb�m a arma do crime, tinha-se tornado muito delicada. o rigoroso inqu�rito instaurado tinha demonstrado, pelo menos, a sua incompet�ncia. mentmos�, que passara a vida engendrando intrigas para obter o cargo, n�o suportaria uma demiss�o. no entanto, nem tudo estava perdido. o general asher era ele pr�prio o comandante-em-chefe das tropas de elite que, mal recebessem ordens, partiriam para a �sia. de baixa estatura, rosto de fuinha, cabelo rapado, cara coberta de p�los pretos e hirsutos, pernas curtas e grande cicatriz a retalhar-lhe o peito, sentia um verdadeiro prazer em ver sofrer os seus homens, carregados com sacos cheios de pedras e obrigados a rastejar na areia e no p� e a defenderem-se de um agressor armado com uma faca. sem piedade, eliminava os vencidos. nem os oficiais gozavam de qualquer privil�gio; tamb�m eles tinham de provar as suas aptid�es f�sicas. que pensas destes futuros her�is, mentmos�? o chefe da pol�cia, embrulhado numa manta de l�, suportava mal o ar fresco da alvorada. #63 parab�ns, general. a maioria destes imbecis est� inapta para o servi�o, e os outros est�o pouco melhor! o nosso ex�rcito � muito farto e muito frouxo. j� n�o possu�mos o gosto da vit�ria. mentmos� espirrou. ter�s apanhado frio? as preocupa��es, a fadiga... e o juiz paser?
a tua ajuda ser� preciosa, general. no egipto ningu�m pode opor-se � justi�a. noutros pa�ses, ter�amos as vantagens da liberdade. um relat�rio afirmava que ele estava morto na �sia. um erro administrativo banal, pelo qual n�o sou respons�vel. o processo que paser me instaurou n�o foi encerrado e fui mantido em fun��es. o resto n�o me interessa. devias ter sido mais prudente. mas esse ju�zeco n�o est� desacreditado? as acusa��es formuladas contra ele foram retiradas. n�o poder�amos considerar juntos... uma solu��o? tu �s pol�cia, eu sou soldado. n�o misturemos as coisas. no interesse de ambos... o meu interesse consiste em manter-me o mais longe poss�vel desse juiz. at� breve, mentmos�; os meus oficiais esperam-me. #cap�TUlo 10 a hiena atravessou o sub�rbio do sul, lan�ou o seu grito sinistro, desceu o talude e matou a sede no canal. assustadas, as crian�as gritaram. as m�es meteram-nas em casa e trancaram as portas. ningu�m ousou enfrentar a enorme fera que nada parecia temer. nem mesmo os ca�adores mais experientes ousaram aproximar-se. satisfeita, a hiena voltou para o deserto. e todos recordaram a velha profecia, segundo a qual, �quando as bestas selvagens vierem beber ao rio, a injusti�a reinar� e a felicidade abandonar� o pa�s�. o povo come�ou a murmurar e as suas queixas, repetidas de bairro em bairro, chegaram aos ouvidos de rams�s, o grande. o invis�vel come�ava a falar; ao incarnar no corpo de uma hiena, desacreditava o rei aos olhos do pa�s. por todas as prov�ncias o povo se mostrava inquieto com este mau press�gio, e come�ava a interrogar-se sobre a legitimidade do reinado de rams�s. o fara� tinha de agir quanto antes. n�f�ret varria o quarto com uma pequena vassoura; de joelhos, segurava com firmeza o cabo duro enquanto agitava, com pulso �gil, as longas fibras de junco amarradas com v�rias voltas de bara�o. a resposta do vizir nunca mais chega desabafou paser, sentado num banquinho.#66 n�f�ret pousou a cabe�a nos joelhos do juiz. para que te atormentas? essa inquieta��o destr�i-te e enfraquece-te. o que ir� N�bamon fazer contra ti? n�o vais proteger-me? ele acariciou-lhe os cabelos.
tudo o que desejo encontro ao teu lado. como � belo este momento! quando durmo ao teu lado, sinto-me inundado por uma felicidade sem limites. ao amares-me engrandeceste o meu cora��o. tu pertences-lhe, a tua presen�a d�-lhe vida. nunca te afastes de mim. quando te vejo, os meus olhos j� n�o precisam de outra luz. os seus l�bios uniram-se com a do�ura de uma primeira emo��o. e, nessa manh�, paser chegou com um consider�vel atraso ao escrit�rio. n�f�ret preparava-se para ir fazer as suas consultas quando uma jovem, ofegante, correu na sua direc��o. espera, pe�o-te! chamou silkis, a mulher do alto funcion�rio bel-tran. o burro, carregado com a maleta dos medicamentos, consentiu em manter-se im�vel. o meu marido queria ver com urg�ncia o juiz paser. bel-tran, fabricante e vendedor de papiros, tinha-se tornado notado pelas suas qualidades de gestor e subido ao cargo de director do tesouro. paser tinha-o ajudado num momento dif�cil e ele devotava-lhe reconhecimento e amizade. silkis, muito mais nova do que o marido, tinha sido cliente do m�dico-chefe n�bamon, que adelga�ara com sucesso o seu rosto e as ancas bastante avantajadas. bel-tran queria exibir-se ao lado de uma esposa digna das mais belas mulheres do egipto, mesmo se a custo de uma cirurgia est�tica. de pele clara e tra�os agora mais finos, silkis parecia uma adolescente com as formas ainda a desabrochar. se ele aceitar vir comigo, levo-o ao tesouro onde bel-tran o vai receber antes de partir para o delta. e, de agora em diante, gostava de receber os teus servi�os de m�dica. #67 de que sofres? de horr�veis enxaquecas. o que comes? confesso que muitos doces. adoro sumo de figo, sou louca por sumo de rom�, e rego os past�is com sumo de alfarroba. e legumes? n�o gosto tanto. come mais legumes e menos doces. as enxaquecas devem atenuar-se. no s�tio onde te d�i, vais aplicar uma pomada. n�f�ret receitou-lhe um rem�dio composto de caule de junco, jun�pero, seiva de pinheiro, bagas de loureiro e terebintina, tudo esmagado e reduzido a uma massa compacta, misturada com um unguento.
o meu marido vai retribuir-te generosamente. como entenderes. aceitarias tornares-te nossa m�dica? se a minha terapia vos conv�m, porque n�o? o meu marido e eu ficar-te-emos muito gratos. posso levar o juiz? com a condi��o de n�o o perderes. quanto mais depressa bel-tran trabalhava, mais processos meticulosos e delicados lhe confiavam. a sua prodigiosa mem�ria para n�meros e a sua capacidade de fazer c�lculos a uma velocidade siderante, tornavam-no indispens�vel. algumas semanas ap�s ter come�ado a trabalhar com os altos funcion�rios do tesouro, beneficiou de uma promo��o e tornou-se num dos colaboradores mais pr�ximos do director da casa do ouro e da moeda, como encarregado das finan�as do reino. os elogios n�o tinham fim; preciso, r�pido, met�dico e trabalhador obstinado, dormia muito pouco, pois era sempre o primeiro a chegar �s instala��es do tesouro e o �ltimo a ir-se embora. alguns auguravam-lhe uma carreira fulgurante bel-tran estava rodeado por tr�s escribas a quem ditava cartas administrativas, quando sua mulher mandou entrar paser. deu-lhe um abra�o vigoroso, terminou o que tinha em m�os, mandou sair os escribas e pediu � mulher que lhe preparasse um almo�o abundante. #68 n�s temos um cozinheiro, mas a silkis � irredut�vel no que diz respeito � qualidade dos alimentos. a sua opini�o � soberana. pareces-me muito ocupado. nunca imaginei que as minhas novas fun��es fossem t�o agrad�veis. mas falemos antes de ti! de cabelos muito pretos colados a uma cabe�a muito redonda por um unguento perfumado, de ossatura pesada e m�os e p�s rechonchudos, bel-tran falava depressa e nunca estava quieto. parecia incapaz de gozar um momento de repouso, sempre com o esp�rito atravessado por mil projectos e inquieta��es. tu viveste um calv�rio. como s� fui informado muito mais tarde, n�o tive hip�tese alguma de intervir. n�o te censuro. s� Suti podia tirar-me de uma situa��o t�o dif�cil. quem achas tu que s�o os culpados? o de�o do p�rtico, mentmos� e n�bamon. o de�o deve pedir a demiss�o. o caso de mentmos� � mais dif�cil; ele vai jurar que foi enganado. quanto a n�bamon, esconde-se nas propriedades que possui, mas n�o � homem para desistir. n�o estar�s a esquecer-te do general asher? ele odeia-te. na altura do processo, tu n�o conseguiste destruir-lhe a reputa��o; o seu poder continua mais ao menos intacto e a sua influ�ncia n�o diminuiu. n�o ser� ele quem,
na sombra, manipula os outros? escrevi ao vizir a pedir-lhe que reabrisse o inqu�rito. excelente ideia. ainda n�o respondeu. estou confiante de que o far�. bagey n�o vai aceitar ver a justi�a injuriada desta maneira. ao atacarem-te, os teus inimigos est�o a opor-se a ele. mesmo que ele me retire do caso, mesmo que eu deixe de ser juiz, hei-de descobrir o assassino de branir. sinto-me respons�vel pela sua morte. o que pensas fazer? fui demasiado falador. n�o te tortures dessa maneira. acusarem-me de culpado da morte dele foi o golpe mais cruel que me podiam ter dado. #69 mas eles n�o conseguiram, paser! eu queria ver-te, para te oferecer o meu apoio. quaisquer que sejam as prova��es que tenhas de enfrentar no futuro, estou do teu lado. n�o gostarias de mudar de casa e ires viver para uma mais espa�osa? aguardo a resposta do vizir. kem, mesmo durante o sono, mantinha-se alerta. dos anos de inf�ncia, passados nas long�nquas regi�es da n�bia, conservava o instinto de ca�ador. quantos dos seus companheiros, muito mais seguros de si, n�o tinham sido mortos na savana, dilacerados pelas garras de um le�o? o n�bio acordou sobressaltado e tacteou o nariz de madeira. �s vezes, sonhava que a mat�ria inerte se transformava em carne, e que pulsava. mas n�o era altura para fantasias; alguns homens subiam a escada. o babu�no tamb�m tinha aberto os olhos. kem vivia rodeado de arcos, espadas, punhais e escudos; quando dois pol�cias come�aram a arrombar a porta da habita��o, equipou-se num instante. a princ�pio, era ele quem batia, ajudado pelo babu�no; mas uma vintena de novos agressores entrou de rold�o pela porta dentro. foge! gritou ele ao macaco. o babu�no lan�ou-lhe um olhar onde se misturavam a indigna��o e a promessa de vingan�a. escapando ao bando armado, saiu por uma janela, saltou para o telhado da casa cont�gua e desapareceu. kem, lutando at� ao limite das suas for�as, foi dif�cil de dominar; depois, j� deitado de costas e amarrado, viu entrar mentmos�. o chefe da pol�cia passou, ele mesmo, uma peia em forma de am�ndoa � volta dos
seus pulsos atados. finalmente disse, sorrindo. c� temos o assassino. pantera moeu restos de safiras, esmeraldas, top�zios e hematites, peneirou o p� obtido por um crivo de junco fino, deitou-o numa caldeira e ateou uma fogueira com madeira de sic�moro. depois, juntou #70 um pouco de terebintina para obter um unguento de luxo que moldaria em forma de cone e com o qual untaria perucas, coifas e cabelos, e perfumaria todo o corpo. suti surpreendeu a bela loira no momento em que ela se inclinava para a mistura. ficas-me cara, minha vaidosa, e olha que ainda n�o encontrei um meio de fazer fortuna. j� nem sequer te posso vender como escrava. foste para a cama com uma eg�pcia! como sabes? sinto-o. o odor dela entranhou-se no teu corpo. paser confiou-me um inqu�rito delicado. i paser, sempre paser! ele tamb�m te ordenou que me enganasses? estive a conversar com uma mulher not�vel, directora da principal tecelagem da cidade. e o que tem ela assim de t�o... not�vel? as n�degas, o sexo, os seios, o... n�o sejas vulgar. pantera atirou-se ao amante com tal viol�ncia que o imobilizou contra a parede, cortando-lhe a respira��o. no teu pa�s n�o � crime ser-se infiel? mas n�s n�o somos casados. claro que somos; vivemos debaixo do mesmo tecto. devido �s tuas origens, precisar�amos de um contrato, e eu detesto papeladas. se n�o a deixares imediatamente, mato-te. suti inverteu a situa��o, e foi a vez de a l�bia ficar contra a parede. ouve bem, pantera. nunca ningu�m me imp�s normas de conduta. se for obrigado a casar com esta ou aquela, para cumprir os meus deveres de amigo, fa�o-o sem hesita��es. ou entendes isto, ou vais-te embora. os olhos dela abriram-se desmedidamente, mas n�o verteu nem uma l�grima. ela ia mat�-lo; disso n�o tinha quaisquer d�vidas. #71 com a letra mais bonita que sabia fazer, paser preparava-se para redigir uma segunda carta ao vizir, a refor�ar a gravidade dos factos ocorridos e a solicitar uma interven��o urgente da parte do mais alto magistrado do egipto, quando o chefe da pol�cia entrou no seu gabinete. mentmos� trazia a satisfa��o estampada no rosto. juiz paser, mere�o as tuas felicita��es. por que raz�o?
prendi o assassino de branir. continuando sentado � escrivaninha, paser observou mentmos�. o assunto � demasiado grave para se prestar a brincadeiras. n�o estou a brincar. qual o seu nome? kem, o teu pol�cia n�bio. isso � um absurdo. o homem � um brutamontes! lembra-te do seu passado. ele j� matou. as tuas acusa��es s�o extremamente graves. em que provas se baseiam? testemunha ocular. que venha � minha presen�a. mentmos� pareceu incomodado. infelizmente, isso � imposs�vel e, sobretudo, in�til. in�til? o processo j� seguiu o seu caminho e foi feita justi�a. paser levantou-se, confuso. tenho um documento assinado pelo de�o do p�rtico. o juiz leu o papiro. kem, condenado � morte, tinha sido levado para um calabou�o da grande pris�o. o nome da testemunha n�o aparece. n�o tem import�ncia... ele viu kem matar branir e afirmou-o sob juramento. quem � ele? esquece a testemunha. o assassino ser� punido, isso � o que importa. #72 est�s a perder o sangue frio, mentmos�! h� algum tempo atr�s n�o terias sequer ousado mostrar-me um documento t�o miser�vel. n�o compreendo... a senten�a foi proferida sem a presen�a do acusado, e esta ilegalidade tem como consequ�ncia a anula��o do processo. eu trago-te a cabe�a do culpado e tu falas-me de t�cnicas judiciais. de justi�a corrigiu-o paser. s� razo�vel, ao menos uma vez na vida! h� certos escr�pulos que s�o est�reis.
a culpabilidade de kem n�o est� provada. pouco importa. quem vai ter pena de um negro mutilado e criminoso? se n�o fosse a sua dignidade de juiz, paser n�o teria conseguido conter a viol�ncia de que se sentiu tomado. conhe�o a vida melhor do que tu continuou mentmos�. h� certos sacrif�cios que s�o necess�rios. contudo, a tua fun��o obriga-te a pensar no reino, no seu bem-estar e na sua seguran�a. e acaso kem os fez perigar? nem tu nem eu temos interesse em levantar a ponta do v�u. os�ris acolher� Branir no para�so dos justos e o crime ser� punido. que mais podes querer? a verdade, mentmos�. pura ilus�o! sem ela, o egipto morreria. tu � que vais desaparecer, paser. kem n�o receava a morte, mas sentia a falta do seu babu�no. privado de um irm�o, depois de tantos anos de trabalho em comum, j� n�o podia trocar com ele olhares c�mplices e reconhecer-se devedor das suas intui��es. apesar disso, alegrava-se por sab�-lo em liberdade. a ele, tinham-no fechado numa esp�cie de cave de tecto muito baixo onde o calor era sufocante. n�o tinha havido julgamento; apenas uma condena��o imediata e uma execu��o sum�ria: desta vez n�o escaparia aos #73 seus inimigos. paser n�o teria tempo de intervir e mais n�o poderia fazer do que lamentar o desaparecimento do n�bio, a que mentmos� daria a apar�ncia de um acidente. kem n�o nutria qualquer estima pela ra�a humana. achava-a corrupta, vil e dissimulada, excelente para servir de pasto ao monstro que, ao lado da justi�a no ju�zo final, devorava os condenados �s penas do inferno. uma das suas poucas alegrias fora ter conhecido paser, que, com o seu car�cter, assegurava a exist�ncia de uma justi�a na qual kem h� muito deixara de acreditar. com n�f�ret, sua companheira para a eternidade, paser empenhava-se numa luta desde logo perdida, sem se preocupar com o seu destino. o n�bio teria gostado de o ajudar at� ao fim, at� ao desenlace final, quando a mentira, como sempre acontece, acabasse por silenci�-lo. a porta da cela abriu-se. o n�bio levantou-se e endireitou-se. n�o ia dar ao carrasco a imagem de um homem abatido. com um golpe de rins, saiu da sua reclus�o, afastando o bra�o que se estendia na sua direc��o. cego pelo sol, pensou que os seus olhos o estavam a trair. mas n�o �s...?
paser cortou a corda que prendia os punhos de kem. anulei a tua senten�a, devido �s suas numerosas irregularidades. est�s livre. o colosso ergueu o juiz do ch�o e abra�ou-o, com risco de o sufocar. n�o s�o j� in�meras as tuas preocupa��es? devias ter-me deixado nesta enxovia. ter� o c�rcere afectado as tuas faculdades? o meu macaco? anda fugido. ele voltar�. tamb�m ele est� ilibado. o de�o do p�rtico reconheceu a justa fundamenta��o dos meus protestos e contradisse o chefe da pol�cia. vou torcer o pesco�o a mentmos�. davas-te por culpado de homic�dio. temos coisas mais importantes para fazer, especialmente identificar a misteriosa testemunha ocular que foi a causa da tua pris�o. #74 o n�bio levantou os punhos cerrados. quanto a essa, deixa-a comigo! o juiz n�o respondeu. kem sentiu-se animado por um regozijo selvagem quando voltou a ver a sua moca e o seu escudo revestido de couro. o babu�no � um matador acrescentou ele, galhofeiro. a esse, nenhuma lei o consegue prender. � frente do sarc�fago pilhado de qu�ops, rams�s, o grande, entregava-se a medita��es piedosas. com um n� na garganta e o cora��o apertado, o homem mais poderoso do mundo tinha-se tornado escravo de um bando de assassinos e ladr�es. ao apoderarem-se das ins�gnias sagradas da realeza, ao priv�-lo da grande magia do estado desejada pelos deuses, tornavam o seu poder ileg�timo e condenavam-no, mais cedo ou mais tarde, a abdicar em favor de um intriguista que iria destruir a obra empreendida h� j� tantas dinastias. os criminosos n�o atacavam s� a sua pessoa, mas tamb�m o ideal do governo e os valores tradicionais que ele encarnava. se havia eg�pcios entre os culpados, n�o agiam sozinhos; l�bios, hititas ou s�rios ter-lhes-iam sugerido o mais mal�fico dos planos para fazer o egipto tombar do seu pedestal, abrindo as portas � inger�ncia estrangeira, a ponto de o conduzirem � perda da independ�ncia. o testamento dos deuses havia sido transmitido de fara� em fara� e conservado intacto. hoje, m�os impuras detinham-no e c�rebros diab�licos manipulavam-no. durante
muito tempo, rams�s, o grande, teve esperan�a de que o c�u o protegesse e o povo ignorasse o drama at� ele descobrir uma solu��o. mas a estrela do grande monarca come�ava a empalidecer. a pr�xima cheia seria med�ocre. claro que as reservas dos celeiros reais iriam alimentar as prov�ncias mais desfavorecidas e nenhum eg�pcio morreria de fome. mas os camponeses ver-se-iam for�ados a abandonar os campos, e ia dizer-se � boca cheia que o rei j� n�o possu�a a capacidade de repelir a desgra�a, a n�o ser que celebrasse uma festa de regenera��o, durante a qual deuses e deusas lhe iriam instilar #75 uma energia renovada, uma energia reservada ao deposit�rio do testamento, legitimando o seu reino. rams�s, o grande, implorou a ajuda da luz, da qual era filho; n�o se renderia sem combate. #cap�TUlo 11 com o cabo de madeira da navalha bem seguro na m�o, o barbeiro passou a l�mina de cobre pela face, pelo queixo e pelo pesco�o do juiz paser, sentado num banco � porta de sua casa, ao lado de vento do norte, que observava a cena com um olhar pl�cido, enquanto bravo dormia deitado entre as patas do burro. como todos os barbeiros, tamb�m este era muito falador. se te est�s a p�r t�o bonito, � porque te convocaram para ires ao pal�cio. como to poderia esconder? paser n�o precisou que tinha acabado de receber uma resposta muito breve do vizir, em que o mandava ir falar com ele sem demora, nessa bela manh� de ver�o. uma promo��o? � pouco prov�vel. que os deuses te sejam favor�veis! na verdade, um bom juiz � seu aliado. com efeito, � prefer�vel que assim seja. o barbeiro mergulhou a l�mina numa ta�a de p� alto que continha �gua com natr�o. afastou-se do fregu�s, contemplou a sua obra e, com delicadeza, rapou alguns p�los rebeldes do queixo. os emiss�rios do fara� transmitiram-nos decretos muito curiosos nestes �ltimos dias; porque � que rams�s, o grande, continua a afirmar que � ele a �nica protec��o contra a desgra�a e os cataclismos? ningu�m no pa�s duvida disso. enfim, quase ningu�m... no #78 entanto, diz-se que o seu poder entrou em decl�nio. a hiena que veio beber ao rio,
a cheia nociva, as chuvas do delta nesta �poca do ano... tudo sinais tang�veis do descontentamento dos deuses. alguns acham que rams�s devia celebrar uma festa de regenera��o para reencontrar a plenitude do seu poder m�gico. que momento magn�fico! quinze dias de repouso, distribui��o de alimentos, muita cerveja, bailarinas em plena rua... enquanto o rei est� fechado no templo com as divindades, n�s passamos uns belos dias! os decretos reais tinham intrigado paser. que advers�rio obscuro temia rams�s? ele sentia que o monarca se mantinha na defensiva, sem dizer qual o advers�rio, vis�vel ou invis�vel, que combatia; portanto, o egipto mantinha-se calmo, sem nenhum sinal de desestabiliza��o, a n�o ser a misteriosa conspira��o que paser tinha desmantelado, pelo menos em parte. mas de que forma iria o roubo do ferro celeste colocar em perigo o trono do fara�? restava o general asher, que o testemunho de suti indicava como traidor e aliado dos asi�ticos, sempre prontos a invadir o egipto, terra de todas as riquezas. ser� que, ocupando ele um dos mais altos cargos militares, iria revoltar as tropas contra o soberano? a hip�tese parecia pouco prov�vel. o traidor preocupava-se com vantagens pessoais, n�o com a for�a de um governo que ele seria incapaz de assumir. desde o assassinato do seu mestre branir, paser n�o sabia o que fazia. raciocinava no vazio, sentia-se t�o agitado como a carga de um burro. tinha instaurado um processo s�lido contra o general asher e os seus prov�veis c�mplices, mas estava t�o obcecado pelo rosto martirizado do ser venerado, a quem tinham usurpado a exist�ncia, que lhe faltava perspic�cia. est� perfeito avaliou o barbeiro. no pal�cio, fala-lhes no meu nome; bem gostaria de barbear alguns nobres. o juiz deu o seu parecer sobre o chefe. por sua vez, n�f�ret olhou-o. com os cabelos penteados, o corpo lavado e perfumado e uma tanga de luminosa brancura, o exame foi concludente. est�s pronto? perguntou ela. bem preciso de estar. achas-me com um ar assustado? aparentemente n�o. #79 a carta do vizir n�o deixa entrever qualquer esperan�a. n�o esperes cordialidade; assim, n�o ficar�s desiludido. se ele me demitir, vou exigir que o inqu�rito prossiga. n�o vamos deixar impune a morte de branir.
a express�o sorridente da sua indom�vel for�a de vontade tranquilizou-o. tenho medo, n�f�ret. eu tamb�m. mas n�o vamos recuar agora. os nove amigos do fara�, de farta cabeleira preta e toga branca, plissada e ornamentada com um la�o � altura do umbigo, tinham estado reunidos durante toda a manh�, convocados pelo vizir bagey. no fim de acesos debates, a unanimidade fora obtida. o portador da regra, o superintendente da dupla casa branca, o encarregado dos canais e director dos dep�sitos de �gua, o superintendente das escrituras, o superintendente dos campos, o director das miss�es secretas, o escriba do cadastro e o intendente do rei, ap�s mudan�as de pontos de vista e aprofundados exames, tinham aprovado a surpreendente proposta do vizir, � primeira vista irrealista e at� perigosa. mas a urg�ncia da situa��o e o seu car�cter dram�tico justificavam uma decis�o r�pida e pouco habitual. quando paser foi anunciado, os nove amigos instalaram-se na grande sala de audi�ncia, de paredes brancas e nuas, onde tomaram os seus lugares em compridos bancos de pedra almofadados, colocados de um lado e outro de bagey, que se sentava numa cadeira de espaldar baixo. ao pesco�o, trazia o imponente cora��o em cobre, �nica j�ia ritual que ele se permitia usar. debaixo dos p�s, uma pele de pantera evocava os instintos selvagens dominados. o juiz paser inclinou-se perante a insigne assembleia e farejou o ambiente. os rostos g�lidos dos nove amigos n�o pressagiavam nada de bom. levanta-te ordenou bagey. paser ficou de p�, frente ao vizir. suportar o peso de nove olhares desprovidos de indulg�ncia era uma prova terr�vel. #80 juiz paser, admites que s� a pr�tica da justi�a mant�m a prosperidade do nosso pa�s? essa � a minha mais profunda convic��o. se n�o agirmos em conformidade com a justi�a, se ela for considerada uma mentira, os rebeldes acabar�o por erguer a cabe�a, a fome destruir-nos-� e os dem�nios rugir�o. ainda � esta a tua convic��o? as tuas palavras exprimem a verdade que eu vivo. recebi as tuas duas cartas, juiz paser, e comuniquei-as a este conselho para que cada um dos membros que o constituem fosse juiz da tua conduta. consideras que foste fiel � tua miss�o? julgo n�o a ter tra�do. sofri na carne, senti na boca o gosto do desespero e da morte, mas tais sofrimentos s�o insignificantes comparados com o ultraje infligido � minha fun��o de juiz. desonraram-na, espezinharam-na.
quando souberes que o chefe da pol�cia, mentmos�, e o de�o do p�rtico foram convocados por esta assembleia com a minha aprova��o, ir�s manter as tuas acusa��es? paser engoliu em seco. tinha ido longe de mais. mesmo com todas as evid�ncias a seu favor, mesmo munido de provas irrefut�veis, um simples juiz n�o devia atacar os not�veis. o vizir e o seu conselho tomariam o partido dos seus directos colaboradores. sejam quais forem as consequ�ncias, mantenho as minhas acusa��es. fui deportado injustamente, o chefe da pol�cia n�o procedeu a uma investiga��o s�ria, o de�o do p�rtico apagou a verdade em favor da mentira. quiseram eliminar-me, para que os inqu�ritos sobre o assassinato de branir, a morte misteriosa dos veteranos e o desaparecimento do ferro celeste n�o prosseguissem. v�s, os nove conselheiros do fara�, ouvir�o esta verdade e n�o a esquecer�o. a corrup��o saiu do seu covil e corrompeu parte do aparelho de estado. se os membros doentes n�o forem expurgados, o mal espalharse-� por todo o corpo. paser n�o baixou os olhos, e sustentou o olhar do vizir, que poucos homens ousariam enfrentar. a precipita��o e a intransig�ncia atrai�oam o melhor dos juizes disse bagey. destes dois caminhos, qual escolherias.- alcan�ares o sucesso ou servires a justi�a? #81 por que raz�o deveriam eles ser opostos? porque a exist�ncia de um homem raramente se concilia com a lei de ma�t. a minha foi-lhe oferecida sob juramento. o vizir guardou um longo sil�ncio. paser percebeu que ele ia pronunciar uma senten�a sem recurso. o portador da regra, o intendente do rei e eu pr�prio, analis�mos os factos, procedemos a interrogat�rios e cheg�mos �s mesmas conclus�es. o de�o do p�rtico cometeu incontestavelmente faltas muito graves. devido � sua avan�ada idade, � sua experi�ncia e aos servi�os prestados � justi�a, condenamo-lo ao ex�lio no o�sis de khargeh, onde acabar� os seus dias na solid�o e no recolhimento. nunca mais voltar� ao vale. est�s satisfeito? porque iria alegrar-me com a desgra�a de um juiz em decad�ncia? condenar � um dever. o prosseguimento do inqu�rito tamb�m o �. confio-o ao novo de�o do p�rtico. tu, paser. o juiz empalideceu. a minha pouca idade...
a dignidade de �de�o� n�o implica anos de servi�o, mas a compet�ncia que esta assembleia te reconhece. duvidas do poder deste cargo a ponto de renunciares? eu n�o esperava... o destino bate-nos � porta de um momento para o outro, t�o vivo quanto o crocodilo que se lan�a ao rio. qual � a tua resposta? paser levantou as m�os juntas em sinal de respeito e de aceita��o, e inclinou-se. juiz do p�rtico declarou bagey, n�o tens nenhum direito. s� os teus deveres contam. que tot guie o teu pensamento e oriente o teu julgamento, uma vez que s� um deus pode preservar o homem de uma conduta torpe. conhece a tua posi��o, orgulhate dela e n�o te glorifiques. p�e a tua honra acima da multid�o, s� discreto e �til ao teu semelhante. n�o largues a roda do leme, s� um pilar na tua fun��o, ama o bem e repudia o mal. n�o digas uma s� mentira, n�o sejas nem fraco nem confuso, n�o tenhas um cora��o �vido. explora as #8
2
profundezas dos seres que vais julgar, gra�as ao olhar de ra, a luz celeste. estende o bra�o direito e abre a m�o. paser obedeceu. aqui est� o teu anel de sinete. ele autenticar� os documentos nos quais aponhas o teu selo. de hoje em diante, exercer�s fun��es � porta do templo, para a� distribu�res a justi�a e protegeres os desvalidos. far�s respeitar a ordem em m�nfis, velar�s pelo pagamento atempado dos impostos, pelo bom funcionamento dos trabalhos agr�colas e pelo transporte das mercadorias. se for necess�rio, exercer�s no mais alto tribunal de justi�a. em qualquer circunst�ncia, n�o te contentes com o que ouves e penetra no segredo dos cora��es. se � justi�a que queres, quem ir� ocupar-se de mentmos�, o chefe da pol�cia, cuja velhacaria � imperdo�vel? que o teu inqu�rito especifique as suas faltas. prometo-te n�o ceder a nenhuma paix�o e demorar o tempo que for necess�rio. o portador da regra levantou-se. em nome deste conselho, confirmo a decis�o do vizir. a partir deste momento, paser, o novo de�o do p�rtico, ser� reconhecido como tal em todo o egipto. serlhe-�o atribu�dos uma casa, bens materiais, servos, escrit�rios e funcion�rios. a seguir, levantou-se o superintendente da dupla casa branca. de acordo com a lei, o de�o do p�rtico ser� respons�vel, sob penhor dos seus bens, por todas as decis�es in�quas que tomar. se houver cabimento a uma repara��o ao queixoso, ele mesmo a pagar�, sem recorrer �s finan�as p�blicas.
o vizir emitiu um gemido ins�lito. todos se voltaram para ele. bagey levou a m�o ao seu lado direito, agarrou-se ao espaldar da cadeira, tentou em v�o segurar-se e caiu inanimado. quando n�f�ret viu paser chegar a correr, com a testa coberta de suor e os olhos rasos de ang�stia, julgou que ele tinha fugido do pal�cio. #83 o vizir acabou de ter uma indisposi��o. o m�dico-chefe est� com ele? n�bamon est� doente. nenhum dos seus assistentes ousa intervir autoriza��o.
sem a sua
a jovem pegou no rel�gio, colocou-o no pulso e pousou a maleta na garupa de vento do norte. o burro tomou o caminho certo. bagey estava estendido em cima de almofadas. n�f�ret auscultou-o, escutou-lhe a voz do cora��o dentro do peito, nas veias e nas art�rias. descobriu duas correntes, uma que aquecia o lado direito do corpo e outra que gelava o lado esquerdo. o mal era inacess�vel e estendia-se a todo o organismo. utilizando a sua cl�psidra de pulso, calculou o ritmo card�aco e o tempo de reac��o dos �rg�os principais. os cortes�os esperavam o diagn�stico com ansiedade. trata-se de uma doen�a que conhe�o e vou curar disse ela. o f�gado est� ferido, a veia porta obstru�da. as art�rias hep�ticas e o dueto col�doco, que ligam o cora��o ao f�gado, est�o em mau estado; j� n�o deixam passar �gua e ar suficientes e transportam um sangue demasiado espesso. n�f�ret fez o doente beber chic�ria, cultivada nos jardins dos templos. a planta, de grandes flores azuis que se fechavam ao meio-dia, possu�a in�meras virtudes curativas; misturada com vinho velho, tratava in�meras infec��es do f�gado e da ves�cula. o rem�dio magnetizava o �rg�o bloqueado; o vizir acordou muito p�lido e vomitou. n�f�ret pediu-lhe que bebesse v�rios copos de chic�ria, at� que ele conservasse o l�quido no est�mago; o corpo do doente refrescou-se, por fim. o f�gado est� aberto e lavado constatou ela. quem �s tu? perguntou bagey. sou a doutora n�f�ret, mulher do juiz paser. deves vigiar a tua alimenta��o disse ela, com voz calma e beber diariamente chic�ria. para evitar que se repita uma obstru��o desta gravidade, que te deixaria inconsciente, vais beber uma po��o � base de figos, uvas, frutos entalhados de sic�moro, sementes de bri�nia, t�maras, goma e resina. eu mesma vou preparar a mistura, que � preciso deixar ao orvalho durante a noite e filtrar de manh� cedo.
#84 salvaste-me a vida. fiz o meu dever, e tivemos sorte. onde exerces? em m�nfis. o vizir levantou-se. apesar das pernas entorpecidas e de uma forte enxaqueca, deu alguns passos. o repouso � indispens�vel disse n�f�ret, ajudando-o a sentar-se. n�bamon... tu � que vais tratar de mim. passada uma semana, o vizir bagey, completamente restabelecido, enviou ao novo de�o do p�rtico uma esteia em calc�rio, na qual estavam gravados tr�s pares de orelhas, um em azul carregado, outro em amarelo e o �ltimo em verde-p�lido. assim se evocavam o c�u de l�pis-laz�li, onde reinavam as estrelas dos s�bios, o ouro, de que era feita a carne das divindades, e a turquesa do amor; desta forma, estavam anunciados os deveres do juiz mais importante de m�nfis: ouvir os queixosos, respeitar a vontade dos deuses, mostrar-se benevolente, mas sem fraquejar. saber ouvir era a base da educa��o, saber ouvir permanecia a maior virtude de um magistrado. s�rio, concentrado, paser aceitou a esteia e ergueu-a � altura dos olhos, diante de todos os juizes da grande cidade, reunidos para felicitar o novo de�o. n�f�ret chorou de alegria. #cap�TUlo 12 situada no centro de um bairro modesto composto por pequenas casas brancas de dois andares, onde viviam oper�rios e funcion�rios p�blicos, a casa atribu�da ao de�o do p�rtico maravilhou o jovem casal. acabada de fazer e destinada a um dignit�rio que n�o ficaria a perder com a troca, nunca tinha sido habitada. coberta em toda a sua extens�o por uma a�oteia, tinha oito divis�es com paredes decoradas com pinturas de p�ssaros multicores a brincar entre tufos de papiros. paser n�o se atreveu a entrar. deixou-se ficar no �trio, onde um servo dava grandes quantidades de comida aos gansos; alguns patos chafurdavam num lago salpicado de l�tus azuis. abrigados numa cabana, dois rapazes encarregados de deitar comida �s aves dom�sticas dormiam com as m�os fechadas. o novo dono do patrim�nio real n�o os acordou. tamb�m n�f�ret estava feliz por dispor de semelhante riqueza. contemplou a terra compacta e glutinosa que os vermes arejavam, e cujas dejec��es constitu�am excelente adubo para os cereais. nenhum campon�s os matava, pois sabiam que as minhocas asseguravam a fertilidade da terra. bravo foi o primeiro a exercitar-se, correndo e saltando no magn�fico jardim, imediatamente seguido por vento do norte. o burro deitou-se debaixo de uma romanzeira,
�rvore cuja beleza era a mais duradoira, visto que uma nova flor se abria por cada uma j� velha que ca�a. o c�o preferiu um sic�moro, onde o restolhar das folhas evocava a do�ura do mel. n�f�ret acariciou os ramos finos e os frutos maduros, quase vermelhos, quase turquesa, e puxou o marido para si, para #86 debaixo da sombra da �rvore, abrigo da deusa do c�u. maravilhados, contemplaram um renque de figueiras importadas da s�ria e um pavilh�o feito de canas onde poderiam apreciar o esplendor dos poentes. o seu sossego n�o durou muito; diabrete, a pequena sagu� de n�f�ret, soltou um grito de dor e pulou para os bra�os da dona. assustada, estendeu-lhe a pata, onde estava enterrado um espinho de ac�cia. a ferida n�o devia ser menosprezada; se o corpo estranho se mantivesse debaixo da pele, provocaria com o passar do tempo uma hemorragia interna, que j� tinha confundido muitos m�dicos. sem que ningu�m lho ordenasse, vento do norte levantou-se e aproximou-se. n�f�ret tirou da maleta um bisturi, retirou o espinho com infinita do�ura e untou a ferida com uma pomada feita de mel, coloc�ntida, ossos de siba esmagados e casca de sic�moro reduzida a p�. Se uma pequena infec��o se declarasse, ela trat�-la-ia com sulfureto de ars�nico. mas diabrete n�o parecia nada aflita; mal se livrou do espinho, trepou a uma palmeira-tamargueira em busca de um fruto maduro. e se entr�ssemos? sugeriu n�f�ret. o assunto tornou-se s�rio. que queres dizer? n�s cas�mo-nos, � certo, mas n�o possu�amos nada. agora a situa��o mudou. j� te ter�s cansado? nunca te esque�as, doutora, de que fui eu quem te foi arrancar � tua tranquilidade. pois as minhas recorda��es s�o diferentes; n�o fui eu quem primeiro reparou em ti? dever�amos estar sentados lado a lado, rodeados por uma multid�o de familiares e amigos, a ver desfilar � nossa frente arcas de roupas, vasos, objectos v�rios, sand�lias, sei l� o que mais! tu terias sido conduzida num palanquim, e vestida com roupas de festa, ao som de flautas e tamborins. prefiro este momento em que estamos s� n�s dois, sem alarido e sem luxo. logo que tivermos transposto o limiar da nossa casa, seremos respons�veis por ela. a hierarquia vai censurar-me por n�o ter redigido um contrato que proteja o teu futuro. a tua proposta � honesta? #87 curvo-me perante a lei. eu, paser, deixo-te todos os meus bens, a ti, n�f�ret,
que vais manter o teu nome. como decidimos viver juntos debaixo do mesmo tecto, estamos casados e devo-te repara��o em caso de separa��o. um ter�o do que vai ser adquirido por n�s a partir de hoje ser-te-� entregue por obriga��o natural, e eu devo alimentar-te e vestir-te. quanto ao resto, o tribunal decidir�. devo confessar ao de�o do p�rtico que estou loucamente apaixonada por um homem e que tenho a firme inten��o de ficar unida a ele at� ao meu �ltimo suspiro. talvez, mas a lei... cala-te e vamos ver a casa. antes, por�m, s� uma rectifica��o: eu � que estou loucamente apaixonado por ti. abra�ados, transpuseram o limiar da sua nova morada. na primeira divis�o, recolheram-se durante assassinado. depois, descobriram a canaliza��es de barro
pequena e baixa, destinada ao culto dos antepassados, bastante tempo, venerando a alma de branir, o seu mestre sala de visitas, os quartos, a cozinha, os lavabos com e um gabinete equipado com um banco de calc�rio.
a casa de banho maravilhou-os. de um lado e outro da laje de calc�rio assente a um canto, estavam colocados dois bancos de tijolo, onde se encarrapitavam os servos e as servas, para deitarem a �gua sobre quem quisesse tomar um duche. as paredes de tijolo eram revestidas com calc�rio para evitar a humidade. um ligeiro declive, que conduzia ao orif�cio de um cano de barro, profundamente enterrado, permitia o escoamento. o quarto, bem arejado, tinha um mosquiteiro a cobrir uma grande cama de �bano maci�o com p�s em forma de patas de le�o. dos lados, ostentava a face jovial do deus b�s, encarregado de proteger o sono e proporcionar sonhos felizes aos que ali dormissem. refastelado, paser saboreou a esteira de cordas vegetais entran�adas, de excepcional qualidade. as numerosas cordas mais pequenas tinham sido dispostas sabiamente para suportarem um grande peso durante muitos anos. na cabeceira da cama estava um vestido de linho branco, o pano da noiva, que seria tamb�m o seu len�ol. nunca teria acreditado que ia dormir uma s� noite que fosse numa cama destas. #88 para qu� esperar? perguntou ela, insinuante. estendeu o precioso tecido sobre a esteira, despiu o vestido que envergava e estendeu-se, nua, feliz, por acolher sobre o seu o corpo de paser. este momento � t�o doce que nunca o esquecerei; pelo teu olhar, vais torn�-lo eterno. n�o te afastes de mim; perten�o-te como um jardim que vais enriquecer com flores e perfume. quando nos transformamos num s� ser, a morte deixar� de existir. desde a manh� do dia seguinte, paser sentiu saudades da sua pequena casa de juiz
principiante, e compreendeu por que raz�o o vizir bagey se contentava com uma casa modesta no centro da cidade. sem d�vida, as escovas e as vassouras de bambu eram enormes e favoreciam uma limpeza profunda, mas ainda era preciso uma m�o experiente para as utilizar. nem ele nem n�f�ret tinham tempo para se entregarem a tais tarefas, e estava fora de quest�o pedir ajuda ao jardineiro ou ao mo�o do galinheiro, que n�o iriam abandonar os seus trabalhos especializados! e ningu�m tinha pensado em contratar uma serva para as limpezas. n�f�ret e vento do norte partiram cedo para o pal�cio; o vizir queria ser consultado antes da primeira audi�ncia. sem escriv�o, sem escrit�rio montado, e sem servos, o de�o do p�rtico sentia-se completamente perdido na gest�o de uma propriedade demasiado vasta para ele. ao elegerem a mulher �dona da casa�, os s�bios n�o se tinham enganado. o jardineiro aconselhou-lhe uma mulher com uns cinquenta anos que alugava os seus servi�os aos patr�es desesperados; por seis dias de trabalho, n�o exigia menos de oito cabras e dois vestidos novos! sangrado at� ficar exangue, convicto de estar a p�r em perigo o equil�brio financeiro do casal, o de�o do p�rtico foi obrigado a aceitar. at� N�f�ret voltar, ia viver numa constante inquieta��o. suti esbugalhou os olhos e tacteou as paredes. parecem verdadeiras. #89 a constru��o � recente, mas de boa qualidade. pensei que era o maior pantom�ne�ro do egipto, mas tu levas-me a palma. quem te emprestou esta casa? o estado respondeu paser. tu n�o continuas a fingir que �s o novo de�o do p�rtico? se n�o acreditas, ouve n�f�ret. ela � tua c�mplice. vai ao pal�cio. suti ficou hesitante. quem te nomeou? os nove conselheiros do fara�, com o vizir no comando. ter� esse velho insens�vel do bagey sido mesmo capaz de mandar embora o teu antecessor, um dos seus estimados colegas, com t�o boa reputa��o? as falhas existiam. bagey e o conselho supremo agiram de acordo com a justi�a. um milagre, um sonho... o meu pedido foi atendido.
porque ser� que te nomearam, a ti, para um lugar t�o importante? tamb�m j� pensei nisso. e chegaste a alguma conclus�o? vamos supor que uma parte do conselho supremo est� convencida da culpabilidade do general asher, e a outra n�o; n�o achas astucioso confiar um inqu�rito cada vez mais perigoso ao juiz que primeiro levantou a ponta do v�u? logo que se tenha uma certeza, num sentido ou no outro, ser� f�cil condenarem-me ou felicitarem-me. n�o �s t�o est�pido quanto pareces. esta atitude n�o me choca, e est� de acordo com o direito do egipto. visto que iniciei a tarefa, cabe-me a mim termin�-la; sen�o, n�o passaria de um provocador. de que posso queixar-me? deram-me meios com os quais n�o contava. e a alma de branir protege-me. n�o contes com os mortos. kem e eu dar-te-emos melhor protec��o. achas que corro perigo? #90 e cada vez mais. normalmente, o de�o do p�rtico � um homem com muitos anos de servi�o, prudente, decidido a n�o correr quaisquer riscos e a gozar dos privil�gios. em suma, o oposto do que tu �s. que posso eu fazer? o destino quis assim. talvez eu n�o seja afinal o mais louco de n�s dois, mas esta situa��o agrada-me. tu vais prender o assassino de branir e eu vou oferecer a mim mesmo a cabe�a de asher. e a senhora tapeni? uma amante espantosa. n�o tanto como pantera, mas com uma imagina��o...! ontem � tarde ca�mos da cama abaixo no momento crucial. outra qualquer teria concordado com uma pausa, mas ela n�o. e eu tive de me mostrar � altura, apesar de ter ficado por debaixo. ganhaste a minha admira��o. e o que foi que ela te contou na intimidade? bem se v� que n�o �s um especialista em sedu��o. se lhe fizer perguntas demasiado directas, ela fechar-se-� como uma boa-noite ao meio-dia. come��mos por evocar senhoras ilustres que praticam a arte da tecelagem. algumas t�m imenso talento com a agulha. a pista � boa, sinto-o. finalmente ela voltou, precedida de vento do norte. bravo acolheu o burro com latidos de alegria e os dois companheiros saborearam, um uma costela de boi, o outro luzerna fresca. diabrete j� n�o tinha fome; tinha o ventre t�o cheio de frutas roubadas no pomar que resolveu fazer uma longa sesta. n�f�ret estava radiosa. nem a fadiga nem a inquieta��o a venciam. frequentemente, paser sentia-se indigno da mulher que tinha. como est� o vizir?
muito melhor, mas � preciso trat�-lo at� ao fim dos seus dias. o f�gado e a ves�cula est�o num estado lastimoso, e n�o estou certa de conseguir evitar o incha�o das pernas e dos p�s quando estiver cansado. devia caminhar bastante em vez de ficar sentado dias inteiros, e devia apanhar o ar do campo. #91 pedes-lhe o imposs�vel. ele falou-te em n�bamon? o m�dico-chefe est� doente. a interven��o do babu�no-pol�cia parece ter deixado marcas. ser� conveniente mostrar consterna��o? o zurro de vento do norte interrompeu-os. a ra��o di�ria n�o era suficientemente abundante. excedi-me confessou paser. contratei uma serva de limpezas tempor�ria, a pre�o de ouro, mas perco-me nesta casa enorme. n�o temos cozinheira, o jardineiro s� faz o que lhe d� na cabe�a, e n�o percebo nada do uso das m�ltiplas escovas. os meus processos est�o ao abandono, n�o... n�f�ret abra�ou-o. #cap�TUlo 13 envergando uma tanga engomada, semelhante a um avental, e uma soberba camisa plissada de mangas compridas, bel-tran cumprimentou n�f�ret e paser efusivamente. desta vez ajudar-te-ei directamente. fui encarregado da reorganiza��o dos escrit�rios da administra��o central. na qualidade de de�o do p�rtico, ter�s prioridade. �-me imposs�vel aceitar o m�nimo privil�gio. mas n�o se trata de um privil�gio; apenas de uma disposi��o da lei que te permitir� possuir o conjunto dos processos. trabalharemos juntos, em locais amplos e espa�osos. suplico-te, n�o me impe�as de advogar a nossa efic�cia! a r�pida ascens�o de bel-tran surpreendeu os cortes�os mais indiferentes, mas nenhum a criticou. deu novo alento aos servi�os estagnados pela rotina, livrou-se dos funcion�rios pregui�osos ou incompetentes e resolveu os mil e um problemas t�cnicos que surgiam diariamente. dotado de um entusiasmo contagioso, n�o poupava insultos aos seus subordinados. os filhos das fam�lias nobres deploravam as suas origens modestas, mas aceitavam obedecer-lhe, sob pena de serem recambiados para os lares paternos. nenhum obst�culo desanimava bel-tran: tomava provid�ncias, combatia-o com uma energia inesgot�vel e acabava por ultrapass�-lo. dos seus sucessos fazia parte uma not�vel reorganiza��o da cobran�a do imposto sobre a madeira a que, durante muito tempo, os grandes propriet�rios, esquecidos do bem p�blico, haviam conseguido esquivar-se. nessa ocasi�o, bel-tran n�o se esqueceu de #94 recordar a judiciosa interven��o de paser. sempre que uma dificuldade insol�vel se
lhe apresentava, bel-tran arcava for�osamente com toda a responsabilidade. paser reconhecia em bel-tran um aliado de grande import�ncia. gra�as a ele, conseguiria evitar as armadilhas. a minha mulher anda muito melhor confiou bel-tran a n�f�ret, est�-te muito grata e considera-te sua amiga. e as enxaquecas? s�o menos frequentes. assim que d�o sinal, aplicamos a tua pomada; � de uma efic�cia extraordin�ria! apesar das tuas recomenda��es, a silkis continua muito gulosa. eu bem escondo o sumo de rom� e o mel, mas ela acaba por encontrar o sumo de alfarroba ou o de figos. tal como tu, tamb�m o int�rprete dos sonhos a preveniu contra o abuso do a��car. nenhum rem�dio substitui a for�a de vontade. bel-tran fez uma careta. h� uma semana que sinto os p�s doridos. at� me custa cal�ar as sand�lias. n�f�ret examinou os p�s pequenos e rechonchudos. coze gordura de boi com folhas de ac�cia, prepara uma pasta e aplica-a nos locais mais sensibilizados. se o rem�dio n�o te trouxer al�vio, avisa-me. a serva perguntou por n�f�ret, que se adaptava �s mil maravilhas ao seu papel de dona de casa. em breve instalaria o seu consult�rio numa das alas da casa. no pal�cio, aumentava a sua reputa��o; a cura do vizir valeu-lhe um t�tulo de gl�ria concedido pelos m�dicos da corte, ainda paralisados pela aus�ncia de n�bamon. esta casa � encantadora observou bel-tran, enquanto saboreava uma talhada de melancia. se n�o fosse a n�f�ret, eu n�o estaria aqui. n�o te falta ambi��o, meu caro paser! a tua mulher � um ser excepcional. fazes sem d�vida inveja a muita gente. j� me basta a de n�bamon. o seu mutismo � passageiro. foi humilhado por ti e por n�f�ret, e s� pensa em vingar-se. mas certamente a tua posi��o torna mais dif�cil a sua tarefa. #95 que pensas dos recentes decretos-lei? enigm�ticos. por que raz�o precisa o rei de reafirmar assim um poder que ningu�m contesta? a �ltima cheia foi med�ocre, uma hiena veio beber a um canal, v�rias mulheres deram � luz crian�as com deforma��es... supersti��es populares!
s�o por vezes tem�veis. os servidores do estado que provem que elas n�o t�m fundamento. vais prosseguir com as investiga��es contra asher e com o inqu�rito sobre a morte misteriosa dos veteranos? n�o foram essas as principais raz�es da minha nomea��o? no pal�cio, muitos esperavam que o esquecimento acabasse por apagar estes tristes acontecimentos. alegro-me de constatar que n�o foi assim e devo dizer-te que n�o esperava menos da tua coragem. ma�t � uma deusa sorridente, mas implac�vel. nela reside a fonte de toda a felicidade, desde que n�o seja tra�da. n�o procurar a verdade impedir-me-ia de respirar. o tom de bel-tran entristeceu. inquieta-me a serenidade de asher. � um homem violento, partid�rio de ac��es brutais. devia ter reagido de forma vis�vel � tua promo��o. a sua margem de manobra n�o se reduz? certamente, mas n�o te entusiasmes. n�o � costume meu entusiasmar-me. hoje n�o est�s s�, mas os teus inimigos n�o desapareceram. ter�s conhecimento de tudo o que eu vier a saber. durante duas semanas, paser viveu em permanente agita��o. consultou os vastos arquivos do de�o do p�rtico, procedeu � reclassifica��o individual das tabuinhas de argila crua, de calc�rio e de madeira, das minutas das actas, dos invent�rios do mobili�rio, do correio oficial, dos rolos de papiro lacrados e do material de escriba, consultou a lista do seu pessoal, convocou cada um dos escribas, zelou pelo pagamento e ajustamento dos sal�rios, considerou as queixas em atraso e rectificou #96 os in�meros erros da administra��o. surpreendido com a vasta tarefa de que era incumbido, paser n�o se insurgiu e depressa obteve a ben�vola confian�a dos seus subordinados. todas as manh�s se reunia com bel-tran, cujos conselhos lhe eram preciosos. estava paser a resolver um problema delicado de cadastro, quando um escriba vermelhusco, de tra�os grosseiros, surgiu de repente � sua frente. larrot! por onde tens andado? a minha filha h�-de ser dan�arina profissional, tenho a certeza. como a minha mulher n�o concorda, sou obrigado a divorciar-me. quando retomas o teu trabalho? o meu lugar n�o � aqui. pelo contr�rio! tu �s um bom escriv�o...
tornaste-te numa pessoa demasiado importante. nestes escrit�rios, os escribas s�o obrigados a trabalhar e os hor�rios t�m de ser respeitados. isso n�o me conv�m. prefiro ocupar-me da carreira da minha filha. andaremos de terra em terra e participaremos nas festas de aldeia antes de conseguirmos um contrato numa companhia com experi�ncia a pobrezinha tem de ser protegida. � essa a tua �ltima palavra? trabalhas demasiado, e deparar-te-�s com interesses demasiado poderosos. prefiro abandonar a tempo o meu bast�o, a minha veste de fun��o e a esteia funer�ria, e viver longe dos dramas e dos conflitos. tens mesmo a certeza de que queres abandonar o cargo? a minha filha venera-me e ouvir-me-� sempre. quero faz�-la feliz. denes saboreava a sua gloriosa vit�ria. a luta fora renhida e a mulher tivera de recorrer a todas as suas amizades para afastar os in�meros concorrentes, amargamente frustrados com a derrota. seria ent�o denes e n�nofar a organizarem o banquete em honra do novo de�o do p�rtico. a habilidade do transportador e a for�a de persuas�o de sua mulher valeram-lhe, mais uma vez, o t�tulo de anfitri�o das recep��es da alta sociedade de m�nfis. a nomea��o de paser foi de tal maneira surpreendente #97 que era digna de uma verdadeira festa em que os membros da melhor sociedade rivalizassem em eleg�ncia. paser preparava-se sem grande entusiasmo. esta recep��o aborrece-me confessou ele a n�f�ret. tu �s muito estimado, meu querido. preferia passar a noite contigo. a minha fun��o n�o admite este g�nero de mundanidades. recus�mos os convites de todos os not�veis; mas este � de car�cter oficial. aquele denes... n�o lhe falta atrevimento! sabe que desconfio de que ele faz parte de uma conspira��o e mostra-se satisfeito! excelente estrat�gia para te lisonjear. achas que vai resultar? o riso de n�f�ret fascinou-o. como estava linda, com um vestido moldado ao corpo, que lhe deixava os seios a descoberto! e a sua cabeleira negra, com reflexos l�pis-laz�li, fazia sobressair o rosto gracioso, levemente pintado. toda ela era juventude, gra�a e amor. paser tomou-a nos bra�os.
apetece-me enclausurar-te. est�s com ci�mes? se algu�m pousar os olhos em ti, estrangulo-o. de�o do p�rtico, como ousas proferir tais inj�rias? paser envolveu o busto de n�f�ret com um colar de p�rolas de ametista, com pe�as em ouro, trabalhado com a forma de uma cabe�a de pantera. estamos arruinados, mas tu �s a mais bela. julgo que n�o se trata de uma tentativa de sedu��o. fui desmascarado. paser baixou a al�a esquerda do vestido dela. j� estamos atrasados advertiu n�f�ret. a senhora n�nofar, antes de vestir o seu trajo de cerim�nia, passou pelas cozinhas onde os carniceiros, depois de desmancharem o boi, #98 preparavam as pe�as de carne, que penduravam numa trave suspensa por pilares. ela pr�pria escolheu os peda�os para grelhar e os que serviriam para estufar, provou os molhos e assegurou-se de que as v�rias dezenas de gansos estariam prontos a tempo. depois, desceu � cave, onde o copeiro lhe mostrou os vinhos e as cervejas. segura da qualidade das iguarias e das bebidas, nenofar inspeccionou a sala do banquete, onde servas e servos dispunham ta�as de ouro em mesas baixas, travessas de prata e pratos de alabastro. toda a casa cheirava a l�tus e jasmim. a recep��o seria inesquec�vel. uma hora antes de chegarem os primeiros convidados, os jardineiros colheram frutos que seriam servidos frescos, guardando assim todo o seu sabor; um escriba verificou a quantidade de jarros de vinho colocados na sala do banquete, de forma a evitar qualquer fraude. o jardineiro-chefe verificou o estado das �leas, enquanto o porteiro endireitava a tanga e a peruca. guardi�o irredut�vel daqueles dom�nios, deixaria entrar apenas as personalidades conhecidas e as pessoas que fossem portadoras de convite. ao cair da tarde, enquanto o sol se apressava em direc��o � montanha do ocidente, surgiu o primeiro casal. o porteiro identificou um escriba real e a mulher, pouco depois, seguidos pela elite da grande cidade. os h�spedes da senhora n�nofar passeavam no quintal coberto de romanzeiras, figueiras e sic�moros, conversavam � volta dos pequenos lagos, nas p�rgulas e nas tendas de madeira, admiravam os ramos de flores dispostos no cruzamento das veredas. a presen�a do vizir bagey, que nunca assistia a recep��es, e de todos os conselheiros do fara�, impressionou a assist�ncia; seria uma noite memor�vel. depois de o disco solar desaparecer, os servos acenderam lampi�es que iluminaram o jardim e a casa. a senhora n�nofar e denes fizeram ent�o a sua entrada. ela, de pesada cabeleira, t�nica branca debruada a ouro, colar de p�rolas com dez
voltas, argolas em forma de gazela e sand�lias douradas, e ele, de cabeleira em tons claros, t�nica comprida e plissada, com capa, e sand�lias de couro adornadas a prata, eram o casal de anfitri�es da moda, felizes por ostentarem a sua riqueza com o manifesto intuito de suscitar inveja. de acordo com o protocolo, o vizir foi o primeiro a dirigir-se aos donos da casa. com as pernas pesadas, contentava-se com umas sand�lias #99 velhas, uma tanga grande e deselegante, e um sobrepeliz de mangas curtas. satisfeitos, a senhora n�nofar e denes inclinaram-se. que calor! queixou-se o vizir. somente o inverno � suport�vel. alguns instantes ao sol e fico com a pele a arder. um dos nossos tanques est� � tua disposi��o, se quiseres refrescar-te antes do banquete prop�s Denes. n�o sei nadar e tenho horror � �gua. o anfitri�o conduziu o vizir ao lugar de honra. seguiram-se os conselheiros do fara�, depois os altos dignit�rios, os restantes escribas reais e as personalidades que tiveram a sorte de serem convidadas para a festa mais prestigiada do ano. beltran e silkis figuravam entre os �ltimos; a senhora n�nofar saudou-os distraidamente. o general asher vir�? perguntou denes ao ouvido de sua mulher. acaba de confirmar que n�o vem. um imperativo de servi�o. e mentmos�, o chefe da pol�cia? est� doente. na sala do banquete, com o tecto ornamentado com folhas de videira, os convidados sentaram-se em confort�veis cadeiras almofadadas. � sua frente, ta�as, pratos e travessas em mesas de p�-de-galo. uma orquestra feminina tocava flauta, harpa e ala�de com leveza e alegria. rapariguinhas n�bias, todas nuas, circulavam entre os convidados e colocavam-lhes nas cabeleiras um pequeno cone de pomada perfumada que, ao derreter, exalava odores suaves e afastava os insectos. a cada um foi oferecida uma flor de l�tus. um sacerdote deitou �gua por cima de uma mesa de oferendas, colocada no centro da sala, para purificar os alimentos. de repente, a senhora n�nofar reparou que os her�is da festa n�o estavam presentes. este atraso � inadmiss�vel. n�o te preocupes. paser trabalha at� muito tarde; algum processo deve t�-lo
retido. numa noite como esta! os nossos convidados est�o impacientes, � preciso come�ar a servir o jantar. n�o estejas assim t�o nervosa. #100 perturbada, n�nofar pediu � melhor bailarina profissional de m�nfis para actuar mais cedo do que o previsto. com vinte anos, e aluna de sababu, a propriet�ria da locanda mais famosa da cidade, trazia apenas um cinto de pequenas conchas que se entrechocavam deliciosamente a cada movimento que fazia. na coxa esquerda, uma tatuagem representava o deus b�s, an�o h�lare e barbudo que concedia o dom da alegria a todas as mulheres. a artista captou a aten��o da assembleia desenhando as mais acrob�ticas figuras. entretanto, chegaram paser e n�f�ret enquanto os convidados mordiscavam bagos de uva e fatias finas de mel�o para abrir o apetite, n�nofar, cada vez mais irritada, reparou numa certa agita��o junto � entrada da propriedade. ei-los, enfim! venham, depressa. estou desolado desculpou-se paser. como explicar que n�o tinha conseguido resistir � vontade de despir n�f�ret, que o seu arrebatamento o tinha levado a rasgar-lhe a al�a do vestido, que aconteceu ter de esquecer os imperativos hor�rios e que o seu amor era muito mais importante do que o mais ilustre convite? despenteada, n�f�ret fora obrigada a escolher uma nova t�nica � pressa e a convencer paser a abandonar o leito de prazer. a bailarina retirou-se e a orquestra parou de tocar assim que o jovem casal atravessou o corredor da sala do banquete, sendo, nesse curto lapso de tempo, apreciado dos p�s � cabe�a por dezenas de olhos pouco indulgentes. paser vestira-se deselegantemente: a cabeleira curta, busto nu e uma tanga curta, lembravam a rudeza de um escriba do tempo das pir�mides. �nica concess�o para a �poca: um avental plissado que atenuava minimamente a austeridade da indument�ria. o homem correspondia ao rigor da sua reputa��o. jogadores inveterados apostavam j� no dia em que, como qualquer outro, ele cederia � corrup��o. outros entretinham-se comentando os vastos poderes do de�o do p�rtico, cuja juventude, de certa maneira incongruente, fatalmente o conduziria ao abuso. e criticava-se a decis�o do velho vizir, cada vez mais ausente e demasiado pronto a delegar parcelas da sua autoridade. in�meros cortes�os tentavam persuadir rams�s a substitu�-lo por um administrador experiente e activo. n�f�ret n�o suscitava as mesmas discuss�es. uma simples grinalda de flores sobre os cabelos, um colar largo a esconder os seios, u #101
uns brincos leves em forma de l�tus, pulseiras nos pulsos e nos tornozelos, uma longa t�nica de linho transparente que revelava as suas formas, que ela n�o escondia. contempl�-la encantava os mais insens�veis e amenizava os mais azedos; para al�m da juventude e da beleza, possu�a o luxo de uma intelig�ncia muito viva, que ostentava sem desd�m no olhar alegre. disso ningu�m tinha d�vidas; o seu encanto pessoal n�o exclu�a a for�a de car�cter que poucos conseguiriam fazer vibrar. por que raz�o se teria ela apaixonado por um simples juiz cujo ar severo n�o passava de uma garantia para o futuro? na verdade, ele tinha conseguido um lugar eminente, mas n�o seria capaz de o conservar por muito tempo. a paixoneta desapareceria e n�f�ret escolheria um partido mais promissor. onde o infeliz m�dico-chefe n�bamon falhara, outro seria bem sucedido. algumas grandes damas j� de certa idade lastimaram a aud�cia do trajo da mulher de um alto magistrado, ignorando que n�o tinha mais nenhuma t�nica para vestir. o de�o do p�rtico e sua mulher sentaram-se ao lado do vizir. os servos apressaram-se a servir fatias de carne de vaca grelhadas e um vinho tinto generoso. a tua mulher est� doente? inquiriu n�f�ret. n�o, mas ela nunca sai de casa. a cozinha, os filhos e a casa no centro da cidade s�o-lhe suficientes. quase sinto vergonha em ter aceitado uma casa t�o grande confessou paser. procederias mal se o n�o fizesses. se recusei o pal�cio que o fara� d� ao vizir, foi porque detesto o campo. depois de quarenta anos passados no mesmo s�tio, n�o fa�o ten��es de mudar de casa. gosto da cidade. os espa�os abertos, os insectos, os campos a perder de vista s�o-me indiferentes ou incomodam-me. como m�dica lembrou n�f�ret aconselho-te, apesar de tudo, que andes o mais poss�vel. vou e venho a p� para o escrit�rio. precisas de repousar mais. at� a situa��o dos meus filhos estabilizar, trabalharei menos tempo. algum problema? #102 com a minha filha, n�o. s� uma pequena desilus�o: tinha entrado no templo de hathor como aprendiza de tecedeira, mas n�o lhe agradou o facto de existirem rituais sucessivos durante todo o dia. empregou-se por isso numa quinta a contar gr�os de cereal e a� far� carreira. com o meu filho � mais dif�cil lidar; atrai-o o jogo das damas e nele perde metade do seu sal�rio de conferidor de tijolos cozidos. felizmente, vive em nossa casa e a m�e d�-lhe de comer. se conta comigo para melhorar a sua situa��o, engana-se. n�o tenho nem o dever nem a vontade de o fazer. que estes problemas, t�o banais, n�o te desencorajem; ter filhos � uma das maiores
alegrias do mundo. as iguarias e os vinhos, tudo de excelente qualidade, deixaram maravilhados os convidados, que trocaram trivialidades at� ao breve discurso do de�o do p�rtico, cujo tom surpreendeu toda a assist�ncia. apenas a fun��o conta, n�o o indiv�duo que a exerce de forma transit�ria. ma�t ser� a minha �nica guia, a deusa da justi�a, que tra�a o caminho dos magistrados deste pa�s. se se cometeram erros num passado recente, sinto-me respons�vel por eles. uma vez que o vizir deposita em mim a sua confian�a, desempenharei as minhas fun��es sem me preocupar com os interesses alheios. os assuntos pendentes n�o ficar�o esquecidos, mesmo que neles estejam envolvidos alguns not�veis. a justi�a � o tesouro mais precioso do egipto; desejo que todas as minhas decis�es tornem este pa�s mais pr�spero. na voz de paser havia vigor, clareza e determina��o. queml duvidasse ainda da sua autoridade, j� devia estar esclarecido. a juventude aparente do juiz n�o seria uma desvantagem; pelo contr�rio, proporcionar-lhe-ia uma energia indispens�vel, prova de uma maturidade impressionante. muitos mudaram de opini�o; afinal, o reinado do novo de�o do p�rtico talvez n�o fosse ef�mero. era j� tarde quando os convidados partiram; o vizir bagey, que gostava de se deitar cedo, foi o primeiro a despedir-se. todos iam cumprimentar e felicitar paser e n�f�ret. finalmente libertos, foram para o jardim. um alarido chamou-lhes a aten��o. aproximando-se de um tufo de tamarizes, aperceberam-se de uma discuss�o entre bel-tran e a senhora n�nofar. espero nunca mais te encontrar aqui. ent�o n�o me convidasses. #103 n�o seria delicado da minha parte. nesse caso, porqu� toda essa raiva? n�o s� persegues o meu marido com os avisos dos impostos, como tamb�m me impedes de assumir a inspec��o do tesouro! tratava-se de uma honra. o estado concedia-te um sal�rio que n�o correspondia a um trabalho real. estou a organizar os servi�os administrativos, que s�o demasiado dispendiosos, e n�o voltarei atr�s. podes estar certa de que o novo de�o do p�rtico aprovar� a minha atitude e de que ele teria agido exactamente da mesma maneira, dando-te, al�m disso, voz de pris�o. gra�as a mim livraste-te de boa. bela maneira de te justificares. �s mais perigoso do que um crocodilo, bel-tran. os s�urios limpam o nilo e devoram os hipop�tamos excedent�rios. denes devia tomar cuidado. as tuas amea�as n�o me assustam. intriguistas mais astutos do que tu nunca conseguiram nada.
nesse caso, espero ter melhor sorte. a senhora n�nofar, furiosa, afastou-se do seu interlocutor e bel-tran foi procurar a sua mulher, j� impaciente. paser e n�f�ret saudaram a alvorada na a�oteia da sua nova casa. meditavam sobre a alegria do dia que come�ava e os iluminava de um amor t�o doce quanto um perfume festivo. quando as gera��es desaparecessem, n�o s� na terra como no outro mundo, ele enfeitaria de flores a mulher amada e plantaria sic�moros junto ao lago de �gua fresca onde jamais se saciariam de os contemplar. e as suas almas, unidas, viriam beber � sombra, animadas pelo canto das folhas ondulando ao vento. #cap�Tulo 14 paser estava obcecado por uma emerg�ncia: um processo que declararia de uma vez por todas a inoc�ncia de kem lhe restituiria a dignidade. identificaria a suposta testemunha do chefe da pol�cia e culparia este �ltimo de apresentar falsas provas. mal se levantava, e ainda antes de o beijar, n�f�ret fazia-o beber duas grandes ta�as de �gua cobreada; uma constipa��o latente provava que a linfa do de�o do p�rtico continuava infectada e fr�gil depois da sua tomada de posse. paser engoliu rapidamente o pequeno-almo�o e precipitou-se para o seu gabinete onde foi logo cercado por um ex�rcito de escribas que brandiam um intermin�vel rol de queixas graves, oriundas de duas dezenas de aldeias. devido � recusa de um vigilante dos celeiros reais, o �leo e os cereais, indispens�veis ao bem-estar dos habitantes prejudicados por uma cheia insuficiente, n�o tinham sido distribu�dos. apoiando-se num regulamento obsoleto, o pequeno funcion�rio fazia tro�a dos camponeses esfomeados. o de�o do p�rtico, com a ajuda de bel-tran, consagrou dois longos dias � resolu��o deste assunto, t�o simples na apar�ncia, sem cometer erros administrativos. o vigilante dos celeiros foi nomeado vigilante do canal que passava por uma das aldeias que ele se recusara a abastecer. depois, surgiu uma outra dificuldade, um conflito entre produtores de frutos e escribas do tesouro encarregados de os contabilizar: para evitar intermin�veis processos judiciais, paser dirigiu-se ele pr�prio aos pomares, aplicou san��es aos respons�veis pela fraude e refutou as #106 acusa��es injustificadas dos agentes do fisco. apercebeu-se ent�o de como o equil�brio econ�mico do pa�s, alian�a entre um sector privado e uma planifica��o estatal, era um milagre constantemente renovado. cabia ao indiv�duo trabalhar conforme a sua vontade e, para al�m de um determinado limite, recolher o fruto do seu trabalho; cabia ao estado assegurar a irriga��o, a seguran�a dos bens e das pessoas, o armazenamento e a distribui��o de alimentos na eventualidade de uma cheia insuficiente e todas as restantes obriga��es de interesse comunit�rio.
