editorial Gláucia Viola, editora
Comportamento alimentar e seus transtornos
Boa leitura! Gláucia Viola
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“O maior pensar da criatura humana é comer; desde que o homem nasce até que morre anda a procurar o pão para a boca.” António Vieira
SHUTTERSTOCK
A
alimentação moderna é a principal razão pela qual as pessoas de todo o mundo estão cada vez mais doentes. Recente matéria publicada na revista Super Interessante mostrou que 80% das doenças de coração, 90% dos casos de diabetes e 70% dos casos de alguns tipos de câncer podem ter uma ligação estreita com hábitos de vida e alimentares. Pesquisas mundiais atestam que o comer inadequadamente é uma das maiores causas de morte, junto com o tabaco. 0ARAA0SICOLOGIA AALIMENTA¥ÎOSEDElNECOMORESPOSTACOMPORTAMENTALINmUENCIADAPORCONDI¥ÜESSOCIAIS e culturais. Sendo assim, o impacto sociocultural no padrão alimentar e no desenvolvimento de transtornos alimentares tem sido estudado mais frequentemente, avaliando-se os costumes e reLA¥ÜESFAMILIARESEASINFORMA¥ÜESVEICULADASPELOSMEIOSDECOMUNICA¥ÎOEMMASSA Nota-se, portanto, que o “comer desordenado” tem afetado crianças e adolescenTESEMMAIORNÞMEROEINTENSIDADEEGANHAATEN¥ÎODEPESQUISADORESEPROlSSIONAIS da clínica. Tanto que na versão corrente do DSM-5, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, editado no Brasil em 2014, os transtornos da alimentação (infância) passaram a ser descritos como parte dos transtornos alimentares – anteriormente essa nomenclatura era exclusiva para adultos. Antes disso os transtornos da ALIMENTA¥ÎOEMCRIAN¥ASERAMCONSIDERADOSUMTIPONÎOESPECIlCADODETRANSTORNO em separado ao dos adultos. Esta edição da Psique se debruça sobre os problemas alimentares no artigo de capa produzido pela psicóloga Flávia Machado Seidinger Leibovitz. Segundo ela escreve no texto, apesar da complexidade em aferir o aumento da incidência desses transtornos na infância, é certo que há uma procura maior por tratamento do transtorno de alimentação em CRIAN¥ASEADOLESCENTES EÏBEMPOSSÓVELQUEHAJASIMUMAUMENTOEMCURSO EQUEIRÉSECOMPLEXIlCARENQUANTOPERDURAREMASDIlCULDADESCOMAOBESIDADEEMNOSSACULTURA Flávia ainda explica que há que se ter cuidado ao falar sobre transtornos alimentares, pois “paradoxalmente, quem recusa o alimento o mantém no comando de sua vida, habitando seu pensamento 24 horas por dia – inclusive como principal motivo de abandono do tratamento”, principalmente em crianças, para quem a chancela de um diagnóstico psiquiátrico pode gerar consequências psicossociais, muitas vezes negativas. Por ESSARAZÎO ALERTAQUECABEAOSPROlSSIONAISDACLÓNICACUIDARDOSEQUÓVOCOSGERADOSACERCADOASSUNTOESEUS efeitos muitas vezes danosos, zelando por não replicá-los e perpetuá-los. /FATOÏQUEAINDAHÉMUITOSIMPASSESEDESAlOSPARATRATARTRANSTORNOSALIMENTARESEDEALIMENTA¥ÎO PRINcipalmente no universo infantil, e esperamos que este artigo traga luz a esse debate.
sumário CAPA
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Transtornos que preocupam
IMAGEM DA CAPA
: SHUT TERSTOCK
Bulimia, anorexia nervosa, transtornos alimentares e DAALIMENTA¥ÎOGANHAM CADAVEZMAISESPA¥OEM PESQUISASCIENTÓlCAS 21/12/2016
01:15:50
MATÉRIAS Doença não é mania
24
!mI¥ÎOCOMSIMETRIAOU simplesmente refazer várias vezes a MESMAA¥ÎOPODEMSERAPRESEN¥ADO 4/# QUEATINGETAMBÏMASCRIAN¥AS
08 ENTREVISTA
O analista desceu do salto
Especialista em Psicologia Financeira, Patrícia Rezende Chedid Simão alerta para a necessidade de um consumo mais consciente
Nova realidade social exige que a razão na prática clínica seja exercida COMMAISmEXIBILIDADE
70
SEÇÕES Volta por cima
76 doss
iê
54 RECURSOS HUMANOS 64 DIVÃ LITERÁRIO 66 CINEMA
DOSSIÊ: Distúrbios genéticos Algumas síndromes raras apresentam características SEMELHANTES MASAINDA DESPERTAMESTRANHAMENTO EDESCONHECIMENTOEM PROlSSIONAISDESAÞDEEEDUCA¥ÎO
sínd O debate sobre as ial e escolar, iente soc presentes no amb causam dificuldades , XXI ulo séc o em plen entendimento de de diagnósticos e tamentos sintomas e compor
35 SHUTTERSTOCK
74 PERFIL 80 EM CONTATO 82 PSIQUIATRIA FORENSE
Para o AVANÇO O NSÃ e a COMPREErom es
#ASOREALCONlRMAQUEUMADAS formas de enfrentar adversidades ÏARESILIÐNCIA RESSIGNIlCANDO um momento difícil
úrbios genéticos Síndromes e dist
05 EM CAMPO 14 IN FOCO 16 SUPERVISÃO 18 PSICOPOSITIVA 20 PSICOPEDAGOGIA 22 SEXUALIDADE 32 COACHING 34 LIVROS 50 CIBERPSICOLOGIA 52 NEUROCIÊNCIA
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vida
psique ciência&
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21/12/2016 01:17:41
em campo
por Jussara Goyano BIOFEEDBACK CARDÍACO O treino da coerência cardíaca, estado que demonstra o equilíbrio do sistema nervoso autônomo, é uma das ferramentas cada vez mais usadas no tratamento coadjuvante de quadros de ansiedade e depressão. Por meio de um sensor corporal ligado a um computador, o indivíduo pode saber, em tempo real, como está a sua coerência, monitorando seu comportamento para alcançá-la – o chamado biofeedback cardíaco. “Por meio de exercícios de concentração mental, respiração controlada e uso de imaginação positiva, podemos atingir esse estado de equilíbrio, que tem repercussões imediatas em nossa saúde”, explica Marco Fabio Coghi, responsável por tecnologia brasileira de biofeedback. (Fonte: www.makeitpositivemag.com)
GAMES PAR A PERFOR MANCE
HIPOCAMPO TAMBÉM NOS AJUDA A FAZER PLANOS E MENTALIZAR RESULTADOS Estudo publicado na revista Cerebral Cortex lança luz sobre como o nosso cérebro IMAGINAOFUTURO IDENTIlCANDOASREGIÜESCEREBRAISRELACIONADASCOMESSAATIVIDADE Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Boston descobriram que o hipocampo, estrutura fortemente associada a memória e orientação espacial, é também uma área-chave nesse processo. Ainda não se sabe de que maneira ele participa nessa imaginação. Por meio de ressonância magnética funcional, os pesquisadores compararam a atividade cerebral no hipocampo entre participantes do estudo enquanto estes respondiam a perguntas relacionadas ao presente ou ao futuro. Depois disso, eles compararam sua atividade cerebral enquanto respondiam a perguntas incluindo ou não a projeção de CENASDEFUTURO#OMORESULTADO VERIlCARAMINTENSAATIVIDADENESSAÉREADOCÏREBRO quando as projeções eram necessárias. O hipocampo é afetado por muitas condições neurológicas e doenças e também pode ser comprometido durante o envelhecimento. Por outro lado, sabe-se que exercícios físicos aumentam o nosso hipocampo, ao mesmo tempo que têm implicações sobre quadros de depressão e ansiedade. Sabe-se, ainda, que pessoas deprimidas têm DIlCULDADEDEIMAGINAROFUTURO!NOVADESCOBERTAPODEDIRECIONARESTUDOSRELACIOnando exercícios, capacidade projetiva e transtornos de humor, colocando, talvez, o hipocampo no centro de novas terapêuticas no tratamento da depressão. PARA SABER MAIS: D. J. Palombo, S. M. Hayes, K. M. Peterson, M. M. Keane, and M. Verfaellie. Medial temporal lobe contributions to episodic future thinking: scene construction or future projection? Cerebral Cortex, December 2016. www.portalcienciaevida.com.br
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MEMÓRIA E FUTURO
O mercado mundial de serious games deve ultrapassar os US$ 5 bilhões até 2020, segundo a consultoria norte-americana Markets and Markets. Trata-se dos JOGOSELETRÙNICOSUTILIZADOSPARAlNS educacionais ou para treinamentos corporativos, favorecendo entre seus USUÉRIOSAlXA¥ÎODECONTEÞDOSE a aquisição de habilidades técnicas e comportamentais. Hora vilões, hora mocinhos, os videogames já se encontram sob o guarda-chuva das chamadas “tecnologia positivas”, apresentando muito mais benefícios do que prejuízos em seu uso, tais como o favorecimento de maior conexão social entre os jogadores e ganhos cognitivos e motores, em detrimento de potencial adiccção, estímulo à violência e ao isolamento social entre jogadores. (Fonte: www.makeitpositivemag.com)
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em campo
CORPO E MENTE CORRER MELHORA A CONECTIVIDADE CEREBRAL
Durante um concerto, ao bater palmas junto com a melodia, as pessoas com níveis mais elevados de ocitocina podem aparentar maior sincronia umas com as outras do que aquelas com níveis mais baixos do hormônio. A descoberta foi publicada no periódico 3CIENTIlC2EPORTS após a observação do comportamento de voluntários sob uma relação líder-seguidor e o comando de batidas ao som de alguma música. Sabe-se que a capacidade de sincronizar movimentos e sons corporais com uma batida musical é uma habilidade humana. Sabe-se, ainda, que quando as pessoas sincronizam seus movimentos, caminhando, batendo palmas ou fazendo música, elas relatam gostar mais umas das outras. Outra informação é que a ocitocina tem demonstrado promover inTERA¥ÎOSOCIAL COMOCOOPERA¥ÎOEAlLIA¥ÎO.ESSESENTIDO A pesquisa realizada contribui para a compreensão de como o comportamento de sincronia musical humana é afetado por fatores sociobiológicos, como a ocitocina e as relações líder-seguidor. Ele também destaca como a música cria e mantém a coesão social numa perspectiva evolutiva. .OENTANTO NESSEESTUDO NÎOlCOUCLAROSEOEFEITOSOCIAL da ocitocina é direto, ou se ela afeta a sincronização ou apenas comportamentos sociais secundários. PARA SABER MAIS: L. Gebauer, M. A. G. Witek, N. C. Hansen, J. Thomas, I. Konvalinka, P. Vuust. Oxytocin improves synchronisation in leaderfollower interaction. 3CIENTIlC 2EPORTS N ART
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PARA SABER MAIS: David A. Raichlen, Pradyumna K. Bharadwaj, Megan C. Fitzhugh, Kari A. Haws, Gabrielle-Ann Torre, Theodore P. Trouard, Gene E. Alexander. Differences in resting state functional connectivity between young adult endurance athletes and healthy controls. &RONTIERSIN(UMAN.EUROSCIENCE, n. 10, 2016.
Jussara Goyano é jornalista. Estuda Medicina Comportamental com foco em resiliência, bem-estar e performance. É coach certificada pelo Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento.
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ARQUIVO PESSOAL
ESTUDO RELACIONA OCITOCINA E CAPACIDADE HUMANA DE SINCRONIA RÍTMICA E INTEGRAÇÃO COM O OUTRO
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FUNÇÃO SOCIAL
A conexão entre regiões cerebrais distintas é importante para funções cognitivas como planejamento, tomada de decisão e capacidade de mudar o foco de atenção entre tarefas. Achados CIENTÓlCOSPUBLICADOSNAREVISTAFrontiers in Human Neuroscience demonstram que essa conectividade é maior no cérebro de corredores em comparação à de indivíduos mais sedentários. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universidade do Arizona compararam exames cerebrais de corredores adultos jovens com os de adultos jovens que não praticavam atividade física regular. Os participantes do estudo tinham aproximadamente a mesma idade – de 18 a 25 anos – com índice de massa corporal e níveis educacionais comparáveis. Os exames mediram a conectividade funcional do estado de repouso desses jovens, ou o que se passava no cérebro enquanto os participantes estão acordados. Embora pesquisas adicionais sejam necessárias para determinar se essas diferenças físicas na conectividade cerebral resultam em diferenças no funcionamento cognitivo, os achados atuais ajudam a estabelecer as bases para que os pesquisadores possam entender melhor como o exercício afeta o cérebro, particularmente em adultos jovens.
giro escala
A QUESTÃO DO DISCURSO REVISTA FILOSOFIA - EDIÇÃO 123
ENTREVISTA Sidnei de Oliveira fala sobre a simbiose entre Filosofia e Música em sua pesquisa
oral, os discursos e PENSAMENTO as técnicas de deSISTÊMICO clamação poética FORMAÇÃO constituíam formas DA RALÉ de exercício de poder, sendo essa uma OPRESSÃO PELO de suas principais MASCULINO características. Como o papel das mulheres é subjugado na construção Na etapa II, verido conhecimento f ica-se facilmente o conceito de ideia em John Locke (16321704) – enquanto objeto da mente, originado a partir da experiência sensível. A palavra é um componente fundamental para a manifestação das ideias – simples e complexas. Na etapa III, a proposta do texto é de uma apreciação do uma nova forma de entender o mundo
O crescimento dos discursos de ódio, em HANNAH ARENDT
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Platão grega, Mitologia não esquecimento
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Fernandes Desoti de Carolina Com curadoria Perencini A Brentam GRADUADAEM&ILOSOlA Tiago
FernandesÏ UISAAINmUÐNCIAAFRICANAN Desoti Carolina LTURALBRASILEIRA¡EDITORA PELA05# #AMPINAS0ESQ RAL E FORMA¥ÎODAIDENTIDADECU ÏLICENCIADOEBACHARELEM REDATORAEPRODUTORACULTU PerenciniNODE&ILOSOlAPELA5NESP Brentam Tiago TEMPORÊNEANA&ACULDADE &ILOSOlA-ESTREEM%NSI PROFESSORDE&ILOSOlA#ON *OÎO0AULO))DE-ARÓLIA
RENATO JANINE RIBEIRO Se o Brasil está no fundo do poço, como tirá-lo de lá?
f ilme alemão A Onda (Die Welle), lançado no Brasil em 2009, com direção de Dennis Gansel. A produção atua como recurso artístico para proble m at i z a r os conceitos de autocracia e retórica. Nesse f ilme, o discurso retórico é tomado como um veículo para difundir e defender ideias e posições políticas (no caso, a autocracia) e, da mesma forma que o exemplo grego, também promove um encantamento. EDIÇÃO 123 - PREÇO R$ 12,90
A proposta do trabalho publicada na edição 123 da revista Filosof ia, pautada em três etapas distintas, é a de apresentar ao leitor algumas noções básicas e conceitos da Filosof ia. Apesar de abordar no ensaio assuntos e contextos tão diversos entre si – a poesia na Antiguidade, o empirismo moderno e a discussão sobre política nos dias de hoje –, o autor buscou uma consonância entre essas três abordagens no que se refere principalmente à questão do discurso e da defesa de argumentos. Na etapa I, há a retomada dos gregos antigos no que se refere à noção de Alétheia e a credibilidade do discurso poético – palavra sagrada e acreditada. Naquela sociedade, fundamentalmente
ANO IX No 123 – www.portalcienciaevida.com.br
REFLEXÃO E PRÁTICA: Imagens como mediadoras do discurso
UMA PERSONALIDADE LIBERTÁRIA REVISTA SOCIOLOGIA - EDIÇÃO 67 A norte-americana Angela Davis é considerada uma das personalidades mais libertárias do século Em Sala de Aula: Qualidade da educação rural na pauta do MST
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Qual a sua desculpa? O ato de desculpar-se na mira de estudos sociológicos Primavera das Mulheres Temas como assédio e aborto reacendem o ativismo feminino Os contornos da direita Como PFL e DEM delinearam o atual cenário da política conservadora brasileira A verdadeira identidade da “piriguete” Feminilidade e comportamento sexual exagerados reforçam hegemonia masculina
O OUTRO COMO INIMIGO O medo transformou as relações sociais e as configurações urbanas, confinando a população entre muros
ROSANE BORGES ANALISA TRAJETÓRIA DE ANGELA DAVIS NA LUTA CONTRA O RACISMO
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XX, também com atuação marcante neste século. Pós-doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP, integrante da Cojira-SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial), autora e organizadora de diversos livros, entre eles Espelho Infiel: o Negro no Jornalismo Brasileiro, Mídia e Racismo, Rosane Borges escreveu a orelha do livro Mulheres, Raça e Classe, da ativista norte-americana, lançado no Brasil. Angela Davis é mulher, negra, comunista e feminista, um conjunto de características que sinaliza para um ativismo considerado perigoso para o establishment. Rosane ressalta que Angela Davis pertence
a uma geração em que a luta política foi uma arena fundamental para a mudança do mundo. E isso nos anos 60, um cenário que se constituiu numa década importante para a transformação social. Rosane relembra que a carreira política de Angela ganha visibilidade mundial na década de 1970, quando ela foi presa pela acusação grave de conspiração, sequestro e homicídio. Tornou-se, por isso, a terceira mulher a integrar a Lista dos Dez Fugitivos Mais Procurados do FBI. Uma personagem fascinante que a faz absolutamente comprometida com a mudança social, a partir de ref lexão e da prática. A entrevista completa concedida por Rosane Borges pode ser conferida na edição 67 da revista Sociologia.
