Acta Scientiarum, Maringá, 23(1):33-42, 2001. ISSN 1415-6814.
Abordagem do texto jornalístico na escola: uma proposta de oficina Sonia Aparecida Lopes Benites Departamento de Letras, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil. e-mail:
[email protected].
RESUMO. A leitura do texto jornalístico é imprescindível à formação do leitor crítico, já que o jornal exerce uma função política, através da utilização de dispositivos sutis, reveladores da valorização ou do menosprezo de fatos. Pode-se, assim, afirmar que o jornal procede à construção textual da realidade. Não sendo o texto, porém, um produto acabado, a reflexão do leitor leva-o a reconhecer a subjetividade e a ideologia nele implícitas, a partir da análise da organização do material verbal. Alguns dos aspectos dessa análise são abordados na oficina ora proposta, que materializa, no ensino de línguas, concepções teóricas de linguagem e de aprendizagem como o dialogismo bakhtiniano, o socioconstrutivismo de Vigotsky e o método natural de Freinet. Além de propiciar a interdisciplinaridade, a oficina cria condições para a expansão da criatividade e da curiosidade dos alunos, permite a colaboração e a construção do próprio conhecimento. Palavras-chave: lingüística aplicada, oficina pedagógica, leitura, texto jornalístico.
ABSTRACT. Reading journalistic texts at school: workshop proposal. Reading activities with newspaper texts are important to prepare critical readers, since newspapers perform a political function through subtle expedients, that reveal valorization or slight of facts. We can say newspapers construct reality textually. However, texts are not endproducts, they are constructed during the reading act, when the reader’s reflections about verbal material allow him to recognize subjective and ideological aspects in the text. Some of those aspects are presented in this paper which proposes a reading workshop on journalistic texts, with the support of Bakhtin’s, Vigotsky’s and Freinet’s theories. Besides propitiating interdisciplinarity, the workshop permits expansion of the students’ creativity and curiosity, allowing them to construct their knowledge by themselves. Key words: applied linguistics, workshop, reading, journalistic text.
As políticas de programas, pesquisas e experiências realizadas nas duas últimas décadas propõem que o professor de língua materna focalize a linguagem como forma de interação e a língua como um objeto heterogêneo, eleja o texto como ponto de partida e de chegada e estabeleça como atividades fundamentais do ensino-aprendizagem a leitura e a produção de textos. Visto como o condutor de um complexo processo dinâmico em que os alunos aprendem a construir seu próprio conhecimento e sua interpretação do mundo, o docente deve respeitar a variedade lingüística do aluno, priorizando o conhecimento que ele já tem ao entrar para a escola, bem como valorizar sua cultura e suas formas de expressá-la e de interagir com o outro. Verifica-se, porém, um descompasso entre os procedimentos ditados por teorias como a
pragmática, a lingüística do texto e do discurso, o socioconstrutivismo, subjacentes a documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, e a versão que assumem na prática cotidiana de professores dos diversos níveis de ensino. Dessa forma, embora julgue dominar os conceitos teóricos que lhe são repassados tanto nos planos de estudos voltados para sua formação inicial quanto naqueles dirigidos à formação contínua, a maioria dos professores continua assumindo posições que refletem uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação. Como conseqüência, as aulas de língua materna continuam tomando a frase como unidade máxima de análise. Além disso, baseando-se em livros didáticos que, na tentativa de simplificar os fatos gramaticais, apresentam conceitos equivocados e regras falsas, propõem com freqüência exercícios
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inteiramente descontextualizados, que refletem a ilusão de que se está fazendo gramática textual, pelo simples fato de retirar a classe gramatical a ser flexionada ou analisada de um texto previamente dado. A leitura continua sendo vista como extração do sentido do texto e não como atribuição de um sentido ao texto (Foucambert, 1997) e a escrita não é significativa, por basear-se em propostas artificiais que não permitem ao aluno sentir-se motivado a escrever, já que não tem uma razão real para fazê-lo, não possui um interlocutor interessado naquilo que ele tem a dizer nem em sua forma particular de expressar-se. Sedimenta-se, assim, a imagem de inutilidade ou de artificialidade das aulas de língua portuguesa. Para alterar essa situação, é necessário estabelecer como atividades fundamentais do ensinoaprendizagem de língua materna a leitura e a produção de textos, ligadas a práticas sociais construídas histórica e socialmente. É nesse contexto que se insere o objeto do presente artigo - o texto jornalístico, imprescindível para o desenvolvimento da reflexão do aluno sobre o meio sócio-cultural em que vive, sobre as diferentes estratégias de construção textual empregadas de acordo com intenções e objetivos diversificados, sobre as variadas modalidades de língua. A leitura do texto jornalístico, aqui direcionada ao aluno do ensino médio, presta-se, dessa forma, à análise das formas da língua e suas implicações na configuração do sentido do texto. O objetivo do artigo é apresentar uma proposta de abordagem do texto jornalístico que, levando em conta suas especificidades e os pré-requisitos necessários para lê-lo, auxilie a formação do leitor crítico. A metodologia mais indicada para um trabalho que leve a esse resultado é a oficina pedagógica, a materialização, na pedagogia das línguas, de concepções teóricas de linguagem e de aprendizagem como o dialogismo bakhtiniano, o socioconstrutivismo de Vigotsky e, particularmente, o Método Natural de Freinet. Essa proposta metodológica coloca-se como uma opção à fragmentação e à dispersão de conteúdos, que, ao longo do tempo, só conseguiram proporcionar ao aluno migalhas de conhecimento. Privilegiando atividades em que os educandos possam chegar a conclusões a partir da observações de fatos e situações e da formulação de hipóteses, a oficina abre espaço à curiosidade, à criatividade, à capacidade de observação dos alunos, cabendo ao professor agir como orientador, organizando questionamentos e aprofundando conhecimentos.
