A Lenda de Godofredo Alexandre Carvalho Era uma vez, em um lugar muito distante daqui, um papagaio chamado Godofredo. À primeira vista Godofredo era um papagaio comum e existiam até outros papagaios mais bonitos que ele na região. Pertencia a uma viúva chamada Carola, que morava ao lado de uma igreja evangélica. Dona Carola nunca perdia uma programação de culto. Sempre estava em todas as atividades daquela igreja e Godofredo já havia se acostumado a ficar longos períodos sozinhos. Tinha seu lugar sempre junto a janela, sua própria rotina e era quase um ser humano. Certa vez, Dona Carola foi acometida de uma enfermidade que a impediu de estar nas atividades da igreja. Mas, como morava ao lado do templo, ela poderia ouvir claramente os cultos e isto já confortava seu coração. Além disso, podia contar com a companhia de Godofredo, que nunca reclamava de coisa alguma. Momentos antes do horário de início do culto daquela noite de sábado, Dona Carola grudou em sua bíblia, fez sua oração, desligou a TV, que transmitia um programa de um pastor famoso, e estava concentradíssima para não perder nadinha da programação. O barulho era alto, mas ela já não ouvia muito bem e queria silêncio. Início do culto. O pastor dá as boas vindas, pede orações por Dona Carola, dá os demais avisos e ora. O coraçãozinho dela dispara. _ Parece até que estou lá! Suspira. _ Ouvi até um “Aleluiiia!” aqui pertinho. Até parece o Godofredo, vê se pode? Pensou alto. Terminada a oração inicial, o pastor convida o grupo de louvor. Começa a primeira música e Dona Carola quase enfarta de susto. Godofredo começa a cantar junto com o grupo. _ Godofreeedo! Não é que você conhece a música todinha, todinha!!! Mas isto não era nada comparado ao que estava por vir. Terminada a primeira música, Godofredo começa a ministração: _ Sintam a presença do Espírito Santo, meus irmãos. Recebam as bênçãos de Deus nesta noite. Comece a glorificar o nome do Senhor! Aleluiiiia! As asinhas pra cima e as penas arrepiadas. Dona Carola ficou em estado de choque. Deus estava falando através de seu papagaio, deveria estar vendo coisas. E a ministração não parava. Ele emendou na outra música, depois na outra, até terminar o período de louvor. _ Deuuus do Céééuuu! Exclamou ela. Abriu rapidamente sua bíblia para encontrar uma palavra de Deus sobre aquilo. Como em uma caixinha de promessas, ela abre em Números 22:28, que diz: “Então o Senhor abriu a boca da jumenta, a qual disse a Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes?” _ Se Deus Fez isso com uma mula, não vai fazer com um papagaio que é muito mais fácil? Ela concluiu. E começou a glorificar a Deus.
Na manhã seguinte, após uma noite mal dormida. Ela aguarda ansiosamente o início do culto. Poderia ter sido um sonho, um delírio de febre, sei lá. Começa o culto e o Godofredo começa a cantar e ministrar feito gente grande. _ Preciso contar isso pra alguém, meu Pai. Ela desabafa. Imediatamente liga para sua companheira de oração. _ Beata (abreviação dela para Beatriz), você tá no culto? Cochichando. _ Claro que Sim! Dona Beata responde. _ Então corre aqui um minutinho. _ Você tá bem? Precisa de socorro? A preocupação a fez levantar um pouco a voz. Ouve-se um “Pschiiiiii!” em volta. _ Eu tô bem. Mas vem rápido. Diz Dona Carola quase tropeçando nas palavras. Achando que algo mais sério havia acontecido, Dona Beata chama o presidente do corpo diaconal, a líder da interceção e um irmão que era balconista de uma farmácia do bairro (foi o mais próximo de um médico que deu pra arrumar). Ao ver o pequeno grupo saindo, mais uns curiosos se juntaram e, em dois minutos, uma tropa de choque esbaforida entrava pela casa de Dona Carola. Uma barulheira de gente orando, perguntando por ela, comentando a cor da parede da sala, etc... Quando chegam ao quarto dela, espanto geral! Lá estava Godofredo, de olhos fechados, cantando e ministrando o louvor. Quase ao mesmo instante, o pastor recebia um bilhetinho informando o ocorrido e foi conferir. _ ÉÉÉ de Deeuuus! Exclama o pastor, já com lágrimas nos olhos. Dias depois, ao iniciar o culto, surpresa na igreja. Godofredo estava na liderança do louvor. Ele não se espantou com a “casa cheia”, cantou e ministrou como nunca. Muitos choraram naquela noite, outros comentaram que nunca haviam visto um mover de Deus tão grande como aquele. Houve brados e gente caída ao chão. Aquilo foi algo extraordinário na vida daquele lugar. A cada culto a igreja ficava mais cheia. Logo