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PATRÍCIA DE REZENDE CHEDID SIMÃO
NEM TODOS TÊM FACILIDADE DE
AUTOCONTROLE FINANCEIRO Segundo Patrícia Simão, o comprador compulsivo se classifica dentro do quadro de transtornos do impulso e adota um comportamento repetitivo, no caso o ato de comprar; sempre levado por um impulso, decidido pela emoção Por Lucas Vasques
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quilibrar o orçamento e manter uma VIDA lNANCEIRA CONTROLADA SÎO DESAlOS difíceis de enfrentar, principalmente em momentos de crise econômica, como a atual fase do Brasil. Há indivíduos perdulários, mas que conseguem, aos poucos, alterar seus hábitos e adequar seu padrão de vida à própria realidade. Entretanto, existem situações em que a pessoa é tomada por um sentimento incontrolável de gastar mais do que o bolso comporta. Nesses casos, a Psicologia Financeira pode ser uma importante aliada para auxiliar quem sofre de alguns transtornos relacionados ao problema. Especialista na área, a psicóloga Patrícia de Rezende Chedid Simão destaca que, apesar de ser um campo de estudo relativamente novo, vem ganhando espaço e importância no amplo espectro da Psi-
COLOGIA %LA RESSALTA QUE O DESCONTROLE lNANCEIRO pode ser originário de um problema emocional, que deve ser tratado. Mas faz uma ressalva: “Para ser considerado um problema de ordem emocional é necessário que seja tomado por um impulso, tenha certa frequência na vida do indivíduo e causado PREJUÓZOSNÎOAPENASDEORDEMlNANCEIRA-ASSEÏ UMFATOISOLADO UMAESCOLHA ÏDELICADOAlRMARSER um problema emocional”. Patrícia é graduada em Psicologia, pós-graduada em Psicopedagogia, tem formação em Terapia Comportamental e Cognitiva, com extensão em Psicologia Econômica, Educação Financeira, Mercado Financeiro e Mercado de Ações, além de ser capacitada como mediadora e conciliadora judicial. Atua na área clínica desde 1996 como psicóloga e professora em Orientação do Comportamento Financeiro. Lucas Vasques é jornalista e escreve nesta publicação.
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CRÉDITO DA FOTO: DIVULGAÇÃO
Para Patrícia Simão, o papel da Psicologia é importante, pois IGGI G é uma aprendizagem, como qualquer outra, e envolve aspectos objetivos e subjetivos
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PATRÍCIA: Se formos fazer essa comparação levando em conta a nomenclatuRA EM UM PRIMEIRO MOMENTO lCA CLARA uma diferença. Enquanto a Psicologia Financeira diz respeito à administração de recursos, desde individuais a pequenos grupos e de uma sociedade como um todo, já a Econômica, por sua vez, é a ciência que estuda a atividade econômica no âmbito social. O comum entre elas é que as duas se utilizam da Psicologia, que, por sua vez, é a ciência que estuda o comportamento. Já em termos de como CADA UMA TRABALHA NÎO TERIA DElNI¥ÎO até porque Psicologia Financeira é um termo que vem sendo utilizado pela mídia e a cada dia surgem novos nomes e trabalhos propostos por diferentes linhas da Psicologia. Como disse, isso é um processo que vem crescendo. Já a Psicologia Econômica tem na Vera Rita de Melo Ferreira, psicanalista de formação, seu maior nome para essa proposta. Fui aluna de sua primeira turma e, sem sombra de dúvida, muitos estudos e informações que temos hoje no Brasil, nesse campo, devemos a ela. Psicologia Econômica é um estudo que surgiu na Europa. Também se falou muito de economistas comportamentais e sua proposta está em trazer a Psicanálise como contribuição à %CONOMIA *É OUTROS PROlSSIONAIS SEGUIram a linha da terapia comportamental cognitiva, na qual eu me enquadro, apesar de nunca descartar ideias de autores DAS DEMAIS LINHAS !lNAL Ï TUDO MUITO novo e acredito que qualquer informação que possa ajudar deve ser compartilhada. Devemos ter o cuidado em não dividir a 0SICOLOGIA COMO lZERAM NA POLÓTICA / que está em jogo aqui é a salubridade de uma nação.
DESCONTROLE
FINANCEIRO É UM PROBLE -
MA EMOCIONAL?
PATRÍCIA: Depende. Precisamos entender o que levou o indivíduo a esse descontrole. Para ser considerado um problema de 10
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A Psicologia Financeira diz respeito à administração de recursos, desde individuais a pequenos grupos e de uma sociedade como um todo, já a Econômica, por sua vez, é a ciência que estuda a atividade econômica no âmbito social
todo o contexto da história que levou o indivíduo a esse comportamento. Nesse caso isolado entendo mais como uma forma de compensação.
COMO
A
PSICOLOGIA FINANCEIRA
IDENTI-
FICA UMA PESSOA QUE TEM DIFICULDADES NO ORÇAMENTO DAQUELA QUE POSSUI UM TRANSTORNO?
PATRÍCIA: !DIlCULDADEÏESPERADAQUANdo não se tem conhecimento do assunto, familiaridade, falta experiência. O transtorno tem dois aspectos: já se tem conhecimento. Em alguns casos se inicia a prática, mas não existe sustentação da mesma; e quase sempre vem associado a algum tipo de prejuízo.
QUANDO
E POR QUE A PESSOA PRECISA DE
UM TRATAMENTO PSICOLÓGICO?
ordem emocional é necessário que seja tomado por um impulso, tenha certa frequência na vida dele e tenha causado PREJUÓZOSNÎOAPENASDEORDEMlNANCEIra. Mas se é um fato isolado, uma escoLHA ÏDELICADOAlRMARSERUMPROBLEMA emocional. Pelo contrário, às vezes se faz até necessário. Por exemplo: quando A DOR OU O CONmITO SÎO MUITO GRANDES necessitamos da famosa “válvula de escape”. Melhor que seja no cartão de CRÏDITODOQUElCARDOENTE BATEROCARro, fumar ou beber. Foi um descontrole, sem dúvida, mas é importante entender
PATRÍCIA: E importante avaliar o contexto em que a queixa se apresenta. Alguns pontos devem ser observados: a queixa trazida é uma constante na vida do indivíduo; já fez tentativas de mudar e não conseguiu; as pessoas o alertam para isso; sempre BUSCAJUSTIlCATIVASOUEVITAFALARSOBRESUAS CONDUTAS lNANCEIRAS O COMPORTAMENTO em questão já lhe causou problemas, não APENAS NO CAMPO lNANCEIRO COMO TAMBÏMPESSOAL PROlSSIONALEAFETIVOSEXUAL avaliar a saúde. Em determinadas situA¥ÜES ESSAS CONDUTAS lNANCEIRAS GERAM problemas de saúde física e emocional.
A matemática da educação GI G\` IGdGG e gastar menos do que GG:$I G G Ï desprendidos de emoções
IMAGEM: 123RF
EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE PSICOLOGIA F INANCEIRA E PSICOLOGIA ECONÔMICA? QUAIS SÃO?
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EXISTE UM PERFIL PSICOLÓGICO PADRÃO ENTRE OS COMPRADORES COMPULSIVOS? PATRÍCIA: Segundo alguns estudos dentro da terapia comportamental cognitiva, citando Range (1995), o comprador comPULSIVO SE CLASSIlCA DENTRO DO QUADRO DE transtornos do impulso, e isso nos leva à observação de algumas condutas comuns, entre elas comportamento repetitivo, nesse caso o ato de comprar; sempre levado por um impulso, sem planejamento; a compra é decidida pela emoção, ausência da razão.
COMO
DEFINE O COMPORTAMENTO ECONÔ-
MICO DO BRASILEIRO?
PATRÍCIA: Sendo bem objetiva, vejo que estamos caminhando para uma sociedade neurótica. Falo mais precisamente da neurose do fracasso, pois foi engolida por um poder representado, em sua maior parte, por indivíduos perversos. Citando La Planche e Pontails, entende-se neurose do fracasso, segundo estudos de René Lauforgue, como sendo “um grupo de todas as ESPÏCIESDESÓNDROMESDOFRACASSOIDENTIlcáveis na vida afetiva e social, no indivíduo ou num grupo social....”. Já Freud refere-se a certos tipos de fracasso neurótico à compulsão, à repetição, o que ele chama de compulsões de destino (1920). Já o conceito de perversão, trago não apenas no conceito da Psicanálise, mas, sim, mais amplo. É perverso o indivíduo que trapaceia, rouba, manipula, visando usar o dinheiro de terceiros para seu próprio benefício. Desrespeita regras e leis sem o menor sentimento de culpa. Enriquecimentos nesses casos são ilícitos. Suas relações são basicamente sadomasoquistas, em que atingem o prazer com o sofrimento de outros. Necessitamos urgentemente tratar dessas neuroses, porque somente uma sociedade sã é capaz de controlar a perversão.
EM
MOMENTOS DE CRISE NO PAÍS , COMO
ADOTAR UM COMPORTAMENTO ECONÔ MICO ADEQUADO PRA EVITAR PROBLEMAS FUTUROS?
PATRÍCIA: Nesse caso a lição de casa é bem objetiva, concreta, direto no orçamento. Rever o orçamento, os gastos possíveis de www.portalcienciaevida.com.br
serem cortados, diminuídos. Não há muito como fugir dessa regra. Isso, no entanto, se torna difícil para muitos, porque o simples fato de olhar o orçamento nos faz deparar com uma realidade de momento angustiante, no que se diz respeito à quesTÎO lNANCEIRA ECONÙMICA $E REPENTE O dinheiro acabou, e agora? Minha resposta para isso é: ótimo! Quem sabe não seja o momento de pensar em outras condutas, valores, para que se tome conhecimento de nossas aptidões, trabalhar internamente.
0ARAMELHORElCÉCIA a Psicologia Financeira tem muitas maneiras de comparecer, desde palestras informativas, grupos de apoio emocional e orientação lNANCEIRAE EMALGUNS casos, os tratamentos em consultório com as sessões de psicoterapia QUAIS
OS IMPACTOS EMOCIONAIS PROVOCA-
DOS PELA CRISE FINANCEIRA?
PATRÍCIA: Certa preocupação e medo DIANTE DE UMA CRISE lNANCEIRA SÎO ATITUdes normais e esperadas. O contrário não SERIA AlNALOCENÉRIOECONÙMICOMUDOU e existe a necessidade de readequar o orçamento e, em determinadas situações, até mesmo buscar uma terceira fonte de renda para cobrir os gastos. No entanto, Ï PRECISO lCAR ATENTO POIS DEPRESSÎO E transtornos de ansiedade podem aparecer, no caso de indivíduos que já possuam essa predisposição. Alguns sintomas da depressão: tristeza, acompanhada de sentimentos de culpa e vergonha; crises de CHOROSENSA¥ÎODEFRACASSODIlCULDADES de concentração; irritabilidade; insônia;
sensação de inutilidade; perda do prazer SEXUALDIlCULDADEEMEXECUTARATÏMESmo tarefas cotidianas. A apresentação de três ou mais desses sintomas merece tratamento em psicoterapia, associado ou não de medicação, dependendo do grau.
EM
TEMPOS DE CRISE, COMO A QUE O PAÍS
ESTÁ VIVENDO, É CORRETO AFIRMAR QUE HÁ UM AUMENTO CONSIDERÁVEL NOS CASOS DE DEPRESSÃO E ESTRESSE RELACIONADOS AO ASSUNTO DINHEIRO?
PATRÍCIA: Foram desenvolvidos vários trabalhos e pesquisas sobre isso. O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em 2015, publicou um artigo sobre essa questão, apontando, inclusive, a porcentagem para cada alteração de humor observada. Recomendo a leitura, disponível em https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/release_sentimentos.pdf
PODEMOS
CLASSIFICAR A CORRUPÇÃO COMO
UMA ESPÉCIE DE TRANSTORNO, JÁ QUE ELA SE CARACTERIZA PELA BUSCA EXACERBADA DE PODER E DINHEIRO?
PATRÍCIA: Primeiro é importante entender o que é corrupção, ou seja, o ato de subornar alguém, dando dinheiro ou até mesmo presentes, na tentativa de atingir benefícios por interesse próprio, desrespeitando regras e leis. Nesse sentido, a prática desse ato é até comum. Agora, indivíduos que usam desse método como um meio de vida, compulsivamente, pode sugerir que estamos diante de algum tipo de transtorno de personalidade. Alguns autores DEFENDEM QUE O CORRUPTO ESTARIA CLASSIlcado em alguns deles. Fácil entender essa conclusão se você ler um pouco sobre as características deles. Vou apresentar a descrição de dois tipos de transtorno, que, devido às suas características, levariam a essa conduta mais facilmente, sem nenhuma culpa. Para isso, cito Bernard Rangé, da terapia comportamental cognitiva. Um é o transtorno narcísico, cuja crença principal é o indivíduo acreditar que está acima das regras e merece atenção especial, e, assim, ele transcende regras, é extremamente competitivo, usando dos outros para psique ciência&vida
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benef ício próprio e se autoengrandecer. A visão que faz dos outros é que são inferiores e devem ser seus admiradores, e ele, sim, é especial, único e superior. O segundo é o transtorno antissocial, cuja crença principal é a de que regras não são para ele e o negócio é levar vantagem em tudo e, assim, ele engana, manipula, ataca e rouba, enxergando os outros como otários, vulneráveis e exploráveis. Ele é forte, esperto, autônomo, não precisa de ninguém. DenTRODESSEQUADROlCAFÉCILENTENDERPORQUE alguns autores de saúde levam a esse diagnóstico. No entanto, eu já iria por outro viés. Vejo a corrupção, antes de mais nada, como uma falha de educação, e o indivíduo corrupto é resultado de um somatório de atos que poderiam ter sido corrigidos e não foram, levando-o, digamos assim, ao vício da corrupção. Uma vez instalado só existe uma maneira de controlar: a reeducação. E, aí, nós temos de recorrer a uma linha da Psicologia que, a meu ver, nesse caso a mais recomendada seria a Experimental, que propõe a extinção de comportamentos prejudiciais por meio da punição e a aprendizagem de novas condutas, atraVÏSDEESTÓMULOSEREFOR¥OSPOSITIVOS% lnalizando no caso da corrupção sistêmica, eu entendo que a prisão, por si só, não levará a resultado nenhum. E esses indivíduos, mais cedo ou mais tarde, vão comprar a sua liberdade. A punição deve ser feita no ponto mais vulnerável, nesse caso o bolso. Corrupto tem que pagar com dinheiro e com trabalho que exija muita disciplina. Como eu disse, esses indivíduos devem ser reeducados. E é claro que uma avaliação de ordem neurológica também, no caso de transtornos mais severos.
NAS DATAS COMEMORATIVAS, COMO NATAL, DIA DAS CRIANÇAS E DAS MÃES, HÁ CERTA EUFORIA EM RELAÇÃO ÀS COMPRAS DE PRESENTES.
QUAIS
OS PRINCIPAIS CUIDADOS
PRECONIZADOS PELA
PSICOLOGIA FINANCEI-
RA QUE O CONSUMIDOR DEVE TER PARA NÃO DAR O PASSO MAIOR QUE A PERNA?
PATRÍCIA: Você usou o termo correto: euFORIA6OUDElNIRTRAZENDOOMAISANTIGO dos livros, o dicionário: “A euforia é um 12
psique ciência&vida
Primeiro é importante entender o que é corrupção. Indivíduos que usam desse método como um meio de vida, compulsivamente, pode sugerir que estamos diante de algum tipo de transtorno de personalidade estado patológico, uma vez que ele se caracteriza pelo aparecimento de alegria, otimismo e ânimo, mas que não corresponde à realidade da vida da pessoa que diz experimentá-los”. Portanto, voltamos aí outra vez à questão do princípio do prazer como fuga da realidade. A lição de casa nessas situações é muito simples. Primeiro, quando estiver eufórico evite as compras. Fale, converse, caminhe, movimente-se, como uma forma de canalizar essa energia por outro caminho QUENÎOVÉLESÉ LOlNANCEIRAMENTE
DENTRO
DESSE CENÁRIO, O BRASILEIRO
NÃO TEM O HÁBITO DO PLANEJAMENTO.
PSICOLOGIA F INANCEIRA TRAZ PARA PROPORCIONAR UMA POS SÍVEL MUDANÇA DESSE HÁBITO? QUAIS
ELEMENTOS A
PATRÍCIA: Então, vamos entender essa mudança de hábitos como uma aprendizagem, e nesse caso é mais fácil adquirir novos hábitos que tenham reforços POSITIVOS ! PRIMEIRA COISA A IDENTIlCAR é se ocorre motivação interna para essa mudança e quais seriam elas. Depois, registrar os ganhos que a pessoa possa ter COMNOVOSHÉBITOS% lNALMENTE TRA¥AR estratégias e caminhos que levem a isso. .ESSE CASO SØ SABEREMOS COMO DElNI-las com o paciente em sessão. Mesmo porque temos de observar as respostas e irmos adaptando às ferramentas.
AS
CRIANÇAS SÃO BEM VULNERÁVEIS ÀS
OFERTAS DO CONSUMO.
COMO
OS PAIS PO -
DEM CONDUZIR UMA EDUCAÇÃO FINANCEIRA SAUDÁVEL PARA SEUS FILHOS?