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A oficina apresenta-se, assim, como uma opção para “a quebra da rotina escolar em ambientes mais espontâneos e mais ativos, mais próximos da realidade extra-escolar” (Bordini, 1998), propicia a colaboração, já que os trabalhos são realizados em grupo, a construção do próprio conhecimento, de forma lúdica, e a interdisciplinaridade tão enfatizada pelas novas propostas curriculares. No que diz respeito especificamente à análise do texto jornalístico, o trabalho com oficinas propicia aos participantes a identificação e a classificação dessa modalidade textual heterogênea, e, a partir do reconhecimento da pretensa imparcialidade e objetividade jornalísticas, a identificação dos recursos lingüísticos utilizados para marcar ou para mascarar as intenções do jornal. Operacionaliza, assim, a leitura de questionamento proposta por Foucambert (1997), que compreende a busca de pontos de vista, seu questionamento, a investigação dos meios que permitiram elaborá-lo e o confronto com outros pontos de vista. Embora coloque a leitura em primeiro plano, a oficina culmina com propostas de produção escrita, momento em que o aluno, partindo da abstração e do pensamento reflexivo provocados pelos textos lidos, apresenta seu ponto de vista, sua visão do mundo, com vistas a provocar reações em um interlocutor definido. O texto jornalístico Ao trabalhar com textos jornalísticos, é preciso ter claro que a informação fornecida pelo jornal é, antes de tudo, um fato discursivo, e não a mera reprodução de acontecimentos e opiniões. Ele não fala a respeito do mundo, mas procede à construção da realidade no texto e através dele. Em outras palavras, constrói, além da opinião pública, seu próprio referente (os sujeitos - personagens das notícias, e o objeto - informação propriamente dita). A construção dessa realidade é, por sua vez, condicionada pelo imaginário coletivo, de forma que o jornal acaba por representar “o lugar simbólico em que se dão a conhecer as representações coletivas” (Mosca, 1993: 261). Longe de ser um instrumento neutro, ele reflete os interesses e opiniões do proprietário do jornal (daí a afirmação de Rossi, 1985, de que não existe liberdade de imprensa, mas “liberdade de empresa”), do conjunto de forças que permitem mantê-lo em circulação, e de outras vozes presentes na sociedade. Nesse contexto, a credibilidade do leitor no jornal de sua preferência é requisito básico para que ele lhe delegue a incumbência de opinar, e se instaure entre ambos uma relação de cumplicidade.
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Assim, segundo Frias Filho (1984), a curiosidade pública diz todos os dias aos jornais: “quero que o jornal me diga o que é verdade e o que não é, o que está certo e o que está errado, porque a idéia de que não existe verdade nem certo é intolerável para mim e não posso conviver com ela”. Em troca, o leitor exige do jornal qualidades como ética, independência, imparcialidade, que o veículo, prontamente, dá a impressão de ter. Embora não seja tarefa fácil levar os leitores a tomarem atitudes concretas, quer por sugestão quer por outro meio, um jornal é capaz de, eficientemente, criar no espírito do público o clima necessário para o efeito que pretende causar. E, mesmo que o leitor tencione resguardar sua decisão, as imagens segundo as quais ele conduz seus julgamentos são levadas a sua mente, em grande parte, pelo jornal que costuma ler. Dessa forma, o jornal exerce uma função política, através da utilização de dispositivos sutis como a apresentação, em tom aparentemente imparcial, de fatos positivos ou negativos a respeito de idéias, de instituições ou de indivíduos; através da ordenação hierárquica das notícias; através da supressão de uma matéria ou de sua inserção truncada; através da escolha do trecho de um discurso a ser relatado e da forma como se dá esse relato, enfim, através da valorização ou do menosprezo de fatos. No entanto, a voz do jornal não é onipotente, uma vez que o texto não é um produto acabado; sua construção se completa no momento da recepção, ou seja, a reflexão do leitor é uma forma de argumentação que o leva a posicionar-se, a determinar se deve ou não dar crédito àquilo que lê. Nesse aspecto, a afinidade entre a posição ideológica do jornal e a do leitor é fundamental na atribuição de valores que poderão vir a ser compartilhados ou não, dependendo da maneira particular de cada um ver o mundo. Se o leitor participa da construção do sentido do texto, utilizando-se tanto dos valores ideológicos do grupo a que pertence como de suas experiências de vida, conclui-se que a subjetividade é uma característica inerente a toda e qualquer atividade de linguagem. Ela não se restringe à recepção, mas está presente na produção de toda construção discursiva, realizada sempre por um sujeito interessado em alcançar determinados fins. A seleção de temas para as notícias, a organização textual, o direcionamento interpretativo dado pelo redator, a escolha de manchetes são alguns exemplos da subjetividade presente em todo jornal. Essa característica é, na maioria das vezes, mascarada pelo veículo, que, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que procura