percebendo que ficaria sufocado de trabalho se n�o controlasse o seu hor�rio, paser programou �o processo kem� para a semana seguinte. no momento em que o dia foi anunciado, um sacerdote do templo de ptah imediatamente se op�s: tratava-se de um dia nefasto, anivers�rio do combate c�smico entre h�rus, luz celeste, e seu irm�o seth, a tempestade. mais valia n�o sair de casa e n�o iniciar uma viagem; mentmos� utilizaria certamente esse argumento para n�o comparecer. irritado consigo pr�prio, paser teve de baixar os bra�os quando lhe foi submetido um assunto alfandeg�rio que implicava comerciantes estrangeiros. uma vez passado o des�nimo, come�ou a ler o processo; como esquecer o infort�nio do pol�cia n�bio que procurava o seu babu�no nos recantos mais obscuros da cidade? mentmos�, o chefe da pol�cia, abordou paser numa rua apinhada de gente, onde o novo de�o do p�rtico comprava flores vermelhas da n�bia para preparar uma tisana apreciada pelo seu c�o. pouco � vontade, mentmos� tornou-se mel�fluo. fui enganado confessou. no fundo, sempre te julguei inocente. de qualquer maneira mandaste-me para o degredo. n�o terias tu agido da mesma maneira no meu lugar? os juizes devem aplicar a justi�a de forma imparcial; sen�o j� n�o � cred�vel. neste caso, n�o foi feita justi�a. infeliz concurso de circunst�ncias, meu caro paser. hoje, o destino est� a teu favor e todos nos alegramos. soube que tens em nota: existem papiros com listas dos dias fastos e nefastos, que correspondem a acontecimentos mitol�gicos. (n. a.) nota: trata-se do carcad�, uma bebida ainda hoje consumida no egipto, as flores s�o as do hibisco. (n. a.) #107 teu poder, sob a al�ada do p�rtico, o processo do lament�vel caso do kem. est�s bem informado, mentmos�. falta-me apenas fixar uma data para o julgamento, que desta vez n�o ser� um dia nefasto. n�o seria melhor esquecermos estes incidentes deplor�veis? o esquecimento � o princ�pio de toda a injusti�a. n�o ser� o p�rtico o local onde devo proteger os fracos e livr�-los dos poderosos? o teu pol�cia n�bio n�o � um fraco. mas tu �s o poderoso que tenta destru�-lo ao acus�-lo de um crime que n�o cometeu. aceita um acordo que evite dissabores. de que g�nero?
alguns nomes podiam ser mencionados... os not�veis respeitam-nos. o que pode temer um inocente? os boatos, aquilo que se diz, a malevol�ncia... ser�o destru�dos no p�rtico. cometeste um erro grave, mentmos�. sou o bra�o diligente da justi�a. afastares-te de mim seria um erro grave. quero o nome da testemunha ocular que acusa kem de ter assassinado branir. inventei-o. claro que n�o. n�o terias utilizado esse argumento se essa personagem n�o existisse. considero os falsos depoimentos um acto criminoso suscept�vel de arruinar uma vida. o processo continuar�; colocar� em evid�ncia o teu papel de manipulador e permitir-me-� interrogar a tua famosa testemunha na presen�a de kem. qual o seu nome? recuso-me a revelar-to. est� assim t�o altamente colocada? sou obrigado a guardar sil�ncio. essa pessoa correria muitos riscos e poderia nem comparecer. seria considerado recusa de colabora��o numa investiga��o, e tu sabes qual � a pena. enganas-te! n�o sou um z�-ningu�m; sou o chefe da pol�cia! e eu sou o de�o do p�rtico. #108 de repente, mentmos�, cuja voz tinha adquirido um tom azedo e a cara uma cor vermelho-escuro, apercebeu-se de que j� n�o tinha � sua frente um insignificante juiz da prov�ncia, sequioso de integridade, mas o mais alto magistrado da cidade que, ao seu ritmo, progredia em direc��o ao objectivo que ele pr�prio tinha fixado. devo reflectir. espero-te amanh� de manh� no meu gabinete. revelar-me-�s ent�o o nome da tua falsa testemunha. ainda que o banquete celebrado em honra do de�o do p�rtico tivesse sido realmente um sucesso, denes j� n�o pensava nessa festa aparatosa que tinha posto em quest�o a sua reputa��o. preocupava-se antes em acalmar o seu amigo qadash, t�o excitado que at� gaguejava. de tr�s para diante, o dentista endireitava as mechas impertinentes da cabeleira branca. o fluxo de sangue tornava-lhe as m�os vermelhas e as veias do nariz pareciam prestes a rebentar. os dois homens tinham-se refugiado na parte mais recuada do jardim, longe dos
ouvidos indiscretos. o qu�mico ch�chi, que tinha combinado o encontro, assegurouse de que ningu�m podia ouvi-los. sentado junto a uma palmeira-tamargueira, o homem do bigodinho preto, sempre a recriminar a agita��o de qadash, partilhava os seus receios. a tua estrat�gia � uma cat�strofe! censurou qadash a denes. est�vamos todos de acordo em utilizar mentmos�, acusar kem e acalmar os �nimos do juiz paser. e falh�mos, de forma lament�vel! n�o sou capaz de trabalhar por causa das m�os que me tremem, e tu, ainda por cima, n�o me deixaste utilizar o ferro celeste! quando me comprometi a entrar nesta trama, prometeste-me um alto cargo no estado. primeiro o de m�dico-chefe, no lugar de n�bamon lembrou denes para o acalmar e depois algo ainda melhor, adeus, sonhos de grandeza! claro que n�o. #109 esqueces-te de que paser � o de�o do p�rtico, que quer organizar um processo que ilibe kem de qualquer suspeita e que exige a presen�a da testemunha ocular, ou seja, eu pr�prio?! mentmos� n�o pronunciar� o teu nome. estou menos seguro disso do que tu. ele meteu-se em intrigas para obter o lugar que ocupa; se nos trair, condena-se a si pr�prio. o qu�mico ch�chi meneou a cabe�a, num gesto de aprova��o. qadash, tranquilizado, aceitou uma ta�a de cerveja. denes, que tinha comido de mais no banquete, friccionou o ventre inchado. esse chefe da pol�cia � um incompetente lamentou-se. logo que tomarmos o poder, afast�-lo-emos. qualquer precipita��o seria prejudicial precisou ch�chi, com uma voz que mal se ouvia. o general asher finge que trabalha e eu n�o estou descontente com os meus resultados. logo que poss�vel, disporemos de um excelente ex�rcito e controlaremos os principais arsenais. sobretudo, � importante n�o aparecermos. paser est� convencido de que qadash quis roubar-me o ferro celeste e de que somos inimigos; ignora as nossas liga��es e n�o as descobrir� se formos prudentes. gra�as �s declara��es p�blicas de denes, ele julga que a actual estrat�gia militar � o fabrico de armas inquebr�veis. corroboraremos esta ideia. ser� assim t�o ing�nuo?
pelo contr�rio. um projecto desta envergadura chamar-lhe-� a aten��o. n�o h� nada mais importante do que uma espada capaz de quebrar capacetes, armaduras e escudos sem se danificar. com ela, asher fomentar� uma conspira��o para se apoderar do poder. eis a verdade que se impor� ao esp�rito do juiz. mas isso implica a tua cumplicidade acrescentou denes. a minha obedi�ncia enquanto especialista liberta a minha responsabilidade. continuo inquieto insistiu qadash, novamente a caminhar para a frente e para tr�s. quando ele se meter no nosso caminho, trataremos desse paser. por agora, � de�o do p�rtico! a pr�xima tempestade destru�-lo-� profetizou denes. cada dia que passa �-nos favor�vel lembrou ch�chi. o poder do fara� extingue-se como pedra corro�da. #110 nenhum dos tr�s conjurados, por�m, se apercebeu da presen�a de uma testemunha que n�o tinha perdido uma palavra da conversa. empoleirado no cimo de uma palmeira, matador, o babu�no-pol�cia, fitava-os com os seus olhos vermelhos. escandalizada com o comportamento faccioso e agressivo de bel-tran, a senhora n�nofar n�o permaneceu inactiva. convocou para sua casa os solicitadores das cinquenta fam�lias mais ricas de m�nfis, para lhes expor claramente a situa��o. os seus patr�es, tal como eles pr�prios, usufru�am de uma s�rie de cargos honor�ficos, que n�o eram obrigados a exercer, mas que lhes permitiam obter informa��es confidenciais e permanecer em contacto privilegiado com a administra��o. no seu impulso para tudo organizar, bel-tran estava a suprimi-los uns a seguir aos outros. desde os prim�rdios da sua hist�ria, o egipto tinha rejeitado sempre os excessos de autoritarismo dos novos-ricos, t�o perigosos como uma v�bora do deserto. o discurso animado da senhora n�nofar foi aprovado por unanimidade. um homem havia que tinha a obriga��o de tomar o partido da raz�o e da justi�a, e esse homem era paser, o de�o do p�rtico. assim, uma delega��o, composta por n�nofar e dez representantes eminentes da nobreza, conseguiu marcar uma audi�ncia para a manh� do dia seguinte. e ningu�m se apresentou de m�os vazias. todos depuseram aos p�s do juiz vasos de unguentos, um lote de tecidos preciosos e um cofre cheio de j�ias. recebe estas d�divas em homenagem � tua fun��o disse o mais velho. a tua generosidade comove-me, mas sinto-me obrigado a recus�-la. o velho dignit�rio ficou indignado. por que raz�o?
tentativa de corrup��o. jamais nos ocorreu tal pensamento! d�-nos o prazer de aceitares. leva estes presentes e oferece-os aos teus servidores mais dignos. #111 a senhora n�nofar achou indispens�vel intervir. de�o do p�rtico, exigimos que respeites a hierarquia e os valores tradicionais. encontrar�s em mim um aliado. tranquilizada, a mulher escultural do transportador denes exprime-se acaloradamente. bel-tran, sem qualquer raz�o aparente, acaba de anular o meu cargo de inspectora do tesouro e prepara-se para lesar muitos membros das fam�lias mais consideradas de m�nfis. ele causa, assim, graves preju�zos aos nossos costumes e op�e-se a privil�gios muito antigos. exigimos a tua interven��o para pores cobro a esta persegui��o. paser leu uma passagem da regra: tu, aquele que julgas, n�o distingas nunca um rico de um homem do povo. n�o te deixes impressionar pela beleza das roupagens, n�o desprezes aquele cujo trajo � simples por causa dos seus fracos recursos. n�o aceites presentes de quem possua bens, e n�o desfavore�as o fraco em proveito do primeiro. assim, o pa�s estabelecer-se-� solidamente, se te preocupares apenas com os actos quando emitires a tua senten�a. os princ�pios, conhecidos por toda a gente, geraram contudo alguma inquieta��o. o que significa essa advert�ncia? perguntou, espantada, a senhora n�nofar. que estou ao corrente da situa��o e que concordo com bel-tran. al�m disso, os vossos �privil�gios� n�o s�o muito antigos, uma vez que remontam aos primeiros anos do reinado de rams�s. est�s a criticar o rei? era seu intuito incitar-vos, enquanto nobres, a desempenharem novas obriga��es, e n�o a beneficiarem de um t�tulo. o vizir n�o manifestou nenhuma oposi��o em rela��o � nova organiza��o administrativa de bel-tran. os primeiros resultados s�o encorajadores. considerarias ent�o empobrecer a nobreza? restituir-lhe a sua verdadeira grandeza, para que seja um exemplo. #112 bagey, o rigoroso, bel-tran, o ambicioso, paser, o idealista: a senhora n�nofar arrepiou-se com a ideia de os tr�s serem aliados! felizmente, o velho vizir n�o tardaria a reformar-se, o chacal de dentes afiados quebr�-los-ia numa pedra, e o juiz
incorrupto acabaria por ceder �s tenta��es. tr�gua de senten�as feitas; para que lado pendes? n�o fui j� bastante claro? nenhuma pessoa not�vel p�de construir a sua carreira sem o nosso apoio. resigno-me a ser a excep��o. ser�s mal sucedido. tapeni estava �vida de amor. n�o tinha o arrebatamento inimit�vel de pantera, mas demonstrava uma imagina��o soberba, n�o s� nas atitudes, mas tamb�m na afabilidade. para n�o a desiludir, suti foi obrigado a acompanhar as suas divaga��es e at� mesmo a antecipar-se-lhe. tapeni sentia uma profunda afei��o pelo rapaz para o qual reservava tesouros de ternura. morena, pequena, nervosa, praticava a arte do beijo, ora com subtileza, ora com viol�ncia. felizmente, tapeni andava muito ocupada com o seu trabalho, e suti beneficiava de per�odos de repouso que aproveitava para tranquilizar pantera e provar-lhe intacta a sua paix�o. tapeni enfiava o vestido, suti endireitava a tanga. �s um homem bel�ssimo e um galanteador fogoso. �gazela saltadora� ia-te mesmo matar. a poesia n�o me interessa, mas a tua virilidade fascina-me. sabes falar-lhe com gestos convincentes, mas j� nos esquecemos do motivo da minha primeira visita. a agulha de madrep�rola? exactamente. � um belo objecto, raro, precioso, manejado apenas pelas pessoas de qualidade, peritas em tecelagem. possuis essa lista? claro. #113 importas-te de ma mostrares? s�o todas mulheres, rivais... est�s a pedir de mais. suti receava esta resposta. como poderia seduzir-te? �s o homem que eu queria. sinto a tua falta � tarde e � noite. sou obrigada a ficar sozinha, a pensar em ti. n�o achas insuport�vel este sofrimento?
poder-te-ia conceder de vez em quando uma noite. quero as noites todas. se calhar querias... casar, meu querido. por princ�pio moral, sou avesso ao casamento. ter�s de abandonar as tuas amantes, ficares rico, viveres em minha casa, esperares por mim, estares sempre disposto a satisfazer os meus mais loucos desejos. h� coisas mais dif�ceis. oficializaremos a nossa uni�o na pr�xima semana. suti n�o protestou. facilmente encontraria um m�todo de fugir a esta escravatura. quem utiliza as agulhas? tapeni fez uma careta. d�s-me a tua palavra? s� tenho uma. essa informa��o � assim t�o importante? para mim, �. mas se recusas... ela agarrou-se ao bra�o dele. n�o te zangues. torturas-me. estou a brincar contigo. agulhas deste tipo, poucas senhoras nobres sabem utiliz�-las com perfei��o e sem tremer. o instrumento exige habilidade e precis�o. s� vejo tr�s, e a mulher do antigo supervisor dos canais � a melhor. onde est� ela? tem oitenta anos e mora na ilha de elefantina, perto da fronteira sul. suti fez um beicinho. #114 e as outras duas? a vi�va do director dos celeiros, pequena e fr�gil; tinha, no entanto, uma for�a incr�vel. mas partiu o bra�o h� dois anos e... e a terceira? a sua aluna preferida, que, apesar da enorme fortuna que possui, continua a tecer a maior parte dos vestidos que usa: a senhora n�nofar.
#cap�TUlo 15 a audi�ncia come�aria a meio da manh�. embora kem n�o tivesse encontrado o babu�no, tinha aceitado comparecer. mal o dia raiou, paser ocupou o seu posto no p�rtico, para onde o destino o chamava. enfrentar mentmos� n�o seria f�cil; o chefe da pol�cia, disposto a tudo, n�o se deixaria apanhar como um can�rio amedrontado. o juiz temia a reac��o violenta de um alto funcion�rio pronto a espezinhar os outros para preservar os seus privil�gios. paser saiu do p�rtico e observou o templo ao qual o mesmo estava encostado. por detr�s dos altos muros, trabalhavam os especialistas da energia divina; conscientes das fraquezas humanas, recusavam-se a aceit�-las como uma fatalidade. o homem era argila e palha. s� Deus constru�a as moradas da eternidade onde residiam as for�as da cria��o, para sempre inacess�veis e, no entanto, presentes no mais modesto s�lex. sem o templo, a justi�a mais n�o seria do que uma grande ma�ada, um ajuste de contas e o dom�nio de uma casta. gra�as a ele, a deusa ma�t assumia o comando e cuidava da balan�a. ningu�m possu�a a justi�a; s� Ma�t, leve como uma pluma de avestruz, conhecia o peso dos actos. cabia aos magistrados servi-la com a ternura que uma crian�a dedica � sua m�e. sa�do da noite que acabava de findar, surgiu mentmos�. paser, algo friorento apesar da esta��o, envergava uma capa de l�. o chefe da pol�cia contentava-se com uma veste ajustada, que envergava com orgulho. preso � cinta, tinha um punhal de cabo curto e l�mina fina. o seu olhar era g�lido. #116 est�s muito madrugador, mentmos�. n�o fa�o ten��es de desempenhar o papel do acusado. chamei-te como testemunha. a tua estrat�gia � clara: destru�res-me com provas mais ou menos imagin�rias. devo lembrar-te de que, tal como tu, tamb�m eu fa�o aplicar a lei. esquecendo-te de a aplicares a ti mesmo. um inqu�rito n�o se faz com bons sentimentos. por vezes � preciso sujar as m�os. n�o te terias esquecido de as purificar? o momento n�o se compadece com uma moral de pacotilha. n�o prefiras um negro perigoso ao chefe da pol�cia. nada de desigualdades perante a justi�a; prestei juramento nesse sentido. quem �s tu, ent�o, paser? um juiz do egipto.
paser pronunciou estas palavras com tanta for�a e solenidade que mentmos� estremeceu. teve o azar de encontrar no seu caminho um magistrado de rija t�mpera, � moda antiga, um desses homens representados nos baixos relevos em ouro das pir�mides, de cabe�a erguida, respeitadores da rectid�o, amantes da verdade, insens�veis � censura e � adula��o. ao fim de tantos anos passados na alta administra��o, o chefe da pol�cia estava convencido de que, com o vizir bagey, esta ra�a se extinguia definitivamente. que pena, a erva daninha que pensava aniquilada, renascia com paser. porque me persegues? n�o �s uma v�tima inocente. fui manipulado. por quem? n�o sei. ent�o, vejamos, mentmos�! tu �s o homem mais bem informado do egipto e est�s a tentar convencer-me de que algu�m mais maquiav�lico do que tu engendrou toda esta trama de forma a incriminar-te? se � a verdade que queres, a� a tens. reconhece que ela n�o me favorece. #117 continuo incr�dulo. est�s enganado. n�o sei nada sobre a verdadeira causa da morte dos veteranos; e nada sei sobre o roubo do ferro celeste. o assassinato de branir oferecia-me a ocasi�o de me livrar de ti atrav�s de uma den�ncia an�nima. n�o hesitei, porque te odeio. odeio a tua intelig�ncia, a tua vontade de chegares ao fim custe o que custar, a tua recusa em fazeres acordos. mais cedo ou mais tarde, acabarias por me atacar. a minha �ltima alternativa era kem; se o tivesses aceitado como bode expiat�rio, ter�amos selado um pacto de n�o agress�o. o manipulador n�o ter� sido a tua falsa testemunha? mentmos� co�ou o cr�nio rosado. existe certamente uma conspira��o cujo c�rebro � o general asher, mas n�o consegui dar com o fio da meada. temos inimigos comuns. porque n�o nos aliamos? o sil�ncio de paser parecia um bom aug�rio. a tua intransig�ncia ser� sol de pouca dura afirmou mentmos�. permitiu-te subir muito alto na hierarquia, mas n�o persistas nesse caminho. conhe�o bem a vida; ouve os meus conselhos e n�o ter�s problemas. duvido. em boa hora o far�s! estou pronto a esquecer ressentimentos e a considerar-te meu amigo.
se n�o est�s metido na conspira��o observou paser em voz alta, ent�o, ainda � mais grave do que eu supunha. mentmos� ficou perturbado. esperava outra conclus�o. o nome da tua falsa testemunha � um dado muito importante. n�o insistas. ent�o, cair�s sozinho, mentmos�. n�o ousarias acusar-me... de conspirares contra a seguran�a do estado. os jurados n�o te dar�o ouvidos. veremos. h� queixas que chegam para os alertar. se te der esse nome, deixas-me em paz? n�o. n�o est�s a ser sensato. #118 n�o cederei a chantagem alguma. nesse caso, n�o tenho o m�nimo interesse em falar. como queiras. daqui a pouco come�a o julgamento. os dedos de mentmos� apertaram o cabo do punhal. pela primeira vez na sua carreira, o chefe da pol�cia sentia-se aprisionado numa armadilha. que futuro me reservas? o que tu escolheste. �s um excelente juiz, e eu um bom pol�cia. um erro pode sempre remediar-se. qual � o nome da falsa testemunha? mentmos� n�o cairia sozinho. o dentista qadash. o chefe da pol�cia aguardou a reac��o de paser. como o de�o do p�rtico continuasse calado, hesitou em ir-se embora. qadash repetiu ele. mentmos� virou as costas, na esperan�a de que esta revela��o o salvasse. n�o se tinha, por�m, apercebido da presen�a de uma testemunha atenta, cujos olhos avermelhados n�o o haviam largado um s� instante. o babu�no, empoleirado no telhado do p�rtico, parecia uma est�tua do deus tot. sentado, com as m�os espalmadas sobre os joelhos, parecia meditar.
paser percebeu que o chefe da pol�cia n�o tinha mentido. de outro modo, o macaco ter-se-ia atirado a ele. o juiz chamou matador. o babu�no hesitou, deixou-se escorregar do alto de uma coluna, p�s-se diante de paser e estendeu-lhe a m�o. quando encontrou kem, o animal saltou ao pesco�o do homem que chorava de alegria. as codornizes sobrevoavam os campos e desciam nas planta��es de trigo. cansada de uma longa migra��o, a chefe do bando n�o se tinha apercebido do perigo. cal�ados com sand�lias de papiro, rasteiros, os ca�adores desenrolaram uma rede de malhas apertadas, enquanto os ajudantes agitavam panos para espantar os p�ssaros. assustados, #119 foram capturados em grandes quantidades. assadas, as codornizes seriam uma iguaria apreciada nas melhores mesas. paser n�o gostava deste espect�culo. ver um ser vivo privado de liberdade fazia-o realmente sofrer, mesmo tratando-se de uma simples codorniz. n�f�ret, capaz de se aperceber do seu mais �ntimo sentimento, levou-o para longe daquele local. caminharam at� um lago de �guas tranquilas, cercado de sic�moros e tamargueiras, que um rei tebano ali tinha mandado plantar para a sua esposa real. segundo a lenda, a deusa hathor vinha ali banhar-se ao p�r do sol. a jovem esperava que a vis�o desse para�so pudesse acalmar o juiz. n�o era a confiss�o do chefe da pol�cia prova de que, desde os primeiros dias do inqu�rito levado a cabo em m�nfis, paser tinha apontado para uma das almas danadas da conspira��o? qadash n�o tinha hesitado em subornar mentmos� de forma a enviar o juiz para o degredo. apanhado como numa vertigem, o de�o do p�rtico interrogava-se se n�o estaria a ser o instrumento de uma vontade superior, que lhe tra�ava o caminho e o obrigava a seguir acontecesse o que acontecesse. a incrimina��o de qadash levava-o a colocar-se quest�es �s quais n�o devia responder com precipita��o e sem provas. uma �nsia, por vezes insuport�vel, atormentava-o. ansioso por descobrir a verdade, n�o se arriscava ele a desvaloriz�-la indo muito depressa? n�f�ret tinha decidido arranc�-lo ao escrit�rio, onde se encontravam os processos, e ao trabalho, sem dar ouvidos aos seus protestos, levando-o para um lugar solit�rio e apraz�vel nos campos ocidentais. estou a perder horas preciosas. ser� a minha companhia assim t�o desagrad�vel? desculpa. tens de te distanciar dos problemas. o dentista qadash vai levar-nos ao qu�mico ch�chi, e da� ao general asher e ao
assassinato dos cinco veteranos, e, sem d�vida, ao transportador denes e sua mulher! os conspiradores pertencem � elite deste pa�s. querem tomar o poder atrav�s de uma revolta militar, assegurando para tal o monop�lio de armas novas. eis o motivo por que fizeram desaparecer branir, futuro sumo-sacerdote de carnaque, que me autorizou a fazer investiga��es nos templos sobre o roubo do #120 ferro celeste. foi tamb�m por isso que tentaram fazer-me desaparecer, acusando-me da morte do meu mestre. o processo � complicado, n�f�ret! contudo, n�o sei se tenho raz�o. duvido das minhas pr�prias afirma��es. ela conduziu-o por uma vereda que contornava o lago. a meio da tarde, e suportando um calor excessivo, os camponeses dormitavam � sombra das �rvores ou das choupanas. n�f�ret ajoelhou-se na margem do lago e colheu uma flor de l�tus, que colocou no cabelo. um peixe prateado de ventre bojudo saiu da �gua e voltou a desaparecer num c�rculo de gotinhas cintilantes. a jovem entrou na �gua; molhada, ficou com o vestido de linho colado ao corpo, o que revelava todas as suas formas. mergulhou, nadou com agilidade e, para brincar, seguiu com a m�o os movimentos de um peixe que ziguezagueava � sua frente. quando saiu da �gua, o seu perfume era mais intenso, acentuado pelo banho. n�o vens para ao p� de mim? tinha um olhar t�o belo que paser esqueceu-se at� de se mexer. tirou a tanga enquanto ela tirava o vestido. nus e enla�ados, deixaram-se escorregar para cima de um tufo de papiros onde fizeram amor, plenos de felicidade. paser tinha-se oposto firmemente � partida de n�f�ret. por que motivo a teria convocado o m�dico-chefe, n�bamon, sen�o para lhe armar uma cilada e se vingar? kem e o babu�no seguiram n�f�ret com a finalidade de garantir a sua seguran�a. o macaco introduzir-se-ia no jardim de n�bamon, e, se o m�dico-chefe se tornasse amea�ador, interviria da forma mais brutal. n�f�ret n�o sentia medo; regozijava-se, pelo contr�rio, por conhecer as inten��es do seu mais cruel inimigo. apesar da oposi��o de paser, aceitava as condi��es de n�bamon: uma conversa a s�s. o porteiro deixou passar a jovem, que meteu por um caminho de tamargueiras, cujos ramos abundantes e entrela�ados tocavam o solo; #121 os seus frutos, de longos filamentos a�ucarados, deviam ser colhidos ainda h�midos do orvalho e depois secos ao sol. com a madeira, fabricavam-se sarc�fagos de renome, parecidos com o de os�ris, e bast�es que afastavam os inimigos da claridade. surpreendida pelo sil�ncio invulgar que reinava na imensa propriedade, n�f�ret lamentou, de repente, n�o vir munida com essa arma.
nem um jardineiro, nem um aguadeiro, nem um s� servo... as entradas do sumptuoso palacete estavam desertas. hesitante, n�f�ret entrou. o vest�bulo era fresco e bem arejado, se bem que mal iluminado por escassos feixes de luz. aqui estou disse ela. ningu�m respondeu. a casa parecia abandonada. ser� que n�bamon tinha voltado para a cidade, esquecendo-se do encontro? incr�dula, explorou os v�rios compartimentos. o m�dico-chefe dormia, estendido na cama espa�osa, no seu quarto com paredes decoradas com can�rios esvoa�antes e gar�as em repouso. tinha um ar cansado e a respira��o era curta e irregular. voltei repetiu ela docemente. n�bamon acordou. incr�dulo, esfregou os olhos e endireitou-se. foste corajosa... nunca o teria imaginado! �s assim t�o perigoso? ele contemplava-a, delicada. era... desejava o desaparecimento de paser e a vossa desgra�a. saber-vos juntos e felizes era para mim uma tortura; queria-te a meus p�s, pobre, suplicante. a tua felicidade impedia a minha. porque n�o havia eu de te seduzir? tantas outras sucumbiram ao meu ass�dio! mas tu n�o te pareces com elas. n�bamon tinha envelhecido muito; a voz, enfraquecida, tornara-se tr�mula. de que mal sofres? sou um animal desprez�vel. gostarias de saborear os meus bolos em forma de pir�mide, recheados com compota de t�maras? n�o sou gulosa. mas gostas de viver; ofereces-te � vida sem mod�stia! ter�amos formado um par formid�vel. paser n�o te serve, e tu sabe-lo bem; n�o ser� de�o por muito tempo, e tu passar�s ao largo da riqueza. #122 considera-la assim t�o indispens�vel? um m�dico pobre n�o progride. acaso a tua riqueza te protege do sofrimento? tenho um tumor vascular. nada que n�o tenha rem�dio. para aliviar a dor, recomendo aplica��es de suco de sic�moro, extra�do da �rvore no in�cio da primavera, antes de dar fruto. excelente receita. conheces bem o teu of�cio. a opera��o � inevit�vel. farei uma incis�o com um cani�o afiado, retirarei o tumor aquecendo-o ao fogo e depois cauterizo a ferida com uma lanceta.
tudo isso estaria muito certo, se o meu organismo fosse capaz de suportar a interven��o. encontras-te assim t�o debilitado? tenho os dias contados. por isso, mandei embora a minha fam�lia e os servi�ais. todos me aborrecem. o palacete deve estar num caos. ningu�m toma a iniciativa na minha aus�ncia. os imbecis que me obedecem a torto e a direito n�o sabem o que fazer. que farsa lament�vel... rever-te ilumina a minha agonia. posso auscultar-te? se isso te diverte. n�f�ret escutou a voz do seu cora��o, fraco e desordenado. n�bamon n�o mentia. estava gravemente doente. permanecia im�vel, respirando o perfume de n�f�ret, sentindo a do�ura da m�o dela sobre a sua pele, a ternura da orelha dela no seu peito. teria vendido a sua eternidade para que aqueles instantes n�o fossem interrompidos. mas j� n�o dispunha de tal tesouro; ao lado da balan�a do julgamento, a devoradora esperava-o. n�f�ret desviou-se. quem cuida de ti? eu, o ilustre m�dico-chefe do reino do egipto! como? desprezando-me. detesto-me, n�f�ret, porque n�o sou capaz de conquistar o teu amor. a minha exist�ncia foi um intermin�vel rol de sucessos, de mentiras e de inf�mias, mas falta-me o teu rosto, a paix�o que deveria ter-te trazido at� mim. morro por ti. #123 n�o tenho o direito de te abandonar. n�o hesites nem um segundo, aproveita a tua sorte! se eu me curasse tornar-me-ia numa fera, e n�o descansaria enquanto n�o fizesse desaparecer paser, para te capturar. um doente merece cuidados. aceitarias essa fun��o? em m�nfis h� excelentes m�dicos. s� te quero a ti, mais ningu�m. n�o te portes como uma crian�a. ter-me-ias amado sem o paser? conheces a resposta.
pe�o-te que mintas. a partir desta noite, os teus servos voltar�o. recomendo uma alimenta��o leve. n�bamon endireitou-se. juro-te que n�o participei em nenhuma das conspira��es que preocupam o teu marido. ignoro tudo o que diz respeito ao assassinato de branir, � morte dos veteranos e �s intrigas do general asher. o meu �nico objectivo era enviar paser para a pris�o e obrigar-te a seres minha mulher. por muito que viva, n�o terei outra. n�o achas que � preciso renunciar ao imposs�vel? outros ventos soprar�o, tenho a certeza. #cap�Tulo 16 radiante, pantera acariciava o peito de suti. tinham feito amor com o �mpeto de uma cheia crescente e t�o avassaladora que as suas ondas se lan�avam ao assalto das montanhas. porque est�s t�o triste? inquieta��es sem import�ncia. fala-se muito. de qu�? da sorte de rams�s, o grande. alguns dizem que mudou. no m�s passado, houve um inc�ndio nas docas; v�rios acidentes nos rios; e apareceram ac�cias rachadas de alto a baixo por fa�scas. banalidades. n�o para os teus compatriotas. acreditam que o poder m�gico do fara� se est� a esgotar. olha a grande coisa? ele vai celebrar uma festa de regenera��o e o povo manifestar� a sua alegria. porque espera ele ent�o? rams�s tem o sentido da oportunidade. e os teus aborrecimentos? n�o t�m import�ncia, j� disse. existe outra mulher. faz parte da minha investiga��o. que quer ela?
vejo-me obrigado a... #126 um casamento, com contrato e tudo! quer isso dizer que me repudias! desvairada, a l�bia de cabelos loiros quebrou algumas tigelas de barro e virou de pernas para o ar uma cadeira de palha. como � ela? alta, baixa, nova, velha? baixa, de cabelo muito escuro, e menos bonita do que tu. rica? bem relacionada. j� n�o te chego, n�o tenho fortuna! j� n�o te divertes com a tua puta loira e tornas-te num homem honrado com a tua burguesa morena! preciso de obter informa��es. e �s obrigado a casar? � uma simples formalidade. e eu? s� um pouco mais paciente. quando estiver satisfeito, pedirei o div�rcio. como ir� ela reagir? para ela, � apenas um capricho. esquecer� tudo depressa. recusa, suti. vais cometer um erro muito grave. � imposs�vel. p�ra de obedecer a paser! o contrato de casamento j� est� assinado. paser, de�o do p�rtico, primeiro magistrado de m�nfis e autoridade moral incontestada, amuou como um adolescente contrariado. n�o concordava com os esfor�os de n�f�ret em prol de n�bamon. a jovem tinha chamado v�rios terapeutas que se tinham postado � cabeceira do m�dico-chefe, reconduzira os seus servi�ais � propriedade e velava para que o doente fosse tratado e rodeado de cuidados. e esta atitude enraivecia-o. os inimigos n�o se ajudam praguejou ele. ser� que um juiz se pode exprimir dessa maneira? deve faz�-lo, pelo menos. #127
eu sou m�dica. esse monstro tentou destruir-nos, a ti e a mim. mas fracassou. e hoje, � ele que se destr�i interiormente. o mal n�o apaga as suas faltas. tens raz�o. ent�o, se o admites, n�o te preocupes mais com ele. ele n�o habita os meus pensamentos; cumpri apenas o meu dever. paser sentiu-se um pouco mais aliviado. ciumento? ele abra�ou-a. ningu�m o � mais do que eu. d�s-me autoriza��o para tratar de outro doente al�m do meu marido? se a lei mo permitir, n�o. bravo, de olhar inquieto, estendeu a pata direita a n�f�ret e a esquerda a paser. as desaven�as entre os seus donos deixavam-no infeliz. a sua postura de acrobata deu azo a uma gargalhada que o c�o, tranquilizado, partilhou com latidos. suti afastou dois copistas e, com os bra�os cheios de papiros, empurrou um escriv�o e for�ou a porta do gabinete de paser, que bebia um copo de �gua cobreada. os seus longos cabelos negros estavam em desalinho e o antigo her�i espumava de raiva. algum aborrecimento, suti? sim, tu! o de�o do p�rtico levantou-se e fechou a porta. a tempestade seria violenta. podemos discutir noutro lugar qualquer. nem pensar! este lugar � precisamente a causa da minha c�lera. �s v�tima de alguma injusti�a? est�s um burgu�s, paser! olha � tua volta: escribas, funcion�rios sem capacidade, esp�ritos mesquinhos preocupados apenas em#128 progredir. esqueces-te da nossa amizade, negligencias o inqu�rito sobre o general asher, n�o procuras a verdade, como se n�o acreditasses mais em mim! foste apanhado na cilada dos t�tulos e da respeitabilidade. no entanto, vi asher torturar e matar um eg�pcio, e sei que � um traidor; e tu, pavoneias-te como um not�vel! estiveste a beber.
cerveja de m� qualidade e em demasia. estava a precisar. ningu�m se atreve a falar-te como eu. o tacto n�o � o teu forte, mas n�o te sabia t�o est�pido. ainda por cima, insultas-me! nega o que eu disse, se �s capaz. senta-te. eu n�o pactuo com a tua atitude! aceita ao menos uma tr�gua. algo cambaleante, suti conseguiu sentar-se no ch�o sem perder o equil�brio. � in�til tentares seduzir-me. percebi bem o teu jogo. tens sorte. pois eu sinto-me perdido. admirado, suti voltou-se para paser. o que queres dizer com isso? v� bem: estou afogado em trabalho. no meu bairro em m�nfis, na qualidade de juiz de casos de pouca monta, tinha algum tempo para investigar. aqui, devo responder a cem solicita��es, despachar pilhas de processos, acalmar as c�leras de uns e as impaci�ncias de outros. a� est� a cilada. pede a demiss�o e vem comigo. quais s�o os teus planos? estrangular o general asher e livrar o egipto do mal que o destr�i. o mal n�o ser� atingido. certamente que sim! cortando a cabe�a � conspira��o, p�e-se fim � revolta. e o assassino de branir? suti sorriu cruelmente. eu fui um bom investigador. mas tive de me casar com a senhora tapeni. #129 aprecio o teu sacrif�cio. sen�o, ela n�o teria falado. finalmente, est�s rico. pantera n�o aceita a minha decis�o. um sedutor como tu deveria acomodar-se. eu, casado... � pior que o degredo! logo que possa, divorcio-me. a cerim�nia correu bem?
na mais estrita intimidade. ela n�o quis convidar ningu�m. mas na cama foi uma loucura completa. para tapeni, sou uma guloseima inesgot�vel. ent�o, e a investiga��o? s� algumas pessoas de elevada posi��o utilizam o tipo de agulha que matou branir. entre elas, a mais habilidosa e not�vel � a senhora n�nofar. se o lugar que ocupa de inspectora do tesouro � apenas honor�fico, � ela no entanto quem administra tudo, e conhece a mat�ria como ningu�m. a dama n�nofar, a mulher do transportador denes, a inimiga figadal de bel-tran, a mais ac�rrima partid�ria do juiz! no entanto, enquanto membro do j�ri, aquando do processo asher, ela n�o tinha criticado paser. de novo, o juiz se sentia a pisar em falso. a sua culpabilidade parecia evidente, mas isso nem por isso tornava mais s�lida a sua convic��o. prende-a imediatamente
aconselhou suti.
ainda n�o h� uma prova definitiva. tal como com o asher! porque recusas incessantemente a evid�ncia? eu n�o, suti, mas o tribunal. para considerar uma pessoa culpada de assass�nio, os jurados exigem um processo irrepreens�vel. mas eu casei e tudo! ent�o, empenha-te em conseguires mais informa��es. est�s cada vez mais exigente e fechas-te num c�rculo de leis que te afastam da realidade. recusas a verdade; asher � um traidor e um criminoso que tenta deitar a m�o ao ex�rcito da �sia. n�nofar assassinou o teu mestre. porque � que o general n�o fez nada? porque coloca os seus apaniguados em postos estrat�gicos, nos protectorados e mesmo no egipto. enquanto instrutor dos oficiais#130 asi�ticos, tem um conjunto de escribas e militares que lhe s�o dedicados. rapidamente, e com a ajuda do seu amigo ch�chi, ter� nas m�os armas de dif�cil destrui��o que lhe permitir�o enfrentar sem medo qualquer ex�rcito. e quem controla o ex�rcito governa o pa�s. paser continuava c�ptico. um golpe de estado militar n�o tem qualquer hip�tese de sucesso. j� n�o estamos na idade do ouro, mas sim no reinado de rams�s! nas nossas prov�ncias, h� milhares de estrangeiros; os nossos queridos compatriotas sonham muito mais em enriquecer do que em satisfazer os deuses. o velho c�digo moral est� morto. a pessoa do fara� continua sagrada. o general asher n�o tem envergadura para tanto. n�o ser� apoiado por nenhum cl�; o pa�s rejeit�-lo-�. o argumento surtiu efeito. suti admitiu que o seu racioc�nio, inatac�vel num pa�s da �sia, de nada valia no egipto de rams�s, o grande. uma fac��o, mesmo
superiormente armada, n�o conseguiria obter o apoio dos templos e muito menos a ades�o do povo. para governar as duas terras, n�o bastava a for�a. era preciso um ser m�gico, capaz de fazer um pacto com os deuses e de fazer reinar na terra o amor pelo al�m. prop�sito rid�culo aos ouvidos de um grego, de um l�bio ou de um s�rio, mas essencial aos ouvidos de um eg�pcio. quaisquer que fossem as suas qualidades de estratega e intrigu�sta, asher n�o possu�a as essenciais. � estranho comentou paser. captur�mos tr�s presum�veis culpados pela morte de branir: o de�o do p�rtico, exilado e a sofrer de inani��o; n�bamon, atingido por grave doen�a; mentmos�, � beira do abismo. todos tr�s podiam ter-me enviado a mensagem, ordenando-me que fosse encontrar-me com o meu mestre, e preparado uma encena��o destinada a incriminar-me. e tu, incluis ainda a senhora n�nofar. mas o antigo de�o parece-me fora de quest�o; teve o comportamento de um magistrado gasto, fraco, esmagado pelos seus compromissos. n�bamon jurou a n�f�ret que n�o estava metido em conspira��o alguma. e o chefe da pol�cia, habitualmente t�o habilidoso e t�o seguro de si, parecia ser o manipulado e n�o o manipulador. se com estes nos engan�mos fortemente, porque n�o hesitar tamb�m quanto � senhora n�nofar? #131 a� tens a conspira��o! os soldados de elite n�o s�o suficientes para o general asher. necessita do apoio de nobres e ricos. teve o da senhora n�nofar e o de denes, os negociantes mais abastados de m�nfis! gra�as � sua fortuna, asher p�de comprar sil�ncios, consci�ncias e cumplicidades. o c�rebro do esquema � duplo. mas denes n�o organizou um banquete para celebrar a minha investidura? e n�o tentou tamb�m comprar-te? quando n�o o consegue, encontra a verdade que lhe conv�m. tu, assassino de branir, e qadash, testemunha ocular do mesmo homic�dio, de forma a afastar definitivamente kem, o teu pol�cia fiel. desta vez, apesar da sua embriaguez, suti mostrava-se convincente. se est�s certo, os nossos advers�rios s�o ainda mais numerosos e poderosos do que imagin�vamos. ter� Denes o perfil de um chefe de estado? certamente que n�o! consciente de si mesmo e indiferente aos outros, tem uma vis�o das coisas muito limitada; as finan�as e o lucro pessoal s�o os seus �nicos horizontes. em contrapartida, a senhora n�nofar � mais tem�vel do que parecia; julgo-a capaz de segurar as r�deas de um governo. sejamos realistas, de�o do p�rtico! cinco cad�veres de veteranos, branir assassinado, v�rias tentativas de homic�dio... h� dez anos que o egipto n�o conhece tantas e tais acusa��es. o teu inqu�rito est� a emaranhar-se. j� que tens poder, usa-o! os teus pap�is podem esperar. s�o eles que garantem o equil�brio do pa�s e o bem-estar quotidiano da popula��o. se a conspira��o for bem sucedida, o que restar�? paser levantou-se, decidido.
o desleixo afecta-te, suti. um her�i precisa de fa�anhas. e tu, est�s pronto a correr riscos? tanto como tu. quero assistir ao castigo do general asher. a c�lica de silkis tinha tomado propor��es alarmantes. receando disenteria, beltran tinha vindo buscar n�f�ret a meio da noite. #132 a m�dica, embebeu sementes de funcho arom�tico para dar � doente. as suas propriedades sedativas e digestivas atenuariam os espasmos. como medicamento, e misturadas com bri�nia e coentro, aliviavam as enxaquecas. o belo umbel�fero de flores amarelas n�o seria o suficiente, dado que as diarreias eram muito dolorosas; assim, de quarto em quarto de hora, silkis devia tomar um copo cheio de cerveja de alfarroba, feita das vagens, e misturada com azeite e mel. uma hora depois do in�cio do tratamento, os sintomas abrandaram. �s maravilhosa balbuciou a paciente. fica tranquila. a partir de amanh� estar�s restabelecida. bebe a cerveja de alfarroba durante uma semana. devo recear complica��es? nenhumas. uma banal intoxica��o alimentar. mal tratada, ter-se-ia tornado inquietante. durante alguns dias, faz uma alimenta��o � base de cereais. bel-tran despediu-se calorosamente de n�f�ret e chamou-a de parte. n�o est�s a mentir, pois n�o? n�o te preocupes.
permite-me que te ofere�a uma bebida.
n�f�ret n�o recusou uns momentos de descanso, antes de come�ar um longo dia em que teria de visitar mais de uma d�zia de doentes, ricos e pobres. brevemente seria dia; era in�til tentar adormecer. desde que entrei no tesouro revelou bel-tran fiquei com ins�nias. enquanto a silkis dorme, fico a trabalhar nos processos para o dia seguinte. por vezes, forma-se-me uma bola no est�mago e tenho espasmos terr�veis. est�s a dar cabo do teu sistema nervoso. o tesouro n�o me d� descanso. agrade�o as tuas advert�ncias, mas... n�o se passa o mesmo contigo? passas a vida a correr de um lado para o outro da cidade e n�o resistes a nenhuma s�plica. o teu lugar n�o � aqui. o pal�cio tem falta de m�dicos da tua qualidade. foi precisamente por se rodear de med�ocres que n�bamon ficou sozinho. se ele te excluiu da equipa principal de m�dicos � porque �s competente. #133
� o m�dico-chefe quem decide as nomea��es; nem tu nem eu podemos fazer seja o que for. curaste o vizir e v�rias outras personalidades. vou reunir os seus testemunhos e apresent�-los � comiss�o disciplinar. at� os mais est�pidos v�o ser obrigados a reconhecer os teus m�ritos. n�o tenho muita vontade de lutar por mim mesma. paser, por ser de�o do p�rtico, n�o pode intervir a teu favor, sob pena de ser acusado de parcialidade, o que n�o � o meu caso. farei por ti tudo o que estiver ao meu alcance. tebas estava em alvoro�o. a grande cidade do sul, respons�vel pelas mais antigas tradi��es, mostrava-se sempre hostil �s inova��es econ�micas que m�nfis, a rival do norte, aceitava com toda a complac�ncia; esperava com impaci�ncia o nome do novo sumo-sacerdote, que teria �s suas ordens mais de oitenta mil subordinados, sessenta e cinco cidades e aldeias, um milh�o de homens e mulheres que trabalham quase directamente para o templo, quatrocentas mil cabe�as de gado, quatrocentos e cinquenta vinhedos e pomares e noventa navios. competia ao fara� fornecer os objectos de culto, os alimentos, o azeite, os incensos, os unguentos e o vestu�rio, e distribuir as terras, cuja posse seria corroborada por grandes esteias enterradas na terra, em cada canto, nos limites dos campos; e, ao sumo-sacerdote, cobrar os impostos sobre as mercadorias e sobre os pescadores. o pont�fice de �mon geria um estado dentro de um estado. o rei devia tamb�m nomear um homem fiel e obediente, mas que n�o fosse uma personagem apagada,- desprovida de autoridade. branir era um homem dessa t�mpera. o seu brutal desaparecimento tinha perturbado rams�s, o grande. na v�spera daentroniza��o, a sua escolha ainda n�o era conhecida. paser e suti tinham-se, por sua vez, afastado, por curiosidade e necessidade. uma vez consultado, o sumo-sacerdote de ptah, em m�nfis, n�o tinha podido fornecer qualquer informa��o sobre o roubo do ferro celeste. sem d�vida alguma, o metal precioso era oriundo de um templo do sul, e s� o sumo-sacerdote de carnaque orientaria os investigadores numa pista cred�vel. mas quem teria paser diante de si? #134 na qualidade de de�o do p�rtico, paser foi admitido no cais, na companhia de suti, que apresentou como seu assistente. uma grande quantidade de barcos ocupava a bacia cavada entre o nilo e o templo; renques de �rvores preservavam a frescura. os dois amigos, conduzidos por um sacerdote, passaram entre as esfinges de cabe�a humana, cujo olhar afastava os profanos. diante de cada um dos guardas, um rego transportava �gua para uma cavidade de cinquenta cent�metros onde cresciam flores. deste modo, a estrada sagrada que ligava o mundo exterior ao templo estava ornamentada com as mais vivas e variadas cores. paser e suti tiveram acesso ao primeiro grande �trio, onde alguns celebrantes, de cabe�as rapadas e envergando t�nicas de linho, guarneciam o altar de flores. quaisquer que fossem os acontecimentos, o culto devia ser assegurado. os fi�is, os pais divinos, os servos de deus, os mestres dos segredos, os encarregados dos rituais, os
astr�logos e os m�sicos abandonavam as suas ocupa��es, determinadas pela regra, em vigor desde o tempo das pir�mides. s� um n�mero muito restrito de pessoas vivia permanentemente no interior do santu�rio; os outros celebravam l� os rituais, durante per�odos mais ou menos longos que podiam ir de uma semana a tr�s meses. duas vezes por dia e duas vezes por noite, faziam purifica��es, pois achavam que a ascese interior se refor�ava com o asseio do corpo. os dois amigos sentaram-se num banco de pedra. a tranquilidade do lugar, a sua excel�ncia e a paz profunda inscrita nas pedras da eternidade, fizeram-nos esquecer inquieta��es e problemas. ali, a vida, preservada da eros�o da durabilidade, tinha um outro sabor. at� Suti, que n�o acreditava em deuses, encheu a alma de plenitude. o novo sumo-sacerdote de carnaque tinha recebido do rei as ins�gnias do seu cargo. um b�cuio em ouro e dois an�is. apesar de ser chefe do mais rico e grandioso dos templos do egipto, velaria por ele de forma a preservar os seus tesouros. todas as manh�s, abriria os batentes das portas do santu�rio secreto, a zona de luz onde �mon se regenerava no mist�rio do oriente. tinha prestado juramento de respeitar o # 135 ritual, renovar as oferendas, cuidar da morada divina onde a cria��o dos primeiros instantes se mantinha em equil�brio. no dia seguinte, pensaria no seu numeroso pessoal auxiliar, que compreendia o director de toda a sua casa, o mordomo, o camareiro, escribas, secret�rios e chefes de gabinete. na manh� seguinte, teria saudades da anterior exist�ncia tranquila, a que a vontade do fara� o arrancara. nesse momento de tanta intensidade, pensava no princ�pio mais importante da regra: n�o eleves a voz no templo, pois deus detesta gritos. que o teu cora��o saiba amar. n�o interpeles deus por tudo e por nada, pois ele preza o sil�ncio. o que sabe guardar sil�ncio assemelha-se � �rvore que cresce no pomar: os seus frutos s�o doces, a sua sombra apraz�vel, cresce verdejante e acaba os seus dias no pomar onde nasceu. o sumo-sacerdote recolheu-se longamente diante do sant�ssimo, �nico ponto do sacr�rio onde havia uma imagem de deus. nunca esperara viver tal emo��o, aniquilando todas as suas aspira��es passadas e esperan�as irris�rias. a veste de primeiro servo de �mon despojava-o da sua humanidade e fazia dele um desconhecido, mesmo aos seus pr�prios olhos. isso j� pouco importava, uma vez que n�o mais podia questionar-se acerca dos seus gostos ou das suas d�vidas. o sumo-sacerdote recuou, apagando as suas pegadas. a partir do momento em que se afastasse do sant�ssimo, voltaria a enfrentar o universo do templo. alguns aplausos saudaram o aparecimento do novo sumo-sacerdote no limiar da imensa sala com colunas, constru�da por rams�s. cabia-lhe a ele, de agora em diante, abrir caminho com o seu b�cul
o de ouro e governar um ex�rcito pac�fico, consagrado � gl�ria de �mon. paser teve um sobressalto. � incr�vel. conheces? perguntou suti. � kani, o jardineiro. #cap�Tulo 17 quando recebia no �trio as homenagens dos altos dignit�rios, kani deteve-se longamente em frente de paser. o juiz inclinou-se respeitosamente e, na troca de olhares que se seguiu, era vis�vel que os dois homens partilhavam da mesma profunda alegria. gostaria de te consultar o mais cedo poss�vel. receber-te-ei esta tarde prometeu kani. o pal�cio do sumo-sacerdote, pr�ximo da entrada do templo, era uma maravilha de arquitectura e decora��o. a beleza das pinturas, glorificando a presen�a das divindades na natureza, era um deleite para os olhos. kani recebeu paser no seu gabinete particular, j� repleto de papiros. os dois homens abra�aram-se calorosamente. estou feliz pelo egipto afirmou o juiz. assim tu possas diz�-lo! branir era o escolhido para o lugar que agora ocupo. s�bio entre os s�bios, quem se lhe poder� comparar? cada dia que passar honrarei a sua mem�ria e deporei oferendas aos p�s da sua est�tua, erigida no templo. rams�s n�o se enganou. na verdade, amo este lugar como se sempre aqui tivesse vivido. se aqui estou, a ti o devo. a minha ajuda foi insignificante. #138 mas decisiva. no entanto, sinto-te preocupado. o inqu�rito em que estou empenhado revela-se dos mais dif�ceis. em que posso ajudar-te? gostaria de proceder a algumas investiga��es no templo de coptos, na esperan�a de descobrir a origem do ferro celeste entregue ao qu�mico ch�chi, c�mplice do general asher. para incriminar o primeiro e provar a culpabilidade do segundo, preciso de retroceder at� �s origens, o que ser� imposs�vel sem a tua autoriza��o.
ser� poss�vel que sacerdotes sejam c�mplices de criminosos? tudo � poss�vel. n�o fugiremos �s dificuldades. d�-me uma semana. paser, com o corpo inteiramente rapado, alojou-se numa pequena casa perto do lago sagrado de carnaque e participou nos ritos como �sacerdote puro�. todos os dias escrevia a n�f�ret, elogiando o esplendor e a paz que se respirava no templo. suti, que n�o consentira em sacrificar os seus longos cabelos, refugiou-se em casa de uma amiga que ele encontrara enquanto assistia a uma regata. a beldade ainda n�o se tinha casado e sonhava com m�nfis. naturalmente, suti dedicou-se de alma e cora��o a distra�-la. na data prevista, o sumo-sacerdote recebeu os dois amigos na sala de audi�ncias. kani j� tinha mudado; se as fei��es do antigo jardineiro, especialista em plantas medicinais, continuavam curtidas pelo sol e sulcadas de rugas profundas, a sua express�o tornara-se majestosa. ao escolh�-lo, rams�s vislumbrara o pont�fice por debaixo do homem humilde. n�o precisara sequer de se adaptar; ao fim de t�o poucos dias, kani j� estava plenamente identificado com as suas novas fun��es. paser apresentou-lhe suti, bem pouco � vontade num lugar t�o austero. � de facto em coptos que as investiga��es devem continuar disse o sumo-sacerdote. os especialistas em metais preciosos e raros dependem do superior do templo, ele pr�prio antigo mineiro#139 e depois pol�cia do deserto. se algu�m te pode elucidar sobre a origem desse ferro celeste, � sem d�vida ele. coptos � o ponto de partida de todas as grandes expedi��es �s minas e �s pedreiras. estar� ele implicado? de acordo com os relat�rios que recebi, n�o est�. ele vigia, mas tamb�m � vigiado, e encarrega-se da entrega de materiais preciosos em todos os templos do egipto. desempenha o cargo h� vinte anos, sem qualquer irregularidade. tem acima de tudo a responsabilidade da rota do ouro. n�o obstante, lavrei uma ordem por escrito que te dar� acesso aos arquivos do templo. a meu ver, a fraude ocorreu noutro lugar; n�o ser� arriscado investigar junto dos mineiros e dos prospectores? um vento muito forte agitava os cabelos negros de suti; de p� na proa do barco que singrava em direc��o a m�nfis, a sua c�lera n�o abrandava e mostrava-se indignado com a calma de paser. coptos, o deserto, os tesouros das areias... mas que loucura! com o documento que kani me entregou, posso revistar o templo de coptos de alto a baixo. isso � absurdo! ladr�es deste quilate n�o s�o est�pidos ao ponto de deixarem pistas das suas proezas. a tua opini�o parece-me sensata. no entanto... no entanto, � preciso armarmo-nos em her�is e partir � aventura, na companhia de indiv�duos sem f� nem lei que n�o hesitam em matar um homem por uma pepita!
antigamente, a experi�ncia parecer-me-ia tentadora, mas hoje sou um homem casado, e... tu... armado em burgu�s!? j� agora gostava de usufruir um pouco da fortuna da tapeni em troca dos meus bons servi�os e lealdade. al�m disso, n�o me mandaste tentar extorquir-lhe mais informa��es? viver � custa de uma mulher... isso nem parece teu. manda o teu n�bio! depressa o reconheceriam. quem vai seguir essa pista sou eu. deliras, com certeza! nem dois dias ias conseguir aguentar. sobrevivi ao degredo. #140 os pesquisadores de pedras preciosas est�o habituados a morrer de sede, a suportar o sol mais abrasador e a lutar contra escorpi�es, serpentes e feras! esquece essa loucura! a verdade � o meu of�cio, suti. n�f�ret foi chamada de urg�ncia aos aposentos de n�bamon. apesar de ter permanentemente tr�s m�dicos � cabeceira, o doente acabara de entrar em coma, depois de ter chamado pela jovem m�dica. vento do norte aceitou conduzi-la; a bom ritmo, o burro tomou a direc��o da casa do m�dico-chefe. com a chegada de n�f�ret, n�bamon recobrou a consci�ncia. do�a-lhe o est�mago e queixava-se de dores no bra�o e no peito. �uma crise card�aca�, diagnosticou n�f�ret. pousou-lhe a m�o sobre o peito e magnetizou-o at� a dor passar. depois, mandou cozer raiz de bri�nia em �leo e acabou de preparar a po��o com folhas de ac�cia, figos e mel. tens de beber isto quatro vezes por dia recomendou. quanto tempo me resta de vida? o teu estado � grave. n�o sabes mentir, n�f�ret. quanto tempo? s� Deus � senhor do nosso destino, n�o me venhas com frases bomb�sticas! tenho medo de morrer e quero saber quantos dias me restam, para mandar buscar as rameiras e beber o meu vinho! a escolha � tua. n�bamon, p�lido como cera, agarrou-lhe o bra�o.
� tudo mentira, n�f�ret! � a ti que eu quero. beija-me, suplico-to. uma vez, apenas uma vez... ela soltou-se sem brusquid�o. o rosto de n�bamon cobriu-se de suor. o julgamento do al�m ser� severo. a minha vida foi med�ocre, mas tive a felicidade de dirigir a mais ilustre das equipas m�dicas. faltou-me apenas uma mulher, uma mulher de verdade, que fizesse de mim um homem menos perverso. antes de ir ao encontro de os�ris, ajudarei paser, aquele que me derrotou. diz-lhe que qadash comprou o #141 meu testemunho com amuletos, pe�as excepcionais que est�o � guarda do seu antigo intendente. para pagar semelhante pre�o, a cabala deve ser monumental. monumental... esta foi a �ltima palavra proferida pelo m�dico-chefe n�bamon, que expirou bebendo n�f�ret com os olhos. paser lembrou-se do intendente corrupto do dentista qadash; de facto, ele j� estivera implicado no tr�fico desses objectos que o pr�prio patr�o cobi�ava. afinal, n�o era uso trocar um belo amuleto em l�pis-laz�li por um cabaz de peixe fresco? vivos e mortos ansiavam por esta protec��o m�gica contra as for�as das trevas. em forma de olho, de perna, m�o, escada subindo para o c�u, utens�lios v�rios, flor de l�tus ou de papiro, ou representando divindades, os amuletos eram recept�culos de energias positivas. muitos eg�pcios, sem distin��o de idades ou classes sociais, os traziam ao pesco�o, em contacto directo com a pele. qadash ganhava import�ncia. paser p�s tamb�m a sua administra��o no encal�o do seu ex-intendente. as investiga��es foram r�pidas e f�rteis; o homem tinha arranjado um emprego semelhante numa grande propriedade do m�dio egipto, uma propriedade que pertencia a um amigo �ntimo de qadash, o transportador denes. durante a audi�ncia hebdomad�ria que o vizir concedia aos seus colaboradores mais pr�ximos, as quest�es debatidas eram numerosas. bagey gostava de interven��es concisas e detestava os que esbanjavam as palavras; as suas conclus�es eram sempre breves e sem apelo. um escriba registava-as e um outro transformava-as em decis�es administrativas que o vizir autenticava com o seu sinete. tens propostas a apresentar, juiz paser? apenas uma: a substitui��o do chefe da pol�cia. mentmos� � indigno do cargo que ocupa. as faltas que cometeu s�o demasiado graves para lhe serem perdoadas. #142 o secret�rio do vizir insurgiu-se. mentmos� prestou grandes servi�os ao pa�s. soube manter a ordem com uma presen�a de esp�rito exemplar.
o vizir conhece os meus argumentos explicou paser. mentmos� mentiu, forjou processos e zombou da justi�a. e s� o antigo de�o do p�rtico foi castigado; por que raz�o deveria o seu c�mplice ficar impune? o chefe da pol�cia n�o se ia comportar como um cordeirinho inocente! chega atalhou o vizir. os factos s�o conhecidos e est�o provados. este caso n�o cont�m quaisquer ambiguidades. come�a a ler, escriba. as acusa��es eram esmagadoras. paser, sem precisar de recorrer � mentira ou ao exagero, tinha posto em relevo as torpezas de mentmos�. quem deseja manter mentmos� no seu posto? perguntou o vizir, depois de ouvida a queixa. nem uma voz se elevou a favor do pol�cia. mentmos� est� demitido decidiu o vizir. se desejar apelar, ter� de comparecer perante mim. e se, de novo, for considerado culpado, a pena ser� o degredo. passemos imediatamente � nomea��o do seu sucessor. quem prop�es? kem declarou paser, pausadamente. mas isso � escandaloso! protestou um dos escribas. tamb�m outras vozes discordantes se manifestaram. kem possui uma larga experi�ncia insistiu paser. sofreu na carne o que ele considera uma injusti�a, mas apesar disso manteve-se sempre ao lado da ordem. � certo que n�o nutre qualquer esp�cie de amor pela humanidade, mas desempenha as suas fun��es como um sacerd�cio. um n�bio de baixa estirpe, um... um homem pr�tico, sem ilus�es. ningu�m conseguir� corromp�-lo. o vizir deu os debates por terminados. kem � nomeado chefe da pol�cia de m�nfis. se algu�m se op�e, que apresente os seus argumentos perante o meu tribunal. se eu os considerar inaceit�veis, ser� condenado por inj�rias. est� encerrada a audi�ncia. #143 na presen�a do de�o do p�rtico, mentmos� entregou a kem o bast�o de marfim encimado por uma m�o, que simboliza o poder do chefe da pol�cia, e um amuleto em forma de quarto crescente, onde estavam gravados um olho e um le�o, as ins�gnias da vigil�ncia. apesar da sua nomea��o, o n�bio recusara trocar o arco, as flechas, a espada e o escudo pela vestimenta dos not�veis. kem n�o fez quaisquer agradecimentos a mentmos�, que estava � beira de uma apoplexia, e nenhum discurso foi proferido. o n�bio, desconfiado, experimentou
imediatamente o sinete, n�o fosse o antigo chefe da pol�cia t�-lo falsificado. est�s satisfeito?
perguntou mentmos� com a sua voz roufenha.
sou testemunha da observ�ncia do decreto promulgado pelo vizir respondeu paser, serenamente. na minha qualidade de de�o do p�rtico, limito-me a registar a transfer�ncia de poderes. foste tu quem persuadiu bagey a demitir-me! o vizir agiu em conformidade com o seu dever. foram as tuas faltas que te condenaram. eu devia ter-te... mentmos� n�o se atreveu a dizer a palavra que lhe queimava os l�bios. o olhar do n�bio impediu-o de o fazer. uma amea�a de morte � um delito grave
declarou kem,
com voz severa. eu n�o proferi qualquer amea�a. n�o tentes nada contra o juiz paser. sen�o, ver-me-ei obrigado a intervir. o teu pessoal espera-te disse o juiz. ser� melhor sa�res de m�nfis o mais depressa poss�vel. nomeado superintendente das pescarias no delta, mentmos� passaria a viver numa pequena cidade costeira onde n�o se fomentavam outras conspira��es al�m do c�lculo do pre�o dos peixes, em fun��o do seu tamanho e do seu peso. mentmos� bem tentou encontrar uma r�plica contundente, mas a express�o hier�tica do n�bio cortou-lhe a inspira��o.# 144 kem tinha guardado a sua m�o da justi�a e o amuleto oficial no fundo de um cofre de madeira, por debaixo da sua colec��o de punhais asi�ticos. delegara as tarefas administrativas nos escribas, h�beis nesses exerc�cios rotineiros, e fechara a porta do gabinete de mentmos�, decidido a s� l� entrar muito raramente. a rua, os campos e a natureza eram os seus dom�nios predilectos e assim continuaria a ser; n�o era a ler papiros que se prendiam os culpados. tamb�m lhe agradava muito viajar na companhia de paser. desembarcaram em herm�polis, a cidade sagrada do deus tot, mestre da l�ngua sagrada; escarranchados em burros especializados no transporte de altas individualidades, atravessaram campos espl�ndidos e plenos de serenidade. estava-se na �poca das sementeiras; depois das cheias, a terra fertilizada pelos iodos oferecia-se �s charruas e �s enxadas que desfaziam os torr�es. os semeadores, com grinaldas de flores � volta do pesco�o e na cabe�a, lan�avam os gr�os � terra, esvaziando com gestos largos os seus saquit�is de fibras de papiro. depois, as vacas, as ovelhas e os porcos, ao pisarem-nas, enterravam fundo as sementes. por vezes, o lavrador desalojava um
peixe aprisionado num charco. os carneiros guiavam os seus rebanhos atrav�s dos melhores terrenos; se necess�rio, os pastores manejavam uma correia fina, cujo barulho chamava os mais indisciplinados ao bom caminho. uma vez cobertas de terra, por um processo alqu�mico an�logo � morte e ressurrei��o de osiris, as sementes fariam do egipto uma terra f�rtil e rica. a propriedade de denes era imensa. tinha tr�s aldeias sob as suas ordens. na maior, paser e kem beberam leite de cabra e provaram um iogurte salgado conservado em boi�es, barrando com ele fatias de p�o de ervas arom�ticas. os camponeses usavam o al�men, proveniente do o�sis de khargeh, para fazer coalhar o leite sem se azedar, e assim prepararem queijos de grande nomeada. com a fome saciada, os dois homens caminharam at� � enorme quinta de denes, composta por v�rios edif�cios: silos, celeiros, lagares, est�bulos, cavalari�as, capoeiras, padaria e oficinas. depois de lavarem os #145 p�s e as m�os, o juiz e o pol�cia exigiram a presen�a do intendente da propriedade. um palafreneiro foi procur�-lo � cavalari�a. mal a importante personagem avistou paser, fugiu a sete p�s. kem nem se mexeu. o babu�no deu um salto e atirou ao ch�o o fugitivo. quando as presas afiadas se enterraram nas suas costas, o intendente deixou de lutar. kem entendeu que um tal comportamento aconselhava um interrogat�rio cerrado. folgo em ver-te disse paser. a nossa presen�a, por�m, parece perturbar-te. tirem daqui esse macaco! quem te contratou? o transportador denes. por recomenda��o de qadash? o intendente hesitou. as mand�bulas do macaco cerraram-se. sim, sim! nesse caso, ele n�o te guardou rancor por o teres roubado. ou talvez a explica��o seja mais simples: denes, qadash e tu pr�prio s�o c�mplices. se tentaste fugir, � porque certamente tens pe�as escondidas nesta propriedade. ora eu redigi um mandato de busca, para execu��o imediata. aceitas ajudar-nos? est�s enganado. kem teria, de boa vontade, pedido a ajuda do macaco, mas paser preferiu uma solu��o menos dr�stica e mais met�dica. o intendente foi levado, amarrado e colocado sob a vigil�ncia de v�rios camponeses que odiavam a sua tirania. foram esses mesmos camponeses que informaram o juiz de que o acusado impedia o acesso a um armaz�m que fechava a sete chaves com v�rios ferrolhos de madeira. kem quebrou-os com a
ajuda do punhal. no interior, havia in�meros cofres, cujas tampas, ora rasas, ora abauladas, ora em bico, estavam amarradas com cordas passadas � volta de dois grampos, um de cada lado e outro sobre a tampa. os diversos m�veis, de v�rios tamanhos, eram muito valiosos. kem cortou as cordas. os v�rios cofres de madeira de sic�moro continham pe�as de linho de primeira qualidade, vestidos e tecidos. ser� este o tesouro da senhora n�nofar? vamos pedir-lhe os documentos de sa�da das oficinas. #146 os dois homens viraram-se para os cofres de madeira macia, folheados a �bano e ornados de embutidos. continham centenas de amuletos em l�pis-laz�li. uma verdadeira fortuna! exclamou o n�bio. o trabalho � t�o perfeito que vai ser f�cil descobrir a origem das pe�as. eu trato disso. denes e os seus c�mplices vendem-nos ao pre�o do ouro na l�bia, na s�ria e no l�bano, e noutros pa�ses �vidos da magia eg�pcia. talvez at� os vendam aos bedu�nos, com a garantia de os tornarem invulner�veis. atentado contra a seguran�a do estado? denes negar� e acusar� o intendente. mesmo sendo de�o do p�rtico, duvidas da justi�a. n�o sejas t�o pessimista, kem; ent�o a nossa visita n�o � oficial? escondido debaixo de tr�s cofres de tampa rasa, descobriram um objecto ins�lito que os deixou estupefactos. um cofre maci�o de madeira de ac�cia, todo dourado, com trinta cent�metros de altura por vinte de largura e quinze de profundidade. sobre a tampa em �bano, dois grampos de marfim, talhados com perfei��o. esta obra-prima � digna de um fara� murmurou kem. dir-se-ia tratar-se de uma pe�a funer�ria. nesse caso, n�o temos o direito de lhe tocar. tenho de investigar o seu conte�do. e n�o ir�s cometer um sacril�gio? n�o cont�m qualquer inscri��o. kem deixou o juiz tirar ele mesmo o fio que ligava os grampos de marfim aos que estavam embutidos nos lados. paser levantou a tampa muito devagar.