PATRÍCIA: Com crianças, o trabalho é preventivo, uma vez que, segundo alguns autores, a personalidade já está formada aos 4-5 anos, e, de fato, nessa fase você consegue observar comportamentos no brincar da criança, que sugerem suas tendências lNANCEIRAS%UCOSTUMODIZERQUEOBRINquedo é o dinheiro da criança, enquanto que para o adulto, dinheiro é brinquedo. Os pais precisam se dar conta do quanto é poderosa essa ferramenta na educação. Cabe aqui uma citação de Winnicott: “A criança joga (brinca) para expressar agressão, adquirir experiência, controlar ansiedades, estabelecer contatos sociais como integração da personalidade e por prazer”. O que eu teria a dizer para os pais Ï BRINQUEM COM SEUS lLHOS ENQUANTO ainda é tempo. Se ele for um pré-adolescente, jogue, não espere o dinheiro entrar no mundo dele, o que hoje acontece cedo, a partir do momento que ele já entende a existência do mesmo e sabe fazer contas. Mas não abandonem a brincadeira, que é, no meu ponto de vista, a melhor maneira de ensinar e educar. O jogo permite ensinar a criança que regras existem e devem ser respeitadas, saber ganhar e perder e ter a merecida punição se houver tentativa de trapaça. No jogo, na brincadeira, VOCÐEDUCASEUlLHOASERUMHOMEMMElhor. Por isso, se ele ganhar vibre com ele, mas se ele perder deixe que chore, deixe que sofra, não lhe tire essa oportunidade de aprender com a dor, porque a vida é assim e dessa forma você estará preparanDOSEUlLHOPARAUMMUNDODEVERDADE onde temos de ganhar, sem dúvida, mas não vamos morrer se perdermos.
POR QUE AS PESSOAS SE DEIXAM LEVAR PELAS EMOÇÕES NA HORA DE COMPRAR OU INVESTIR SEU DINHEIRO?
PATRÍCIA: Importante essa sua pergunta. E eu, entendendo isso e vendo o quanto o trabalho em clínica pode ser longo e para algumas situações não podemos www.portalcienciaevida.com.br
esperar tanto tempo, fui buscar ferramentas para ajudar nessa questão. Isso foi em 2009, quando outro campo do saber também vinha ganhando terreno, a Educação Financeira. Observei, então, dois pontos nesses cursos: a preocupação com questões relacionadas a endividamento, consumismo, e o sonho da aposentadoria, passíveis de serem entendidos em nível racional, uma vez que são objetivos, e não estão errados. Já para o entendimento da Psicologia, isso é somente a ponta do iceberg, o sintoma. / CONmITO Ï QUE NOS INTERESSA 1UANDO FALAMOSEMlNAN¥AS AQUESTÎOEMJOGO é mais subjetiva do que parece. Para isso, busquei também a psicopedagogia, disciplina que visa justamente trabalhar as DIlCULDADESDEAPRENDIZAGEM!MELHOR resposta que encontrei para isso está em Alicia Fernandez, 1991, em seu livro Inteligência Aprisionada %LA AlRMA QUE aprendizagem é sempre singular, especílCA$IZOQUANTOÏIMPORTANTEENTENDER a forma que cada um tem e ainda reforça que a modalidade de aprendizagem assemelha-se à modalidade sexual, e até com a forma de relação que o sujeito estabelece com o dinheiro. Esse meu estudo foi o trabalho de conclusão de curso, publicado com o tema “A aprendizagem em Educação Financeira: diagnóstico, prevenção e intervenção psicopedagógica”. Quem se interessar, encontra-se disponível no endereço HTTPWWWPSICOLOGIAlNANCEIRACOMBRPSIDOWNLOADSMONOGRAlA? APRENDIZAGEM?EM?EDUCACAO? lNANCEIRAPDF
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QUAIS OS PRINCIPAIS ERROS QUE OS INVESTIDORES COMETEM EM RELAÇÃO ÀS QUESTÕES EMOCIONAIS? PATRÍCIA: São as famosas atitudes impulsivas. Investidores que cometem esse tipo de erro se enquadram no mesmo PERlLQUECOMPRADORESCOMPULSIVOS SØ que nesse caso o objeto dele é o mercaDO lNANCEIRO /S ESQUEMAS COGNITIVOS são os mesmos. A decisão pelos investimentos, às vezes, é tomada pela oferta, pelo modismo e é imediata, sem planejamento algum. www.portalcienciaevida.com.br
As crianças são mais vulneráveis aos apelos do consumismo e, por isso, os pais devem ter uma IGhÔ GH IGhÔGI G
Vejo que estamos caminhando para uma sociedade neurótica. Falo mais precisamente da neurose do fracasso, pois foi engolida por um poder representado, em sua maior parte, por indivíduos perversos
rônea que associa dinheiro ao sucesso, levando um dos parceiros, ou até mesmo os dois, à sensação de fracasso no casamento QUANDO HÉ UMA CRISE lNANCEIRA .O ENtanto, pelo contrário, muito dinheiro tamBÏM PODE SER UMA FORMA DE CAMUmAR A falência do casal. Nesse momento, os dois devem sentar e conversar muito. A conversa sempre foi e será o melhor caminho, ajudar um ao outro, dividir suas ideias, MEDOSECONmITOS/SEUPARCEIROA TEM que saber o que se passa na sua cabeça para ambos poderem juntos desvendar o que, de fato, é real, o que é fantasia e que medidas devem ser tomadas.
UM
QUAIS
PSICOLO GIA F INANCEIRA PODE SER UMA ALTERNATIVA PARA CASAIS EM CRISE NO RELACIO NAMENTO POR RAZÕES FINANCEIRAS? DE QUE MANEIRA? TRATAMENTO COM BASE NA
PATRÍCIA: Sim, mas temos de levar em conta os valores, conceitos e pré-conceitos de cada um dos parceiros. Ainda vivemos numa cultura em que a cobrança de papéis é muito grande, principalmente no QUE DIZ RESPEITO Ì lGURA MASCULINA QUE tem de ser o provedor. Além disso, ainda pecamos muito em cima de uma ideia er-
SERIAM OS CONSELHOS QUE DARIA
AO LEITOR EM RELAÇÃO A COMO LIDAR COM O DINHEIRO?
PATRÍCIA: %STÉEMCRISElNANCEIRA%Ntão, primeiro, comece revendo seus valores. Segundo, veja suas aptidões e o que, de fato, o faz feliz, e, terceiro, levante seus recursos internos e transforme o que você tem de melhor em algum produto ou serviço que possa vir, de alguma maneira, a ser comparTILHADO % lNALIZANDO DESENVOLVA SUA capacidade de amar. psique ciência&vida
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in foco
por Michele Müller
MENTE presente ESTAR NO MOMENTO DE AGORA PERMITE DESLIGAR A CAPACIDADE CEREBRAL DE ALERTAR PARA AS POSSIBILIDADES QUE PODEM ESTAR NOS AGUARDANDO
A
observação atenta pode ser entendida como a capacidade de estar presente. A presença, em sua aparente simplicidade, guarda algo impalpável e abstrato que perseguimos com frequência nos lugares errados: “felicidaDE Ï ESTAR NO PRESENTEv COMO DElNIU OlLØSOFO!LAN7ATTS UMDOSGRANDES difusores do pensamento asiático no mundo ocidental. Estar presente é o requisito para perceber a vida de forma plena e deixar-se maravilhar por ela. “Como o que sabemos do futuro é FEITOAPENASDEELEMENTOSABSTRATOSELØgicos – inferências, palpites e deduções – ele não pode ser degustado, sentido, visto, ouvido ou desfrutado de alguma
QUEBRAR A MOLDURA DO ABSOLUTISMO E ACEITAR O INCERTO REQUEREM RECONHECER O QUE DE FATO ESTÁ SOB NOSSO CONTROLE E DEIXAR FLUIR SEM RESISTÊNCIA AQUILO QUE NÃO ESTÁ 14
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forma. Persegui-lo é como perseguir um fantasma, um que constantemente nos escapa e quanto mais corremos para alcançá-lo, mais rapidamente ele foge. É por isso que a civilização corre apressada, raramente valoriza aquilo que tem e está sempre querendo mais e mais. A felicidade, então, consiste não em reaLIDADESSØLIDAS MASEMALGOABSTRATOE SUPERlCIAL COMOPROMESSASEEXPECTAtivas”, conclui Watts. Sem conseguirmos nos livrar, ao menos de vez em quando, da angústia DE SERMOS COMANDADOS PELO RELØGIO E da pressão que representam os ideais QUE NOSSA CULTURA CONSTRØI E PROPAGA TÎO BEM ACABAMOS lCANDO EM UM constante estado de alerta. Percebemos sinais de que atrás de alguma árvore pode haver um predador: o coração ACELERA APETITE SONOERESPIRA¥ÎOlCAM a lterados, causa ndo uma sensação pa ralisadora de ameaça. Muito antes do termo mindfulness ganhar popularidade no Ocidente, a psiCØLOGAEPESQUISADORA%LLEN,ANGER DO Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard, estudava o fenômeno da atenção plena. Quando a mente está presente, ela defende, nos tornamos SENSÓVEISAOCONTEXTO-ASNÎOBASTADECIDIRESTARPRESENTEODOMÓNIODAATENção é uma habilidade que, como qualquer outra, precisa ser exercitada. Começa com a prática de perceber.
“A iluminação parte de processos muiTOSSIMPLESv ENSINAOlLØSOFOAUSTRÓACO Rudolf Steiner em A Iniciação, em que apresenta formas de desenvolver a habilidade de se conectar ao que chama de “mistérios superiores da existência” n O QUE SØ Ï POSSÓVEL POR MEIO DE UM processo meditativo, um conceito que na época ainda era considerado parte de um campo do ocultismo, restrito a poucos. Steiner derruba essa ideia, mostrando que o treino da atenção plena – ou “iluminação”, como aborda – é ACESSÓVELATODOSEhPROCEDEDAMESMA forma que com todo o restante saber ou capacidade do ser humano”: basta estar disposto e ter a paciência para desenvolver e despertar sentimentos E PENSAMENTOS LATENTES h/ INÓCIO SE fará com a contemplação, de uma determinada maneira, de diversos seres da Natureza – por exemplo, uma transparente e bem-formada pedra (cristal), uma planta e um animal. Procure-se inicialmente dirigir toda a atenção à comparação da pedra com o animal, da seguinte forma: os pensamentos que PARAAÓSÎODIRIGIDOSTERÎODEATRAVESSAR a alma acompanhados de sentimentos vivos. E nenhum outro pensamento, nenhum outro sentimento poderão intrometer-se e perturbar a contemplação intensiva e compenetrada”, instrui. Essa contemplação profunda pode ser direcionada a outros sentidos: para alguns, www.portalcienciaevida.com.br
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dirigir a atenção às informações sonoRASDOAMBIENTEÏOMEIOMAISElCAZDE alcançar o estado meditativo. Trazer a mente para o presente enVOLVETAMBÏMOEXERCÓCIODAACEITA¥ÎO OUTRO CONCEITO ENRAIZADO NA lLOSOlA oriental. Deixar de se apavorar com as possibilidades imaginárias depende de aceitarmos – e até apreciarmos – o incerto. “Tudo muda e tudo se torna diferente a partir de outra perspectiva. Portanto, o estado inteligente de consciência seria de incerteza. Mas somos ensinados a procurar pelo absoluto. Temos a noção equivocada de que absolutos existem e que devemos conhecê-los. Mas o que acontece é que, uma vez que você tem certeza de alguma coisa, você não presta atenção nela, não está presente para perceber as mudanças e perde oportunidades – seja no trabalho ou nos relacionamentos”, disse em enwww.portalcienciaevida.com.br
trevista ao programa OnBeing (http:// bit.ly/TZAnRs). Devemos lembrar que qualquer pergunta que nos fazemos mentalmente vem com todos os tipos de possibilidades – tanto negativas quanto positivas. Criadas e alimentadas pela mente ausente, essas presunções estão quase sempre erradas. Errar nas positivas pode trazer uma enorme frustração. Errar nas negativas – sempre as mais comuns e acompanhadas de evidências que construimos com maestria – nos coloca em constante estado de preocupação. Coisas ruins acontecem, mas é bom trazer à consciência que nossas TEMÓVEIS PREVISÜES MUITO RARAMENTE
correspondem à realidade e que, mesMO EM MOMENTOS DIFÓCEIS O CENÉRIO imaginado pode ser muito pior que o evento real. Quebrar a moldura do absolutismo e aceitar o incerto, tanto no campo individual como universal, requerem reconhecer o que de fato está sob nosso CONTROLE E DEIXAR mUIR SEM RESISTÐNCIA AQUILO QUE NÎO ESTÉ %SSE EXERCÓCIO DE CONlAN¥A NA VIDA NOS MANTÏM ATENTOS às necessidades de mudanças e evolução, nos ensina que diferentes pontos de vista são enriquecedores e nos permite UM CONTATO MAIS ÓNTIMO E REALIZADOR com as belezas que a ansiedade geralmente oculta.
Michele Müller é especialista em Neurociências e Neuropsicologia da Educação. Pesquisa e cria ferramentas para o desenvolvimento da linguagem. É autora do blog www.leituraesentido.blogspot.com
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supervisão
Por Ricardo Wainer
DIREITOS
do terapeuta
É FATO QUE O PSICOTERAPEUTA SE DEFRONTA COM O SOFRIMENTO E AS FORMAS DE RELACIONAMENTO DESADAPTATIVAS DE SEUS PACIENTES, MAS DEVE RESPEITAR SEUS LIMITES NO ATENDIMENTO CLÍNICO
D
esde o século XIX, não foram poucos os teóricos que debateram sobre as habilidades, competências pessoais e técnicas requeridas dos psicólogos e psiquiatras para que viessem a oferecer UMAAJUDAQUALIlCADAECOMPOUCORISco de iatrogenias a seus clientes. Passando pelas ideias de autoconsciência pela autoanálise em Freud até a necessidade de medidas objetivas de evolução do tratamento em Hans Eysenck, o fantasma do erro e da imperícia sempre assombrou o setting terapêutico. Mas o que dizer aos clínicos quando a refratariedade, a desmotivação e a resis16
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tência são intrínsecas à vida e ao contexto pessoal do paciente? É exatamente sobre essas situações que muito do trabalho da supervisão em psicoterapia mira sua prática e esforços. /S DESAlOS PARA QUE SE CONCRETIZE uma relação terapêutica sólida e, então, aconteçam as mudanças comportamentais, emocionais e cognitivas propostas no início do tratamento dependem de fatoRES$ESDEOTIPODEDIlCULDADETRANSTORno mental) apresentado pelo paciente e o grau de motivação para o processo psicoterápico até a capacidade de engajamento numa relação colaborativa minimamente empática com o terapeuta, tudo compac-
tua para uma grande complexidade e dilCULDADEPARAOALCANCEDEÐXITOSTOTAIS Não é raro que supervisores tenham que tranquilizar seus supervisionandos PARA QUE ESTES NÎO lQUEM SOFRENDO OU se acusando por fracassos que, na verdade, nada mais são do que trechos de uma história maior ainda a ocorrer. O que paRECEOlMDEUMAHISTØRIATERAPÐUTICADO indivíduo, na grande maioria das vezes, é só um capítulo desse paciente no seu processo de mudança. Os problemas que uma díade paciente-terapeuta teve no passado podem representar material extremamenTERICOPARAOTRABALHODEOUTROPROlSSIOnal com aquele mesmo paciente. www.portalcienciaevida.com.br
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É trabalho da supervisão e da forma¥ÎOEMPSICOTERAPIALEVAROSPROlSSIONAIS A BUSCAREM A NEUTRALIDADE CIENTÓlCA Esta entendida como a capacidade de olhar o outro através da lente do entendimento teórico-clínico dos constituintes da vida que levaram o indivíduo a ter aquela identidade e conduta. Somente assim conseguirão ter a empatia necessária para com o sofrimento do cliente e não reagir GUIADOPORSUASCREN¥ASPESSOAIS IDENTIlCAREM AS ATIVA¥ÜES EMOCIONAIS QUE O paciente lhe causa. Sabe-se que as ativações e reações afetivo-emocionais que o cliente desperta no paciente são ferramentas ricas, tanto para a compreensão do que o paciente gera no seu entorno quanto para explicitar esse funcionamento automático que, na maioria das vezes, está fora DA CONSCIÐNCIA DO SUJEITO ESTABELECER objetivos e limites realistas ao tratamento. Sendo o autossacrifício um componente quase que universal da personalidade de PROlSSIONAISDAÉREADASAÞDE ELETEMDE ser olhado com muita atenção. Por um lado gera a motivação e persistência para o trabalho de catalisar as mudanças nas dinâmicas do paciente, enfrentando todos OSTIPOSDERESISTÐNCIANORMAISEESPERAdas em todos os casos). Por outro lado, entretanto, o autossacrifício pode aparecer numa postura onipotente e, de certo modo, arrogante, de não saber a hora de lNALIZAR UM ATENDIMENTO QUE NÎO ESTÉ chegando a bom termo. É justamente neste último item que ESTETEXTOPROPÜEUMAREmEXÎO3EOPSIcoterapeuta tem que se defrontar com o sofrimento e as formas de relacionamento desadaptativas de seus pacientes, isto NÎO SIGNIlCA QUE ELE DEVA SER MALTRATAdo ou agredido por aqueles. Vivenciar e validar emoções e desestabilizações do paciente, em alguns momentos, são diferenciais esperados e de impacto terapêu-
VALIDAR EMOÇÕES E DESESTABILIZAÇÕES DO PACIENTE, EM ALGUNS MOMENTOS, SÃO DIFERENCIAIS ESPERADOS E DE IMPACTO TERAPÊUTICO NA UNICIDADE DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA tico na unicidade da relação terapêutica. Mas o terapeuta, como ser humano que é e que tem de expressar seus direitos a TODOS INCLUSIVE SEUS PACIENTES PRECISA ter claros os limites entre ser um instrumento de ajuda e entre se subjugar e ter seus direitos desrespeitados pelo cliente. Quando o respeito mútuo não se consolida entre paciente-terapeuta nos primeiros meses de relacionamento, a interrupção do tratamento se faz premente. 3ITUA¥ÜES TÓPICAS QUE EXEMPLIlCAM ISTO são: casos onde não há a diminuição ou cessação de comportamentos que interfeREMNATERAPIAFALTASCONSTANTES ATRASOS sistemáticos, vir alcoolizado ou drogado para as sessões, não cumprir acordos em relação a comportamentos suicidas ou parassuicidas, etc.). Aqui é função terapêutica do clínico mostrar que a dupla não está tendo os progressos básicos necessários rumo às metas terapêuticas e ENCAMINHAROPACIENTEAOUTROPROlSSIOnal que pode ter mais sucesso. Não é fácil nem agradável tomar tais medidas, mas elas representam mais um aprendizado importante, através do exemplo, de que todos precisamos conhecer e estabelecer nossos limites pessoais.