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formar a opinião do leitor, almeja transmitir uma imagem de absoluta isenção e imparcialidade. Pode-se, dessa forma, chegar à constatação de que não existem textos objetivos, mas estratégias discursivas que constroem tanto o efeito de objetividade como o de subjetividade. Cabe ao leitor fazer, então, uma leitura da subjetividade implícita e da ideologia presentes no texto, a partir do reconhecimento do conjunto de opções estilísticas utilizado pelo locutor e da própria organização do material verbal. Oficina de leitura de jornais A semente das oficinas pedagógicas foi lançada por Celestin Freinet, no início do século vinte, ao denunciar o processo de alienação vivido pela escola, a oposição entre a cultura popular e a intelectualista, o distanciamento entre professores universitários especializados e professores primários mal formados bem como a indiferença do poder público frente a todo esse quadro. A escola distanciava-se da vida, de forma a despertar no educando apenas sensações como tédio, apatia e fadiga. Além disso, extremamente voltada a regras rígidas e inúteis na solução de problemas da vida real, acabava por prejudicar os alunos, transformando-os em seres passivos e servis. Urgia mudar esse estado de coisas, propondo atividades que realmente despertassem o interesse do aluno, por satisfazer-lhe a sede de conhecimentos, e levassem em conta conceitos do mundo infantil como a liberdade, a afetividade e a felicidade (Freinet, 1974). Para Freinet, a base da educação, o regente do comportamento de crianças e adultos é o trabalho, definido como toda atividade individual ou social desenvolvida no dia a dia, que garante ao homem a sobrevivência, o poder, a satisfação e a perpetuação da espécie. O trabalho a ser realizado na escola deve levar a criança a empregar suas potencialidades em atividades com objetivos reais e adequadas a seu grau de desenvolvimento, levá-la a observar os homens e a interrogá-los, além de despertar nela sensações diferenciadas tais como cansaço/repouso, fracasso/vitória, agitação/calma ... Em outras palavras, a educação deve exaltar no homem aquilo que o torna humano, enriquecer-lhe e reforçar-lhe o conhecimento e prepará-lo para as tarefas da vida (Freinet, 1979). É o que se busca com a oficina ora proposta, cujo próprio nome já pressupõe a idéia de trabalho de produção de leitura (e também de escrita), em um processo no qual o aluno refaz-se continuamente, “elaborando seu conhecimento do mundo, da língua, de si
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mesmo” Pazini (1998). A oficina apresenta-se, dessa maneira, como um trabalho com objetivos claros que, visando ao amadurecimento e à emancipação dos participantes, leva alunos e professores a interagirem como construtores do processo educacional, proporcionando o desenvolvimento da habilidade crítica, a partir do universo de ambos. Considerando que em uma oficina tanto professores como alunos protagonizam o conhecimento, Bordini (1998), em entrevista ao jornal Proleitura, afirma: “A atividade oficinal poderia se espelhar nos ateliês medievais, em que um mestre ensinava suas técnicas aos aprendizes e, ao mesmo tempo, produzia sua obra com o auxílio destes, que acabavam ou por reproduzir o estilo do mestre ou por recusá-lo e criar o seu próprio.” Como, porém, nenhuma opção metodológica sustenta-se por si só, uma sólida fundamentação teórica por parte do professor é pré-requisito para o sucesso da empreitada. Assim, é fundamental que ele encare efetivamente a leitura como um encontro entre sujeitos que interagem entre si, como coprodutores que são do sentido do texto. É preciso que veja a sala de aula como espaço de interação, atenuando a distância entre ele e seus alunos e reconheça na linguagem “a força de ação entre indivíduos histórica e socialmente marcados, absolutamente interessados em cada ato de linguagem pelas conseqüências que dele podem advir” (Pazini, 1998). O primeiro passo em uma oficina que pretenda desvendar a subjetividade presente no texto jornalístico e se posicionar em relação a ela, através da leitura em sentido profundo, é o contato dos alunos com jornais variados, em busca da identificação de suas características físicas: sua apresentação gráfica, a identificação de manchetes e de “leads”, bem como a subdivisão dos assuntos abordados em cadernos, seções, artigos, notícias e reportagens. Após o estudo dessas características mais superficiais, será interessante que o professor programe uma visita dos estudantes à sede de um jornal da cidade, onde, além de observarem as instalações e o funcionamento das máquinas, terão oportunidade de entrevistar os editores do jornal, buscando respostas a questionamentos como: quem faz o jornal e a quem ele é dirigido? qual a função de um jornal? qual sua matéria prima? qual o perfil daquele periódico em especial? como são divididas as funções das pessoas envolvidas na feitura do jornal? qual a modalidade lingüística nele empregada? há algum conteúdo censurado naquele jornal? o jornal se considera formador de opinião? como e em que seções a opinião é deliberadamente