já havia a necessidade de dois cultos. Godofredo era convidado para ministrar em vários lugares, ganhou destaque em cartazes de conferências e congressos de outras igrejas. Até que um dia, em meio a tantas outras correspondências convidando o ministro papagaio, havia uma do XXIII Congresso Internacional de Adoração. Uau! O Godofredo vai ser conhecido no mundo todo, comemoraram. Glória a Deus! Diziam outros. O pastor organizou uma caravana para prestigiar o mais ilustre membro da igreja (sim, Godofredo havia sido aceito por aclamação) naquele importante evento. Na carta havia um detalhe que acabou sendo deixado de lado: Não precisa trazer a banda pois sua participação será ... Nem leram o resto. Provavelmente vão usar uma banda composta por músicos de vários países, deduziram. Chegado o dia, lá estava Godofredo. Roupinha feita especialmente para a ocasião, fotos com os “caras” famosos do meio, aquecimento vocal e tudo o mais. A programação começa. Corações acelerados. Agradecimentos, abertura em grande estilo, orações belíssimas. Chega o louvor mas... Nada de chamarem o Godofredo. _ Xi, Godofredo. Você vai ter uma participação especial. Tá podendo, hein! Disse o guitarrista da banda da igreja (sempre com uma “palavra de Deus” na ponta da língua). A certa altura do evento, com tradução em seis idiomas, anunciaram: _ Gostaríamos de chamar o ministro de louvor Godofredo para compartilhar conosco um pouco do que Deus tem feito em sua vida. _ Ãããhhh????? Como assim? Ele não vai cantar e ministrar? O povo daquela igrejinha gritou quase em uníssono. Cobraram explicações da organização. Mas, quando uma moça, devidamente uniformizada,
informou que estava claro no convite que ele daria um testemunho do que Deus tem feito em sua vida, lembraram que não haviam lido todo o texto da carta. E o irmão Godofredo (o ministro papagaio) foi conduzido ao púlpito central do evento. Silêncio total na platéia. Trinta segundos... Um minuto... E nada do Godofredo começar a falar. Ouvia-se um glória aqui, um aleluia ali, mas da boca do Godofredo... Nada. _ Solta uma “musiquinha”, pra ele sentir o clima lá da igreja. O guitarrista pediu ao técnico do som. _ Não podemos. Respondeu o rapaz, informando que o dirigente pediu para não usar nada que pudesse desviar a atenção do que Deus iria fazer através do ministro papagaio. _ Pô, maior “vacilão”! Respondeu com indignação o guitarrista. Dois minutos... Deve estar orando. Pensavam alguns. Três minutos e... Godofredo começou a limpar a pata e coçar embaixo das asas. Coisas normais que os papagaios fazem. E, como o dirigente havia pedido, nada desviou a atenção do que Deus queria dizer aquela noite: “Se não tivermos experiências com Deus pra contar, nossa ministração fica igual a do Godofredo”. Naquela noite, além dos membros daquela igrejinha, todo o mundo ficou sabendo que Godofredo não fazia nada além de repetir frases que ouviu durante sua vida como vizinho de igreja. Muitos enxergaram e ouviram o que Deus queria ensinar a eles. Com exceção do guitarrista, que saiu de lá dizendo que era melhor que o Godofredo e querendo ministrar no culto seguinte. Godofredo virou uma lenda e continua ministrando na casa da Dona Carola, o guitarrista achou uma nova igreja onde gravou inclusive um CD com suas ministrações. Mas graças a Deus, aquela simples igrejinha nunca mais esqueceu o que era louvor de verdade. Louvor de dentro para fora. “Venham e ouçam, todos vocês que temem a Deus; vou contar-lhes o que Ele fez por mim” (Sl 66:16, NVI). Todo aquele que é nascido de novo em Jesus deve ser capaz de contar o que Deus tem feito por ele. Muito mais quem está no altar ministrando, seja com instrumentos, com palavras ou com dança. Poucas pessoas antes da ministração pedem que Deus lhes dê as palavras para que ministrem à congregação. Este era o pedido de Davi e deve ser o nosso, todos os dias (Sl 51:15). É muito triste ver “Godofredos e Godofredas” espalhados por nossas igrejas, sem que ninguém lhes ensine o caminho certo. Muitos deles são exaltados por sua arte, como se apenas isto bastasse. Comparo isto a alguém que tem uma bomba relógio nas mãos, sem o mostrador; não há como saber o momento em que vai explodir. Precisamos dar a esta geração um futuro melhor que ser “artistas” em igrejas locais. Cabe a nós ensinar os meninos no caminho em que devem andar (Pv 22:6) e cabe a nós orientar os Godofredos adultos que já ministram por aí, que se desviaram ou nunca estiveram no caminho.