Ricardo Wainer é doutor em Psicologia, especialista em Terapia do Esquema, com treinamento avançado pelo New York Schema Institute, e supervisor credenciado pela International Society of Schema Therapy. Pesquisador em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e em Ciências Cognitivas. Professor titular da Faculdade de Psicologia da PUC–RS. Diretor da Wainer Psicologia Cognitiva.
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psicopositiva
por Lilian Graziano
VOCÊ está AQUI? TRAGADOS PELA VELOCIDADE DO MUNDO ATUAL, ENCONTRAMOS CADA VEZ MAIS DIFICULDADE DE NOS FOCARMOS NO MOMENTO PRESENTE. A SAÍDA PODE ESTAR EM TAREFAS SIMPLES, TAIS COMO ESCOVAR OS DENTES
A
pergunta pode parecer estranha. Mas eu mesma tenho que me concentrar para ter a certeza de estar aqui, escrevendo esta coluna. Pior, me lembro de uma tarefa importante, paro e vou até ela. No caminho encontro aquele papelzinho com o telefone de uma paciente nova que aguarda um retorno meu para marcarmos uma consulta para amanhã. Não consigo retornar a 18
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ELA PORQUE AGUARDO UMA CONlRMA¥ÎO de outro paciente sem a qual não consigo saber ao certo quais horários disponíveis terei para marcar a nova consulta. Volto a este texto. Releio a primeira frase. “Caramba, aquele paciente já devia ter me retornado!” Pego o celular, entro no WhatsApp A lM DE CHECAR AS mensagens. Não. Ele ainda não respondeu. Volto ao texto. Escrevo mais uma frase. O celular treme. Mensagem nova.
Finalmente o retorno que eu esperava. Volto ao texto com a urgência de uma colunista que está com seu prazo de entrega estourando. Releio as linhas até então produzidas e sou assaltada por um pensamento que diz: “Não posso me esquecer de dar um retorno àquela paciente nova!”. É quando a conclusão SURREAL SE FAZ ØBVIA .ÎO DElNITIVAMENTE NÎO ESTOU AQUI / QUE SIGNIlCA que estou escrevendo este texto como www.portalcienciaevida.com.br
A CIÊNCIA JÁ RECONHECE A IMPORTÂNCIA DE FOCARMOS NOSSA ATENÇÃO NO PRESENTE. TRATA-SE DO CONCEITO DE MINDFULNESS, QUE MUITOS, ERRONEAMENTE, ACREDITAM TER NASCIDO A PARTIR DA PSICOLOGIA POSITIVA
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se estivesse em outra dimensão. Ou em várias delas, pra ser mais precisa. É por isso que a pergunta expressa no título desta coluna se faz tão pertinente. Principalmente porque você, caro leitor, muito provavelmente ao longo deste parágrafo esteve tão ausente quanto eu. O que torna nosso encontro quase que um verdadeiro milagre! Não me lembro de, nas deliciosas aulas de Teoria Literária, ter lido algum artigo que falasse sobre a qualidade do texto que consegue resgatar o leitor de outras dimensões. Talvez porque, naquela época, tudo se resumisse à qualidade de um texto capaz de, SIMPLESMENTE PRENDER A ATEN¥ÎO DESSE leitor que estava ali, no presente à espera DESERTOCADO lSGADOOUPURAMENTEENtretido pelas palavras do autor. É certo que vivemos em um ritmo diferente – discos de vinil que saltaram DAROTA¥ÎOPARAAn MASTALVELOCIDADETEMNOSIMPOSTOUMPRE¥O QUEÏ NOSSADIlCULDADEEMPARAR3IM PORQUE a vivência do presente depende da captura do instante. E na captura do instante velocidade é igual a zero (V = 0). A ciência já reconhece a importância DEFOCARMOSNOSSAATEN¥ÎONOPRESENTE Trata-se do conceito de mindfulness, que muitos, erroneamente, acreditam ter nascido a partir da Psicologia Positiva. Na verdade, embora amplamente discutido por pesquisadores desse movimenTO CIENTÓlCO O CONCEITO DE mindfulness parece ter sido introduzido na língua inglesa já em 1881. Uma outra confu-
SÎORECORRENTEÏACREN¥ADEQUEAÞNICA maneira de atingirmos o estado mindful PRESEN¥ANOAQUIEAGORA SEJAPORMEIO DA MEDITA¥ÎO mindfulness. De fato, esse TIPO DE MEDITA¥ÎO Ï MUITO ÞTIL E TEM sido objeto de diversas pesquisas que a RELACIONAM COMO ElCAZ NA REDU¥ÎO DE estresse, ansiedade, dores crônicas etc. Contudo, infelizmente, as evidências CIENTÓlCAS NESSE CASO PARECEM NÎO SER SUlCIENTESPARAINCUTIRNASOCIEDADEOCIdental, ou pelo menos na maioria dela, a disciplina necessária para uma prática diária meditativa. Eu mesma confesso, um tanto envergonhada, ser uma aprendiz rebelde e indisciplinada. Talvez por isso me COMPADE¥A DAQUELES QUE A DESPEITO DE reconhecerem a importância do estado mindful, não conseguem aderir à medita¥ÎOmindfulness. Para esses vale salientar, entretanto, que existem outras práticas de mindfulness que simplesmente não inCLUEM A MEDITA¥ÎO &AZER UMA REFEI¥ÎO COM ATEN¥ÎO FOCADA EXCLUSIVAMENTE NA experiência presente, obrigar-nos a escovar os dentes com a mão não dominante AlMDETIRAR NOSDOhPILOTOAUTOMÉTICOv são pequenas iniciativas que podem nos levar ao estado mindful, talvez preparando nosso cérebro para uma futura prática MAISESTRUTURADATALCOMOAMEDITA¥ÎO Mas enquanto isso não ocorre, a “briga” para executarmos tarefas simples, tais como escrever (ou ler) um TEXTO CONTINUARÉ n AINDA QUE AO lNAL consigamos sair vencedores.
Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área.
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psicopedagogia
por Maria Irene Maluf
A experiência de
VIAJAR SOZINHO INSEGURANÇAS E ANSIEDADES EXAGERADAS DE CRIANÇAS (E DOS PAIS) ULTRADEPENDENTES PODEM SER VENCIDAS NOS ACAMPAMENTOS RECREATIVOS QUE ESTIMULAM O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS HABILIDADES E O AMADURECIMENTO SOCIAL
S
EMPRE QUE CHEGAM AS FÏRIAS OU feriados prolongados vemos a euforia das crianças pela busca por diversão. Uma opção que virou moda no país foram os acampamentos recreativos. Apesar dos pedidos INSISTENTESDEALGUNSlLHOSMAISAVENTUREIROS MUITOSPAISHESITAMEMDEIXÉ LOS VIAJAR SOZINHOS PARA UM ACAMPAMENTO desses. Mas essa pode ser uma ocasião DE APRENDIZADO PARA PAIS E lLHOS POrém, claro, deve ser bem pensada. -ANDAR O lLHO PARA UM ACAMPAMENTOÏØTIMOPARAAMPLIARSEUCONTAto e relacionamento social, incentivar a PARTICIPA¥ÎOEMNOVOSGRUPOS TRABALHAR ASQUESTÜESDEACEITA¥ÎODASDIFEREN¥AS pessoais, desenvolver sua independência e autonomia, ajudar a vencer inseguranças e ansiedades exageradas de crianças (e também dos pais) ultradependentes, ENSINAR A RESOLVER SOZINHAS PROBLEMAS do dia a dia, a seguir regras, adaptar-se a SITUA¥ÜESDIFERENTES ENTRETANTOSOUTROS fatores. Essa espécie de atividade é muiTOINDICADADEVIDOÌSVANTAJOSASHABILIdades que desenvolve. Para que nada dê errado, é decisivo esCOLHERUMACAMPAMENTOBEMESTRUTURADO ONDEAPROPOSTADEAPOIOÌSOCIALIZA20
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ção infantil ou juvenil seja clara em meio às atividades recreativas. Em tal sentido, além das referências de amigos, da família ou da escola, é importante os pais VERIlCAREMAATUALIDADEDASINFORMA¥ÜES recebidas. Sites e revistas são bons meios de pesquisa, mas a experiência e o relato DEQUEMJÉFOIOULEVOUOSlLHOSSÎOMAIS CONlÉVEIS !LÏM ISSO VALE LEMBRAR AS experiências similares anteriormente vivenciadas, que envolveram separação da FAMÓLIAEDIlCULDADESDERELACIONAMENTO QUEASCRIAN¥ASTENHAMENFRENTADOCOM seus iguais e outros adultos, inclusive se passaram por exemplo por experiências de bullying, ou se sofreram a separação de modo muito acentuado. Esses fatores devem ser levados em consideração antes DEOPTARPORMANDAROlLHOOUNÎO O cuidado deve ser maior ainda QUANDO ALÏM DO PERlL DE INSEGURAN¥A DIlCULDADE DE AJUSTE SOCIAL TIMIDEZ ou mesmo uma introspecção maior, a criança estiver em meio a um tratamenTOESPECIlCO SEJAFÓSICO PSICOLØGICO FONOAUDIØLOGO PSICOPEDAGØGICO /S PROlSSIONAISENVOLVIDOSSABERÎOORIENTAROS PAISESPECIlCAMENTESOBREASVANTAGENS e desvantagens de tal empreitada nesse momento da vida dessa criança.
3ALVO EXCE¥ÜES SE SUlCIENTEMENte amadurecidas e preparadas pela família, a partir dos seis ou sete anos as crianças poderão aproveitar e muito a experiência de viajar sem os pais ATÏPARADESENVOLVERNOVASHABILIDADES sociais, de autoestima e de autonomia, POIS SOZINHAS TERÎODERESOLVERPEQUEnos problemas de cuidados pessoais, de relacionamento, que via de regra a MÎE DECIDE PELO lLHO TERÎO DE APRENder e aceitar viver sob novas regras e LIDARCOMSITUA¥ÜESDEMEDODEDORMIR por exemplo, em conjunto com outras crianças que estão passando pela mesma situação. O amadurecimento social é visível, HÉMELHORIANAAUTONOMIAESENTIDODE segurança pessoal na maioria dos casos. Além disso, uma nova rotina gera NOVOS INTERESSES APRENDIZAGENS DIVERSIlCADAS INTERIORIZAADISCIPLINA MUDA o comportamento. Mais importantes que a idade croNOLØGICA PARA ENVIAR A CRIAN¥A SÎO A maturidade emocional e a autonomia já adquiridas, tanto por meio da educação familiar quanto pelas experiências anteriores, como dormir em casa de amigos, sair de férias com parentes etc. www.portalcienciaevida.com.br
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Outro ponto importante é a postura dos pais frente ao afastamento da criança e AMANEIRACOMOELAÏCONDUZIDAAOACAMpamento. Esses são diferenciais fundamenTAISPRINCIPALMENTEPARAOSMAISNOVINHOS que precisam sentir que seus pais estão tranquilos e seguros para também se sentirem assim em um novo ambiente. Sempre existem maneiras de ajudar OSlLHOSAADQUIRIREMânimo para novas EMPREITADAS COMO ESSA CASO NA HORA “H” falte coragem: no caso de crianças tímidas ou inseguras, o ideal é que uma outra criança conhecida vá junto com ela, ao menos na primeira experiência FORADECASA QUEAMBASTENHAMAMESMA FAIXA ETÉRIA E POSSAM lCAR NO MESmo grupo. A mais segura e extrovertida serve de modelo e de apoio enquanto a MAISTÓMIDAFAZNOVOSAMIGOS Crianças menores de seis ou sete anos não têm ainda tantas defesas emocionais, a não ser que os pais acreditem QUE O lLHO ÏBEM AMADURECIDO PARA A www.portalcienciaevida.com.br
A POSTURA DOS PAIS FRENTE AO AFASTAMENTO DO FILHO É MUITO IMPORTANTE, POIS A CRIANÇA PRECISA SENTIR QUE ELES ESTÃO TRANQUILOS PARA QUE TAMBÉM POSSA TER SEGURANÇA EM UM NOVO AMBIENTE idade e possa experimentar esse tipo de PASSEIOSEMNENHUMTRAUMA !CHO IMPORTANTE REmETIR TAMBÏM SObre as mudanças vantajosas que podem ser geradas na família a partir da ausência TEMPORÉRIA DO lLHO MÎES E PAIS PODEM perceber que apesar da idade, comparativamente a outras crianças, ainda não o PREPARARAMOSUlCIENTEOUDEMODOADE-
quado para a independência e autonomia. Podem assim sentir também os efeitos do EXCESSODESUAPROTE¥ÎOPELASREA¥ÜESDOS lLHOSEDEPENDÐNCIAEXCESSIVAAELESEDEles com as crianças, coisa que não é produtiva nem saudável. E ainda tirar outro APRENDIZADODISSOTUDOOSlLHOSUMDIA VÎOTERMESMOAPRØPRIAVIDAEAFAMÓLIA existe para prepará-los para isso...
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É editora da revista Psicopedagogia da ABPp e autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem.