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expressa no jornal? As respostas a essas questões serão amplamente discutidas em sala de aula e confrontadas tanto com o próprio jornal quanto, nos casos de jornais de maior envergadura, com seu manual de redação. Só então, o aluno passará à análise do conteúdo do jornal, propriamente. Os textos jornalísticos: princípios de composição e características Concluída a fase de identificação de características e objetivos do jornal, é hora de trabalhar, na oficina de leitura, a percepção das especificidades tipológicas dos variados textos que o constituem, tais como chamadas de primeira página, editoriais, artigos opinativos, notícias, reportagens e entrevistas. A primeira página. A análise do jornal terá início na primeira página, aquela que busca o público mais diferenciado e que, pretendendo ser representativa de todas as editorias e estampando assuntos que interessem a todos os leitores, acaba tornando-se fragmentada e heterogênea. Através dela, o jornal propõe-se orientar a visão do leitor, condensando grandes quantidades de informação proveniente de textos de fontes diferentes ou muito extensos, selecionando e suprimindo dados e, especialmente, hierarquizando os acontecimentos. Lembrando que os veículos de comunicação participam efetivamente da produção da imagem que os leitores compõem da realidade, pode-se concordar com a afirmação de Suzuki Jr (1985) de que o jornalismo produz uma história, uma modalidade própria de conhecimento, uma verossimilhança. E a primeira página, por seu caráter heterogêneo, tem um papel fundamental na construção desse simulacro de realidade. Tanto isso é verdade que, como lembra o autor, quando se quer dar uma idéia do que ocorreu no mundo há vinte ou há cinqüenta anos, é comum se reproduzir somente a capa de um grande jornal. Entretanto, o confronto da primeira página de jornais diferentes, com a mesma data, deixa claro que cada jornal narra a sua história. Um outro aspecto da primeira página, que é importante identificar na oficina de leitura refere-se à maquiagem esmerada a que ela é submetida, por ser o espaço de sedução do leitor, e, simultaneamente, produto e propaganda do jornal. Dessa forma, o texto ali presente nem sempre corresponde a uma síntese do conteúdo desenvolvido nas páginas internas: não raras vezes a primeira página enfatiza aspectos que só de relance são abordados no interior do jornal, chamando a atenção para o exótico, para o
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cômico, para o trágico ou para outro atributo que, de alguma forma, possa despertar o interesse do leitor. Quanto ao estilo, a chamada de primeira página exige frases curtas, secas, substantivas, que dêem ao leitor uma idéia de completude, mas, ao mesmo tempo, o remetam para as páginas que trazem a cobertura extensiva, numa pretendida relação de intertextualidade, interna à edição de cada número do jornal. O editorial. Outro tipo de texto a ser analisado em sala de aula é o Editorial, que representa o pensamento oficial do jornal como instituição. Na definição de Bond (1959), o editorial é “um ensaio curto, embebido do senso de oportunidade”. Difere do ensaio propriamente dito, por não ter, em geral, valor permanente, subordinando-se sua vida à dos fatos que o determinam. Sua fonte são os acontecimentos do dia no campo regional, nacional e internacional, de preferência os que tocam mais de perto seus leitores. Marcelo Coelho (1992) afirma que os editoriais de jornal estabelecem um contraponto inevitável com a crueza das reportagens: enquanto a notícia apresenta secamente os fatos, de forma irresolvida e material, o editorial comenta, posiciona-se, contesta, interferindo sobre o absurdo que é homeopaticamente apresentado aos leitores todos os dias. Para ele, é como se, enquanto a manchete dissesse: “foi isso!”, o editorial respondesse: “mas não pode ser!”. Dessa forma, segundo o autor, o jornalismo estabelece uma relação particular com a transitividade dos fatos, representando um apelo para que as coisas mudem, para que não se resumam a ser simplesmente o que são. Embora apresente traços estilísticos peculiares, a página editorial acompanha as tendências e o estilo próprio do jornal, que pode ser equilibrado, denso ou leve, conforme a linha do veículo. Aconselham os especialistas que o editorial evite a ironia exagerada, a interrogação e a exclamação, e que seja estruturado de forma a apresentar concisamente a questão de que vai tratar, o desenvolvimento dos argumentos que o jornal defende, a refutação de opiniões contrárias e a conclusão que condensa a posição adotada pelo veículo. A identificação de cada uma dessas características no texto é mais uma das tarefas dos participantes da oficina. A opinião. Todo jornal reserva seções ou páginas inteiras para artigos opinativos, alguns dos quais seguem o enfoque ditado pela linha editorial; outros, muitas vezes escritos em primeira pessoa, expressam pontos de vista diferentes sobre um mesmo tema,
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ficando sob a responsabilidade de quem os assina. Nesse caso, os veículos costumam assinalar explicitamente que tais publicações “obedecem ao propósito de estimular o debate dos problemas locais, nacionais e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo”. Ainda dentro do espírito assumidamente opinativo, é comum o jornal apresentar uma ou mais charges relacionadas a um assunto do momento, bem como uma seção constituída por uma coletânea de frases de impacto, proferidas por personalidades em evidência. Em geral, não há nenhum comentário explícito sobre as frases, apenas a sua citação, com a informação do autor, da data e do contexto em que cada uma delas foi proferida. Entretanto, é perfeitamente possível depreender, através delas, mudanças de postura de uma