o brilho do ouro ofuscou-o. tratava-se de um enorme escaravelho em ouro maci�o! e, de cada lado, um cinzel de escultor, em miniatura, feito com ferro celeste, e um olho em l�pis-laz�li. o olho do ressuscitado, o cinzel utilizado para lhe abrir a boca no outro mundo, e o escaravelho, colocado no lugar do cora��o, para que as suas metamorfoses sejam eternas. #147 sobre o ventre do escaravelho, via-se uma inscri��o em hier�glifos que fora martelada t�o profundamente que se tornava imposs�vel decifr�-la. � um rei profanado afirmou kem. um rei cujo t�mulo foi pilhado. na �poca de rams�s, o grande, uma tal fa�anha parecia imposs�vel. v�rios s�culos atr�s, os bedu�nos tinham invadido o delta e pilhado as necr�poles. mas depois da liberta��o, os fara�s eram enterrados no vale dos reis, que era guardado noite e dia. s� um estrangeiro pode ter engendrado um plano t�o monstruoso continuou o n�bio, com voz tr�mula. perturbado, paser voltou a fechar o cofre. vamos levar este tesouro a kani. em carnaque, estar� em seguran�a. #cap�TUlo 18 o sumo-sacerdote de carnaque ordenou aos artes�os que examinassem o pequeno cofre e o seu conte�do. assim que recebeu o resultado da vistoria, convocou paser. os dois homens passeavam para tr�s e para a frente debaixo de um p�rtico, para se protegerem do sol. � imposs�vel identificar o propriet�rio destas maravilhas. ser� um rei? o tamanho do escaravelho � intrigante, mas h� poucos ind�cios. kem, o novo chefe da pol�cia, pensa tratar-se de uma viola��o de sepulcro. imposs�vel. teria sido notada e ningu�m teria conseguido abafar o esc�ndalo. como � que tal crime, o mais grave de todos, poderia passar despercebido? h� mais de cinco s�culos que tal crime n�o ocorre! rams�s t�-lo-ia denunciado e o nome dos culpados teria sido denegrido publicamente. kani tinha raz�o. o desvario do n�bio n�o se justificava. � poss�vel previu kani que estas pe�as admir�veis tenham sido roubadas das oficinas, fosse para denes as negociar, fosse para as colocar no seu pr�prio t�mulo. sabendo como denes era presun�oso, paser inclin�va-se mais para a segunda hip�tese.
j� investigaste em coptos? ainda n�o tive tempo respondeu o juiz. al�m disso, tenho d�vidas quanto ao m�todo a utilizar. #150 s� prudente. descobriram mais alguma coisa? os ourives de carnaque s�o claros: o ouro do escaravelho � oriundo da mina de coptos. coptos, situada a pouca dist�ncia de tebas, para norte, era uma cidade estranha. nas ruas cruzavam-se mineiros, pedreiros e exploradores do deserto, uns a partir, outros a chegar de uma temporada passada no inferno dos ermos abrasadores e rochosos. todos se comprometiam a descobrirem o maior fil�o na pr�xima tentativa. viam-se caravaneiros vendendo as suas mercadorias, provenientes da n�bia, ca�adores trazendo o produto da ca�ada ao templo e aos nobres, n�madas tentando integrar-se na sociedade eg�pcia. todos aguardavam o pr�ximo decreto real, que determinava os volunt�rios que iriam seguir uma das numerosas estradas que conduziam �s pedreiras de jaspe, de granito ou de p�rfiro, para os lados do porto de kossier, no mar vermelho, ou ainda em direc��o aos jazigos de turquesas do monte sinai. sonhava-se com o ouro, com as minas secretas ou por explorar, com o tesouro dos deuses, que o templo reservava aos deuses e aos fara�s. mil vezes se haviam urdido intrigas para os alcan�ar; e mil vezes haviam fracassado, devido � omnipresen�a de um corpo de pol�cia especializado, mais conhecido por �os de olho perspicaz�; acompanhados de c�es tem�veis e incans�veis, ferozes e cru�is, que identificavam a mais pequena pista, o mais pequeno curso de �gua, e se orientavam sem problemas num mundo hostil onde um profano n�o sobreviveria muito tempo. ca�adores de homens e animais, matavam bodes selvagens e gazelas e apanhavam os fugitivos evadidos das pris�es. as suas presas favoritas eram os bedu�nos que tentavam atacar as caravanas e assaltar os viajantes; numerosos, bem treinados, �os de olho perspicaz.� n�o lhes davam a m�nima hip�tese de levar a bom termo as suas vis empreitadas. se, por azar, um grupo de bedu�nos mais astutos alcan�ava os seus objectivos, a pol�cia do deserto passava a mensagem: apanh�-los e extermin�-los. h� j� alguns anos que nenhum lar�pio se podia gabar das suas proezas. a vigil�ncia aos mineiros era cerrada; e os pr�prios #151 ladr�es n�o tinham qualquer oportunidade de roubar qualquer quantidade de metal precioso que valesse a pena. enquanto se dirigia para o magn�fico templo de coptos, onde estavam guardados os mapas mais antigos, que revelavam a localiza��o dos tesouros minerais do egipto, paser cruzou-se com um grupo de pol�cias que empurrava � sua frente alguns
prisioneiros maltratados pelos c�es. o de�o do p�rtico estava impaciente e pouco � vontade. impaciente, porque queria fazer progressos e saber se coptos lhe traria revela��es inesperadas; pouco � vontade, porque receava que o superior do templo estivesse de conluio com os conjurados. antes de tomar qualquer iniciativa, tinha de dissipar essa d�vida ou confirm�-la. a recomenda��o vigorosa do sumo-sacerdote de carnaque foi das mais eficazes; assim que o documento foi lido, as portas abriram-se umas atr�s das outras e o superior recebeu-o imediatamente. era um homem j� de certa idade, corpulento e seguro de si; a dignidade de sacerdote n�o lhe tinha apagado as marcas de um passado de homem activo. que honra, e quanta preocupa��o! ironizou ele, com uma voz grave que fazia estremecer os seus subordinados. um de�o do p�rtico autorizado a remexer no meu modesto templo, eis um sinal de estima, com a qual eu n�o contava. o teu corpo de pol�cias est� pronto para invadir o templo? vim sozinho. o superior de coptos franziu as sobrancelhas hirsutas. n�o entendo muito bem a tua atitude. gostaria que me ajudasses. tanto aqui como l� fora, falou-se muito do processo que instauraste contra o general asher. em que termos? o general tem mais apoiantes do que advers�rios. de que lado te encontras? o homem � um cors�rio! paser disfar�ou o al�vio que sentiu. se o superior n�o estivesse a mentir, nem tudo estava perdido. de que o acusas? #152 sou um antigo mineiro e pertenci � pol�cia do deserto. h� cerca de um ano que asher tenta controlar �os de olho perspicaz�. mas, enquanto eu for vivo, jamais o conseguir�! a c�lera do superior n�o era mera encena��o. s� tu me poder�s informar sobre o estranho percurso de uma grande quantidade de ferro celeste encontrada em m�nfis, no laborat�rio de um qu�mico chamado ch�chi. � evidente que ele diz que ignorava a presen�a do metal precioso e afirma ter sido v�tima de uma cilada. contudo, tenta fabricar armas inquebr�veis, sem d�vida a mando do general asher. ch�chi necessita por isso deste ferro excepcional.
quem te contou isso quis certamente rir-se � tua custa. porqu�? porque o ferro celeste n�o � inquebr�vel! prov�m dos meteoritos. n�o � inquebr�vel...? essa hist�ria espalhou-se, mas n�o passa de uma mentira. conhece-se o local onde caem os meteoritos? podem cair em qualquer s�tio, mas eu possuo um mapa. apenas uma expedi��o oficial, sob o controlo da pol�cia do deserto, est� habilitada a retirar o ferro celeste e a transport�-lo para coptos. mas um bloco inteiro foi desviado. n�o me espanta. um grupo de ladr�es deve ter encontrado um meteorito cujo local n�o tinha sido registado. e asher servir-se-ia dele? para qu�? ele sabe que o ferro celeste est� reservado � pr�tica de rituais. ao mandar fazer armas deste metal, expor-se-ia a graves problemas. em contrapartida, vend�-lo ao estrangeiro, sobretudo aos hititas, onde � fortemente valorizado, proporcionar-lhe-ia novos lucros. vender, especular, negociar... essa n�o era a especialidade de asher, mas sim a do transportador denes, sempre t�o �vido de bens materiais! e, pelo caminho, ch�chi receberia a sua comiss�o. o qu�mico era apenas um receptador, a servi�o de denes. contudo, o general asher desejava associar-se � pol�cia do deserto. foi cometido algum roubo nas vossas reservas de metais preciosos? #153 sou vigiado por um ex�rcito de pol�cias, de sacerdotes e de escribas, e eu vigioos tamb�m, observamo-nos mutuamente. tinhas suspeitado de mim? tinha, confesso aprecio a tua franqueza passa c� alguns dias e compreender�s por que raz�o qualquer acto de pilhagem � imposs�vel. paser decidiu depositar a sua confian�a no superior. entre os bens acumulados por um traficante de amuletos, descobri um grande escaravelho em ouro maci�o ouro das minas de coptos. o antigo mineiro pareceu perturbado. quem faz tal afirma��o? os ourives de carnaque.
ent�o deve ser verdade. suponho que essa pe�a esteja registada nos teus arquivos. qual o nome do propriet�rio? a inscri��o foi martelada que pena. cada parcela de ouro proveniente da mina, desde a �poca dos mais antigos, tem sido realmente registada e encontrar�s informa��es sobre ela nos arquivos. o destino est� tamb�m indicado tal templo, tal fara�, tal ourives mas, sem o nome, n�o chegar�s a lado nenhum h� algum trabalho manual na pr�pria mina� �s vezes alguns ourives talharam objectos nos locais de extrac��o. este templo � todo teu; pesquisa-o de alto a baixo tal n�o ser� necess�rio desejo-te boa sorte. livra o egipto desse general asher, ele atrai a desgra�a paser estava convencido de que o superior de coptos estava inocente. provavelmente, seria melhor deixar de tentar averiguar a origem do ferro celeste, objecto de um novo neg�cio escuro de denes, cuja aptid�o na mat�ria parecia inesgot�vel mas era evidente que mineiros, ourives ou pol�cias do deserto pilhavam pedras ou metais preciosos, #154 fosse a mando de denes, fosse de asher, ou mesmo dos dois. aliados, n�o amealhariam eles uma imensa fortuna para passarem � ofensiva, de que o juiz n�o conseguiria nunca discernir a verdadeira natureza? se paser conseguisse provar que o general assassino comandava um grupo de ladr�es de ouro, asher n�o escaparia � mais dura condena��o. mas como consegui-lo sem se introduzir entre os prospectores? encontrar um homem suficientemente destemido seria dif�cil, quase imposs�vel. a miss�o anunciava-se deveras perigosa. tinha-a proposto a suti s� para o provocar. a �nica solu��o consistia em ir ele pr�prio, depois de ter convencido n�f�ret do fundamento da sua decis�o. os latidos de bravo alegraram-no. o c�o lan�ou-se em louca correria e parou ofegante aos p�s do dono, que o cobriu de festas. conhecendo bem o car�cter ciumento do seu burro, paser foi em seguida demonstrar-lhe tamb�m toda a sua afei��o. o olhar feliz de vento do norte reconfortou-o. quando beijou n�f�ret, o juiz sentiu-a preocupada e tensa. � grave disse ela. suti refugiou-se em nossa casa. h� uma semana que se meteu no quarto e se recusa a sair.
o que fez ele? s� falar� contigo. j� bebeu muito esta noite. paser. finalmente chegaste! exclamou suti, excitado. kem e eu descobrimos ind�cios important�ssimos explicou se n�f�ret n�o me tivesse escondido, teria sido deportado para a �sia! de que delito �s acusado? o general asher acusa-me de deser��o, de inj�ria a um oficial superior, de abandono do meu posto, perda de armas homologadas, cobardia perante o inimigo e den�ncia caluniosa. #155 ganhar�s o processo. claro que n�o. que receias ent�o? ao deixar o ex�rcito, n�o preenchi determinados documentos que me libertavam de todas as obriga��es. e o prazo legal j� passou. asher acusou-me, e com raz�o, de neglig�ncia. sou na verdade um desertor, e pass�vel de pris�o militar. que ma�ada! um ano num campo de trabalhos na �sia, eis o que me espera. podes imaginar como os escribas do general me v�o tratar! n�o conseguirei sair de l� vivo! intercederei por ti. cometi um erro, paser! tu, o de�o do p�rtico, serias capaz de agir contra a lei? corre-nos o mesmo sangue nas veias. cair�s comigo! a armadilha est� bem montada. resta-me apenas uma sa�da: aceitar a tua proposta e partir como prospector, desaparecer no deserto. fugirei da tapeni, da pantera, desse general assassino, e enriquecerei. a rota do ouro! n�o ser� este o mais belo dos sonhos? como tu mesmo disseste, n�o existe nada mais perigoso do que isso. n�o fui feito para levar uma vida sedent�ria. vou sentir a falta das mulheres, mas confio na minha sorte. n�o te queremos perder objectou n�f�ret. comovido, suti olhou-a demoradamente. voltarei. voltarei rico, poderoso e estimado! todos os ashers do mundo tremer�o ao ver-me e rastejar�o perante mim, mas eu serei impiedoso e esmag�-los-ei, calcando-os aos p�s. voltarei para vos beijar nas duas faces e saborear o banquete que ter�o
preparado em minha honra. na minha opini�o atalhou paser, mais valia festejares agora e abandonares esses teus projectos de b�bado. nunca estive t�o l�cido na minha vida. se ficar, serei condenado e arrastar-te-ei na queda; teimoso como �s, persistirias em defender-me e em lutar por uma causa desde logo perdida. assim, todos os nossos esfor�os teriam sido em v�o. #156 � mesmo necess�rio correr tais riscos? perguntou n�f�ret. sem uma proeza que d� nas vistas, como poderei apagar o mau passo que dei? a partir de agora, o ex�rcito est�-me vedado; resta-me apenas enveredar pela maldita profiss�o de pesquisador de ouro! n�o, n�o enlouqueci. desta vez, farei fortuna. sinto-o, na cabe�a, nos dedos, nas entranhas. a tua decis�o � mesmo irrevog�vel? h� uma semana que dou voltas e mais voltas na cama; j� tive tempo de sobra para pensar. nem tu conseguir�s convencer-me do contr�rio. nesse caso, tenho uma informa��o para te dar. sobre asher? kem e eu desmantel�mos um tr�fico de amuletos em que denes e qadash est�o implicados. � poss�vel que o general esteja implicado nos roubos do ouro. isso quer dizer que os conjurados est�o a acumular riquezas. asher, ladr�o de ouro! � espantoso! isso d� pena de morte, n�o d�? se se provar. �s meu irm�o, paser! e suti caiu nos bra�os do juiz. essa prova, serei eu quem ta vai trazer. n�o s� me tornarei rico, como tamb�m farei cair esse monstro do pedestal em que se encontra! n�o te entusiasmes, trata-se apenas de uma hip�tese. n�o, trata-se da verdade! j� que insistes, vou tornar a tua miss�o oficial. de que maneira? com o consentimento de kem, h� quinze dias que foste integrado na pol�cia do deserto. quinze dias... ou seja, antes das acusa��es do general! o kem detesta burocracia. ela estar� em ordem, que � o que interessa.
bebamos! exigiu suti. n�f�ret inclinou-se, resignada. infiltra-te entre os mineiros recomendou paser e n�o digas a ningu�m que �s pol�cia. revela-o apenas em caso de perigo, para te salvares. #157 suspeitas de algu�m em particular? asher gostaria de ter a pol�cia do deserto sob o seu comando. por isso, deve ter introduzido espi�es entre os pol�cias ou comprado alguns deles. o mesmo se passa com os mineiros. tentaremos estar em contacto permanente, quer pelo correio, quer por qualquer outro meio que n�o te coloque em perigo. deveremos estar mutuamente informados dos progressos dos nossos inqu�ritos. o meu c�digo de identifica��o ser�... �vento do norte�. se reconheces ser burro, o caminho da sabedoria permanece e ficar-te-� vedado. mas tens de me prometer uma coisa. est� prometida. n�o abuses da tua famosa sorte. se o perigo apertar, regressa. tu conheces-me, por isso mesmo. actuarei em segredo; tu, sim, tu � que �s um alvo exposto. estar�s tu a tentar demonstrar que eu corro mais riscos do que tu? se os juizes se tornarem inteligentes, este pa�s ter� o futuro garantido. #cap�TUlo 19 denes contou e voltou a contar os figos secos. depois de v�rias contagens, constatou o roubo. faltavam oito frutos em rela��o � contagem feita pelo escriba que se ocupava das �rvores de fruto. furioso, convocou o pessoal e amea�ou-os com os piores castigos se o culpado n�o se acusasse. uma cozinheira j� de meia-idade, que desejava acima de tudo paz e sossego, empurrou para a frente um garoto com cerca de dez anos, o filho do pr�prio escriba! este �ltimo foi condenado a 10 chicotadas e o rapaz a 15. o transportador prezava acima de tudo a moralidade; todos os seus bens deveriam ser tratados como tal. na aus�ncia da senhora n�nofar, ocupada a exercer as suas influ�ncias nos servi�os do tesouro, para tentar diminuir o poder de bel-tran, denes estava encarregado de manter a ordem em casa. a f�ria tinha-lhe feito fome. mandou servir carne de porco assada, leite e queijo fresco. por�m, a visita inesperada de paser f�-lo perder o apetite. simulando alegria, convidou-o, no entanto, a partilhar com ele a refei��o. o de�o do p�rtico sentou-se no muro de pedras secas que cercava a p�rgula, e observou o transportador com olhar grave. porque contrataste o antigo intendente de qadash, sabendo que tinha sido acusado
de desonestidade? o meu gabinete de emprego cometeu um erro. qadash e eu est�vamos convencidos de que esse desgra�ado tinha deixado a prov�ncia. deixar, deixou, mas para se tornar no respons�vel da tua maior explora��o agr�cola, perto de herm�polis. #160 deve ter usado um nome falso. podes ter a certeza de que amanh� mesmo ser� despedido. isso n�o ser� necess�rio. o homem est� preso. o transportador alisou o fino fio de barba que lhe debruava a cara e de que se destacavam alguns p�los mal aparados. preso? que delito cometeu? n�o sabias que ele era receptador? receptador; mas que palavra t�o feia! denes parecia indignado. tr�fico de amuletos, que guardava em cofres precisou paser. na minha explora��o? inacredit�vel, � uma loucura! pe�o-te a maior discri��o poss�vel, meu caro de�o; a minha reputa��o n�o deve ser abalada pelos crimes desse miser�vel. �s uma das suas v�timas. serviu-se de mim da forma mais vil, pois sabia que eu nunca l� ia. os meus neg�cios prendem-me em m�nfis e n�o aprecio nada a prov�ncia. ouso esperar que lhe seja aplicado um castigo bastante severo. n�o tens em teu poder nenhuma informa��o sobre a actua��o do teu intendente? nenhuma. sabias que estava escondido um tesouro nessa mesma quinta? o transportador pareceu atordoado. um tesouro, nos nossos dias! de que tipo? � segredo. n�o saber�s por acaso onde se encontra o teu amigo qadash? aqui mesmo. por causa do seu estado de fadiga, ofereci-lhe a minha hospitalidade. se a sa�de dele o permitir, ser� poss�vel v�-lo? denes, muito enervado, mandou chamar o dentista. gesticulando, completamente descontrolado, qadash lan�ou-se numa s�rie de explica��es desordenadas em que se defendia de ter contratado o intendente, e apenas afirmava t�-lo expulsado das suas terras. quanto �s perguntas de paser, limitava-se a responder com frases pomposas e
desarticuladas. ou o dentista de cabelos brancos estava a ficar louco, ou a representar. #161 o juiz interrompeu-o. parece-me que nem um nem outro sabiam de nada. o tr�fico de amuletos realizavase, pois, sem o vosso conhecimento. denes felicitou o juiz pelas suas conclus�es. qadash desapareceu sem se despedir. tens de o desculpar; sabes, � da idade, um esgotamento passageiro... o inqu�rito vai prosseguir acrescentou paser. o intendente n�o passa de um pe�o de xadrez; descobrirei quem planeou o jogo e quem ditou as regras. est� descansado que te manterei informado. deves-me isso. gostaria de me encontrar com a tua mulher. n�o sei a que horas regressar�. voltarei ao fim da tarde. � mesmo necess�rio? indispens�vel. a senhora n�nofar dedicava-se ao seu prazer favorito, a confec��o de vestidos. o juiz foi conduzido � sua oficina particular. com a cara pintada a preceito, estava a cozer a manga de um vestido comprido e manifestou a sua irrita��o. estou cansada. ser importunada na minha pr�pria casa � muito desagrad�vel. sinto muito. o teu trabalho � espl�ndido. os meus dons para a costura impressionam-te? fascinam-me. n�nofar pareceu desconcertada. que significa... de onde v�m estas pe�as de tecido que utilizas? isso s� a mim diz respeito. enganas-te. a mulher do transportador pousou o vestido e levantou-se indignada. #162 exijo que te expliques.
na tua propriedade do m�dio egipto, entre objectos suspeitos, encontravam-se pe�as de linho, vestidos e len��is. suponho que sejam teus. tens alguma prova do que afirmas? concreta, n�o. nesse caso, poupa-me �s tuas suposi��es e retira-te! vejo-me obrigado a faz�-lo, mas insisto num ponto: n�o sou parvo. pantera tinha terminado. alguns cabelos de um doente morto na noite anterior, alguns gr�os de cevada roubados de um caix�o de uma crian�a antes de ser fechado, pevides de ma��, sangue de um c�o preto, vinho azedo, urina de burro e serrim: o filtro seria eficaz. durante quinze dias, a l�bia de cabelos loiros empenhou-se afincadamente para conseguir obter todos estes ingredientes. a bem ou a mal, a sua rival beberia a po��o. louca de amor, mas nunca fr�gida, seduziria suti, e ele deixaria a outra num instante. pantera ouviu barulho. algu�m acabara de entrar pelo jardim na pequena casa caiada de branco. apagou a lamparina que iluminava a cozinha e muniu-se de uma faca. ela tinha tido a coragem de vir! a malvada desafiava-a debaixo do seu pr�prio tecto, certamente com a inten��o de a eliminar! o intruso entrou no quarto, abriu um saco de viagem e atirou de forma desordenada algumas pe�as de roupa l� para dentro. pantera ergueu a arma. suti! ele virou-se. julgando-se amea�ado, atirou-se para o ch�o. a l�bia largou a faca. enlouqueceste? suti levantou-se, imobilizou-lhe os punhos e p�s os p�s em cima da l�mina. #163 isto � uma faca, n�o? para a trespassar, a ela! de quem est�s tu a falar? daquela com quem casaste. esquece-a e esquece-me tamb�m a mim. pantera sobressaltou-se. suti... como v�s, estou de partida. para onde?
miss�o secreta. mentes, vais ter com ela! ele deu uma gargalhada, afastou-se dela, enfiou uma �ltima pe�a de roupa no saco e p�-lo ao ombro. podes ficar descansada, que ela n�o me seguir�. pantera agarrou-se ao amante. assustas-me. explica-te, suplico-te! fui dado como desertor e tenho de deixar m�nfis o mais depressa poss�vel. se o general asher me apanha, morrerei no ex�lio. o teu amigo paser n�o te protege? fui negligente e estou em falta. se desempenhar bem a tarefa que paser me confiou, vencerei asher e regressarei. suti beijou pantera com arrebatamento. se est�s a mentir amea�ou ela mato-te. kem fez inqu�ritos nas f�bricas de amuletos mais prestigiadas, ajudado por subordinados directos de kani. mas as investiga��es a nada conduziram. o chefe da pol�cia deixou tebas e apanhou um barco para m�nfis onde prosseguiu com o mesmo tipo de investiga��es, tamb�m elas infrut�feras. o n�bio reflectiu. os maravilhosos amuletos, objecto de um tr�fico ilegal, n�o provinham de uma oficina privada. interrogou igualmente numerosos informadores, sens�veis � presen�a do babu�no. um deles, um an�o de origem s�ria, aceitou falar com a condi��o de receber tr�s sacos de #164 cevada e um burro com menos de tr�s anos. redigir um requerimento escrito e seguir os tr�mites legais teria levado demasiado tempo. o n�bio sacrificou o seu ordenado e amea�ou o an�o de lhe partir as costelas se tentasse engan�-lo. o an�o evocou a exist�ncia de uma oficina clandestina, aberta h� cerca de dois anos no bairro norte, perto de um estaleiro. disfar�ado de aguadeiro, kem observou o movimento durante v�rios dias. ap�s o encerramento do estaleiro, alguns oper�rios de ar suspeito entravam numa ruela sem sa�da aparente e sa�am antes do amanhecer com um cesto fechado que entregavam a um barqueiro. na quarta noite, o n�bio desapareceu na passagem estreita. acabava numa parede de juncos cobertos de lama seca, a imitar um muro. com um murro, deitou-a abaixo. quatro homens, estupefactos, assistiram � invas�o do colosso negro, seguido pelo babu�no. kem espancou o mais fraco, o macaco mordeu o segundo na barriga das
pernas, e o terceiro fugiu. quanto ao �ltimo, o mais velho, permaneceu im�vel. na m�o esquerda, segurava um magn�fico n� de �sis em l�pis-laz�li. quando kem se aproximou dele, deixou-o cair. �s tu o patr�o? ele abanou a cabe�a. baixo, barrigudo, estava apavorado. kem apanhou o n� de �sis. excelente trabalho. dir-se-ia que n�o �s um aprendiz; onde aprendeste esta arte? no templo de ptah balbuciou ele. porque sa�ste de l�? fui despedido. porqu�? o artes�o baixou a cabe�a. roubo. a oficina, de tecto baixo, era abafada. ao longo das paredes de lama seca estavam empilhados cofres contendo blocos de l�pis-laz�li oriundos das long�nquas regi�es montanhosas e, em cima de uma mesa baixa, os amuletos j� prontos; num cesto, as pe�as defeituosas e as aparas. quem te contratou? #165 j�... j� n�o me lembro. ent�o, rapaz! � muito feio mentir. e, al�m disso, irritas o meu macaco. n�o tem o nome de matador por acaso. quero o nome daquele que dirige este tr�fico. vais proteger-me? na pris�o reservada aos ladr�es estar�s em seguran�a. o homem sentia-se feliz por deixar m�nfis, nem que fosse para o inferno. mas esqueceu-se de responder. estou � espera insistiu kem. a pris�o... n�o h� mesmo maneira de escapar? isso depende de ti. e sobretudo do nome que me deres. n�o deixou rasto e negar� tudo; o meu testemunho ser� insuficiente. n�o te preocupes com as dilig�ncias legais. mais valia libertares-me.
acreditando na passividade do n�bio, o artes�o esbo�ou um passo em direc��o � rua. uma m�o pesada apertou-lhe o pesco�o. o nome, e j�! ch�chi. o qu�mico ch�chi. paser e kem caminhavam ao longo do canal onde circulavam os cargueiros. os marinheiros insultavam-se e entoavam can��es, uns a chegar, outros a partir. o egipto era um pa�s pr�spero, feliz e em paz. contudo, o de�o do p�rtico sofria de ins�nias e pressentia uma trag�dia, sem conseguir identificar as causas desse mal. todas as noites falava delas a n�f�ret, a quem comunicava a sua inquieta��o. apesar do seu optimismo inato, a jovem admitia que a ang�stia do marido tinha fundamento. tens raz�o disse paser ao chefe da pol�cia; o processo de ch�chi acabaria num beco sem sa�da. ele vai declarar-se inocente, e a palavra de um ladr�o, expulso de um templo, de nada valer�. contudo, o homem n�o mentiu. disso n�o duvido. afinal, a justi�a rosnou o n�bio para que serve? #166 d�-me mais algum tempo. neste momento, j� conhecemos os la�os de amizade que unem denes a qadash e qadash a ch�chi. os tr�s s�o c�mplices. al�m disso, ch�chi � provavelmente um fiel servidor de asher. eis quatro conjurados, respons�veis por v�rios crimes. suti deve trazer-nos provas de que asher est� implicado; estou convencido de que foi ele quem roubou o ferro celeste e de que � ele o organizador do tr�fico de metais preciosos, como o l�pis-laz�li e at� mesmo o ouro. o cargo que ocupa, de especialista dos neg�cios asi�ticos, d�-lhe todo o espa�o de manobra de que precisa. denes � ambicioso, �vido de fortuna e de poder; manipula qadash e ch�chi, que contribuiu com os seus conhecimentos t�cnicos. e n�o posso esquecer-me da senhora n�nofar, t�o h�bil a manejar a agulha como a furar a nuca do meu mestre. quatro homens e uma mulher... como � poss�vel que eles sozinhos consigam desestabilizar rams�s? essa pergunta n�o me sai da cabe�a, mas n�o sou capaz de responder. porque ser� que, e caso se trate dos mesmos indiv�duos, pilharam um t�mulo real? persistem ainda tantas incertezas, kem; o nosso trabalho est� longe de ficar conclu�do. apesar da minha posi��o, continuarei a investigar sozinho. s� confio em ti. dispensar-te-ei das tarefas administrativas. se... diz. tem tanto cuidado como eu.
s� fa�o confid�ncias ao suti e � N�f�ret. ele � teu irm�o de sangue, ela � tua irm� para a eternidade. se algum deles te trair, ser�o castigados tanto c� em baixo como l� em cima. porqu� tanta desconfian�a? porque te esqueces de fazer uma pergunta essencial: os conjurados s�o s� cinco, ou mais? a meio da noite, com a cabe�a coberta com um xaile, ela aventurou-se a ir ao armaz�m onde, a pedido dos seus amigos, tinha marcado #167 um encontro com o devorador de sombras. o destino tinha-a escolhido a ela para se encontrar com ele e lhe transmitir as ordens. normalmente n�o procediam assim; mas a urg�ncia da situa��o exigia um contacto directo e a certeza de que as ordens seriam perfeitamente compreendidas. exageradamente pintada, irreconhec�vel, vestida com um grosso vestido de camponesa e sand�lias de papiro, n�o corria o risco de ser identificada. devido � descoberta do juiz paser, o transportador denes tinha convocado os amigos para uma reuni�o de emerg�ncia. se a confisca��o do bloco de ferro celeste representava apenas uma perda financeira, a descoberta dos objectos funer�rios que pertenciam a qu�ops revelava-se preocupante. � evidente que paser n�o poderia nem identificar o rei, cujo nome tinha sido cuidadosamente martelado, nem aperceber-se da chantagem a que rams�s estava a ser submetido. nem uma s� palavra sairia da boca do homem mais poderoso do mundo, solit�rio, incapaz de confessar que j� n�o possu�a os s�mbolos do governo, sem os quais a sua legitimidade estava destru�da. denes votou a favor do imobilismo; o crescente interesse do de�o do p�rtico n�o o assustava; mas a maioria dos conjurados tinha votado contra. mesmo que paser n�o tivesse nenhuma hip�tese de descobrir a verdade, estava cada vez mais preocupado com as respectivas actividades de cada um deles. o qu�mico ch�chi foi o mais virulento; afinal, n�o tinha ele acabado de perder os benef�cios substanciais do seu tr�fico de amuletos clandestino? obstinado, paciente, rigoroso, o juiz acabaria por organizar um processo; uma ou mais personalidades seriam acusadas, talvez condenadas e at� mesmo encarceradas. por um lado, a conjura sofreria um duro golpe; e, por outro, as v�timas da f�ria do magistrado perderiam a honorabilidade de que tanto necessitavam no dia seguinte � abdica��o de rams�s. a mulher estremecera ao ver-se escolhida, mas depois o seu cora��o enchera-se de j�bilo. o seu corpo fora percorrido por um arrepio empolgante, id�ntico ao que sentira ao desnudar-se diante do guardi�o-chefe da esfinge de gize. ao atrair o seu olhar, levara-o a abrandar a vigil�ncia e abrira as portas da morte. tinham sido os seus encantos que os haviam conduzido � vit�ria. #168 n�o sabia nada sobre o devorador de sombras, a n�o ser que praticava crimes por encomenda, mais pelo prazer de matar do que pelas chorudas retribui��es. assim que
o viu, sentado em cima de uma caixa, a descascar uma cebola, sentiu-se ao mesmo tempo horrorizada e fascinada. est�s atrasada. a lua j� ultrapassou a extremidade do porto. � necess�rio agir de novo. quem? trata-se de uma tarefa delicada. mulher, crian�a? um juiz. n�o se assassinam juizes no egipto. n�o ter�s de o matar, mas apenas de o incapacitar. isso � dif�cil. que desejas em troca? ouro. muito ouro. t�-lo-�s. quando? faz o trabalho como deve ser. que todas as pessoas fiquem convencidas de que paser foi v�tima de um acidente. o de�o do p�rtico em pessoa! isso faz aumentar a quantidade de ouro. n�o toleraremos falhas. e eu muito menos. paser est� protegido; n�o posso fixar uma data. de acordo. mas quanto mais cedo melhor. falta s� um pormenor. qual? atento como uma v�bora, ele agarrou-lhe o bra�o at� quase partir, e obrigou-a a virar-se de costas. quero um adiantamento. n�o ousarias... um adiantamento carnal. ele levantou-lhe o vestido. ela n�o gritou. �s louco!
e tu imprudente. n�o me interessa quem possas ser. se cooperares, ser� melhor para os dois. #169 assim que sentiu o sexo dele entre as suas coxas, ela deixou de resistir. fazer amor com um assassino excitava-a muito mais do que as investidas habituais. sobre este epis�dio, nada diria aos outros. a penetra��o foi r�pida e violenta, como � costume em casos tais. o teu juiz n�o te incomodar� mais prometeu o devorador de sombras. #cap�TUlo 20 palmeira;, figueiras e alfarrobeiras sombreavam o jardim. depois do jantar e antes de retomar as consultas, n�f�ret aproveitava a calma do jardim, logo quebrada pelos saltos, trepadelas e gritos da sagu�, radiante por trazer um fruto � sua dona. diabrete n�o descansava enquanto n�f�ret n�o se sentava; tranquila, deixavase escorregar na cadeira e observava as idas e vindas do c�o. afinal, n�o se assemelhava o egipto a um jardim onde a sombra ben�fica do fara� permitia �s �rvores desabrochar tanto na alegria da manh� como na paz do entardecer? n�o raras vezes, rams�s em pessoa se ocupava da planta��o de oliveiras. gostava de passear nos jardins cobertos de flores e contemplar os pomares. os templos gozavam da protec��o das altas ramadas onde os p�ssaros, mensageiros sagrados, faziam os seus ninhos. um ser agitado �, segundo os s�bios, uma �rvore que vai morrendo lentamente na secura do seu cora��o; a calma, pelo contr�rio, produz frutos e espalha � sua volta uma doce frescura. n�f�ret plantou um sic�moro no meio de um pequeno buraco; uma bilha porosa conservaria a humidade e protegeria a jovem planta. pressionado pelas ra�zes, o fr�gil recipiente acabaria por rebentar e os fragmentos de barro, ao misturarem-se com a terra, refor�ariam o h�mus. n�f�ret teve o cuidado de consolidar o rebordo de lama seca, destinada a reter a �gua depois da planta ser regada. os latidos de bravo anunciavam a chegada de paser; um quarto de hora antes de paser transpor a soleira da porta, fosse a que horas fosse, o c�o pressentia que o dono estava para chegar. e, quando paser #172 se ausentava durante muito tempo, bravo perdia o apetite e n�o respondia �s provoca��es de diabrete. esquecendo-se da posi��o que ocupava, o de�o do p�rtico correu ao encontro do c�o, que lhe saltou para a tanga e a sujou com as patas enlameadas. o juiz mudou de roupa e deitou-se na esteira, ao lado da mulher. como � bom este sol. pareces cansado.
a dose habitual de aborrecimentos foi excedida. lembraste-te da tua �gua cobreada? nem tive tempo. o meu gabinete esteve um verdadeiro inferno: da vi�va de guerra ao escriba com �nsia de progredir, n�o faltou ningu�m. ela chegou-se mais para ele. n�o est�s a ser uma pessoa racional, juiz paser. contempla este jardim. o suti tem raz�o, ca� numa cilada. quero voltar a ser um simples juiz de prov�ncia. n�o te est� no sangue voltar atr�s. o suti j� foi para coptos? partiu esta manh� de armas e bagagens. prometeu que voltaria com a cabe�a de asher e muito ouro. rezaremos todos os dias a min, protector dos exploradores, e a hathor, a soberana dos desertos. a nossa amizade n�o conhecer� limites. e os teus doentes? estou preocupada com alguns deles. estou � espera de algumas plantas raras para fabricar os rem�dios, mas a farm�cia do hospital central n�o atende �s minhas exig�ncias. paser fechou os olhos. h� mais alguma coisa que te preocupa, meu querido. como posso esconder-to? diz-te respeito. ser� que infringi a lei? a sucess�o ao posto de m�dico-chefe do reino est� aberta. como de�o do p�rtico, cabe-me a mim examinar a validade jur�dica das candidaturas que ser�o apresentadas ao conselho de especialistas. e fui obrigado a aceitar a primeira. quem foi o requerente? #173 o dentista qadash. se for eleito, o processo que bel-tran preparou a teu favor de nada valer�. tem alguma hip�tese de ser bem sucedido? n�bamon escreveu uma carta �ndicando-o como o seu sucessor favorito. falsa? duas testemunhas autenticaram o documento e atestaram o bom estado mental de n�bamon: denes e ch�chi. aqueles bandidos j� nem se d�o ao trabalho de disfar�ar!
pouco importa a minha carreira. gosto muito de tratar dos doentes. o meu consult�rio particular chega-me perfeitamente. far�o os poss�veis para o mandar fechar. e tu mesma ser�s atingida. ser� que o melhor juiz de todos n�o me vai defender? qadash... h� j� algum tempo que me interrogo sobre qual ser� o seu papel nisto tudo; aos poucos, o mist�rio come�a a desvendar-se. quais s�o as obriga��es do m�dico-chefe? tratar do fara�; nomear os cirurgi�es, os m�dicos e os farmac�uticos que formam o corpo cl�nico do pal�cio, receber e controlar as subst�ncias t�xicas, os venenos e os medicamentos perigosos, adoptar as directivas relativas � sa�de p�blica e faz�-las cumprir com o acordo do viz�r e do rei. qadash com tais poderes... � mesmo o lugar que lhe conv�m! n�o ser� f�cil influenciar o comit� que vai decidir. n�o te iludas. denes tentar� corromper os membros do comit�. qadash est� velho, � uma pessoa respeit�vel, dotada de longa pr�tica, e... rams�s apenas sofre de uma coisa: artrite dent�ria! esta nomea��o � uma fase do plano. � preciso travar-lhes o passo. de que forma? ainda n�o sei. receias que qadash possa vir a atentar contra a sa�de do fara�? n�o! seria demasiado arriscado. diabrete saltou para a barriga de paser e arrancou-lhe um p�lo no plexo. dorido, o juiz soltou um grito, mas a sua m�o direita, quando #174 se cerrou, j� n�o encontrou a sagu� que se tinha entretanto refugiado debaixo da cadeira da dona. se este maldito animal n�o estivesse ligado ao nosso primeiro encontro, j� lhe tinha dado uma boa tareia. para se desculpar, diabrete subiu a uma palmeira e atirou uma t�mara que paser agarrou no ar. bravo acorreu e engoliu-a. a tristeza apoderou-se do rosto de n�f�ret. est�s triste porqu�? tinha concebido um projecto insensato. que projecto? j� renunciei a ele. revela-mo.
para qu�? ela encostou-se a ele, gostaria de ter... um filho. tamb�m eu penso nisso. queres mesmo? mas enquanto n�o descobrirmos toda a verdade, n�o vale a pena. revolta-me semelhante ideia, mas creio que tens raz�o. ou renuncio a este inqu�rito ou teremos de esperar. se esquecermos o assassinato de branir, estaremos condenados a ser o mais vil dos casais. ele abra�ou-a. achas necess�rio continuar vestida, com uma temperatura t�o amena? a tarefa do devorador de sombras n�o seria f�cil. em primeiro lugar, abandonar o seu posto oficial durante tanto tempo e t�o frequentemente chamaria a aten��o; agia sozinho, sem c�mplices, sempre prontos a fazer den�ncias, e tinha de conhecer os h�bitos de paser, pelo que devia mostrar-se paciente. em segundo lugar, tinhamlhe ordenado que incapacitasse o de�o do p�rtico, mas sem o matar, de fazer o atentado parecer um acidente, para que n�o fosse aberto nenhum inqu�rito. #175 a execu��o deste plano apresentava grandes dificuldades. o devorador de sombras tinha exigido em troca tr�s barras de ouro, uma bela fortuna que lhe permitiria estabelecer-se no delta, comprar uma herdade e a� passar o resto dos seus dias. mataria por prazer e contentar-se-ia em comandar um ex�rcito de empregados, prontos a satisfazer-lhe as suas mais vis necessidades. assim que recebesse o ouro, come�aria a busca, excitado com a ideia de executar a sua obra-prima. o forno estava aquecido ao rubro. ch�chi tinha preparado v�rios moldes, para onde o metal liquefeito escorreria, tomando a forma de barras de grandes propor��es. no laborat�rio, a temperatura era insuport�vel; no entanto, o qu�mico do bigodinho preto n�o transpirava, ao passo que a cara de denes se cobria de grossas gotas de suor. todos os nossos amigos concordaram declarou. sem objec��es? n�o t�nhamos outra sa�da. o transportador tirou de dentro de um saco de linho a m�scara de ouro de qu�ops e o colar do mesmo metal que tinha ornamentado o busto da sua m�mia.
isto d� bem duas barras de ouro. e a terceira? compr�-la-emos ao general asher. os desvios de ouro est�o organizados at� ao mais �nfimo pormenor, mas eu conhe�o todo o processo. ch�chi contemplou o rosto do edificador da grande pir�mide. os tra�os eram serenos e severos, de uma beleza extraordin�ria. o ourives tinha-lhe transmitido uma express�o de eterna juventude. mete-me medo confessou ch�chi. � apenas uma m�scara funer�ria. os olhos... t�m vida! n�o te deixes arrastar pela fantasia. este juiz j� nos fez perder uma fortuna ao subtrair o bloco de ferro celeste que quer�amos vender aos hititas e o escaravelho de ouro que eu tinha reservado para o #176 meu pr�prio t�mulo. conservar a m�scara e o colar � muito arriscado; al�m disso, precisamos deles para pagar ao devorador de sombras. v�, despacha-te. ch�chi obedeceu, como sempre. a m�scara sublime e o colar desapareceram no forno. em breve o ouro fundido escorreria por uma calha e encheria os moldes. o c�vado em ouro? perguntou o qu�mico. o semblante de denes iluminou-se. poderia ser... a terceira barra! poder�amos assim prescindir dos servi�os do general asher. ch�chi parecia hesitar. mais vale vermo-nos livres disto afirmou o transportador. ficaremos apenas com o essencial: o testamento dos deuses. onde o guardamos, paser n�o tem a m�nima hip�tese de o encontrar. denes soltou uma gargalhada sinistra ao ver o c�vado de qu�ops desaparecer na fornalha. amanh�, meu bom ch�chi, ser�s uma das pessoas mais importantes do reino. esta noite, a primeira parte do pagamento ser� entregue ao devorador de sombras. o pol�cia do deserto media mais de dois metros. na cinta da sua tanga, dois punhais de cabo muito gasto. nunca usava sand�lias; j� estava t�o habituado a andar sobre o are�o que nem um espinho de ac�cia conseguia perfurar a calosidade que lhe protegia a sola dos p�s. nome? suti.
de onde vens? de tebas. profiss�o? aguadeiro, apanhador de linho, criador de porcos, pescador. um c�o de olhar ausente farejou suti. n�o devia pesar menos de setenta quilos. tinha o p�lo raso e as costas crivadas de cicatrizes. parecia prestes a atirar-se a ele. porque queres ser mineiro? #177 gosto da aventura. tamb�m gostas de sentir sede, das can�culas, das v�boras, dos escorpi�es negros, das caminhadas for�adas, do trabalho �rduo nas galerias estreitas onde quase n�o passa o ar? cada profiss�o tem os seus contras. enveredaste pela profiss�o errada, rapaz. suti sorriu da forma mais sonsa poss�vel. o pol�cia deixou-o entrar. na bicha que se formava � porta do gabinete das contrata��es, suti salientava-se pelo seu aspecto. o seu ar de conquistador e a sua musculatura impressionante contrastavam com o aspecto franzino da maior parte dos candidatos, visivelmente inaptos. dois mineiros, j� idosos, fizeram-lhe as mesmas perguntas que o pol�cia, �s quais deu exactamente as mesmas respostas. sentiu que estava a ser examinado como se fosse um criminoso. est� a organizar-se uma expedi��o. est�s dispon�vel? estou. qual o destino? na nossa corpora��o obedece-se e n�o se fazem perguntas. metade dos novatos ficam pelo caminho e tentam voltar ao vale. n�o nos preocupamos com os frouxos. partimos esta noite, duas horas antes do amanhecer. aqui tens o teu equipamento. suti recebeu um bord�o, uma esteira e uma manta enrolada. com uma corda fina, amarraria a manta e a esteira � volta do bord�o, indispens�vel no deserto. ao martelar o solo, espantaria as serpentes. �gua? receber�s a tua ra��o. n�o te esque�as do essencial. suti colocou ao pesco�o a bolsa de couro onde o pesquisador, se tivesse sorte, iria guardar o ouro, a coralina, o l�pis-laz�li ou outras pedras preciosas. o conte�do da bolsa pertencia-lhe, para al�m do sal�rio estipulado.
n�o leva grande coisa. muitas bolsas ficam vazias, rapaz. s�o todos uns desajeitados. tens a l�ngua muito comprida; o deserto ensinar-te-� a ficares calado. #178 mais de duzentos homens se juntaram na sa�da oriental da cidade, no in�cio da pista do deserto. a maioria rezava ao deus min, formulando tr�s desejos: regressarem s�os e salvos, n�o morrerem de sede e trazerem as bolsas de couro cheias de pedras preciosas. ao pesco�o, todos levavam amuletos. os mais letrados tinham consultado um astr�logo, outros tinham renunciado � viagem devido a um decano desfavor�vel. aos incr�dulos e aos desconfiados, os anci�os transmitiam o lema da corpora��o: �partimos sem deus para o deserto, mas regressamos com ele para o vale.� efraim, o chefe da expedi��o, era um colosso barbudo com uns bra�os infind�veis. com o corpo coberto de p�los pretos e fartos, mais parecia um urso da �sia. assim que o avistaram, muitos candidatos desistiram; dizia-se que efraim era brutal e cruel. passou revista �s suas tropas, detendo-se diante de cada um dos volunt�rios. �s tu o suti? parece que sim. parece que �s ambicioso. n�o me alistei para recolher calhaus. enquanto esperas, vais carregar com o meu saco. efraim deu-lhe um saco pesado que suti colocou no ombro esquerdo. efraim afirmou em tom de chacota: aproveita. n�o tarda muito, toda essa tua pose acabar�. o grupo partiu antes do amanhecer e caminhou at� meio da manh�, atravessando uma paisagem desnudada e �rida. os camponeses, pouco habituados ao terreno, ficaram logo com os p�s a sangrar. efraim evitava a areia quente e seguia por caminhos salpicados de lascas de rocha, t�o cortantes como metal. as primeiras montanhas supreenderam suti; pareciam formar uma barreira intranspon�vel, impedindo aos humanos o acesso a um pa�s secreto onde se formavam os blocos de pedra pura reservada � morada dos deuses. a�, concentrava-se uma energia tremenda; era na montanha que nascia a rocha repleta de min�rios preciosos que apenas desvendava as suas riquezas aos amantes pacientes e obstinados. fascinado, suti pousou o seu fardo. um pontap� nos rins f�-lo rebolar na areia. #179 n�o te dei autoriza��o para descansares disse efraim, com ar trocista. suti levantou-se.
limpa o saco. e, durante a refei��o, n�o o pouses no ch�o. como me desobedeceste, n�o ter�s �gua. suti perguntou-se se n�o teria sido denunciado; mas tamb�m outros volunt�rios foram v�timas de bravatas semelhantes. efraim gostava de p�r � prova o seu pessoal. um n�bio, que fez men��o de ripostar, foi prontamente espancado e abandonado na berma da estrada. ao fim da tarde, o grupo chegou a uma pedreira de gr�s. os pedreiros partiam os blocos que marcavam com um sinal pr�prio, identificando cada equipa. eram cuidadosamente cavadas pequenas valas ao longo de cada veio, � volta do bloco desejado; o contramestre introduzia ent�o com um ma�o cal�os de madeira nas fendas alinhadas pelo cordel, para separar o bloco da pedra-m�e sem o rachar. efraim cumprimentou-o. levo para as minas um bando de pregui�osos. se precisares de ajuda, n�o hesites em pedir. n�o � que eu n�o queira, mas eles n�o caminharam j� o dia todo? se querem comer, que fa�am alguma coisa de �til. n�o � bem assim. aqui quem manda sou eu. era necess�rio fazer descer uma dezena de blocos do alto da pedreira e, com a ajuda de cerca de trinta homens seria mais r�pido. efraim escolheu-os um a um, entre os quais suti, a quem pediu de volta a sua bagagem. bebe e toca a trepar por a� acima. o contramestre tinha arranjado uma corredi�a, mas estava quebrada a meio da rampa. era por isso necess�rio prender os blocos com cordas, antes de os deixar seguir o seu caminho. um cabo grosso, seguro por cinco homens de cada lado, estava esticado na horizontal, para impedir uma descida demasiado abrupta. quando a corredi�a tivesse sido reparada, esta manobra seria desnecess�ria. mas o contramestre estava atrasado e a proposta de efraim era providencial. o acidente ocorreu quando o sexto bloco desceu com demasiada for�a at� ao cabo. #180 os homens, cansados, n�o conseguiram trav�-lo. o bloco embateu com tal for�a no cabo que os trabalhadores foram projectados para os lados, excepto um homem de cinquenta anos que deslizou de cabe�a pela corredi�a abaixo. em v�o, o homem tentou agarrrar-se ao bra�o de suti, que foi violentamente puxado para tr�s por dois colegas. os berros do infeliz depressa foram abafados. o bloco esmagou-o, desviando-se da
sua traject�ria e partindo-se em bocados, com um estrondo semelhante ao de um trov�o. o contramestre chorou. apesar de tudo, conseguimos fazer metade do trabalho disse efraim. #cap�TUlo 21 altaneiro, sobre um rochedo escarpado, com os dois longos cornos arqueados apontados para o c�u e a queixada guarnecida de curta barbicha, o bode contemplava os mineiros que caminhavam debaixo de um sol escaldante. na linguagem hierogl�fica, este animal era o s�mbolo da nobreza serena, adquirida ao fim de uma exist�ncia vivida segundo a lei divina. ali ao fundo! gritou um dos trabalhadores. vamos mat�-lo! cala-te, imbecil retorquiu efraim. � o protector da mina. se lhe fizermos mal morreremos todos. o grande macho trepou a encosta abrupta e, com um salto prodigioso, desapareceu do outro lado da montanha. os cinco dias de caminhada for�ada tinham deixado o grupo exausto; apenas efraim parecia t�o cheio de vigor como quando partira. suti permanecia inabal�vel; o esplendor cruel da paisagem dava-lhe novas for�as. nem a brutalidade do chefe da expedi��o, nem a dureza da viagem eram obst�culos � sua determina��o. o colosso barbudo ordenou aos seus homens que se reunissem e saltou para cima de um bloco de pedra. assim, esmagava aqueles z�s-ningu�m. o deserto � incomensur�vel declarou com voz retumbante e voc�s s�o mais insignificantes do que formigas. queixam-se constantemente de sede, como se fossem velhas impotentes. n�o s�o dignos de ser mineiros e cavar as entranhas da terra. por�m, trouxe-vos at� #182 aqui. mas os metais bem valem mais do que voc�s. quando retalharem a montanha, f�la-�o sofrer e ela tentar� vingar-se, engolindo-vos. tanto pior para os incapazes! montem o acampamento, o trabalho come�a amanh� de madrugada. os trabalhadores montaram as tendas, come�ando pela do chefe da expedi��o, que, de t�o pesada que era, levou � exaust�o cinco dos homens. foi desenrolada com precau��o, elevada sob o olhar atento de efraim, e pontificava no meio do acampamento. preparou-se a refei��o, humedeceu-se o solo para fazer assentar a poeira, e todos se saciaram com a �gua que os odres tinham conservado fresca. o precioso l�quido n�o faltaria, gra�as ao po�o escavado perto da mina. suti dormitava, quando um pontap� lhe dilacerou o flanco. levanta-te ordenou efraim. o jovem conteve a raiva e obedeceu. todos os que aqui est�o t�m algo a esconder. e tu?
isso � c� comigo. fala. deixa-me em paz. detesto gente misteriosa. cansei-me do trabalho rotineiro. onde? na minha aldeia, perto de tebas. queriam levar-me para m�nfis, para limpar os canais. preferi fugir e tentar a minha sorte como mineiro. n�o gosto nada da tua cara. tenho a certeza de que est�s a mentir. quero ficar rico. e ningu�m, nem mesmo tu, me ir� impedir. irritas-me, rapaz. vou dar cabo de ti. vamos bater-nos s� com os punhos. efraim escolheu um �rbitro. a sua fun��o consistiria em desqualificar o advers�rio que ofendesse o outro com palavras; todos os outros golpes eram permitidos. sem aviso pr�vio, o barbudo atirou-se impetuosamente sobre suti, agarrou-o pelo tronco, levantou-o do ch�o, f�-lo girar por cima da cabe�a e arremessou-o a alguns metros de dist�ncia. #183 esfolado e com um ombro magoado, o jovem ergueu-se. efraim, de m�os nos quadris, observava-o com desd�m. os mineiros riam. ataca, se tens coragem. vendo-se desafiado, efraim n�o hesitou. desta vez, os seus longos bra�os n�o conseguiram agarrar nada. suti, que se esquivara no �ltimo momento, ganhou novo alento. demasiado seguro da sua for�a, efraim s� conhecia um caminho. mesmo que eles n�o existissem, suti agradecia aos deuses o terem-lhe dado uma inf�ncia belicosa ao longo da qual aprendera a bater-se. uma boa dezena de vezes, ele evitou os ataques desordenados do advers�rio; o seu crescente mau-humor cansava-o e fazia-o perder a lucidez. o jovem n�o se podia dar ao luxo de errar; na situa��o em que se encontrava, seria prontamente esmagado. confiando na sua rapidez, desequilibrou o advers�rio, passando-lhe uma rasteira, esquivou-se por debaixo do corpo em queda do colosso e utilizou a sua pr�pria energia para lhe aplicar um golpe no pesco�o, imobilizando-o. efraim caiu pesadamente no ch�o. suti sentou-se sobre a sua nuca e amea�ou-o de a partir; o vencido batia com o punho na areia, admitindo a derrota. pronto, rapaz!
tu mereces morrer. se me matares, a pol�cia do deserto n�o te poupar�. quero l� saber. n�o ser�s tu o primeiro que mando para o inferno. efraim ficou apavorado. que queres tu de mim? jura que n�o ir�s martirizar mais os homens do nosso grupo. os mineiros j� n�o riam, e aproximaram-se cautelosamente. despacha-te, ou tor�o-te o pesco�o. juro pelo deus min! e por hathor, senhora do ocidente. v�, repete o juramento! suti soltou o prisioneiro. um juramento, e perante tantas testemunhas, n�o podia ser quebrado. se tra�sse a sua palavra, efraim veria o seu nome destru�do por toda a eternidade e seria condenado � humilha��o. # 184 os mineiros soltaram gritos de alegria e carregaram suti aos ombros entre exclama��es triunfantes. quando o j�bilo diminuiu, ele falou-lhes com firmeza. o chefe, aqui, � Efraim. s� ele conhece as pistas, os locais exactos onde se encontram a �gua e as minas. sem ele, n�o voltar�amos de novo para o vale. devemos obedecer-lhe; que ele tenha a palavra, e tudo correr� bem. at�nito, o barbudo pousou a m�o sobre o ombro de suti. �s forte, rapaz, mas tamb�m inteligente. efraim chamou-o de parte. julguei-te mal. quero ficar rico. podemos tornar-nos amigos. na condi��o de que isso me seja �til. poder� vir a s�-lo, meu rapaz. as mulheres que traziam as oferendas, envergando um vestido branco com uma al�a que lhes passava entre os seios descobertos, e um avental revestido com uma rede de p�rolas dispostas em losango, entraram vagarosamente no pal�cio da princesa hattusa. com uma peruca em forma de puxo, estavam t�o frescas e belas que denes sentiu o sangue alvoro�ar-se. sempre que viajava, denes tra�a a senhora n�nofar com perfeita e obrigat�ria discri��o; um esc�ndalo t�-lo-ia desacreditado. por outro lado, n�o tinha uma amante preferida, satisfazendo-se com breves encontros sem futuro.
de vez em quando, fazia amor com a sua mulher, mas a bem conhecida frigidez de n�nofar justificava as suas aventuras extraconjugais. o intendente do har�m veio ao seu encontro no jardim. denes ainda pensou pedir que lhe mandasse uma rapariga, mas desistiu; um har�m era um centro econ�mico onde primava o sentido do trabalho, e n�o da bo�mia. na sua qualidade de transportador, denes tinha pedido uma audi�ncia oficial � esposa hitita de rams�s. ela recebeu-o numa sala com quatro colunas e paredes pintadas de amarelo-claro. o ch�o era um mosaico de ladrilhos verdes e vermelhos. #185 hattusa estava sentada num cadeir�o de madeira de �bano, com bra�os almofadados e p�s dourados. de olhos negros, pele muito clara, m�os longas e delgadas, tinha o encanto estrangeiro dos asi�ticos; denes mostrou-se reservado. n�o esperava a tua visita disse ela, com azedume. sou transportador e tu diriges um har�m. quem iria estranhar o nosso encontro? pensas ent�o que pode ser perigoso. a situa��o mudou muito, paser tornou-se de�o do p�rtico e, em virtude do seu novo cargo, est� apto a obstruir as minhas actividades. em que � que isso me diz respeito? ser� que mudaste de opini�o? rams�s escarneceu de mim, humilhou o meu povo! exijo vingan�a. satisfeito, denes cofiou os p�los brancos da barbicha. t�-la-�s, princesa. os nossos prop�sitos s�o id�nticos. este rei � um d�spota e um incapaz; est� acorrentado a tradi��es h� muito ultrapassadas e n�o tem vis�o do futuro. o tempo � nosso aliado, mas alguns dos meus amigos come�am a ficar impacientes; por essa raz�o, decidimos aumentar a impopularidade de rams�s. e ser� isso o suficiente para o desestabilizar? denes, nervoso, n�o tencionava falar demasiado. a hitita era sua aliada de momento, mas seria afastada o mais depressa poss�vel, logo ap�s a queda do soberano. tenhamos confian�a; a nossa estrat�gia � infal�vel. n�o estejas assim t�o confiante, denes; rams�s � um guerreiro h�bil e corajoso. ele est� atado de p�s e m�os. n�o tem sa�da poss�vel. uma vaga excita��o animou o olhar de hattusa. n�o achas que eu deveria saber mais pormenores?
seria in�til e imprudente. hattusa amuou; a c�lera reprimida tornava-a ainda mais atraente. qual � o plano? desorganizar o tr�fico de mercadorias. em m�nfis, serei bem sucedido e sem dificuldade. mas em tebas, vou precisar da tua ajuda. #186 o povo vai ficar revoltado e o fara� ser� considerado respons�vel. e o enfraquecimento da economia do pa�s far� vacilar o trono. quantas consci�ncias mais ser� preciso comprar? poucas, mas caras. os principais escribas que controlam o encaminhamento das mercadorias dever�o cometer erros consecutivos. as informa��es administrativas ser�o longas e complicadas, a disc�rdia instalar-se-� durante muitas semanas. os meus homens de confian�a v�o agir. denes acreditava muito pouco na efic�cia deste plano; seria um novo golpe contra o rei, mas de consequ�ncias muito limitadas. tinha, por�m, a vantagem de acalmar a desconfian�a de hattusa. tenho outra confid�ncia a fazer-te murmurou. sou toda ouvidos. denes aproximou-se e falou em voz baixa. daqui a alguns meses, irei dispor de uma importante quantidade de ferro celeste. o olhar da hitita reflectiu o seu interesse. utilizado para fins m�gicos, o metal raro seria uma nova arma contra rams�s. qual � o teu pre�o? tr�s barras de ouro na altura da encomenda e outras tr�s na altura da entrega. quando deixares o har�m, lev�-las-�s na tua bagagem. denes inclinou-se respeitosamente. esta transac��o n�o era do conhecimento dos seus aliados, e a princesa nunca iria receber o ferro celeste. vender o que ele j� n�o possu�a e obter uma recompensa desta envergadura fazia denes rejubilar. fazer esperar a princesa seria f�cil. se ela se mostrasse demasiado impaciente, ele atiraria as culpas para ch�chi. o servilismo do qu�mico de bigodinho preto j� lhe havia sido �til em muitas outras ocasi�es. uma serva trouxe azeitonas, rabanetes e alface. silkis preparou, ela mesma, o tempero da salada. obrigado por terem aceitado o nosso convite disse bel-tran a n�f�ret e a paser. t�-los aos dois � nossa mesa � uma honra.
#187 mas nada de cerim�nias sublinhou o juiz. o cozinheiro disp�s costeletas de borrego grelhadas, aboborinhas e ervilhas numa bandeja de cobre assente sobre tr�s p�s. a frescura dos alimentos era um deleite para o paladar dos convivas. silkis ostentava uns brincos magn�ficos, em forma de discos ornamentados com rosetas e espirais. tive um sonho incr�vel confessou ela. por v�rias vezes seguidas, vi-me a beber cerveja quente. fiquei t�o angustiada que consultei o int�rprete dos sonhos, e o seu diagn�stico apavorou-me! este sonho significa que os meus bens v�o ser roubados. n�o fiques aflita recomendou n�f�ret. os int�rpretes dos sonhos enganam-se muitas vezes. que os deuses te ou�am! a minha mulher est� muito ansiosa comentou bel-tran. n�o poderias dar-lhe algum rem�dio? no fim da refei��o, enquanto n�f�ret prescrevia tisanas calmantes a silkis, beltran e o juiz foram passear para o jardim. tenho pouco tempo para apreciar a natureza lamentou-se o financeiro. o meu trabalho � cada vez mais esgotante. quando chego a casa, � noite, os meus filhos j� est�o deitados. n�o poder v�-los crescer, nem brincar com eles, s�o sacrif�cios muito penosos para mim. a gest�o dos celeiros, a minha explora��o de papiros, o servi�o do tesouro... os dias s�o demasiado curtos! n�o sentes o mesmo? sim, com muita frequ�ncia. ser de�o do p�rtico n�o � uma benesse. est�s a pensar levar por diante a tua investiga��o sobre o general asher? a pouco e pouco. gostaria de te relatar um acontecimento ins�lito que me inquieta profundamente. como sabes, a princesa hattusa tem um temperamento belicoso e n�o perdoa a rams�s t�-la afastado do seu pa�s. uma hostilidade quase declarada. e onde poder� lev�-la tal hostilidade? opor-se abertamente ao rei, tentar conspirar contra ele seriam situa��es suicidas. no entanto, acabou de receber uma visita estranha: a do transportador denes. tens a certeza do que afirmas? #188 um dos meus colaboradores, de visita ao har�m, julgou reconhec�-lo. surpreso, assegurou-se de que n�o se tinha enganado. parece-te assim t�o estranha a visita de denes? hattusa possui o seu pr�prio contingente de navios de mercadorias. e o har�m �
uma institui��o do estado, onde um transportador privado n�o teria qualquer fun��o a desempenhar. se se trata de uma visita de amizade, que significado poder� ter? uma alian�a entre a princesa hitita, segunda esposa do rei, e um dos membros da conspira��o... a revela��o de bel-tran revestia-se de certa import�ncia. n�o seria hattusa o c�rebro e denes, um dos executores? a conclus�o parecia demasiado prematura. ningu�m conhecia o conte�do da conversa cuja exist�ncia deixava, no entanto, entrever uma conjun��o de interesses hostis ao bem-estar do reino. essa conclus�o � suspeita, paser. como calcular o seu alcance? ignoro-o. n�o desconfias de que estar� em prepara��o uma tentativa de invas�o pelo norte? rams�s derrotou sem d�vida os hititas, mas ir�o eles renunciar para sempre �s suas pretens�es expansionistas? nesse caso, o general asher � altamente suspeito. quanto mais os contornos do inimigo se precisavam, tanto mais dif�cil se anunciava o combate e incerto o futuro. nesse mesmo dia, ao fim da tarde, um mensageiro do pal�cio entregou a n�f�ret uma carta autenticada com o selo de tuya, a m�e de rams�s, o grande. a grande dama desejava consultar a m�dica o mais depressa poss�vel. embora vivesse em clausura, tuya continuava a ser uma das personalidades mais influentes no pal�cio. altiva, detestando a mediocridade e a mesquinhez, aconselhava sem nunca dar ordens e velava com zelo pela gl�ria do pa�s. rams�s tinha por ela grande afecto e admira��o; desde o desaparecimento da mulher amada, nefertari, fizera de sua m�e a sua maior confidente. diziam at� alguns que n�o tomava nenhuma decis�o sem primeiro a consultar. tuya reinava numa grande casa real e dispunha de um pal�cio em cada cidade importante. o de m�nfis era composto por vinte divis�es #189 e um amplo sal�o com quatro colunas onde recebia os seus h�spedes de maior prest�gio. um camareiro conduziu n�f�ret ao leito da rainha-m�e. com sessenta anos, tuya era uma mulher franzina, de olhos encovados, nariz fino e rectil�neo, faces marcadas por sinais e um queixo pequeno e quase quadrado. ostentava a peruca ritual correspondente � sua fun��o, imitando a pele de um abutre cujas penas lhe emolduravam a face. a tua reputa��o chegou at� mim. o vizir bagey, sempre pouco disposto a elogios, fala muito dos teus milagres. eu poderia enumerar uma longa lista de fracassos, majestade. um m�dico que se vangloria dos seus sucessos devia mudar de profiss�o.
estou doente e preciso dos teus talentos. os assistentes de n�bamon s�o uns ignorantes. de que te queixas? dos olhos. al�m disso, tenho dores violentas que me trespassam o ventre, ou�o mal, e sinto a nuca um pouco r�gida. sem se mostrar preocupada, n�f�ret diagnosticou secre��es anormais do �tero, e receitou-lhe fumiga��es de terebintina misturada com �leo da melhor qualidade. o exame aos olhos deixou-a mais apreensiva. tratava-se de uma conjuntivite granulosa, um tracoma com complica��es nas p�lpebras, e risco de glaucoma. a rainha-m�e apercebeu-se da preocupa��o da m�dica. s� franca. trata-se de uma doen�a que conhe�o e vou curar. mas o tratamento ser� longo e exige muita vigil�ncia. ao levantar, a rainha-m�e devia lavar os olhos com uma solu��o � base de c�nhamo, muito eficaz contra o glaucoma. o mesmo produto, sob a forma de um unguento misturado com mel e aplicado localmente, iria atenuar as dores do �tero. um outro rem�dio, em que o principal agente era um s�lex negro, faria desaparecer a infec��o do canto do olho, assim como os humores malignos. para suprimir o tracoma, a doente aplicaria nas p�lpebras uma pomada composta por l�dano, galena, b�lis de tartaruga, ocre e terra da n�bia. por fim, devia #190 aplicar um col�rio nos olhos com a ajuda de uma pena de abutre. devia ainda misturar alo�s, cris�colo, farinha de coloc�ntida, folhas de ac�cia, raspas de �bano e �gua fria, reduzindo tudo a uma pasta que seria posta a secar e depois dilu�da em �gua. o produto assim obtido deveria passar uma noite ao relento, para adquirir um tom rosado, e s� ent�o ser filtrado. al�m de o introduzir directamente nos olhos, a rainha-m�e devia utiliz�-lo tamb�m em compressas, que seriam aplicadas sobre os olhos quatro vezes por dia. v� como estou velha e fraca constatou ela. cuidar de mim no estado em que estou, n�o me agrada nada. est�s doente, majestade. d� tempo ao tempo e com este tratamento ficar�s curada. receio ter de te obedecer, se bem que isso me custe. aceita esta lembran�a. tuya ofereceu � m�dica um admir�vel colar com sete voltas de contas de coralina e ouro da n�bia; o fecho eram duas flores de l�tus. n�f�ret hesitou. espera, ao menos, pelos resultados do tratamento. j� me sinto melhor.
a rainha-m�e fez quest�o de ser ela mesma a colocar o colar no pesco�o de n�f�ret, dando a seguir o seu parecer. �s muito bela n�f�ret. a jovem corou. e, ainda por cima, �s feliz. os meus familiares afirmam que o teu marido � um juiz excepcional. servir ma�t � a coisa mais importante da sua vida. o egipto tem necessidade de pessoas como tu e ele. tuya chamou o copeiro, que trouxe cerveja doce e frutos variados. as duas mulheres sentaram-se ent�o em cadeirinhas baixas guarnecidas de confort�veis almofadas. acompanhei a carreira e o processo do juiz paser. primeiro divertida, depois intrigada e, por fim, revoltada! a sua deporta��o foi um acto in�quo e inadmiss�vel. por sorte, alcan�ou uma primeira vit�ria; a posi��o de de�o do p�rtico permite-lhe prosseguir a luta com muito mais meios ao seu dispor. ter nomeado kem chefe da pol�cia foi uma excelente iniciativa, e o viz�r bagey fez bem em aprov�-la. #191 estas frases n�o foram pronunciadas ao acaso. quando n�f�ret as transmitisse a paser, ele iria transbordar de alegria; pela voz de tuya, eram aqueles que mais pr�ximo estavam do fara� que aprovavam a sua ac��o. desde a morte do meu marido e da subida do meu filho ao trono que velo pela felicidade do nosso pa�s. rams�s � um grande rei; afastou do pa�s o espectro da guerra, enriqueceu os templos, alimentou o povo. o egipto continua a ser a terra amada pelos deuses. mas agora estou preocupada, n�f�ret; aceitas ser minha confidente? se me julgas digna de o ser, majestade. rams�s anda cada vez mais preocupado, por vezes ausente, como se tivesse envelhecido de repente. o seu car�cter mudou; ir� ele renunciar a bater-se, a enfrentar as constantes dificuldades, a rir-se dos obst�culos? estar� doente? � excep��o da sua fraqueza dent�ria, continua a ser o mais vigoroso e o mais infatig�vel dos homens. pela primeira vez, deixou de se abrir comigo. j� n�o estou a par das suas inten��es ocultas. este facto n�o me chocaria, se, como sempre fez, ele me tivesse anunciado a sua decis�o directamente. mas ele evita-me, e ignoro qual a verdadeira raz�o. fala disto ao juiz paser. tenho medo pelo egipto, n�f�ret. tantos assassinatos, nestes �ltimos meses, tantos enigmas por resolver, e o rei a afastar-se de mim cada vez mais, levado por este seu novo gosto pela solid�o... que paser prossiga com as suas investiga��es. parece-te que o fara� se possa sentir amea�ado?