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sexualidade
Por Giancarlo Spizzirri
O desenvolvimento da IDENTIDADE
A
PUBLICA¥ÎO DA a EDI¥ÎO DO -ANUAL $IAGNØSTICO E %STATÓSTICO DOS 4RANSTORNOS -ENTAIS $3- DA !SSOCIA¥ÎO 0SIQUIÉTRICA!MERICANA!0! EXPANDIU AVISÎOSOBRESEXOEGÐNEROSEXOREFERE SE TANTO A MASCULINO QUANTO A FEMININO RELACIONADO AOS ASPECTOS BIOLØGICOS COMO CROMOSSOMOS SEXUAIS GÙNADAS HORMÙNIOS SEXUAIS E GENITÉLIA INTERNA E EXTERNA NÎO AMBÓGUAS E GÐNERO Ï UTILIZADOPARADESIGNAROPAPELSOCIALnMENINOOUMENINA HOMEMOUMULHER QUE NAMAIORIADASPESSOAS ESTÉRELACIONADO AO SEXO DE NASCIMENTO %NTRETANTO O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL DO GÐNERO SOFRE INmUÐNCIAS BIOPSICOSSOCIAIS E NEM TODOS OS INDIVÓDUOS SE PERCEBEM COMO HOMENSOUMULHERES$AÓ VÉRIASCLASSIlCA¥ÜESA DESIGNA¥ÎODEGÐNEROREFERE SE Ì DESIGNA¥ÎO INICIAL COMO HOMEM OU MULHER E GERALMENTE ISSO OCORRE NO NASCIMENTO E POR CONSEGUINTE CRIA SE O hGÐNERO DE NASCIMENTOv B IDENTIDADE DE GÐNERO Ï UMA CATEGORIA DA IDENTIDADE SOCIAL E REFERE SE Ì IDENTIlCA¥ÎO DO INDIVÓDUO COMO HOMEM OU MULHER OU OCASIONALMENTE COM ALGUMA CATEGORIA DIFERENTE DE HOMEM OU MULHER C TRANSGÐNEROS REFERE SE AO AMPLO CONJUNTO DE INDIVÓDUOS QUE TRANSITORIAMENTEOUPERSISTENTEMENTENÎOSEIDEN-
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TIlCAM COM O SEU SEXO EOU GÐNERO DE NASCIMENTO D TRANSEXUAL Ï QUEM NÎO SEIDENTIlCACOMSEUSEXODENASCIMENTO E PROCURA ADEQUAR OU PASSOU POR ADEQUA¥ÎO PARA O GÐNERO COM O QUAL SE IDENTIlCA OQUE EMVÉRIOS MASNÎOEM TODOSOSCASOS ENVOLVETRANSI¥ÎOSOMÉTICAPORTRATAMENTOHORMONALECIRURGIA de redesignação sexualADEQUA¥ÎODOSEXO DENASCIMENTOPARAOGÐNEROCOMOQUAL O INDIVÓDUO SE IDENTIlCA E DISFORIA DE GÐNERO REFERE SE Ì INCONGRUÐNCIA ACENTUADAENTREOSEXODENASCIMENTOE COMO ELE Ï PERCEBIDO E MANIFESTADO NO COMPORTAMENTO DO INDIVÓDUO COM DURA¥ÎO DEPELOMENOSSEISMESESALÏMDOMAIS ESSA CONDI¥ÎO DEVERÉ ESTAR ASSOCIADA A SOFRIMENTOCLINICAMENTESIGNIlCATIVOOU PREJUÓZONOFUNCIONAMENTOSOCIAL PROlSSIONALOUEMOUTRASÉREASIMPORTANTESDA VIDADOINDIVÓDUO%MBORANEMTODOSOS INDIVÓDUOS VENHAM A SENTIR DESCONFORTO COMORESULTADODETALDESARMONIA MUITOSSENTIRÎO SEASINTERVEN¥ÜESDESEJADAS SOBREOFÓSICO PORMEIODEHORMÙNIOSE OUCIRURGIAS NÎOESTIVEREMDISPONÓVEIS 0ESSOAS QUE SE IDENTIlCAM COMO TRANSEXUAIS REPORTAM NA SUA HISTØRIA DESCONFORTOPERSISTENTECOMOSEXOQUE LHEFOIDESIGNADONONASCIMENTOEAPRESENTAMFORTEIDENTIlCA¥ÎOCOMOGÐNERO OPOSTOAOSEUSEXODENASCIMENTO-UI-
TOS RELATAM SINTOMAS SIGNIlCATIVOS DE ESTRESSE PSICOLØGICO E PROCURAM TOMAR MEDIDAS PARA ALTERAR AS CARACTERÓSTICAS DESEUSCORPOSPOREXEMPLO PORMEIO DOUSODEHORMÙNIOSSEXUAISECIRURGIA PLÉSTICA DE FORMA A SE ADEQUAREM O MAIS PRØXIMO POSSÓVEL AO GÐNERO COM OQUALSEIDENTIlCAM6ALELEMBRARQUE OSINDIVÓDUOSTRANSEXUAISPODEMOUNÎO APRESENTAR DISFORIA DE GÐNERO SEGUNDO O$3- 0ESQUISAS MOSTRAM QUE AS PESSOAS TRANSEXUAIS COM DISFORIA DE GÐNERO TÐM MAIORES CHANCES DE EXIBIR TRANSTORNOS PSIQUIÉTRICOSAOLONGODESUASVIDASENTRE ELES EPISØDIOS DEPRESSIVOS TENTATIVAS DE EOUSUICÓDIOEHISTØRIADETRAUMAFÓSICO EOUEMOCIONAL DURANTEAINFÊNCIA-AIS ESPECIlCAMENTE PESSOASQUEAPRESENTAM TRANSTORNOANSIOSOASSOCIADOÌTRANSEXUALIDADECOMDISFORIADEGÐNEROTENDEMA www.portalcienciaevida.com.br
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PESQUISAS MOSTRAM QUE AS PESSOAS TRANSEXUAIS COM DISFORIA DE GÊNERO APRESENTAM MAIORES CHANCES DE EXIBIR TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS AO LONGO DE SUAS VIDAS
MUITOS TRANSGÊNEROS RELATAM SINTOMAS SIGNIFICATIVOS DE ESTRESSE PSICOLÓGICO E PROCURAM TOMAR MEDIDAS PARA ALTERAR AS CARACTERÍSTICAS $%3%53#/20/3$%&/2-!!3%!$%15!2%- /-!)3028)-/0/33°6%, !/'º.%2/ COM O QUAL SE IDENTIFICAM APRESENTAR MAIS PROBLEMAS PSIQUIÉTRICOS QUEAPOPULA¥ÎOEMGERAL ALÏMDESEREM JUNTOCOMOSTRANSTORNOSAFETIVOSCOMO A DEPRESSÎO POR EXEMPLO OS DISTÞRBIOS MAIS FREQUENTES NESSA POPULA¥ÎO / USO ABUSIVODESUBSTÊNCIASPSICOATIVASILÓCITAS OUSEMPRESCRI¥ÎOMÏDICAÏOUTROASPECTO RELEVANTE DOS TRANSGÐNEROS COMENTAMQUEPROCURARAMTRATAMENTOPARAUSO ABUSIVODESUBSTÊNCIASEMPESQUISAREALIZADANAPOPULA¥ÎOAMERICANA www.portalcienciaevida.com.br
!PESAR DE A CONSCIENTIZA¥ÎO PÞBLICA SOBRE O AMPLO ESPECTRO DE INDIVÓDUOS TRANSGÐNEROS ESTAR SE DESENVOLVENDO A COMPREENSÎOCIENTÓlCASOBREOFENÙMENO DODESENVOLVIMENTODAIDENTIDADEDEGÐNEROAINDAÏLIMITADA.ÎOHÉNENHUMA
EVIDÐNCIADEQUEOAMBIENTESOCIALAPØSO NASCIMENTODESEMPENHEPAPELCRUCIALNA DETERMINA¥ÎO DA IDENTIDADE DE GÐNERO ENTRETANTOASRELA¥ÜESENTREASDIFEREN¥AS SEXUAISESTRUTURAISEFUNCIONAISDEVÉRIAS ÉREASDOCÏREBROEMRELA¥ÎOÌSVARIA¥ÜES HORMONAISDURANTEOPERÓODOGESTACIONAL TÐMSIDOVERIlCADAS Referências: SPIZZIRRI, Giancarlo. Morfometria cerebral e imagens de tensores de difusão da microestrutura de substância branca em homens para mulheres transexuais antes e durante o processo transexualizador (Tese). Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, 2016.
Giancarlo Spizzirri é psiquiatra doutorando pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP, médico do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do IPq e professor do curso de especialização em Sexualidade Humana da USP.
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PSICANÁLISE
TOC em crianças Comportamentos C omportamentos repetitivos repetitivos fazem fazem parte parte ttambém ambém do do universo universo infantil infantil e adolescente, adolescente, trazendo trazendo llimitações imitações que que prejudicam prejudicam as as relações relações ssociais ociais desde desde muito muito ccedo edo
Por P or C Cristiane ristiane FFlôres lôres B Bortoncello or toncello uliana Braga Braga Gomes Gomes e JJuliana
Juliana Braga Gomes é psicóloga e pedagoga formada pela PUCRS, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (Infapa), mestre em Ciências Médicas, Psiquiatria, doutora em Psiquiatria e Ciências do Comportamento-UFRGS; pesquisadora do Transtorno *H ¢ .G +Ë I I`G GGGG.* # G ^ IG + =;;B G=;
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I G GhÔ.G G ¢GGG$ËI G Adolescência (InTCC). Psicóloga dos grupos de tratamento para o TOC do # G ^ IG + =;;BG=;
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PSICANÁLISE
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m crianças e adolescentes, rituais, medos, comportamentos repetitivos e eventuais fobias fazem parte do desenvolvimento normal e devem ser diferenciados dos sintomas do TOC, como é o caso das crianças pequenas, que apresentam rituais nos horários de dormir (uma determinada maneira para adormecer), comer (dificuldade em misturar as comidas) e demorar no banho. Esses comportamentos tendem a ser mais frequentes entre os 2 e 4 anos de idade (Evans et al., 1997). As crianças de 3 a 5 anos costumam brincar de imitar comportamentos de outras pessoas (mímica), repetir as mesmas brincadeiras, músicas e até assistir aos mesmos filmes diversas vezes. Na idade escolar, os jogos passam a ter regras rígidas, que são discutidas e negociadas entre os participantes, e há muito interesse por coleções (figurinhas, modelos de carros, aviões, bonecos, filmes, etc.). Na adolescência, é muito comum ter grande interesse por artistas, celebridades, estilos musicais/ banda de música, bem como coleção de objetos e lembranças de um ídolo. Todos estes comportamentos permanecem durante uma determinada fase do desenvolvimento e não interferem nas atividades diárias nem prejudicam o desempenho escolar. Já o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é uma doença mental grave, que acomete principalmente indivíduos jovens no final da adolescência, embora muitas vezes os primeiros sintomas se manifestem na infância. Seu
Medos e fobias eventuais são normais, fazem parte da evolução de crianças e adolescentes e não devem ser confundidos com os sintomas 26
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São comuns preocupações com simetria, alinhamento ou exatidão (precisar organizar os brinquedos por tamanho ou categoria, sensação de que as coisas não estão no devido lugar) ou simplesmente refazer várias vezes para que fique perfeito curso geralmente é crônico e, caso não seja tratado, se mantém por toda a vida, raramente desaparecendo por completo (American Psychiatric Association, 2014). Caracteriza-se pela presença de pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes (obsessões) e comportamentos ou atos mentais repetitivos (compulsões) realizados, na maior parte das vezes, com o intuito de diminuir o desconforto que acompanha as obsessões. Nas crianças e adolescentes, os sintomas mais comuns são: medo de contaminação seguido de compulsão por limpeza e lavagem (evitar utilizar o banheiro da escola ou da casa de um amigo, não dividir o lanche por considerar nojento/sujo,
fazer lavagens excessivas e ritualizadas das mãos para ter certeza de que estão limpas); dúvidas seguidas de verificações ou de perguntas repetidas, ou necessidade de confirmações (checagens para confirmar se os materiais estão na mochila, ligar seguidas vezes para se certificar de que nada de horrível aconteceu com um familiar; verificar a porta da casa ou do carro para garantir que esteja trancada), sendo seguidos, muitas vezes, por evitações (não usar o banheiro da escola ou não chegar perto dos colegas). Também são comuns preocupações com simetria, alinhamento ou exatidão (precisar organizar por tamanho ou categoria os brinquedos, sensação de que as coisas não estão no devido lugar/ordem) ou simplesmente refazer várias vezes para que fique perfeito ou completo (refazer os temas de casa, passar a limpo várias vezes as anotações de aula ou os cadernos, reler inúmeras vezes uma página ou um parágrafo para ter certeza de que entendeu tudo ou de que a letra está perfeita) (Bortoncello et al., 2014). Podem estar presentes pensamentos de conteúdo indesejado e repugnante (medo de xingar outras pessoas ou de dizer involuntariamente algo obsceno, medo de ser responsável por desgraças, como provocar um desastre de carro ou queda de avião por ter pensado ou sonhado). Outro sintoma com comorbidade com o TOC é a acumulação compulsiva (grande dificuldade em descartar brinquedos quebrados ou estragawww.portalcienciaevida.com.br
dos, objetos sem valor como etiquetas, roupas que não servem, cadernos e folhas velhas, assim como embalagens vazias). Também são comuns nas crianças e adolescentes as compulsões mentais: “atos” mentais como contar, repetir palavras, anular um pensamento “ruim” por um pensamento “bom”, com a finalidade de reduzir a ansiedade e o desconforto. Como são realizados em silêncio, muitas vezes passam despercebidos pelos familiares e demais pessoas.
Rotina alterada
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A
rotina diária da criança e do adolescente com TOC pode ser muito alterada pela doença. E eles próprios percebem seus comportamentos como estranhos e diferentes do comportamento dos seus colegas. Sentem vergonha e, muitas vezes, precisam disfarçar ou esconder-se para realizar seus rituais compulsivos. O TOC causa sofrimento significativo, interfere no rendimento escolar, nas relações sociais e no funcionamento familiar. Os sintomas podem ser muito graves e incapacitantes, sendo acompanhados de medos acentuados, impedindo, por exemplo, a criança ou o adolescente de frequentarem a escola ou de conviverem com os colegas. Esse transtorno acomete 2% a 3% dos indivíduos, o que seria em média 1 em cada 40 indivíduos (Hollander; Simeon, 2012), sendo que os familiares de 1º grau de portadores do TOC têm quatro vezes mais chances de desenvolverem a doença (Hettema et al., 2001). Um estudo com 2.323 adolescentes de 14 a 17 anos, alunos do ensino médio, encontrou uma prevalência do TOC atual de 3,3% (Vivan et al., 2013). É considerado uma doença multifatorial, que envolve questões genéticas e ambientais entre os fatores de risco (Pauls et al., 2014). Os www.portalcienciaevida.com.br
Apesar dos primeiros sintomas se manifestarem na infância, o TOC é uma doença grave, que atinge especialmente jovens no final da adolescência
Podem estar presentes pensamentos de conteúdo indesejado como medo de xingar ou de dizer involuntariamente algo obsceno, medo de ser responsável por desgraças, como provocar desastre de carro ou queda de avião por ter pensado ou sonhado com isso pacientes pediátricos apresentam geralmente pouco insight sobre a natureza de suas obsessões, que está associada à dificuldade de expressão verbal, o que torna o diagnóstico mais difícil, e são mais propensos a terem comorbidades como tiques, depressão maior, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e transtorno desafiador opositivo (Geller, 2006). Um estudo multicêntrico no Brasil com 842 pacientes clínicos verificou que o início dos sintomas ocorreu um pouco mais cedo nos homens, em média aos 12,4 anos, e um pouco mais tarde em mulheres, aos 12,7 anos (Ferrão et al., 2006). Outro estudo, realizado em Porto Alegre com adolescentes do
Revisão dos pensamentos negativos
A terapia cognitivo-comportamental, conhecida por TCC, é uma linha da psicoterapia proposta e desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Aaron Beck, que preconiza a revisão dos pensamentos negativos por intermédio das informações obtidas ao longo da vida. O método reúne um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas, com o objetivo de transformar padrões de pensamento. Essa forma de terapia é extremamente efetiva no tratamento com crianças e adolescentes.
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PSICANÁLISE problemas para a identificação precoce do TOC se dá pela dificuldade de perceber os sintomas e descobrir quando já está interferindo gravemente na rotina da criança. Por esse motivo, poucos familiares conseguem descrever o momento exato em que a criança apresentou os primeiros sintomas (Stengler-Wenzke et al., 2004). Além disso, para os pais é difícil separar o que é um comportamento normal do que é excessivo, ou quando os sintomas já estão graves (quando o filho leva muito tempo para se vestir, demora várias horas no banho, não quer mais dormir sozinho ou repete inúmeras vezes a mesma pergunta).
ensino médio, verificou que apenas 9,3% dos que foram diagnosticados como tendo TOC sabiam da doença, e dentre estes apenas 6,7% haviam realizado algum tipo de tratamento (Vivan et al., 2013). Ou seja, mais de 90% desconheciam o fato de terem TOC. É importante ressaltar que o diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais para impedir o agravamento dos sintomas e aumentar as chances de uma remissão completa. Mesmo sendo altamente preva-
NAS BANCAS!
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lente em crianças e adolescentes, o TOC, muitas vezes, não é percebido pela família, o que acarreta demora pela busca de tratamento. Um dos
Entrevistas
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avaliação normalmente é feita em uma ou mais entrevistas, nas quais além da obtenção de informações são aplicadas escalas, como é o caso da Children’s Yale-
Um estudo multicêntrico no Brasil com 842 pacientes clínicos verificou que o início dos sintomas ocorreu um pouco mais cedo nos homens, em média aos 12,4 anos, e um pouco mais tarde em mulheres, aos 12,7 anos
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Nas crianças e adolescentes os sintomas mais comuns, entre vários, são o medo de contaminação, seguido de compulsão por limpeza e lavagem
Estudo realizado em Porto Alegre com adolescentes do ensino médio, verificou que apenas 9,3% dos que foram diagnosticados como tendo TOC sabiam da doença, e dentre estes apenas 6,7% haviam feito algum tipo de tratamento -Brown Obsessive Compulsive Scale (CY-BOCS) (Asbahr, 1992). No atendimento de crianças, a primeira entrevista costuma ser apenas com os pais (para colher o maior número de informações) e depois com a criança, quando, através do uso de desenhos, brinquedos e questionamentos adequados para a faixa etá-
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PARA SABER MAIS
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O
conceito do chamado transtorno desafiador opositivo (TDO) pode ser definido como um padrão persistente de comportamentos hostis, desobedientes, negativos e desafiadores, como o próprio nome diz. Essas formas de conduta são observadas nas relações sociais da criança com adultos e figuras que representam autoridade de maneira geral, como pais, tios, professores e avós. Seus principais sintomas são os seguintes: discussões com adultos, recusa a obedecer regras, perda frequente de paciência, perturbação e implicância com as pessoas, podendo responsabilizá-las por seus maus comportamentos ou pelas próprias atitudes erradas. Os sintomas surgem nos mais variados ambientes. Contudo, em casa e na escola podem ser mais bem percebidos e, inclusive, diagnosticados. Esse quadro pode representar prejuízos significativos na vida social, escolar e ocupacional da criança ou adolescente. Quando não tratado, o TDO pode evoluir para o transtorno de conduta na adolescência, que tem como características graves violações dos direitos dos outros e das normas sociais.
ria, bem como por meio de material lúdico disponível, busca-se conhecer os sintomas (inclusive possíveis sintomas não percebidos pelos pais). Em pré-adolescentes que têm boa comunicação ou adolescentes, a entrevista inicial pode ser feita com eles, e num segundo momento com os pais, que por sua vez podem trazer informações mais precisas sobre o início dos sintomas, a interferência nos estudos, nas rotinas da família e na vida social do filho.