mesma autoridade ou enfoques distintos sobre um mesmo assunto. Todos os jornais costumam apresentar, igualmente, colunas constituídas de pequenas notas sobre os bastidores da política, cada uma delas com títulos bastante sugestivos. Relatam-se aí, em geral, declarações inusitadas de personagens da política nacional a respeito de um opositor ou de um fato adverso, além de episódios inéditos, recentes ou não, envolvendo figuras do cenário político. A notícia. Notícia é, segundo o Novo Manual de Redação do jornal Folha de S. Paulo (1992: 27), “o fato comprovado, relevante e novo”. É tido como relevante o fato que pode gerar maiores conseqüências para o mundo, para a sociedade e para os leitores; é importante o fato que desperta curiosidade, ou aquele que é objeto de maior identificação entre o público leitor e a personagem ou a situação do ocorrido; é mais noticioso o fato mais inesperado e aquele que os poderosos têm interesse em ocultar. Dessa forma, segundo a mesma fonte (p. 35), são critérios elementares para definir a importância da notícia o ineditismo, a improbabilidade, o apelo, o interesse e a empatia. Abordando as características da notícia, Lage (1985-b) a classifica como uma construção retórica referencial que trata das aparências do mundo; além disso, a notícia é axiomática, ou seja, afirma-se como verdadeira: não argumenta, não constrói silogismos, não conclui nem sustenta hipóteses. A única argumentação permitida na notícia é aquela reproduzida de outro texto (de um depoimento, por exemplo). Segundo o autor, ela não questiona, afirma; não contrapõe formulações contraditórias, embora possa apresentá-las; não investiga causas ou conseqüências, embora possa ser o resultado de uma investigação.
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Ao tratar do caráter impessoal atribuído à notícia, o autor afirma que essa impessoalidade, nos meios de comunicação atuais, é apenas aparente. A notícia pode não refletir as crenças e perspectivas do indivíduo, como ocorria em um momento histórico anterior, mas, certamente, reflete as crenças e perspectivas da coletividade que a produz. Para ele, a melhor técnica apenas oculta preconceitos e pontos de vista do grupo social dominante. Nessa mesma direção, Marcondes Filho (1986), recusa a qualquer jornal a função referencial pura. Segundo ele: Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma de poder político. (1986: 12).
Para esse autor, a objetividade plena é impossível, pois “a possibilidade de possuir a verdade é falsa e tende ao discurso dogmático” (1986: 14). Entretanto, apoiado em especialistas, ele propõe alguns parâmetros para a avaliação da seriedade e da objetividade jornalística. Tem essas características o jornal que não utiliza sofismas, discursos persuasivos ocultos, afirmações categóricas injustificadas; o jornal que difunde também versões discordantes daquela veiculada por ele; o jornal que deixa clara a postura ideológica que o leva à interpretação da notícia. A reflexão sobre o assunto na oficina de leitura de jornais deve levar o aluno à percepção de que, na realidade, a inexistência de uma pura objetividade em jornalismo deve-se ao fato de que a própria escolha de um assunto, a redação de um texto e sua edição implicam tomadas de atitudes bastante subjetivas, influenciadas pelas posições pessoais, hábitos e emoções do jornalista. Esse aspecto é acentuado por Van Dijk (1989: 77) para quem, além de assinalar a postura social do jornalista, a estrutura da notícia reflete, também, as condições institucionais dos jornais. Isto significa que os esquemas das notícias, seus temas, seus atores e seu estilo de representação ou de citação estão todos intimamente relacionados com os meios e as estratégias de produção. Da mesma forma, a seleção dos atores importantes nas notícias depende de seu poder político ou social, de sua acessibilidade ou de muitas outras condições sociopolíticas. Um outro importante aspecto a ser discutido nas oficinas de leitura é lembrado pelo mesmo autor: a própria produção de notícias consiste, em grande medida, numa forma de processamento do texto, já que, freqüentemente, o repórter toma conhecimento
dos acontecimentos através de outros tipos de discurso, os chamados “textos-fonte”, constituídos por informes de outros meios, mensagens transmitidas por telefax, boletins de imprensa, documentos, publicações, conversações telefônicas, entrevistas, etc. Além disso, os próprios acontecimentos das notícias são, muitas vezes, de natureza textual, tais como declarações de autoridades, debates no congresso, negociações, cartas, ou outras formas de discurso público envolvendo pessoas, organizações ou países. Evidentemente, em cada fase dessa cadeia textual, os acontecimentos são codificados e recodificados, sendo-lhes incorporadas as cognições de cada locutor ou instituição. A reportagem. Diferentemente da notícia, que trata necessariamente de fatos novos, a reportagem trata de assuntos que estão sempre disponíveis e podem ou não ser atualizados por um acontecimento (Lage, 1985-a). O ângulo sob o qual o levantamento do assunto deve ser realizado na reportagem é preestabelecido pela diretriz do jornal. A linguagem e o estilo são, nessa modalidade de texto, menos rígidos que os da notícia, variando conforme o público e o assunto, e a autoria é importante, já que sempre se admite na reportagem alguma interpretação. Os grandes jornais