� amado e respeitado por todos. no entanto, o povo diz � boca pequena que a sorte o est� a abandonar. a partir do momento em que um reinado se prolonga, isso � inevit�vel. mas rams�s conhece a solu��o: celebrar uma festa de regenera��o, refor�ar o seu pacto com as divindades e restabelecer a alegria na alma dos seus s�bditos. esses rumores preocupam-me pouco; mas porque ter� o rei promulgado os decretos que reafirmam a sua autoridade, se ningu�m a contesta? suspeitas talvez de um mal dissimulado, suscept�vel de lhe enfraquecer o esp�rito? #192 se fosse esse o caso, a corte rapidamente se aperceberia. n�o, as suas faculdades continuam intactas; no entanto, j� n�o � o mesmo. a cerveja era doce, como convinha, e a compota de frutos suculenta. n�f�ret percebeu que n�o devia fazer mais perguntas. deixava a paser a aprecia��o destas confid�ncias excepcionais e como saber utiliz�-las. apreciei bastante a tua dignidade aquando da morte de n�bamon prosseguiu tuya. o homem n�o valia nada, mas tinha sabido impor-se. tratou-te com extrema injusti�a, mas eu decidi reparar essa afronta. ele e eu �ramos os respons�veis pelo hospital central de m�nfis. agora, ele morreu e eu n�o sou m�dica. amanh� ser� publicado o decreto que te entrega a direc��o do hospital. #cap�TUlo 22 dois servos deitaram jarros de �gua morna sobre paser, que se esfregou com um sabonete de natr�o. depois do banho, escovou os dentes com um junco perfumado e bochechou com uma mistura de al�men e aneto. para se barbear, utilizou a sua navalha preferida, em forma de cinzel de marceneiro; untou o pesco�o com �leo de hortel� selvagem para afugentar as moscas, os mosquitos e as pulgas, e friccionou o resto do corpo com uma subst�ncia gordurosa � base de natr�o e mel. se necess�rio, utilizaria a meio do dia um desodorizante de alfarrobeira e incenso. terminadas as ablu��es matinais, o irremedi�vel aconteceu. espirrou duas, cinco, dez vezes. era uma constipa��o, acompanhada de tosse persistente e um zumbido nos ouvidos. a culpa era toda sua: excesso de trabalho, descuido, poucas horas de sono. estava, seguramente, a precisar de nova medica��o. mas como fazer para consultar n�f�ret, uma vez que ela se levantava �s seis horas e sa�a pouco depois para o hospital central, que agora dirigia. j� n�o a via h� uma semana. desejosa de ser bem sucedida, ela n�o tinha m�os a medir nas suas novas fun��es de respons�vel pelo maior centro de cuidados de sa�de do egipto. o decreto de tuya, a rainha-m�e, imediatamente aprovado pelo vizir, tinha merecido a aprova��o da equipa de m�dicos, cirurgi�es e farmac�uticos que trabalhavam no hospital.
o administrador provis�rio, que bloqueava a entrega dos medicamentos � jovem m�dica, fora despromovido para o posto de enfermeiro e ocupava-se agora dos entrevados. #194 n�f�ret deixou bem claro aos escribas encarregados da gest�o que a sua voca��o era tratar, e n�o dirigir um corpo de funcion�rios; pediu tamb�m que respeitassem as ordens emanadas do escrit�rio do vizir, que ela n�o tinha qualquer inten��o de discutir. este tipo de actua��o atraiu muitos adeptos � causa da nova directora, que trabalhava em estreita colabora��o com os diferentes especialistas. ao hospital passaram a acorrer pessoas em estado grave, que os m�dicos da cidade e das aldeias tinham sido incapazes de curar, e algumas dessas pessoas mostravam grande satisfa��o e desejo de beneficiarem de uma cura preventiva, de forma a evitar o aparecimento ou agravamento de certos males. n�f�ret passava a maior parte do tempo no laborat�rio, cabendo-lhe a tarefa de preparar os f�rmacos e manipular as subst�ncias t�xicas. uma vez que a sinusite se estava a agravar, e vendo-se entregue a si pr�prio, paser decidiu ir ao �nico s�tio onde lhe dariam alguma aten��o: o hospital central de m�nfis. atravessar os jardins que precediam o edif�cio foi um prazer. nada fazia sentir a presen�a t�o pr�xima do sofrimento. uma enfermeira af�vel acolheu o visitante. que posso fazer por ti? trata-se de uma urg�ncia. quero consultar n�f�ret, a directora do hospital. hoje, � imposs�vel. mesmo para o marido? �s tu o de�o do p�rtico? creio bem que sim. segue-me, por favor. a enfermeira conduziu-o atrav�s de uma verdadeira instala��o balnear, que compreendia diversos quartos equipados com tr�s cubas de pedra: a primeira para imers�o total, a segunda para banhos de semic�pio e a terceira para os joelhos e p�s. outros locais eram reservados �s curas de sono. pequenos compartimentos bem arejados albergavam os doentes que os m�dicos vigiavam permanentemente. n�f�ret procedia a uma experi�ncia magistral, e marcava o tempo de coagula��o de uma determinada subst�ncia, consultando uma cl�psidra. dois farmac�uticos experientes davam-lhe assist�ncia. paser esperou pelo fim da experi�ncia para se manifestar. #195 poder� um paciente beneficiar dos teus cuidados?
� assim t�o urgente? urgent�ssimo. conservando o ar s�rio a muito custo, n�f�ret conduziu-o a um consult�rio. o juiz espirrou mais de uma d�zia de vezes, de forma atroadora. hum... n�o est�s a fingir. dificuldades respirat�rias? um zumbido no peito, desde que deixaste de te ocupar de mim. e os ouvidos? o esquerdo, completamente tapado. tens febre? um pouco. deita-te no banco de pedra. tenho de ouvir o bater do teu cora��o. j� conheces a sua voz. estamos num local de respeito, juiz paser. pe�o-te que leves as coisas mais a s�rio. durante a ausculta��o, o de�o do p�rtico manteve-se muito quieto. tinhas raz�o para te queixares. � indispens�vel um novo tratamento. no laborat�rio, n�f�ret serviu-se de uma vara de vedor para seleccionar o f�rmaco apropriado. colocou-se por cima de uma planta robusta, de largas folhas verdep�l�do de cinco lobos e bagas muito vermelhas. bri�nia disse ela. um veneno tem�vel. usando-o dilu�do, eliminar� a congest�o que te aflige e desobstruir� os br�nquios. tens a certeza? assumo inteira responsabilidade. p�e-me bom depressa. os escribas devem estar a amaldi�oar o
meu atraso.
uma agita��o pouco habitual reinava no escrit�rio do juiz. os funcion�rios, pessoas geralnente moderadas, habituadas a falar em voz #196 baixa e comedidos nos gestos, interrogavam-se hesitantes, sem saberem como agir. uns advogavam a espera, na aus�ncia do patr�o; outros a firmeza de ac��o, com a condi��o de n�o serem eles a exerc�-la; outros ainda chegavam mesmo a exigir a interven��o da pol�cia. espalhados pelo ch�o, viam-se tabuinhas partidas e papiros rasgados. a chegada de paser imp�s sil�ncio. foram assaltados? por assim dizer respondeu um anci�o, aterrado. n�o conseguimos suster essa louca.
ela est� agora no teu gabinete. intrigado, paser atravessou a grande sala onde trabalhavam os escribas e entrou no seu escrit�rio. ajoelhada sobre uma esteira, pantera vasculhava entre os arquivos. o que procuras? quero saber onde escondeste suti. levanta-te e sai daqui. n�o antes de saber a verdade! n�o exercerei qualquer viol�ncia sobre ti, mas olha que mando chamar o kem. a amea�a surtiu efeito. a l�bia de cabelos loiros obedeceu. vamos discutir este assunto l� fora. ela saiu � frente dele, sob o olhar intrigado dos escribas. voltem ao trabalho ordenou paser. paser e pantera encaminharam-se apressados para uma viela esconsa. era dia de mercado e os comerciantes assediavam os camponeses que vinham � cidade vender os seus frutos e legumes, numa roda viva de negocia��es. o juiz e a l�bia escaparam � onda humana e refugiaram-se na viela deserta e silenciosa. quero saber onde est� escondido suti insistiu ela, lavada em l�grimas. desde a sua partida que s� penso nele. esque�o at� de me perfumar e de me pintar, perco a no��o do tempo, dou comigo a vaguear pelas ruas. ele n�o est� escondido, mas tem em m�os uma miss�o delicada e perigosa. com outra mulher? n�o. sozinho e sem ajuda. no entanto, ele casou! #197 essa uni�o pareceu-lhe necess�ria, no quadro da sua investiga��o. mas eu amo-o, juiz paser, amo-o perdidamente. ser� que me compreendes? paser sorriu. mais do que sup�es. onde est� ele? em miss�o secreta, pantera. se eu falar, ponho-o em perigo. juro-te que n�o! os meus l�bios ficar�o selados. emocionado, persuadido da sinceridade desta amante t�o ardentemente apaixonada, o juiz n�o resistiu.
ele inseriu-se num grupo de mineiros que partiu de coptos. pantera, doida de alegria, deu-lhe um beijo na face direita. jamais esquecerei a tua ajuda. se for obrigada a mat�-lo, ser�s o primeiro a saber. os rumores espalharam-se por todas as prov�ncias de norte a sul. em pi-rams�s, a grande resid�ncia real do delta, em m�mfis e em tebas, depressa chegaram �s diversas administra��es, semeando a incerteza no esp�rito dos respons�veis encarregados de aplicar as directivas do vizir. depois de ter resolvido um problema imobili�rio respeitante a dois primos que tinham comprado o mesmo terreno a um vendedor desonesto que foi condenado a reembols�-los do dobro dos valores recebidos, o de�o do p�rtico leu o relat�rio do general asher sobre o estado do ex�rcito eg�pcio, fonte das mais perturbantes inquieta��es. o oficial graduado considerava inst�vel a situa��o na �sia, devido ao empobrecimento constante do n�mero de eg�pcios encarregados da vigil�ncia dos pequenos territ�rios, prontos a confederar-se em torno do cajado de adafi, o l�bio inating�vel. a qualidade do armamento era insuficiente. depois da vit�ria sobre os hititas, instalara-se o descuido. quanto ao estado dos quart�is do interior do pa�s, tamb�m n�o era mais satisfat�rio: cavalos mal tratados, carros danificados e votados ao abandono, indisciplina generalizada, oficiais mal #198 organizados. em caso de tentativa de invas�o, seria o egipto capaz de resistir? o impacto deste texto seria profundo e duradouro. que intuitos moviam asher? se o futuro estivesse do seu lado, o general iria aparecer como um profeta l�cido e ascenderia a uma posi��o fort�ssima, a de um poss�vel salvador. se rams�s lhe desse cr�dito, asher iria impor as suas exig�ncias e refor�aria a sua influ�ncia. paser pensou em suti. �quela hora, por que in�spitos caminhos andaria ele � procura de uma prova imposs�vel contra este assassino que queria ditar ao pa�s a sua estrat�gia militar? o juiz convocou kem. podes levar a cabo uma investiga��o r�pida no quartel-general de m�nfis? para investigar o qu�? a moral das tropas, o estado do material, a sa�de dos homens e dos cavalos. n�o tem qualquer problema, mas s� com um mandato. o juiz apresentou um motivo plaus�vel: procurar um carro de assalto que tinha atropelado v�rias pessoas e conservava marcas do choque. n�o percas tempo. paser precipitou-se para junto de bel-tran, �s voltas com o invent�rio das
colheitas. os dois homens subiram � a�oteia do edif�cio dos servi�os administrativos, fora do alcance dos ouvidos indiscretos.. leste o relat�rio de asher? uma exposi��o assustadora. suponhamos que esteja correcta. ter�s, por acaso, uma opini�o diferente? suspeito que tenha agravado a situa��o para da� tirar proveito. tens provas? comecemos por reuni-las o mais depressa poss�vel. asher ser� inculpado. isso ainda n�o � certo. se rams�s aceitar o seu ponto de vista, o general ter� completa liberdade de ac��o. e quem ousar� atacar o salvador da p�tria. #199 bel-tran concordou com o chefe. querias ajudar-me? pois o momento chegou. o que queres que eu fa�a? que tires informa��es sobre os nossos contingentes no estrangeiro e sobre os investimentos em material de guerra durante os �ltimos anos. isso n�o vai ser f�cil, mas vou tentar. de volta ao gabinete, paser escreveu uma longa carta carnaque, ao qual pedia informa��es sobre a qualidade e o valor do seu equipamento. a carta foi redigida em �planta medicinal�, especialidade de kani, e confiada confian�a.
a kani, o sumo-sacerdote de das tropas na regi�o tebana c�digo, a partir do termo a um mensageiro digno de
nada a assinalar declarou kem. s� mais preciso exigiu paser. o quartel est� calmo, as instala��es est�o em bom estado e o material tamb�m. examinei cinquenta carros que os oficiais conservavam com tanto cuidado quanto os seus cavalos. que pensam eles do relat�rio de asher? acreditam nele, e est�o convencidos de que se refere aos outros quart�is. por descargo de consci�ncia, fui inspeccionar o que se encontra mais a sul. e os resultados?
id�nticos: nada a assinalar. e tamb�m a� julgam que a cr�tica � v�lida, mas... para os outros. paser e bel-tran encontraram-se no �trio do templo de ptah, cheio de gente inactiva, cavaqueando, indiferente �s entradas e sa�das dos sacerdotes. sobre o primeiro ponto, tudo o que obtive foram indica��es contradit�rias, uma vez que o general omite qualquer informa��o sobre o ex�rcito da �sia. oficialmente, os nossos contingentes diminu�ram, precisamente quando a agita��o come�a a aumentar; mas um escriba do recrutamento garantiu-me que a lista de efectivos se mantinha inalter�vel. por momentos, a verdade foi f�cil de estabelecer, uma vez que o or�amento do ex�rcito � depositado no tesouro. os investimentos #200 s�o est�veis j� h� muitos anos, e n�o se assinalou nenhuma falta de material. ent�o, asher mentiu. o seu relat�rio � subtil. apresenta os factos de forma alarmista, mas sem afirma��es categ�ricas. h� muitos oficiais superiores que o apoiam, muitos cortes�os temem as investidas hititas e, entretanto, asher transforma-se num her�i... e n�o ser� at� salutar o sobressalto que ele provoca? bravo dormia enroscado ao colo do dono, sentado perto do lago coberto de flores de l�tus. uma brisa arrepiava docemente o p�lo do c�o e o cabelo do juiz. n�f�ret consultava um papiro m�dico que diabrete teimava em enrolar, apesar das advert�ncias da jovem. o derradeiro clar�o do dia banhava de tons alaranjados o jardim; melharucos, pintarroxos e andorinhas entoavam as suas melodias vespertinas. o estado do nosso ex�rcito � excelente. o relat�rio de asher � um chorrilho de inven��es, cujo prop�sito � apenas instalar o p�nico entre as autoridades civis e enfraquecer o moral das tropas, a fim de as ter mais facilmente nas m�os. porque ser� que rams�s n�o o condena? perguntou n�f�ret. porque confia nele, devido �s fa�anhas cometidas no passado. o que fazer, ent�o? apresentar as conclus�es do meu inqu�rito ao vizir bagey, que as transmitir� ao fara�. Ser�o corroboradas por kem e karri, que acabam de me dar o seu consentimento. tanto em tebas como em m�nfis, o nosso potencial militar est� intacto. o viz�r vai estender as averigua��es a todo o pa�s e vai fazer frente a asher. ser� este o fim do general? n�o cantemos vit�ria. ele vai protestar, clamar a sua boa-f� e o seu amor pelo pa�s, e acusar� os subordinados de lhe terem transmitido falsas informa��es. mas o seu �mpeto ser� quebrado, e conto tirar da� grandes vantagens. de que maneira?
defrontando-o. #201 o general asher vigiava a movimenta��o de carros no deserto. (cada carro levava dois homens a bordo; o oficial desfechava o arco sobre um alvo em movimento, enquanto o ajudante manejava as r�deas, lan�ando o ve�culo a grande velocidade. quem se mostrasse in�bil era exclu�do do corpo de elite. dois soldados de infantaria suplicaram ao de�o do p�rtico que esperasse algum tempo e n�o se aventurasse na zona de manobras. uma flecha perdida podia atingir um imprudente. asher, coberto de p�, deu finalmente voz de descansar. sem pressa, dirigiu-se ao juiz. o teu lugar n�o � aqui. nenhuma parcela do territ�rio me est� vedada. o rosto de fuinha crispou-se. pequeno, entroncado e de pernas curtas, asher, irritado, co�ou a cicatriz que lhe riscava o peito, do ombro at� ao umbigo. vou lavar-me e mudar de roupa. vem comigo. asher e paser entraram no bloco sanit�rio reservado aos oficiais superiores. enquanto um soldado dava banho ao general, o juiz atacou. contesto o teu relat�rio. a que t�tulo? informa��es inexactas. n�o sendo soldado, as tuas aprecia��es est�o desprovidas de valor. n�o se trata de aprecia��es, mas de factos. refuto-os. sem os conheceres? s�o f�ceis de adivinhar! foste visitar dois ou tr�s quart�is, mostraram-te meia d�zia de carros reluzentes, novinhos em folha, e alguns soldados encantados com a vida que levam. �s ing�nuo e incompetente; levaram-te � certa! dirias o mesmo do chefe da pol�cia e do sumo-sacerdote de carnaque? a pergunta embara�ou o general. mandou sair o soldado e ele mesmo se secou. #202 n�o passam de homens muito novos, t�o inexperientes como tu. esse argumento � muito fraco. que mais queres tu, juiz paser?
sempre o mesmo tesouro: a verdade. o teu relat�rio � falso. foi essa a raz�o que me levou a enviar ao vizir as minhas observa��es e objec��es. pois tu ousaste...? n�o se trata de ousadia, mas sim do cumprimento de um dever. asher ficou como louco. essa tua atitude � uma estupidez! vais arrepender-te amargamente. o vizir bagey a julgar�. o perito sou eu! o nosso potencial b�lico n�o se degrada, e tu sabe-lo bem. o general vestiu uma tanga curta. os seus gestos descontrolados tra�am o seu nervosismo. escuta, paser: pouco importam os pormenores, o que conta � o esp�rito do texto. esclarece-me mais detalhadamente. um bom general deve prever o futuro, a fim de assegurar a defesa do pa�s. mas ser� que ela justifica, declara��es alarmistas e sem fundamento? tu n�o podes entender. ser� que existe alguma liga��o entre o relat�rio e as actividades de ch�chi? deixa o ch�chi em paz. gostaria de o interrogar. imposs�vel; est� incomunic�vel. por tua ordem? sim, por minha ordem. lamento, mas tenho de insistir. a voz de asher tornou-se mel�flua. se tentei chamar a aten��o do rei, do vizir e do supremo tribunal ao insistir nas nossas fraquezas militares, foi com a inten��o de as #203 eliminar e de obter um acordo definitivo sobre o fabrico de uma nova arma nos tornar� invenc�veis. a tua ingenuidade surpreende-me, general. os olhos de asher semicerraram-se como os de um gato. que est�s a insinuar? a tua famosa arma � sem d�vida uma espada indestrut�vel fabricada com ferro
que
celeste. espada, lan�a, punhal... ch�chi trabalha sem descanso. vou exigir que lhe seja restitu�do o bloco guardado no templo de ptah. ent�o, sempre lhe pertencia. o essencial � que o utilize. algumas cren�as conseguem iludir at� os esp�ritos mais desconfiados. que queres dizer com isso? que o ferro celeste n�o � inquebr�vel. est�s a delirar! ch�chi ou est� a mentir, ou a carnaque confirmar�o as minhas te sonhar, sem raz�o. se o teu desejo era for�ado da autoridade suprema,
iludir-se a si pr�prio. os especialistas de afirma��es. o uso desse metal raro nos rituais fezpossu�res um instrumento de poder com o acordo ca�ste num logro.
no seu rosto afilado de fuinha estampava-se uma incomensur�vel perplexidade. ser� que asher n�o tinha consci�ncia de ter sido enganado pelo seu pr�prio c�mplice? mal o juiz deixou as instala��es sanit�rias, o general pegou numa bilha de barro cheia de �gua morna e atirou-a violentamente contra a parede. #cap�Tulo 23 suti desapertou a correia e estendeu a esteira numa rocha plana. exausto, deitouse de costas e contemplou as estrelas. o deserto, as montanhas, a rocha, a mina, as galerias demasiado aquecidas, onde era preciso rastejar, ficando-se todo esfolado... a maior parte dos homens n�o paravam de se queixar e j� lamentavam ter-se metido numa aventura mais esgotante que lucrativa. mas suti sentia-se plenamente satisfeito. por momentos, a beleza avassaladora da paisagem fazia-o at� esquecer o general asher. ele, que amava os prazeres da cidade, n�o tinha a mais pequena dificuldade em se adaptar a estas regi�es hostis, como se sempre a� tivesse vivido. na areia, � sua esquerda, ouviu um silvo caracter�stico. uma serpente de chifres passava perto da esteira deixando um rasto ondulado atr�s de si. na primeira noite, tinha seguido atentamente os movimentos do r�ptil; mas ao pavor sucedia-se o h�bito. por instinto, sabia que n�o seria mordido; os escorpi�es e as serpentes n�o o assustavam. como h�spede no seu territ�rio, respeitava os seus costumes e temiaos menos do que a carra�a das areias, �vida de sangue, que concentrava os seus ataques em determinados mineiros. a sua mordedura era dolorosa, e a carne inchava e infectava. por sorte, suti n�o atra�a este tipo de piolho contra o qual efraim lutava, aspergindo-se com uma lo��o � base de maravilha-bastarda. apesar da viagem fatigante, o jovem n�o conseguia adormecer. levantou-se e caminhou lentamente em direc��o a um curso de �gua banhado pelo luar. s� um louco se aventuraria sozinho no deserto, e � noite; divindades tem�veis e animais
fant�sticos circulavam livremente a essa #206 hora e devoravam os imprudentes, cujos cad�veres n�o mais eram encontrados. se quisessem livrar-se dele, o momento e o local eram perfeitos. um ru�do alertou suti. no fundo do desfiladeiro, onde a �gua das chuvas borbulhava por altura das trovoadas, um ant�lope com hastes em forma de lira esgravatava a terra com obstina��o, em busca de uma nascente. ao seu encontro, veio um outro ant�lope de longas hastes pouco retorcidas e pelagem branca; os dois quadr�pedes eram a encarna��o do deus seth, de quem possu�am o inesgot�vel dinamismo. n�o se tinham enganado; n�o tardou que as suas l�nguas lambessem o precioso l�quido que brotava por entre duas rochas circulares. a seguir, vieram uma lebre e uma avestruz. fascinado, suti sentou-se. a nobreza dos animais e a sua felicidade eram um espect�culo secreto que guardaria para si como uma recorda��o eterna. efraim colocou-lhe a m�o no ombro: gostas muito do deserto, rapaz. olha que � um v�cio. se continuas a aliment�-lo, vais acabar por ver o monstro com corpo de le�o e cabe�a de falc�o, que nenhum ca�ador trespassar� com as suas flechas nem apanhar� com o seu la�o. para ti, ser� tarde de mais. o monstro vai apanhar-te nas suas garras e arrastar-te para as trevas. por que raz�o n�o gostas dos eg�pcios? sou de origem hitita. nunca hei-de aceitar a vit�ria do egipto. aqui, neste territ�rio, quem manda sou eu. h� quanto tempo diriges as equipas de mineiros? h� cinco anos. e n�o enriqueceste? �s muito curioso. se tu n�o conseguiste, isso quer dizer que eu tamb�m vou ter problemas. quem te disse que eu n�o consegui? bom, sendo assim, fico mais tranquilo. mas n�o deites foguetes antes do tempo. se est�s rico, para qu� tanto suor e cansa�o? detesto o vale, os campos e o rio. estivesse eu afogado em ouro, e ias ver se eu deixava as minhas minas... afogado em ouro... essa express�o agrada-me. at� agora, s� nos fizeste explorar minas esgotadas. #207 �s muito observador, rapaz. mas diz-me l� se pode existir melhor treino? quando o
trabalho a s�rio come�ar, os mais robustos estar�o prontos a escavar as entranhas da montanha. quanto mais cedo, melhor. est�s assim com tanta pressa? esperar... para qu�? muitos foram os insensatos que seguiram o trilho do ouro, e quase todos falharam. os fil�es n�o foram assinalados? os mapas pertencem aos templos, e de l� n�o saem. quem tentar roubar ouro � imediatamente preso pela pol�cia do deserto. e � imposs�vel escapar-lhe? os seus c�es est�o em toda a parte. ent�o, tu tens os mapas na cabe�a. o barbudo sentou-se ao lado de suti. quem te disse isso? ningu�m, fica tranquilo. mas sei que n�o �s homem de guardar documentos por a�. efraim apanhou uma pedra, fechou a m�o e esmigalhou-a. se tentares abusar da minha boa-f�, destruir-te-ei. quantas vezes ser� preciso dizer-te que o meu �nico objectivo � a riqueza? quero ter uma grande quinta, cavalos, carros, servos, um pinhal, um... um pinhal? mas n�o h� disso aqui no egipto! e quem falou no egipto? eu n�o quero ficar neste maldito pa�s. � na �sia que pretendo instalar-me, num principado onde o ex�rcito do fara� n�o entre. come�as a interessar-me, rapaz. �s um criminoso, n�o �s? suti ficou calado. a pol�cia anda � tua procura e esperas escapar-lhe escondendo-te entre os mineiros. mas eles s�o piores que c�es de fila e far�o tudo para te apanhar. desta vez, n�o me v�o apanhar vivo. estiveste preso? nunca mais voltarei a estar preso. qual o juiz que te persegue? #208 paser, o de�o do p�rtico. efraim deu um assobio expressivo. �s ca�a gra�da! com a morte desse juiz, muitos como tu h�o-de festejar num famoso banquete.
ele � obstinado. talvez o destino lhe seja adverso. a minha bolsa est� vazia, e eu tenho pressa. agradas-me, rapaz, mas n�o vou correr riscos. amanh�, vamos cavar para encontrar coisas boas. veremos do que �s capaz. efraim tinha dividido os seus homens em dois grupos. o primeiro, o mais numeroso, recolhia o cobre, indispens�vel ao fabrico dos instrumentos, especialmente cinz�is de canteiro; este metal, depois de martelado e lavado, era fundido no pr�prio lugar da extrac��o em fornos rudimentares e deitado em moldes. o sinai e os desertos circundantes forneciam importantes quantidades de cobre que, no entanto, era preciso importar da s�ria e da �sia ocidental, tal era a procura por parte dos construtores. o ex�rcito tamb�m o consumia, juntando-o ao estanho a fim de obter espadas resistentes o segundo grupo, onde se encontrava suti, era apenas composto por uns dez homens resolutos, e cada um deles sabia que as maiores dificuldades iam come�ar agora. diante deles, deparou-se-lhes a entrada de uma galeria, qual boca do inferno escancarada para as profundezas, ocultando, quem sabe, um tesouro. pendurada ao pesco�o dos mineiros, estava a bolsa de couro que, caso tivessem sorte, ficaria a transbordar. como vestimenta, usavam apenas uma tanga de couro, e tinham o corpo coberto de areia. quem entraria primeiro? esse era o lugar melhor e tamb�m o mais perigoso. suti foi empurrado, mas voltou-se para tr�s e come�ou a bater nos outros; a algazarra foi geral. efraim interrompeu-os, levantando pelos cabelos um pequeno lutador que gritava de dor. tu, ordenou passa para a frente. a fila organizou-se. a passagem era estreita e os mineiros tiveram de se curvar, procurando apoios. os olhares fixavam-se nas paredes #209 em busca de um metal precioso de que efraim n�o tinha determinado a natureza. o que seguia � frente, em passo r�pido, levantava poeira; o segundo, asfixiado, empurrou-o pelas costas. surpreendido, o homem perdeu o equil�brio e rolou pelo declive at� a uma plataforma onde os exploradores j� podiam andar direitos. desapareceu constatou um dos seus camaradas. tanto melhor retorquiu outro. ap�s terem recobrado o f�lego, numa atmosfera sufocante, prosseguiram em direc��o �s entranhas da mina.
olhem! ali h� ouro! o descobridor foi imediatamente atacado por dois gananciosos que o deitaram ao ch�o. que parvalh�o! era apenas uma rocha brilhante. suti sentia a amea�a crescer a cada passo. os que vinham atr�s s� pensavam em livrar-se dele. com um instinto de fera, baixou-se no preciso momento em que o atacavam tentando esmagar-lhe a cabe�a com um enorme calhau. o primeiro agressor caiu de pernas para o ar, e suti partiulhe as costelas com pontap�s. dou cabo do pr�ximo anunciou. ficaram malucos, ou qu�? se continuamos assim, ningu�m volta � superf�cie. ou nos matamos j� uns aos outros, ou ent�o partilhamos a colheita. os homens v�lidos escolheram a segunda solu��o e todos rastejaram at� � nova passagem. dois deles sentiram-se mal e desistiram. o archote, feito de pano embebido em �leo de s�samo, foi confiado a suti, que n�o hesitou mais e tomou a dianteira. quando tinham descido ainda mais, e a escurid�o j� era total, eis que surge um clar�o. o jovem, sentindo crescer a �gua na boca, acelerou o passo e tocou enfim no tesouro. mas logo gritou enraivecido. cobre, � apenas cobre! suti estava capaz de dar uma sova a efraim at� ele cair morto. ao sair da galeria, ficou abismado com o sil�ncio desusado que reinava no lugar. os mineiros estavam reunidos em duas filas, sob a vigil�ncia #210 de uns dez pol�cias do deserto acompanhados dos seus molossos. o chefe era nada mais nada menos que o gigante que tinha interrogado suti antes do seu alistamento. eis os que faltavam anunciou efraim. suti e os seus camaradas, incluindo os feridos, foram obrigados a voltar para a fila; os c�es rosnavam, prontos a atacar. os pol�cias tinham na m�o um chicote com nove loros de couro que lhes permitia desferir golpes violentos e decisivos. andamos � procura de um desertor revelou o gigante. fugiu aos trabalhos for�ados e foi apresentada queixa contra ele. estou convencido de que se esconde entre v�s. a regra do jogo � simples. se ele se entregar ou se o denunciarem, o assunto fica logo resolvido; se ficarem calados, vamos proceder a interrogat�rios usando este chicote. ningu�m ser� poupado e recome�aremos quantas vezes forem necess�rias. os olhares de suti e de efraim cruzaram-se. o hitita n�o podia opor-se � pol�cia, ao passo que, traindo suti, consolidaria a sua reputa��o junto das for�as da ordem. ent�o, um pouco de coragem exortou o barbudo. o fugitivo arriscou e perdeu. os
mineiros n�o s�o um bando de canalhas. mas ningu�m saiu das fileiras. efraim aproximou-se dos trabalhadores. suti n�o tinha a m�nima hip�tese de fugir. at� os pr�prios mineiros se voltariam contra ele. os c�es ladravam e puxavam pelas trelas. calmos, os pol�cias esperavam a sua presa. efraim agarrou mais uma vez pelos cabelos o robusto lutador e lan�ou-o aos p�s do chefe do destacamento. o desertor est� � tua merc�. suti sentiu pesar sobre ele o olhar do gigante. por um instante, pensou que ele poria em causa a den�ncia de efraim. mas o suspeito, sob amea�a dos c�es, j� come�ara a confessar. continuas a agradar-me, rapaz. tu enganaste-me, efraim. #211 pus-te � prova. aquele que sai desta mina abandonada vai saber sair de apuros n�o importa em que situa��o. deverias ter-me prevenido. a experi�ncia n�o teria sido decisiva. agora, conhe�o as tuas capacidades. n�o tarda, os pol�cias v�o voltar para me virem buscar. eu sei. por isso mesmo, n�o nos vamos demorar aqui. logo que tiver arranjado a quantidade de cobre exigida pelo mestre de obras de coptos, darei ordem a tr�s quartos do grupo para levarem o metal para o vale. e depois? depois, com os homens que escolher, vamos efectuar uma expedi��o que n�o foi encomendada pelo templo. se n�o voltares a chefiar os teus mineiros, a pol�cia vai intervir. se for bem sucedido, quando chegarem, j� ser� demasiado tarde. esta ser� a minha �ltima expedi��o. n�o seremos de mais? na pista do ouro � preciso carregadores durante uma parte da viagem. al�m disso, meu rapaz, costumo regressar sozinho. o vizir bagey recebeu paser antes de ir para casa almo�ar. mandou embora a secret�ria e molhou os p�s inchados numa cuba de pedra cheia de �gua morna
salgada. ainda que a terap�utica de n�f�ret o protegesse de uma nova doen�a, o vizir n�o renunciava � comida demasiado gordurosa que a mulher preparava, e lhe continuava a agredir o f�gado. paser j� estava habituado � frieza de bagey. alquebrado, feio, de rosto comprido e severo, e olhar desconfiado, n�o procurava atrair simpatias. nas paredes do seu escrit�rio, tinha os mapas das prov�ncias, alguns dos quais ele mesmo tinha desenhado quando era um ex�mio ge�metra. nunca descansas, juiz paser. geralmente, um de�o do p�rtico contenta-se em exercer as suas m�ltiplas fun��es sem investigar no local respectivo. #212 a gravidade do caso assim o exigia. deverei acrescentar que o pelouro militar n�o est� sob a tua al�ada? o processo n�o ilibou o general asher de todas as suspeitas, e estou encarregado de lhe dar seguimento. s� me interessa a sua pessoa. porque te interessaste tanto pelo seu relat�rio sobre o estado das nossas tropas? porque ele � um mentiroso, como o provam os testemunhos irrefut�veis do chefe da pol�cia e do sumo-sacerdote de carnaque. logo que eu abra um novo inqu�rito, esse texto ir� engrossar o processo. o general n�o p�ra de deturpar a verdade. abrir um novo inqu�rito... � mesmo essa a tua verdadeira inten��o? asher � um assassino. sut� n�o mentiu. o teu amigo est� com problemas. paser temia esta cr�tica. bagey n�o subiu o tom de voz, mas parecia irritado. asher apresentou queixa contra ele. o motivo � s�rio: deser��o. queixa inaceit�vel objectou o juiz suti foi contratado pela pol�cia, antes de receber o documento. os registos de kem s�o formais. assim, o antigo soldado suti pertence a um corpo do estado, sem qualquer interrup��o de carreira e sem nenhuma deser��o. bagey tomou algumas notas numa tabuinha. suponho que o teu processo seja incontest�vel? sem d�vida que �. que pensas tu do relat�rio de asher? que semeia a confus�o para fazer aparecer o general como um salvador. e se ele est� a dizer a verdade? as minhas primeiras investiga��es demonstram o contr�rio. por certo, s�o limitadas; tu, pelo contr�rio, tens meios para reduzir a zero os argumentos do
general. o vizir reflectiu. de repente, paser foi assaltado por uma d�vida atroz. estaria #213 bagey ligado ao general? a imagem do vizir intransigente, honesto e incorrupt�vel, n�o seria somente um disfarce? nesse caso, a carreira do de�o do p�rtico n�o tardaria a chegar ao fim sob um pretexto administrativo qualquer. pelo menos, paser n�o teria de esperar muito tempo. de acordo com a resposta de bagey, saberia com o que podia contar. excelente trabalho estimou o vizir. cada dia que passa, justificas a tua nomea��o e surpreendes-me. cometi um erro ao privilegiar a idade aquando da designa��o de alguns altos magistrados; fico satisfeito por saber que �s uma excep��o. a tua an�lise do relat�rio de asher � muito preocupante; o apoio do chefe da pol�cia e do sumo-sacerdote de carnaque, mesmo se recentemente nomeados, d�o-te muita for�a. al�m disso, dissipaste as minhas d�vidas. assim, contesto a validade do texto e ordeno que se fa�a um invent�rio completo do armamento de que dispomos. paser esperou pelo momento em que estivesse nos bra�os de n�f�ret para chorar de alegria. o general asher sentou-se no tim�o de um carro. o quartel estava adormecido, as sentinelas dormitavam. o que poderia recear um pa�s t�o poderoso como o egipto, unido � volta do seu soberano, e solidamente edificado sobre valores ancestrais que nem os ventos mais fortes tinham conseguido abalar? asher tinha mentido, tra�do, assassinado, para se tornar num homem poderoso e respeitado. queria estabelecer uma alian�a com os hititas e os pa�ses asi�ticos, fundar um imp�rio com que o pr�prio rams�s n�o teria ousado sonhar. e essa sua ilus�o quebrava-se agora, devido a uma iniciativa desafortunada. h� meses que era manipulado. ch�chi, o qu�mico de poucas falas, servira-se dele. asher, o grande! dentro em breve, n�o passaria de um fantoche sem poder, incapaz de resistir aos assaltos sucessivos do juiz paser. nem sequer pudera ter o prazer de enviar suti para um campo correccional, depois de o amigo do de�o do p�rtico se ter introduzido na pol�cia. queixa rejeitada e relat�rio recusado pelo vizir! o reexame terminaria #214 numa repreens�o. asher seria condenado por atentado � moral das tropas. quando bagey se empenhava num assunto, tornava-se t�o feroz e obstinado como um molosso abocanhando um osso. por que raz�o ch�chi o tinha encorajado a redigir aquele texto� com o fito de se transformar num salvador da p�tria, de adquirir estatura de homem de estado, de aliciar o povo, asher tinha perdido o sentido da realidade. � for�a de enganar os outros, acabou por se enganar a si mesmo. tal como o pequeno qu�mico, tamb�m ele acreditava na extin��o do reino de rams�s, na mistura das ra�as, na subvers�o das
tradi��es herdadas da idade das pir�mides. esquecera-se, por�m, da exist�ncia de homens arcaicos e enamorados da verdade, como o vizir bagey e o juiz paser, servidores da deusa ma�t. asher tinha sofrido a desonra de ser considerado um soldado sem envergadura e sem futuro, desprovido de ambi��o. mas os instrutores tinham-se enganado a seu respeito. classificado numa categoria da qual n�o mais sairia, o general j� n�o suportava o ex�rcito. ou o controlava, ou o aniquilava. a descoberta da �sia, dos seus pr�ncipes habituados a artimanhas e mentiras e dos seus cl�s em constante movimento, tinhamno levado a conspirar e a estabelecer liga��es com adafi, o chefe da rebeli�o. mero joguete nas m�os de um trapaceiro, a sua gl�ria vindoura tocava as raias do rid�culo. mas os seus falsos amigos ignoravam que um animal ferido faz uso de recursos inimagin�veis. ridicularizado aos seus pr�prios olhos, asher reabilitar-se-ia, arrastando na queda os seus aliados. porque seria fara�, amar o nele como uma pertencia aos
que o mal se apoderara dele? poderia ter-se contentado em servir o seu pa�s e cumprir o seu dever. mas o gosto da intriga insinuara-se doen�a, refor�ado pelo desejo de a�ambarcar tudo aquilo que outros.
asher n�o suportava aqueles que se destacavam, como suti ou paser. rebaixavam-no e impediam-no de se expandir. uns constru�am, outros destru�am; se ele pertencia a esta �ltima categoria, n�o seriam os deuses os respons�veis? e nada podia modificar-lhes a vontade. tal como se nasce, assim se morre. #cap�TUlo 24 de olhos semicerrados, as min�sculas orelhas inquietas e narinas � superf�cie da �gua, o hipop�tamo abriu a boca, e grunhiu quando um outro macho o empurrou. ca�adores de crocodilos, os dois monstros eram os chefes dos principais cl�s que partilhavam o nilo a sul de m�nfis. rasgando o rio com a sua massa informe, adoravam nadar em �guas profundas, onde perdiam o ar pesad�o e se tornavam quase graciosos. pesando mais de duas toneladas, n�o suportavam ser incomodados durante a sesta, sob pena de abrirem a boca a cento e cinquenta graus e trespassarem o intruso com os seus longos caninos de sessenta cent�metros. col�ricos, abriam a bocarra para assustar o advers�rio. geralmente, subiam o talude durante a noite e alimentavam-se de erva fresca; precisavam de um dia inteiro para fazer a digest�o e apreciavam um bom banho de sol na praia, longe dos povoados; a sua pele sens�vel obrigava-os a mergulhar muitas vezes. os dois machos, cobertos de cicatrizes, desafiavam-se arreganhando os dentes. depois, abandonando veleidades de combate, nadaram lado a lado em direc��o � margem. desvairados, destru�ram os campos, devastaram pomares, partiram �rvores e semearam o p�nico entre os camponeses. uma crian�a que n�o se desviou rapidamente, foi espezinhada. por duas ou tr�s vezes, os hipop�tamos repetiram a fa�anha, enquanto as f�meas protegiam as crias contra os ataques dos crocodilos. v�rios chefes das aldeias
apelaram para a pol�cia. kem apareceu no local e organizou a ca�ada. os dois machos foram abatidos, mas outras calamidades #216 assolaram os campos: bandos de pardais, pragas de ratos e arganazes, a morte prematura de bovinos e uma infesta��o de vermes nas reservas de cereais, sem contar com uma multiplica��o de escribas agr�colas, enviados para verificarem as declara��es de renda. para afastar a m� sorte, muitos agricultores traziam pendurado ao pesco�o um colar de fragmentos de coralina, pedra que tinha o poder de acalmar a agressividade das for�as nocivas. n�o obstante, os rumores avolumaram-se rapidamente. o hipop�tamo vermelho tornava-se destruidor porque a magia protectora do fara� enfraquecia. temia-se uma cheia med�ocre, prova de que o poder do soberano sobre a natureza estava esgotado, e de que ele devia restabelecer a sua alian�a com os deuses celebrando uma festa de regenera��o. o processo mandado instaurar paser sentia-se inquieto; sem c�digo, anunciando-lhe que a situa��o riscos desnecess�rios. dentro provavelmente privada de objectivo.
pelo vizir bagey seguiu o seu curso. no entanto, not�cias de suti, tinha redigido uma mensagem em do general asher se degradava e era in�til correr de alguns dias, a miss�o de suti ficaria muito
um outro acontecimento era portador de nuvens negras; de acordo com um relat�rio enviado por kem, pantera tinha desaparecido. partira durante a noite, sem dizer aos vizinhos para onde ia, e nenhum informador a tinha conseguido localizar em m�nfis. decepcionada, ferida, teria talvez voltado para a l�bia. a festa de imotep, modelo dos s�bios e patrono dos escribas, deu ao juiz um dia de descanso que ele aproveitou para curar a tosse e a constipa��o, bebendo infus�es de bri�nia dilu�da. sentado num banco de abrir e fechar, admirou um grande arranjo de flores feito por n�f�ret, entreligando entre si fibras de folhas de palmeira, folhas de p�rsea e grande quantidade de p�talas de l�tus. o manejo da corda, cuidadosamente escondida, exigia uma certa habilidade. a pequena obra de arte era manifestamente do agrado de bravo, o c�o ergueu-se, colocou as patas da frente sobre a mesa e tentou comer as flores de l�tus. paser teve de o chamar mais de dez vezes antes de acabar por lhe dar um osso mais tentador. #217 avizinhava-se uma tempestade. dentro em breve, nuvens negras oriundas do norte obscureceriam o sol. homens e animais davam sinais de nervosismo, e os insectos tornavam-se agressivos; a serva das limpezas corria atarantada de um lado para o outro, a cozinheira tinha partido um c�ntaro. todos esperavam a chegada da chuva, ao mesmo tempo que a temiam; seria torrencial e destruiria as casas mais humildes e, nas zonas mais pr�ximas do deserto, formaria torrentes caudalosas de lama e pedras.
apesar das suas atribui��es no hospital, n�f�ret administrava a sua casa e a criadagem com um sorriso nos l�bios e sem levantar o tom de voz. as servas adoravam-na, mas tinham medo de paser, cuja apar�ncia severa escondia, no entanto, uma grande timidez. era certo que o juiz achava o jardineiro pregui�oso, a serva demasiado lenta e a cozinheira muito glutona; no entanto, tanto uns como outros desempenhavam as suas tarefas com agrado, e ele acabava por se calar. usando uma pequena escova, paser limpava o burro, que estava incomodado com o calor abrasador; �gua fresca e uma ra��o de forragem alegraram de novo vento do norte, deitado a descansar � sombra de um sic�moro. suado, paser teve necessidade de tomar um duche. atravessou o jardim, onde as t�maras amadureciam, contornou o muro que o separava da rua, passou pelas capoeiras onde os patos grasnavam, e entrou na grande casa, a que come�ava a habituar-se. os ecos de uma conversa indicavam que a sala reservada �s ablu��es estava ocupada. uma jovem, de p� num pequeno muro, vertia o conte�do de uma jarra sobre o corpo dourado de n�f�ret. a �gua morna deslizava sobre a pele cuidada e escoava-se por uma canaliza��o que se abria nas lajes de calc�rio que cobriam o ch�o. o juiz mandou sair a serva e tomou o seu lugar. quanta honra! o de�o do p�rtico em pessoa... ser� que ele aceita massajar-me? ele � o vosso servidor mais devoto. passaram para a sala de un��o. a figura magra de n�f�ret, a sua sensualidade solar, os seios firmes e direitos, as ancas bem modeladas, as m�os e p�s delicados fascinavam paser. cada dia mais enamorado, hesitava entre admir�-la sem lhe tocar ou arrast�-la num turbilh�o de car�cias. #218 ela estendeu-se num banco de pedra coberto com uma esteira, e paser, depois de se ter despido, escolheu um frasquinho e alguns boi�es com unguentos, o primeiro em vidro colorido, os segundos em alabastro. depois, espalhou o produto odorante nas costas da companheira e, com m�os suaves, come�ou a massaj�-la a partir dos rins em direc��o � nuca. para n�f�ret, uma massagem quotidiana era um acto terap�utico da maior import�ncia. aliviava as tens�es, suprimia as contrac��es, acalmava os nervos, activava a circula��o de energia nos �rg�os, todos eles ligados � �rvore da vida, onde nascia a espinal medula, e mantinha o equil�brio mental e a sa�de. de um frasco com a forma de uma nadadora nua empurrando � sua frente um pato, cujo corpo e as asas articuladas serviam de recipiente, paser retirou um outro unguento perfumado de jasmim e untou com ele o pesco�o da mulher. a fric��o que este toque provocou n�o o deixou indiferente. aos dedos seguiram-se os l�bios; n�f�ret voltou-se e acolheu o amante. a tempestade n�o vinha. paser e n�f�ret jantaram no jardim, para grande alegria de bravo, que corria � volta das pequenas mesas rectangulares onde uma serva colocava copos, pratos e jarras. o juiz tinha tentado em v�o educar o seu c�o, proibindo-o de pedir insistentemente
comida durante a refei��o dos donos. mas bravo tinha descoberto em n�f�ret uma aliada; e, al�m disso, como � que o seu faro podia resistir a iguarias t�o suculentas? estou cheio de esperan�as, n�f�ret. � t�o raro seres optimista. asher n�o devia ter-nos escapado. assassino e traidor... como � poss�vel algu�m desacreditar-se assim tanto? nunca pensei ter de lutar contra o mal absoluto. talvez venhas a encontrar ainda pior. l� est�s tu a ser pessimista. gosto da felicidade, mas sinto-a amea�ada. por causa dos progressos do inqu�rito? #219 vejo-te cada vez mais exposto ser� que o general asher se vai deixar abater sem reagir? estou convencido de que ele � apenas um comparsa, e n�o o cabecilha da conspira��o. estava enganado quanto � qualidade do ferro celeste; est� visto que os c�mplices abusaram dele. ser� que n�o est� a fingir? de maneira nenhuma. n�f�ret entrela�ou a m�o direita na do marido. este simples contacto bastou para comunicarem. nem a sagu� nem o c�o os incomodavam, respeitando a beleza daquele momento em que dois seres se completavam numa unidade que os transcendia. a cozinheira veio quebrar a harmonia deste para�so. � sempre a mesma coisa... queixava-se ela. a criada de quarto surripiou o medalh�o de peixe que decorava a travessa! n�f�ret levantou-se, vendo-se for�ada a intervir. a culpada, que privara o juiz do seu petisco favorito, tinha-se escondido, consciente da falta cometida. a cozinheira em v�o a chamou, correndo a casa � procura dela. nisto, o seu grito assustou o c�o, que se enfiou por debaixo da mesa. paser acorreu a toda a pressa. num pranto, a cozinheira estava debru�ada sobre a outra serva, estendida sobre o lajedo da sala de visitas, como uma boneca desarticulada. n�f�ret j� estava a examin�-la. est� paralisada constatou. quando o devorador de sombras viu o juiz paser sair de casa, enraiveceu-se contra a sua m� sorte. ser� que n�o tinha preparado minuciosamente a cilada? gra�as a uma serva tagarela, tinha obtido muitas informa��es sobre os gostos de paser. fazendo-se passar por peixeiro, tinha vendido � cozinheira uma magn�fica mugem e um pequeno medalh�o de um peixe cor-de-rosa e apetitoso.
para o fabricar, o devorador de sombras tinha utilizado o f�gado de um tetrod�o, o peixe que se insuflava de ar quando algum predador o amea�ava. tal como a espinha e a cabe�a, o f�gado continha um veneno fatal, quando ingerido na propor��o de quatro miligramas por quilo. #220 o devorador de sombras tinha reduzido a dose para um miligrama, de forma a induzir uma paralisia incur�vel. e agora, uma glutona est�pida privara-o de um �xito certo. mas recome�aria at� obter o triunfo final. vamos tratar dela no hospital disse n�f�ret mas sem esperan�as de melhoras. identificaste a subst�ncia que provocou a paralisia? perguntou paser, perturbado. aposto que foi um veneno. porqu�? porque a nossa cozinheira comprou uma mugem a um vendedor ambulante que andava a apregoar peixe fresco e preparado. o medalh�o devia ser de um outro peixe; alguns s�o portadores de subst�ncias t�xicas. um crime premeditado... a dosagem foi calculada para incapacitar e n�o para matar. e tu eras a v�tima escolhida. n�o se assassina um juiz, certo? mas pode-se impedi-lo de pensar e de agir. tremendo, n�f�ret refugiou-se nos bra�os de paser. imaginava o impotente, de olhos fixos, boca a espumar, membros inertes. mesmo assim, am�-lo-ia at� � morte. ele vai voltar afirmou paser. a cozinheira deu alguma descri��o do homem? muito vaga... um homem de idade indefinida, de quem ningu�m se lembra. n�o � Denes nem qadash. talvez fosse ch�chi, ou um matador contratado. mas cometeu um erro: revelou-nos a sua exist�ncia. vou mandar kem seguir-lhe a pista. o conselho de m�dicos, cirurgi�es e farmac�uticos encarregados da designa��o do novo m�dico-chefe do reino, recebeu os primeiros #221 postulantes cuja candidatura tinha sido declarada v�lida pela justi�a. apresentaram-se um oftalmologista, um m�dico de cl�nica geral de eiefantina, o bra�o direito do defunto n�bamon e o dentista qadash. este �ltimo, tal como os restantes colegas, respondeu a perguntas t�cnicas, apresentou as descobertas efectuadas ao longo da sua carreira e determinou os seus fracassos e respectivas causas. por fim, interrogaram-no longamente sobre os seus projectos. os votos dividiram-se e nenhum candidato recebeu a maioria requerida. um forte
defensor de qadash acabou por fazer irritar o conselho, que o alertou para o seu passado recente; ningu�m aceitaria as artimanhas que n�bamon tanto encorajava. perante isto, o zeloso defensor deu-se por vencido. um segundo escrut�nio traduziu-se por resultados id�nticos. nada a fazer, sen�o constatar que o reino continuaria sem m�dico-chefe. asher, aqui? o intendente de denes confirmou a presen�a do general � entrada do palacete. diz-lhe que... n�o, deixa-o entrar. mas n�o para aqui. para a estrebaria. o transportador levou o seu tempo a pentear-se e a perfumar-se, e ainda cortou dois cabelos brancos muito compridos que perturbavam o alinhamento da sua fina barbicha. ter de aturar este veterano tacanho aborrecia-o por de mais; mas podia ainda serlhe �til, principalmente como bode expiat�rio. o general admirava um soberbo cavalo cinzento. belo animal. est� � venda? aqui, est� tudo � venda, general; � a lei da vida. o mundo divide-se em duas categorias: aqueles que podem comprar, e os outros. poupa-me � tua filosofia de meia tigela. onde est� o teu amigo ch�chi? como vou saber? � o teu mais fiel aliado. tenho muitos. #222 trabalhava no fabrico de novas armas sob as minhas ordens, e h� tr�s dias que n�o aparece no laborat�rio. lamento sab�-lo, mas as tuas desventuras n�o me interessam minimamente. e o homem com cara de fuinha barrou o caminho a denes. tomaste-me por um imbecil, f�cil de manipular, e o teu amigo ch�chi arrastou-me para uma cilada. porqu�? a tua imagina��o faz-te perder a cabe�a. vende-me o ch�chi. o teu pre�o ser� o meu. denes hesitou. um destes dias, ch�chi deix�-lo-ia, � for�a de ser t�o servil. mas, o momento n�o era prop�cio. tinha reservado um outro papel ao seu mais fiel seguidor. �s muito exigente, asher. recusas? tenho o culto da amizade.
fui est�pido, mas ignoras as minhas verdadeiras potencialidades. fizeste mal em brincar comigo. qadash entrou a gesticular. com os cabelos brancos em desalinho, uma banda enrolada ao corpo, cobrindo-lhe o colete de pele de leopardo, e o nariz cravejado de veias prestes a rebentar, evocava as divindades do c�u, da terra e do mundo interm�dio, e dava-lhes conta do seu infort�nio. acalma-te ordenou denes, aborrecido. faz como ch�chi. o qu�mico de bigodinho preto estava sentado � escriba, no canto mais escuro da sala das refei��es, onde, num ambiente sinistro, os tr�s homens tinham almo�ado. no pal�cio, a senhora n�nofar continuava a tecer intrigas contra bel-tran, mas os seus fracos progressos tornavam-na cada vez mais irrit�vel. acalmar-me? como � que explicas a rejei��o da minha candidatura ao posto de m�dico-chefe? um fracasso passageiro. no entanto, t�nhamos comprado os mesmos m�dicos que n�bamon. #223 um simples contratempo; conta comigo para lhes lembrar o nosso contrato. quando for a pr�xima vota��o, n�o haver� m�s surpresas. vou ser m�dico-chefe, tu prometeste-mo! quando tiver o lugar, vamos dispor inteiramente das drogas e dos venenos. � essencial reinar sobre a sa�de p�blica. h�-de vir parar ao nosso bolso, como todos os outros �rg�os do poder. porque � que o devorador de sombras n�o agiu? ele pede mais tempo. tempo, sempre o tempo! eu c� sou velho, quero tirar proveito das minhas novas oportunidades. a tua impaci�ncia n�o ajuda nada. o dentista de cabelos brancos dirigiu-se a ch�chi. v�, diz qualquer coisa! n�o achas que dev�amos apressar-nos? ch�chi � obrigado a esconder-se explicou denes. qadash insurgiu-se. pensava que domin�ssemos a situa��o. e dominamos; mas a posi��o do general enfraqueceu. o juiz paser contestou o seu relat�rio e o vizir apoiou as suas conclus�es. sempre o paser! quando ser� que nos vamos ver livres dele? o devorador de sombras trata disso. para qu� precipitarmo-nos, agora que o povo,
cada dia, se mostra mais descontente com rams�s? ch�chi bebericava uma bebida a�ucarada. estou cansado confessou qadash. tu e eu somos ricos. para qu� querer mais? os l�bios de denes contra�ram-se. n�o estou a perceber. e se renunci�ssemos? tarde de mais. denes tem raz�o comentou o qu�mico. qadash interpelou ch�chi. j� alguma vez sonhastes em ter opini�o pr�pria? denes comanda, eu obede�o. e se ele te conduzir � ru�na? #224 eu creio num pa�s novo, que s� n�s seremos capazes de construir. essas s�o palavras de denes, n�o tuas. ser� que n�o concordas connosco? qadash afastou-se amuado. concordo que � irritante ter o poder supremo ao alcance da m�o interveio denes e ter de aguardar com paci�ncia. mas admite que n�o corremos nenhum risco e que a trama urdida � indestrut�vel. asher ir� perseguir-me durante muito tempo? inquiriu ch�chi, preocupado. est�s fora do seu alcance, e ele est� fora de si. � teimoso e perverso objectou qadash; pois n�o veio ele incomodar-te, at� mesmo amea�ar-te ? asher n�o vai afundar-se sozinho. vai arrastar-nos na queda. � essa certamente a sua inten��o admitiu ch�chi. mas ilude-se mais uma vez. esqueces-te que o general n�o det�m nenhum ponto-chave? arvorando-se em salvador, condenou-se a si mesmo. n�o foste tu que o instigaste? n�o se estava ele a tornar num estorvo? pelo menos, com ele, o juiz paser tem com que se entreter! atalhou denes, divertido. h�-de acabar num duelo de morte; tratemos de encoraj�-los. quanto mais ele se evidenciar, mais baralhado ficar� o juiz. e se o general tentar um golpe de for�a contra ti? ele desconfia que tu escondes o ch�chi.
est�s a imagin�-lo a atacar a minha casa � frente de um ex�rcito? vexado, qadash amuou. somos como os deuses assegurou denes. cri�mos um rio cujo curso nenhuma barragem poder� deter. n�f�ret escovava o c�o, paser lia o relat�rio de um escriba, por sinal cheio de erros. de repente, o seu olhar foi atra�do por um espect�culo deveras curioso. #225 a uns dez metros do s�tio onde se encontrava, no rebordo do lago dos l�tus, uma pega atirava-se � presa � bicada. o juiz pousou o papiro, levantou-se e afugentou a pega. horrorizado, descobriu uma andorinha, com as asas abertas e a cabe�a ensanguentada. a pega tinha-lhe furado um olho e golpeado a cabe�a. a pobre andorinha, uma das formas que a alma do fara� assumia para subir ao c�u, ainda estrebuchava. n�f�ret, vem c� depressa! a jovem acorreu ao chamado. tal como paser, tamb�m ela tinha grande venera��o pelo belo p�ssaro, que possu�a dois nomes: �grandeza� e �estabilidade�. as suas dan�as graciosas, no ouro e laranja do poente, enchiam de paz o cora��o. n�f�ret ajoelhou-se e pegou no p�ssaro ferido. o pequenino corpo rendeu-se, quente e suave, feliz por encontrar um ref�gio. n�o vamos poder salv�-la lamentou-se n�f�ret. n�o devia ter intervido. paser censurava-se pela sua imprud�ncia. nenhum homem devia interferir no jogo cruel da natureza nem interpor-se entre a vida e a morte. as garras do p�ssaro enfiaram-se na carne de n�f�ret; agarrava-se a ela como a um ramo de �rvore. mas, apesar da dor, n�f�ret n�o a abandonou. desamparado, paser tinha cometido um erro contra o esp�rito. como podia ele ser digno de julgar, se infligia sofrimentos in�teis a uma andorinha, ao arranc�-la ao seu destino? por vaidade e estupidez, submetia � tortura o ser que tentara salvar. n�o seria melhor mat�-la? se for preciso, eu mesmo... tu n�o serias capaz... sinto-me respons�vel pela sua agonia. quem poder� ainda dar-me a sua confian�a? #cap�TUlo 25 a princesa hattusa sonhava com uma outra realidade. ela, a esposa diplom�tica de rams�s, oferecida ao egipto para selar a paz, era apenas uma mulher abandonada.
a riqueza do seu har�m n�o a consolava. tinha esperado o amor e a intimidade do fara�, e sofria uma solid�o mais medonha que a de uma reclusa. quanto mais a sua exist�ncia se dilu�a nas �guas do nilo, mais odiava o egipto. quando voltaria ela a ver a capital do reino hitita, erguida num imponente planalto, sobre uma paisagem in�spita de ravinas, gargantas e colinas abruptas, que se sucediam �s �ridas estepes? altas montanhas protegiam a cidadela de uma invas�o. fortaleza edificada com blocos de pedra gigantescos no cimo de um monte, dominava escarpas e desfiladeiros, s�mbolo da altivez e da selvajaria dos primeiros hititas, tribo de guerreiros e conquistadores. casando com o relevo, adaptando-se aos picos e �s sali�ncias rochosas das cordilheiras, as muralhas da capital, s� pela sua presen�a, repeliam o invasor. hattusa, quando crian�a, corria pelas ruelas inclinadas, roubava os copos cheios de mel colocados nos rochedos para apaziguar os dem�nios, jogava � bola com os rapazes que rivalizavam na for�a e na destreza. l�, n�o precisava de contar as horas. nenhuma princesa estrangeira vinda para a corte do egipto em troca de uma alian�a, e para cumprir um tratado, regressara ao seu pa�s. s� o ex�rcito hitita podia libert�-la da sua pris�o, simulacro de para�so. nem o pai nem a fam�lia tinham renunciado a apoderar-se do delta e#228 do vale do nilo; a� fundariam uma col�nia de escravos e um gigantesco celeiro de trigo. ela devia minar as funda��es, destruir o edif�cio por dentro, enfraquecer rams�s e impor-se como regente. no passado, tantas mulheres tinham reinado, e eram tamb�m mulheres que inspiraram a guerra de liberta��o contra os n�madas asi�ticos instalados no norte do pa�s. hattusa n�o tinha outra alternativa; libertando-se, ofereceria ao seu povo a mais bela das vit�rias. ao oferecer-lhe o ferro celeste, denes n�o tinha consci�ncia de estar a refor�ar a sua convic��o e os seus poderes. entre os hititas, quem possu�sse este metal conquistava o favor dos deuses. e que melhor ajuda para comunicar com as divindades do que este tesouro sa�do das profundezas do espa�o? logo que estivesse na posse do peda�o de metal, hattusa mandaria talhar amuletos, colares, pulseiras e an�is. vestir-se-ia de ferro celeste, apareceria como a filha das pedras de fogo que despeda�avam as nuvens. denes era um idiota pretensioso, mas ser-lhe-ia muito �til. desorganizar o com�rcio de g�neros aliment�cios representava um rude golpe no prest�gio de rams�s; mas uma outra estrat�gia seria ainda mais eficaz para abrir caminho � conquista. hattusa preparava-se para encetar a batalha decisiva. faltava-lhe apenas convencer um homem, apenas um, para dividir o egipto e abrir uma brecha pela qual os hititas se precipitariam. ao meio-dia, o templo de carnaque dormitava. dos tr�s rituais de oferendas que o sumo-sacerdote celebrava em nome do rei, o do meio-dia era o mais curto. ele limitava-se a venerar o n�os fechado onde repousava a est�tua divina, reanimada por ocasi�o do longo cerimonial da alvorada, e a assegurar que o invis�vel fertilizasse o imenso recept�culo de pedra, respons�vel pela harmonia do mundo.
o jardineiro kani, agora pont�fice do templo de �mon, e terceira personalidade oficial do pa�s a seguir ao fara� e ao vizir, n�o tinha perdido as suas maneiras r�sticas. curtido pelo trabalho, de pele enrugada e m�os calejadas, n�o possu�a a subservi�ncia altiva dos escribas, educados nas melhores escolas da capital, e governava os #229 homens como fazia crescer as plantas. apesar do peso das suas tarefas materiais, n�o deixava ningu�m cuidar do jardim onde cultivava as plantas medicinais. para surpresa geral, kani granjeara o apoio da hierarquia religiosa, t�o dif�cil de seduzir. o antigo jardineiro, indiferente aos privil�gios adquiridos, entendia que os dom�nios do templo deviam ser pr�speros e que o servi�o divino devia ser prestado em estrito respeito pela regra. n�o tendo descoberto outro m�todo que n�o fosse o trabalho e o gosto da obra perfeita, continuava a aplic�-lo. a natureza dos seus prop�sitos, muitas vezes demasiado directos, chocava os administradores, habituados a uma maior subtileza; mas o novo sumo-sacerdote participava no trabalho e sabia impor-se, e nenhuma oposi��o grave se manifestava; apesar das previs�es mais pessimistas, carnaque obedecia a kani, e os cortes�os n�o se cansavam de elogiar a justeza da escolha de rams�s, o grande. tudo futilidades, aos olhos de hattusa. o rei, supremo t�ctico, tinha evitado dar o lugar a uma personalidade forte que lhe pudesse fazer sombra. desde o reinado de akhenaton, as rela��es entre o fara� e o sumo-sacerdote de �mon mantinham-se tensas. carnaque era muito rico, muito poderoso, muito vasto; l�, reinava o deus da vit�ria. � certo que era o rei quem nomeava o pont�fice; mas, uma vez instalado no seu cargo, este tentava alargar as suas prerrogativas. no dia em que ocorresse uma cis�o entre o sumo-sacerdote, mestre do sul, e o rei, circunscrito ao norte, o egipto estaria condenado. a nomea��o de kani era a ocasi�o ideal para o conseguir. um homem do povo, um campon�s, deixar-se-ia ofuscar pelo luxo e pela riqueza: tornado rei de um templo, aspiraria a governar as prov�ncias meridionais e, depois, o pa�s inteiro. ele ainda n�o o sabia, mas hattusa estava certa de que assim seria. competia-lhe a ela revelar a kani o verdadeiro kani, fazer desabrochar nele a ambi��o voraz que o levasse a selar numa alian�a contra rams�s. nenhum instrumento seria mais eficaz do que o sumo-sacerdote de �mon. hattusa tinha-se vestido com simplicidade, sem colares nem adornos; a austeridade convinha ao imenso sal�o com colunas onde o #230 sumo-sacerdote tinha acedido a receb�-la. nada teria podido distinguir kani dos outros sacerdotes, se n�o fosse pelo anel de ouro, emblema da sua fun��o. de cabe�a rapada, robusto e imponente, faltava-lhe contudo uma certa eleg�ncia. a princesa congratulou-se pela sua maneira de vestir; o antigo jardineiro devia detestar luxos.
caminhemos um pouco prop�s ele. este local � grandioso. esmaga-nos e eleva-nos ao mesmo tempo. os arquitectos de rams�s s�o verdadeiros g�nios. exprimem a vontade do fara�, como eu e tu. eu n�o passo da sua segunda esposa, uma faceta da sua diplomacia. tu encarnas a paz com os hititas. ser um s�mbolo n�o me desvanece. desejas recolher-te no templo? as cantoras de �mon acolher-te-iam de boa vontade. depois da morte de nefertari, a grande esposa real, sentem-se �rf�s. tenho outros planos, bem mais ambiciosos. dizem-me respeito? o mais poss�vel. surpreendes-me. quando o destino do pa�s est� em jogo, poder� o sumo-sacerdote de carnaque ficar indiferente? esse destino est� nas m�os de rams�s. mesmo se ele te despreza? n�o � essa a impress�o que tenho. porque o conheces mal. a sua duplicidade j� enganou mais do que um. a fun��o do sumo-sacerdote de �mon incomoda-o, e n�o ter� outra solu��o a curto prazo sen�o suprimi-la e ocup�-la ele mesmo. n�o � j� isso que se passa? o fara� � o �nico intermedi�rio entre o sagrado e o seu povo. n�o me preocupo com teologias; rams�s � um d�spota e os teus poderes incomodamno. que me prop�es, ent�o? que tebas e o seu sumo-sacerdote rejeitem essa ditadura. quem se op�e ao fara�, renega a vida. #231 vieste de um meio modesto, kani; eu sou uma princesa. aliemo-nos; teremos a confian�a do povo e dos cortes�os. vamos criar um novo egipto.
opor o sul ao norte seria partir a coluna vertebral do pa�s e torn�-lo inv�lido. se o fara� n�o mais conseguir juntar as duas terras, a mis�ria, a pobreza e uma invas�o v�o ser o nosso destino. � rams�s quem nos conduz a esse desastre; s� n�s podemos evit�-lo. se me apoiares, tornar-te-�s num homem rico! levanta a cabe�a, princesa, e olha � tua volta. ser� que existe maior riqueza do que contemplar as divindades para sempre vivas na pedra? �s o nosso �ltimo recurso, kani. se n�o intervieres, rams�s levar� o egipto � ru�na. �s uma mulher desiludida e �vida de vingan�a. a infelicidade atormenta-te, desejas arruinar a tua terra adoptiva: dividir o egipto, quebrar-lhe a espinha dorsal, transform�-lo numa prov�ncia hitita... n�o s�o essas as tuas inten��es secretas? e se forem? alta trai��o, princesa. os juizes v�o reclamar a pena de morte. passas ao lado da sorte. no cora��o deste templo n�o existe nem boa nem m� sorte, somente o servi�o do sagrado. enganas-te. se � um engano ser fiel ao fara�, ent�o o mundo j� n�o merece existir. hattusa tinha fracassado. os seus l�bios tremiam. vais denunciar-me? o templo ama o sil�ncio. faz calar em ti a voz da destrui��o e conhecer�s a serenidade. a andorinha obstinava-se em viver. n�f�ret tinha-a colocado numa cestinha com palha, ao abrigo dos gatos e outros predadores, e ia-lhe humedecendo o bico ferido. incapaz de se alimentar, com as asas dobradas, o p�ssaro come�ava a habituar-se � presen�a da jovem. #232 paser continuava a censurar-se pela sua est�pida interven��o. porque n�o voltaste a interrogar a senhora n�nofar? indagou n�f�ret. fortes suspeitas pesam sobre ela. intendente dos tecidos e excelente manejadora da agulha, eu sei. mas n�o a vejo a assassinar branir a sangue frio. exaltada, refilona, segura de si, convencida da sua pr�pria import�ncia... isso sim. ou ent�o suprema dissimuladora. admito que possui tamb�m for�a f�sica.
o assassino n�o ter� surpreendido branir pelas costas? muito provavelmente. a precis�o contava mais do que a for�a. e juntemos a isso um bom conhecimento de anatomia para atingir o ponto exacto. n�bamom � o melhor suspeito. antes de morrer, foi sincero. n�o era ele o culpado. mas se eu fizer comparecer a senhora n�nofar perante o tribunal, ela vai negar e sair� em liberdade. tudo o que possuo s�o ind�cios inquietantes, n�o provas. novos interrogat�rios a nada conduzir�o. ela vai protestar a sua inoc�ncia, vai apelar �s suas rela��es, vai apresentar queixa por ass�dio. preciso de um elemento novo. informaste kem da tentativa de envenenamento? ele vigia-me noite e dia. o seu babu�no e ele dormem por turnos. ele n�o pode destacar os seus pol�cias? foi o que eu lhe disse, mas ele n�o confia em mais ningu�m. n�o recuses a sua protec��o. por vezes, confesso que me incomoda. de�o do p�rtico, os teus deveres sobrep�em-se aos teus gostos. acaso me julgas algum velhote? ela parecia reflectir, quase ansiosa. a quest�o merece ser analisada. esta noite, logo veremos se... ele tomou-a nos bra�os, levantou-a e transp�s a soleira da porta. o velhote casar� contigo quantas vezes forem necess�rias. para qu� esperar pela noite? #233 o sinete do de�o do p�rtico quedou-se, suspenso por cima do papiro. desde as primeiras horas da manh�, n�o parara de ratificar documentos relativos ao bom andamento dos trabalhos agr�colas, � inspec��o dos rendimentos prediais e � distribui��o dos g�neros aliment�cios. paser lia-os rapidamente e apreciava em alguns segundos o conte�do de cada relat�rio. este, por�m, chocou-o. cinco dias de atraso numa entrega de fruta fresca? exacto confirmou o escriba. � inaceit�vel. recuso-me a afian��-lo. aplicaste a multa? transmiti o formul�rio ao meu colega de tebas. e a resposta?