Os familiares são de extrema importância na vida da criança, e inevitavelmente sofrem e se envolvem nos sintomas. É fundamental que o terapeuta reserve momentos individuais dos pais e em conjunto (pais e paciente) para apoiá-la e passar as orientações adequadas ao longo do tratamento. Esse envolvimento e a participação dos membros da família nos rituais compulsivos, bem como a modificação no cotidiano da família em
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PSICANÁLISE decorrência dos sintomas do TOC, chamam-se acomodação familiar (AF) (Calvocoressi et al., 1995). Com alta prevalência encontrada em nosso meio, de 98,2% (Gomes, 2014), ocorrendo em algum grau em praticamente todas as famílias. No tratamento do TOC em crianças e adolescentes, tanto a terapia cognitivo-comportamental (TCC) quanto os psicofármacos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) e a clomipramina são efetivos em reduzir os sintomas. De modo geral, recomenda-se combinar as duas modalidades de tratamento (Pots, 2004). A eficácia/efetividade da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para o
Algumas características do TOC mostram indivíduos que sofrem com acumulação compulsiva, tendo dificuldade em descartar brinquedos quebrados, por exemplo 30
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O TOC, muitas vezes, não é percebido pela família, o que acarreta na demora pelo tratamento. Um dos problemas para a identificação precoce é a dificuldade de notar os sintomas e descobrir quando o transtorno está interferindo na rotina da criança TOC nessa faixa etária foi verificada em ensaios clínicos, numa revisão sistemática e em uma metanálise (Pots, 2004; Ashbar, 2005; Prazeres et al., 2007). A TCC é a primeira escolha de tratamento em casos de crianças e adolescentes com TOC com sintomatologia de leve a moderada, ao passo que a farmacoterapia, preferencialmente associada à TCC, é a abordagem terapêutica de escolha nos casos de intensidade moderada a grave (<23 na CY-BOCS; 6 ou 7 na CGI) ou quando existe depressão associada (Mancuso et al., 2010; Practice Parameters, 2012). As técnicas de exposição e prevenção de resposta (ou de rituais) (EPR) são as estratégias cruciais para a maioria dos modelos propostos, embora muitos modelos, às vezes, acrescentem também estratégias cognitivas, especialmente quando os pacientes são adolescentes. É fundamental que cada vez mais pessoas tenham conhecimento sobre esse transtorno, pois ele pode ter um impacto profundo na vida de crianças e adolescentes que estão em pleno desenvolvimento. A partir da experiência de uma década de pesquisa no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), é possível observar que apesar de muitos pacientes buscarem atendimento somente na idade adulta, relatavam ter seus sintomas iniciados ainda na infância ou adolescência. Isso reforça a importância de cada vez mais divulgar esse transtorno, pois o trata-
mento precoce pode evitar grande sofrimento ao indivíduo que, muitas vezes, sofre anos com os prejuízos causados pela doença sem saber que existe tratamento eficaz, que pode eliminar os sintomas e melhorar a qualidade de vida.
Base de estudo
P
or entender a importância da prevenção dos transtornos mentais e do tratamento precoce e conhecer a falta de materiais destinados a essa faixa etária, as autoras elaboraram um livro infantil (Gomes; Bortoncello, 2016) com o objetivo de psicoeducar crianças/ adolescentes e seus familiares, de
Conflitos inconscientes
As técnicas de exposição e prevenção de resposta (EPR) foram pioneiras na abordagem psicológica no tratamento dos sintomas do TOC, que demonstraram ser muito efetivas. Começaram nos anos 1960, devido à insatisfação com os resultados da Psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica, que não eram eficazes o suficiente, além de serem tratamentos muito longos. Contrariando a teoria psicodinâmica, que considerava a “neurose obsessiva” consequência de conflitos inconscientes, esse modelo defendia que medos e ansiedade eram resultado de aprendizagens.
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! Ü)$- EVANS, D. W.; LECKMAN, J. F.; CARTER, A.; REZNICK, J. S.; HENSHAW, D.; KING, R. A.; PAULS, D. Ritual, habit, and perfectionism: the prevalence and development of compulsive-like behavior in normal young children. Child Development, v. 68, n. 1, p. 58-68, fev. 1997. Associação Americana de Psiquiatria. (GG G` I G^ I .G Mentais, 5ª edição (DSM-5). Porto Alegre: Artmed, 2014. BORTONCELLO et al. O TOC na infância e adolescência. In: TOC: Manual de terapia cognitivo-comportamental para o transtorno obsessivo-compulsivo. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. HOLLANDER, E.; SIMEON, D. Transtornos de ansiedade. In: Hales, R. E.; Yudofsky, S. C.; Gabbard, G. O. Tratado de Psiquiatria Clínica. 5ª ed., Porto Alegre: Artmed, 2012. HETTEMA, J. M.; NEALE, M. C.; KENDLER, K. S. A review and meta-analysis of genetic epidemiology of anxiety disorders. American Journal of Psychiatry, v. 158, n. 10, p. 15681578. VIVAN, A. S., RODRIGUES, L., WENDT, G., BICCA, M. G., BRAGA, D. T. CORDIOLI, A. V. Obsessive-compulsive symptoms and obsessive-compulsive disorder in adolescents: a population-based study. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 36, n. 2, p. 111-118, 2014. PAULS, D. L.; ABRAMOVITCH, A.; RAUCH, S. L.; GELLER, D. A. Obsessive-compulsive disorder: an integrative genetic and neurobiological perspective. )G )I I, n. 15, p. 410-424, 2014.
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Outra característica da doença é interferir no rendimento escolar, por isso a instituição de ensino deve colaborar no diagnóstico precoce do problema
forma clara e lúdica, sobre o que é o TOC e auxiliar na identificação dos sintomas. O livro TOC: Aprendendo Sobre os Pensamentos Desagradáveis e os Comportamentos Repetitivos também pode ser excelente ferramenta para ser utilizada pelos profissionais de saúde mental para psicoeducar o paciente quanto ao transtorno e ao tratamento na abordagem cognitivo-comportamental, pois, além de apresentar os principais tipos de sintomas comuns em crianças com TOC, ensina a maneira mais assertiva de responder aos sintomas, o que será trabalhado ao longo do tratamento. É fundamental que cada vez mais as pessoas e os profissionais divulguem sobre o TOC, pois trata-se de um transtorno com ampla diversidade de sintomas, que causa prejuízos ao indivíduo e seus familiares, pois através do tratamento adequado pode-se reduzir e até eliminar por completo os sintomas do paciente, restabelecendo sua qualidade de vida. www.portalcienciaevida.com.br
GELLER, D. A. Obsessive-compulsive and spectrum disorders in children and adolescents. +I G I I) IG, v. 29, n. 2, p. 353-370, jun. 2006. FERRAO, Y. A.; SHAVITT, R. G.; BEDIN, N. R.; DE MATHIS, M. E.; CARLOS, L. A.; FONTENELLE, L. F. et al. Clinical features associated to refractory obsessive-compulsive disorder. Journal of Affective Disorders, n. 94, p. 199-209, 2006. STENGLER-WENZKE, K.; TROSBACH, J.; DIETRICH, S.; ANGERMEYER, M. C. Experience of stigmatization by relatives of patients with obsessive compulsive disorder. Archives of +I G I) , v. 18, n. 3, p. 88-96, 2004. ASBAHR et al. IGG3G¢ *H – versão para crianças (CYBOCS). Tradução brasileira, 1992. CALVOCORESSI, L.; LEWIS, B.; HARRIS M.; TRUFAN, B. S.; GOODMAN, W. K.; MCDOUGLE, C. J. et al. Family accomodation in obsessive compulsive disorder. American Journal of Psychiatry, v. 152, n. 3, p. 441-443, 1995. GOMES, J. B.; VAN NOPPEN, B.; PATO, M.; BRAGA, D. T.; MEYER, E.; BORTONCELLO, C. F.; CORDIOLI, A. V. Patient and family factors associated with family accommodation in obsessive-compulsive disorder. +I GG IG)I I, n. 68, p. 621-630, 2014. Pediatric OCD Treatment Study (POTS) Team. Cognitive-behavior therapy, sertraline, and their combination for children and adolescents with obsessive-compulsive disorder: the pediatric OCD treatment study (POTS) randomized controlled trial. JAMA, v. 292, n. 16, p. 1969-76, out. 2004. ASBAHR, F. R.; CASTILLO, A. R.; ITO, L. M. et al. Group cognitive-behavioral therapy versus sertraline for the treatment of children and adolescents with obsessive compulsive disorder. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v. 44, n. 11, p. 1128-1136, 2005. PRAZERES, A.; SOUZA, W.; FONTENELLE, L. Cognitive-behavior therapy for obsessivecompulsive disorder: a systematic review of the last decade. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 29, n. 3, p. 262-270, 2007. MANCUSO, E.; FARO, A.; JOSHI, G.; GELLER, D. Treatment of pediatric obsessive-compulsive disorder: a review. Journal of Child and Adolescent Psychopharmacology, n. 20, p. 299-308, 2010. ___________. Practice parameter for the assessment and treatment of children and adolescents with obsessive-compulsive disorder. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v. 51, n. 1, p. 98-113, 2012. GOMES, J. B.; BORTONCELLO, F. C. TOC: Apreendendo sobre os Pensamentos Desagradáveis e os Comportamentos Repetitivos. Porto Alegre: Sinopsys Editora, 2016. psique ciência&vida
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coaching
por Eduardo Shinyashiki
Transformação para o ANO TODO O FENÔMENO DO “COMO SERIA SE...” NÃO É EXCLUSIVO NAS PROMESSAS HABITUAIS QUE REPRESENTAM UM NOVO CICLO, MAS PERMANECE FIRME POR TODA A VIDA
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uem não inicia um ano com a CABE¥ACHEIADEREmEXÜESSOBREOANOQUElCAPARATRÉSE ansioso sobre o que está por vir? É uma mistura de sensações positivas e negativas que varia de indivíduo para indivíduo, mas normalmente inclui alívio, satisfação, alegria, esperança, medo, ansiedade, frustração, entre muitas outras. Por isso, independentemente do estado atual, nos primeiros meses do ano é preciso diminuir e reorganizar a mente para vivenciar tudo de maravilhoso que a vida pode oferecer. É comum nesse período desenharmos planos e projetos para os próximos meses, agregando diversas promessas e já sonhando com os resultados. Conseguimos até visualizar como será quando aquele objetivo for alcançado, sentir a feliCIDADEDEQUANDOlNALMENTECUMPRIRMOS com tais promessas e até ouvir todas as palavras de incentivo e conforto como se fossem trilha sonora de nossas vidas. Mas qual o verdadeiro saldo dos resultados dessas promessas depois dos primeiros meses do ano? Todos os sonhos tomam conta dos nossos pensamentos, mas muitas vezes lCAMOSPRESOSNOhCOMOSERIASEvEDEIxamos todos os objetivos guardados em uma gaveta esperando o momento certo de serem realizados. Desse modo, não vivemos a vida em plenitude, já que permitimos que as desculpas e os medos falem 32
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mais alto, limitando-nos a achar alternativas para transformar em realidade tudo aquilo que desejamos. Quantas pessoas brilhantes, corajosas, determinadas e comprometidas vivem dessa forma? Elas simplesmente deixam de lado os seus próprios objetivos devido às interferências que surgem no meio do caminho e nem tentam ir além por medo de errar, de não serem aceitas ou de simplesmente não dar certo.
ANTES DE PROMOVER UMA TRANSFORMAÇÃO, É NECESSÁRIO FAZER UMA VERDADEIRA AUTOAVALIAÇÃO, CONSIDERANDO ALGUNS ASPECTOS QUE VÃO GUIAR AS NOSSAS AÇÕES E DECISÕES DURANTE O ANO COMPLETO A sensação é de que há um grande abismo entre onde se está e o lugar que se quer chegar. Parece que sempre há mais problemas do que soluções e que surgirão mais obstáculos do que caminhos livres. Daí, então, deixamos o medo e outras
sensações limitantes tomarem as rédeas da nossa vida, fazendo-nos acreditar que essa é uma opção mais segura, calma e tranquila de viver. É assim que deixamos para trás nossas ideias, objetivos, sonhos de criança e essência, tudo para viver com medo do nosso futuro, mas não nos damos conta de que esse mesmo futuro que tememos já está sendo criado, porém, por outras mãos: as mãos do medo. Para alcançar as metas, sejam pessoAISOUPROlSSIONAIS EDEIXARDELADOTUDO aquilo que nos aborrece e não nos serve mais, precisamos desmascarar as falsas seguranças que os hábitos nos propiciam, e sobre as quais constantemente construímos a vida. Para realizar uma mudança, precisamos morrer metaforicamente para o que já não faz sentido no momento. É como a metamorfose da lagarta. Para se transformar em borboleta, ela desaparece e “morre” para aquela identidade que não terá mais propósito dali em diante. Antes de promover uma transformação, é necessário fazer uma verdadeira autoavaliação, considerando alguns aspectos que vão guiar as nossas ações e decisões durante o ano. Estar consciente de onde se encontra no momento e para onde se deseja ir é UMA DELAS !UTOAVALIA¥ÎO E IDENTIlCA¥ÎO das próprias competências, qualidades, experiências e potencialidades são importantes, assim como os pontos fracos a SEREM MELHORADOS ¡ IMPORTANTE REmETIR www.portalcienciaevida.com.br
casa
família feliz
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dinheiro
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bebê
neg ó ci o s
nto e am s ca
ainda sobre as motivações e os valores mais importantes da sua vida. Analise a situação de partida e a possível evolução e desenhe detalhadamente como irá chegar ao estado desejado e o que precisa ser feito para isso. Ou seja, tenha claro quais serão as suas estratégias, o plano de ação, AEXECU¥ÎOEAFORMADEVERIlCARSEOSREsultados estão de acordo com cada etapa DESENHADA4ERUMPRAZOPARAAlNALIZAção do processo é importante para que o compromisso seja assumido, e ele deve ser real, ou seja, possível de ser alcançado. É fundamental, ainda, treinar a autodisciplina, pois é dessa forma que evitamos que o medo nos domine e que comecemos ANOSAUTOSSABOTAR4REINARAmEXIBILIDADE é outro exercício essencial para que possamos compreender as mudanças no camiwww.portalcienciaevida.com.br
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nho e manter a resiliência necessária para alcançar aquilo que tanto desejamos. .ADAÏMAISDESAlADORDOQUEVIVERDE acordo com nossos sonhos, assim como nada é tão emocionante que criar objetivos no pensamento, antecipando-se ao futuro. Nessa busca pelo sucesso e do que o faz feliz, recorde-se sempre de que há momentos na vida em que nós também precisamos “morrer” para o velho e viver o que escolhemos. Somos capazes de decidir sobre pontos limitantes para transformar tudo o que ousamos sonhar em realidade.
Comece hoje mesmo! Não precisa esperar outro ano iniciar para colocar os PLANOS E OBJETIVOS EM PRÉTICA !lNAL A vida tem que ser vivida todos os dias e não apenas nos primeiros meses de um novo ano. Colher os melhores resultados sempre é uma tarefa constante e prazerosa. E lembre-se: sonhos e metas nunca deixarão de existir, pois eles são combustível para a vida. Portanto, tenha em mente que a busca pela realização é constante e periódica, por isso não atrase nem deixe para trás aquilo que pode realizar hoje.
Eduardo Shinyashiki é palestrante, consultor organizacional, especialista em Desenvolvimento das Competências de Liderança e Preparação de Equipes. É presidente do Instituto Eduardo Shinyashiki e também escritor e autor de importantes livros como Transforme seus Sonhos em Vida (Editora Gente), sua publicação mais recente. www.edushin.com.br
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livros A escuta do silêncio
Por Lucas Vasques (arquitetura do poema)
Mia Couto, escritor e jornalista moçambicano, escreveu uma das epígrafes do livro Um Fio de Silêncio, composto por poemas que resultam de experiências de escuta do silêncio. “Os poemas tratam, DEMANEIRAGERAL DOFAZERPOÏTICO DAARQUITETURADOPOEMA UMCAMINHOQUEFOISECONlGURANDO durante a própria construção. Assim sendo, o silêncio foi estruturando todo o processo à medida que ele está diretamente vinculado à poética da leitura”, explica a autora Daisy Justus. Ao longo da obra, encontra-se um pouco de música – de Monk a Ravel –, paisagens de cores inesperadas, retratos do amor e da memória, conversas entre folhas (ao som que sussurra o vento) com outros escritores e poetas. Além da eterna descoberta que só a literatura – e todas as outras artes contidas nela, a cada nova história, cena, personagem ou poema – revela, na amplidão de novos sentidos que despertam a cada leitura. Um Fio de Silêncio Autora: Daisy Justus Editora: 7 Letras Número de páginas: 80
Vínculos afetivos
(manual de sobrevivência)
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O amor é um dos temas em que o psicoterapeuta Flávio Gikovate mais se debruçou ao longo de sua longa carreira. Para ele, ter clareza sobre os obstáculos que impedem experiências amorosas de boa qualidade é o primeiro passo para avançar no campo sentimental. Pensando nisso, escreveu Para Ser Feliz no Amor – os Vínculos Afetivos Hoje, um verdadeiro manual de sobrevivência para quem precisa entender como as transformações sociais moldam os vínculos afetivos. O livro ensina a amar sem medo e a construir relações sólidas e prazerosas. E se o namoro não evoluir para o casamento, viver só também é uma boa alternativa. Para o autor, o desenvolvimento tecnológico, que gerou a boa qualidade de vida para os solteiros, tem deixado as pessoas pouco tolerantes a CONVÓVIOSCHEIOSDECONmITOS!SSIM UMDOSAVAN¥OSESSENCIAISÏAPREOCUPA¥ÎOMAIORCOMO rigor na comunicação. Para Ser Feliz no Amor – os Vínculos Afetivos Hoje Autor: Flávio Gikovate Editora: MG Editores Número de páginas: 168
Dependência química (impacto nas famílias) Pesquisas e evidências mostram que o uso abusivo de álcool ou substâncias ilícitas pode causar um impacto negativo nas pessoas mais próximas dos dependentes. Essa é a tônica do livro Toninho e a Poção da Falsa Felicidade, ou seja, mostrar o quanto é nocivo o uso de substâncias ilícitas para quem usa e para seus familiares. A exposição a experiências como violência doméstica, abuso infantil, ausências prolongadas e negligência se manifesta na forma de sintomas físicos e psicológicos. Dessa forma, o livro é uma ferramenta que possibilita às crianças o aprendizado de estratégias assertivas para lidarem com essa dolorosa problemática. Além da história de Toninho, os autores organizaram UMCADERNODEEXERCÓCIOSCOMSUGESTÜESPARAQUEACRIAN¥ACONSIGAAPRENDERALIDARCOMASDIlCUL dades decorrentes de alguém da família ser usuário dessas substâncias. Toninho e a Poção da Falsa Felicidade Autores: Adriana Zanonato, Luiz Carlos Prado, Maria de Fátima Padin, Marina Gusmão Caminha e Renato Caminha Editora: Sinopsys Número de páginas: 64
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Síndromes e distúrbios genéticos
dossiê
Para o AVANÇO e a COMPREENSÃO
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O debate sobre as síndromes presentes no ambiente social e escolar, em pleno século XXI, causam dificuldades de diagnósticos e entendimento de sintomas e comportamentos
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Identidades PLURAIS Síndromes de Christ-Siemens-Touraine, Marshall, Waardenburg, Down e Noonan apresentam certas características similares, mas ainda despertam estranhamento e desconhecimento nos profissionais de saúde e educação
E
Por Marlinda Gomes Ferrari, Rogério Drago, Camila Reis dos Santos, Michell Pedruzzi Mendes Araújo e Lívia Vares da Silveira
ste dossiê traz alguns estudos que têm sido desenvolvidos pelo Gepei – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Inclusão, vinculado à linha de pesquisa de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, que tratam de sujeitos diagnosticados por síndromes, às vezes raras, outras vezes nem tanto, mas que se presentificam no ambiente social e escolar e que, em pleno século XXI, ainda causam estranhamento e desconhecimento por parte de profissionais das mais diferentes áreas e do público em geral. O objetivo deste dossiê é apresentar ao leitor artigos focando síndromes com diferenças fenotípicas e genotípicas, mas que se assemelham no sentido de trazer para o debate a existência de sujeitos únicos revestidos da pluralidade identitária, que é subjetivada a partir do diagnóstico. Nesse sentido, trazemos as síndromes de Christ-
-Siemens-Touraine, Marshall, Waardenburg, Down e Noonan. São artigos breves, que trazem descrições acerca das síndromes em questão, além de outras informações que podem ser úteis para o planejamento da ação pedagógica de sujeitos concretos, já que tais estudos são fruto de pesquisas maiores (Drago, 2013a, 2013b, 2014), que são desenvolvidas pelo grupo junto a crianças e adolescentes matriculados nas escolas comuns da educação básica dos diferentes municípios do estado do Espírito Santo.