parecem considerar este gênero o produto fundamental da atividade jornalística, o que explica a tendência do jornalismo contemporâneo, detectada por Lage (1982), de transformar em reportagem todo fato programado. O autor aponta a existência de três variações de reportagens que devem ser identificadas nas oficinas: as de investigação, em que se parte de um fato para revelar outros mais ou menos ocultos; as de interpretação, em que um conjunto de fatos é observado da perspectiva metodológica de uma dada ciência; e aquelas que, investindo na revelação de uma “praxis” humana não teorizada, buscam apreender a essência do fenômeno, aplicando técnicas literárias na construção das situações e episódios narrados. Embora possa demandar, às vezes, semanas ou até meses de dedicação a uma só matéria, a reportagem apresenta a vantagem de ser capaz de reavivar assuntos, atualizando-os, e de prender a atenção do leitor, mesmo que ele já tenha conhecimento de pormenores divulgados. A entrevista. Sob a forma de perguntas e respostas pode-se, segundo Lage (1985-a), tentar extrair do entrevistado informações que resultarão em notícia
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(entrevista noticiosa), levantar a opinião sobre o assunto pesquisado (entrevista de opinião), ou levantar aspectos biográficos do entrevistado (entrevista de ilustração). O caráter do caderno em que a entrevista se insere é que determinará a modalidade mais oportuna. Quanto à natureza das declarações colhidas em entrevista, os periódicos de envergadura costumam relatar ao leitor não apenas as declarações sérias, mas também aquelas feitas ao jornalista em tom de brincadeira, desde que sejam reveladoras da personalidade do entrevistado. Nesse caso, em geral, o entrevistador explica o contexto da declaração, deixando claro que se trata de afirmação jocosa. O procedimento também se aplica a lapsos do entrevistado e a declarações irônicas, pois um ato falho, por exemplo, pode ser mais revelador que uma declaração pensada. Esses dados mostram que a entrevista, enquanto produto apresentado pelo jornal, envolve um alto grau de participação do jornalista no enfoque que ele quer ver privilegiado, aspecto este que deve ser percebido pelos participantes da oficina de leitura de jornais. A linguagem jornalística Além de observar aquilo que diz o jornal, a análise das diferentes composições textuais em sala de aula deve levar em conta a modalidade de língua empregada pelo jornal. A esse respeito, Lage (1982) afirma que a linguagem jornalística ideal é aquela que concilia comunicação eficiente e aceitação social, incorporando expressões coloquiais de criação recente, denominações transpostas de jargões científicos para designar novos objetos, e atualizações que se mostrem necessárias, concretizadas, por exemplo, em termos surgidos na televisão ou em expressões técnicas utilizadas por economistas. A análise da linguagem jornalística pelos participantes da oficina deve permitir depreender as intenções dos locutores de, em maior ou menor grau, marcar ou mascarar sua posição, através de pistas verbais identificáveis em uma análise lingüístico-discursiva atenta. Além disso, é importante atentar também para aquilo que não é dito, para as lacunas deixadas entre as informações e as direções sutilmente indicadas ao leitor sobre como preenchê-las. Na tentativa de dar ao jornal uma feição de objetividade, os manuais de redação dos grandes periódicos costumam recomendar que o texto jornalístico evite o aspeamento e o uso de adjetivos, especialmente aqueles que implicam juízos de valor.
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Da mesma forma, os verbos delocutivos ou declarativos, em textos noticiosos, deveriam ser usados apenas para introduzir ou finalizar falas dos personagens da notícia e não para qualificá-las ou para insinuar qualquer opinião a seu respeito. Assim, teoricamente, os jornais deveriam dar preferência ao emprego de verbos como dizer, declarar e afirmar, mais neutros e verdadeiramente indicadores da autoria de uma declaração, já que a utilização de outros verbos poderia conferir caráter positivo ou negativo às declarações reproduzidas. Evidentemente, tais recomendações não são integralmente seguidas ou são completamente ignoradas pelos diversos veículos, o que poderá ser avaliado na análise dos textos jornalísticos em sala de aula. A adjetivação. A adjetivação é uma das marcas discursivas mais salientes do posicionamento do locutor-enunciador e de suas reações diante dos fatos. O locutor pode privilegiar o emprego de adjetivos de cunho referencial, que lhe permitem distanciar-se um pouco mais dos discursos que relata, limitando intervenções subjetivas; por outro lado, o emprego de adjetivos avaliativos envolve inteiramente a pessoa do locutor, uma vez que eles se prestam a caracterizar, expressando atitudes de estabelecimento de valores. Segundo Mosca (1993: 267) “Adjetivar é assumir valores”, é exercer uma atividade subjetiva. E o atributo ou especificação, em geral, não estão propriamente no ser a que o adjetivo se refere, mas na imagem que o sujeito dele faz. Prestando-se para nomear qualidades não aparentes, para expor contradições e reações afetivas, e sugerir elementos do imaginário, os adjetivos avaliativos exercem uma função especial nos textos naturalmente opinativos como os artigos assinados e os editoriais. Por trazerem implícitos os padrões de valores do produtor do discurso, desempenham um importante papel na rede de relações do texto, entrelaçando-se quase sempre com outros processos retórico-argumentativos. Os verbos delocutivos. Na leitura do texto jornalístico, em busca da revelação de sua subjetividade e de suas intenções mostra-se particularmente importante o papel dos verbos que fazem referência à atividade delocutiva focalizada no discurso relatado. Conforme Charolles (1988), com exceção de dizer, “aparentemente neutro”, esses verbos veiculam sempre diversos pressupostos. Assim, ao afirmar-se que alguém revelou alguma coisa, incide-se sobre o valor de verdade do enunciado; repetir, replicar e concluir implicam uma