n�o chegou. explica��o? est�o submersos em atrasos semelhantes. h� mais de uma semana que reina esta desordem e ningu�m me avisou. o escriba alinhavou algumas desculpas atabalhoadamente. outros inqu�ritos mais importantes... mais importantes? dezenas de aldeias correm o risco de ficar sem produtos frescos! se o incidente te parece secund�rio, � por causa dessas pregas todas que tens na barriga. cada vez mais contrafeito, o escriba colocou uma pilha de papiros sobre a esteira do juiz. recebemos informa��o de outros atrasos, para outros produtos. segundo uma nota alarmista, os legumes provenientes do m�dio egipto s� chegariam aos quart�is de m�nfis da� a dez dias. paser empalideceu. est�s a imaginar a reac��o dos soldados? para as docas, e j�! kem conduziu ele mesmo o carro que, percorrendo o canal paralelo ao nilo, passou pelos armaz�ns e os celeiros de trigo, e parou em #234 frente aos cais de atraca��o. paser corria j� em direc��o ao escrit�rio de registo de produtos frescos. um rapazito abanava dois funcion�rios que dormitavam. armazenamento de frutas e legumes? perguntou paser. quem �s tu? o de�o do p�rtico. os dois homens levantaram-se, desvairados, e inclinaram-se perante o supremo magistrado. mil perd�es. estamos sem obra desde alguns dias; as entregas foram interrompidas. onde � que os barcos ficaram retidos? em lado nenhum. est�o a chegar regularmente a m�nfis, mas n�o com a carga esperada. hoje, o maior cargueiro de frutas transportava pedras. que havemos n�s de fazer! ainda est� no cais? parte daqui a pouco para tebas. paser e kem, acompanhados pelo babu�no, atravessaram um estaleiro e chegaram ao
cais de onde acabara de partir um barco com destino a chipre. no cargueiro de frutas, i�avam-se as velas. o juiz saltou para a prancha. espera avisou kem, retendo-o pelo bra�o. estamos com pressa. tenho um mau pressentimento. o babu�no, erecto, levantou o nariz. eu vou � frente. o n�bio compreendeu a raz�o da agita��o do macaco. entre os caixotes armazenados na ponte, estava uma jaula e, por detr�s das barras de madeira, uma pantera passeava para tr�s e para a frente. o capit�o, exigiu paser. um homem por volta dos cinquenta anos, de testa baixa e tra�os grossos, abandonou o leme e foi ao encontro do juiz. estou de partida. saiam do meu barco. pol�cia disse kem. intervenho sob a inspec��o do de�o do p�rtico, aqui presente. o capit�o baixou o tom. est� tudo em ordem, apesar de as docas n�o aceitarem a minha carga de gr�s. #235 mas eles n�o contavam com legumes? sim, mas fui requisitado. requisitado? disse paser, espantado por que organismo do estado? eu... eu obedeci aos escribas. n�o quero aborrecimentos. mostra-me o di�rio de bordo. enquanto paser examinava o documento, kem mandou abrir um caixote. continha muita gr�s, destinada �s esculturas dos templos. o di�rio de bordo mencionava uma avultada carga de frutas frescas embarcada em tebas este, logo a seguir requisitada no meio do rio por escribas da marinha e desembarcada em tebas oeste. depois, o cargueiro tinha seguido rumo ao norte, �s pedreiras de gebel silsileh, onde os canteiros o tinham carregado com caixotes de gr�s encomendados por... carnaque! em conformidade com as primeiras instru��es, o barco tinha-se dirigido a m�nfis, e o inspector das docas tinha recusado a mercadoria por n�o estar em ordem. desconfiado, kem examinou o conte�do de outros caixotes, todos eles cheios de blocos de gr�s.
o devorador de sombras seguia paser desde manh�. as presen�as de kem e do babu�no complicavam uma tarefa j� de si t�o �rdua. teria de arquitectar um novo plano e esperar o momento em que a vigil�ncia afrouxasse. e eis que era chegada a oportunidade. juntou-se a um grupo de marinheiros que subiam para bordo, transportando ra��es para a tripula��o, e escondeu-se atr�s do mastro principal. paser discutia firmemente com o capit�o, enquanto kem e o babu�no inspeccionavam o por�o. avan�ando de rastos, o devorador de sombras aproximou-se da jaula. uma a uma, tirou quatro das cinco barras que mantinham a fera prisioneira. como se se tivesse apercebido das suas inten��es, a pantera estacou, pronta a saltar em direc��o � liberdade. paser estava exaltado. #236 onde se encontra o selo da pol�cia fluvial? perguntou pela terceira vez ao capit�o. esqueceram-se de o p�r, eles... n�o saias de m�nfis. imposs�vel! tenho de entregar esta gr�s. vou levar o di�rio de bordo para o examinar pormenorizadamente. o juiz dirigiu-se para a prancha. quando passou em frente � jaula, o devorador de sombras tirou a quinta barra e escondeu-se na ponte. o passo r�pido de paser chamou a aten��o do animal que saiu da jaula e ficou especado a rugir no come�o da prancha. capturado no deserto de n�bia, o animal era espl�ndido. fascinado e transido de medo, o juiz mergulhou o seu olhar no do felino e n�o encontrou nele sinais de �dio. lan�ar-se-ia sobre ele, mas simplesmente por ser um entrave no seu caminho. um bramido fez tremer toda a tripula��o. surgindo da jaula, o babu�no colocou-se entre a pantera e o juiz. goelas abertas, olhos vermelho-vivo, p�lo eri�ado, bra�os oscilantes como um lutador, desafiava a advers�ria. na savana, a pantera, mesmo faminta, abandonava a presa quando um bando de grandes macacos a amea�ava. enchendo-se de coragem, arreganhou os caninos e deitou as garras de fora. o babu�no, enraivecido, come�ou aos saltos. kem, de punhal na m�o, colocou-se � sua direita. n�o ia deixar o seu melhor pol�cia combater sozinho.
a pantera recuou e voltou a entrar na jaula. kem avan�ou e, sem tirar os olhos dela, colocou novamente cada uma das barras. ali em baixo... um homem a fugir! era o devorador de sombras que, escorregando por uma corda, tinha abandonado o barco e desaparecia na esquina de uma doca. podes descrev�-lo? pediu paser ao tripulante. infelizmente, n�o! era s� uma vaga silhueta de algu�m a fugir. o juiz agradeceu ao babu�no, dando uma palmadinha na pata poderosa e felpuda. o macaco estava mais calmo, e o seu olhar irradiava arrog�ncia. #237 tentaram matar-te constatou kem. diz antes tentaram ferir-me gravemente; tu ter-me-ias arrancado a tempo �s garras da pantera... mas em que estado! como chefe da pol�cia, devo manter-te fechado dentro de casa. como de�o do p�rtico, libertar-me-ia alegando pris�o arbitr�ria. se os nossos advers�rios agem assim, isso s� prova que estamos no bom caminho. temo pela tua seguran�a. que outra alternativa tenho? � preciso avan�ar. este objecto vai ajudar-te. kem abriu a m�o e mostrou a rolha de uma botija de barro. existem umas dez iguais a esta na cave: reserva de vinho do comandante. as inscri��es permitem identificar o propriet�rio do cargueiro. a letra era feita � pressa, mas leg�vel. na tampa estava escrito: �har�m da princesa hattusa.� #cap�Tulo 26 o comandante do cargueiro confessara, sem se fazer rogado, que de facto trabalhava para a princesa hattusa. n�o se dando por satisfeito, nem com a prova material nem com essa declara��o, paser levou o inqu�rito por diante. kem convocou os respons�veis regionais da pol�cia fluvial. aparentemente, nenhum deles havia dado ordem para que um cargueiro com frutas e legumes subisse o rio at� Tebas, motivo pelo qual o selo oficial n�o figurava no di�rio de bordo do comandante. paser convocou-o novamente. mentiste-me.
tive medo. de quem? da justi�a, de ti e, principalmente, dela... da princesa hattusa? estou h� dois anos ao seu servi�o. � generosa, mas muito exigente. foi ela quem me ordenou que agisse assim. tens consci�ncia de estares a desorganizar a rota dos alimentos frescos? ou obedecia ou era despedido. e n�o sou o �nico... outros seguiram o meu exemplo. dois escribas registaram as declara��es do comandante. paser releu-as e certificou-se de que as duas c�pias eram id�nticas, posto o que tamb�m o comandante as aprovou. inquieto, ansioso, o juiz enviou uma mensagem a bel-tran. #240 os dois homens encontraram-se no bairro dos oleiros, onde artes�os de m�os h�beis e p�s �geis modelavam mil e um recipientes, desde o boi�o mais pequeno, para unguentos, ao pote maior, destinado a conservar a carne seca. numerosos aprendizes assistiam ao trabalho dos mestres, antes de se exercitarem eles mesmos no torno. preciso da tua ajuda. a minha posi��o n�o � muito confort�vel confessou bel-tran. a senhora n�nofar est� em guerra aberta contra mim e tenta reunir um grupo de cortes�os que exijam a minha destitui��o. e alguns s�o homens pr�ximos do vizir. bagey julgar� de acordo com os dados que possuir. � por isso que passo as noites a verificar as minhas contas. ningu�m descobrir� a m�nima irregularidade na minha gest�o. de que armas disp�e N�nofar? da perf�dia e da insinua��o. mas eu duvido do seu efeito; a minha resposta � o trabalho. acabo de constatar factos que te poder�o vir a prejudicar. que factos? uma tentativa de desorganiza��o do com�rcio de produtos frescos. simples erro administrativo? nada disso. acto deliberado. corremos o risco de se desencadearem greves, talvez at� motins! sossega, j� identifiquei a culpada.
uma mulher? a princesa hattusa. bel-tran comp�s a tanga. tens a certeza? o meu processo cont�m provas e testemunhos. desta vez, ela foi longe de mais! por�m, atac�-la � p�r o rei em
causa.
seria rams�s capaz de deixar morrer de fome o seu povo? # 241 � evidente que n�o; mas iria ele deixar condenar a esposa, s�mbolo da paz com os hititas? ela cometeu um erro grave. que ser� deste pa�s, se as figuras gradas escapam � justi�a? acabar� por se transformar numa terra de privil�gios e mentira. n�o abafarei este caso; no entanto, e sem uma queixa oficial do tesouro, hattusa entravar� o processo. sem hesitar, bel-tran disse: a minha carreira est� em jogo, mas receber�s a minha queixa. durante o dia, n�f�ret j� molhara vezes sem conta o bico da andorinha. a ave tinha virado a cabe�a para a luz; desesperada por n�o conseguir arranc�-la a uma morte certa, a m�dica afagava-a e falava com ela. paser chegou tarde, extenuado. ainda est� viva? agora, parece sofrer menos. h� alguma esperan�a? sinceramente, n�o. o bico continua fechado, e ela apaga-se lentamente. mas torn�mo-nos amigas. porque est�s t�o preocupado? a princesa hattusa tenta privar de alimentos frescos m�nfis e as aldeias circundantes. mas isso � um absurdo! como vai ela conseguir? atrav�s da corrup��o e da in�rcia da administra��o. � com efeito um absurdo. existem imensos postos de controlo. ela perdeu a raz�o. o tesouro vai apresentar queixa por interm�dio de bel-tran, e eu parto para tebas para incriminar a princesa. n�o te estar�s a afastar de branir, do general asher e dos conspiradores? talvez n�o esteja, se hattusa for aliada de denes.
primeiro um processo contra o general mais conceituado do pa�s... e agora contra uma esposa real... tu n�o �s um magistrado comum, juiz paser! e tu n�o �s uma mulher comum. ent�o, aprovas a minha decis�o? #242 o que poderei eu dizer? nada. tenho de a interrogar e de lhe apresentar os argumentos da acusa��o. depois, transmitirei o caso ao vizir. bagey condenaria um trabalho apressado. amo-te, paser. beijaram-se. o veneno, uma pantera... o que andar� a preparar agora o homem que procura estropiar-te? n�o fa�o a menor ideia, mas n�o fiques preocupada; o kem e eu viajaremos num barco da pol�cia fluvial. antes do jantar, paser foi ver a andorinha, que, para grande surpresa sua, ergueu a cabe�a. o olho ferido tinha cicatrizado e o seu corpo pequenino tremia de energia. espantado, paser nem ousou tocar-lhe. n�f�ret juntou algumas palhinhas e colocouas debaixo das patas da ave, para lhe servirem de poleiro. a andorinha agarrou-se a elas. nisto, com inesperada vivacidade, bateu as asas e voou. de imediato, uma dezena de outras andorinhas, surgidas dos c�us do oriente, a rodearam; uma delas beijou-a, como uma m�e que reencontra o filho, seguida de uma segunda, uma terceira e, por fim, todo o bando, esfusiante de alegria. a comunidade das andorinhas dan�ava por cima de n�f�ret e paser, incapazes de conter as l�grimas. como s�o unidas! como v�s, n�o fizeste mal em arranc�-la � morte. hoje vive entre as da sua esp�cie, e que lhe importa o amanh�. o c�u enchia-se de luz; o sol brilhava soberano. da proa do barco, paser contemplava o seu pa�s e agradecia aos deuses o terem-lhe dado a vida naquele solo m�gico, naquela terra de contrastes entre os campos cultivados e o deserto. sob as coroas das palmeiras circulava a �gua ben�fica dos canais de irriga��o e abrigavam-se as casas brancas das pac�ficas aldeias. o ouro das espigas cintilava, o verde dos palmares era um deleite para os olhos. o trigo, o linho e os pomares nasciam da terra negra, cultivada por gera��es de camponeses. #243 ac�cias e sic�moros rivalizavam em beleza com os tamarindos e os pessegueiros; nas margens do nilo, longe dos desembarcadouros, cresciam papiros e vimeiros. nas areias do deserto, as plantas brotavam � m�nima gota de chuva, e as profundezas
preservavam durante semanas o l�quido celeste em nascentes detectadas pelas varas dos feiticeiros. o delta, com as suas extensas plan�cies, e o vale, onde corria o rio divino, abrindo caminho entre as �ridas montanhas e os est�reis planaltos, seduziam a alma e colocavam o homem no seu lugar na cria��o, depois dos animais, dos minerais e dos vegetais, segundo os ensinamentos dos s�bios. s� a esp�cie humana, com a sua vaidade e loucura, tentava por vezes deformar a vida; por essa raz�o a deusa ma�t lhe ofereceu a justi�a, para que o pau torcido fosse endireitado. n�o concordo com esta dilig�ncia afirmou kem. cr�s, por acaso, na inoc�ncia da princesa? acho que vais prejudicar-te. o meu processo � s�lido. mas de que valer� ele face �s negativas de uma esposa real? pergunto-me se n�o estar�s a ajudar o canalha que te quer prejudicar. j� imaginaste a c�lera de hattusa? nem o vizir bagey te poder� proteger. ela n�o est� acima das leis. bonitas palavras, sim senhor. bonitas, mas in�teis. isso � o que veremos. onde vais tu buscar tanta confian�a? ao olhar da minha mulher e, desde h� bem pouco tempo, ao voo de uma andorinha. levantou-se um vendaval e turbilh�es imprevis�veis cruzaram o nilo. na proa, o homem encarregado de sondar o rio com uma vara foi impedido de cumprir a sua miss�o. surpreendidos por esta s�bita tempestade, os marinheiros n�o manobraram com a rapidez necess�ria, as vergas partiram-se, o mastro principal torceu-se e o leme deixou de obedecer. � deriva, o barco encalhou num banco de areia. na popa, lan�aram a �ncora, um bloco de pedra com onze quilos, que estabilizaria a embarca��o no meio da corrente. na ponte, havia alguma agita��o. com voz possante, kem restabeleceu a calma e, lado a lado com o comandante, #244 iniciou o invent�rio dos estragos e deu ordem para se iniciarem as repara��es. nervoso e todo molhado, paser sentia-se um in�til. kem conduziu-o � cabina, enquanto dois marinheiros mais afoitos mergulhavam para verificar o estado do casco. por sorte, os estragos n�o eram de grande monta; assim que se apaziguasse a c�lera do nilo, a embarca��o retomaria o seu curso. a equipagem est� nervosa informou o n�bio. antes da partida, o comandante tinha-se esquecido de voltar a pintar os olhos m�gicos de um e outro lado da proa, e essa neglig�ncia poderia provocar um naufr�gio, por deixar o barco cego. do seu saco de viagem, o juiz tirou material de escriba, preparou uma tinta muito
escura, quase indel�vel, e, com m�o firme, restaurou ele pr�prio os olhos protectores. informados pelo comandante do cargueiro de frutos e legumes da princesa hattusa, cinco guardas do seu har�m, colocados a uns cinquenta quil�metros a norte de tebas, esperavam a passagem do barco da pol�cia que transportava o juiz paser. a miss�o era simples: deterem o barco de qualquer maneira. em troca da sua devo��o, tinham recebido um quadrado de terra, duas vacas, um burro, dez sacos de trigo e cinco potes de vinho. o mau tempo encheu-os de satisfa��o; que circunst�ncias poderiam ser mais prop�cias a um naufr�gio seguido de afogamento? para um juiz, o ser tragado pelo nilo seria um fim condigno; al�m disso, n�o afirmavam as lendas que os afogados tinham acesso directo ao para�so, se fossem homens impolutos? a bordo de um esquife r�pido provido de remos, os cinco agressores aproveitaram a noite de temporal, com o c�u carregado de nuvens negras, para se acercarem da proa, ainda imobilizada de encontro ao banco de areia. parando a uns vinte metros, lan�aram-se � �gua e nadaram at� � popa, que escalaram sem esfor�o. armado de um cacete, o chefe do grupo agrediu o pol�cia de vigia, enquanto os seus colegas dormiam estendidos em esteiras e enrolados em mantas. agora, #245 bastava for�arem a porta da cabina, apoderarem-se do juiz paser e afogarem-no. eles estariam inocentes, pois seria o nilo a mat�-lo. descal�os, e movimentando-se sem o m�nimo ru�do, detiveram-se diante da porta fechada. dois deles ficavam a guardar os marinheiros e os outros dois apoderar-se-iam de paser. mas, de repente, uma massa negra irrompeu do alto da cabina e abateu-se sobre os ombros do chefe, que deu um grito de dor quando os caninos do babu�no se lhe enterraram na carne. arrombando a porta de madeira fina, kem atirou-se aos intrusos com um punhal em cada m�o, ferindo dois mortalmente. os outros, aterrorizados, em v�o tentaram fugir, pois os marinheiros, brutalmente arrancados ao sono, interceptaram-nos na ponte. o babu�no s� libertou a presa quando kem lho ordenou. ensanguentado, o chefe da emboscada n�o tardaria a desmaiar. quem te enviou? o ferido resistiu. se te recusas a responder, quem te vai interrogar a seguir � o meu macaco. foi a princesa hattusa confessou o homem, num sopro de voz. o har�m deixou paser mais uma vez deslumbrado. canais irrepreensivelmente conservados serviam os vastos jardins onde as grandes damas de tebas gostavam de passear, para se refrescarem nas sombras e exibirem os �ltimos modelos. a �gua era abundante, os canteiros de flores ostentavam a sua alegria multicor e coros femininos ensaiavam
as melodias que iam tocar nos pr�ximos banquetes. nas oficinas de tecelagem e olaria trabalhava-se duramente, numa atmosfera simultaneamente majestosa e repousante; os artes�os especializados em trabalhos em esmalte e em madeiras raras dedicavamse desde o romper do dia �s suas obras-primas, enquanto os carregadores transportavam para bordo de um navio mercante potes cheios de �leos perfumados. o har�m da princesa hattusa era, de acordo com a tradi��o, uma pequena aldeia onde artes�os de talento excepcional dispunham do #246 tempo necess�rio para viverem a beleza com o cora��o e as m�os, de modo a transmiti-la a objectos e produtos sem defeito. se paser n�o lhe tivesse pedido uma audi�ncia na sua qualidade de de�o do p�rtico, de bom grado teria deambulado durante horas naquele mundo ordenado onde o trabalho parecia um prazer, percorrendo ociosamente as alamedas de saibro, conversando com os jardineiros que arrancavam as ervas daninhas e saboreando os apetitosos frutos enquanto cavaqueasse com as vi�vas idosas que tinham elegido o har�m para seu domic�lio. o camareiro introduziu-o na sala de audi�ncias, onde pontificava a princesa hattusa, ladeada por dois escribas. paser inclinou-se numa v�nia. estou muito ocupada. pe�o-te por isso que sejas breve. desejo falar-te em particular. o car�cter oficial da tua visita n�o o permite. pelo contr�rio, penso que o imp�e. paser desenrolou um papiro. desejas que os escribas registem os argumentos da acusa��o? com um gesto brusco, a princesa dispensou os escribas. tens no��o dos termos que utilizas? princesa hattusa, acuso-te do desvio de g�neros frescos e da tentativa de assassinato sobre a minha pessoa. os seus belos olhos negros incendiaram-se. como ousas? disponho de provas, testemunhos e depoimentos escritos. considero-te por isso culpada; mas, antes de te instaurar um processo, intimo-te a dares-me explica��es sobre as tuas ac��es. jamais algu�m se me dirigiu nesse tom. e jamais uma esposa real cometeu tais delitos. rams�s n�o te perdoar�!
o fara� � filho e servo de ma�t. sabendo que � a busca da verdade que anima as minhas ac��es, ele n�o as abafar�. a tua posi��o n�o pode servir para ocultar os teus crimes. hattusa levantou-se e afastou-se do trono. sei que me odeias, a mim, a hitita! sabes bem que isso n�o � verdade. o meu procedimento n�o #247 � movido por qualquer ressentimento, ainda que tenhas ordenado o meu desaparecimento. deter o teu barco, impedi-lo de chegar a tebas, foi tudo o que exigi! - ent�o os teus esbirros entenderam-te mal. quem se arriscaria a eliminar um juiz do egipto? o tribunal rejeitaria qualquer tese da defesa e n�o daria cr�dito �s testemunhas. a tua defesa � h�bil, mas... como explicas ent�o o desvio de alimentos frescos? se as tuas falsas provas forem t�o convincentes como as alega��es, ser� evidente a minha boa f�! l� este documento. hattusa leu o papiro. o seu rosto delicado enrugou-se e as m�os crisparam-se, esguias. negarei tudo. os testemunhos s�o precisos e os factos irrefut�veis. ela desafiou-o, altiva. sou a esposa do fara�. a tua palavra n�o vale mais do que a do mais humilde alde�o. e a tua posi��o torna ainda mais indesculp�veis as tuas ac��es. impedir-te-ei de instaurares esse processo. o vizir bagey presidir� aos autos. ela sentou-se num degrau, abatida. porque te obstinas na minha queda? que ambi��o te guia, princesa? queres mesmo saber, juiz do egipto? tenso, paser sustentou um olhar de extrema viol�ncia. odeio o teu pa�s, odeio o teu rei, a sua gl�ria e o seu poder! ver os eg�pcios morrer de fome, ver as crian�as morrer e os animais definhar, seria a minha maior alegria! retendo-me como prisioneira neste falso para�so, rams�s pensou que a minha f�ria desapareceria. ela, por�m, n�o p�ra de aumentar! sou eu quem sofre a
injusti�a e j� n�o aguento mais. quero que o egipto desapare�a, que seja invadido pelos meus compatriotas ou outra qualquer tribo b�rbara! eu serei a melhor aliada dos inimigos do fara�. E acredita, juiz paser, eles s�o cada vez em maior n�mero! #248 o transportador denes, por exemplo? a exalta��o da princesa diminuiu. n�o sou tua informadora. mas... n�o ter�s tu ca�do numa armadilha? disse-te a verdade, essa famosa verdade que o egipto tanto preza! #cap�TUlo 27 como habitualmente, a recep��o fora das mais sumptuosas. n�nofar exibira-se majestosamente ataviada, recebendo deleitada os cumprimentos pressurosos dos seus convidados. denes fechara alguns neg�cios vantajosos, satisfeito com o crescimento constante de uma empresa de transportes que suscitava a admira��o de todas as pessoas gradas do egipto. o que ningu�m sabia era que ele detinha o poder supremo. paciente, se bem que algo nervoso, experimentava sensa��es cada vez mais excitantes; n�o tardava, os que o tinham criticado seriam humilhados, e os que o tinham apoiado recompensados. o tempo jogava a seu favor. cansada, n�nofar retirara-se para os seus aposentos. depois da partida dos �ltimos convidados, quando denes dava uma volta pelo pomar, a fim de se assegurar de que nenhum fruto havia sido roubado, um vulto de mulher saiu da noite. princesa hattusa! que fazes em m�nfis? n�o pronuncies o meu nome. estou � espera de que fa�as a tua entrega. n�o compreendo. do ferro celeste. tens de ser paciente. imposs�vel. preciso dele, e j�. porqu� tanta pressa? arrastaste-me para uma loucura. ningu�m desconfiar� de ti. #250 o juiz paser j� o fez. mera tentativa de intimida��o. ele acusou-me e est� seguro de me levar a comparecer perante o tribunal, como
acusada. fanfarronices. n�o o conheces. o seu processo est� vazio. pelo contr�rio. est� cheio de provas, testemunhos e depoimentos escritos. rams�s intervir�. paser confiou o caso ao vizir bagey; o rei ter� de se submeter � lei, e eu serei condenada, denes, privada das minhas terras e, na melhor das hip�teses, mantida em reclus�o num pal�cio da prov�ncia. e talvez a pena seja at� um pouco mais pesada. lamento muito. exijo o ferro celeste. ainda n�o o tenho em meu poder. o mais tardar, amanh�. sen�o... sen�o o qu�? denuncio-te ao juiz paser. ele j� suspeita de ti, mas ignora que �s o instigador do desvio de alimentos frescos. os jurados ouvir-me-�o, saberei mostrar-me convincente. concede-me um prazo mais alargado. dentro de dois dias ser� lua cheia e, gra�as ao ferro celeste, a minha magia ser� eficaz. amanh� � noite, denes, ou arrasto-te comigo na queda. sob o olhar surpreendido de diabrete, a sagu� de n�f�ret, bravo banhava-se. avan�ando cautelosamente, o c�o aventurou-se no lago dos l�tus e achou a �gua do seu agrado. naquele dia de descanso da criadagem, n�f�ret i�ou ela pr�pria o balde do po�o. a sua boca parecia um bot�o de l�tus, os seus seios evocavam dois frutos redondos. paser observava-a no seu vaiv�m, enfeitando com flores o altar erigido � mem�ria de branir, dando de comer aos animais, e erguendo os olhos #251 para as andorinhas que todas as noites voltejavam por cima deles, e, entre elas, a sobrevivente com as asas bem abertas. n�f�ret vigiava os frutos do sic�moro, em belos tons de amarelo, que se tornariam vermelhos ao amadurecerem. em maio, abri-los-ia ainda na �rvore, para libertar os insectos que os habitavam. doces e carnudos, os figos seriam ent�o comest�veis. reli o processo da princesa hattusa e os meus escribas verificaram o estilo. j� o posso transmitir ao vizir com as minhas conclus�es. a princesa est� com medo?
ela conhece a minha determina��o. como ir� ela procurar defender-se? isso n�o interessa. ser� Bagey a conduzir o processo e nenhuma interven��o o impedir� de agir. nem mesmo que o fara� te mande renunciar? pode demitir-me, mas n�o renunciarei. se o fizesse, ficaria com a consci�ncia suja para sempre, e nem mesmo tu a conseguirias limpar. kem confidenciou-me que tinha sido perpetrada contra ti uma terceira tentativa de assassinato. os esbirros de hattusa contavam afogar-me; antes disso, foi um homem que tentou deixar-me estropiado. o chefe da pol�cia j� o identificou? ainda n�o. o atrevido parece particularmente astuto e h�bil. os informadores de kem continuam mudos. o que decidiu o conselho dos m�dicos? que a elei��o fosse adiada. foi feito um convite para novas candidaturas; qadash mant�m a dele e faz visita atr�s de visita aos membros do conselho. n�f�ret deitou a cabe�a nos joelhos. aconte�a o que acontecer, teremos experimentado a felicidade. paser autenticou com o seu sinete a senten�a de um tribunal de prov�ncia que condenava um edil a vinte bastonadas e uma pesada multa, por den�ncia caluniosa. o referido edil interporia provavelmente recurso, mas, se o delito fosse confirmado, a pena seria dobrada. #252 pouco antes do meio-dia, o juiz recebeu a senhora tapeni, pequena, delgada, com os cabelos muito negros, sabia utilizar muito bem os seus encantos e tinha convencido os severos escribas a abrirem-lhe a porta do gabinete do de�o do p�rtico. em que posso ser-te �til? sabes muito bem. esclarece-me, pe�o-te. quero conhecer o local onde se esconde o teu amigo suti, que tamb�m � meu marido. paser j� estava � espera disto. depois de pantera, tamb�m tapen� n�o ficara indiferente ao destino do aventureiro. ele deixou m�nfis. porqu�? partiu em miss�o oficial.
j� sei que n�o me podes confiar a natureza dessa miss�o. isso est� absolutamente fora de quest�o. corre perigo? ele acredita na sua sorte. suti voltar�. n�o sou mulher que se esque�a ou se abandone o seu tom era mais de amea�a que de ternura. paser fez uma experi�ncia. n�o ter�s sido procurada recentemente por nenhuma grande dama? dada a minha posi��o, todas elas me encomendam os melhores tecidos. e nada mais? n�o compreendo. n�o teria a senhora n�nofar, por exemplo, exigido o teu sil�ncio? tapeni ficou perturbada. falei dela a suti, porque maneja a agulha admiravelmente. mas ela n�o � a �nica em m�nfis. porqu� cit�-la precisamente a ela? as tuas perguntas est�o a incomodar-me. contudo, s�o indispens�veis. porqu�? #253 estou a investigar um delito grave. um sorriso enigm�tico aflorou os l�bios de tapeni. n�nofar est� implicada? que sabes tu exactamente? n�o tens o direito de me reter aqui. r�pida, tapeni dirigiu-se para a porta. talvez at� saiba muito, juiz paser; mas por que iria eu confiar-te os meus segredos? poder-se-� alguma vez estar satisfeito com o funcionamento de um hospital? quando um doente sai curado, logo outro o substitui e a luta recome�a. n�f�ret n�o descansava, tratando quem precisava; vencer o sofrimento dava-lhe uma alegria inesgot�vel. o pessoal ajudava-a com dedica��o, os escribas da administra��o asseguravam uma gest�o s�; e ela consagrava-se tamb�m � sua profiss�o, aperfei�oando os rem�dios j� conhecidos e tentando descobrir outros novos. todos os dias operava tumores,
restabelecia membros partidos, reconfortava doentes sem cura. � sua volta, uma equipa de m�dicos, uns com experi�ncia, outros principiantes, obedecia-lhe prontamente, sem que ela precisasse de elevar a voz. o dia tinha sido dif�cil; n�f�ret tinha salvo um homem de quarenta anos, v�tima de oclus�o intestinal. cansada, dessedentava-se com �gua fresca quando qadash irrompeu pela sala onde os m�dicos se lavavam e mudavam de roupa. o dentista de cabeleira branca interpelou n�f�ret com voz �spera. quero consultar a lista de drogas deste hospital. com que direito? sou candidato ao lugar de m�dico-chefe e preciso dessa lista. para qu�? tenho de completar os meus conhecimentos. como dentista, apenas utilizas alguns produtos espec�ficos. a lista, e j�! a tua exig�ncia n�o tem fundamento. n�o fazes parte do pessoal especializado deste hospital. #254 est�s a apreciar mal a situa��o, n�f�ret. tenho de mostrar a minha compet�ncia. e sem uma enumera��o de drogas, a minha candidatura ficar� incompleta. s� o m�dico-chefe do reino poderia obrigar-me a obedecer-te. o futuro m�dico-chefe sou eu! n�bamon, que eu saiba, ainda n�o foi substitu�do. obedece �s minhas ordens e n�o te arrepender�s. n�o � essa a minha inten��o. se for preciso, for�arei a porta do teu laborat�rio. serias gravemente punido. n�o me resistas. amanh� serei teu superior. se te recusares a cooperar, expulsarte-ei do teu posto. alertados pela alterca��o, v�rios m�dicos rodearam n�f�ret. a tua matilha n�o me impressiona. sai daqui, ordenou um jovem m�dico. vais arrepender-te de me falares nesse tom.
achas o teu comportamento digno de um terapeuta? trata-se de uma emerg�ncia respondeu qadash. s� se for do teu ponto de vista rectificou n�f�ret. o lugar de m�dico-chefe deve ser atribu�do a um homem com experi�ncia. aqui, todos me apreciam! porqu� magoarmo-nos desta maneira, se trabalhamos com o mesmo desejo de servir o pr�ximo? qadash defendeu a sua causa com emo��o e convic��o; evocou a sua longa carreira, a sua dedica��o aos doentes e a sua vontade de ser �til ao pa�s, sem ser disso impedido por uma rid�cula exig�ncia administrativa. mas n�f�ret permaneceu irredut�vel. se qadash queria a lista dos venenos e das drogas, teria de se justificar; enquanto o sucessor de n�bamon n�o fosse designado, ela seria a guardi� sempre vigilante. o chefe do estado-maior do general asher lamentou a aus�ncia do seu superior, mas o juiz paser insistiu. n�o se trata de uma visita de cortesia. venho interrog�-lo. mas o general deixou o quartel. #255 quando? ontem � noite. com que destino? ignoro. o regulamento n�o o obriga a informar-te sobre as suas desloca��es? sim. ent�o, porque n�o o fez? como posso sab�-lo? e eu n�o posso contentar-me com explica��es vagas. revista o quartel, se desejares. paser interrogou dois outros oficiais, mas n�o conseguiu obter mais esclarecimentos. segundo v�rias declara��es, o general tinha sa�do num carro em direc��o ao sul. n�o excluindo a hip�tese de uma artimanha, o juiz dirigiu-se ao departamento de neg�cios estrangeiros, mas verificou que n�o estava a decorrer qualquer expedi��o oficial na �sia.
paser mandou kem descobrir o paradeiro do general o mais depressa poss�vel. o chefe da pol�cia n�o demorou muito tempo a confirmar a sua partida para as prov�ncias meridionais, sem contudo poder ser mais preciso; asher tinha tomado a precau��o de n�o deixar pistas. o vizir estava irritado. n�o estar�s a exagerar, juiz paser? j� investigo h� uma semana. procuraste nos quart�is? nem sinal de asher. e no departamento de neg�cios estrangeiros? nenhuma miss�o lhe foi confiada, a menos que seja secreta. nesse caso, eu teria sido informado, o que n�o aconteceu. s� h� uma resposta: o general desapareceu. inadmiss�vel! o seu cargo veda-lhe tamanha deser��o. tentou escapar � rede que est� prestes a abater-se sobre ele. ter-se-ia cansado dos teus constantes ataques? #256 a meu ver, receou a tua interven��o. o que significa que a justi�a o teria condenado. os amigos certamente o abandonaram. por que motivo? asher apercebeu-se de que estava a ser manipulado. mas a fuga... para um soldado! � um cobarde e um assassino. se as tuas acusa��es est�o correctas, por que raz�o n�o partiu ele em direc��o � �sia, para se juntar aos seus verdadeiros aliados? talvez a sua fuga para sul seja apenas um despiste. vou mandar encerrar as fronteiras. asher n�o sair� do egipto. sem c�mplices, asher n�o conseguiria escapar ao cerco. quem ousaria ajudar um general destitu�do e infringir uma ordem do vizir? paser ficou satisfeit�ssimo com esta retumbante vit�ria. o general n�o conseguiria justificar a sua deser��o; vendo-se tra�do por traidores, ele os trairia por
sua vez quando fosse ouvido durante o segundo processo que lhe seria levantado. tinha sem d�vida tentado vingar-se de denes e ch�chi e, perante o insucesso, optara por desaparecer. vou fazer chegar aos governadores das prov�ncias um decreto ordenando a pris�o imediata de asher. que kem o transmita aos servi�os da pol�cia. gra�as ao correio-expresso, o general estaria a ser procurado por toda a parte em menos de quatro dias. a tua miss�o ainda n�o terminou prosseguiu o vizir. se o general � apenas um executante, tens de descobrir o cabecilha. � essa a minha inten��o afirmou paser, cujos pensamentos divagavam at� Suti. denes conduziu a princesa hattusa � fundi��o clandestina onde ch�chi trabalhava. situada num bairro pobre, estava dissimulada atr�s de uma cozinha ao ar livre explorada por empregados do transportador. era a� que o qu�mico experimentava ligas e testava o efeito dos �cidos vegetais sobre o cobre e o ferro. #257 estava um calor abrasador. hattusa tirou a capa com capuz. uma visita real anunciou denes, prazenteiro. ch�chi nem se dignou erguer os olhos; estava concentrado numa opera��o delicada, uma solda em que se misturavam ouro, prata e cobre. � o cast�o de uma adaga explicou. ser� do futuro rei, quando o tirano tiver desaparecido. movimentando o p� direito ritmadamente, ch�chi carregava num fole para ati�ar o fogo, manejando os peda�os de metal com pin�as de bronze e movimentos r�pidos, pois o bronze fundia � mesma temperatura que o ouro. hattusa sentia-se pouco � vontade. as tuas experi�ncias n�o me interessam. quero o ferro celeste que comprei. mas de que ainda s� pagaste uma parte esclareceu denes. entrega-mo e receber�s o resto. continuas com pressa. n�o gosto da tua insol�ncia! mostra-me o que me � devido. vais ter de esperar. basta, denes! ter-me-�s acaso mentido? n�o propriamente. ent�o, o metal n�o te pertencia?!
mas recuper�-lo-ei. zombaste de mim! n�o te equivoques, princesa; foi uma simples antecipa��o. o que conta � que trabalhamos juntos para arruinar rams�s, n�o te parece? n�o passas de um ladr�o. n�o vale a pena zangares-te. estamos condenados a permanecer unidos. um olhar de humilhante desprezo envolveu o transportador. enganas-te, denes. dispenso a tua ajuda. seria estupidez pores fim ao nosso pacto. abre a porta e deixa-me sair. mas vais ficar calada, n�o vais? agirei no meu interesse. #258 preciso da tua palavra. afasta-te! denes n�o arredou p� e hattusa empurrou-o. furioso, o transportador empurrou-a tamb�m. ao recuar, desamparada, hattusa foi de encontro �s pin�as incandescentes que ch�chi havia pousado num poial de pedra e, soltando um grito, desequilibrou-se e caiu para cima da forja. o vestido incendiou-se de imediato. nem denes nem ch�chi intervieram, aguardando o segundo instru��es do primeiro. quando o transportador abriu a porta e fugiu, o qu�mico saiu atr�s dele. e a forja continuava a arder. #cap�Tulo 28 antes de presidir � sess�o extraordin�ria do tribunal, reunido no �trio do templo de ptah, paser redigira em c�digo uma mensagem para suti: asher est� perdido. n�o corras mais riscos. volta imediatamente. o juiz confiara o documento a um mensageiro da pol�cia devidamente credenciado que, � sua chegada a coptos, o entregou � pol�cia do deserto, encarregada de distribuir a correspond�ncia pelos mineiros. o tribunal julgava nesse dia uma s�rie de pequenos delitos, desde o n�o reembolso de uma d�vida � aus�ncia injustificada no local de trabalho. tendo os culpados reconhecido as suas faltas, os jurados foram indulgentes. entre eles, encontravase denes. no final da audi�ncia, o transportador abordou o juiz. n�o sou teu inimigo, paser.
e eu n�o sou teu amigo. precisamente, devias desconfiar daqueles que se apresentam como teus amigos. o que est�s tu a insinuar? que a tua confian�a � por vezes mal atribu�da. suti, por exemplo, n�o a merece. vendia-me informa��es sobre ti e o teu inqu�rito em troca de uma seguran�a material que em v�o persegue. a minha posi��o impede-me de te bater, mas mesmo assim sou capaz de perder a cabe�a. um dia vais agradecer-me. #260 mal chegou ao hospital, n�f�ret foi solicitada por v�rios colegas que tentavam desde a madrugada salvar da morte uma grande queimada. tinha deflagrado um inc�ndio numa oficina clandestina dum bairro pobre; a infeliz v�tima cometera decerto uma imprud�ncia, e as suas hip�teses de salva��o eram nulas. o m�dico de plant�o havia aplicado sobre as carnes martirizadas lama negra e excrementos de gado mi�do cozidos e triturados com cerveja fermentada. n�f�ret reduziu a p� cevada torrada e coloc�ntida, misturadas com resina de ac�cia dessecada, e ligou estes ingredientes com �leo; com isto preparou uma gaze gorda que aplicou nas queimaduras mais extensas. as les�es menos profundas, tratou-as com ocre amarelo triturado e misturado com suco de sic�moro, coloc�ntida e mel. assim, n�o ter� tantas dores. como � que a vamos alimentar? perguntou a enfermeira. por agora � imposs�vel. mas temos de hidrat�-la. introduz uma palhinha entre os seus l�bios e deixa escorrer um pouco de �gua cobreada, gota a gota. vigia-a permanentemente; � menor altera��o, previne-me logo. e a gaze gorda? muda-a de tr�s em tr�s horas. amanh� vamos aplicar uma mistura de cera, gordura de boi cozida, papiro e alfarroba. o quarto tem de estar fornecido de grande quantidade de ligaduras muito finas. ainda tens esperan�as, apesar de tudo? francamente, n�o. j� se sabe quem �? � preciso avisar a fam�lia. o administrador do hospital receava a pergunta de n�f�ret, e chamou-a de parte. receio complica��es. a nossa doente n�o � uma pessoa vulgar.
quem � ela, ent�o? o administrador exibiu uma pulseira de prata com o nome da propriet�ria gravado na face interior, e que as chamas n�o tinham apagado: hattusa, esposa de rams�s. #261 um vento quente da n�bia punha os nervos � flor da pele. levantava a areia do deserto, cobrindo as casas. todos se esfor�avam por tapar as frinchas, mas uma fina poeira amarelada penetrava por todo o lado e obrigava as donas de casa a limpezas constantes. muitas pessoas queixavam-se de dificuldades respirat�rias, obrigando os m�dicos a frequentes interven��es. e tamb�m paser n�o foi poupado. um col�rio acalmara os seus olhos inflamados, mas tinha de lutar contra o cansa�o que o invadia. kem, em compensa��o, parecia t�o imune �s condi��es clim�ticas como o seu babu�no. os dois homens e o macaco estavam a apanhar ar fresco � sombra de um sic�moro, perto do lago dos l�tus; bravo, de in�cio hesitante, acabou por saltar para os joelhos do dono, mas sempre de olho no babu�no. alguma not�cia de asher? sair do pa�s ser-lhe-� imposs�vel afirmou o juiz. pode esconder-se semanas a fio, mas os seus partid�rios diminuir�o e acabar�o por denunci�-lo. as ordens do vizir n�o apresentam qualquer ambiguidade. porque ter� o general agido desta maneira? porque sabia que desta vez perderia o processo. quer isso dizer que os seus aliados o desampararam? j� n�o precisavam dele... que conclus�es tiras da�? que n�o existe conspira��o militar nem tentativa de invas�o. no entanto, a princesa hattusa, em m�nfis... eliminada, tamb�m ela! os conspiradores j� n�o precisam do seu apoio. quais os resultados do teu inqu�rito? a fundi��o clandestina n�o pertencia a ningu�m. e a cozinha ao ar livre era administrada por empregados de denes. que outra coisa poder�amos esperar? nada o incrimina formalmente. a cada passo, chocamos com ele! e o inc�ndio, n�o foi de origem criminosa? foram vistas pessoas a fugir, mas os testemunhos divergem quanto ao seu n�mero, e tudo o que consegui obter foram descri��es fantasistas.
#262 uma oficina de fundi��o... e ch�chi trabalhava l�. ter� ele atra�do hattusa a uma cilada? queimar uma mulher viva, n�o ouso acreditar. estaremos n�s perante monstros? se isso for verdade, preparemo-nos para duras provas. suponho que ser� in�til pedir-te para suspenderes a vigil�ncia � minha casa. mesmo que eu n�o fosse o chefe da pol�cia, e mesmo que me desses ordens em contr�rio, eu manteria a vigil�ncia. paser jamais entenderia este misterioso kem. frio, distante, seguro de si, n�o aprovava a ac��o do juiz, mas ajudava-o sem hesita��es. o n�bio n�o tinha outro confidente al�m do babu�no; ferido no corpo, estava-o ainda mais na alma. a justi�a? um equ�voco. mas paser acreditava nela, e kem confiava em paser. avisaste o vizir? enviei-lhe um relat�rio detalhado. parece que hattusa n�o tinha prevenido ningu�m da sua viagem a m�nfis. n�f�ret vela por ela dia e noite. ao quinto dia, n�f�ret reduziu coloc�ntida, ocre amarelo e limalha de cobre a uma pasta gordurosa. aplicou-a sobre as queimaduras e ligou-as com infinita delicadeza. apesar do sofrimento, hattusa resistia. ao sexto dia, o seu olhar mudou. parecia ter sa�do de um longo sono. coragem! est�s no hospital principal de m�nfis. a etapa mais dif�cil j� foi superada. agora, cada hora vencida deixa-te mais perto do restabelecimento. a bela hitita estava desfigurada. apesar das pomadas e dos unguentos, a sua pele soberba, mais n�o seria que um emaranhado de cicatrizes rosadas. n�f�ret temia o momento em que a princesa exigisse um espelho. a m�o direita de hattusa ergueu-se e agarrou com for�a o pulso de n�f�ret. trata-se de uma doen�a que conhe�o e vou curar prometeu ela. #263 paser contemplava a mulher enquanto ela dormia. finalmente, aceitara repousar um pouco. n�f�ret empenhara-se em salvar hattusa, preparando ela mesma as ligaduras e os rem�dios que a pouco e pouco iam sarando as horr�veis queimaduras. o seu amor por ela crescia e desabrochava como a coroa de uma palmeira, e cada despertar conferia-lhe um novo cambiante, inesperado e sublime; n�f�ret possu�a o dom de fazer sorrir a vida e de iluminar a noite mais sombria. n�o era para continuar a seduzi-la e para lhe provar que n�o tinha cometido um erro ao casar com ele, que paser lutava com o mesmo entusiasmo de sempre? para l� das suas fraquezas,
brilhava a certeza de uma uni�o que nem o tempo, nem o h�bito, nem a experi�ncia poderiam enfraquecer. um raio de sol inundou o quarto, banhando o rosto de n�f�ret. a jovem come�ava lentamente a despertar. hattusa est� salva murmurou. esquecer-te-ias de mim em benef�cio da tua paciente? n�f�ret aconchegou-se ao marido. como ir� uma princesa t�o jovem e t�o bela aceitar a infelicidade que sobre ela se abateu? rams�s j� fez alguma declara��o? pela voz do camareiro do pal�cio. quando hattusa puder ser transportada, ser� l� acolhida. a menos que as suas revela��es venham p�r cobro a uma posi��o t�o privilegiada. preocupada, n�f�ret sentou-se na beira da cama. n�o te parece que ela j� foi suficientemente molestada? perdoa-me, mas tenho de interrog�-la. ela ainda n�o pronunciou uma s� palavra. previne-me, assim que tiver for�as para falar. hattusa comeu uma papa de cevada e bebeu sumo de alfarroba. a sua vitalidade renascia, mas o seu olhar continuava ausente, perdido num pesadelo. #264 como foi que tudo aconteceu? perguntou n�f�ret. ele empurrou-me. eu queria sair da oficina, mas ele n�o deixou. as palavras sa�am-lhe lentas e dolorosas. transtornada, n�f�ret n�o teve coragem de continuar a interrog�-la. as pin�as de bronze queimaram-me o vestido... saltou uma labareda... fui de encontro � forja e toda eu fiquei em chamas. a sua voz tornou-se estridente. eles fugiram, abandonaram-me. desvairada, hattusa tentava sobrepor-se ao passado e apagar o drama que havia arruinado a sua beleza e a sua juventude. concentrava-se em si mesma, esgotada e vencida. subitamente, endireitou-se e gritou bem alto a sua dor. eles fugiram, os malditos. o denes e o ch�chi!
n�f�ret administrou um calmante a hattusa e fez-lhe companhia at� ela adormecer. quando ia a sair do hospital, a camareira-mor da rainha-m�e abordou-a. sua majestade deseja ver-te sem demora. n�f�ret foi convidada a sentar-se numa liteira, e os condutores aceleraram o passo. tuya recebeu a m�dica sem cerim�nias. a sa�de, majestade? gra�as ao tratamento que me deste, est� excelente. foste informada da decis�o tomada pelo conselho dos m�dicos? n�o. a presente situa��o tornou-se intoler�vel e o m�dico-chefe ser� nomeado na pr�xima semana. um nome sair� das delibera��es. � mesmo necess�rio que assim seja? o dentista qadash apenas ter� fantoches como opositores! ele soube desencorajar os advers�rios. os antigos amigos de n�bamon, os fracos e os indecisos votar�o nele. a raiva da rainha-m�e acentuava a sua solenidade natural. #265 n�o me conformo com esta fatalidade, n�f�ret! qadash � um incapaz, indigno de exercer um cargo de t�o grande responsabilidade. a sa�de p�blica sempre me preocupou. � preciso tomar medidas para o conforto e bem-estar da popula��o e velar pela higiene, para manter as epidemias afastadas. este qadash n�o se importa com isso! s� pensa no poder e na gl�ria, nada mais. � pior do que n�bamon. tens de ajudar-me. de que maneira? apresentando-te contra ele. n�f�ret autorizou paser a entrar no quarto onde a princesa hattusa repousava. tinha o rosto e os membros completamente cobertos de ligaduras. para diminuir os riscos de gangrena e infec��o, a m�dica tinha cuidado das feridas com uma pomada reservada aos casos mais graves: limalha de cobre, crisocalco, terebintina, cominhos, natr�o, assa-f�tida, cera, cinamomo, bri�nia, �leo e mel, tudo triturado e reduzido a uma pasta gordurosa. posso falar contigo, princesa? quem �s tu? uma ligadura fina cobria-lhe as p�lpebras.
o juiz paser. quem te autorizou... n�f�ret, a minha mulher. tamb�m ela � minha inimiga. a minha pergunta foi um proforma. estou a fazer um inqu�rito sobre o inc�ndio. o inc�ndio... quero identificar os culpados. que culpados? n�o citaste os nomes de denes e ch�chi? est�s enganado. o que fazias tu naquela fundi��o clandestina? queres mesmo saber? se assim o entenderes. #266 fui l� procurar ferro celeste para fazer magia contra rams�s. devias ter desconfiado de ch�chi. eu estava sozinha. como explicas ent�o... tratou-se de um acidente, juiz paser. um simples acidente. porque mentes? odeio o egipto, a sua civiliza��o e os seus valores. ao ponto de n�o quereres testemunhar contra os teus carrascos? quem tenta destruir rams�s merece a minha simpatia. o teu pa�s recusa a �nica verdade que existe: a guerra! s� a guerra desencadeia as paix�es e revela a natureza humana. o meu povo errou ao selar a paz com o egipto, e eu sou a v�tima desse erro. queria alertar os hititas, mostrar-lhes o caminho certo... mas agora serei enclausurada num desses pal�cios que abomino. por�m, outros ter�o mais �xito do que eu; disso n�o tenho d�vida. e tu n�o ter�s sequer o prazer de me fazeres ir a julgamento. e n�o te julgo cruel ao ponto de torturares ainda mais uma pessoa t�o doente. denes e ch�chi s�o dois criminosos. escarnecem dos teus ideais. a minha decis�o est� tomada. nem mais uma palavra sair� da minha boca. paser ratificou a candidatura de n�f�ret ao cargo de m�dico-chefe do reino do
egipto. dispunha dos t�tulos e da experi�ncia necess�ria; al�m disso, a sua posi��o de directora do hospital de m�nfis, o apoio expresso da rainha-m�e e os encorajamentos calorosos dos colegas davam um certo peso � pretens�o da jovem m�dica. ela receava, no entanto, embarcar nesta experi�ncia com que nem sequer sonhara. qadash recorreria aos m�todos mais vis para a desencorajar, e, por outro lado, a sua �nica ambi��o era cuidar dos doentes e n�o receber honras e responsabilidades que nunca tinha desejado. nem mesmo paser conseguia confort�-la, tamb�m ele abalado pela loucura de hattusa, condenada � mais desesperada solid�o. o seu testemunho #267 teria provocado a queda de denes e ch�chi que, desta forma, e uma vez mais, escapavam ao castigo. n�o estaria o juiz a arremeter contra uma muralha indestrut�vel? um g�nio mau protegia os conjurados e garantia-lhes a impunidade. saber que o general asher ca�ra em desgra�a, estar certo de que nenhuma conspira��o militar amea�ava o egipto, deveria reconfort�-lo; por�m, uma ang�stia surda teimava em subsistir. n�o compreendia a raz�o de ser de tantos crimes nem a arrog�ncia desprez�vel de um homem como denes, que nenhum golpe parecia capaz de derrubar. estariam o transportador e os seus ac�litos na posse de alguma arma secreta, fora do alcance do juiz? apercebendo-se mutuamente da ang�stia que os perturbava, paser e n�f�ret preocupavam-se um com o outro antes de se debru�arem sobre os seus pr�prios problemas. e, enquanto faziam amor, viram nascer uma nova aurora. #cap�Tulo 29 ao regressarem das in�spitas paragens do deserto oriental, os pol�cias e os seus molossos resolveram descansar antes de voltarem a p�r-se em marcha para uma nova patrulha. era hora de tratarem das feridas, receberem uma massagem relaxante e divertirem-se na locanda da cerveja, onde rameiras acolhedoras e d�ceis lhes venderiam o corpo por uma noite. �os de olho perspicaz� trocaram as informa��es colhidas durante as opera��es e levaram para a pris�o os bedu�nos e os vagabundos capturados em situa��o irregular. o gigante encarregado de vigiar o recrutamento dos mineiros cuidou dos seus galgos e dirigiu-se ao gabinete do escriba do correio. chegou alguma mensagem? dez mensagens. o pol�cia leu o nome dos destinat�rios. ah, para o suti... que tipo esquisito. n�o tem nada aspecto de mineiro. n�o s�o assuntos que me digam respeito respondeu o escriba. preenche este recibo.
o gigante distribuiu, ele mesmo, a correspond�ncia. de passagem, interrogou os destinat�rios sobre os seus correspondentes. faltaram tr�s � chamada; dois veteranos que trabalhavam numa mina de cobre e suti. feita a verifica��o, soube que a expedi��o comandada por efraim tinha chegado a coptos na v�spera. o pol�cia foi procur�-los � locanda da cerveja, inquiriu nos albergues, inspeccionou os acampamentos, mas em v�o. a inspec��o central indicava que efraim, suti e #270 mais cinco homens se tinham esquecido de se apresentarem ao escriba encarregado de registar as chegadas e partidas do pessoal mineiro. intrigado, o pol�cia desencadeou uma opera��o de busca. os sete trabalhadores tinham desaparecido. j� outros, antes deles, tinham tentado fugir com pedras preciosas, mas tinham sido todos capturados e severamente punidos. porque iria um homem experiente como efraim meter-se numa aventura insensata como esta? �os de olho perspicaz� mobilizaram-se de imediato. ca�adores por voca��o, esqueceram o prazer e o lazer, pois nada lhes dava maior satisfa��o do que perseguir uma presa de primeira. o gigante chefiaria a opera��o. com o consentimento do escriba do correio, e por se tratar de um motivo de for�a maior, abriu a carta destinada ao fugitivo. os hier�glifos, leg�veis individualmente, eram por�m incompreens�veis no seu todo. um c�digo! o pol�cia n�o se tinha enganado. este suti n�o era um mineiro como os outros. mas para quem trabalharia ele? os sete homens haviam metido por um caminho dif�cil em direc��o a sudeste. qual deles o mais robusto, avan�avam em passo cadenciado, comiam pouco e concordaram em fazer longas paragens nas nascentes, lugares que apenas efraim conhecia. o chefe da equipa exigira obedi�ncia cega, e n�o admitia quaisquer perguntas sobre o destino da viagem. apenas sabiam que, no final, os esperava a fortuna. um pol�cia, ali em baixo! e o mineiro estendeu o bra�o em direc��o a uma forma estranha a im�vel. avan�a, imbecil! ordenou efraim. � apenas uma �rvore. com tr�s metros de altura, o surpreendente exemplar do reino vegetal apresentava uma casca levemente azulada e rachada, e as suas folhas largas e ovais, verdes e rosadas, evocavam o tecido com que se fabricavam os capotes para o inverno. os fugitivos aproveitaram a lenha para acenderem uma fogueira e assarem a gazela que tinham ca�ado de manh�. mas, primeiro, efraim assegurou-se de que a �rvore n�o produzia #271 um l�tex que provocava paragem card�aca. colheu tamb�m as folhas, esmagou-as, reduziu-as a p� e partilhou-as com os companheiros.
� um purgante excelente comentou. e um rem�dio eficaz contra as doen�as ven�reas. quando forem ricos, ter�o � vossa disposi��o f�meas soberbas. mas n�o no egipto... queixou-se um dos mineiros. as asi�ticas s�o mais quentes e vigorosas. elas far-te-�o esquecer as raparigas das nossas prov�ncias. de barriga cheia e garganta fresca, o pequeno grupo p�s-se de novo em marcha. picado no tornozelo por uma v�bora das areias, o mineiro morreu no meio de atrozes convuls�es. que grande imbecil! murmurou efraim. o deserto n�o perdoa a mais pequena falta de aten��o. o melhor amigo da v�tima revoltou-se. tu vais � conduzir-nos a todos a uma morte certa! quem conseguir� escapar ao veneno destas criaturas? eu, e aqueles que seguirem as minhas pegadas. quero saber para onde vamos. um tagarela como tu contava logo ao vento e tra�a-nos num instante. exijo uma resposta! queres apanhar? o mineiro olhou a toda a volta. a imensid�o do deserto s� albergava ciladas. submisso, voltou a pegar no equipamento. se outras tentativas como a nossa falharam revelou efraim n�o foi por acaso. foi por se ter introduzido nesses grupos um informador que punha a pol�cia a par de todos os nossos movimentos. desta vez tomei as minhas precau��es. mas n�o excluo a hip�tese de haver entre n�s um mercen�rio. de quem suspeitas? de ti, e de todos os outros. qualquer um de voc�s pode ter #272 sido comprado. se existe um bufo, ele se trair� a si mesmo mais cedo ou mais tarde. para mim, vai ser um regalo. �os de olho perspicaz� esquadrinharam o deserto a partir da �ltima posi��o conhecida de efraim e do seu grupo, e calcularam as possibilidades de desloca��o em marcha acelerada. os mensageiros dos correios avisaram os colegas, de norte a sul, da fuga de perigosos delinquentes em busca de minerais raros. a ca�a ao homem, como de costume, terminaria com sucesso. apenas a presen�a de suti inquietava o gigante. aliado a efraim, que conhecia
todos os trilhos, nascentes e minas t�o bem como a pol�cia, era bem capaz de frustrar a estrat�gia das for�as da ordem. assim, abandonou os planos cl�ssicos e fiou-se no instinto. se estivesse no lugar de efraim, tentaria alcan�ar a regi�o das minas abandonadas: nem uma s� nascente, calor t�rrido, serpentes em abund�ncia e nem sinais de tesouro... quem se atreveria a arrostar com tal inferno? era um esconderijo perfeito, na verdade, e talvez mais ainda se se considerasse a possibilidade de as minas n�o estarem completamente esgotadas. como exigiam as normas, o gigante levou consigo dois pol�cias experientes e quatro c�es. seguindo as pistas habituais, interceptaria os fugitivos numa regi�o de colinas onde cresciam algumas �rvores. kem sentia-se atado de p�s e m�os. bem gostaria de se lan�ar na peugada do general asher, que ningu�m conseguia encontrar! mas a protec��o do juiz paser exigia a sua perman�ncia em m�nfis, pois nenhum dos seus subordinados seria capaz de o vigiar devidamente. pelo nervosismo do macaco, o n�bio sabia que o perigo rondava. � �bvio que na sequ�ncia dos dois malogros, o agressor ia tomar mais precau��es para n�o ser descoberto. eliminado o efeito de surpresa, preparar um acidente tornava-se cada vez mais dif�cil; mas n�o iria o homem decidir-se por uma ac��o mais violenta e definitiva? #273 salvar paser passou a ser o objectivo principal do chefe da pol�cia. a seu ver, o juiz encarnava uma forma de vida imposs�vel que era preciso preservar a todo o custo. durante os longos anos em que sofrera mais do que qualquer comum mortal, kem nunca se cruzara com algu�m da t�mpera do juiz. mas jamais confessaria a paser a admira��o que sentia por ele, com receio de estar assim a alimentar esse animal viscoso e rastejante, a vaidade humana, sempre pronta a corromper os cora��es. o babu�no acordou. o n�bio deu-lhe carne seca e cerveja e encostou-se ao muro do terra�o de onde vigiava a casa do juiz. chegara a sua vez de dormir, enquanto o macaco retomava a vigil�ncia. o devorador de sombras praguejava contra m� sorte. tinha feito mal em aceitar uma miss�o que estava para al�m da sua especialidade, que era matar r�pido e sem deixar vest�gios. por momentos, tivera vontade de renunciar, mas os mandantes t�-lo-iam denunciado e a sua palavra n�o teria qualquer valor ao lado da deles. al�m disso, tinha lan�ado um desafio a si mesmo. at� a�, a sua carreira n�o tinha sido manchada por qualquer fracasso, e era por isso deveras excitante que um juiz fosse a sua mais bela v�tima. infelizmente, esse juiz dispunha de uma protec��o forte e eficaz. kem e o seu macaco eram advers�rios � altura, cuja vigil�ncia parecia imposs�vel iludir. desde a agress�o falhada da pantera, o chefe da pol�cia seguia todos os passos do juiz e fazia dobrar a sua pr�pria vigil�ncia por v�rios pol�cias de elite. mas a paci�ncia do devorador de sombras era infinita. ele saberia esperar pela m�nima falha, a mais pequena falta de aten��o. ao passear-se no mercado de m�nfis,
onde os vendedores expunham os seus produtos ex�ticos vindos da n�bia, teve de repente uma ideia capaz de aniquilar a principal linha de defesa do advers�rio. j� � tarde, meu amor. diante de paser, ainda sentado � escrivaninha, estendia-se uma dezena de papiros desenrolados e iluminados por duas candeias de p� alto. #274 estes documentos tiram-me o sono. de que se trata? das contas de denes. onde os encontraste? pertencem ao tesouro. n�o os roubaste, pois n�o? perguntou ela, sorrindo. enviei um pedido oficial a bel-tran e ele respondeu de imediato, mandando-me estes pap�is. e o que foi que descobriste? irregularidades. denes esqueceu-se de pagar algumas taxas e parece ter viciado o c�lculo dos impostos. a que se arrisca ele, para al�m da multa? bel-tran, apoiando-se nas minhas advert�ncias, saber� intimidar a tranquilidade financeira de denes. sempre a mesma obsess�o. porque ser� que o transportador est� t�o seguro de si? preciso de penetrar na sua carapa�a n�o importa como. alguma not�cia de suti? absolutamente nada. e ele j� me deveria ter enviado uma mensagem que pudesse orientar a pol�cia do deserto. certamente impediram-no de o fazer. provavelmente. a hesita��o de paser surpreendeu nef�ret. de que suspeitas? de nada. diz a verdade, juiz paser!
na �ltima sess�o do tribunal, denes aventou uma poss�vel trai��o de suti. tu... deixares-te cair numa cilada dessas? que suti me perdoe. dois para a galeria da direita e os outros para a da esquerda ordenou efra�m. o suti e eu vamos pela do meio. mas est�o todas num estado deplor�vel; as traves est�o meio podres. se desabam, n�o sairemos de l� com vida. #275 trouxe-vos para este inferno porque a pol�cia do deserto o julga est�ril. nada de nascentes e as minas est�o esgotadas: � o que se diz em coptos! o antigo po�o, fui eu que vo-lo indiquei; o tesouro destas galerias, procurem-no voc�s mesmos. � demasiado arriscado afirmou um dos mineiros, perempt�rio. eu c� n�o entro. efraim aproximou-se do medroso. o qu�? n�s l� dentro e tu aqui fora... isso n�o me agrada nada. pior para ti. o punho de efraim abateu-se sobre o cr�nio do refil�o com singular viol�ncia. a v�tima tombou para o lado. um dos colegas debru�ou-se sobre ele e arregalou os olhos. mataste-o!? um suspeito a menos. toca a entrar para as galerias. suti precedeu efraim. vai devagar, rapaz- e apalpa as traves por cima da tua cabe�a. suti rastejou sobre a terra vermelha e pedregosa. a inclina��o era pequena, mas o tecto era muito baixo. efraim segurava o archote. um clar�o emanava das trevas. suti estendeu a m�o. o metal era mole e fresco. prata... prata aur�fera! efraim passou-lhe a ferramenta. � uma mina, rapaz. limpa-a sem a fazeres desabar. por debaixo do brilho branco da prata cintilava o ouro. este soberbo metal servia para revestir o pavimento de algumas salas dos templos e a parte dos objectos sagrados em contacto com o solo, a fim de preservar a sua pureza. afinal, n�o era a aurora composta de pepitas de prata que transmitiam a luz das origens? haver� ouro mais abaixo? aqui n�o, rapaz. esta mina � apenas uma primeira etapa. os quatro c�es guiaram os tr�s pol�cias. duas horas mais cedo, tinham pressentido uma presen�a humana na zona das minas abandonadas. #276
o gigante e os seus companheiros reprimiram a alegria; prepararam arcos e flechas e n�o trocaram nem mais uma palavra. deitados no cimo de um outeiro, os c�es, de l�ngua pendente, viram os mineiros retirar das galerias v�rios blocos de prata de tamanho e qualidade admir�veis. uma verdadeira fortuna. quando os ladr�es se reagruparam para festejar o seu triunfo, os arqueiros dispararam e soltaram os c�es. dois mineiros foram logo trespassados por flechas e um outro sucumbiu ao ataque feroz dos animais. suti abrigou-se numa galena, logo seguido por efraim, que estrangulara um galgo s� com uma m�o, e pelo �ltimo sobrevivente da equipa. r�pido! gritou efraim. vamos morrer asfixiados. faz o que eu te mando, rapaz. efraim tomou a dianteira e, pegando numa pedra, escavou a parede de fundo da galeria e abriu passagem para a parte superior. indiferente � poeira e aos bocados de escoras que ca�am, abriu uma chamin� na rocha fri�vel e, escorando as paredes com os p�s, puxou suti, que, por sua vez, ajudou o companheiro. os tr�s homens conseguiram finalmente sair da mina e respirar sofregamente o ar fresco do exterior. n�o nos podemos demorar por aqui. a pol�cia n�o larga a sua presa assim t�o facilmente. vamos ter de andar durante dois dias, mas sem �gua. o gigante acariciou os c�es, enquanto os colegas abriam valas para sepultar os cad�veres. a primeira parte da opera��o tinha decorrido com sucesso: exterm�nio da maior parte dos fugitivos e recupera��o de grande quantidade de prata. restavam tr�s ladr�es em fuga. os pol�cias fizeram um acordo: o gigante continuaria sozinho com o c�o mais forte, �gua e mantimentos, e os seus dois colegas levariam o precioso metal de volta a coptos. os fugitivos n�o tinham qualquer hip�tese de sobreviver; sabendo-se perseguidos e sob a amea�a das flechas e de um molosso, teriam de apressar o passo, numa regi�o onde n�o havia qualquer nascente a menos de tr�s dias de marcha. se se dirigissem para sul, acabariam for�osamente por encontrar uma patrulha. #277 o gigante e o c�o n�o corriam portanto quaisquer riscos, e limitar-se-iam a interceptar os malfeitores, tirando-lhes todas as possibilidades de retirada. e, uma vez mais, �os de olho perspicaz� levariam a melhor sobre os ladr�es. na manh� do segundo dia, os tr�s fugitivos lamberam o orvalho que perlava as pedras do caminho. o mineiro sobrevivente levava ainda pendurada ao pesco�o a bolsa
de couro, onde havia metido pequenos peda�os de prata. com a m�o crispada sobre o seu tesouro, foi o primeiro a ceder. as pernas fraquejaram-lhe e caiu de joelhos sobre as pedras. n�o me abandonem! suplicou. suti voltou para tr�s. se tentares ajud�-lo preveniu-o efraim morrem os dois. anda da�, rapaz. levando o mineiro �s costas, suti rapidamente ficaria para tr�s e perder-se-iam os dois naquele deserto t�rrido onde apenas efraim era capaz de se orientar. com o peito a escaldar e os l�bios gretados, o jovem continuava a seguir efraim. a cauda do molosso agitava-se cadenciadamente. o pol�cia felicitou-o pela sua descoberta: o cad�ver de um mineiro, que o gigante examinou. o fugitivo n�o estava morto h� muito tempo, e as suas m�os agarravam-se com tal for�a � bolsa de couro que o gigante se viu obrigado a cort�-las para recuperar a prata. depois, sentou-se, calculou o valor da apreens�o, deu de comer e de beber ao c�o, e tamb�m ele se alimentou. habituados a marchas intermin�veis, nem um nem outro se ressentiam do sol abrasador. respeitavam o tempo de repouso necess�rio e n�o desperdi�avam a mais pequena quantidade de energia. agora, eram dois contra dois e a dist�ncia entre pol�cia e ladr�es n�o parava de diminuir. #278 o gigante voltou-se para tr�s. j� por v�rias vezes tivera a sensa��o de estar a ser seguido; mas o c�o, concentrado nas suas v�timas, n�o dava sinal. o gigante limpou o punhal na areia, humedeceu os l�bios e retomou a persegui��o. s� mais um esfor�o, rapaz. perto da mina de ouro h� um po�o. com �gua? efraim n�o respondeu. tanto sofrimento n�o podia ser em v�o. um c�rculo de pedras assinalava a presen�a da nascente. efraim escavou com as m�os, logo seguido de suti. a princ�pio, s� areia e calhaus; depois, uma terra mais mold�vel, quase h�mida; seguia-se uma esp�cie de barro, os dedos molhados e, finalmente, a �gua, a �gua que subia do nilo subterr�neo. o pol�cia e o c�o assistiram ao espect�culo. tinham alcan�ado os fugitivos uma hora atr�s e mantinham-se � dist�ncia. ouviram-nos cantar, viram-nos beber a �gua em pequenos goles, darem largas � sua alegria e, depois, dirigirem-se para a mina de ouro abandonada que j� n�o figurava em mapa algum. efraim tinha feito bem o seu jogo. n�o confiara em ningu�m, guardando s� para si um segredo que arrancara a um velho mineiro o pol�cia verificou o arco e as flechas, bebeu um copo de �gua fresca e preparouse para a sua �ltima interven��o. o ouro est� aqui, rapaz. o �ltimo fil�o de uma galeria esquecida. h� ouro suficiente para dois velhos amigos viverem felizes na �sia.