Síndrome rara
A
síndrome de Christ-Siemens-Touraine ou displasia ectodérmica hipoidrótica ligada ao cromossomo X é uma síndrome genética rara, com incidência de um em cada cem mil meninos nascidos. Geralmente não afeta o desenvolvimento intelectual e psicomotor. Pessoas acometidas pela síndrome de Christ-Siemens-Touraine têm aparência típica e se parecem mais
Marlinda Gomes Ferrari é licenciada em Pedagogia, mestre e doutoranda em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Rogério Drago é autor do livro Síndromes: Conhecer, Planejar e Incluir (Wak). Licenciado em Educação, é mestre pelo PPGE/CE/UFES, doutor pela PUC-Rio e pós-doutor em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Camila Reis dos Santos é bióloga e licenciada em Pedagogia. Mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal-PPGBV-UFES. Michell Pedruzzi Mendes Araújo é biólogo, mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal-PPGBV-UFES. Lívia Vares da Silveira é licenciada em Pedagogia e mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES.
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uns com os outros do que com seus próprios irmãos. A herança genética dessa síndrome está relacionada a um gene recessivo ligado ao cromossomo X (70% dos casos) ou proveniente de uma mutação nova nesse cromossomo (30% dos casos). No caso de herança genética, como as mulheres possuem dois cromossomos X (cariótipo 46, XX), ela pode ser apenas portadora do gene alterado em um de seus cromossomos, ou seja, ser heterozigotas para o gene e não desenvolver a patologia. Segundo Visinoni (2009), cerca de 70% das mulheres heterozigotas podem manifestar sinais brandos da síndrome, tais como ausência de alguns dentes e atividade sudorípara levemente diminuída. Porém, os homens, por terem apenas um cromossomo X (cariótipo 46, XY), se esse X tiver a alteração genética, desenvolverão a patologia. Como o cromossomo X masculino é sempre de origem materna, no caso de herança genética, o gene alterado é transmitido pela mãe portadora do mesmo para seus filhos do gênero masculino. Nesse contexto, cabe trazer à tona algumas definições do site da Fundação Nacional de Displasias Ectodérmicas (NFED), que tem por objetivo pesquisar, informar e conectar pessoas acometidas por displasias ectodérmicas. No site, é destacado que o corpo é formado por bilhões de células, sendo que cada célula tem em seu interior uma www.portalcienciaevida.com.br
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Síndromes e distúrbios genéticos
pequena estrutura central chamada núcleo. Dentro do núcleo estão os cromossomos, que são pequenos cordões de fio de material genético (DNA). Os cromossomos, por sua vez, são compostos por genes. Para entender melhor o conceito de genes basta pensar em uma célula como uma caixa de joias e no núcleo como uma das gavetas da caixa. Os cromossomos podem ser considerados como um colar de pedras na gaveta, e os genes como cada pedra desse colar. Nesse mesmo caminho, cabe trazer ao debate a fala de Vasconcelos www.portalcienciaevida.com.br
(2007): “O genoma humano apresenta, aproximadamente, cerca de 35 mil genes, que são unidades de informação genética, distribuídos em locais exatos, numa molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico), e que, em conjuntos, estão compactados em um aspecto de bastão denominados cromossomos. Os genes estão distribuídos em 23 pares de cromossomos, dos quais 22 pares são designados autossomos e dois são sexuais, X e Y; uma mulher normal é representada pela notação 46, XX, e o homem pela notação 46, XY (p.13).
São os cromossomos que transportam as informações genéticas da célula-mãe para as células-filhas. Nesse sentido, qualquer alteração no número de cromossomos ou na sequência de seus genes, durante a meiose, produz uma inviabilidade celular, na formação dos gametas e/ou após a formação do embrião, e muitas vezes resulta em anomalias ao indivíduo, que recebem o nome de aberrações cromossômicas. Diante disso, cabe antever que a síndrome de CST possui suas origens relacionadas com os genes – entidades psique ciência&vida
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dossiê A avaliação do padrão genético familiar, examinando as mulheres quanto ao padrão de distribuição corporal das glândulas sudoríparas, exame odontológico, preferencialmente com o uso de ultrassonografias, pode ser utilizada para o diagnóstico diferencial entre displasia ectodérmica ligada ao X, autossômica recessiva ou dominante.
Como o cromossomo X masculino é de origem materna, no caso de herança genética, o gene alterado é transmitido pela mãe portadora para
Tratamento
O
São os cromossomos que transportam as informações \ IG GI\G¢ÔGGGI\G¢G: Nesse sentido, qualquer alteração no número de cromossomos ou na sequência de seus genes, durante a meiose, produz uma inviabilidade celular genéticas responsáveis pela hereditariedade. As principais características fenotípicas (aspecto físico, exterior) do indivíduo com a síndrome de Christ-Siemens-Touraine são: ausência ou defeitos nos dentes; sudorese ausente ou diminuída, resultando em intolerância ao calor, sendo que a capacidade reduzida de transpiração resulta em hipertermia e os pacientes manifestam febre intermitente, em especial durante o clima quente e após exercícios ou refeições; ausência ou escassez capilar e corporal. Os cabelos são finos, esparsos, secos e pouco pigmentados. Curiosamente, a barba e bigode são normais, apesar de os pelos pubianos e da axila serem escassos. Geralmente, as unhas são normais, mas podem ocorrer distrofia (unhas defeituosas) ou ausência ao nascimento, podendo ser frágeis ou quebradiças. A pessoa pode ter também lábios grossos, proeminentes; ponte nasal baixa; nariz em sela1 com base achatada; rugas ao redor dos olhos, nariz e boca; 38
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orelhas grandes; pele fina, lisa, seca e ocasionalmente podem ocorrer áreas com alteração de pigmentação; perda auditiva pode ocorrer raramente; fotofobia; desenvolvimento defeituoso ou incompleto dos ductos lacrimais; distrofia da córnea; diminuição da função das glândulas lacrimais. O diagnóstico deve ser suspeitado diante da descamação ao nascimento e/ou uma febre recorrente de origem desconhecida logo no primeiro ano de vida. A incapacidade de transpirar na intolerância ao calor pode causar incapacitação severa e febre alta acima de 40º C após um pequeno esforço ou mesmo durante a alimentação. A febre também pode causar convulsões, podendo resultar em danos neurológicos. A biópsia da pele fetal com o uso de fetoscópio e a ultrassonografia 3D podem ser instrumentos úteis na detecção da síndrome de um embrião ainda na fase intrauterina. 1
tratamento dos sujeitos com síndrome de CST é puramente paliativo e tem por objetivo fornecer uma melhoria nas condições de vida, aumentando o conforto e a autoestima. Portanto, é recomendado controlar a temperatura corporal através de banhos frios, compressas frias, bebidas geladas, ambientes refrigerados, uso de roupas leves e evitar esforço físico. Além disso, é importante o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que inclua: pediatra, geneticista, dermatologista, odontólogo, psicólogo e pedagogo. Os indivíduos com hipodontias graves poderão ser submetidos a tratamentos protéticos, para aumentar
Características secundárias
Algumas características secundárias da síndrome de Marshall incluem pele flexível, unhas em forma de “colher”, esclera (tecido fibroso externo que reveste o globo ocular, conhecido como branco do olho) azul, idade óssea acelerada, tórax estreito, escoliose, testa proeminente, problemas respiratórios, dificuldades na alimentação, arco palatino elevado, falanges médias das mãos anormais, pés longos, calcanhares proeminentes, retardo psicomotor, retardo no crescimento, orelhas pequenas.
Destruição maciça do tecido nasal. www.portalcienciaevida.com.br
as eficiências mastigatória e fonética, bem como proporcionar uma aparência mais harmônica, elevando sua autoestima. Em crianças, porém, esse trabalho pode ser dificultado, mas não impossibilitado, pela necessidade de constantes modificações nas próteses, uma vez que as arcadas dentárias estão em desenvolvimento, e pela pouca colaboração do indivíduo.
Condrodisplasia
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S
egundo os autores do artigo, a síndrome de Marshall (SM) é caracterizada por uma condrodisplasia (doença óssea constitucional, em que o desenvolvimento cartilaginoso dos ossos foi modificado por alterações genéticas, metabólicas, mecânicas ou vasculares) de caráter genético. Estudos acerca da SM apontam que as alterações relacionadas à síndrome se devem a uma mutação na região terminal do gene COL11A1 (Marwah; Josh, 2005). Mutações no gene COL11A1 podem alterar a produção de colágeno, resultando nas características da síndrome de Marshall. As características descritas pelas literaturas disponíveis incluem miopia severa, nariz em sela (destruição maciça do tecido nasal), perda auditiva congênita e hipoplasia médio facial.
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PARA SABER MAIS
ADOLESCENTE COM CST NÃO APRESENTA PROBLEMA DE APRENDIZADO
N
o ano de 2013, foi matriculado no Instituto Federal de Ensino do Espírito Santo – IFES um adolescente de 15 anos com uma aparência envelhecida, poucos cabelos, rosto enrugado, pele seca. Visto que o aluno apresentava certa diferença dos padrões estéticos de normalidade estabelecidos na contemporaneidade, houve uma conversa com ele, sendo constatado que era acometido por uma doença rara, conhecida como síndrome de Christ-Siemens-Touraine. A partir daí, foram realizadas pesquisas em sites da internet, onde foi possível encontrar alguns estudos na área médica sobre a referida síndrome. Agora, em 2016, ele está cursando o 4º e último ano em um curso técnico integrado ao ensino médio, é extremamente dedicado, organizado, não apresentou nenhum problema de aprendizagem no referido instituto federal, é elogiado pelos professores e rodeado de amigos, que, inicialmente, também estranharam sua “aparência diferente”. Porém, ao saber que se tratava da síndrome e tomarem conhecimento desta através de pedagogos e professores, a curiosidade cessou. O aluno passa por problemas de aceitação de sua autoimagem (maneira pela qual o indivíduo se percebe e se sente em relação ao próprio corpo), interferindo no seu autoconceito (percepção do indivíduo sobre si como resultado de suas interações sociais e de determinantes ideológicos) e na sua autoestima (sentimento de valor que acompanha essa percepção que há de nós próprios).
Infelizmente, há uma incipiência de estudos que buscam dar visibilidade a esses sujeitos, principalmente no que diz respeito aos processos de inclusão. Nesse sentido, é preciso permear questões inerentes aos sujeitos incluídos na escola comum, não mais na perspectiva de quem enxerga o “pessoal da inclusão”, mas sob o olhar
de quem tem suas vulnerabilidades expostas para além dos limites da escola (Freitas, 2013).
Caso
A
ssim, esse estudo buscou compreender aspectos da vida escolar e identitário de uma criança de 11 anos (nome fictício de Mariana) com sín-
*IÔI G G\ I)99G9Ô compostos por genes
Síndromes e distúrbios genéticos
Mutações no gene COL11A1 podem alterar a produção de colágeno, resultando na síndrome
(GG: características descritas pelas literaturas incluem miopia severa, nariz “em sela”, perda auditiva IÈ G G G médio facial
dossiê
)G(GG9\I G aos sujeitos incluídos na escola comum, não mais na perspectiva de quem enxerga o “pessoal da inclusão”, GHG GGH G expostas para além dos limites da escola drome de Marshall, matriculada no 6º ano de uma escola municipal de Serra-ES. Como procedimento para coleta de dados, optou-se pela aplicação de um questionário. A escolha pelo questionário foi adequada para o estudo em questão, uma vez que permitiu maior liberdade nas respostas do entrevistado, além de favorecer a obtenção dos dados de forma mais rápida e precisa (Marconi; Lakatos, 2003). O questionário aplicado à criança contemplou, dentre outros aspectos: rotina de Mariana; como a criança se descreve; suas preferências; se tem interesse específico por alguma área do conhecimento; sua vida escolar; sua relação criança-criança e adulto-criança; seu relacionamento familiar; o que conhece sobre a síndrome de
Marshall; como a síndrome interfere ou não em sua vida. Quando indagada a respeito de sua rotina e de como se descreveria, a mesma se diz uma garota “tranquila”, que gosta de ficar “na dela”, de ler e mexer no computador. Afirma não ter amigos, pois suas amizades são sinceras. Seus amigos, segundo ela, são seus pais e seu irmão. Sobre suas preferências e interesses, ressalta a paixão por livros e diz ter dúvida entre cursar Medicina ou Biologia, suas perspectivas profissionais. Torna-se relevante citar o vínculo familiar de Mariana, que se constitui forte no discurso: “Minha mãe sempre me acorda com um beijo ou um abraço, é uma pessoa amigável e honesta e também generosa. Meu pai é uma pessoa presente e ajuda nos meus deveres de casa, é uma pessoa brincalhona e muito divertida, é uma pessoa legal, ele é corajoso, honesto, generoso. É um cara que ajuda as pessoas. Meu irmão às vezes é um cara implicante, mas eu gosto dele. Ele me ajuda nas coisas quando eu mais preciso, é um cara legal”, diz Mariana. Percebe-se que a influência da família de Mariana parece ter sido uma mediação positiva em seu processo de constituição identitária. As formas como são construídas as relações entre os sujeitos, sejam elas no con I G IGGI^ IG^ IG G-.ÔdGÈI G texto familiar, escolar ou e G ^ G9 resultando em intolerância ao calor ainda em outros diferentes
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Acompanhamento
No caso da aluna Mariana citada no texto principal, vale ressaltar que ela não possui atendimento educacional especializado (AEE) na escola em questão. Os sintomas da síndrome que afetam sua visão e audição são acompanhados periodicamente pelos profissionais médicos. Por não ter déficit cognitivo, a escola considera desnecessário o acompanhamento junto à profissional de AEE.
espaços, influenciam decisivamente na formação e constituição do ser humano (Santos, 2013). Outro aspecto interessante diz respeito ao caráter social da deficiência imerso no discurso de Mariana. Ao ser indagada se mudaria algo nela mesma, a resposta foi a seguinte: “Não, eu não mudaria. Estou satisfeita como eu sou”.
Visão da mãe
C
abe agora contar a história narrada pela mãe, durante conversa informal. Ela disse que em nenhum momento do pré-natal foi diagnosticada ou presumida a síndrome de Marshall. Ao nascer, Mariana apresentou alterações na face e na tonalidade da pele. A mãe relatou ter superado todas as adversidades e disse que Mariana é a filha que toda mãe teria sonhado ter. Com o passar dos anos, a criança foi se desenvolvendo naturalmente, e suas feições faciais mudaram bastante, sendo não perceptíveis as características físicas provenientes da SM. Sua capacidade psicomotora não foi afetada e há um atraso pouco significativo em seu crescimento. A partir do relato da mãe percebemos que a própria ação do defeito resulta sempre de forma secundária no www.portalcienciaevida.com.br
Síndromes e distúrbios genéticos
Os genes, na CST, estão distribuídos em 23 pares de cromossomos, dos quais 22 pares são designados autossomos e dois são sexuais, X e 3eGG é representada pela notação 46, XX, e o GGhÔ 46, XY
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#P hÔ G^ -. G G IGGhÔGGI ¤GH
II G G G
sujeito com limitações orgânicas, isto é, não de forma direta, mas de forma refletida. E esse reflexo se refere ao plano social. A defectividade, segundo Vigotski (1997), é um conceito social. Mariana se aceita como é, tem sua identidade, suas vontades, desejos e sonhos. As dificuldades derivam de uma sociedade preconceituosa, imersa em discursos vazios de incapacidade em torno de limitações orgânicas. Quando perguntada se a síndrome interfere de alguma forma em sua vida, Mariana destacou: “Só o fato de usar os óculos e o aparelho de audição, mas o restante sou uma pessoa qualquer”. Nesse sentido, a questão social pode ser uma ferramenta amplificadora ou, por outro lado, limitante da diversidade. Se a diversidade é encarada como “anormalidade” ou é “invisibilizada” por influência dos processos culturais segregadores, que tendem à homogeneização, o desfecho malquisto é o da produção da desigualdade em detrimento da heterogeneidade (Santos, 2013). Com relação ao relacionamento de Mariana com os “personagens” da escola Céu Estrelado, ela afirma ter uma ótima relação com todos. Mariana não relata ter sofrido preconceito por parwww.portalcienciaevida.com.br
te dos colegas de sala ou por qualquer outro profissional da escola, apesar de ficar claro em seu discurso que não tem muitas amizades. Foi pontuado pela criança, durante conversa informal em sua casa, que os alunos da sua turma são “bagunceiros” e “desinteressados” e acabam atrapalhando a aula.