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posição cronológica posterior a dizer ou afirmar, enquanto reconhecer ou confessar incidem sobre o ponto de vista atribuído ao enunciador. A afirmação de que o outro ordenou ou suplicou revela uma hierarquia entre os personagens envolvidos no ato de fala. Há, por outro lado, verbos que caracterizam a forma ou o tom em que se dá a fala, como sussurrar, murmurar, segredar, ciciar, cochichar; outros revelam os sentimentos, o estado de espírito, as emoções do locutor, como gemer, suspirar, lamentar-se, queixar-se, explodir, berrar, gritar. Estes últimos são os comumente chamados verbos sentiendi. Pode-se concluir, assim, que os verbos delocutivos não têm como única função a apresentação pura e simples do discurso citado, mas são igualmente indiciadores dos sentimentos e das concepções do jornalista diante daquilo que cita e diante das atitudes ou estados psicológicos do locutor citado. Os tempos verbais. Além do tipo de verbo delocutivo, também o tempo verbal pode ser indicador da opinião do jornalista sobre o discurso que relata, sobre seu autor ou sobre ambos. A propósito de tempos verbais, é oportuno lembrar a distinção feita por Weinrich (1968) entre relato e comentário. No primeiro, a postura do locutor é relaxada, descomprometida e envia ao alocutário sinais de que se espera atitude semelhante por parte dele. Os interlocutores, no mundo relatado, comportam-se mais como espectadores que como personagens ativos. Já no caso do comentário, o locutor assume uma atitude tensa, porque seu discurso aborda assuntos que o tocam diretamente. Aqui, o locutor deseja transformar seu discurso num fragmento de ação, visando provocar reações, interferir no mundo e modificá-lo. Nesse plano de discurso, o locutor emite sinais de que a alocução não deve ser recebida com displicência, mas que ela exige uma resposta, verbal ou não verbal. Segundo o autor, o mundo narrado e o mundo comentado são caracterizados, sobretudo, pelo tempo verbal empregado na alocução. É evidente que tempo verbal não tem, nessa acepção, nenhuma relação com o Tempo, mas equivale ao “comportamento do falante articulado nos dois grupos temporais do mundo comentado e do mundo narrado”. (Weinrich, 1968: 201). Dessa forma, os tempos do mundo narrado (pretérito perfeito simples, pretérito imperfeito, pretérito mais que perfeito e futuro do pretérito) e do mundo comentado (presente, pretérito perfeito
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composto, futuro do presente, futuro do presente composto) funcionam como sinais lingüísticos de que o conteúdo da comunicação em que se inserem deve ser entendido respectivamente como um relato ou como um comentário. Existe, em geral, uma concordância entre os tempos da narrativa e os tempos do relato. Quando essa concordância é rompida, tem-se, segundo Weinrich, um caso de metáfora temporal, ou seja: a presença imprevista de um tempo estranho em um determinado grupo de tempos que confere ao texto um matiz expressivo diferenciado. É o que ocorre quando, num texto jornalístico nitidamente comentador, construído à base do presente e do futuro do presente, intercala-se um futuro do pretérito, tempo do mundo narrado que rompe com o padrão dos tempos instaurados no texto. Nesse caso, o futuro do pretérito assume um valor expressivo de precaução que, imprimindo ao discurso um tom de descomprometimento por parte do autor em relação ao fato relatado, limita a veracidade da notícia. Em outras palavras, a informação em que ocorre essa metáfora temporal, embora não chegue ao extremo de ser invalidada, fica com sua validez muito limitada, uma vez que o jornalista não se responsabiliza pela sua exatidão, assumindo o discurso apenas como retransmissor. Dessa forma, parece inquestionável a importância do tempo verbal como um aspecto gramatical capaz de fornecer indicações sobre as intenções do locutor citante e, conseqüentemente, sobre a interpretação que se deve dar ao texto. O aspeamento. É evidente que as aspas desempenham um importante papel, na busca pela fidelidade no relato. Através delas, o jornalista rompe a aparente homogeneidade do texto, nele inserindo a voz do outro, o que dá autenticidade a seu próprio discurso. Essa representação “literal” e “integral” da fala do outro costuma ser reservada para afirmações de um certo impacto, seja por seu conteúdo, seja por sua forma inusitada. Muito mais comum, entretanto, é o jornalista, utilizando-se de aspas, tanto nas variantes do discurso direto como nas do discurso indireto, abrir um espaço - o das relações semânticoargumentativas - entre a porção posta em destaque pelas aspas e a seqüência textual onde essa porção se insere, deixando à mostra sua atitude face ao dito alheio. Dessa forma, aspear uma palavra é, simultaneamente, mencioná-la e fazer um comentário implícito, emitir um julgamento sobre o que ela representa e sobre a fonte que a utiliza, seja