existem mais lugares como este? mais alguns. #279 porque n�o os exploramos? n�o d� tempo. temos de fugir depressa, n�s e o nosso patr�o. quem � ele? o homem que nos espera dentro da mina. vamos os tr�s tirar o ouro e transport�-lo em tren�s at� ao mar. depois, um barco levar-nos-� para uma zona des�rtica, onde carros escondidos esperam por n�s. j� roubaste muito ouro para o teu patr�o? ele n�o ia gostar das tuas perguntas. olha, l� est� ele. uma personagem baixa, de pernas grossas e cabe�a de fuinha, avan�ou para os dois sobreviventes. apesar do sol escaldante, o sangue se suti gelou-lhe nas veias. temos a pol�cia � perna disse efraim. toca a tirar o ouro e a fugir daqui. arranjaste um rico companheiro disse, perplexo, o general asher. apelando para as for�as que ainda lhe restavam, suti fugiu para o deserto. n�o tinha qualquer hip�tese de abater efraim e asher, este �ltimo armado com uma espada. antes de mais nada, tinha de fugir; depois, pensaria no que fazer. um pol�cia e um c�o barraram-lhe o caminho. suti reconheceu o gigante que supervisionava o recrutamento dos mineiros. o homem esticou o arco; o c�o esperava apenas um sinal para atacar. nem mais um passo, rapaz. �s o meu salvador. invoca os deuses antes de morreres. n�o te enganes no alvo. eu estou aqui em miss�o oficial. �s ordens de quem? do juiz paser. tinha de provar a participa��o do general asher num tr�fico de metais preciosos. e, essa prova, j� a tenho! os dois juntos podemos prend�-los. coragem n�o te falta, rapaz, mas falta-te a sorte. eu trabalho para o general asher. #cap�TUlo 30 n�f�ret levantou a tampa de abas do seu estojo de cosm�tica, subdividido em
compartimentos decorados com florinhas encarnadas que continham frasquinhos de unguentos, cosm�ticos, pinturas para os olhos, pedra-pomes e perfumes. ela gostava de se p�r bonita enquanto em casa ainda todos dormiam, incluindo a sagu� e o c�o, e ir passear descal�a sobre o orvalho, � escuta do primeiro gorgeio dos melharucos e das poupas. a alvorada era a sua hora preferida, o renascer da vida, o despertar duma natureza em que cada som repercutia a palavra divina. o sol acabava de vencer as trevas, depois de um combate longo e temer�rio; o seu triunfo excitava a cria��o e a sua luz transformava-se em j�bilo, animando as aves nos c�us e os peixes no rio. n�f�ret saboreava a felicidade que os deuses lhe tinham oferecido e que ela, por sua vez, lhes devia devolver. essa felicidade n�o lhe pertencia, apenas passava por ela como um fluxo de energia, emanado da fonte e � fonte devendo voltar. quem tentava apropriar-se das d�divas do al�m condenava-se a ser est�ril como um galho ressequido. ajoelhando-se diante do altar erigido junto do lago, a jovem dep�s nele flores de l�tus. nela incarnava o novo dia, em que a eternidade se cumpriria no momento que passa. todo o jardim se recolheu e a rama das �rvores inclinou-se � brisa da manh�. quando sentiu a l�ngua de bravo lamber-lhe a m�o, n�f�ret soube que o rito estava terminado. o c�o tinha fome. #282 muito obrigada por me receberes antes de ires para o hospital disse silkis. esta dor � insuport�vel. n�o me deixou dormir toda a noite. deita a cabe�a para tr�s pediu n�f�ret, examinando o olho esquerdo da mulher de bel-tran. silkis, ansiosa, nem se mexia. trata-se de uma doen�a que conhe�o e vou curar. as tuas pestanas curvam-se de forma anormal e picam-te o olho, irritando-o. � grave? incomodativo, pelo menos. queres que resolva j� o caso? se n�o fizer doer muito... a opera��o n�o custa nada. n�bamon fez-me sofrer imenso para me modificar o corpo. mas a minha interven��o ser� muito mais ligeira. confio em ti. mant�m-te sentada e descontrai-te. as doen�as de olhos eram t�o frequentes que n�f�ret dispunha permanentemente na sua farm�cia privativa de uma grande quantidade de produtos, mesmo dos mais raros, como o sangue de morcego, que ela misturava com incenso para obter uma pomada
pegajosa que espalhava sobre as pestanas inoportunas depois de as ter esticado. assim, mantinha-as direitas at� secarem e conseguia extra�-las sem dificuldade pela raiz. para evitar novo crescimento, aplicava uma segunda pomada composta de cris�cola e galena. pronto, silkis, j� est�s livre desta. a mulher de bel-tran sorriu, aliviada. tens umas m�os maravilhosas... n�o senti nada! ainda bem. ser� necess�rio algum tratamento complementar? n�o, est�s livre dessa pequena anomalia. gostava tanto que tratasses do meu marido! a sua doen�a de pele traz-me muito preocupada. mas anda sempre t�o ocupado que nem pensa na sa�de... eu j� quase n�o o vejo. sai logo de manh� cedo e s� volta muito tarde, sempre carregado de papiros que consulta pela noite fora. #283 essa sobrecarga de trabalho n�o pode durar muito. receio bem que n�o seja assim. no pal�cio t�m grande apre�o pela sua compet�ncia e no tesouro n�o podem passar sem ele. o que s� � motivo de alegria. fora de casa, sim; mas para a nossa vida privada, de que tanto gostamos... o futuro mete-me medo. fala-se em bel-tran para futuro director da dupla casa branca! as finan�as do egipto inteiramente nas suas m�os... � uma responsabilidade esmagadora! n�o te sentes orgulhosa? bel-tran vai afastar-se ainda mais de mim, mas que posso eu fazer? admiro-o tanto! os pescadores estenderam as suas pescarias diante de mentmos�, o antigo chefe da pol�cia, demitido pelo vizir e relegado para o cargo de superintendente das pescas do delta, numa pequena cidade costeira. gordo, pesad�o e muito lento, mentmos� abandonava-se a um t�dio cada dia mais gravoso. detestava a casa que lhe tinham dado, n�o suportava os pescadores e os peixeiros, e tinha violentos acessos de c�lera pelos motivos mais insignificantes. o que fazer para escapar �quele buraco no fim do mundo? j� tinha at� perdido o contacto com todos os seus amigos da corte. quando viu surgir denes no extremo do cais, julgou-se v�tima de uma alucina��o. esquecendo os que o rodeavam, concentrou-se na silhueta maci�a do transportador, no rosto quadrado e na barbicha fina a contornar o queixo. n�o restavam d�vidas de que era mesmo ele, um dos homens mais ricos e influentes de m�nfis. desaparece ordenou mentmos� ao patr�o de um barco que vinha pedir uma autoriza��o.
denes observava a cena com ar trocista. est�s muito longe das opera��es policiais, meu caro amigo. acaso zombas da minha infelicidade? gostaria de aliviar o teu fardo. mentmos� tinha mentido muito ao longo de toda a sua carreira. em mat�ria de manha, dissimula��o e aldrabice, considerava-se um #284 perito, mas admitia sem esfor�o que denes era um concorrente de respeito quem te enviou� vim por iniciativa pessoal. gostarias de te vingar? vingar-me a voz de mentmos� tornou-se nasalada ent�o n�o temos um inimigo comum? paser, o juiz paser - um verdadeiro empecilho - ajuizou denes - a sua nova posi��o de de�o do p�rtico n�o lhe refreou os �nimos enraivecido, o antigo chefe da pol�cia cerrou os punhos - substituir-me por esse n�bio med�ocre e ainda mais selvagem do que o macaco. foi injusto e est�pido, na verdade. que te parece, repararmos esse erro� que pretendes fazer� destruir a reputa��o do juiz paser mas ela n�o � irrepreens�vel? - aparentemente sim, meu caro amigo. mas todo o homem tem as suas fraquezas. e se n�o tiver, n�s inventamo-las. conheces isto? denes abriu a m�o direita e exibiu um anel de sinete serve para autenticar os seus documentos roubaste-o? - mandei fazer uma imita��o a partir de um modelo fornecido por um dos escribas da sua administra��o. agora, � s� ap�-lo a um documento devidamente comprometedor, e ser� o fim da carreira do juiz paser e a tua reabilita��o a aragem mar�tima carregada de fortes odores, parecia agora perfumada �s narinas de mentmos�.
paser pousou a caixa de madeira de �bano entre ele e nef�ret. puxou a gaveta e retirou as pe�as de barro vidrado que disp�s sobre as trinta casas de um tabuleiro em osso. n�feret foi a primeira a jogar o jogo que consistia em fazer avan�ar as pe�as das trevas para a luz evitando #285 cair nas armadilhas dispostas ao longo do percurso, e abrindo numerosas portas. paser cometeu um erro � terceira jogada. n�o est�s a prestar aten��o. ainda n�o recebi not�cias de suti. e � caso para estranhar? receio bem que sim. em pleno deserto, como � que ele ia comunicar contigo? mas o juiz nem por isso ficou mais animado. temes alguma trai��o? devia pelo menos dar sinal de vida. ser� que temes o pior? paser levantou-se, abandonando o jogo. est�s enganado afirmou a mulher. suti est� vivo. o boato repercutiu-se como um trov�o: bel-tran, depois de tesoureiro principal e superintendente dos celeiros, acabava de ser nomeado director da dupla casa branca, ou seja, respons�vel pela economia do egipto, sob as ordens do vizir. competia-lhe receber e inventariar minerais e materiais preciosos, a ferramenta destinada aos canteiros dos templos e �s corpora��es artesanais, os sarc�fagos, os unguentos, os tecidos, os amuletos e os objectos lit�rgicos. pagaria aos camponeses o valor das colheitas e fixaria os impostos, assistido por pessoal numeroso e especializado. passado o efeito de surpresa, ningu�m contestou a nomea��o. grande quantidade de funcion�rios do tribunal tinham vindo pessoalmente recomendar bel-tran junto do vizir. e, apesar de a sua ascens�o poder parecer, segundo alguns, demasiado r�pida, a verdade � que ele tinha dado provas not�veis de excepcionais qualidades de gestor. a ele se deviam a reorganiza��o dos servi�os, a optimiza��o dos resultados e um melhor controlo das despesas, apesar do seu car�cter dif�cil e de uma acentuada tend�ncia para o autoritarismo. comparado com ele, o anterior superintendente fazia bem fraca figura; mole e vagaroso, deixara-se envolver na rotina com posteriores complexos de culpa que tinham acabado #286
por desencorajar os seus mais fi�is partid�rios. nomeado mau grado seu para um cargo invejado, recompensado por um trabalho obstinado, bel-tran n�o escondia as suas inten��es de sair da rotina e dar � Dupla casa branca um prest�gio e uma autoridade que a engrandeceriam. insens�vel por norma ao cortejo de elogios, o vizir bagey ficara impressionado com a abund�ncia de opini�es favor�veis. os escrit�rios de bel-tran ocupavam uma �rea consider�vel no centro de m�nfis; � entrada, dois porteiros filtravam os visitantes. n�f�ret identificou-se e aguardou com paci�ncia que a sua convoca��o fosse confirmada. passou por um reduto para animais e uma capoeira onde os escribas do fisco recebiam os impostos em g�neros. uma escada conduzia aos celeiros, que se enchiam e esvaziavam ao ritmo das contribui��es. um ex�rcito de escribas, sentados debaixo de um dossel, ocupava um dos andares do edif�cio. o cobrador-chefe vigiava permanentemente a entrada dos armaz�ns onde os camponeses iam depositar frutos e legumes. a m�dica foi conduzida a um outro edif�cio; n�f�ret atravessou um vest�bulo dividido em tr�s �reas por barrotes no tecto e quatro pilares, onde os altos funcion�rios redigiam processos verbais. um secret�rio introduziu-a numa ampla sala com seis pilares onde bel-tran recebia os visitantes mais importantes. o novo director da dupla casa branca dava as suas ordens a tr�s colaboradores; falava depressa, passando de uma ideia para outra, e ocupava-se de v�rios assuntos ao mesmo tempo. n�f�ret! obrigado por teres vindo. a tua sa�de � assunto de estado. desde que n�o interfira com as minhas actividades. bel-tran mandou sair os subordinados e mostrou � m�dica a perna esquerda com uma enorme mancha avermelhada com v�rios cent�metros de comprimento, orlada de uma borbulhagem esbranqui�ada tens o f�gado afectado e os rins funcionam mal. vais aplicar na perna uma pomada de flores de ac�cia e clara de ovo, e tens de beber v�rias vezes ao dia dez gotas de sumo de alo�s, para al�m da medica��o habitual. tens de ser paciente e seguir o tratamento com regularidade. confesso que sou muitas vezes negligente. essa inflama��o pode agravar-se, se n�o tomares cuidado#287 como posso eu pensar em tudo? bem gostava de estar mais tempo com o meu filho, ajud�-lo a compreender que ser� ele o meu herdeiro, explicar-lhe o significado das responsabilidades que o esperam. silkis queixa-se das tuas aus�ncias. a minha querida e doce silkis! mas ela reconhece a import�ncia dos meus esfor�os. como est� Paser? o vizir acaba de convoc�-lo, sem d�vida para o informar da pris�o do general asher.
admiro muito o teu marido. a meu ver, � um predestinado. tem uma for�a de vontade que nenhum acidente de percurso consegue desviar do rumo tra�ado. bagey estava debru�ado sobre um texto legislativo respeitante � travessia gratuita de barco para os cidad�os de fracos recursos, e nem a entrada de paser o fez levantar a cabe�a. esperava-te mais cedo. o tom de voz, contundente, surpreendeu o juiz. senta-te. tenho de terminar este assunto. de ombros abaulados, costas dobradas e rosto taciturno e mal-humorado, o vizir acusava o peso da idade. paser, que julgava ter conquistado a amizade de bagey, tornara-se de repente no alvo de uma c�lera surda de que desconhecia o motivo. o de�o do p�rtico deve mostrar-se inatac�vel sentenciou o vizir, com voz �spera. eu fui o primeiro a bater-me para que este lugar ficasse totalmente limpo de irregularidades. e hoje �s tu quem o ocupa. estar�s por acaso a censurar-me? pior do que isso, juiz paser. que justifica��o d�s para a tua conduta? de que me acusas? agradar-me-ia mais que fosses sincero. estarei mais uma vez a ser condenado sem motivo? #288 exaltado, o vizir levantou-se. esqueces-te de com quem est�s a falar? repudio a injusti�a, venha ela de onde vier. bagey pegou numa tabuinha de madeira coberta de hier�glifos e colocou-a debaixo dos olhos de paser. reconheces o teu sinete, ao fundo do texto? com efeito. ora l�. trata-se de uma entrega de peixes de primeira escolha num entreposto de m�nfis. entrega que tu mesmo mandaste fazer. mas acontece que esse entreposto n�o existe.
desviaste esta mercadoria de luxo do seu verdadeiro destino, o mercado da cidade, e as caixas foram encontradas numa das depend�ncias da tua casa. busca certamente levada a cabo com efic�cia! foste denunciado. por quem? por carta an�nima; mas os pormenores estavam cert�ssimos. na aus�ncia do chefe da pol�cia, as investiga��es ficaram a cargo de um dos seus subordinados. algum antigo colaborador de mentmos�, suponho eu? bagey pareceu ficar incomodado. exactamente. e n�o desconfiaste de uma encena��o? claro que sim. todos os ind�cios apontavam nesse sentido: as peixarias de que mentmos� � respons�vel, a interven��o de um dos seus amigos fi�is, o seu desejo de vingan�a... mas existe o teu selo, colocado num documento comprometedor. o olhar do vizir tinha mudado. paser lia nele a esperan�a de descobrir uma outra verdade. eu possuo a prova formal da minha inoc�ncia. nada me poderia dar maior prazer. simples precau��o explicou paser. � for�a de tantas prova��es, a minha ingenuidade atenuou-se. ora, como deves calcular, o titular de um sinete deve tomar as suas precau��es, e eu desconfiei que, mais cedo ou mais tarde, os meus inimigos se serviriam dele. por#289 isso, coloco em todos e da vig�sima primeira de cinco pontas, quase examines esta tabuinha
os documentos oficiais uma pintinha vermelha depois da nona palavras e, por debaixo do selo, desenho uma estrelinha dilu�da na tinta, mas vis�vel de muito perto. pe�o-te que e verificar�s a aus�ncia destes sinais distintivos.
o vizir levantou-se e aproximou-se da janela; um raio de sol iluminou o documento. de facto, n�o est�o c� constatou ele. bagey n�o deixou pedra sobre pedra. ele pr�prio foi buscar uma enorme quantidade de documentos assinados por paser, verificando que em nenhum deles faltavam, nem os pontinhos vermelhos, nem a estrela. e, em vez de partilharem o segredo, aconselhou o de�o do p�rtico a alterar a sua marca e n�o contar nada a ningu�m do que se tinha passado. a mando do vizir, kem interrogou o pol�cia que tinha recebido a den�ncia e se tinha esquecido de lha comunicar. o homem cedeu e confessou ter-se deixado subornar, tendo-lhe mentmos� garantido que o juiz paser seria condenado. o n�bio, fortemente irritado, enviou para o delta um pelot�o de infantaria que trouxe de volta a
m�nfis o antigo chefe da pol�cia, que n�o se cansava de protestar a sua inoc�ncia. recebo-te em audi�ncia privada disse paser para te poupar
a um processo.
fui caluniado! o teu c�mplice confessou tudo. o cr�nio completamente calvo de mentmos� ruborizou-se. acometido por uma tremenda comich�o, ele conteve-se. ele, que tivera nas m�os tantos destinos, n�o tinha agora qualquer ascendente sobre o magistrado. tornou-se por isso mel�fluo. a desgra�a abate-se sobre mim, sou alvo de difama��es. como posso defender-me? renunciando ao cargo e admitindo a culpa. mentmos� respirava com dificuldade. que sorte me reservas? #290 n�o �s digno de comandar seja o que for. o fel que te corre nas veias faz apodrecer tudo aquilo em que tocas. vou mandar-te para biblos, no l�bano, para bem longe do egipto. vais integrar uma equipa de manuten��o dos nossos barcos. vou ter de fazer trabalho manual? e poder� haver maior ventura que essa? a voz nasalada de mentmos� vibrou col�rica. eu n�o sou o �nico respons�vel. o instigador foi denes. como posso acreditar em ti, se fazes da mentira o teu desporto favorito? n�o digas que n�o te avisei. estranha e s�bita bondade a tua! mentmos� riu-se, escarninho. bondade? de maneira nenhuma, juiz paser! apenas o prazer de te ver fulminado por um raio, arrastado pela torrente, soterrado sob um dil�vio de pedras! a sorte h�de abandonar-te e os teus inimigos multiplicar-se-�o. n�o te atrases; o teu barco parte dentro de uma hora.#cap�TUlo 31 de p�! ordenou efraim. nu, com uma golilha de madeira � volta do pesco�o e os bra�os amarrados atr�s das costas � altura do cotovelo, suti conseguiu reerguer-se. efraim puxou-o por uma corda que lhe atou � cintura. bufo, bufo nojento! enganei-me a teu respeito, rapaz. porque te introduziste numa equipa de mineiros? perguntou o general asher, mel�fluo.
com os l�bios ressequidos, o corpo martirizado pelos socos e pontap�s, os cabelos cobertos de areia e sangue, suti trespassou o inimigo com o olhar. uma chama intensa brilhava nele ainda. deixa-me aplicar-lhe um correctivo pediu o pol�cia do deserto a soldo do general. mais tarde. o orgulho dele diverte-me. querias apanhar-me em falso, provar que era eu o patr�o do tr�fico de ouro? bela intui��o, suti. o soldo de oficial superior era muito pouco para mim. j� que n�o � poss�vel mudar o governo deste pa�s, pelo menos, aproveito a minha riqueza. voltamos para norte? perguntou efraim. isso nunca! temos tropas � nossa espera na fronteira do delta. vamos partir para o sul, contornar elefantina e virar na direc��o do deserto ocidental, onde nos reuniremos a adafi. com carros, v�veres e �gua, o �xito estava assegurado. tenho aqui o mapa dos po�os informou asher. j� carregaste o ouro todo? efraim sorriu. # 292 desta vez � que a mina ficou mesmo esgotada! n�o seria melhor livrarmo-nos deste espi�o? fa�amos antes uma experi�ncia interessante: quanto tempo ser� ele capaz de sobreviver, caminhando o dia inteiro s� com dois goles de �gua? suti � muito forte, e o resultado ser-nos-� �til para o treino das tropas l�bias. mesmo assim, ainda gostava de o interrogar insistiu o gigante. s� mais um pouco de paci�ncia. no fim do dia, ele estar� menos teimoso. uma raiva, uma raiva surda pregada ao corpo, impressa em cada fibra dos seus m�sculos, em cada movimento. gra�as a ela, suti lutaria at� o cora��o se recusar a incitar os membros a moverem-se. prisioneiro de tr�s torcion�rios, n�o tinha qualquer hip�tese de lhes escapar. no preciso instante em que, finalmente, desmascarara asher, a sua vit�ria transformara-se em derrota. era-lhe imposs�vel contactar com paser, comunicar-lhe a sua descoberta. a sua miss�o teria sido in�til, desapareceria deste mundo longe do amigo, de m�nfis, do nilo, dos jardins e das mulheres. morrer era uma estupidez. suti n�o queria voltar para debaixo da terra, ser ouvido por an�bis, o deus com cabe�a de cavalo, nem enfrentar os�ris e a balan�a do julgamento; queria continuar a apaixonar-se, bater-se contra os seus inimigos, galopar ao vento do deserto, ficar mais rico do que o mais abastado cortes�o, s� para se poder rir de tudo isso. mas a golilha parecia pesar cada vez mais. e ele continuava a avan�ar, puxado pela corda que lhe rasgava a pele das ancas, os rins e o ventre; amarrada � traseira de um carro carregado de ouro, dava-lhe
um estic�o mal ele abrandava o passo. as rodas do carro rolavam lentas, pois o ve�culo n�o devia sair da estreita pista sob pena de se atolar na areia; mas, para suti, este movimento infernal parecia tornar-se mais r�pido metro a metro, obrigando-o a apelar para as �ltimas for�as. por�m, sempre que se sentia prestes a desistir, era animado por uma energia renovada. um passo, outro passo, s� mais um passo. #293 e o dia escoou-se no seu corpo martirizado. i o carro parou. suti manteve-se de p� por mais algum tempo, im�vel, como se n�o pudesse sentar-se. depois, os joelhos vergaram-se-lhe corpo abateu-se at� as suas n�degas assentarem sobre os calcanhares.
e o
tens sede, rapaz? efraim, chocarreiro, balan�ou um odre diante do seu nariz. �s forte que nem um animal selvagem, mas n�o vais resistir mais de tr�s dias. fiz uma aposta com o pol�cia e detesto perder. efraim deu de beber ao prisioneiro. o l�quido refrescante molhou-lhe os l�bios e espalhou-se a todo o corpo. o pol�cia, dando-lhe um pontap�, atirou-o para cima da areia. os meus companheiros v�o descansar; mas eu vou ficar de guarda, e interrogar-te. o mineiro interp�s-se. fizemos uma aposta e n�o tens o direito de estragar tudo agora. suti ficou estendido de costas e de olhos fechados. efraim afastou-se e o pol�cia p�s-se a andar � volta do jovem. amanh�, vais morrer. mas antes, fa�o-te falar. j� obriguei muitos mineiros a ceder, e bem mais calejados do que tu. suti s� a custo ouvia o ru�do dos passos que martelavam o solo. se calhar j� disseste tudo o que tinhas a dizer sobre a tua miss�o, mas n�o quero ficar com d�vidas. como te mantinhas tu em contacto com o juiz paser? suti sorriu palidamente. ele h�-de vir � minha procura e voc�s ser�o os tr�s condenados. o pol�cia sentou-se perto da cabe�a de suti. est�s sozinho, n�o podes ter avisado o juiz. ningu�m vir� socorrer-te. esse ser� o teu �ltimo erro. o sol deu-te volta � cabe�a. e tu, � for�a de tanta trai��o, j� perdeste o sentido da realidade.
o pol�cia esbofeteou suti. #294 n�o me irrites, sen�o deixo o meu c�o fazer de ti o que quiser. caiu a noite. n�o penses dormir; enquanto n�o falares, o meu punhal ficar� a acariciar-te a garganta. j� disse tudo o que sei. tenho a certeza que n�o. se assim fosse, porque terias ca�do numa emboscada? porque sou um imbecil. o pol�cia espetou o punhal mesmo ao lado da cabe�a do prisioneiro. dorme, rapaz; amanh� ser� o teu �ltimo dia de vida. apesar de exausto, suti n�o conseguiu adormecer. pelo canto do olho, viu o pol�cia passar a ponta do dedo, primeiro, pela ponta da adaga e, depois, pelo gume. cansado, pousou-a ao seu lado. suti sabia que ele a usaria antes do raiar da aurora. quando o visse debru�ar-se, seria o fim; ele cortar-lhe-ia as goelas, radiante por se ver livre de um peso morto. depois, facilmente se justificaria perante o general asher. suti debateu-se toda a noite. n�o aceitava morrer de surpresa. quando o brutamontes o atacasse, cuspir-lhe-ia na cara. a lua, a soberana guerreira, desembainhava o seu punhal recurvado nas alturas. suti suplicou-lhe que viesse at� ele e o trespassasse, para lhe abreviar o sofrimento. n�o poderiam os deuses conceder-lhe este pequeno favor em troca da sua descren�a? se ainda estava vivo, ao deserto o devia. e era por simpatia para com a pujan�a da desola��o, da aridez e da solid�o, que respirava ainda. o oceano de areia e pedras tornara-se seu aliado, e aquela mortalha queimada pelo sol e fustigada pelo vento agradava-lhe mais do que um t�mulo de nobre. o pol�cia continuava sentado, vigiando o enfraquecimento do prisioneiro. mal ele fechasse os olhos, penetrar-lhe-ia no sono, como a morte sedutora, e roubar-lhe-ia a alma. mas suti, alimentado pelo sol e dessedentado pela lua, aguentava tenazmente.#295 nisto, o torcion�rio soltou um grito rouco. agitou os bra�os, como um p�ssaro ferido, tentou levantar-se e caiu para tr�s. saindo das trevas, eis que surgiu a deusa da morte. num momento de lucidez, suti compreendeu que delirava. estaria ele a atravessar aquele espa�o indefinido entre os dois mundos, onde criaturas monstruosas atacavam o defunto? ajuda-me exigiu a deusa. temos de virar o cad�ver ao contr�rio. suti soergueu-se de lado.
pantera! mas como � que... depois explico. v�, depressa. tenho de recuperar o punhal que lhe enfiei na nuca. a l�bia de cabelos de oiro ajudou o amante, que conseguiu p�r-se de p�. ela empurrou o corpo do pol�cia com as m�os, e ele com os p�s. pantera arrancou a arma, cortou as cordas que prendiam suti, tirou-lhe a golilha e abra�ou-o. como � bom sentir-te... foi paser quem te salvou. contou-me que tinhas partido de coptos, como mineiro. a�, soube que tinhas desaparecido e segui o grupo de pol�cias que se vangloriavam de te poderem encontrar e que depressa ficou reduzido ao traidor que acabei mesmo agora de matar. n�s, os l�bios, sabemos sobreviver sem problemas neste inferno. vem beber um pouco de �gua. pantera levou-o para tr�s de uma pequena eleva��o de onde tinha vigiado o acampamento e os carros sem ser vista. com inimaginada for�a, tinha conseguido transportar dois odres, que enchera em cada nascente por onde passara, um saco de carne seca, um arco e algumas flechas. onde est�o asher e efraim? a dormir nos carros, na companhia de um c�o enorme. � imposs�vel atac�-los. suti desfaleceu; pantera cobriu-o de beijos. n�o, agora n�o! ela ajudou-o a deitar-se, acariciou-o e deitou-se ao seu lado. apesar da fraqueza extrema do amante, ainda p�de saborear o despertar da sua virilidade. amo-te, suti, e vou salvar-te. #296 um grito de terror arrancou ao sono n�f�ret. paser mexeu-se, mas n�o acordou. a jovem vestiu um roup�o e correu para o jardim. a leiteira, que vinha trazer leite fresco, estava lavada em l�grimas. tinha abandonado as bilhas, e o seu conte�do espalhava-se agora pelo ch�o. ali disse ela, com um gemido apontando para o degrau de pedra. n�f�ret baixou-se. estava cheio de fragmentos de vasos vermelhos, quebrados, que tinham inscrito a pincel e tinta negra o nome do juiz paser, seguido de f�rmulas m�gicas incompreens�veis. � mau olhado! exclamou a serva. � preciso sairmos desta casa quanto antes. n�o te parece que o poder de ma�t � mais forte que o das trevas? perguntou n�f�ret, pondo a m�o no ombro da serva. a vida do juiz ficar� estilha�ada como estes vasos!
e cr�s que eu n�o a defenderei? vigia estes cacos. vou � oficina. n�f�ret voltou com uma cola que era usada pelos restauradores de vasos. com a ajuda da serva, reuniu todas as pe�as do quebra-cabe�as e, sem pressa, montou-as. mas antes de reconstituir os objectos, n�f�ret apagou as inscri��es. vais levar estes recipientes � lavadeira. � for�a de conterem a �gua com que ela lava a sujidade, acabar�o por ficar purificados. a serva beijou as m�os de n�f�ret. o juiz paser tem muita sorte. a deusa ma�t protege-o. e, agora, trazes-nos mais leite fresco? vou ordenhar a minha melhor vaca. e a leiteira partiu a correr. o campon�s enterrou na terra solta uma estaca com o dobro da sua altura e fixoulhe no cimo uma longa vara flex�vel. na extremidade #297 mais grossa, prendeu um contrapeso de barro e, na mais fina, uma corda onde pendurou um recipiente de barro. com gestos lentos, repetidos por dia vezes sem conta, puxaria a corda, mergulharia o recipiente na �gua do canal, e afrouxaria a press�o para que o contrapeso elevasse o recipiente at� � altura da vara e derramasse o conte�do sobre o terreno cultivado. por este processo, conseguiria tirar do canal tr�s mil e quatrocentos litros de �gua por hora, com que irrigaria as suas culturas. gra�as a este sistema, a �gua era levada para as terras altas que a cheia nunca inundava. ao encetar os primeiros gestos, o campon�s ouviu um ru�do surdo, completamente desconhecido. com as m�os apertadas sobre a corda, ficou de ouvido � escuta. o estrondo aumentava. inquieto, afastou-se da m�quina de irriga��o, subiu a encosta e postouse no alto da colina. petrificado, viu avan�ar na sua direc��o uma mar� em f�ria que devastava tudo � sua passagem. o dique tinha rebentado a montante; homens e animais eram tragados pelas �guas, debatendo-se em v�o contra a torrente lamacenta. paser foi o primeiro funcion�rio a chegar aos locais sinistrados. dez mortos, meia manada dizimada, quinze m�quinas de irriga��o destru�das... um balan�o muito pesado. os oper�rios come�aram a reconstruir o dique, com a ajuda de um pelot�o de engenharia, mas a reserva de �gua estava perdida. o estado, representado pelo de�o do p�rtico, que reuniu a popula��o na pra�a da aldeia mais pr�xima, comprometeu-se a indemnizar os camponeses e a enviar-lhes alimentos. por�m, todos queriam saber quem era o respons�vel pela cat�strofe; e tamb�m paser interrogou longamente dois funcion�rios encarregados da manuten��o dos canais, reservat�rios e diques daquela zona. nenhuma falta tinha sido cometida; os turnos de inspec��o, efectuados segundo as regras, nada tinham revelado de anormal. perante isto, o juiz desresponsabilizou os t�cnicos numa audi�ncia p�blica. e todos elegeram um �nico respons�vel poss�vel: o mau olhado. tinha abatido uma
maldi��o sobre o dique, que se estenderia � aldeia, depois � prov�ncia e, finalmente, a todo o pa�s. #298 o fara� deixara de exercer o seu papel protector. se ele n�o celebrasse durante esse ano uma festa da regenera��o, que seria do egipto? o povo estava confiante. a sua voz e as suas exig�ncias seriam ouvidas pelos edis das aldeia, os chefes das prov�ncias, os dignit�rios da corte e o pr�prio rams�s. todos sabiam que o rei viajava muito e n�o ignorava nenhuma das aspira��es do povo que governava. confrontado com dificuldades, perdido por vezes na tormenta, tinha sempre escolhido o caminho certo. o devorador de sombras sa�a finalmente do impasse. para se aproximar do juiz paser e o vitimar com um acidente, tinha antes de mais de eliminar os seus protectores. o mais perigoso n�o era kem, mas sim o babu�no-pol�cia com uns caninos mais agu�ados que os de uma pantera e capaz de derrubar a fera mais corpulenta. assim, o devorador de sombras tinha descoberto um advers�rio � medida do babu�no por um pre�o fabuloso. o babu�no de kem n�o resistiria a um outro macho, maior e mais corpulento. o devorador de sombras tinha-o acorrentado e a�aimado e h� dois dias que n�o lhe dava de comer, aguardando o momento prop�cio. esse momento chegou ao bater do meio-dia, quando kem dava de comer ao seu macaco, que agarrou num bocado de carne e se foi p�r a com�-lo ao fundo da a�oteia de onde o n�bio vigiava a casa de paser, que almo�ava a s�s com a mulher. o devorador de sombras soltou o seu babu�no e tirou-lhe o a�aimo com todo o cuidado. atra�do pelo cheiro da carne, o enorme macaco escalou sem ru�do a fachada branca e atirou-se ao seu cong�nere. com as orelhas vermelhas de raiva, os olhos injectados de sangue e as n�degas viol�ceas, o agressor mostrou-lhe os dentes, prestes a mord�-lo. o babu�no-pol�cia abandonou a refei��o e ripostou na mesma moeda. a manobra de intimida��o n�o surtiu efeito; um e outro viram nos olhos do advers�rio a mesma sede de combate. nem um som havia sido emitido. quando o instinto de kem lhe disse que se virasse para tr�s, j� era tarde de mais. os dois macacos gritaram ao mesmo tempo e engalfinharam-se numa luta feroz. #299 era imposs�vel separ�-los ou abater o inimigo; os babu�nos eram uma massa compacta em movimento, rebolando para a esquerda e para a direita. com inusitada ferocidade, dilaceravam-se um ao outro, soltando gritos estridentes. o combate foi de curta dura��o. a massa informe imobilizou-se. kem n�o ousava aproximar-se.
muito lentamente, um bra�o estendeu-se e afastou o cad�ver do vencido. matador! o n�bio precipitou-se para o seu macaco e amparou-o no instante em que ele so�obrava, coberto de sangue. tinha conseguido degolar o agressor a troco de graves ferimentos. o devorador de sombras cuspiu de raiva e afastou-se. o babu�no olhou fixamente para n�f�ret enquanto ela lhe desinfectava as feridas, antes de as cobrir com lama do nilo. ele est� a sofrer muito? perguntou kem, nervoso. poucos humanos teriam tanta coragem. vais salv�-lo? sem d�vida. o cora��o dele � forte como um rochedo, mas tem de deixar fazer os curativos e ficar praticamente imobilizado durante alguns dias. a mim, ele obedece. durante uma semana n�o lhe d�s comida de mais. � mais pequena reca�da, avisa-me imediatamente. a pata de matador repousou na m�o da m�dica. nos olhos do macaco lia-se uma gratid�o sem limites. o conselho dos m�dicos reuniu-se pela d�cima vez. qadash tinha a seu favor a idade, a notoriedade, a experi�ncia e a sua especialidade de dentista, que muito agradaria ao fara�, enquanto n�f�ret contava com as suas curas quase imposs�veis, a compet�ncia #300 diariamente demonstrada no hospital, a opini�o favor�vel de muitos m�dicos e o apoio da rainha-m�e. meus caros colegas come�ou o decano a situa��o atinge as raias do esc�ndalo. pois bem, elejamos qadash! interveio o antigo bra�o direito de n�bamon. com ele n�o corremos quaisquer riscos. que cr�ticas fazes a n�f�ret? � demasiado jovem. partilharia da tua opini�o, se ela n�o dirigisse o hospital com tanto brilho atalhou um cirurgi�o. o cargo de m�dico-chefe exige um homem ponderado e com representatividade, e n�o uma mulher t�o jovem, por mais dotada que seja. muito pelo contr�rio! ela disp�e de uma energia que h� muito abandonou qadash.
falar nesses termos do nosso estimado colega � um insulto. estimado... mas n�o por todos n�s! acaso n�o est� ele envolvido em neg�cios pouco claros e a ser investigado pelo juiz paser? o qual, � preciso que se diga, � o marido de n�f�ret! a controv�rsia azedou-se e as vozes subiram de tom. ent�o, caros colegas, um pouco de dignidade! acabemos com isto e proclamemos a elei��o de qadash. nem pensar nisso! ser� N�f�ret, e mais ningu�m. a sess�o, apesar das promessas feitas, acabou num impasse. foi ent�o tomada uma decis�o firme: na pr�xima reuni�o do conselho, seria designado o novo m�dico-chefe do reino. bel-tran levou o filho a visitar os seus escrit�rios. o garoto brincou com os papiros, saltou por cima dos banquinhos de abrir e fechar e partiu o pincel de um escriba. chega disse o pai. tens de respeitar o material do alto funcion�rio que um dia vir�s a ser. quero ser como tu e mandar nos outros, mas n�o quero trabalhar. #301 sem esfor�o, nem um simples escriba agr�cola conseguir�s ser. prefiro ser rico e ter muitas terras. a chegada de paser interrompeu este di�logo familiar. bel-tran entregou o filho � guarda de um empregado que o levaria para o picadeiro, para aprender a montar a cavalo. pareces preocupado, paser. n�o tenho not�cias de suti. e de asher? nem sinal. os postos fronteiri�os n�o registaram nada de especial. que ma�ada! o que achaste das contas de denes? cheias de irregularidades, claro, erros volunt�rios e fugas. o suficiente para o incriminar? acertaste em cheio, paser. a noite era doce. depois de correr como um louco � volta do lago dos l�tus, bravo dormia aos p�s do dono. exausta depois de um longo dia no hospital, n�f�ret tinha
adormecido, enquanto o juiz, � luz de duas candeias, preparava o libelo acusat�rio. asher condenava-se pela sua pr�pria fuga, justificando as acusa��es do processo anterior. denes tinha defraudado o fisco, desviado mercadorias, corrompido consci�ncias. ch�chi estava � cabe�a de neg�cios clandestinos. qadash, seu c�mplice, n�o podia ignorar as suas actividades obscuras. um elevado n�mero de factos e testemunhos esmagadores, escritos e orais, seria levado perante os jurados. a reputa��o dos quatro homens n�o sobreviveria � audi�ncia, e ser-lhes-iam infligidas penas mais ou menos pesadas. talvez o juiz tivesse feito abortar a conspira��o, mas agora ainda lhe restava encontrar suti e prosseguir o seu caminho at� � verdade, o caminho que conduzia ao assassino do seu mestre branir. #cap�TUlo 32 a avestruz imobilizou-se, pressentindo o perigo. inquieta, bateu as asas e, incapaz de voar, esbo�ou um passo de dan�a para saudar o sol nascente e lan�ou-se numa corrida fulgurante em direc��o � duna. em v�o suti tentara esticar o arco. tinha os m�sculos doridos, quase paralisados. pantera massajou-os e untou-os com um unguento que tirou de um frasquinho que levava atado � sua cintura. quantas vezes me enganaste? suti soltou um suspiro de desalento. se te recusares a responder-me, abandono-te aqui mesmo. n�o te esque�as de que sou eu quem tem o odre da �gua e a carne seca. tanto esfor�o para acabar assim? quando queremos saber a verdade, nenhuma barreira � intranspon�vel. o juiz paser convenceu-me. suti sentiu de imediato um renovado bem-estar. em breve, efraim e asher se aperceberiam da morte do pol�cia e se lan�ariam em persegui��o do prisioneiro. fujamos para longe deste lugar o mais depressa poss�vel. primeiro tens de me responder. o punho de pantera pairava amea�ador sobre o ventre de suti. se me enganaste, fa�o de ti um eunuco! tu est�s a par do meu casamento com a senhora tapeni. a essa, hei-de estrangul�-la com as minhas pr�prias m�os. existe mais alguma? claro que n�o. #304 em coptos, nessa cidade de lux�ria... fui recrutado como mineiro e logo a seguir parti para o deserto.
em coptos ningu�m se mant�m casto. eu mantive-me. devia ter-te matado assim que te encontrei. olha! efraim acabava de descobrir o cad�ver. soltou o c�o, que farejou o vento, mas n�o quis afastar-se do dono. o mineiro conferenciou com asher e retomaram a marcha. fugir do egipto e salvar o ouro parecia-lhes mais importante do que perseguir um advers�rio diminu�do. uma vez eliminado o pol�cia, partilhariam o ouro entre os dois. v�o-se embora disse pantera, com um suspiro. vamos segui-los. perdeste a cabe�a? asher n�o me escapar�. esqueces-te do teu estado? gra�as a ti, melhora de hora para hora. andar vai restabelecer-me. estou apaixonada por um louco. sentado no terra�o de sua casa, paser fitava o oriente. n�o conseguindo dormir, saiu do quarto para contemplar a noite estrelada. o c�u estava t�o claro que se distinguiam at� as formas das pir�mides de gize, envolvidas num azul profundo de onde despontavam os primeiros raios de um sol cor de sangue. mergulhado numa paz milen�ria, constru�do com pedra, amor e verdade, o egipto estendia-se diante dos seus olhos envolto no mist�rio do dia que ia nascer. naquele momento, paser n�o era o de�o do p�rtico, nem sequer um juiz; absorvido pela imensid�o onde se celebrava o casamento imposs�vel entre o vis�vel e o invis�vel, em comunh�o com os esp�ritos ancestrais cuja presen�a se mantinha tang�vel em cada murm�rio da terra, tentou esquecer-se de si pr�prio. descal�a, e em sil�ncio, n�f�ret apareceu junto dele. ainda � t�o cedo... devias estar a dormir. #305 � a minha hora preferida. dentro de breves instantes o ouro iluminar� a crista das montanhas e o nilo ressuscitar�. porque est�s t�o inquieto? como podia ele confessar-lhe que aquele magistrado t�o seguro das suas verdades estava cheio de d�vidas? que era considerado por todos inabal�vel e insens�vel aos acontecimentos, quando afinal o mais pequeno incidente o atingia, por vezes como uma ferida. paser n�o admitia a exist�ncia do mal e n�o se habituava ao crime. o tempo n�o conseguia apagar o desgosto da morte de branir, que ele n�o era capaz de vingar. tenho vontade de renunciar, n�f�ret.
tu est�s muito cansado. partilho da opini�o de kem. a justi�a, se existe, n�o � aplicada. temes um fracasso? os meus processos s�o s�lidos, as minhas acusa��es fundamentadas, os meus argumentos decisivos... mas denes, ou um dos seus c�mplices, pode lan�ar m�o de uma arma jur�dica e destruir o edif�cio t�o pacientemente constru�do. nesse caso, para qu� continuar? isso n�o passa de um momento de des�nimo. o ideal do egipto � sublime, mas n�o impede a exist�ncia de um general asher. mas tu conseguiste travar-lhe o passo. depois dele, outro vir�, e depois outro... depois de um doente, outro vir�, e depois outro... mas ser� isso raz�o suficiente para deixar de sonhar? ele pegou nas m�os dela com ternura. sou indigno do cargo que ocupo. as palavras v�s insultam ma�t. poder� um verdadeiro juiz duvidar da justi�a? n�o ponhas em causa a tua pessoa. um sol menino banhou-os com um raio ao mesmo tempo suave e incisivo. � a nossa vida que est� em jogo, n�f�ret. n�s n�o lutamos por n�s mesmos, mas para fazer aumentar a luz que nos une. desviarmo-nos do nosso caminho seria um crime. #306 tu �s mais forte do que eu. ela sorriu, divertida. amanh�, ser�s tu a ajudar-me. e, unidos, viram o dia nascer. antes de partir para o escrit�rio do vizir, paser espirrou sem exagero umas dez vezes e sentia uma violenta dor na nuca. n�f�ret n�o se mostrou minimamente apreensiva; f�-lo beber uma decoc��o de folhas e casca de salgueiro, rem�dio que ela utilizava frequentemente para debelar a febre e os mais variados males. o al�vio foi r�pido. paser j� respirava com menos dificuldade e apresentou-se de bom humor perante bagey, cada vez mais curvado. tens aqui o processo completo do caso do general asher, do transportador denes, do qu�mico ch�chi e do dentista qadash. na minha qualidade de de�o do p�rtico,
solicito da tua parte a instaura��o de um processo p�blico, tendo como libelo acusat�rio, alta trai��o, atentado � seguran�a do estado, tentativa deliberada de tirar a vida, prevarica��es v�rias e desvio de fundos. certos pontos est�o devidamente fundamentados, mas outros permanecem obscuros. as acusa��es s�o de tal monta que me pareceu in�til esperar mais tempo. este processo � de excepcional gravidade. tenho plena consci�ncia disso. os acusados s�o personalidades importantes. tanto mais repreens�veis s�o as suas faltas. tens raz�o paser. abrirei o processo depois da festa da deusa opet, embora asher continue em local desconhecido. tal como suti. partilho da tua inquieta��o. tamb�m j� mandei um pelot�o de infantaria passar a pente fino o deserto em volta de coptos, ajudado pela pol�cia especial. nas tuas conclus�es identificas o assassino de branir? nota: o salgueiro cont�m uma subst�ncia que � o principal componente da aspirina, que foi portanto inventada� e utilizada mais de dois mil anos antes de cristo. (n. a.) nota: deusa hipop�tama que simbolizava a fecundidade, tanto espiritual, como material. (n. a) #307 nesse ponto, falhei. n�o disponho de qualquer certeza. mas eu quero o seu nome. jamais desistirei das investiga��es. a candidatura de n�f�ret ao lugar de m�dico-chefe � embara�osa. muito boa gente n�o deixar� de sublinhar que a acusa��o de qadash vem abrir o caminho para a tua mulher, e tentar�o desacredit�-la. tamb�m j� pensei nisso. e n�f�ret, que pensa ela disto? que, se qadash � c�mplice, deve ser condenado. n�o podes falhar. nem denes nem ch�chi ser�o presas f�ceis. temo um desses golpes de teatro a que asher j� nos habituou. os traidores possuem um dom especial para justificarem as suas trai��es. deposito as minhas esperan�as no teu tribunal. a�, a mentira naufraga. bagey levou a m�o ao cora��o de cobre que trazia ao pesco�o pretendendo
significar, com este gesto, que colocava acima de tudo a consci�ncia do dever. os conjurados reuniram-se numa quinta abandonada onde costumavam encontrar-se em caso de urg�ncia. denes, normalmente triunfante e seguro de si, parecia preocupado. temos de reagir rapidamente. paser deixou o processo com bagey. apenas rumores ou elementos consistentes? o caso foi entregue no tribunal do vizir e ser� julgado depois da festa de opet. se asher for incriminado, ser� para mim uma enorme satisfa��o, mas n�o quero ver a minha reputa��o comprometida. o devorador de sombras n�o devia ter j� reduzido o juiz paser � ociosidade? a m� sorte jogou contra ele, mas ele n�o largar� a presa. bela promessa; mas isso n�o anula as acusa��es formuladas contra ti! n�s estamos senhores da situa��o, n�o te esque�as. bastar� utilizarmos uma parcela do nosso poder. #308 sem nos desmascararmos? tal n�o ser� necess�rio. uma simples carta � o suficiente. o plano de denes foi aprovado. para jamais ter de passar por semelhante ang�stia acrescentou proponho que ponhamos em pr�tica uma das fases do nosso plano: a substitui��o do vizir. assim, as futuras decis�es do juiz paser ficar�o sem efeito. n�o ser� cedo de mais para isso? constatai-o v�s mesmos: � o momento ideal. sob o olhar espantado de asher e de efraim, o molosso saltou do carro e lan�ou-se em direc��o a um monte coberta de saibro. depois do desaparecimento do dono, anda desvairado disse efraim. n�o precisamos dele considerou o general. neste momento, tenho a impress�o de que escap�mos �s patrulhas. o caminho est� livre. o c�o, a espumar pela boca, dava saltos fabulosos. parecia voar de rocha em rocha, insens�vel ao s�lex afiado. suti obrigou pantera a deitar-se na areia e a preparar-lhe o arco. j� ao alcance das flechas, o c�o imobilizou-se. o homem e a besta desafiaram-se. consciente de n�o poder falhar o alvo, suti esperava o ataque, embora lhe desagradasse matar um c�o. de repente, o animal soltou um uivo desesperado e aninhou-se como uma esfinge. suti pousou o arco e aproximouse. o c�o, submisso, deixou que ele lhe fizesse festas. nos seus olhos pairavam desgosto e ang�stia. livre de um dono cruel, seria aceite por este?
vamos. a cauda agitou-se, alegremente. suti tinha um novo aliado. qadash, embriagado, entrou cambaleante na locanda da cerveja. o processo no qual se veria for�osamente envolvido deixava-o como louco. #309 apesar da seguran�a de denes e da conspira��o bem engendrada, o dentista estava cada vez mais ansioso. sentia-se incapaz de resistir ao juiz paser e temia, devido � sua incrimina��o, perder para sempre o lugar de m�dico-chefe. experimentava tamb�m uma necessidade irreprim�vel de se divertir; n�o encontrando no vinho al�vio suficiente, contava poder libertar tens�es no rega�o de uma prostituta. sababu retomara a direc��o do maior estabelecimento de m�nfis, dando continuidade � sua boa reputa��o. l�, as raparigas diziam poemas, dan�avam e tocavam antes de oferecerem a sua ci�ncia er�tica a uma clientela elegante e abastada. qadash empurrou o porteiro, afastou do seu caminho uma tocadora de flauta e agarrou-se a uma criadita n�bia muito novinha, que levava uma bandeja cheia de past�is, at�rando-a bruscamente para cima de umas almofadas coloridas e tentando viol�-la. os gritos da rapariguinha alertaram sababu, que, com um soco vigoroso, afastou o dentista. eu quero t�-la para mim. a garota � apenas uma criada. mas eu quero-a na mesma! sai imediatamente da minha casa! a rapariguinha refugiou-se nos bra�os de sababu. pagarei o que for necess�rio. guarda o teu dinheiro e p�e-te l� fora! ela ser� minha, juro-te que a terei! qadash n�o se afastou da locanda. escondido no escuro, esperou a sa�da das servas. pouco depois do nascer do sol, a n�bia e as outras criaditas foram para casa. qadash seguiu a sua presa. assim que se apanhou numa viela deserta, aproximou-se pelas costas, agarrou-a pela cintura e tapou-lhe a boca com a m�o. a rapariguinha debateu-se, mas o dentista estava t�o desvairado que ela n�o p�de resistir-lhe. ele rasgou-lhe o vestido, atirou-se para cima dela e violou-a. caros colegas come�ou o decano dos m�dicos n�o podemos adiar por mais tempo a nomea��o do m�dico-chefe do reino. #310 uma vez que mais nenhum candidato se apresentou, resta-nos escolher entre n�f�ret
e qadash. enquanto a decis�o n�o for tomada, continuaremos as delibera��es. esta linha de conduta recebeu a aprova��o geral. foi a vez de cada participante intervir, umas vezes com calma, outras com veem�ncia. os apoiantes de qadash mostravam-se mordazes em rela��o a n�f�ret. n�o estaria ela a aproveitar-se da posi��o do marido para culpar o dentista e afast�-lo do seu caminho? caluniar um m�dico t�o reputado e manchar o seu bom nome eram m�todos escandalosos que desqualificavam a jovem m�dica. um cirurgi�o j� reformado acrescentou que rams�s, o grande, sofria dos dentes cada vez com mais frequ�ncia e gostaria certamente de ter a seu lado um t�cnico experimentado. n�o seria mais importante pensar-se primeiro na pessoa do fara�, de quem dependia a prosperidade do pa�s? ningu�m contestou este argumento. ap�s quatro horas de violenta discuss�o, passou-se � vota��o. qadash ser� o pr�ximo m�dico-chefe do reino anunciou o decano. duas vespas voltearam em torno de suti e atacaram o c�o, entretido a roer um naco de carne seca. o jovem observou com aten��o as suas idas e vindas e descobriu onde estava o ninho enterrado na terra. a sorte voltou. despe-te. pantera apreciou o convite. nua, enroscou-se contra suti. faremos amor mais tarde. ent�o porque � que... cada bocadinho do meu corpo tem de ficar tapado. vou desenterrar uma parte do vespeiro e met�-lo dentro do odre. se fores picado, morrer�s! estas vespas s�o terr�veis. fa�o ten��es de viver ainda muitos anos. para dormires com outras mulheres? tapa-me a cabe�a. depois de ter localizado o ninho, suti come�ou a cavar. pantera #311 guiava os seus gestos. o ferr�o das vespas n�o conseguiu penetrar no tecido, apesar das suas investidas furiosas. suti enfiou no odre uma boa parte do enxame, que zumbia furiosamente. que pensas fazer? segredo militar. p�ra de fazeres pouco de mim.
tem confian�a. ela pousou a m�o sobre o seu peito. asher n�o pode escapar. n�o te preocupes. o deserto n�o tem segredos para mim. se lhe perdemos o rasto... ela ajoelhou-se e acariciou-lhe a parte de cima das coxas com uma lentid�o t�o diab�lica que suti n�o foi capaz de resistir e, entre um ninho de vespas enfurecidas e um molosso adormecido, os dois jovens desfrutaram da sua juventude com insaci�vel paix�o. n�f�ret estava transtornada. desde a sua hospitaliza��o, a jovem n�bia n�o parava, de chorar. ferida no corpo tanto quanto na alma, agarrava-se ao bra�o da m�dica como uma n�ufraga. o selvagem que a violara, fazendo-a perder a sua virgindade, pusera-se em fuga; por�m, v�rias pessoas tinham fornecido uma descri��o bastante precisa. no entanto, s� o testemunho directo da v�tima podia constituir uma acusa��o formal. n�f�ret tratava com cuidado a vagina martirizada e administrava calmantes � rapariguinha. os espasmos nervosos abrandaram, e ela aceitara de beber. desejas falar agora? o olhar perdido da linda negra fixou-se na sua protectora. vou ficar curada? tens a minha garantia. sinto abutres na cabe�a, e a dilacerarem-me o ventre... n�o quero ter uma crian�a deste monstro! e n�o vais ter. e se eu estiver gr�vida? #312 eu pr�pria farei o aborto. a n�bia banhou-se novamente em l�grimas. ele era velho... revelou ela, entre dois solu�os e cheirava a vinho. quando me agrediu, na taberna, reparei que tinha as m�os vermelhas, as ma��s do rosto salientes e o nariz adunco e raiado de veiazinhas violeta. um dem�nio, um verdadeiro dem�nio de cabelos brancos! sabes o seu nome?
a minha patroa sabe. era a primeira vez que n�f�ret se aventurava naquele lugar de prazer, onde a decora��o e os perfumes incitavam ao abandono dos sentidos. e, para provocar ainda mais esse abandono, sababu tinha desenvolvido um sentido est�tico talvez excessivo, mas eficaz. as cortes�s deviam poder seduzir sem dificuldade os visitantes com problemas amorosos. a propriet�ria n�o fez esperar a m�dica que j� a tinha tratado em tebas. � um prazer receber-te. n�o temes pela tua reputa��o? �-me absolutamente indiferente. curaste-me, n�f�ret. desde que sigo o teu tratamento � risca, os meus ataques de reumatismo quase desapareceram. mas pareces-me tensa e preocupada... � o local que te incomoda? uma das tuas criadas foi violada da maneira mais vil. pensei que esse crime j� n�o existia no egipto. uma rapariguinha n�bia que eu tratei no hospital. o corpo vai restabelecer-se, mas ela talvez nunca mais o consiga esquecer. ela deu-me uma descri��o do agressor, e disse-me que tu sabes o seu nome. se te revelar o nome, serei obrigada a comparecer no tribunal? certamente que sim. a discri��o � a minha �nica religi�o. como queiras, sababu. a m�dica voltou-se, prestes a sair. tenta entender, n�f�ret! se eu aparecer publicamente, constatar�o que estou em situa��o ilegal. #313 a �nica coisa que me importa � a garota. sababu mordeu os l�bios. o teu marido poder� ajudar-me a guardar esta casa? como posso prometer-te uma coisa dessas? o criminoso chama-se qadash. atirou-se � garota aqui mesmo. estava completamente b�bado e fora de si. melanc�lico e carrancudo, paser n�o parava de andar de um lado para o outro. n�o sei como te hei-de dar a m� not�cia, n�f�ret. � assim t�o grave?
uma injusti�a, uma monstruosidade! �
precisamente de um monstro que venho falar contigo. deves prend�-lo sem demora.
ele aproximou-se e segurou na cara dela entre as suas m�os. estiveste a chorar. o caso � muito s�rio, paser. j� conduzi a investiga��o; agora, compete-te a ti tirar as conclus�es. qadash foi eleito m�dico-chefe do reino. o acto oficial acaba de me ser comunicado. qadash � um assassino da pior esp�cie: violou uma rapariguinha virgem. #cap�TUlo 33 efraim e asher descansaram durante algum tempo antes de passarem a fronteira sul, tendo contornado elefantina. escolheram uma gruta para passarem uma noite tranquila depois de terem arranjado um abrigo para o carro. o general, conhecedor da localiza��o das guarni��es, n�o teria dificuldade em escapar �s malhas da vigil�ncia e ir desfrutar da sua imensa fortuna para a l�bia, para casa do seu amigo adafi. a�, treinaria os bedu�nos que semeavam a inseguran�a no egipto. se o futuro se anunciasse sorridente, porque n�o considerar at� a invas�o do delta e a usurpa��o das melhores terras do noroeste? asher s� vivia para poder voltar � sua terra natal. obrigando-o a fugir, o juiz paser tinha criado um inimigo cuja ast�cia e obstina��o seriam mais destrutivas que um ex�rcito completo. o general adormeceu, enquanto o seu c�mplice montava guarda. segurando o odre com a m�o direita, suti rastejava sobre a vertente que dominava a entrada da gruta. com o peito arranhado, avan�ava com dificuldade e com muito cuidado, para n�o desprender algum calhau que assinalasse a sua presen�a. pantera seguia os seus movimentos com ansiedade. seria ele suficientemente r�pido para tirar o ninho do odre sem ser picado, e suficientemente h�bil para o atirar para dentro da caverna? n�o teria uma segunda oportunidade. #316 chegado � extremidade da inclina��o, suti concentrou-se. de barriga para baixo, susteve a respira��o e p�s-se � escuta. nem o mais pequeno ru�do. no c�u, um falc�o voava em c�rculos. suti tirou a tampa do odre e, agitando o bra�o como um balanc�, largou o ninho em direc��o ao covil dos seus inimigos. um zumbido infernal quebrou a paz do deserto. efra�m saiu da gruta. o barbudo estava rodeado de vespas furiosas. tr�pego, a cambalear, tentava em v�o afast�las. v�tima de centenas de picadas, batia em si pr�prio, levando as m�os � garganta e acabando por morrer asfixiado. asher tinha tido o reflexo de se enfiar debaixo do carro e n�o se mexer. assim que as vespas desapareceram, saiu da gruta, de espada em punho.
frente a ele, estavam suti, pantera e o molosso. tr�s contra um... a coragem n�o � muita! como ousa um cobarde falar de valentia? eu tenho muito ouro. a ti e � tua amante, n�o vos interessa a riqueza? vou matar-te, asher, e vou apropriar-me dela. est�s a sonhar. o teu c�o perdeu a agressividade e tu est�s desarmado. mais um erro, general. pantera apanhou o arco e as flechas e estendeu-as a suti. asher recuou e o seu rosto de torcion�rio contraiu-se. se me matares, perder-te-�s no deserto. pantera � uma excelente guia. eu mesmo j� me habituei ao ambiente. sobreviveremos, tenho a certeza. um ser humano n�o tem o direito de ter nas suas m�os um outro ser humano, esta � a nossa lei. tu n�o ousar�s matar-me. e quem � que ainda pensa em ti como um ser humano? a vingan�a avilta o esp�rito. ao seres culpado de assass�nio, ser�s condenado pelos deuses. n�o acreditas nisso mais do que eu. mas, se eles existem, ficar-me-�o reconhecidos por ter eliminado a mais venenosa das v�boras o carregamento do carro � somente uma parte do meu tesouro. vem comigo e ser�s mais rico do que um nobre tebano. para onde? #317 para casa de adafi, na l�bia. ele vai empalar-me. apresentar-te-ei como o meu mais fiel amigo. pantera mantinha-se por detr�s de suti. ele ouviu-a aproximar-se. a l�bia, o pa�s dela! a proposta do general asher n�o a seduziria? levar suti para sua casa, t�-lo s� para ela, viver na abund�ncia... como resistir a tantas tenta��es? no entanto, suti n�o se voltou. os traidores preferiam atacar pelas costas. pantera deu uma flecha a suti. est�s a proceder mal insistiu asher, com voz sibilante. nascemos para nos entendermos. �s um aventureiro, como eu; o egipto asfixia-nos. precisamos de horizontes
mais vastos. vi-te torturar um eg�pcio, um homem indefeso que morria de medo, sem demonstrares a m�nima piedade. eu precisava da sua confiss�o. ele amea�ava denunciar-me. tu terias feito o mesmo. suti esticou o arco e disparou. a flecha cravou-se entre os dois olhos. pantera pendurou-se ao pesco�o do amante. amo-te e estamos ricos! kem tinha dado voz de pris�o a qadash em casa dele, � hora do almo�o. leu-lhe o libelo acusat�rio e amarrou-lhe as m�os. o dentista, de cabe�a baixa e olhar vago, protestou sem grande convic��o e foi conduzido de imediato � presen�a do juiz paser. reconheces a tua perversidade? claro que n�o! as testemunhas identificaram-te. entrei na locanda da senhora sababu, empurrei as raparigas que n�o me agradavam e sa� logo a seguir. nenhuma delas me agradou. o depoimento de sababu � bastante diferente. o que foi que disse essa prostituta velha? que violaste uma rapariguinha n�bia que trabalha como criada na locanda. #318 isso � uma cal�nia! que essa mentirosa ouse afirm�-lo � minha frente. os juizes decidir�o. certamente n�o est�s a pensar que... o teu caso ser� julgado amanh�. quero ir para minha casa. recuso-te a liberdade provis�ria. poder�s atacar outra crian�a. kem zelar� pela tua seguran�a no posto da pol�cia. a minha... seguran�a? o bairro inteiro quer linchar-te. qadash agarrou-se ao juiz. tens o dever de me proteger! isso, infelizmente, � verdade. a senhora n�nofar dirigiu-se � tecelagem com a clara inten��o de obter, como era
h�bito, os melhores tecidos para fazer as suas rivais roerem-se de raiva. quantas horas exaltantes passadas em conjecturas, a confeccionar ela mesma vestidos sumptuosos que usava com uma eleg�ncia incompar�vel! com os seus olhos vivos e os seus ares superiores, tapeni irritava-a; mas ela conhecia o seu of�cio como ningu�m e arranjava-lhe tecidos sem defeito. gra�as a ela, n�nofar ditava a moda. mas tapeni ostentava um sorriso enigm�tico. preciso de linho de primeira qualidade exigiu n�nofar. isso vai ser dif�cil. como assim? para dizer a verdade, imposs�vel. que bicho te mordeu, tapeni? tu �s muito rica, eu n�o. acaso n�o te pago sempre o que me pedes? mas, agora, exijo o pagamento adiantado. um aumento de pre�os a meio do ano... n�o � l� muito correcto, mas aceito. mas n�o � um tecido que desejo vender-te. #319 ent�o o que �? o teu marido � um homem conhecido, muito conhecido. o denes? deve, por isso, ter uma conduta irrepreens�vel. o que queres tu dizer com isso? a alta sociedade � implac�vel. se um dos seus membros � reconhecido culpado de imoralidade, perde rapidamente a influ�ncia que tem e at� mesmo a fortuna. explica-te! n�o te enerves, n�nofar; se fores razo�vel e generosa, a tua posi��o n�o ser� amea�ada. basta-te comprar o meu sil�ncio. o que sabes tu de t�o comprometedor? denes n�o � um marido fiel. a senhora n�nofar julgou que o tecto da oficina lhe ca�ra sobre a cabe�a. se tapeni possu�a a mais pequena prova do que dissera, se espalhasse essa informa��o pela
nobreza tebana, a mulher do transportador cairia no rid�culo e n�o mais ousaria aparecer na corte ou nas recep��es. tu... exageras! n�o te arrisques, eu sei tudo. n�nofar n�o hesitou. a honorabilidade era o seu bem mais precioso. o que queres em troca do teu sil�ncio? os rendimentos de uma das tuas propriedades agr�colas e, logo que poss�vel, uma bela casa em m�nfis. isso � exorbitante! j� te imaginaste... ridicularizada, e o nome da amante de denes a passar de boca em boca? em p�nico, a senhora n�nofar fechou os olhos. tapeni experimentava um regozijo selvagem. o ter partilhado uma �nica vez a cama de denes, amante med�ocre e desprez�vel, abria-lhe o caminho da fortuna. amanh�, seria uma grande dama. qadash vociferava. exigia a sua liberta��o imediata, certo de que denes tinha j� removido do seu caminho todos os obst�culos. descontrolado, o dentista evocava as suas novas fun��es para sair da pris�o. #320 acalma-te ordenou kem. respeito, meu amigo! sabes com quem est�s a falar? com um violador. � in�til utilizares grandes palavras. � a verdade... a simples e horr�vel verdade, qadash. se n�o me libertares, ter�s graves aborrecimentos. vou abrir-te a porta. finalmente... n�o �s completamente est�pido, kem. saberei mostrar-me agradecido. no momento em que o dentista respirava o ar da rua, o n�bio agarrou-o com for�a pelos ombros. boas not�cias, qadash: o juiz paser reuniu os jurados mais cedo do que o previsto. vou levar-te ao tribunal. assim que qadash se apercebeu da presen�a de denes entre os jurados, sup�s que estivesse salvo. reinava uma atmosfera grave e tensa sob o p�rtico, em frente ao templo de ptah, onde paser tinha reunido o tribunal. uma multid�o numerosa, atra�da pelos rumores, tinha vindo assistir ao processo. a pol�cia mantinha o povo no exterior da constru��o de madeira, formada por um telhado e pequenas colunas; sob o p�rtico, estavam as testemunhas e os jurados, seis homens e seis mulheres de
idades e estratos sociais diferentes. paser, vestido com uma tanga � moda antiga e usando uma peruca curta, parecia altamente emocionado. depois de ter colocado os debates sob a protec��o da deusa ma�t, leu o libelo acusat�rio. o dentista qadash, m�dico-chefe do reino, residente em m�nfis, � acusado de ter violado ontem de manh�, ao nascer do sol, uma rapariguinha que trabalha como criada em casa de sababu. a v�tima, presentemente hospitalizada, n�o deseja comparecer e ser� representada pela doutora n�f�ret. qadash ficou aliviado. n�o podia esperar melhor. ele enfrentava os seus juizes, a empregada da cortes� evitava-os! para al�m de denes, o dentista conhecia tr�s outros jurados, personalidades influentes que #321 pendiam a seu favor. sairia n�o apenas ilibado do tribunal, como ainda processaria sababu e obteria uma indemniza��o. admites os factos? perguntou paser. n�o os aceito. que a senhora sababu venha testemunhar. os olhares viraram-se na direc��o da c�lebre patroa da locanda mais reputada do egipto. uns pensavam que tinha morrido, outros que estava na pris�o. exagerara um pouco na pintura, mas, altiva e magn�fica, avan�ou com seguran�a. lembro-te que os falsos testemunhos s�o pass�veis de pesada pena. o dentista qadash estava embriagado. for�ou a entrada na minha casa e precipitouse para a mais nova das minhas criaditas n�bias, cuja �nica fun��o � oferecer aos clientes past�is e bebidas. se eu n�o tivesse intervido para o p�r na rua, ele teria violado a garota. tens a certeza do que afirmas? um sexo em erec��o parece-te prova suficiente? um murm�rio percorreu a assist�ncia. a crueza da linguagem chocou o j�ri. qadash pediu a palavra. esta pessoa est� em situa��o irregular. cada dia que passa, mais ela enlameia a reputa��o de m�nfis. porque � que a pol�cia e a justi�a n�o se ocupam desta prostituta? n�o estamos a tratar do processo de sababu, mas do teu. al�m disso, a sua baixa moral n�o te impediu de ires a casa dela e agredires uma rapariguinha. num momento de desvario... quem nunca os teve? a tua serva n�bia foi violada dentro do teu estabelecimento? perguntou paser a sababu.
n�o. o que se passou depois da agress�o? acalmei a garota, ela retomou o trabalho e saiu de madrugada para regressar a casa. depois de sababu, foi a vez de n�f�ret, que descreveu o estado f�sico da rapariguinha depois do drama. n�o poupou nenhum detalhe � assembleia, horrorizada com tanta selvajaria. #322 qadash interveio de novo. n�o ponho em d�vida as constata��es da minha insigne colega, e lamento a infelicidade da rapariguinha, mas em que � que isso me diz respeito? devo lembrar que a �nica puni��o aplic�vel a um caso de viola��o � a pena de morte declarou paser com gravidade. pergunto agora � doutora n�f�ret se tem a prova formal de que qadash � culpado? a descri��o dada pela v�tima corresponde ao acusado. lembro mais uma vez interveio qadash que a doutora n�f�ret tentou obter o lugar de m�dico-chefe. tendo sido mal sucedida, � natural que se sinta despeitada. seja como for, n�o � a ela que compete conduzir o inqu�rito. pergunto ao juiz paser se registou ele mesmo as declara��es da rapariguinha? a argumenta��o de qadash produziu efeito. o de�o do p�rtico chamou ent�o os habitantes da zona ribeirinha que tinham visto o dentista a fugir depois de praticar o crime. todos o reconheceram. eu estava b�bado protestou qadash. deixei-me sem d�vida adormecer nesse local. ser� isso o suficiente para me acusarem de um crime t�o hediondo, ao qual, se eu pr�prio fosse jurado, aplicaria a lei sem hesitar? a defesa de qadash causou uma excelente impress�o. a rapariguinha tinha sido violada, o dentista encontrava-se nas redondezas, tinha tentado agredi-la anteriormente: todos os ind�cios convergiam para o designar como violador, mas o juiz paser, em plena observ�ncia da regra de ma�t, n�o podia ir al�m de uma forte suspeita. por outro lado, a sua liga��o a n�f�ret enfraquecia um testemunho important�ssimo, sobre o qual qadash conseguira lan�ar suspeitas. o de�o do p�rtico, no entanto, pediu uma vez mais a n�f�ret para falar em nome da queixosa, antes de comunicar publicamente as suas conclus�es e presidir �s delibera��es dos jurados. uma m�o tr�mula agarrou a de n�f�ret. acompanha-me suplicou a n�bia, que estava sentada perto da m�dica. eu falo, mas n�o quero estar sozinha.
