A ATUALIDADE DE MARX Nildo Viana* Uma das maiores dificuldades para a sociologia e o pensamento social contemporâneo é compreender a realidade em que vivemos. As inúmeras questões sociais, tais como a fome, a corrupção, as obras artísticas, as relações internacionais, entre diversos outros fenômenos, são temas de estudos e análises que, muitas vezes, não escapam da mera descrição ou então de interpretações equivocadas. É neste sentido que o pensamento de Karl Marx mantém a sua atualidade, enquanto referencial de análise da realidade que permite superar as incompreensões e limites das análises da realidade social. Sendo Marx um pensador do século 19, e que muitos, desde o início do século 20 julgava ultrapassado, como seu pensamento poderia ser atual? Esta é uma pergunta importante e cabe aqui não apenas afirmar a atualidade do pensamento de Marx, mas mostrar onde e de que forma seu pensamento continua atual e principal referencial para pensarmos o mundo contemporâneo. Marx foi um pensador que conseguiu, através da herança intelectual de sua época, expressa na filosofia alemã (Hegel e Feuerbach, principalmente), na economia política inglesa (especialmente Adam Smith e David Ricardo) e o socialismo utópico francês (Proudhon, Fourier, Saint-Simon, entre outros), realizar uma síntese singular e constituir um método de análise, a dialética, que até hoje não se constitui nenhum outro melhor e mais amplo, uma teoria da sociedade capitalista, a mais complexa e articulada até hoje, e um compromisso com a transformação social que lhe livrava das ilusões da época, e que não se confunde com as malfadadas experiências históricas da União Soviética, Leste Europeu e semelhantes. O método dialético é um recurso heurístico, um instrumental metodológico, indispensável para a análise da realidade social. Os outros métodos criados nas ciências humanas demonstraram seus limites e fraquezas não apenas em suas análises e seus resultados derivados de sua aplicação, como também devido seu abandono pelos cientistas sociais, tal como foi o caso do positivismo clássico, estruturalismo, funcionalismo, entre outros. O método dialético ao reconhecer a necessidade da percepção da totalidade e das múltiplas determinações do concreto, o que é diferente das simplificações e deformações deste método, é o referencial metodológico que contribui de forma mais precisa e ampla para a análise da realidade social. A teoria do capitalismo de Marx, por sua vez, forneceu as bases teóricas para compreender a sociedade de nossa época. As demais explicações do capitalismo nunca deram conta de fornecer uma base teórica para compreender a dinâmica capitalista, as crises, as mudanças históricas. O compromisso com a transformação social é o coroamento destas duas contribuições atualíssimas de Marx, pois é condição de possibilidade das duas anteriores e seu ápice, pois permite ao pensador ultrapassar a imanência (o estar preso em sua época e não perceber a historicidade de sua sociedade, das formas de consciência, das ideologias, *
Nildo Viana é sociólogo e filósofo, professor da Universidade Federal de Goiás e Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Email para contato:
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etc.) e realizar uma transcendência que permite o ultrapassar das ilusões e não ficar preso ao que o filósofo Hegel denominou “o espírito da época”. Sendo assim, a teoria de Marx precisa ser revalorada devido seu valor intrínseco para o pensamento social e isto depende do compromisso dos sociólogos, pensadores sociais e outros cientistas sociais em romper com os modismos acadêmicos, com as falsas soluções, com o pensamento petrificado, com o conservadorismo reinante. Assim, aqueles que querem compreender a realidade social dever realizar uma crítica desapiedada do existente, inclusive de sua própria condição nesse processo, e, nesse contexto, parafraseando Marx, só possuem seus grilhões mentais a perder e um mundo de descobertas para conquistar. Artigo publicado originalmente no jornal Diário do Pernambuco, 03 de setembro de 2009.