O texto jornalístico na escola
com nota de ironia, discordância, seja de respeito, fidelidade, seja mesmo de desconfiança ou descomprometimento. O aspeamento não tem, assim, um estatuto de neutralidade, de estrita delimitação do discursofonte, mas implica uma tomada estratégica de posição face ao discurso relatado; revela intenções variadas do locutor que cita, quer no sentido de resguardar-se, protegendo-se de polêmicas porque “foi o outro quem o disse”, quer no sentido inverso de expor-se a elas, pelo enquadramento do pronunciamento alheio numa seqüência textualargumentativa que lhe é sutil ou declaradamente divergente ou convergente. Nesse contexto, uma importante tarefa dos alunos na oficina de leitura é, após verificar que o emprego de aspas não confere ao texto o caráter de objetividade que o jornal parece julgar inerente a elas, procurar identificar a conotação assumida em cada uma das ocorrências dessa marca de heterogeneidade e de alteridade. Para fechar a oficina Após o reconhecimento das características responsáveis pela intencionalidade marcada no extrato lingüístico-discursivo dos textos, quer sob forma de indícios verbais (pistas deixadas no desenvolvimento do texto) quer como comentários bastante explícitos, definidores do posicionamento do autor, a oficina de leitura pode passar a efetuar atividades comparativas entre jornais. Essa comparação, conforme sugere Faria (1991), deve envolver um assunto de repercussão local, regional ou nacional em jornais de diferentes linhas editoriais e abordar aspectos como o destaque dado ao assunto (a página em que aparece, a manchete, o número de linhas dedicado à matéria, a presença ou a ausência de fotos), a presença de artigos opinativos ou de editoriais sobre o tema e a diretriz adotada em cada um desses artigos opinativos. As conclusões podem originar debates e textos como cartas a cada um dos periódicos analisados e artigos de contestação ou de anuência. O resultado de todo o trabalho deve confirmar para os alunos que a informação veiculada pelo jornal é um fato discursivo indicador do posicionamento do veículo ante os acontecimentos e de que a “verdade” dos textos jornalísticos deve ser buscada não apenas na concordância entre o narrado e o ocorrido, mas também na seleção e ordenação de vocábulos, acontecimentos e declarações, nos espaços deixados entre as informações e nas indicações sugeridas sobre a forma de preenchê-los. Isso ocorre porque, embora afirme perseguir o máximo de objetividade possível, o jornal reflete
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constantemente a presença humana, a participação, o engajamento, indiciados de maneiras variadas, fato que confirma a lição proposta pelo jornalista Marcelo Leite, para quem “a distinção entre notícia e opinião é fundamental para se entender um jornal, mas às vezes a mistura das duas coisas permite compreendê-lo ainda melhor”. (Folha de S.Paulo, 9/4/95: 1-6). Para os alunos que vierem a participar da experiência, o saldo será certamente positivo, uma vez que eles passarão a encarar os textos como objetos culturais, e, portanto, manipuláveis; os professores, por seu turno, terão feito das aulas de Língua Portuguesa espaço para a leitura e a escrita, em sentido profundo, contribuindo, dessa forma, para a formação de cidadãos conscientes de seu papel histórico. Referências BOND, F. F. Introdução ao jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1959. BORDINI, M. G. Praticando a arte da docência. Proleitura, Assis, n. 19, p. 1-2, abr. 1998. Entrevista. CHAROLLES, M. Introdução aos problemas da coerência do texto: 1978. In: GALVES, C. et al. (Org.). O texto: escrita e leitura. Campinas: Pontes, 1988. cap. 3. p. 39-90. COELHO, M. Meninas da noite sufoca pelo realismo: o livro de Gilberto Dimenstein sobre prostituição infantil nos deixa desesperados e atônitos. Folha de São Paulo, São Paulo, p.4-8, 29 abr. 1992. FARIA, M. A. O jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1991. FOUCAMBERT, J. A criança, o professor e a leitura. Tradução: Marleine Cohen, Carlos Mendes Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. FREINET, C. A educação pelo trabalho. Tradução: Antonio Pescada. Lisboa: Editorial Presença, 1974. FREINET, E. O itinerário de Celestin Freinet: a livre expressão da pedagogia Freinet. Tradução: Priscila Siqueira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. FRIAS FILHO, O. Vampiros de papel. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 ago. 1984. Folhetim n. 394. LAGE, N. Ideologia e técnica da notícia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1982. LAGE, N. Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1985a. LAGE, N. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1985b. MARCONDES FILHO, C. O Capital da notícia: jornalismo como produção social de segunda natureza. São Paulo: Ática, 1986. (Ensaios). MOSCA, L. L. S. As diversas vozes do jornal e o seu discurso. In: SEMINÁRIOS DO GEL, 22., 1993. Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: Instituto Moura Lacerda, 1993. NOVO manual de redação. São Paulo: Folha de São Paulo, 1992.
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