hesitante, trope�ando nas palavras, a rapariguinha evocou as viol�ncias sofridas, a dor atroz, o desespero. #323 quando o seu depoimento terminou, um pesado sil�ncio envolveu todo o p�rtico. de garganta seca, o juiz colocou-lhe a pergunta decisiva. reconheces o homem que te violou? a rapar�guinha apontou para qadash. foi ele. o j�ri levou muito pouco tempo a deliberar. os jurados aplicaram a antiga lei, t�o dissuasora que nenhuma viola��o havia sido cometida no egipto desde h� muitos anos. dada a sua eminente posi��o de terapeuta e m�dico-chefe, qadash n�o teve direito a beneficiar de quaisquer atenuantes, tendo sido condenado � morte por unanimidade. #cap�Tulo 34 desejo apelar da senten�a declarou qadash. j� encetei as dilig�ncias respondeu paser. depois do p�rtico, s� o tribunal do vizir. ele anular� esta decis�o in�qua! n�o tenhas ilus�es. bagey ratificar� a senten�a, se a tua v�tima confirmar as acusa��es registadas e autenticadas. ela n�o ousar� faz�-lo! desengana-te. o dentista n�o pareceu abatido. est�s mesmo convencido de que vou ser punido? pobre juiz! vais ter uma grande surpresa. e qadash partiu com um sorriso sinistro. irritado, paser saiu do calabou�o. naquele fim de setembro, segundo m�s de uma inunda��o med�ocre, o egipto vivia com fervor a festa da misteriosa deusa opet, s�mbolo da abund�ncia e da generosidade. durante vinte dias, enquanto o nilo recuava, deixando atr�s de si um lodo fertilizante, a popula��o invadiria as suas margens, onde os vendedores ambulantes tentavam os passantes com melancias, mel�es, uvas, rom�s, p�o, bolos, frangos assados e cerveja. as cozinhas ao ar livre serviam refei��es copiosas e baratas, enquanto as bailarinas e as tocadoras profissionais deleitavam os olhos #326 e os ouvidos. todos sabiam que os templos celebravam o renascimento da energia criadora, esgotada ao fim de um longo ano em que as divindades tinham fecundado a terra. para que elas n�o se afastassem do mundo dos homens, era preciso oferecerlhes a alegria e a gratid�o de todo um povo, onde ningu�m morria de fome ou de sede.
o nilo guardaria assim a sua pujan�a original, extra�da do oceano de energia onde o universo se banhava. como ponto alto das festividades, kani, sumo-sacerdote de �mon, abriu o n�os habitado pela est�tua do deus cuja verdadeira forma era para sempre inacess�vel. coberta por um v�u, a est�tua foi deposta numa barca de madeira dourada carregada por vinte e quatro sacerdotes de cabe�as rapadas e longas t�nicas de linho. �mon saiu do seu templo em companhia da esposa, a deusa mut, m�e divina, e do seu filho khonsu, aquele que atravessava os espa�os celestes sob a forma da lua, e organizaram-se duas prociss�es em direc��o ao templo de luxor, uma pelo rio e outra por terra. dezenas de embarca��es escoltaram a grande barca da divina trindade, recamada de ouro, enquanto tocadores de tamborim, sistro e flauta saudavam a passagem da prociss�o em direc��o ao santu�rio do sul. paser, de�o do p�rtico de m�nfis, tinha sido convidado para a cerim�nia que se desenrolava no grande �trio do templo de luxor. l� dentro, alegria colectiva, sil�ncio e recolhimento por detr�s dos altos muros do santu�rio. kani ofereceu flores � divina trindade e fez liba��es em sua honra. depois, os cortes�os abriram alas para dar passagem ao fara� do egipto, curvando-se respeitosamente. a nobreza inata e a gravidade do monarca impressionaram paser; de estatura m�dia, grande robustez, nariz adunco, testa larga e cabelos ruivos dissimulados sob uma coroa azul, n�o olhou para ningu�m, sempre de olhos postos na est�tua de �mon, imagem do mist�rio da cria��o, de que ele era deposit�rio. kani leu um texto cantando as m�ltiplas formas do deus, que tanto podia encarnar o vento como a pedra ou o carneiro de cornos espiralados, sem se reduzir a uma ou outra dessas apar�ncias. em seguida, o sumo-sacerdote apagou-se perante o soberano que, sozinho, franqueou o limiar do templo coberto. #327 quinze mil p�es, dois mil bolos, cem cabazes de carne seca, duzentos de legumes frescos, setenta jarros de vinho, quinhentos de cerveja e grande variedade de frutos, tal era a ementa do banquete oferecido pelo fara� para celebrar o final da festa de opet. mais de uma centena de arranjos florais decoravam as mesas, � volta das quais os convivas gabavam os m�ritos da governa��o de rams�s e da paz eg�pcia. paser e n�f�ret receberam as mais calorosas felicita��es dos cortes�os, o juiz, pela coragem demonstrada durante o processo de qadash, e n�f�ret pela sua recente nomea��o para m�dica-chefe do reino por voto un�nime do conselho dos m�dicos, ap�s a destitui��o do criminoso. era �bvia a vontade de esquecer a fuga do general asher, que continuava a ser procurado, e o assassinato de branir, ainda por explicar, tal como o misterioso desaparecimento dos veteranos da guarda de honra da esfinge. o juiz manteve-se insens�vel a tais demonstra��es de amizade, e n�f�ret, cuja beleza e simpatia encantavam os mais cr�ticos, tamb�m n�o lhes deu import�ncia; n�o podia esquecer o rosto tresloucado de uma rapariguinha cujas feridas jamais sarariam. kem, o chefe da pol�cia, garantia a seguran�a da recep��o. acompanhado do seu
babu�no, observava cada uma das personalidades que se aproximavam do juiz, pronto a intervir brutalmente, caso ele ou matador pressentissem o m�nimo perigo. n�o h� d�vida de que s�o o casal do ano disse denes. fazer condenar um not�vel, como qadash, � uma verdadeira proeza que honra a nossa justi�a; e ver � cabe�a do nosso corpo cl�nico uma mulher t�o not�vel como n�f�ret s� prova a sua excel�ncia. n�o exageres nos cumprimentos. s�o os dois altamente dotados, tanto um como o outro, para triunfarem em duras provas. n�o vi a senhora n�nofar disse n�f�ret, admirada. est� doente. permite-me que lhe deseje ent�o um r�pido restabelecimento. n�nofar ficar� sensibilizada com a aten��o. poderei privar-te por alguns instantes do teu marido? denes levou paser para um pavilh�o onde serviam cerveja e uvas. #328 o meu amigo qadash � um homem de valor. ser nomeado m�dico-chefe deu-lhe volta � cabe�a; embriagou-se e teve um comportamento deplor�vel. nem um s� jurado pediu indulg�ncia; tu mesmo ficaste calado e votaste a favor da pena de morte. a lei � expl�cita, mas tamb�m leva em conta o remorso. qadash n�o sabe o que isso �. n�o v�s que est� desesperado? pelo contr�rio, entrega-se a fanfarronices e amea�as. perdeu completamente a cabe�a. est� � convencido de poder escapar � pena m�xima. j� foi fixada a data da execu��o? o tribunal do vizir rejeitou o apelo e confirmou a senten�a dentro de tr�s dias, o chefe da pol�cia enviar� o veneno ao condenado. n�o utilizaste h� pouco o termo �amea�as�? vendo-se obrigado ao suic�dio, qadash n�o mergulhar� sozinho na aniquila��o total. prometeu-me uma confiss�o antes de tomar a beberagem fatal. pobre qadash! subir t�o alto e depois descer t�o baixo... como � poss�vel n�o experimentar tristeza e arrependimento perante t�o grande queda? ameniza os seus �ltimos momentos, pe�o-to! kem n�o � nenhum carrasco. qadash est� a ser tratado com correc��o.
s� um milagre poder� salv�-lo. quem perdoaria um crime de tal monta? at� breve, juiz paser. o conselho dos m�dicos recebeu n�f�ret. os seus advers�rios colocaram-lhe mil quest�es de natureza t�cnica, nos mais variados dom�nios, e, em vista da reduzida percentagem de erros, a sua elei��o foi confirmada. depois do falecimento de n�bamon, uma grande quantidade de processos relativos � sa�de p�blica estavam parados. n�o obstante, n�f�ret pediu um per�odo de transi��o, durante o qual prepararia o seu sucessor #329 no hospital. as novas fun��es pareciam-lhe t�o esmagadoras que lhe apetecia fugir, refugiar-se num posto m�dico da prov�ncia, ficar junto dos doentes, para saborear cada minuto da sua recupera��o. n�o se sentia preparada para dirigir um are�pago de cl�nicos experimentados e cortes�os influentes, e um ex�rcito de escribas que velavam pelo fabrico e distribui��o dos medicamentos, nem para tomar decis�es relativas ao bem-estar e higiene da popula��o. outrora, tinha a seu cargo uma aldeia; agora, um reino t�o poderoso que suscitava a admira��o tanto de aliados como de inimigos. n�f�ret sonhava partir com paser para o alto egipto e refugiar-se a� numa casinha entre campos cultivados, frente ao monte tebano, saboreando a s�bia sucess�o das madrugadas e dos ocasos. bem gostaria de poder confiar os seus anseios a paser, mas ele chegou transtornado do escrit�rio. l� este decreto disse ele, pondo-lhe nas m�os um papiro de qualidade superior autenticado com o selo do fara�. L� em voz alta, por favor. eu, rams�s, desejo que c�u e terra se regozijem. que aqueles que se escondiam apare�am, que ningu�m sofra pelos erros do passado, que os prisioneiros sejam libertados, que os condenados por dist�rbios sejam apaziguados, que se cante e dance pelas ruas. uma amnistia? amnistia geral. n�o � uma medida excepcional? n�o conhe�o outro exemplo. porque ter� o fara� tomado tal decis�o? ignoro-o. isto implica a liberta��o de qadash? uma amnistia geral repetiu paser, chocado. o crime de qadash fica impune, o general asher deixa de ser procurado, os assassinatos s�o esquecidos, o processo
contra denes � arquivado. n�o estar�s a ser demasiado pessimista? � o fracasso, n�f�ret. o fracasso total e definitivo. n�o vais apelar para o vizir? kem abriu a porta da pris�o. qadash n�o se mostrava ansioso. vens libertar-me? #330 como sabes? era inevit�vel. um homem de bem acaba sempre por triunfar. beneficiaste de uma amnistia geral. qadash recuou. a c�lera animou o olhar do n�bio. n�o toques em mim, kem! olha que tu n�o beneficiarias de indulg�ncia alguma. quando compareceres perante os�ris, ele fechar-te-� a boca e os g�nios armados de facas dilacerar-te-�o as carnes para toda a eternidade. guarda para ti esses contos infantis! trataste-me com desd�m e os teus insultos desagradam-me. que pena... deixaste escapar a tua oportunidade, tal como o teu amigo paser. aproveita bem a posi��o que tens, pois n�o ser�s chefe da pol�cia por muito tempo. com as pernas e os p�s muito inchados e as costas curvadas, o vizir bagey chegou atrasado. devido ao seu estado de fadiga, tinha concordado ser transportado para o escrit�rio de liteira. como todas as manh�s, esperava-o um elevado n�mero de altos funcion�rios que desejavam falar com ele, expor-lhe as dificuldades que tinham de vencer, pedir-lhe opini�o. embora paser n�o tivesse audi�ncia marcada, bagey recebeu-o em primeiro lugar. o juiz n�o conteve a c�lera. esta amnistia � inaceit�vel. cuidado com as palavras, de�o do p�rtico. o decreto foi emanado pelo fara� em pessoa. n�o posso acreditar. no entanto, � verdade. viste o rei? ele mesmo me ditou o texto. e n�o reagiste? manifestei-lhe a minha perplexidade e a minha incompreens�o.
e n�o conseguiste demov�-lo? rams�s n�o aceitou discutir o caso. #331 � imposs�vel que um monstro como qadash escape ao castigo! a amnistia � geral, juiz paser. recuso-me a aplic�-la. tens de obedecer, tal como eu. como posso eu aprovar tamanha injusti�a? eu sou velho, tu �s novo. a minha carreira est� a chegar ao fim, a tua a come�ar. seja qual for a minha opini�o, sou obrigado a calar-me. e tu, n�o cometas nenhuma loucura. a minha decis�o est� tomada. as consequ�ncias n�o me atemorizam. qadash j� foi libertado, e o processo anulado. e asher, ser� reconduzido no seu antigo posto? as suas faltas est�o perdoadas. se conseguir explicar-se, conservar� o t�tulo. s� o assassino de branir escapa ao perd�o, pois ainda n�o foi identificado! estou t�o magoado como tu, mas rams�s n�o agiu certamente de �nimo leve. quero l� saber dos seus motivos. quem se revolta contra o fara�, revolta-se contra a vida. tens raz�o, vizir bagey. � por isso que me sinto incapaz de desempenhar o meu cargo por mais tempo. receber�s hoje mesmo a minha demiss�o. a partir deste momento, deixa de me considerar como de�o do p�rtico. reflecte melhor, paser. no meu lugar, terias tomado outra atitude? bagey n�o respondeu. resta-me ainda pedir-te um favor. enquanto eu for vizir, a minha porta estar� sempre aberta para ti. um favor seria contr�rio � justi�a que tu e eu amamos com todas as nossas for�as. mas pe�o-te que mantenhas kem � frente da pol�cia. � essa a minha inten��o. que acontecer� a n�f�ret? #332 qadash vai invocar a prioridade da sua elei��o e abrir um processo para recuperar
o t�tulo de m�dico-chefe. nem precisa de se dar ao trabalho. n�f�ret n�o faz ten��o de se bater. sairemos os dois de m�nfis. os tempos v�o conturbados. paser imaginava denes a festejar a vit�ria com os amigos. o surpreendente decreto do fara� restitu�a-os � mais inesperada virgindade. bastava-lhes n�o darem mais passos em falso para continuarem a ser cidad�os respeit�veis e poderem fomentar livremente uma conspira��o cuja ess�ncia se mantinha misteriosa e, na opini�o de paser, eternamente inacess�vel. o general asher n�o tardaria a aparecer e seria sem d�vida capaz de justificar a sua aus�ncia. mas que papel teria suti desempenhado, e onde se encontraria ele, caso ainda estivesse vivo? arrasado, desanimado, o juiz foi subitamente sobrevoado por uma dezena de andorinhas. a este primeiro bando juntou-se um segundo, depois um terceiro e ainda muitos mais. mais de cem andorinhas acompanharam-no ao longo do caminho, descendo at� ele e soltando gritos de alegria. estariam a agradecer-lhe por ter salvo uma das suas companheiras? quem tal presenciou ficou chocado com este espect�culo ins�lito e todos recordaram o prov�rbio que diz: �quem tem os favores das andorinhas beneficia dos do rei�. r�pidas, graciosas, transbordantes de alegria, asas levemente azuladas, batendo docemente, acompanharam paser at� � porta de casa. n�f�ret estava sentada na borda do lago dos l�tus, onde brincavam melharucos. envergava apenas um curto vestido transparente que lhe deixava os seios � mostra. ao aproximar-se dela, paser foi envolvido por suaves aromas. acab�mos de receber produtos frescos explicou ela e estou a preparar unguentos e �leos perfumados para os pr�ximos meses. quando de manh� os quisesses e n�o os encontrasses, teria de enfrentar as tuas censuras. n�f�ret falava em tom divertido. paser beijou a mulher no pesco�o, tirou a tanga e sentou-se na relva. aos p�s de n�f�ret estavam diversos vasos de pedra, contendo ol�bano, uma resina castanha e transl�cida #333 proveniente das �rvores do incenso, mirra, aglomerada em pequenas am�lgamas vermelhas trazidas da regi�o de punt, a goma resinosa verde do g�lbano, importada da p�rsia, e a resina escura do l�dano, comprada na gr�cia e em creta. havia tamb�m frasquinhos com v�rias ess�ncias florais. juntando-lhes azeite, mel e vinho, a m�dica conseguiria obter misturas subtis. demiti-me, n�f�ret. pelo menos, n�o tenho mais nada a temer, pois j� n�o disponho de qualquer poder. qual � a opini�o do vizir? a �nica poss�vel: um decreto real n�o se discute. logo que qadash reclame o seu lugar de m�dico-chefe, deixaremos m�nfis. ele ter�
a lei do seu lado, n�o � assim? infelizmente, �. n�o fiques triste, meu amor. o nosso destino est� nas m�os de deus, e n�o nas nossas. � a sua vontade que se cumpre, e n�o a nossa. a nossa felicidade, podemos constru�-la n�s. sinto-me at� aliviada; viver ao teu lado, sob a protec��o de uma palmeira centen�ria, tratar dos pobres, termos tempo para nos amarmos, n�o ser� este o melhor dos destinos? mas como posso eu esquecer branir? e o suti... n�o paro de pensar nele. sinto o cora��o em brasa e apetece-me ser obstinado como um burro. sobretudo, n�o mudes nunca. agora, j� n�o posso oferecer-te, nem uma casa grande, nem belos vestidos. passo bem sem eles. t�o bem que at� vou j� despir este. n�f�ret fez deslizar as al�as sobre os ombros. nua, deitou-se sobre paser. os seus corpos harmonizaram-se com perfei��o e os seus l�bios uniram-se com tanta paix�o e arrebatamento que os seus corpos foram percorridos por um arrepio, apesar da brandura do colch�o. a pele acetinada de n�f�ret era um para�so onde s� o prazer tinha for�a de lei. paser perdeu-se nela, embriagado, comungando da vaga de prazer que os arrebatava. mais vinho! rosnou qadash. o servo apressou-se a obedecer. depois do seu regresso, o patr�o #334 entregava-se ao prazer com dois jovens s�rios. o dentista nunca mais tocaria numa rapariga. antes das suas desventuras, manifestava apenas um gosto moderado por esta variante; mas, de agora em diante, contentar-se-ia com belos rapazes estrangeiros que denunciaria � pol�cia quando deles se fartasse. � noite, iria � reuni�o dos conjurados organizada por denes. a carta an�nima que tinham enviado a rams�s produzira o efeito desejado. acossado, o rei tinha sido obrigado a ceder �s suas exig�ncias e a proclamar uma amnistia geral que abrangera, entre outros, o caso do transportador. o �nico aspecto negativo era o eventual regresso do general asher, que j� n�o lhes servia para nada. mas denes saberia como livrar-se dele. o devorador de sombras penetrou na propriedade de qadash, entrando pelos jardins. avan�ou sobre as cercaduras de pedra dos canteiros, para n�o deixar sinais da sua passagem na alameda de saibro, e esgueirou-se para a cozinha. acocorado debaixo da janela, escutou a conversa entre os dois servos. vou levar-lhes o terceiro jarro de vinho. n�o ser� melhor come�ar j� a preparar o quarto? acho que sim. o velho e os dois rapazes bebem mais do que um regimento morto de sede. � melhor ir, sen�o d�-lhe uma f�ria. o escans�o desrolhou uma garrafa proveniente da cidade de ima�, no delta, cujo r�tulo dizia: �ano quinto de rams�s�. um vinho tinto capitoso, que se prolongava
na boca e ati�ava os instintos. terminada a tarefa, o homem saiu da cozinha e foi aliviar-se virado para uma cerca. o devorador de sombras aproveitou a ocasi�o para cumprir a sua miss�o. deitou na garrafa um preparado letal � base de extractos vegetais e veneno de v�bora. qadash morreria asfixiado e com o corpo agitado por convuls�es, na companhia dos seus dois amantes estrangeiros, que seriam provavelmente acusados do crime. e quem iria querer aprofundar um caso s�rdido de costumes? #335 enquanto o dentista, ap�s uma dolorosa agonia de longos minutos, entregava a alma ao deus dos infernos, denes saboreava as car�cias de uma bela n�bia de n�degas opulentas e pesados seios. n�o voltaria a v�-la, mas teria usufru�do do seu corpo com a brutalidade costumeira. afinal, n�o eram as mulheres apenas animais criados para satisfa��o dos machos? o transportador ia sentir a falta do seu amigo qadash. a sua conduta para com ele sempre fora irrepreens�vel n�o o tinha ele guindado ao posto de m�dico-chefe, prometido desde o in�cio da conspira��o? mas, infelizmente, o dentista tinha envelhecido muito. � beira da senilidade, cometendo erros atr�s de erros, tornarase demasiado perigoso. ao amea�ar fazer revela��es ao juiz paser, assinara a sua pr�pria condena��o. sob proposta de denes, os conjurados tinham requisitado a interven��o do devorador de sombras. deploravam, � certo, a perda do cargo de m�dico-chefe; mas a demiss�o do juiz paser, rapidamente propagada, n�o podia ter chegado em melhor hora. ningu�m mais travaria os seus sucessos. aproximavam-se as �ltimas etapas: primeiro, assenhorearem-se do cargo de vizir e, depois, do poder supremo. #cap�TUlo 35 um vento muito forte fustigava a necr�pole de m�nfis, onde paser e n�f�ret caminhavam em direc��o � eterna morada de branir. antes de deixarem a grande cidade e partirem para o sul, queriam prestar homenagem ao mestre desaparecido em circunst�ncias abomin�veis e prometer-lhe que, apesar da escassez de meios ao seu dispor, tentariam identificar o assassino at� ao �ltimo sopro das suas vidas. n�f�ret trazia posto o cinto de contas de ametista que paser lhe tinha oferecido. friorento, o ex-de�o do p�rtico protegia-se com uma manta e uma capa de l�. no caminho, cruzaram-se com o sacerdote encarregado de cuidar do t�mulo e do canteiro que o rodeava; idoso, mas diligente, recebia o suficiente da edilidade de m�nfis para zelar pelo estado de conserva��o da sepultura e renovar as oferendas. � sombra de uma palmeira, a alma do defunto, sob a forma de uma ave, vinha dessedentar-se no lago de �gua fresca depois de ter extra�do da luz a energia da ressurrei��o. todos os dias passeava nas imedia��es da capela, para aspirar o perfume das flores. paser e n�f�ret partilharam o p�o e o vinho em mem�ria do seu mestre, presente ao
repasto cujo eco se repercutia no invis�vel. sejam um pouco mais pacientes recomendou bel-tran. ver-vos sair de m�nfis � uma desola��o. n�f�ret e eu aspiramos a uma vida simples e calma. #338 nem um nem outro fizeram tudo o que est� ao vosso alcance insistiu silkis. lutar contra o destino n�o � sen�o vaidade. para a sua �ltima noite em m�nfis, o juiz e a m�dica tinham aceitado o convite do director da dupla casa branca e da mulher. bel-tran, atormentado por uma crise de urtic�ria, tinha-se deixado convencer por n�f�ret a tratar de um f�gado em mau estado e a levar uma vida mais higi�nica. a ferida que tinha na perna rebentava cada vez com mais frequ�ncia. bebe mais �gua recomendou a m�dica e insiste com o teu futuro m�dico-assistente para te receitar drenadores. os teus rins est�o muito fr�geis. um dia, quem sabe, talvez eu tenha tempo de me ocupar de mim mesmo! o tesouro submerge-me em reivindica��es a que � preciso dar resposta imediata, sem perder de vista o interesse geral. o filho de bel-tran interrompeu-o. acusava a irm� de lhe ter roubado o pincel com que estava a aprender a desenhar belos hier�glifos, para vir a ser t�o rico como o pai. a ruivinha, furiosa por se ver acusada, com raz�o ou sem ela, tinha-lhe dado de imediato uma bofetada, desatando tamb�m a chorar logo em seguida. m�e zelosa, silkis levou as crian�as para fora da sala, tentando resolver o conflito. como v�s, paser, precisamos de um juiz! este inqu�rito seria muito dif�cil de conduzir. pareces-me desinteressado dos acontecimentos, quase resignado constatou bel-tran, admirado. s� na apar�ncia; sem n�f�ret, teria sucumbido ao desespero. esta amnistia veio destruir todas as minhas esperan�as de ver triunfar a justi�a. voltar a ter de enfrentar denes n�o me agrada nada. sem ti como de�o do p�rtico, temo futuros conflitos. tem confian�a no vizir bagey; ele n�o vai nomear um incapaz. diz-se que ele est� prestes a abandonar o cargo, para gozar uma reforma bem merecida. #339 a decis�o do rei abalou-o tanto quanto a mim, e a sua sa�de deixa muito a desejar. porque ter� Rams�s agido desta maneira? acredita sem d�vida nas virtudes da clem�ncia. com este acto, a sua popularidade n�o sai nada refor�ada comentou paser. o povo
teme que o seu poder m�gico enfraque�a e que ele perca pouco a pouco o contacto com o c�u. dar a liberdade aos criminosos n�o � uma ac��o digna de um rei. e, no entanto, o seu reinado � exemplar. compreendes a sua decis�o e aprova-la? o fara� v� mais longe do que n�s. era o que eu pensava antes desta amnistia. volta atr�s, paser; o estado precisa de ti, e da tua mulher tamb�m. receio ser t�o obstinada como o meu marido deplorou n�f�ret. que argumentos posso eu usar que te conven�am? reinstaura a justi�a. bel-tran encheu ele mesmo os copos com vinho fresco. depois da minha partida pediu paser serias capaz de continuar as investiga��es, no tocante a suti? kem estar� ao teu lado. intervirei junto das autoridades judici�rias. n�o seria melhor ficares em m�nfis a trabalhar comigo? a reputa��o de n�f�ret � t�o grande que o seu consult�rio n�o ficaria vazio. a minha capacidade financeira � muito limitada confessou paser e tu depressa me acharias um estorvo e um incompetente. que projectos tens ent�o? instalarmo-nos numa aldeia da margem ocidental de tebas. silkis, que tinha ido deitar as duas crian�as, voltara a tempo de ouvir a resposta de n�f�ret. renuncia a essa ideia, suplico-to! como podes abandonar os teus doentes? m�nfis est� cheia de excelentes m�dicos. mas tu �s a minha m�dica, e eu n�o quero mudar! entre n�s disse bel-tran com gravidade n�o h� raz�o para existir qualquer dificuldade de ordem material. sejam quais forem as vossas necessidades, silkis e eu estamos prontos a satisfaz�-las. #340 ficamos-vos eternamente gratos, mas eu j� n�o estou em posi��o de ocupar um cargo elevado na hierarquia. o meu ideal desfez-se; o meu �nico desejo � remeter-me ao sil�ncio. a terra e os animais n�o mentem; gra�as ao amor de n�f�ret, espero que as trevas me sejam menos pesadas. a solenidade destas palavras p�s fim � conversa. os dois casais elogiaram a beleza do jardim, a delicadeza dos canteiros floridos e a qualidade das iguarias, esquecendo o peso dos amanh�s.
como te sentes, minha querida? perguntou denes � mulher, reclinada sobre almofadas. muito bem. o que descobriu o m�dico? nada, pois n�o estou doente. n�o compreendo... conheces a f�bula do le�o e do rato? o felino tinha ca�ado o roedor e preparavase para o devorar. mas a v�tima pediu-lhe que o poupasse; assim t�o pequenino, como poderia ele saci�-lo? um dia, quem sabe, talvez ele o ajudasse a sair de uma situa��o dif�cil. e o le�o mostrou-se clemente. passadas algumas semanas, os ca�adores capturaram o grande felino e prenderam-no numa rede. ent�o, o rato roeu a rede, libertou o le�o e anichou-se na sua juba. qualquer crian�a conhece essa hist�ria. pois devias ter-te lembrado dela quando foste para a cama com a tapeni. o rosto quadrado do transportador contraiu-se. que bicho te mordeu? a senhora n�nofar levantou-se, altaneira, animada de uma c�lera contida. por ter sido tua amante, essa pega comporta-se como o rato da f�bula. s� que ela � tamb�m o ca�ador! s� ela te pode libertar da rede onde te enleou. � isso mesmo, chantagem! eis do que estamos a ser v�timas, por causa da tua infidelidade! est�s a exagerar. #341 n�o estou, n�o, meu querido marido. a respeitabilidade � um bem muito caro; e a tua amante tem uma l�ngua t�o comprida que facilmente arruinar� a nossa reputa��o. eu fa�o-a calar. est�s a subestim�-la. � melhor dares-lhe o que ela pediu; sen�o, seremos metidos a rid�culo, um e outro. denes come�ou a caminhar nervosamente pela sala. pareces esquecer-te, meu querido, que o adult�rio � um delito grave, um verdadeiro v�cio punido por lei. o que eu fiz n�o passou de um ligeiro desvio de conduta. e quantas vezes se repetiu esse desvio? est�s a divagar. uma grande dama ao teu lado nas recep��es, e jovenzinhas ao teu lado na cama! �
de mais, denes. quero divorciar-me. est�s louca! muito pelo contr�rio, estou a ser absolutamente sensata. conservo o domic�lio conjugal, a minha fortuna pessoal, o patrim�nio que trouxe para o casamento e as minhas terras. e, devido � tua conduta lament�vel, o tribunal ir� condenar-te a dares-me uma pens�o de alimentos, acrescida de multa. o transportador cerrou os dentes. as tuas gra�as n�o me divertem. o teu futuro anuncia-se dif�cil, meu amor. n�o tens o direito de destruir a nossa vida; afinal, pass�mos juntos os nossos mais belos anos. sentirias alguma coisa por mim? somos c�mplices h� muito tempo. foste tu que quebraste a nossa alian�a. o div�rcio � a �nica solu��o poss�vel. j� imaginaste o esc�ndalo? prefiro-o ao rid�culo. � a ti que ele atingir�, n�o a mim; eu serei, para todos os efeitos, uma v�tima. essa atitude � insensata. aceita as minhas desculpas e continuemos a manter as apar�ncias. zombaste de mim, denes. n�o foi essa a minha inten��o, e tu sabe-lo bem. somos #342 s�cios, minha cara; se me arruinares, ser� a tua perdi��o. os nossos neg�cios est�o t�o interligados que tornam imposs�vel qualquer atitude dr�stica. conhe�o os nossos neg�cios melhor do que tu. tu passas o tempo a divertir-te, e eu a trabalhar. esqueces-te de que me esperam altos destinos? ser� que n�o queres partilh�-los? s� mais expl�cito. isto � apenas uma tempestade, minha querida; que casal nunca as teve? pois eu julgava-me ao abrigo deste tipo de intemp�rie. selemos uma tr�gua, para evitar precipita��es. ela nos unir�. at� uma ratazana como essa tapeni precisava de ter muita sorte para minar um edif�cio t�o pacientemente constru�do. �s tu que vais falar com ela.
ia pedir-te isso mesmo. vento do norte j� tinha entrado para o barco com destino a tebas; o burro regalava-se com forragem fresca enquanto contemplava o rio. diabrete, a sagu� de n�f�ret, tinha escapado � vigil�ncia da dona e estava empoleirada no alto do mastro. bravo, mais reservado e inquieto perante a perspectiva de uma longa travessia, mantinha-se deitado debaixo das pernas de paser. o c�o n�o apreciava nem os tombos nem os balan�os, mas seguiria o dono nem que fosse atrav�s de um mar encapelado. a mudan�a fora muito r�pida; o ex-de�o do p�rtico deixava a casa e o mobili�rio a um eventual sucessor que bagey teimava em n�o designar, preferindo acumular a fun��o na aus�ncia de candidatos cred�veis. antes de se reformar, o velho vizir prestava assim homenagem a paser, que, aos seus olhos, n�o tinha desmerecido a sua confian�a. o juiz levava na m�o a esteira dos velhos tempos, e n�f�ret a maleta dos medicamentos. � sua volta, v�rios caixotes com bilhas, potes e outros utens�lios dom�sticos. teriam como companheiros de viagem comerciantes barulhentos, que ensaiavam os seus preg�es, gabando a qualidade dos produtos que iam vender ao grande mercado de tebas. #343 paser sofrera apenas uma decep��o: a aus�ncia de kem na despedida. era evidente que o n�bio n�o aprovava a sua atitude. n�f�ret, n�f�ret! n�o se v�o embora! a m�dica voltou-se e viu silkis, esbaforida, a agarrar-lhe o bra�o. qadash... morreu! o que foi que aconteceu? um horror... chega-te para aqui. paser ajudou vento do norte a descer do barco e chamou diabrete, ao ver a dona afastar-se, a sagu� saltou logo para o cais e bravo deu meia volta, todo contente. qadash envenenou-se com os seus dois jovens amantes estrangeiros confessou silkis de chofre. foi um servo que avisou kem, que ficou no local onde se desenrolou o drama. e um dos seus homens acabou mesmo agora de avisar o bel-tran... e aqui estou eu! est� tudo mudado outra vez, n�f�ret. a vota��o que te elegeu m�dicachefe volta a ser v�lida... e tu podes continuar a tratar-me! tens a certeza de que... o bel-tran garante que a tua nomea��o n�o poderia ser posta em causa. ficas em m�nfis! mas j� n�o temos casa...
o meu marido j� vos arranjou uma. n�f�ret, indecisa, apertou a m�o de paser. n�o tens alternativa disse ele. nisto, bravo ladrou de forma pouco habitual: sem raiva, antes com estupefacta alegria. saudava assim a chegada ao cais de um barco de dois mastros proveniente de elefantina. � frente, vinha um jovem de cabelos compridos e uma mulher loura de formas soberbas. suti! gritou paser. o banquete foi improvisado, mas abundante. bel-tran e silkis comemoraram simultaneamente a reden��o de n�f�ret e o regresso de suti. o her�i foi o centro das aten��es, contando os seus feitos, que #344 todos queriam conhecer em pormenor. o aventureiro relatou o seu recrutamento para o grupo de mineiros, a descoberta de um inferno escaldante, a trai��o do pol�cia do deserto, o encontro com o general asher, a partida deste �ltimo para destino desconhecido e a sua pr�pria fuga miraculosa, gra�as � interven��o de pantera. a l�bia ria com gosto, sem tirar os olhos do amante. como lhe tinha prometido, bel-tran p�s � disposi��o de paser uma casinha nos sub�rbios, a norte da cidade, at� N�f�ret receber a sua resid�ncia oficial. o casal acolheu de boa vontade suti e pantera. a l�bia atirou-se para cima de uma cama e adormeceu em seguida; n�f�ret retirou-se para o seu quarto; e os dois amigos foram para a a�oteia. o vento n�o � quente; certas noites, no deserto, fazia um frio glacial. fiquei � espera da tua mensagem. foi imposs�vel envi�-la; e, se tu me enviaste alguma, nunca a recebi. ser� que compreendi bem durante o jantar: n�f�ret � mesmo m�dica-chefe do reino, e tu demitiste-te do teu cargo de de�o do p�rtico? o teu ouvido continua excelente. mandaram-te embora? francamente, n�o. vim-me embora de livre vontade. est�s desiludido com este mundo? rams�s decretou uma amnistia geral. todos os assassinos foram inocentados... ningu�m o teria dito melhor.
l� se vai a tua bela justi�a. ningu�m compreende a decis�o do rei. s� o resultado conta. tenho uma confiss�o para te fazer. alguma coisa grave? duvidei de ti. julguei que me tinhas tra�do. suti cresceu para paser, prestes a atac�-lo. vou rachar-te de alto a baixo, paser. um justo castigo, mas tu tamb�m o mereces. porqu�? porque me mentiste. #345 esta � a nossa primeira conversa a s�s. n�o querias que eu contasse a verdade a esse burgu�s do bel-tran e � dengosa da mulher? a ti, n�o tinha qualquer inten��o de esconder a verdade. como � que eu ia acreditar que tinhas desistido de perseguir o general asher? a tua hist�ria bate certo at� ao momento em que se encontraram. a partir da�, n�o acredito numa s� palavra. asher e os seus esbirros torturaram-me com a inten��o de me infligirem uma morte lenta. mas o deserto tornou-se meu aliado, e a pantera foi o meu anjo da guarda. e foi a nossa amizade que me salvou quando eu perdi a coragem. uma vez liberto, seguiste a pista do general. qual era o seu plano? alcan�ar a l�bia pelo sul. um plano astucioso. tinha c�mplices? um pol�cia traidor e um mineiro experimentado. morreram? o deserto � cruel. o que procurava asher em paragens t�o in�spitas? ouro. contava usufruir da fortuna acumulada em casa do seu amigo adafi. e tu mataste-o, n�o foi? a sua cobardia e a sua deslealdade n�o conheciam limites. a pantera foi testemunha? mais do que isso. foi ela que o condenou � morte, ao dar-me a flecha que eu
disparei. enterraste-o? a areia ser� a sua mortalha. recusaste-lhe assim qualquer hip�tese de sobreviv�ncia. acaso ele a merecia? assim sendo, o glorioso general n�o beneficiar� da amnistia... asher foi julgado e eu executei a senten�a que, segundo a lei do deserto, devia ter sido pronunciada. o teu relato � brutal. sinto-me mais leve. nos meus sonhos, o rosto do homem que asher torturou e assassinou parece-me enfim apaziguado. e o ouro? #346 despojo de guerra. n�o receias uma investiga��o? n�o ser�s tu quem a conduzir�. o chefe da pol�cia vai interrogar-te. e kem � um homem recto e inflex�vel. ainda por cima, perdeu o nariz por causa de um roubo de ouro de que foi injustamente acusado. mas ele n�o � teu protegido? eu j� n�o sou ningu�m, suti. estou rico! deixar escapar uma oportunidade destas seria estupidez. o ouro est� reservado aos deuses. e n�o o t�m j� eles em abund�ncia? est�s a meter-te numa aventura muito perigosa. o mais dif�cil j� ficou para tr�s. tencionas deixar o egipto? n�o estou a pensar nisso e quero ajudar-te. eu agora n�o passo de um simples juiz de prov�ncia, sem qualquer poder; exactamente como era dantes. n�o podes desistir assim. j� n�o disponho de meios para continuar.
ser�s capaz de calcar aos p�s os teus ideais, de esqueceres o cad�ver de branir? o processo de denes ia ser aberto; era uma etapa decisiva para a descoberta da verdade. as acusa��es constantes do teu processo foram anuladas; e as outras? que queres tu dizer com isso? a minha amiga sababu tem um di�rio, e eu estou convencido de que cont�m pormenores apaixonantes; talvez descubras a� o material de que precisas. antes de n�f�ret ficar presa a um nunca mais acabar de obriga��es, pede-lhe que te examine. a tua passeata deve ter deixado marcas. estava mesmo a pensar pedir-lhe que me pusesse de novo de p�. e a pantera? #347 a l�bia � uma filha do deserto, e tem uma sa�de de escorpi�o. permitam os c�us que ela me abandone o mais depressa poss�vel. � o amor... o-amor gasta-se mais depressa do que o cobre, e eu prefiro o
ouro.
se o devolvesses ao templo de coptos, terias direito a uma recompensa. est�s a brincar comigo? uma mis�ria ao p� do que tenho no carro! a pantera quer ser muito rica. ter seguido a pista do ouro e regressado vencedor... h� l� milagre mais excelente? e por teres duvidado de mim, imponho-te uma severa puni��o. estou pronto a cumpri-la. durante dois dias, desaparecemos. vamos pescar para o delta. tenho saudades da �gua, de tomar um bom banho, de me rebolar nas v�rzeas e na erva muito verde, e de andar de barco nos p�ntanos! a entroniza��o de n�f�ret... conhe�o bem a tua mulher: ela n�o vai negar-nos esta liberdade. e a pantera? se vieres comigo, ela n�o desconfia. e, assim, at� pode ajudar n�f�ret a preparar-se; a l�bia � perita na arte de pentear e entran�ar uma peruca. e, depois, chegamos n�s carregados de peixes enormes! #cap�Tulo 36 m�dicos de cl�nica geral, cirurgi�es, oftalmologistas, dentistas e outros especialistas estavam reunidos para assistir � investidura de n�f�ret. os m�dicos foram
admitidos no grande �trio do templo da deusa sekhmet, que propagava as doen�as ao mesmo tempo que revelava os rem�dios capazes de as curar. o vizir bagey, cuja acentuada fadiga n�o passou despercebida aos presentes, presidia � cerim�nia. ver uma mulher aceder ao topo da hierarquia m�dica n�o chocava nenhum eg�pcio, apesar de os seus colegas masculinos n�o se absterem de certas cr�ticas relativas � sua menor resist�ncia f�sica e � sua falta de autoridade. pantera empenhara-se com talento. n�o s� havia penteado n�f�ret como tamb�m se preocupara em vesti-la; a jovem envergava um longo vestido de linho, resplandecente de brancura. um colar comprido de coralina em torno do pesco�o, pulseiras de l�pis-laz�li nos pulsos e tornozelos, e uma peruca raiada que lhe conferia uma aura de realeza, o que causou forte impress�o na assist�ncia, apesar da do�ura do olhar e da ternura de um corpo t�o esbelto. o decano da corpora��o dos m�dicos cobriu n�f�ret com uma pele de pantera, para significar que, tal como o sacerdote encarregado de dar vida � m�mia real atrav�s dos ritos de ressurrei��o, tamb�m ela tinha o dever de insuflar uma energia constante no imenso corpo do egipto. depois, entregou-lhe o sinete de m�dicochefe, que lhe conferia autoridade sobre todos os m�dicos do reino, e a escrivaninha sobre a qual redigiria os decretos referentes � sa�de p�blica, antes de os submeter � aprova��o do vizir. #350 o discurso oficial foi breve; o decano especificou os cargos de n�f�ret e ordenoulhe que respeitasse a vontade dos deuses, a fim de preservar a felicidade dos homens. assim que sua mulher prestou juramento, o juiz paser foi esconder-se, para chorar � vontade. apesar das dores, de cuja intensidade s� Kem se apercebia, o babu�no tinha recuperado as for�as. gra�as aos cuidados de n�f�ret, o grande s�mio n�o guardaria nenhuma sequela dos graves ferimentos sofridos. alimentava-se novamente com o apetite habitual, e retomara as suas rondas de vigil�ncia. paser e matador abra�aram-se. jamais esquecerei que lhe devo a vida. n�o o estragues com mimos, perderia a ferocidade e colocar-se-ia ele pr�prio em perigo. algum incidente a assinalar? depois da minha demiss�o, n�o corro o menor risco. como encaras o futuro? uma nomea��o num sub�rbio, servindo o melhor poss�vel as popula��es. se se me apresentar um caso dif�cil, alertar-te-ei. ainda acreditas na justi�a? dar-te raz�o despeda�a-me o cora��o.
tamb�m eu tenciono demitir-me. mant�m-te no teu cargo, rogo-to. pelo menos, prendes os delinquentes e garantes a seguran�a da cidade. at� � pr�xima amnistia... a mim, nada mais me espanta, mas sofro por ti. onde quer que estejamos, e mesmo que o nosso campo de ac��o seja irris�rio, devemos comportar-nos com dignidade. o meu maior receio, kem, era n�o ter a tua solidariedade. e eu a praguejar, retido em casa de qadash, em vez de me ir despedir de ti ao cais. a que conclus�es chegaste? triplo envenenamento. mas quem o ter� concebido? os dois rapazes eram filhos de um comediante que estava de passagem. #351 o funeral decorreu com a m�xima discri��o, sem nenhuma assist�ncia. apenas estavam presentes os sacerdotes especializados. foi a tarefa mais s�rdida de que tive de me ocupar. os corpos n�o repousam no egipto; foram entregues aos l�bios, devido �s origens de qadash. teria uma quarta pessoa cometido um assassinato? referes-te ao homem que te perseguia? durante a festa de opet, denes fez-me algumas perguntas, afim de conhecer o comportamento do seu amigo qadash, e n�o lhe escondi que o dentista me tinha prometido uma confiss�o antes de beber o veneno. denes teria ent�o eliminado um testemunho embara�oso. mas porqu� tanta viol�ncia? grandes interesses devem estar em jogo. bem entendido, denes utilizou os servi�os de uma criatura da sombra. mas n�o me recuso a tentar identific�-la. uma vez que o matador j� est� restabelecido, retomaremos as nossas investiga��es. h� um pormenor que n�o me sai da cabe�a: qadash parecia estar seguro de escapar ao castigo supremo. acreditava que denes obteria a sua liberta��o. sem d�vida; mas comportava-se com exagerada arrog�ncia... como se previsse a futura amnistia. fuga de informa��es? ter-me-ia chegado aos ouvidos.
n�o te iludas. tu foste o �ltimo a ser informado. o tribunal conhece a tua intransig�ncia e sabia que o processo de denes teria tido um enorme impacto. paser recusava-se a aventar a horr�vel suposi��o que lhe minava o esp�rito: uma alian�a entre rams�s, o grande e denes; a corrup��o no topo do estado; a terra amada pelos deuses abandonada a s�rdidos prop�sitos. kem apercebeu-se da inquieta��o do juiz. s� os factos nos poder�o esclarecer. � por isso que tenciono retomar uma pista que nos conduzir� ao teu agressor. as suas confid�ncias ter�o o maior interesse. � a tua vez de seres prudente, kem. #352 o manco era um dos melhores vendedores do mercado clandestino de m�nfis, armado num cais pouco frequentado sempre que chegavam os cargueiros com os mais diversos produtos. a pol�cia fechava um pouco os olhos a estas pr�ticas e os escribas dos impostos recolhiam as taxas sem piedade. com cerca de sessenta anos, o manco poderia ter-se reformado h� muito tempo e levar uma vida tranquila na sua casa nas margens do rio, mas nada lhe dava mais prazer do que entregar-se a intermin�veis negocia��es e enganar os compradores mais cr�dulos e inexperientes. a sua �ltima presa fora um escriba do tesouro, perito em madeiras de �bano. espica�ando a sua vaidade, o manco tinha-lhe vendido, pelo pre�o de madeira rara, uma mob�lia fabricada com madeira vulgar, mas imitando a rara com perfei��o. outro belo neg�cio se anunciava: um novo-rico desejava adquirir uma colec��o de escudos n�bios pertencentes a uma das tribos mais belicosas. sentir o perigo, ao abrigo de uma resid�ncia citadina, era uma sensa��o deliciosa que merecia um bom investimento. com a cumplicidade de excelentes artes�os, o manco tinha mandado fazer escudos falsos, muito mais impressionantes do que as armas aut�nticas, e ele mesmo os danificaria, infligindo-lhes as marcas de furiosos combates. o seu dep�sito de mercadorias estava cheio de maravilhas id�nticas, que ia vendendo a conta-gotas, com inimit�vel engenho. s� lhe interessavam as presas chorudas, que o fascinavam pela sua incomensur�vel estupidez e presun��o. quando correu o ferrolho, riu-se, pensando no dia seguinte. uma pele de animal, negra e coberta de p�los, caiu-lhe sobre os ombros no momento em que ele empurrava a porta. embara�ado no abomin�vel despojo, o manco soltou um grito, caiu por terra e pediu socorro. n�o grites t�o alto ordenou kem, concedendo-lhe um pouco de ar. ah, �s tu... o que te traz por c�? reconheces esta pele? n�o. n�o mintas. #353
sou a franqueza em pessoa. �s um dos meus melhores informadores reconheceu o n�bio mas � como comerciante que estou a interrogar-te. a quem vendeste um babu�no macho de grande porte? o com�rcio de animais n�o � a minha especialidade. um esp�cime daquela qualidade deveria ter sido entregue � pol�cia. s� um far�ante da tua esp�cie pode ter negociado um transporte ilegal. atribuis-me negros prop�sitos. conhe�o a tua avidez. n�o fui eu! est�s a irritar o matador, eu n�o sei nada. olha que o matador � mais convincente do que eu. o manco j� n�o tinha escapat�ria. j� tinha ouvido falar desse enorme babu�no, capturado na regi�o de elefantina. um �ptimo neg�cio em perspectiva, mas n�o para mim. em compensa��o, eu podia assegurar o transporte. um belo lucro, suponho. inc�modos e despesas, sobretudo. n�o me fa�as chorar. s� me interessa uma informa��o. a quem compraste o babu�no? o assunto � muito delicado... o macaco-pol�cia, de olhar fixo, raspava o solo com uma pata, impacientemente. garantes-me discri��o absoluta? achas o matador capaz de dar com a l�ngua nos dentes? ningu�m deve saber que te dei esta informa��o. vai falar com o pernas-curtas. o indiv�duo era digno da alcunha: cabe�a grande, peito peludo e pernas muito curtas, mas grossas e robustas. desde pequeno, havia carregado grandes quantidades de caixotes de legumes e frutas; mais tarde, tornara-se seu pr�prio patr�o, e reinava sobre uma centena de pequenos produtores a quem escoava as frutas e os legumes. a par destas #354 actividades oficiais, o pernas-curtas estava envolvido em tr�ficos mais ou menos lucrativos.
ver aparecer kem e o seu macaco n�o lhe agradou nada. tenho tudo em ordem. v�-se que n�o gostas mesmo nada da pol�cia. ainda menos desde que tu a comandas. ter�s por acaso a consci�ncia pesada? pergunta o que tens a perguntar. est�s assim com tanta pressa de falar? o teu babu�no obrigar-me-� a isso. mais vale resolver j� a quest�o. � precisamente de um babu�no que se trata. tenho horror a esses monstros. no entanto, compraste um ao manco. aborrecido, o pernas-curtas, fingiu estar a arrumar os caixotes. era uma encomenda. para quem? para um tipo meio esquisito. o seu nome? n�o sei. descreve-o. n�o sou capaz. � surpreendente. habitualmente, sou muito observador. o homem que me encomendou um babu�no macho muito robusto era uma esp�cie de sombra, sem consist�ncia nem tra�os particulares. usava uma peruca que lhe tapava a testa e quase lhe escondia os olhos, e uma t�nica que lhe dissimulava o corpo. seria incapaz de o reconhecer, tanto mais que a transac��o foi de curta dura��o, e o homem nem sequer discutiu o pre�o. como era a sua voz? bizarra. estou convencido de que a deformava. caro�os de frutas entalados entre as bochechas e as maxilas, sem d�vida. voltaste a v�-lo? n�o.
a pista extinguia-se ali. a miss�o do assassino tinha sem d�vida culminado na queda de paser e na morte de qadash. #355 bem disposta, sababu prendia com ganchos o carrapito. visita assaz inesperada, juiz paser; permite que me acabe de pentear. ser� que tens necessidade dos meus servi�os a hora t�o matutina? dos teus servi�os, n�o; mas sim de falar contigo. o lugar, de um luxo ostentat�rio, estava impregnado de perfumes capitosos, de fazer entontecer. paser procurou em v�o uma janela. a tua mulher est� a par do teu prop�sito? n�o lhe escondo nada. tanto melhor. � uma pessoa excepcional, e uma excelente m�dica. sei que guardas um di�rio com as tuas mem�rias. a que t�tulo me vens interrogar? j� n�o �s de�o do p�rtico. n�o, apenas um mero juiz sem coloca��o. e tu �s livre de n�o responder. quem te falou da minha mania? o suti. ele est� convencido de que tens elementos suscept�veis de meter denes em apuros. o suti... um rapaz encantador e um amante extraordin�rio. por ele, fa�o qualquer coisa. voluptuosa, sababu levantou-se e desapareceu por alguns instantes por detr�s de uma tape�aria decorativa, para reaparecer em seguida com um papiro. eis o documento onde anotei os caprichos dos meus melhores clientes; as suas perversidades e desejos inconfess�veis. mas agora, ao rel�-lo, acho-o bastante decepcionante. de uma maneira geral, a nobreza deste pa�s � s�. faz amor com naturalidade, sem perversidades f�sicas nem mentais. n�o h� aqui nada que valha a pena contar-te. este passado s� merece esquecimento. e desfez o papiro em mil peda�os. n�o tentaste impedir-me de o fazer. e se eu tivesse mentido? confio em ti. sababu olhou para o juiz com uma express�o curiosa. #356 n�o posso ajudar-te, nem amar-te, e cr� que o lamento. faz n�f�ret feliz, pensa apenas na sua felicidade e viver�s a mais bela das exist�ncias.
pantera estendeu-se sobre o corpo nu de suti, mais �gil do que uma haste de papiro dan�ando ao vento. detinha-se, beijava-o e retomava o seu movimento inexor�vel rumo aos l�bios do amante. cansado da sua passividade, ele p�s fim �quela terna explora��o e empurrou-a para o lado. as suas pernas entrela�aram-se, eles estreitaram-se com a viol�ncia de um nilo jovem e, nesse mesmo instante, abandonaram-se a um prazer escaldante. ambos sentiam a uni-los a perfei��o do desejo e da sua realiza��o, mas nem um nem outro admitiam sequer confess�-lo. pantera era t�o ardente que um �nico �assalto� n�o lhe era suficiente e, gra�as a �ntimas car�cias, reanimava sem piedade o vigor de suti. o jovem tratava-a por �gata l�bia�, evocando assim a deusa do amor, que partira para o deserto ocidental sob a forma de uma leoa, regressara doce e sedutora sob a forma de um felino dom�stico, nunca definitivamente domesticado. o m�nimo gesto de pantera acendia nele uma paix�o cintilante e dolorosa; ela tocava suti como uma lira, fazendo-o ressoar em harmonia com a sua pr�pria sensualidade. convido-te para almo�ar na cidade. um grego acaba de abrir uma taberna onde serve folhas de videira recheadas com carne e um vinho branco do seu pa�s. quando � que vamos buscar o ouro? logo que eu me sinta capaz de empreender a expedi��o. pareces-me quase restabelecido... fazer amor contigo � mais f�cil; pelo menos, � menos desgastante do que andar v�rios dias no deserto; ainda tenho de recuperar for�as. irei contigo; sem mim, ser�s mal sucedido. a quem poderemos vender o metal sem sermos denunciados? os l�bios aceit�-lo-�o. isso nunca. tentaremos encontrar uma solu��o em m�nfis, sen�o ficamos uns dias em tebas, para descobrirmos uma solu��o. a opera��o � perigosa. #35 7 mas t�o excitante! e a fortuna � merecida. diz-me, pantera... o que sentiste ao matar o pol�cia traidor? medo de errar o alvo. j� tinhas matado algum ser humano? eu queria salvar-te e consegui. e mato-te, se voltares a tentar deixar-me. surpreso, suti saboreou a atmosfera de m�nfis. achava-a desconcertante, quase estrangeira, depois da longa caminhada no deserto. no centro do bairro do sic�moro,
uma multid�o multicor acotovelava-se � entrada do templo da deusa hathor, para escutar um arauto anunciar as datas da pr�xima festa. recrutas passavam em direc��o � zona militar, a fim de receberem o seu equipamento. comerciantes conduziam burros e galeras para os dep�sitos de mercadorias, onde receberiam as suas quotas de cereais e produtos frescos. no porto da �boa viagem�, os barcos manobravam e os marinheiros, prestes a desembarcar, entoavam os c�nticos tradicionais da chegada. o grego tinha aberto a sua taberna numa ruela do sub�rbio sul, n�o muito longe do primeiro escrit�rio do juiz paser. quando pantera e suti para l� se dirigiam, foram alertados por gritos de terror. um cabriol�, puxado por um cavalo enraivecido, descia a toda a velocidade a estreita art�ria. desnorteada, uma mulher acabava de largar as r�deas. a roda esquerda embateu na fachada de uma casa, a caixa oscilou e a passageira foi projectada para o ch�o. os transeuntes imobilizaram o cavalo. suti acorreu e debru�ou-se sobre a v�tima. com a cabe�a ensanguentada, a senhora n�nofar j� n�o dava acordo de si. os primeiros socorros foram-lhe prestados no local, sendo a esposa de denes transportada em seguida para o hospital. sofria de contus�es m�ltiplas, uma tripla fractura da perna esquerda, les�o da caixa tor�xica e um ferimento profundo na nuca. sobreviver seria um milagre. n�f�ret e dois cirurgi�es operaram-na de urg�ncia. gra�as � sua constitui��o, n�nofar escaparia � morte, mas seria confrangedor deslocar-se de muletas. #358 como depressa recuperou a fala, kem teve autoriza��o para a interrogar na companhia de paser. o juiz acompanha-me como testemunha explicou o chefe da pol�cia. prefiro que um magistrado assista � nossa conversa. porqu� tantas precau��es? porque n�o compreendo bem as causas do acidente. o cavalo espantou-se e eu n�o fui capaz de o controlar. � teu costume conduzires sozinha um ve�culo como aquele? perguntou paser. claro que n�o. nesse caso, o que aconteceu? eu fui a primeira a subir para o cabriol�, e um servo devia ter tomado as r�deas. mas um proj�ctil, sem d�vida uma pedra, atingiu a �gua. ela relinchou, empinou-se e partiu a galope. n�o estar�s a descrever um atentado? n�nofar, cuja cabe�a estava envolvida em ligaduras, deixou o seu olhar vaguear
pelo quarto. inveros�mil. desconfio do teu marido. o que dizes � odioso! estarei errado? v� bem, debaixo da sua aparente honorabilidade, esconde-se um ser vaidoso e vil, e extremamente ego�sta. n�nofar pareceu abalada. paser insistiu. al�m disso, pesam sobre ti outras suspeitas. sobre mim? o assassino de branir utilizou uma agulha de madrep�rola. ora tu pr�pria sabes manejar esse objecto com invulgar destreza. n�nofar soergueu-se, encolerizada. o que dizes � terr�vel... como ousas fazer semelhante acusa��o? no processo que a amnistia arquivou, terias sido incriminada no tr�fico de tecidos, vestidos e atoalhados. e um caso arrasta outro, n�o te parece? porqu� toda essa sanha? porque o teu marido est� no centro de uma conspira��o criminosa. e n�o ser�s tu a sua melhor c�mplice? #359 um rictus de tristeza crispou os l�bios de n�nofar. est�s mal informado, juiz paser. antes deste acidente, eu fazia ten��o de me divorciar. e terias mudado de opini�o? era denes que eles pretendiam atingir, atrav�s de mim. n�o vou abandon�-lo agora em plena crise. perdoa-me a minha brutalidade. desejo-te um pronto restabelecimento. os dois homens sentaram-se num banco de pedra. a calma do babu�no provava que n�o estavam a ser observados. qual � a tua opini�o, kem? um caso flagrante de estupidez cr�nica e incur�vel. ela � incapaz de compreender que o marido tentou livrar-se dela, para ela n�o o reduzir � mis�ria ao separar-se dele. a fortuna pertence a n�nofar. denes ignorava que jogava para ganhar, fosse qual fosse o desenrolar dos acontecimentos; quer n�nofar morresse no acidente, quer voltasse a ser sua aliada. olha que � dif�cil
encontrar uma grande dama t�o idiota. conclus�o abrupta mas convincente opinou paser. uma coisa � certa: n�o � ela o assassino de branir. #cap�TUlo 37 a meio de um inverno mais frio do que o habitual, rams�s, o grande, celebrou as festas da ressurrei��o de os�ris. ap�s a fertilidade do nilo, presenciada por todos, era a vez da fecundidade do esp�rito vencedor da morte; em cada santu�rio se acenderam lamparinas, para que brilhasse a eterna luz da ressurrei��o. o rei estava em saqqarah, onde se encontrava recolhido h� um dia inteiro diante da pir�mide em degraus. posteriormente, foi prostrar-se diante da est�tua do seu ilustre predecessor, o fara� Dj�ser. s� a alma do fara� defunto ou o fara� reinante, durante a sua festa da regenera��o, podiam transpor a �nica porta aberta no recinto, na presen�a das divindades do c�u e da terra. rams�s implorou aos seus antepassados, agora estrelas no firmamento, que lhe inspirassem a conduta a seguir para sair do abismo obscuro para onde os seus inimigos invis�veis o tinham precipitado. a majestade do lugar, consagrado ao sil�ncio luminoso da vida transfigurada, serenou-o, e inundou o olhar com os jogos de claridade que animavam a gigantesca escadaria de pedra, ao centro da imensa necr�pole. ao sol-p�r, a resposta nasceu no seu cora��o. kem n�o era um funcion�rio de gabinete. por isso, interrogou suti passeando com ele ao longo do nilo. #362 estranha aventura a tua. voltar com vida do deserto n�o � uma fa�anha vulgar. tenho sorte. ela protege-me melhor do que qualquer divindade. mas � uma amiga inconstante, de que n�o se deve abusar. a prud�ncia aborrece-me. efraim era um patife. o seu desaparecimento n�o te deve ter entristecido. ele fugiu na companhia do general asher. e, apesar do refor�o das for�as policiais, continuam desaparecidos. comprovei a habilidade que tinham para escapar � pol�cia do deserto. �s um m�gico, suti. isso � um elogio ou uma censura?
escapar �s garras de asher � uma proeza sobrenatural. por que te libertou ele? nem eu consigo entender. convenhamos que te deveria ter matado. um outro ponto enigm�tico � saber que objectivo perseguia o general, ao refugiar-se numa regi�o mineira? quando o prenderes, ele to dir�. o ouro � o tesouro supremo, o sonho inacess�vel. tal como tu, asher tro�ava dos deuses; e efraim conhecia os fil�es esquecidos, dos quais lhe indicou a posi��o. acumulando ouro, o general n�o temia o futuro. asher n�o me fez nenhuma confid�ncia. n�o tiveste vontade de segui-lo? estava ferido, e no limite das minhas for�as. estou convencido de que mataste o general. odiava-lo ao ponto de correres riscos consider�veis. era um advers�rio forte de mais, no estado em que eu me encontrava. j� passei pelo mesmo e sei que a vontade pode ditar as suas leis ao corpo mais exausto. quando asher voltar, beneficiar� da amnistia. #363 ele jamais voltar�. a estas horas, os abutres e os roedores j� devoraram a sua carne, e o vento dispersar� os seus ossos. onde escondeste o ouro? s� possuo a minha sorte. roubar esse metal � uma falta imperdo�vel. ningu�m conseguiu conservar em seu poder o ouro roubado do interior das montanhas. restitui-o antes que a sorte te abandone. tornaste-te num verdadeiro pol�cia. defendo a ordem. um pa�s s� � feliz e pr�spero quando as coisas est�o no seu devido lugar. e o lugar do ouro � no interior do templo. declara o teu despojo em coptos, e a minha boca permanecer� fechada. caso contr�rio, considera-me teu inimigo. n�f�ret recusou-se a ir morar na casa que fora de n�bamon, o ex-m�dico-chefe do reino; o local estava impregnado de ondas negativas. preferiu esperar que a administra��o lhe atribu�sse uma outra resid�ncia, contentando-se entretanto com o modesto alojamento onde passava curtas noites. desde a v�spera da sua entroniza��o, as diferentes unidades de sa�de tinham-lhe solicitado audi�ncia, receando ficar desacreditadas. mas n�f�ret acalmou as inquieta��es e refreou as impaci�ncias; em vez de se preocupar com eventuais promo��es, preferia debru�ar-se sobre as necessidades da popula��o. tamb�m convocou os
encarregados da distribui��o de �gua, para que nenhuma aldeia ficasse privada do precioso l�quido; depois, examinou a lista dos hospitais e dispens�rios, constatando que em algumas prov�ncias faltava o estritamente necess�rio. a reparti��o dos especialistas e dos m�dicos de cl�nica geral pelo sul e pelo norte n�o era satisfat�ria. por fim, uma outra medida urgente era atender os pa�ses estrangeiros que reclamavam m�dicos eg�pcios para curar pacientes ilustres. a jovem m�dica come�ava a ter uma ideia da dimens�o da tarefa que a esperava. a isso, juntava-se ainda a polida hostilidade dos m�dicos encarregados de velar pela sa�de de rams�s ap�s a morte de n�bamon. o m�dico de cl�nica geral, o cirurgi�o e o dentista gabaram #364 os seus pr�prios m�ritos e afirmaram que o monarca estava satisfeito com os cuidados que lhe dispensavam. caminhar pelas ruas descontra�a-a. poucas pessoas a reconheciam, sobretudo nos bairros � volta do pal�cio, por onde deambulava a seu bel-prazer ap�s um dia extenuante, em que cada interlocutor a pusera � prova. quando suti a procurou, ficou admirada. preciso de falar contigo a s�s. sem a presen�a de paser? para j�, sim. de que tens medo? as minhas desconfian�as s�o demasiado vagas e terr�veis. ele afligir-se-ia em v�o. prefiro falar primeiro contigo, ser�s tu o juiz. trata-se da pantera? como adivinhaste? ela ocupa um lugar definitivo na tua vida...e tu pareces sinceramente apaixonado. desilude-te, a nossa liga��o � apenas sensual. mas a pantera... suti hesitava. n�f�ret, que apreciava um andamento r�pido, abrandou o passo. lembras-te das circunst�ncias do assassinato de branir? disse ele. cravaram-lhe uma agulha de madrep�rola no pesco�o com tal precis�o que a morte foi instant�nea. a pantera matou da mesma forma o pol�cia traidor, utilizando um punhal. o homem era de facto um gigante. simples coincid�ncia.
assim o espero, n�f�ret, do fundo do cora��o. n�o te atormentes demasiado. sinto a alma de branir t�o pr�xima, t�o viva, que a tua acusa��o teria despertado em mim uma imediata certeza. a pantera est� inocente. n�f�ret e paser n�o escondiam nada um ao outro. desde o momento em que o amor os unira, reinava entre ambos uma cumplicidade # 365 que o tempo n�o desgastava nem os conflitos podiam quebrar. mal o juiz se deitou, j� muito tarde, ela despertou e confessou-lhe as suas inquieta��es acerca de suti. sentia-se comprometido perante a ideia de viver com a mulher que poderia ter assassinado branir. desde quando o assaltou essa loucura? um pesadelo imprimiu-lhe essa ideia na mem�ria. � estranho. pantera nem sequer conhecia branir. qualquer pessoa poderia ter utilizado os seus dons sinistros. ela matou o pol�cia por amor, � o que garante suti. pareces muito seguro de ti. confio nos dois. eu tamb�m. a visita da rainha-m�e desorganizou a ordem das audi�ncias. chefes de prov�ncia, vindos para pedir equipamentos sanit�rios, inclinaram-se � passagem de tuya. a m�e de rams�s abra�ou n�f�ret. eis-te no teu verdadeiro lugar. tenho saudades da minha aldeia no alto egipto. nada de saudades e nada de remorsos: n�o passam de futilidades. apenas conta a tua miss�o ao servi�o do pa�s. e a tua sa�de, como vai? excelente. imp�e-se um exame de rotina. simplesmente para te tranquilizar. apesar da idade e dos problemas recentes, a vista da rainha-m�e era satisfat�ria. contudo, n�f�ret pediu-lhe que seguisse o tratamento com rigor. a tua tarefa n�o ser� f�cil, n�f�ret. n�bamon tinha a arte de adiar as urg�ncias
e deixar cair os processos no esquecimento; rodeava-se de colaboradores obedientes, desprovidos de personalidade. essa casta mole, tacanha de esp�rito e conservadora opor-se-� �s tuas iniciativas. a in�rcia � uma arma terr�vel; n�o percas a coragem. #366 como tem passado o fara�? est� a residir no norte, em visita de inspec��o �s guarni��es militares. sinto que o desaparecimento do general asher o preocupa. partilhas novamente os seus pensamentos? infelizmente, n�o! caso contr�rio, ter-lhe-ia perguntado os motivos desta miser�vel amnistia que o nosso povo desaprova. rams�s est� cansado, o seu poder desgasta-se. os grandes sacerdotes de h�li�polis, m�nfis e tebas n�o tardar�o a organizar a festa da regenera��o, que todos consideram necess�ria, e com raz�o. o pa�s rejubilar�. e rams�s ser� novamente invadido por aquele fogo que lhe permitiu vencer os inimigos mais tem�veis. n�o hesites em pedir a minha ajuda; de momento, as nossas rela��es t�m apenas um car�cter oficial. ver-se assim encorajada multiplicava a energia de n�f�ret. ap�s a partida das oper�rias, a senhora tapeni passou revista � oficina. a sua vis�o experiente detectava o m�nimo furto; nem um s� objecto, nem um s� peda�o de tecido podiam desaparecer dos seus dom�nios, sob pena de sans�es imediatas. s� o rigor pode assegurar a qualidade do trabalho. um homem entrou na tecelagem. denes... o que desejas? o transportador fechou a porta. pesado, carrancudo, avan�ou para ela com passo lento. n�o dev�amos voltar a ver-nos, pelo menos foi o que disseste. exacto. cometeste um erro. eu n�o sou mulher que se abandone depois de se ter usado. e tu cometeste outro. eu n�o sou trof�u que se exiba. ou cedes, ou arruino a tua reputa��o. a minha mulher acaba de ter um acidente; sem a clem�ncia dos deuses, estaria morta a estas horas. esse incidente n�o altera em nada os acordos que fiz com ela. n�o fizeste acordo nenhum.
#367 com uma m�o, denes apertou a garganta de tapeni e empurrou-a contra a parede. se continuas a aborrecer-me, ser�s tu tamb�m v�tima de um acidente. detesto os teus m�todos; comigo, est�o destinados ao fracasso. n�o tentes enfrentar a minha mulher e esquece o nosso encontro. contenta-te com o teu trabalho, se desejas chegar a velha. adeus. livre, tapeni inspirou sofregamente. suti assegurou-se de que n�o estava a ser seguido. ap�s o interrogat�rio de kem, temia ser colocado sob vigil�ncia. a advert�ncia do n�bio n�o devia ser ignorada; nem mesmo paser poderia proteger o amigo, se o chefe da pol�cia provasse a sua culpa. felizmente, as suspeitas que pesavam sobre a sua amante l�bia tinham-se dissipado. mas suti e pantera tinham de deixar m�nfis sem atrair a aten��o do n�bio. utilizar da melhor maneira a sua fabulosa fortuna seria uma tarefa delicada que exigia cumplicidades. assim, o jovem contactou algumas personagens duvidosas, receptadores colectados de maior ou menor envergadura, sem revelar o seu segredo. evocou uma importante transac��o que implicava um transporte demorado. o pernas-curtas pareceu-lhe um parceiro de confian�a. o mercador n�o fez perguntas e aceitou fornecer a suti burros robustos, carne seca e potes de �gua, no local por ele escolhido. transportar o ouro da gruta para a grande cidade, escond�-lo e negoci�-lo para comprar uma casa sumptuosa e levar uma vida regalada, apresentava muitos riscos; mas suti sentia um prazer incontrol�vel em desafiar a sorte. agora, que tinha a fortuna ao seu alcance, ela n�o o abandonaria. dentro de tr�s dias, pantera e ele embarcariam para elefantina. munidos da placa de madeira onde o pernas-curtas tinha gravado as suas instru��es, iriam buscar os animais e o material a uma aldeia onde ningu�m os conhecia. depois, retirariam do local uma parte do ouro e regressariam a m�nfis, na esperan�a de o passarem no mercado paralelo para as m�os de gregos, l�bios e s�rios. o valor comercial do metal amarelo era t�o elevado, e era t�o reduzida a circula��o do nobre material, que suti facilmente encontraria um comprador. #36 8 � certo que se arriscava a uma pena de pris�o perp�tua ou at� � pena de morte. mas, por outro lado, assim que fosse dono da mais bela propriedade do egipto, iria organizar festas magn�ficas em que os convidados de honra seriam paser e n�f�ret. faria arder a sua riqueza como palha, para que um fogo de alegria se elevasse nos c�us, onde os deuses ausentes se ririam com ele. a voz do vizir era rouca e o seu rosto abatido. juiz paser, convoquei-te para te falar da tua conduta. terei cometido algum erro? n�o ser� a tua oposi��o � amnistia demasiado ostensiva? n�o perdes uma �nica ocasi�o de a manifestares.
calar-me seria hipocrisia. estar�s consciente da tua imprud�ncia? n�o fizeste sentir tamb�m ao rei a tua hostilidade? eu sou um velho vizir; tu, um jovem magistrado. como � que a opini�o de um simples juiz de bairro poderia ofender sua majestade? foste de�o do p�rtico. deves guardar para ti os pensamentos. depender� a minha pr�xima nomea��o do meu sil�ncio? �s suficientemente inteligente para responderes sozinho a essa pergunta. ser� um juiz que contesta a lei digno de exercer? se assim �, renuncio a essa fun��o. mas ela � a tua raz�o de viver. a ferida ser� incur�vel, admito-o, mas prefiro-a � hipocrisia. n�o estar�s a ser demasiado rigoroso? vinda de ti, essa censura � um cumprimento. detesto a grandiloqu�ncia, mas creio que este pa�s precisa. permanecendo fiel ao meu ideal, espero manter-me em harmonia com o egipto das pir�mides, do cume tebano e dos s�is imperec�veis. ora, essa harmonia ignorava a amnistia. se estiver enganado, a justi�a seguir� o seu curso sem mim. #369 bom dia, suti. o jovem pousou a ta�a cheia de cerveja fresca. tapeni! levei muito tempo a descobrir-te. esta taberna � s�rdida, mas pareces gostar do ambiente. como tens passado? menos mal, depois da tua partida. uma mulher bonita n�o sofre de solid�o. ter�s perdido a mem�ria? tu �s o meu marido. assim que abandonei a tua casa, o nosso div�rcio ficou consumado. enganas-te, meu querido, encaro a tua fuga como uma simples aus�ncia.
o nosso casamento inscrevia-se no �mbito de uma investiga��o; a amnistia anulouo. pois eu levo a nossa uni�o muito a s�rio. p�ra de gracejar, tapeni. tu �s o marido com que sempre sonhei. suplico-te... quero que repudies essa puta l�bia e regresses ao domic�lio conjugal. isso n�o tem p�s nem cabe�a! n�o quero perder tudo. obedece, ou ter�s grandes desgostos. suti encolheu os ombros e bebeu uma golada de cerveja. bravo brincava junto de paser e n�f�ret. o c�o contemplava a �gua do canal, mas evitava aproximar-se. a sagu� agarrava-se avidamente � dona. a minha decis�o vai deixar bagey consternado, mas manter-me-ei firme. vais exercer na prov�ncia? em lado nenhum. j� n�o sou juiz, n�f�ret, porque me oponho a uma decis�o in�qua. #370 dev�amos ter partido para tebas. os teus colegas ter-te-iam trazido de volta. a minha posi��o � mais inst�vel do que parece. uma mulher como m�dico-chefe do reino incomoda alguns cortes�os influentes. � mais pequena falta, exigir�o a minha ren�ncia. vou realizar um velho sonho: tornar-me jardineiro. na nossa futura casa, o meu trabalho n�o ser� de deitar fora. paser... vivermos juntos � um prazer sem igual. trabalha tu pela sa�de do egipto, que eu tratarei das flores e das �rvores. os olhos de paser n�o o enganavam. tratava-se de facto de uma convoca��o emanada pelo juiz principal de h�li�polis, a cidade santa situada a norte de m�nfis. a cidade, sem import�ncia econ�mica, era constitu�da apenas por templos constru�dos � volta de um imenso obelisco, qual raio de sol petrificado. v�o propor-me um cargo de magistrado para os assuntos religiosos aventou paser. como nunca se passa nada em h�li�polis, n�o ficarei sobrecarregado de trabalho. normalmente, o vizir nomeia para este cargo magistrados idosos ou doentes. bagey interveio a teu favor exclamou n�f�ret. pelo menos, conservar�s o t�tulo. afasta-me dos assuntos civis... muito astucioso.
n�o rejeites esta oportunidade. se me impuserem a m�nima servid�o, se tentarem fazer-me aceitar a amnistia, a minha visita ser� breve. em h�li�polis residiam os redactores dos textos sagrados, dos rituais e dos relatos mitol�gicos destinados a transmitir a sabedoria dos antigos. no interior dos santu�rios, cercados por altos muros, um n�mero restrito de oficiantes celebrava o culto da energia na sua forma luminosa. #371 paser foi encontrar uma cidade silenciosa, sem mercadores nem tendas; em pequenas casas brancas, habitavam os sacerdotes e os artes�os encarregados de criar ou trabalhar os objectos de culto. os ru�dos do mundo n�o os atingiam. o magistrado apresentou-se no escrit�rio do juiz principal, onde um escriba caduco, visivelmente incomodado, o recebeu a resmungar. ap�s examinar a convoca��o, ausentou-se. o local estava calmo, quase adormecido, t�o distante da agita��o de m�nfis que paser mal podia acreditar que a� trabalhassem homens. nisto, apareceram dois pol�cias, armados com cacetes. juiz paser? o que desejam? segue-nos. por que motivo? ordens superiores. recuso-me. qualquer resist�ncia ser� in�til. n�o nos obrigues a usar a for�a. paser tinha ca�do numa armadilha. quem desafiava rams�s pagava o seu pre�o. n�o era um cargo de juiz que esperava por ele, mas um lugar no cemit�rio do esquecimento. #cap�Tulo 38 escoltado pelos dois pol�cias, paser foi conduzido at� � entrada de um edif�cio oblongo, cont�guo ao muro que cercava o templo de ra. a porta abriu-se e diante de paser surgiu um sacerdote idoso, de cabe�a rapada, pele enrugada e olhos negros, coberto com uma pele de pantera. juiz paser? esta deten��o � ilegal. em vez de dizeres disparates, entra, lava as m�os e os p�s, e recolhe-te em ora��o.
intrigado, paser obedeceu. os dois pol�cias ficaram do lado de fora e a porta fechou-se novamente. onde estou eu? na casa da vida de h�li�polis. o juiz ficou estupefacto. era ali, naquele lugar interdito aos profanos, que os s�bios do passado haviam composto os textos das pir�mides, revelando as muta��es da alma e o processo de ressurrei��o. o povo sabia que os mais ilustres magos se tinham formado naquela escola misteriosa para onde s� alguns eram chamados, sem dia nem hora certa. purifica-te. tr�mulo, o juiz obedeceu. chamam-me o calvo informou o sacerdote. vigio esta porta e n�o deixo entrar qualquer elemento nocivo. a minha convoca��o... #374 n�o me incomodes com palavras in�teis. o calvo emanava um magnetismo que emudecia os protestos no fundo da garganta. despe essa tanga e p�e esta veste branca. paser, sem pontos de refer�ncia, sentia-se transportado a um outro mundo. na casa da vida, a luz do dia s� penetrava por estreitas frestas, abertas no topo das paredes de pedra sem quaisquer inscri��es. chamam-me tamb�m o carrasco revelou o calvo porque decapito os inimigos de os�ris. aqui est�o guardados os anais dos deuses, os livros de ci�ncia e os rituais dos mist�rios. que a tua boca permane�a fechada perante tudo o que vires e ouvires. o destino castiga os faladores. o calvo guiou paser ao longo de um intermin�vel corredor que desembocava num p�tio coberto de areia. ao centro, em cima de uma pequena eleva��o, estava uma m�mia de os�ris, recept�culo da vida nos seus aspectos mais secretos. conhecida por �pedra divina�, estava impregnada de unguentos e coberta com uma pele de carneiro. nela morre e renasce a energia que anima o egipto disse o calvo, apontando para a m�mia. a toda a volta do p�tio, havia bibliotecas e oficinas reservadas aos adeptos com autoriza��o para trabalharem naquele recinto. o que v�s tu, paser? um monte de areia. assim se incarna a vida. a energia jorra do oceano, onde os mundos est�o contidos
em estado embrion�rio, e materializa-se na forma de uma emin�ncia. procura o mais alto, o mais essencial, e aproximar-te-�s das origens. entra nesta sala e comparece perante o teu juiz. sentado num trono de madeira dourada, o homem estava penteado com uma peruca de carac�is que lhe escondia as orelhas, e vestido com uma longa t�nica. sobre o peito, um n� enorme; na m�o direita, um ceptro de autoridade; e, na esquerda, uma vara comprida. atr�s dele, uma balan�a de ouro. guardi�o dos segredos da casa da vida, encarregado da distribui��o das oferendas, guardi�o da pedra primordial, a tem�vel personagem interpelou o intruso. tu tens a pretens�o de seres um juiz honesto. #375 esfor�o-me por s�-lo. porque te recusas ent�o a aplicar a amnistia decretada pelo fara�? porque � in�qua. neste recinto fechado, diante desta balan�a e longe dos olhares profanos, ousas manter a mesma opini�o? sim, mantenho-a. nada mais posso fazer por ti. o calvo agarrou paser pelo bra�o e obrigou-o a retirar-se. as belas palavras proferidas faziam parte da encena��o. o �nico objectivo destes sacerdotes era quebrar a resist�ncia do juiz. mas a manobra persuasora tinha falhado, e agora utilizariam a viol�ncia. entra para aqui. o calvo empurrou a porta de bronze. uma �nica lanterna iluminava a pequena sala, desprovida de qualquer outra abertura. dois canais, atravessando as paredes, forneciam o ar indispens�vel. um homem olhava para paser. um homem de cabelos ruivos, fronte larga e nariz adunco. � volta dos pulsos, pulseiras em ouro e l�pis-laz�li, cuja face superior estava ornamentada com cabe�as de patos selvagens. a j�ia favorita de rams�s, o grande. tu �s... mas paser n�o ousou pronunciar a palavra �fara�, que lhe queimava os l�bios. e tu �s paser, o magistrado que abandonou o seu cargo de de�o do p�rtico e criticou a amnistia por mim decretada. falava num tom violento, carregado de censura. o cora��o do juiz batia
desordenado; frente ao mais poderoso soberano da terra, faltavam-lhe as palavras. ent�o, n�o respondes? ser� que me mentiram a teu respeito? n�o, majestade. o juiz reparou que se tinha esquecido de se inclinar. ent�o, pondo os dois joelhos em terra, o seu corpo dobrou-se numa v�nia. levanta-te. j� que te op�es ao teu rei, porta-te como um guerreiro. #376 vexado, paser levantou-se. n�o recuarei na minha posi��o. que censuras tu � minha decis�o? branquear culpados e soltar criminosos s�o inj�rias feitas aos deuses e sinal de desprezo pelo sofrimento humano. amanh�, se continuares nessa vertente perigosa, acabar�s por acusar as v�timas. serias tu infal�vel? j� cometi muitos erros, mas n�o � custa de inocentes. �s ent�o incorrupt�vel? a minha alma n�o est� � venda. sabes o que � um crime de lesa-majestade? a amnistia � uma injusti�a grave que compromete o equil�brio do pa�s. cr�s poder sobreviver a essas palavras? teria pelo menos tido a alegria de te oferecer a minha opini�o sincera. rams�s mudou de tom. � agressividade sucederam-se palavras graves e compassadas. observo-te desde a tua chegada a m�nfis. branir era um s�bio e n�o agia de �nimo leve. tinha-te escolhido pela tua probidade, e a sua outra disc�pula era n�f�ret, hoje m�dica-chefe do reino. ela triunfou, eu fracassei. tu tamb�m triunfaste, pois �s o �nico juiz do egipto verdadeiramente inflex�vel. paser estava perplexo. apesar de numerosas interven��es, entre as quais a minha, n�o mudaste de opini�o. em nome da justi�a, enfrentaste o rei do egipto. �s a minha �ltima esperan�a. eu, o fara�, estou sozinho, preso numa armadilha abomin�vel. est�s pronto a ajudar-me, ou preferes a tua tranquilidade? paser inclinou-se. sou teu servo.
palavra de cortes�o ou empenhamento sincero? os meus actos respondem por mim. por isso mesmo, coloco nas tuas m�os o futuro do egipto. eu... eu n�o compreendo. #377 aqui, estamos seguros; aqui, ningu�m ouvir� o que tenho para te revelar. reflecte bem, paser, ainda est�s a tempo de recuar. depois de eu ter falado, ser�s encarregado da miss�o mais dif�cil jamais confiada a um juiz. a voca��o que branir acordou em mim n�o sofre reca�das. juiz paser, nomeio-te vizir do egipto. mas... o vizir bagey... bagey est� velho e cansado. durante os �ltimos meses, j� por v�rias vezes me pediu que o substitu�sse. a tua rejei��o da amnistia permitiu-me descobrir o seu sucessor, a despeito dos conselhos dos que me rodeiam e que tinham outros nomes em mente. por que raz�o n�o poderia bagey desempenhar a tarefa que desejas confiar-me? por um lado, j� n�o disp�e do dinamismo necess�rio para conduzir as investiga��es; e, por outro, receio uma fuga de informa��es entre os membros da sua administra��o, em fun��es h� tempo demasiado. se a m�nima indiscri��o fosse cometida, o pa�s cairia nas m�os dos dem�nios sa�dos das trevas. amanh� ser�s a primeira figura do reino, a seguir ao fara�; mas estar�s sozinho, sem amigos nem apoios. n�o confies em ningu�m, reorganiza a hierarquia, rodeia-te de homens novos, mas n�o confies neles. mencionaste uma investiga��o... eis a verdade, paser: na grande pir�mide estavam depositadas as ins�gnias sagradas da realeza; s�o elas que legitimam o reinado de cada fara�. A pir�mide foi assassinada e violada, e o tesouro roubado. sem ele, n�o posso celebrar a festa da regenera��o, como me � exigido, a justo t�tulo, pelos grandes sacerdotes dos principais templos e pela alma do nosso povo. em menos de um ano, quando a cheia do nilo renascer, serei for�ado a abdicar em proveito de um ladr�o e de um criminoso que se acoita na sombra. o decreto da amnistia foi-te, portanto, ditado. pela primeira vez, fui for�ado a agir contra a justi�a. amea�aram-me de revelarem o saque da pir�mide e precipitarem a minha queda. porque n�o ter�o os teus inimigos tomado mais cedo essa iniciativa?
#378 porque ainda n�o estavam preparados; usurpar o trono exclui o improviso. o momento da minha abdica��o ser� o mais favor�vel, e o usurpador receber� o poder com toda a tranquilidade. se aceitei ceder �s exig�ncias da mensagem an�nima, foi sobretudo para ver quem ousaria levantar-se contra a amnistia. excepto bagey e tu pr�prio, ningu�m contestou o seu fundamento. o velho viz�r tem direito a um merecido repouso; tu identificar�s os criminosos ou so�obraremos juntos. paser recordou-se das fases principais das suas investiga��es, desde o instante crucial em que ele fora o gr�o de areia na engrenagem da m�quina infernal, ao recusar-se a caucionar a transfer�ncia administrativa de um veterano da guarda de honra da esfinge. nunca tamanha vaga de assassinatos assolara o pa�s. estou persuadido de que est�o todos relacionados com esta monstruosa conspira��o. porque mataram os cinco veteranos? porque a esfinge de gize fica pr�xima da grande pir�mide. logo, os soldados incomodavam os conjurados, e tiveram de se livrar deles para poderem entrar no edif�cio sem serem notados. por onde entraram? por uma passagem subterr�nea que eu julgava obstru�da e que ter�s de investigar. talvez ainda restem alguns ind�cios. durante muito tempo, pensei que o general asher era o cabecilha da conspira��o... n�o, majestade, ele era um simples engodo. se continuar desaparecido, � sinal que comanda as tribos l�bias que atacar�o o egipto. o general asher est� morto. tens provas? o relato do meu amigo suti. foi ele que o matou? paser hesitou em responder. tu �s o meu vizir. entre n�s n�o pode haver segredos, a verdade ser� o nosso la�o de uni�o. suti matou o homem que ele odiava. tinha testemunhado torturas infligidas pelo general a um soldado eg�pcio. acreditei durante muito tempo na boa-f� de asher, mas enganei-me. #379 se o processo de denes tivesse seguido o seu curso, a sua culpabilidade teria sido posta em evid�ncia. esse transportador pretensioso! com os seus amigos qadash e ch�chi, formavam um trio tem�vel. o primeiro queria ser m�dico-chefe, e o segundo afirmava trabalhar no fabrico de armas inquebr�veis.
ch�chi e denes s�o provavelmente os respons�veis pelo acidente de que foi v�tima a princesa hattusa. achas que a conspira��o se limita a estes tr�s homens? isso eu n�o sei. mas tens de descobrir. errei, majestade; mas agora, tenho de saber tudo. quais s�o os objectos sagrados roubados da grande pir�mide? uma enx� em ferro celeste, utilizada para abrir a boca da m�mia durante o ritual da ressurrei��o. est� nas m�os do sumo-sacerdote do templo de ptah, em m�nfis! amuletos em l�pis-laz�li. ch�chi chefiava um tr�fico de amuletos; esses est�o sem d�vida em seguran�a em carnaque, com o sumo-sacerdote kani. um escaravelho de ouro. paser sentiu renascer uma esperan�a incontrol�vel. est� igualmente na posse de kani! por um momento, o novo vizir acreditou ter salvo, sem o saber, os tesouros da grande pir�mide. os lar�pios prosseguiu rams�s arrancaram a m�scara de ouro de qu�ops e o seu colar. o juiz ficou mudo. a decep��o crispou-lhe a face. se se comportaram como os profanadores do passado, jamais recuperaremos as preciosas rel�quias, tal como n�o recuper�mos o c�vado em ouro dedicado � deusa ma�t, pois t�-las-�o fundido e transformado em lingotes que venderam no estrangeiro. paser estava comovido at� �s l�grimas. como poderiam existir seres t�o vis, capazes de destruir a beleza? uma vez que uma parte dos objectos est� salva e a outra destru�da, que parte ret�m os teus advers�rios? a principal respondeu rams�s. o testamento dos deuses. #380 os meus ourives est�o prontos a fabricar um novo c�vado, mas o testamento � uma pe�a �nica, transmitida de fara� a fara�. Por altura da festa da regenera��o, terei de mostr�-lo �s divindades, aos sumo-sacerdotes e ao povo do egipto. assim o exige a regra dos reis, assim era ontem, assim ser� amanh�, e a ela me submeterei. durante os meses que nos separam do acontecimento, os nossos inimigos n�o ficar�o
inactivos; tentar�o enfraquecer-me, minar-me, corromper-me. compete-te a ti inventar solu��es para lhes frustrar os planos; em caso de malogro, receio pelo desaparecimento da civiliza��o dos nossos pais. se os assassinos tiveram a aud�cia de profanar o nosso santu�rio mais vener�vel, isso significa que desprezam os valores fundamentais que regem as nossas vidas. face a este estado de coisas, a minha pessoa n�o conta; o meu trono, esse sim, � o s�mbolo de uma dinastia milen�ria e de uma tradi��o sobre as quais este pa�s foi constru�do. amo o egipto, tal como tu o amas, para l� das nossas vidas, para l� do nosso tempo. essa � a luz que querem apagar. mant�mna acesa, vizir paser. #cap�TUlo 39 paser meditou durante toda a noite, sentado � escriba diante da est�tua do deus tot, sob a forma de um babu�no coroado com um disco lunar. o templo estava mergulhado no sil�ncio; no telhado, os astr�logos observavam as estrelas. ainda sob o efeito do choque sofrido durante o seu encontro com o fara�, o juiz saboreava as �ltimas horas de paz antes da sua entroniza��o, antes de transpor o limiar de uma exist�ncia nova que n�o tinha desejado. sonhava com o momento delicioso em que n�f�ret, bravo, vento do norte, diabrete e ele pr�prio se preparavam para embarcar para tebas, com os dias tranquilos numa pequena aldeia do alto egipto, com a do�ura da sua mulher, com o passar ritmado das esta��es, longe dos assuntos de estado e das ambi��es humanas. mas tudo isso n�o passava de um sonho desfeito e irrealiz�vel. dois ritualistas conduziram paser � Casa da vida, onde foi recebido pelo calvo. o futuro vizir ajoelhou-se numa esteira; o calvo pousou sobre a sua cabe�a uma r�gua de madeira e ofereceu-lhe �gua e p�o. bebe e come ordenou. mant�m-te vigilante em todas as circunst�ncias, sen�o estes alimentos tornar-se-�o amargos. pela tua ac��o, que as penas se transformem em alegria. lavado, depilado e perfumado, paser vestiu uma tanga � moda antiga e uma t�nica de linho, e colocou uma peruca curta. os ritualistas #382 guiaram-no ent�o at� ao pal�cio real, em torno do qual se agitava uma multid�o curiosa. na v�spera, os arautos tinham anunciado a nomea��o do novo vizir. recolhido, indiferente aos clamores, paser penetrou na grande sala de audi�ncias onde o fara� pontificava, sentado no trono, com a coroa vermelha e a coroa branca encaixadas uma na outra, s�mbolo da uni�o entre o alto e o baixo egipto. sentados de um e outro lado do rei, estavam os seus amigos dilectos: bagey, o anterior vizir, e bel-tran, o novo director da dupla casa branca. de p�, entre as colunas, numerosos cortes�os e dignit�rios; entre eles. paser distinguiu logo a m�dicachefe do reino. sorrindo gravemente, n�f�ret n�o tirava os olhos dele. paser ficou de p� em frente ao rei. o portador da regra desenrolou diante dele o papiro onde estava inscrito o esp�rito das leis. eu, rams�s, fara� do egipto, nomeio vizir o cidad�o paser, servidor da justi�a e
sustent�culo deste pa�s. na verdade, n�o te estou a prestar um favor, pois o teu cargo n�o � nem doce nem agrad�vel, mas sim amargo como o fel. age em conformidade com a regra, seja qual for o assunto que tiveres em m�os; faz a todos justi�a, seja qual for a sua condi��o. faz que todos te respeitem pela tua sabedoria e palavra serena. quando deres ordens, preocupa-te em orientar, n�o ofendas ningu�m e recusa a viol�ncia. n�o te refugies no mutismo, enfrenta as dificuldades e n�o baixes a cabe�a perante os altos funcion�rios. que o teu julgamento seja transparente, sem dissimula��es, e que todos entendam as raz�es que o determinam; a �gua e o vento transmitir�o ao povo os teus prop�sitos e os teus actos. que ningu�m possa acusar-te de teres sido injusto para com ele por te recusares a escut�-lo. n�o ajas nunca segundo as tuas prefer�ncias; julga o conhecido como se fosse um desconhecido e n�o te preocupes em agradar-lhe ou desagradar-lhe; n�o favore�as ningu�m, mas n�o cometas excessos de rigor ou intransig�ncia. castiga o revoltado, o arrogante e o fanfarr�o, pois eles semeiam o conflito e a destrui��o. o teu �nico ref�gio � a regra da deusa ma�t, que se mant�m inalter�vel desde o tempo dos deuses e assim se manter� at� que a humanidade deixe de existir. a tua �nica maneira de viver � pela rectid�o. bagey inclinou-se perante o fara� e levou a m�o ao cora��o de cobre que trazia ao pesco�o, para o tirar e o entregar ao monarca. #383 guarda esse s�mbolo decretou rams�s. mostraste-te digno dele durante tantos anos que adquiriste o direito a lev�-lo contigo para o al�m. por agora, vive uma velhice feliz e tranquila, sem te esqueceres de aconselhar o teu sucessor. o velho e o novo vizir abra�aram-se e, em seguida, rams�s condecorou paser com um reluzente cora��o de cobre, feito nas oficinas reais. tu �s o mestre da justi�a frisou o fara�. Vela pela felicidade do egipto e do seu povo. �s o cobre que protege o ouro, o vizir que protege o fara�; age segundo as minhas ordens, mas n�o sejas nem cobarde nem servil, e sabe prolongar o meu pensamento. diariamente, dar-me-�s conta do teu trabalho. os cortes�os saudaram o novo vizir com defer�ncia. chefes de prov�ncia, governadores dos dom�nios, escribas, juizes, artes�os, homens e mulheres do egipto, todos entoaram c�nticos de louvor ao novo vizir. por toda a parte foram organizados banquetes em sua honra, onde foram servidas, a expensas do estado, as melhores carnes e as cervejas mais requintadas. que sorte poderia ser mais invej�vel do que a do vizir? os servos apressavam-se a satisfazer-lhe os m�nimos desejos, tinha � sua disposi��o para navegar um barco de cedro, as iguarias servidas � sua mesa eram suculentas e provava vinhos de colheitas raras; e, enquanto os m�sicos tocavam �rias melodiosas, o seu vinhateiro trazia-lhe uvas violeta e o seu intendente aves assadas com ervas arom�ticas e peixes de requintado sabor. o vizir sentava-se em cadeiras de �bano e dormia num leito de madeira dourada com um colch�o confort�vel; e, na sala de un��es, um massagista
libertava-o da fadiga. mas tudo isto n�o passava de lenitiva apar�ncia. �mais amarga do que o fel� seria a tarefa que o esperava, como afirmava o ritual de entroniza��o. n�f�ret, m�dica-chefe do reino, kani, sumo-sacerdote de carnaque, kem, chefe da pol�cia... teriam os deuses decidido favorecer os justos, permitindo-lhes oferecer a sua vida pelo egipto? o c�u poderia #384 estar l�mpido e os cora��es em festa, mas paser continuava sisudo e atormentado. quem sabe se, em menos de um ano, a terra amada pelos deuses n�o mergulharia nas trevas. n�f�ret passou o bra�o em volta do ombro de paser e apertou-o contra si. o vizir n�o lhe tinha escondido nada da sua conversa com rams�s; unidos nesse segredo, partilhavam juntos o seu peso. e o olhar deles perdeu-se no c�u de l�pis-laz�li onde cintilavam as estrelas e a alma do seu mestre branir. paser tinha aceitado a casa, o jardim e as terras que o fara� oferecia ao vizir. pol�cias escolhidos por kem foram postar-se � entrada da vasta propriedade, cercada por altos muros, enquanto outros a vigiavam permanentemente das casas vizinhas. ningu�m podia aproximar-se da resid�ncia sem apresentar um salvo-conduto ou uma convocat�ria devidamente autenticada. situada n�o muito longe do pal�cio real, a resid�ncia constitu�a uma ilha de verdura onde prosperavam quinhentas �rvores, entre as quais setenta sic�moros, trinta p�rseas, cento e setenta tamargueiras, cem palmeiras mediterr�nicas, dez figueiras, nove chor�es e dez tamarizes. esp�cies raras, importadas da n�bia e da �sia, de cada uma existindo apenas um exemplar. e uma vinha capitosa fornecia um vinho especial reservado ao vizir. a sagu� de n�f�ret, maravilhada, imaginava mil e uma escaladas e outros tantos festins. vinte jardineiros ocupavam-se da propriedade; a parte cultivada estava dividida em talh�es entrecortados por regos de irriga��o. uma brigada de aguadeiros regava alfaces, alhos-porros, cebolas e outros mimos, cultivados em socalcos. no centro do jardim, havia um po�o com cinco metros de profundidade. abrigado dos ventos, um quiosque, a que se acedia por uma rampa suave, permitia saborear o sol de inverno; simetricamente, um outro quiosque, � sombra das �rvores mais frondosas do parque e na enfiadura da brisa do norte, servia de abrigo nos per�odos mais quentes, junto de um tanque rectangular, excelente para banhos. #385 paser n�o se separara da sua esteira de juiz eram em n�mero capaz de satisfazer os desejos mosquiteiro excedeu as suas expectativas, e a tranquilizou a sua mulher, desejosa de manter grandes dimens�es.
de prov�ncia; no entanto, os m�veis do mais exigente. a qualidade do das in�meras escovas e vassouras impecavelmente limpa uma casa de t�o
a sala da �gua � uma maravilha. o barbeiro espera-te; estar� �s tuas ordens todas as manh�s. tal como a cabeleireira �s tuas. ser� que vamos conseguir escapar-lhes alguma vez? paser tomou a mulher nos bra�os. menos de um ano, n�f�ret. temos menos de um ano para salvar rams�s. denes estava mergulhado em tristes pensamentos. � certo que podia contar novamente com o apoio incondicional da mulher, acamada por muito tempo e enferma para toda a vida. evitado o div�rcio, conservava a fortuna e tinha-se livrado das amea�as da senhora tapeni. mas o horizonte cobrira-se subitamente de nuvens negras com a inesperada nomea��o de paser. o plano dos conjurados tivera de sofrer altera��es; n�o obstante, o seu triunfo estava assegurado, uma vez que tinham em seu poder o testamento dos deuses. muito nervoso, o qu�mico ch�chi aconselhava a maior prud�ncia; depois de terem perdido o posto de m�dico-chefe e falhado a conquista do vizirato, os conspiradores deviam esconder-se na sombra e recorrer a uma arma infal�vel, o tempo. os sumosacerdotes dos templos principais acabavam de anunciar a data da festa da regenera��o do rei, no primeiro dia do novo ano, no m�s de julho, quando a apari��o da estrela s�tis no signo de caranguejo anunciasse a cheia do nilo. na v�spera da abdica��o, rams�s conheceria o nome do seu sucessor e transmitir-lhe-ia o poder na presen�a de toda a popula��o. ter-se-� o rei confessado a paser? perguntou denes. certamente que n�o opinou ch�chi. o fara� est� condenado ao sil�ncio; se fizer uma s� confid�ncia que seja, � o seu fim. #386 paser n�o � mais virtuoso do que outra pessoa qualquer, e criaria de imediato uma fac��o de oposi��o ao monarca. porque ter� ele escolhido paser? porque esse juizeco � astuto e ambicioso. soube seduzir rams�s aparentando uma falsa probidade. tens raz�o. o rei est� a cometer um erro muito grave. desconfiemos sempre do intriguista; ele acaba de provar as suas capacidades. o exerc�cio do poder embriag�-lo-�. se n�o fosse t�o est�pido, ter-se-ia juntado a n�s. demasiado tarde. agora est� por sua conta. n�o podemos dar-lhe mais nenhum motivo para nos incriminar. prestemos-lhe as nossas homenagens e cubramo-lo de presentes; assim, acreditar� na nossa submiss�o.
suti, cheio de paci�ncia, aguardou o final da explos�o de c�lera. pantera, louca de raiva, tinha quebrado pratos e tamboretes, rasgado vestidos e espezinhado at� uma peruca car�ssima. a pequena habita��o estava transformada num caos, mas a l�bia de cabelos loiros tardava em acalmar-se. recuso terminantemente disse ela. tem s� um pouco mais de paci�ncia. dev�amos partir amanh�. paser n�o devia ter sido nomeado vizir retorquiu suti. quero l� saber. pois eu n�o. porque esperas, afinal? ele j� te esqueceu! vamos � partir, como combin�mos. n�o h� pressa. quero recuperar o nosso ouro. descansa que ele n�o foge. ontem s� falavas na viagem. tenho de ir falar com paser e saber quais s�o as suas inten��es. #387 paser, sempre o paser! quando ser� que nos vemos livres dele? cala-te. n�o sou tua escrava. tapeni intimou-me a mandar-te embora. pois tu ousaste ver de novo essa harpia? ela veio falar comigo numa taberna. tapeni considera-se como minha esposa leg�tima. � mesmo est�pida. a protec��o do vizir ser-me-� �til. o primeiro convidado de paser foi o seu antecessor. bagey, apesar das pernas doridas, caminhava sem bengala. curvado, com a voz rouca, sentou-se ao abrigo do quiosque de inverno. a tua promo��o � merecida, paser. eu n�o poderia ter pensado num vizir melhor. �s tu o meu modelo. o meu �ltimo ano de trabalho foi penoso e decepcionante; a minha sa�da era indispens�vel. por felicidade, o rei escutou-me. a tua juventude n�o ser� obst�culo por
muito tempo; o cargo amadurece o homem. que conselhos me d�s? mant�m-te indiferente ao falat�rio, n�o d�s confian�a aos cortes�os, estuda cada processo em profundidade e n�o abdiques do mais extremo rigor. vou apresentar-te aos meus colaboradores mais pr�ximos, e tu ajuizar�s da sua compet�ncia. o sol penetrou as nuvens e inundou o quiosque. vendo que bagey estava incomodado, paser protegeu-o com um toldo. agrada-te esta casa? perguntou o antigo vizir. ainda n�o tive tempo de a explorar devidamente. era demasiado grande para mim; este jardim � uma fonte de problemas. prefiro morar na cidade. sem a tua ajuda, fracassarei; aceitas ficar ao meu lado, para me aconselhares? #388 � esse o meu dever. d�-me no entanto algum tempo para me ocupar do meu filho. algum problema? o patr�o n�o est� contente com ele. receio um despedimento, e isso traz a minha mulher inquieta. se eu puder fazer alguma coisa... recuso desde j�; conceder privil�gios seria uma falta grave. e se come��ssemos a trabalhar? paser e suti abra�aram-se. o aventureiro olhou � sua volta. a tua propriedade agrada-me. tamb�m quero ter uma assim, e hei-de dar festas inesquec�veis. talvez tamb�m queiras ser vizir? o trabalho assusta-me. porque aceitaste um cargo t�o estafante? ca� numa cilada. a minha fortuna � imensa; foge, e saborearemos juntos uma vida em pleno. imposs�vel. retiras-me ent�o a tua confian�a? o fara� confiou-me uma miss�o. n�o queiras acabar na pele de um alto funcion�rio circunspecto e carregado de auto-import�ncia. censuras-me por ser vizir?
e tu, condenas a minha forma de fazer fortuna? vem trabalhar comigo, suti. deixar escapar esta oportunidade seria um crime. se cometes algum delito, n�o te defenderei. essa atitude marca a nossa ruptura. �s meu amigo e continuar�s a s�-lo. um amigo n�o profere amea�as. quero impedir-te de cometeres um erro fatal; kem n�o desarma e mostrar-se-� implac�vel. #389 ent�o ser� um duelo equilibrado. n�o o desafies, suti. e tu n�o te metas na minha vida. fica, pe�o-te. se conhecesses a verdadeira import�ncia da minha tarefa, n�o hesitarias nem por um instante. defender a lei, mas que utopia! se eu a tivesse respeitado, asher ainda agora estava vivo. eu n�o testemunhei contra ti. est�s tenso e inquieto. o que escondes de mim? desmantel�mos juntos uma conspira��o, mas isso n�o � sen�o a primeira etapa. continuemos juntos! prefiro o ouro. restitui-o ao templo. vais trair-me? paser n�o respondeu. o vizir sobrep�e-se ao amigo, n�o � assim? n�o te percas no deserto, suti. � um mundo belo e hostil. quando te desiludires com o poder, ir�s ao meu encontro. n�o � o poder que eu procuro, mas a seguran�a do nosso pa�s, de n�s mesmos e da nossa f�. boa sorte, vizir. quanto a mim, retomo a pista do ouro.
e o jovem deixou o admir�vel jardim sem se virar. tinha-se esquecido de mencionar as exig�ncias de tapeni, mas que import�ncia tinha isso? antes de suti transpor a soleira da porta de sua casa, quatro pol�cias imobilizaram-no e amarraram-lhe as m�os atr�s das costas. alertada pelo ru�do da luta, pantera surgiu de faca em punho e tentou salvar o amante. feriu um dos pol�cias no bra�o, atirou outro ao ch�o, mas acabou por ser dominada e amarrada. os pol�cias conduziram imediatamente o casal ao tribunal, face a um flagrante delito de adult�rio. a senhora tapeni rejubilava, pois nunca esperara obter t�o brilhante resultado: � viola��o dos deveres conjugais, #390 acrescia a resist�ncia armada �s for�as da ordem. a exposi��o da bela morena seduzida e abandonada agradou aos jurados, que pantera n�o parava de insultar. por outro lado, a argumenta��o de suti n�o foi de maneira alguma convincente. como tapeni implorasse a indulg�ncia do j�ri, pantera foi condenada apenas a expuls�o imediata do territ�rio eg�pcio, e suti a um ano de pris�o, findo o qual deveria trabalhar para indemnizar a esposa ofendida. #cap�Tulo 40 paser olhou para a esfinge; os olhos da est�tua gigante contemplavam o sol nascente, confiantes na sua vit�ria sobre as for�as da destrui��o, alcan�ada a custo de uma dura batalha no mundo inferior. guardi� vigilante do planalto onde se erguiam as pir�mides de qu�ops, qu�fren e miquerinos, ela participava na eterna luta da qual dependia a sobreviv�ncia da humanidade. o vizir ordenou a uma equipa de pedreiros que deslocassem a grande esteia colocada entre as patas da esfinge, e logo apareceram um vaso selado e uma laje munida de uma argola. dois homens levantaram-na, abrindo o acesso a um corredor estreito e baixo. empunhando bateu com o avan�ar. de repente, tinham sido outro lado,
um archote, o vizir foi o primeiro a avan�ar. n�o longe da entrada, p� numa ta�a de dolerite. apanhou-a e, sempre curvado, continuou a uma parede impediu-o de continuar. � luz da chama, apercebeu-se de que soltas v�rias pedras, e uma fiada completa rodou sobre si mesma. do encontrava-se a c�mara baixa da grande pir�mide.
o vizir percorreu v�rias vezes o caminho seguido pelos ladr�es, ap�s o que examinou a ta�a. a dolerite, uma das rochas gran�ticas mais duras e mais dif�ceis de trabalhar, continha marcas de um produto muito gorduroso. intrigado, paser consultou o laborat�rio do templo de ptah, onde os especialistas as identificaram como sendo de �leo de pedra,
#392 cujo uso era proibido no egipto, pois este combust�vel, ao arder, sujava as paredes dos t�mulos e polu�a os pulm�es dos artes�os. o vizir exigiu que fosse feito um inqu�rito urgente junto dos mineiros do deserto ocidental e do servi�o encarregado dos pavios e dos �leos de ilumina��o. depois, dirigiu-se pela primeira vez � sala de audi�ncias, onde estavam reunidos os seus principais colaboradores. como mestre de obras das constru��es do fara�, director das equipas de artes�os e das associa��es de art�fices, encarregado de colocar cada um no seu devido lugar, informando-o dos seus deveres e garantindo o seu bem-estar, respons�vel pelos arquivos e pela administra��o do pa�s, superior hier�rquico dos escribas, chefe das for�as armadas, garante da paz civil e da seguran�a de estado, competia ao vizir falar com palavras claras, pesar os pensamentos, acalmar paix�es, manter-se impass�vel durante as tempestades e ter sempre em mente a justi�a, tanto nas grandes tarefas como nas pequenas. o seu traje oficial era um longo avental r�gido, feito de um tecido muito grosso, que lhe chegava � altura do peito e estava preso a duas al�as, que passavam por detr�s do pesco�o. sobre a tanga de peitilho, uma pele de pantera que evocava a rapidez de interven��o necess�ria � primeira figura do imp�rio a seguir ao fara�. uma pesada peruca escondia-lhe os cabelos e um largo colar cobria-lhe o colo. cal�ado com sand�lias de tiras de couro, e empunhando um ceptro na m�o direita, paser passou entre duas alas de escribas, subiu solenemente os degraus at� ao estrado onde se encontrava um cadeir�o de espaldar alto, e s� ent�o se voltou, encarando os seus subordinados. aos seus p�s estava estendido um pano vermelho, sobre o qual repousavam quarenta bast�es de comando, destinados a punir os culpados. o vizir prendeu uma miniatura da deusa ma�t � fina corrente de ouro que trazia ao pesco�o, declarando assim aberta a audi�ncia. o fara� enumerou com clareza os deveres do vizir, que n�o sofreram altera��o desde a primeira dinastia, desde o dia em que os nossos antepassados constru�ram este pa�s. n�s vivemos da mesma verdade de que vive o fara� e, todos juntos, continuaremos a fazer justi�a sem distin��o entre ricos e pobres. a nossa gl�ria consiste em estender essa justi�a a toda a terra, para que ela habite no nariz de todos os homens e expulse o mal dos seus corpos. protejamos o fraco do forte, n�o demos #393 ouvidos � lisonja, oponhamo-nos � desordem e � brutalidade. cada um de v�s deve a si mesmo a obriga��o de dar o exemplo; quem usar o seu cargo em proveito pr�prio perder� o t�tulo e o cargo. ningu�m ganhar� a minha confian�a com belos discursos; s� os actos a alimentar�o. a brevidade do discurso, o rigor do seu conte�do e a serenidade da sua voz deixaram estupefactos os altos funcion�rios. aqueles que contavam aproveitar-se da juventude e da inexperi�ncia do novo vizir para alargarem os seus per�odos de repouso renunciaram imediatamente a tais projectos; aqueles que esperavam ganhar com a
troca, com a partida de bagey, logo se desiludiram. a primeira ordem p�blica do vizir daria o tom. entre os seus predecessores, uns tinham-se preocupado sobretudo com o ex�rcito, outros com a irriga��o, outros ainda com a fiscalidade. que venha � minha presen�a o respons�vel pela produ��o de mel. um vento gelado soprava no deserto que rodeava o o�sis de khargeh. o velho apicultor, condenado � reclus�o at� ao fim dos seus dias, sonhava com os seus corti�os, os grandes potes onde as abelhas constru�am os seus favos. recolhia o mel sem protec��o, pois n�o as temia e apercebia-se da sua mais leve irrita��o. afinal, um dos s�mbolos do fara� era uma abelha, essa trabalhadora infatig�vel, ge�metra e alquimista capaz de criar um ouro comest�vel. da mais escura � mais transparente, o velho apicultor j� tinha recolhido cem qualidades de mel, at� ao dia em que um escriba invejoso o havia implicado num roubo. furtar o precioso alimento, cujo transporte era sempre escoltado pela pol�cia, era um delito grave. assim, jamais voltaria a vert�-lo em pequenos recipientes, depois selados com cera e numerados, jamais ouviria o zumbir do corti�o, a sua m�sica preferida. quando o sol chorou algumas l�grimas, ao cair no solo, tinham-se transformado em abelhas. nascidas da luz divina, elas haviam constru�do a natureza. mas agora o deus ra, mais n�o iluminava do que um corpo descarnado de for�ado, atarefado a cozinhar pratos infectos para os seus #394 camaradas de infort�nio. esquecendo o fog�o, foi atr�s dos outros prisioneiros. uma verdadeira expedi��o aproximava-se do campo prisional: cinquenta soldados, carros, cavalos e galeras. tratar-se-ia de um ataque dos l�bios? o velho esfregou os olhos e percebeu tratar-se da infantaria eg�pcia. os guardas do campo inclinaram-se perante um homem que, sem hesita��es, avan�ou para a cozinha. boquiaberto, o velho reconheceu paser. tu... tu salvaste-te? os teus conselhos foram �ptimos. porque regressaste? porque n�o esqueci a minha promessa. foge, e depressa! olha que eles prendem-te outra vez! fica descansado, agora sou eu quem d� ordens aos guardas. ent�o... voltaste a ser juiz? o fara� nomeou-me seu vizir. n�o fa�as pouco de um pobre velho.
dois soldados trouxeram at� junto deles um escriba obeso, quase asfixiado por um afrontoso duplo queixo. reconhece-lo? perguntou paser. � ele! o mentiroso que me fez ser condenado! proponho uma troca: ele toma o teu lugar na cadeia e tu ocupas o seu, � frente do servi�o de aprovisionamento do mel. o velho apicultor revirou os olhos e desmaiou nos bra�os do vizir. o relat�rio foi claro e conciso, e o juiz felicitou o escriba. o �leo de pedra, descoberto em grande quantidade no deserto ocidental, interessava sobremaneira aos l�bios. por v�rias vezes tentaram extra�-lo, a fim de o comercializarem, mas o ex�rcito do fara� havia-os impedido. os s�bios eg�pcios consideravam o petr�leo um produto nocivo e perigoso, para utilizar a express�o de adafi. na corte, havia apenas um especialista encarregado de estudar este combust�vel, para lhe determinar as propriedades. s� ele tinha #395 acesso ao produto, armazenado num entreposto do estado sob controlo militar. ap�s ter lido o seu nome, o vizir agradeceu aos deuses e dirigiu-se de imediato ao pal�cio real. explorei o subterr�neo que conduz da esfinge � c�mara baixa da grande pir�mide. que esse acesso seja para sempre selado ordenou o fara�. os pedreiros j� est�o a tratar disso. que ind�cios descobriste? uma ta�a de dolerite onde queimaram petr�leo para se iluminarem. quem requisitou o produto? o especialista encarregado de o estudar. qual o seu nome? � o qu�mico ch�chi, escravo e bode-expiat�rio de denes. sabes como encontr�-lo? ch�chi esconde-se em casa de denes, segundo informa��es recentes de kem. t�m mais c�mplices ou s�o eles apenas a alma da conspira��o? vou averiguar, majestade. a senhora tapeni impediu o cabriol� do vizir de se p�r em marcha.
quero falar contigo! o tenente encarregado de conduzir o ve�culo e zelar pela seguran�a de paser brandiu o chicote, mas o vizir susteve-lhe o gesto. � assim t�o urgente? tapeni afivelou uma express�o enigm�tica. os meus prop�sitos apaixonar-te-�o. paser desceu do cabriol�. s� breve. #396 encarnas a justi�a, n�o � verdade? pois bem, ter�s orgulho de mim! uma mulher enganada, abusada, arrastada pela lama, � ou n�o � uma v�tima? certamente que sim. o meu marido ridicularizou-me e o tribunal puniu-o. o teu marido... isso mesmo, o teu amigo suti. a puta l�bia com quem vivia foi expulsa do egipto, e ele condenado a um ano de pris�o. uma pena bem leve e uma reclus�o bem doce, na verdade; o tribunal enviou-o para o ex�lio em tjaru, na n�bia, onde ir� refor�ar a guarni��o. o lugar � pouco acolhedor, segundo parece, mas suti ter� o privil�gio de colaborar na defesa do seu pa�s contra a barb�rie africana. quando voltar, ser� colocado num corpo de estafetas e ser� obrigado a dar-me uma pens�o. deviam separar-se sem m�goas. por�m, mudei de opini�o; amo-o, que queres, e n�o suporto que me deixem. e tu, se intercederes a seu favor, estar�s a violar a regra de ma�t, e denunciar-te-ei. o sorriso dela era amea�ador. suti cumprir� ent�o a sua pena admitiu o vizir engolindo a c�lera. mas, quando regressar... se me agredir, ser� acusado de tentativa de assassinato e mandado para o degredo. � meu escravo e assim ficar� para sempre. o seu futuro sou eu olha que o inqu�rito sobre o assassinato de branir continua aberto, tapeni. compete-te a ti identificar o culpado. � esse o meu mais premente desejo. n�o me disseste uma vez que estavas na posse de alguns segredos? simples bravata. ou imprud�ncia? n�o �s uma h�bil manejadora da agulha? tapeni deu mostras de alguma perturba��o. no meu of�cio isso � imperativo.
pergunto-me se n�o ser�s at� h�bil de mais; se o assassino n�o estar� at� bem perto de mim? a bela morena n�o sustentou o olhar do vizir e virou-lhe as costas. #397 paser deveria ter ido em seguida a casa do chefe da pol�cia, mas preferiu assegurar-se da veracidade dos prop�sitos de tapeni. mandou por isso pedir os relat�rios da audi�ncia e do julgamento de suti. os documentos confirmaram o drama. a posi��o do vizir era a pior poss�vel; como socorrer o amigo sem infringir a lei de que era o garante? taciturno, indiferente � tempestade que se aproximava, subiu para o cabriol�. na companhia de kem, tinha de dar os �ltimos retoques no seu plano de ac��o. n�f�ret tinha conseguido tirar alguns minutos ao seu tempo j� t�o sobrecarregado, para tratar do f�gado de silkis. apesar de ainda muito nova, a mulher de bel-tran depressa ganhava indesejados volumes logo que a sua gulodice era mais forte do que a vontade de emagrecer. dois dias a dieta parecem-me indispens�veis. julguei que morria... as n�useas quase me sufocavam! mas aliviam-te o est�mago. sinto-me t�o cansada... mas at� me envergonho de o dizer � tua frente! eu, que n�o me ocupo sen�o dos meus filhos e do meu marido. como tem ele passado? est� content�ssimo por trabalhar sob as ordens de paser, que ele tanto admira! os dois, com as suas qualidades respectivas, assegurar�o a prosperidade do pa�s. n�o temes a solid�o, como eu? sejam quais forem as nossas obriga��es, vemo-nos todos os dias e trocamos opini�es. sem os la�os que nos unem, n�o ser�amos ningu�m. perdoa-me a indiscri��o, mas... n�o gostarias de ter um filho? n�o antes de se conhecer o assassino de branir. foi um juramento que fizemos perante os deuses, e manter-nos-emos fi�is a ele. um manto negro cobriu m�nfis. nuvens espessas pairavam sobre a cidade, devido � aus�ncia de vento. os c�es uivavam. denes #398 acendeu at� v�rias candeias, t�o pouca era a luz que havia. a mulher dormia sob o efeito de um calmante; o famoso dinamismo de n�nofar tinha-se extinguido, dando lugar a uma lassitude permanente. d�cil e submissa, n�o lhe traria mais aborrecimentos. denes foi encontrar-se com ch�chi na oficina onde o qu�mico passava o tempo a afiar l�minas de punhais e espadas; era a maneira que o t�cnico do bigodinho tinha de libertar a tens�o.
denes estendeu-lhe uma ta�a de cerveja. descansa um pouco. h� not�cias de paser? o vizir ocupa-se da recolha do mel. o seu discurso impressionou os altos funcion�rios, mas n�o passou de palavras. os cl�s n�o tardar�o a degladiar-se, e ele n�o se vai aguentar por muito tempo. �s optimista. a paci�ncia � uma das maiores qualidades. se qadash o tivesse entendido, ainda estaria neste mundo. deixa o novo vizir afadigar-se; n�s saborearemos os prazeres da exist�ncia enquanto esperamos pelos do poder absoluto. envelhecer s� mais uns meses: eis o meu �nico sonho. discreto, eficaz, infatig�vel... ser�s um homem de estado not�vel. gra�as a ti, a ci�ncia eg�pcia dar� um gigantesco passo em frente. o petr�leo, as drogas, a metalurgia... este pa�s est� subaproveitado. ao desenvolvermos as t�cnicas de que rams�s desdenhou, livrar-nos-emos para sempre das tradi��es. de s�bito, o empolgamento de ch�chi esmoreceu. est� algu�m l� fora. n�o dei por nada. vou ver. � sem d�vida algum jardineiro. eles n�o v�m para os lados da oficina. desconfiado, ch�chi encarou denes. ter�s tu convocado o devorador de sombras? os tra�os do transportador endureceram. qadash pisou o risco, tu n�o. um clar�o riscou o c�u e um raio caiu na terra. o qu�mico saiu #399 da oficina, deu alguns passos em direc��o a casa e voltou a correr para junto de denes. este �ltimo nunca tinha visto o c�mplice t�o l�vido; ch�chi batia os dentes, aterrorizado. um fantasma! acalma-te. uma forma mais negra do que a noite, com uma chama no lugar do rosto!
domina-te e vem comigo. reticente, o qu�mico acedeu. a ala esquerda da casa estava em chamas. �gua, depressa! denes desatou a correr, mas uma forma negra, parecendo jorrar fogo, barrou-lhe o caminho. o transportador recuou. quem... quem �s tu? o fantasma brandia um archote. recuperando parte do seu sangue-frio, ch�chi foi buscar um punhal � oficina e avan�ou para o misterioso advers�rio. mal se aproximou, o espectro espetou-lhe o archote na cara. as carnes encarquilharam-se, entre estalidos, o qu�mico soltou um urro e caiu de joelhos, tentando arrancar o instrumento do seu supl�cio. ent�o, a sinistra criatura apanhou o punhal que ele tinha deixado cair e rasgou-lhe a garganta de l�s a l�s. horrorizado, denes correu para o jardim, mas a voz do fantasma obrigou-o a estacar. ainda queres saber quem sou? ele virou-se. era um ser humano quem o desafiava, e n�o um dem�nio das profundezas. a curiosidade substituiu o medo. olha, denes. contempla a tua obra e a de ch�chi. estava t�o escuro que o transportador teve de se aproximar. ao longe, ouviam-se gritos. a vizinhan�a j� se tinha apercebido do inc�ndio. o fantasma descobriu-se. o seu rosto delicado mais n�o era do que uma chaga mal cicatrizada. reconheces-me? princesa hattusa! #400 destru�ste-me, e vou destruir-te. assassinaste o ch�chi... castiguei o meu carrasco. aquele que matou fica prisioneiro do seu crime para sempre. hattusa mergulhou o punhal nas chamas, como se a sua m�o n�o as sentisse. n�o escapar�s, denes. e avan�ou para ele com a l�mina incandescente.
denes podia facilmente t�-la dominado com um encontr�o; mas o estado tresloucado da princesa hitita dissuadiu-o de a enfrentar. a pol�cia se encarregaria de a prender. um clar�o rasgou o c�u, um raio caiu sobre a cidade e uma l�ngua de fogo irrompeu do muro que se desmoronou e incendiou as roupas de denes. estrebuchando, ele rebolava-se no ch�o para apagar as chamas. e nem viu surgir o fantasma com a morte no rosto. #cap�Tulo 41 o cortejo f�nebre avan�ava lentamente. kem escoltou-o at� � fronteira; hattusa, sentada num cabriol�, mantinha-se inerte como uma est�tua sem alma. quando ele a interpelara no local da trag�dia, ela n�o tinha oposto resist�ncia. alguns servos, que tinham acorrido para apagar o inc�ndio, tinham-na visto arrastar os cad�veres de ch�chi e denes para o braseiro. depois, uma b�tega violenta abatera-se sobre m�nfis, apagando as chamas e lavando o sangue das m�os da princesa hitita. a criminosa n�o respondeu a nenhuma das perguntas do vizir, t�o transtornado que at� a voz lhe tremia. depois de relatar os factos a rams�s, este ordenou aos mumificadores que preparassem sumariamente os corpos dos dois conspiradores e os enterrassem num local afastado, longe da necr�pole e sem ritos funer�rios; o mal tinha derrubado os enviados das trevas pelo bra�o de hattusa. com a concord�ncia do vizir, an�ncio desta liberta��o, que qualquer reac��o. aniquilada, de olhar inacess�veis a qualquer outra
o rei decidiu devolver a princesa ao seu pa�s; o ela h� tanto esperava, n�o desencadeou no entanto ausente, hattusa deambulava perdida em mundos pessoa.
o documento oficial que kem remeteu a um oficial hitita evocava uma doen�a incur�vel e a necessidade de a princesa voltar para junto da fam�lia. a honra do soberano estrangeiro estava assim salvaguardada, e nenhum incidente diplom�tico perturbaria a paz alcan�ada por t�o elevado pre�o. #402 sob a direc��o vigilante de paser, os oper�rios reviraram os escombros da casa de denes e reuniram os poucos objectos encontrados. foi o pr�prio rams�s quem os examinou. julgou o povo que o rei demonstrava assim o seu interesse pelo destino tr�gico do transportador e do qu�mico, quando afinal ele apenas procurava em v�o alguma pista do testamento dos deuses, roubado da grande pir�mide. a decep��o foi cruel. ser� que nos livr�mos de todos os conspiradores? ignoro-o, majestade. de quem desconfias? denes parecia ser o chefe. tentou manipular o general asher e a princesa hattusa, a fim de estabelecer liga��es com pot�ncias estrangeiras; tinha sem d�vida em
mente uma mudan�a pol�tica assente no com�rcio. sacrificar o esp�rito do egipto ao materialismo circundante... eis o mais pernicioso dos projectos! sabes se a mulher o ajudou? n�o, majestade. ela nem sequer tem consci�ncia de que o marido tentou mat�-la. foram os servos que a salvaram; saiu de m�nfis e foi morar para casa dos pais, no norte do delta. dizem os m�dicos que a examinaram que perdeu o ju�zo. nem ela nem denes possu�am a envergadura necess�ria para conquistarem o trono. sup�e que o transportador guardava o testamento em casa; n�o ter� ele sido devorado pelas chamas? mas, se ningu�m puder apresent�-lo na festa da regenera��o, nem tu pr�prio nem o teu advers�rio, o que suceder�? uma d�bil esperan�a renasceu. enquanto vizir, reunir�s as autoridades do pa�s e explicar-lhes-�s a situa��o; depois, falar�s ao povo. quanto a mim, celebrarei uma era de renova��o dos nascimentos, marcada pela redac��o de um novo pacto com os deuses. talvez venha a fracassar, pois o processo � longo e dif�cil; mas, pelo menos, n�o ser� um enviado das trevas a conquistar o poder. quem dera que tivesses raz�o, paser, e que denes fosse o instigador desta conspira��o. #403 como faziam todas as tardes, as andorinhas dan�avam sobre o jardim onde paser e n�f�ret se reencontravam ao fim de um intenso dia de trabalho. passavam em voo rasante, soltando agudos pios de contentamento, executavam piruetas a alta velocidade e tra�avam amplas curvas no c�u azul do inverno. constipado, respirando a custo, o vizir tinha sido alvo de um rigoroso exame da m�dica-chefe. a minha sa�de fr�gil devia ser impeditiva do cargo que ocupo. � mas � uma d�diva dos c�us atalhou n�f�ret. pelo menos, obriga-te a reflectir em vez de marrares obstinadamente no trabalho como um carneiro. al�m disso, n�o te debilita minimamente as energias. pareces-me ansiosa. dentro de uma semana vou apresentar ao conselho dos m�dicos as medidas a tomar para melhorar a sa�de p�blica. algumas n�o lhes v�o agradar, mas quanto a mim s�o indispens�veis. o confronto ser� duro. bravo e diabrete tinham selado uma tr�gua. o c�o dormia aos p�s do dono, e a pequena sagu� debaixo da cadeira da dona. a data da festa da regenera��o foi anunciada em todo o pa�s informou paser. por ocasi�o da pr�xima cheia, rams�s, o grande renascer�. depois da morte de denes e ch�chi, mais algum conjurado se manifestou?
nenhum. o testamento ter� ent�o sido consumido pelas chamas. � o que parece cada vez mais prov�vel. no entanto, tu ainda tens d�vidas. guardar em casa um documento de tanto valor parece-me uma aberra��o. mas denes era t�o pretensioso que se julgava invulner�vel. e o suti? o julgamento decorreu dentro da legalidade, sem qualquer v�cio de forma. #404 que fazer, ent�o? n�o encontro solu��o jur�dica. mas, se lhe preparares uma evas�o, ser� um golpe de mestre. tu l�s os meus pensamentos. desta vez, kem n�o me vai ajudar; se o vizir participa numa ac��o deste g�nero, rams�s ver� o seu nome arrastado na lama e manchado o seu prest�gio. mas o suti � meu amigo e jur�mos ajudar-nos um ao outro fosse qual fosse a situa��o. pensemos juntos; faz-lhe pelo menos saber que n�o o abandonaste. com dezenas de quil�metros para percorrer, um odre cheio de �gua e alguns peixes secos � laia de farnel, sozinha e desarmada, pantera n�o tinha quaisquer possibilidades de sobreviv�ncia. a pol�cia eg�pcia tinha-a abandonado na fronteira da l�bia, dando-lhe ordem para regressar ao seu pa�s e n�o mais voltar � terra dos fara�s, sob condi��o de sofrer uma pesada pena. na melhor das hip�teses, seria detectada por um bando de salteadores n�madas, violada e feita escrava at� ao aparecimento das primeiras rugas. mas a l�bia de cabelos loiros voltou as costas ao seu pa�s natal. jamais abandonaria suti. do noroeste do delta ao forte n�bio, onde o seu amante se encontrava prisioneiro, a viagem seria intermin�vel e cheia de perigos. teria de trilhar caminhos intransit�veis, procurar �gua e comida, escapar aos bandos itinerantes. mas a senhora tapeni n�o sairia vitoriosa deste combate � dist�ncia. soldado suti? o jovem n�o respondeu ao graduado. um ano de regime disciplinar na minha fortaleza... os juizes deram-te um belo presente, meu menino. tens de te mostrar digno dele. de joelhos. suti fitou o seu interlocutor demoradamente. #405
�s duro de roer... gosto disso. que tal, n�o te agrada este lugar? o prisioneiro olhou em volta: as margens de um nilo selvagem, o deserto, as colinas tisnadas pelo sol, um c�u azul intenso, um pelicano a pescar, um crocodilo estirado sobre um rochedo. tjaru tem os seus encantos. a tua presen�a � que estraga o ambiente. espirituoso ainda por cima! menino rico, suponho? nem imaginas a dimens�o da minha fortuna. impressionas-me. e isto � s� o come�o. de joelhos. quando se fala com o comandante desta fortaleza, �-se bem-educado. dois soldados empurraram suti pelas costas, e ele caiu de borco. assim est� melhor. n�o vieste para aqui para descansar, meu menino. a partir de amanh�, vais montar guarda ao nosso posto mais avan�ado; desarmado, est� bom de ver. se uma tribo n�bia nos atacar, seremos prevenidos gra�as a ti. as suas torturas s�o t�o eficazes que os gritos das v�timas chegam muito longe. rejeitado por paser, separado de pantera para sempre, esquecido por todos, suti n�o sairia com vida de tjaru, a menos que o �dio lhe desse for�as para vencer o destino. � sua espera, estavam o ouro e tamb�m a senhora tapeni. bak tinha dezoito anos. nascido numa fam�lia de oficiais, era de baixa estatura, esfor�ado e corajoso. de cabelos negros e ar distinto, possu�a uma voz cantante e firme; depois de ter hesitado entre a carreira das armas e a paleta de escriba, tinha entrado para o servi�o de arquivo precisamente antes da nomea��o de paser. ao escriba mais novo cabiam por tradi��o as tarefas mais ingratas, nomeadamente a classifica��o dos documentos utilizados pelo vizir durante a an�lise dos processos. por essa raz�o, bak tinha nas suas m�os os documentos referentes ao caso do petr�leo, que, depois da morte de ch�chi, haviam deixado de ter interesse. #406 meticuloso, bak guardou-os numa caixa de madeira que o pr�prio vizir selaria e s� voltaria a ser aberta por ordem sua. a opera��o seria normalmente r�pida, mas bak teve o cuidado de examinar os pap�is um por um. e ainda bem que o fez. num deles, faltava a anota��o do vizir, que, obviamente, n�o tinha tomado conhecimento desse texto. o pormenor poderia parecer sem import�ncia, uma vez que o caso estava encerrado; no entanto, o jovem arquivista elaborou um relat�rio sobre a constata��o feita e remeteu-o ao seu superior, para que seguisse a via hier�rquica. paser fazia sempre quest�o de ler todas as notas, observa��es e cr�ticas enviadas pelos seus subordinados, fosse qual fosse o seu posto; e assim lhe veio parar �s m�os a nota de bak. o vizir chamou o funcion�rio � sua presen�a ao fim da manh�.
o que descobriste tu de anormal? falta o teu sinete no relat�rio de um empregado do tesouro que foi demitido. ora deixa ver. com efeito, paser descobriu um documento in�dito. um escriba da sua pr�pria administra��o tinha-se certamente esquecido de o meter no estojo dos papiros relativos ao petr�leo. �o gr�o de areia na engrenagem�, pensou o vizir, lembrando-se do jovem juiz de prov�ncia que, pelo simples prazer de fazer bem o seu trabalho, tinha descoberto um cancro que se preparava para destruir o egipto. a partir de amanh�, ficas respons�vel pelo controlo dos arquivos, anotar�s todas as anomalias e vir�s todas as manh�s ao meu gabinete fazer-me o relat�rio. ao sair do escrit�rio do vizir, bak correu para a rua e, ao apanhar-se ao ar livre, soltou um grito de alegria. este convite parece-me um pouco solene de mais disse bel-tran, calmamente. pod�amos ter almo�ado em minha casa. #407 n�o quero parecer excessivamente cerimonioso declarou paser, mas creio que tu e eu devemos submeter-nos �s nossas respectivas fun��es. tu �s o vizir e eu o director da dupla casa branca e o respons�vel pela economia do pa�s; e, de acordo com a hierarquia, devo-te obedi�ncia. terei traduzido correctamente a tua ideia? assim trabalharemos em harmonia. bel-tran tinha engordado e o seu rosto, j� de si redondo, come�ava a tornar-se lunar. e, apesar da habilidade das suas tecel�s, continuava espartilhado numa tanga demasiado apertada. o especialista em finan�as �s tu, n�o eu; os teus conselhos ser�o muito bemvindos. conselhos ou directivas? a economia n�o deve sobrepor-se � arte de governar; os homens n�o vivem s� dos bens materiais. a grandeza do egipto prov�m da sua vis�o do mundo, e n�o da sua pujan�a econ�mica. os l�bios e as narinas de bel-tran crisparam-se, mas ele n�o respondeu. gostava de tirar uma pequena d�vida. mexeste recentemente num produto perigoso, o petr�leo? quem me acusa?
o termo parece-me excessivo. o relat�rio de um funcion�rio, que tu demitiste, p�e-te em causa. que acusa��es me faz? que terias levantado durante um curto per�odo a interdi��o de se explorar petr�leo numa zona bem delimitada do deserto ocidental e autorizado uma transac��o comercial sobre a qual recebeste antecipadamente uma percentagem significativa. uma opera��o pontual e muito lucrativa; nada de ilegal, afinal, uma vez que obtiveste o acordo do especialista respectivo, o qu�mico ch�chi. mas acontece que ele era um criminoso, envolvido numa conspira��o contra o estado. que pretendes insinuar? essa rela��o deixa-me inquieto. trata-se certamente de uma infeliz coincid�ncia, mas, como amigo, pe�o-te uma explica��o. bel-tran levantou-se. #408 a sua fisionomia modificou-se t�o brutalmente que deixou paser estupefacto. o rosto af�vel e caloroso deu lugar a um f�cies rancoroso e arrogante. e a sua voz, geralmente nervosa, mas ponderada, carregou-se de viol�ncia e agressividade. uma explica��o, como amigo... que ingenuidade! como �s de compreens�o lenta, meu caro paser, meu vizir de pacotilha! o qadash, o ch�chi, o denes... meus c�mplices? diz antes meus dedicados servidores, tivessem ou n�o disso consci�ncia! se te apoiei contra os tr�s, foi por causa das est�pidas ambi��es de denes; queria por for�a ocupar o cargo de director da dupla casa branca e controlar as finan�as do pa�s. ora esse papel era meu; uma simples etapa para chegar ao vizirato, que tu me roubaste! toda a administra��o me reconhecia como o mais competente, os cortes�os s� sugeriam o meu nome quando o fara� os consultava, e foi a ti, um obscuro juiz ca�do em desgra�a, que o rei escolheu. bela manobra, meu caro; surpreendeste-me. enganas-te. eu n�o, paser! o passado n�o me interessa. ou fazes o teu pr�prio jogo e perdes tudo, ou, ent�o, obedeces-me, e fa�o de ti um homem muito rico, sem as preocupa��es de um poder que n�o �s capaz de assumir. eu sou o vizir do egipto. tu n�o �s nada, porque o fara� est� condenado. significa isso que tens na tua posse o testamento dos deuses? um rictus de satisfa��o aflorou o rosto lunar do financeiro. com que ent�o rams�s fez-te confid�ncias. que erro monumental! na verdade, j� n�o � digno de reinar. demasiadas hesita��es, meu caro amigo. ent�o, est�s comigo, ou contra mim?
nunca sofri um desgosto t�o profundo. as tuas emo��es n�o me interessam. como suportas tu a tua pr�pria hipocrisia? � uma arma bem mais �til do que a tua rid�cula probidade. sabias que a gan�ncia � um dos maiores pecados mortais, e que te privar� da sepultura? bel-tran soltou uma gargalhada. a tua moral � igual � de uma crian�a retardada. os deuses, os templos, as moradas eternas, os rituais... tudo isso � rid�culo e retr�grado. #409 n�o tens a m�nima consci�ncia do mundo novo em que estamos a entrar. tenho grandes projectos, paser; e p�-los-ei em pr�tica ainda antes de destronar rams�s, esse rei senil, preso a tradi��es ultrapassadas. abre os olhos e contempla o futuro! restitui os objectos roubados da grande pir�mide. o ouro � um metal raro e de grande valor; que sentido faz imobiliz�-lo na forma de objectos rituais que s� um morto pode contemplar? os meus aliados fundiram-nos. agora, disponho de uma fortuna suficiente para comprar um bom n�mero de consci�ncias. posso mandar-te prender imediatamente. n�o, n�o podes. basta-me um gesto para derrubar rams�s; e tu ser�s arrastado na queda. mas hei-de intervir no momento certo e segundo o plano previamente estabelecido. meteres-me na pris�o ou fazeres-me desaparecer n�o impediria o curso dos acontecimentos. tu e o teu rei est�o atados de p�s e m�os. n�o sirvas por mais tempo um morto-vivo, serve-me antes a mim. estou a dar-te uma �ltima oportunidade, paser. agarra-a. moverei contra ti um combate sem tr�guas. em menos de um ano, o teu nome ser� apagado dos anais. usufrui bem da tua linda esposa, pois em breve tudo se desmoronar� � vossa volta. o teu universo est� podre, e fui eu quem roeu os pilares que o sustinham. tanto pior para ti, vizir do egipto. vais arrepender-te de me teres subestimado. o fara� e o seu vizir foram conversar para a c�mara secreta da casa da vida de m�nfis, longe de olhos e ouvidos indiscretos. paser contou toda a verdade a rams�s. bel-tran, o fabricante de papiros, o not�vel encarregado de difundir os grandes textos, o respons�vel pela economia do pa�s... sabia-o pouco escrupuloso, ambicioso
e agarrado ao dinheiro, mas n�o podia imaginar que fosse um traidor, um destruidor. bel-tran teve tempo para estender a sua teia, granjear cumplicidades em todas as classes sociais, gangrenar as administra��es. vais demiti-lo j�? #410 n�o, majestade. finalmente, o mal apareceu-nos de cara descoberta; compete-nos agora descobrir a sua estrat�gia e encetar uma luta sem quartel. bel-tran tem na sua posse o testamento dos deuses. provavelmente, n�o age sozinho; elimin�-lo n�o te garante a vit�ria. nove meses, paser; restam-nos nove meses, a dura��o de uma gesta��o. declara-lhe guerra, identifica os aliados de bel-tran, desmantela as suas fortalezas, desarma os soldados das trevas. lembremo-nos das palavras do velho s�bio ptah-hotep: magna � a regra, duradoura a sua efic�cia nada ousou perturb�-la desde o tempo de os�ris. a iniquidade � capaz de se apossar da quantidade, mas nunca o mal levar� tal empresa a bom porto. n�o te empenhes em maquina��es contra a esp�cie humana, pois deus castiga tal procedimento... ele vivia no tempo das grandes pir�mides e era vizir, como tu. quem dera que ele tivesse raz�o. as suas palavras atravessaram os tempos. n�o � o meu trono que est� em jogo, mas a civiliza��o do amanh�. ou a move a trai��o, ou a justi�a. do t�mulo de branir, paser e n�f�ret contemplaram a imensa necr�pole de saqqarah, que dominava a pir�mide em degraus do fara� Dj�ser. os sacerdotes do ka, servidores da alma imortal, cuidavam dos jardins dos t�mulos e depunham oferendas nos altares das capelas abertas aos peregrinos. cortadores de pedra restauravam uma pir�mide do antigo egipto, outros abriam uma sepultura. na cidade dos mortos, reinava a serenidade. o que decidiste fazer? perguntou n�f�ret a paser. lutar. lutar at� ao fim. havemos de descobrir o assassino de branir. n�o foi j� castigado? denes, ch�chi e qadash desapareceram em circunst�ncias apavorantes; e a lei do deserto condenou o general asher. #411 o culpado ainda anda � solta afirmou ela. quando a alma do nosso mestre conhecer enfim a paz, nascer� no c�u uma nova estrela. a jovem pousou a cabe�a docemente no ombro do vizir. fortalecido pela for�a e pelo amor, o juiz do egipto travaria uma batalha antecipadamente perdida, na
esperan�a de que a felicidade daquela terra divina n�o desaparecesse da mem�ria do nilo, do granito e da luz.