Em suma, por meio dos relatos de Mariana, e sustentados em uma perspectiva histórico-cultural, observa-se que, a partir da ação do sujeito no mundo, tem-se a produção de significados e sentidos e que em cada espaço social o sujeito vive experiências as quais constituem sentidos subjetivos, que reverberam em seu processo de formação identitária.
REFERÊNCIAS "*9 :.G I ÈI Gd$IÔ IG GhÔ: %G d Wak, 2014. _________. Estudos e Pesquisas sobre Síndromes: G G: %G d1G9=;< rel="nofollow">G: _________. Síndromes:I9+G G$I :=s : %G d1G9=;<>H: !/)gÉ*)GI G G G I \ IG: ^d¼d¤¤: :¤»:I d<; :=;.Id=< :=;: "$'9::Estudo de Caso. -Ô+GdG9=;;D: %*--*9(::GGhÔ GG GGGhÔ ` G G:Educação9:>9:A>9 :?<>¢?>C9:¤ :=;;B: '&.*-9 :(:e( *)$9(::! G ( G ^IG:-Ô+GdG9=;;>: ( 1#9+:e%*-#$9-:(GG : Indian Pediatrics9:?=9:
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Estudos de CASOS esclarecem DÚVIDAS Algumas síndromes, conhecidas por serem doenças genéticas, são mais comuns do que a maioria das pessoas acha e, aos poucos, vão sendo desvendadas por intermédio de pesquisas teóricas e práticas Por Euluze Rodrigues da Costa Junior, Josué Rego da Silva, Michelli Drago, Rogério Drago, Aline de Melos Catrinck, Eduardo Lopes da Cunha e Raíssa dos Santos Prado, Dirlan de Oliveira Machado, Israel Rocha Dias
P
ensar sobre a síndrome de Waardenburg não é uma novidade para os autores deste artigo. O interesse havia surgido a partir da observação de traços comuns da síndrome entre
os familiares. A motivação pela temática foi potencializada a partir do contato com outros pesquisadores da linha de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas, do Programa de Pós-Graduação em Educação
Euluze Rodrigues da Costa Junior é mestre em Educação (UFES), professor assistente do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (DLCE/UFES). Josué Rego da Silva é mestrando em Educação (PPGE/UFES) e graduado em Letras-Libras. É bolsista Capes/DS. Michelli Drago é especialista em Educação Especial Inclusiva, graduada em Educação Física e professora de Educação Física na Prefeitura Municipal de Vitória. Rogério Drago é licenciado em Educação, mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES, doutor em Educação pela PUC-Rio e pós-doutor em Educação pelo PPGE/UFES. Aline de Melos Catrinck, Eduardo Lopes da Cunha e Raíssa dos Santos Prado são licenciados em Pedagogia pela UFES. Dirlan de Oliveira Machado é mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES, especialista em Artes, Gestão Escolar e Alfabetização e Letramento. Licenciada em Pedagogia, professora de Educação Especial no município de Viana e professora de Ações Inclusivas no município de Cariacica, ambos no Espírito Santo. Israel Rocha Dias é mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES, licenciado em Pedagogia, professor do Atendimento Educacional Especializado e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ambos no município de Serra, no Espírito Santo.
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– PPGE da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. A partir dos estudos de Martins, Yoshimoto e Freitas (2003), Barzotto e Folador (2004) e Araújo, Araújo e Gonring (2014), a síndrome de Waardenburg foi descrita inicialmente pelo oftalmologista e geneticista holandês P. J. Waardenburg no ano de 1951. A síndrome de Waardenburg é uma doença de incidência genética, de herança autossômica de penetrância e expressividade variada, e pode representar cerca de 3% das causas de surdez em crianças. Ainda segundo os estudos, os sinais clínicos são representados pela heterocromia total ou parcial da íris; mecha branca frontal de cabelo; surdez profunda unilateral ou bilateral; entre outras. Segundo Barzotto e Folador (2004), a origem genética é responsável por cerca de 50% de indivíduos www.portalcienciaevida.com.br
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Síndromes e distúrbios genéticos
com deficiência auditiva profunda. Eles podem ter tanto a deficiência auditiva isolada quanto o somatório de outras características da síndrome em órgãos diversos. Além disso, a partir dos autores, compreende-se que um indivíduo com a síndrome de Waardenburg parcial pode transmitir o quadro completo para seu filho. Nessa direção, por meio do estudo de Araújo, Araújo e Gonring (2014), é possível entender que a prevalência varia entre 1:30.000 e 1:42.000 e a mutação responsável pela síndrome localiza-se no braço longo do cromossomo 2 e determina a perda de função do gene 1,23-28. A intensidade da síndrome pode variar e aparecer no nascimento ou em idade posterior, sob quatro formas clínicas (Barzotto, Folador, 2004). Para Martins, Yoshimoto e Freitas (2003), a deficiência auditiva ou a www.portalcienciaevida.com.br
surdez são os sintomas mais preocupantes da síndrome de Waardenburg. Entretanto, apoiados em Elias (2014), percebe-se que a produção de conhecimento que emerge nas academias não ocorre de imediato e descolada dos contextos sociais as quais estão inseridos o pesquisador e o objeto/ sujeito de pesquisa. Nessa direção, é possível discordar de Martins, Yoshimoto e Freitas (2003) e concordar com Araújo, Araújo e Gonring (2014), no sentido de criticar os estudos que se ancoram apenas nos modelos clínicos terapêuticos e não discutem sobre os indivíduos em outras redes de interdependência as quais constituem. A fim de discutir a síndrome de Waardenburg a partir de outras redes de interdependência, primeiramente, é importante lembrar que os estudos pioneiros sobre essa síndrome, em
meados do século XX, focalizavam pressupostos clínicos. Em segundo lugar, deve-se ressaltar que um indivíduo surdo ou com deficiência auditiva causada pela síndrome de Waardenburg se comunicará por meio das línguas de sinais a partir do contato com essa língua. Diante disso, pode-se destacar o caso de Carlos (nome fictício), 26 anos, filho de pais surdos. Ele nasceu diagnosticado com surdez bilateral profunda, casado com uma pessoa surda, tem uma filha ouvinte e atua como professor de Língua Brasileira de Sinais – Libras. O seu conhecimento sobre a síndrome se deu por meio da própria família, pois havia outros casos em seu seio familiar, por exemplo, a mãe, a avó e a bisavó. Entretanto, de acordo com Carlos, apenas ele e sua mãe têm surdez profunda. O entrevistado repsique ciência&vida
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dossiê da Libras. Na infância, o que mais incomodou Carlos, em contato com ouvintes nas redes de interdependência dos espaços escolares, foram as significações pejorativas que giravam em torno de sua surdez. Ele lembra que foi constantemente elogiado pelo fato de ter olhos azuis e, quando perguntado, especialmente a respeito dos cabelos brancos, explicava, por meio de sinais ou pela escrita, a síndrome para seus colegas surdos ou ouvintes.
Mais comum
/GGGI GG^ 1GG HGI GG IGI G G IGG
A origem genética é responsável por cerca de 50%
^ I I ÈI GG G G: * ^ GG I ÈI G auditiva isolada quanto o somatório de outras características da síndrome em órgãos diversos lata que, segundo seus pais, a surdez nunca foi preocupação durante a sua gestação, e quando completou nove meses de idade descobriram que ele era surdo. Procuraram um médico
naquela época e, a partir do diagnóstico, confirmaram a surdez. Desde a infância, Carlos frequentou espaços da comunidade surda onde a comunicação ocorria por meio PARA SABER MAIS
MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME DE DOWN
O
diagnóstico confirmatório da síndrome de Down é feito logo após o nascimento do bebê, por meio do exame chamado cariótipo. No entanto, existem outras técnicas, que são chamadas de métodos invasivos e métodos não invasivos. Os principais métodos invasivos são a amniocentese1 e a biópsia do vilo corial2, que tem por finalidade analisar o líquido amniótico e uma amostra da placenta. Segundo Castro e Ferrari (2013), esses métodos são confirmatórios, no entanto são dolorosos e oferecem risco de aborto em torno de 1%. Entre os métodos não invasivos destaca-se a análise da translucência nucal pelos exames ultrassonográficos, nos quais é possível detectar alguma anormalidade. Por meio do ultrassom morfológico, por exemplo, podem-se observar os marcadores anatômicos do osso nasal, que são diferentes em um bebê com síndrome de Down. Esses tipos de exame não oferecem risco, contudo não podem ser usados como métodos confirmatórios, mas apenas como marcadores de risco. GG\ GGIG ^ G ` I^ GHGHGGGG GP : GIGG IGHG P :
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s pesquisadores que produziram este artigo, criaram estudos, como Thompson (2008) e Castro e Ferrari (2013), para abordar a síndrome de Down, considerada como o acidente cromossômico mais comum e conhecido, com frequência de um caso para cada 800 nascimentos. Essa incidência elevada tem forte relação com a idade materna, acometendo com maior frequência mulheres com 35 anos de idade ou mais (Thompson, 2008). Ainda segundo estudos, a probabilidade de ocorrência de uma gestação de um bebê com síndrome de Down para uma mulher de 20 anos se dá em torno de 1 caso para 1.600 nascimentos, enquanto para uma mulher de 35 a frequência é de 1 para cada 370 (Griffths apud Castro; Ferrari, 2013). Esses mesmos autores apontam, ainda, que apesar do risco subir gradativamente após os 30 anos de idade, tem aumentado o número de casos em mães mais jovens, porém a causa ainda é desconhecida. Essa síndrome foi descrita primeiramente pelo médico inglês John Langdon Down em 1866. Porém, apenas em 1959 o geneticista francês Jérôme Lejeune verificou que a causa da síndrome de Down era genética, “sendo resultado de uma alteração tipo numérica, que ocorre durante a divisão celular do embrião ou durante a formação dos
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Normalmente, nas células da espécie humana existem 46 cromossomos divididos em 23 pares. Porém, em 95% dos indivíduos com a síndrome de Down encontram-se em suas células 47 cromossomos divididos em 23 pares, estando o cromossomo extra ligado ao par 21, o que se chama de trissomia livre.
gametas dos seus genitores” (Castro; Ferrari, 2013, p. 218). Os estudos destacam também que, além da trissomia do cromossomo 21 existe a síndrome de Down Mosaico, que atinge cerca de 2% dos indivíduos e é detectada por meio do exame cariótipo, que mediante uma amostra de mistura de células é encontrada uma porcentagem das células com a trissomia do 21 e outra porcentagem sem a trissomia. E, ainda, as translocações, que ocorrem em 3% a 4% dos casos e ocorre quando a cópia do cromossomo 21 é translocada para outro cromossomo, geralmente os de números 14, 21 ou 22. As principais características cas dessa síndrome são: déficit cognitivo, ognitivo, que varia de acordo com os estímulos utilizados a fim de potencializar ializar o desenvolvimento dos indivíduos uos que apresentam a síndrome; vulnerabilinerabilidade maior a algumas doenças, as, como cardiopatias e problemas respiratóespiratórios; baixa estatura; olhos amendoamendoados com a presença das manchas nchas de 3 al baixa; Brushfield na íris; ponte nasal pescoço curto; mãos curtas e largas, -ÔHGI G G G^ G a uma agregação de um elemento normal
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Síndromes e distúrbios genéticos
Cromossomos
I G^ 1GG H a partir de outras redes de interdependência, primeiramente é importante lembrar que os estudos pioneiros sobre essa síndrome, em meados do século XX, focalizavam pressupostos clínicos geralmente com uma prega transversa palmar única; os pés apresentam maior separação entre o hálux e o segundo dedo; hipotonia muscular; alterações visuais e auditivas. No que tange ao desenvolvimento cognitivo dos indivíduos com síndrome de Down, Bissoto (2005) apresenta algumas concepções que relacionam o declínio das capacidades referentes à linguagem e de esquemas motores ao atingir a adolescência e a possibilidade mais elevada de tais indivíduos desenvolverem o mal de Alzheimer, ressaltando resultados obtidos por meio de pesquisas de Devenny e colaboradores (1992, apud Bissoto, 2005) que “não revelaram achados significativos a apoiar a hipótese de correlação entre envelhecimento e decréscimo das faculdades cognitivas dos portadores de síndrome de Down” (p. 82). No entanto, Mello (apud Castro; Ferrari, 2013) afirma que a demência que geralmente se manifesta em adultos
com a síndrome possui características que se assemelham ao Alzhiemer. E Mello (apud Castro; Ferrari, 2013, p. 222-223) ressalta que: “[...] aparentemente, o Alzheimer não se origina a partir de determinado período da vida desses indivíduos, mas, sim, alterações histológicas semelhantes às encontradas no mal de Alzheimer [...] culminando na manifestação de demência em uma idade mais avançada. Essa tese é reforçada pelo fato de que genes importantes para a patogenicidade da doença de Alzheimer estão localizados no cromossomo 21. Algumas questões ainda valem ser ressaltadas, considerando determinadas características que são postas como sendo próprias do sujeito com síndrome de Down, como por exemplo a sexualidade aflorada e a afetuosidade. Muitas vezes essa correlação ocorre por não haver um conhecimento mais amplo acerca da síndrome, ou até mesmo por não considerar outras possibilidades, sejam elas do ccontexto social ou biológico indivíduo, o que acaba por ser misdo indiví tificado ccomo tal. aflorada é um disA sexualidade sex túrbio se sexual e não tem relação com o déficit cognitivo. A afetuosidade relacionada com a consideração está relac de que ttais sujeitos são mentalmente crianças. crianç Vale salientar que essas características podem ser atenuadas caracterí dependendo do modo como são sigdependen nificadas (ou não) no contexto social ^ 1GG H\G
hG I ÈI G\ IG9 IIGGI^ IGG IIG >Ú GIGG em crianças psique ciência&vida
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dossiê
A síndrome de Down foi descrita primeiramente \ I È%'G
Herança dominante
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irlan de Oliveira Machado e Israel Rocha Dias alertam que, segundo Brasil (2009), a síndrome de Noonan apresenta herança dominante e é considerada uma síndrome relativamente frequente na população. Na síndrome de Noonan, pelo menos quatro genes dessa via são responsáveis pelo fenótipo: PTPN11, SOS1, RAF1 e KRAS. Mutações no gene PTPN11, o primeiro gene descrito em associação com a síndrome, são encontradas em aproximadamente 40% dos casos. O segundo gene descrito, KRAS, é responsável por cerca de 2% dos casos que não apresentam mutações no gene PTPN11. Mutações no gene KRAS estão presentes em pessoas com a síndrome com deficiência intelectual e/ou atraso no desenvolvimento mais acentuado. Muitas vezes a síndrome de Noonan é chamada inapropriadamente de “síndrome de Turner masculina”. Porém, pode ocorrer tanto no sexo masculino quanto no feminino. Sua incidência foi estimada entre 1:1.000 e 1:2.500 nascidos vivos, sendo uma das mais frequentes síndromes associadas a problemas cardíacos. A primeira descrição da síndrome de Noonan foi feita por Kobylinski em 1883. Noonan e Ehmke, 46
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em 1963, baseados em nove pacientes de ambos os sexos, definiram uma nova condição, distinta da síndrome de Turner, que mais tarde veio a receber o epônimo síndrome de Noonan. Caracteriza-se por baixa estatura, defeito cardíaco, pescoço curto ou alado, deformidade torácica, fácies características com hipertelorismo 4 e deficiência intelectual em alguns casos. As características craniofaciais nos afetados pela síndrome de Noonan, segundo Gonzalez (1993), modificam-se com a idade. De modo geral, as principais características podem ser assim visualizadas – no período neonatal, os achados principais são: hipertelorismo com inclinação palpebral antimongoloide 95%; orelhas com implantação baixa ou posteriorizada; excesso de pele e baixa implantação de cabelo na região posterior do pescoço; cabeça relativamente
Citogenética No início de 1930, os médicos reconheciam que alguma alteração cromossômica poderia explicar a síndrome de Down e suas características fenotípicas primeiramente descritas. Todavia, essa constatação só foi possível por meio dos avanços da citogenética, que possibilitou, por meio de várias técnicas, a análise dos cromossomos humanos.
grande; nariz bulboso e a ponta nasal achatada e a base alargada. Na fase escolar, a face parece grotesca ou fácies miopáticas5, e o contorno facial torna-se triangular. No período da adolescência e no adulto jovem: os olhos tornam-se menos proeminentes; o nariz mais fino, com a ponta nasal mais alta; o pescoço é alado ou com trapézios proeminentes. Na fase adulta: as pregas nasolabiais6 são proeminentes; a implementação de cabelo na fronte é alta; a pele torna-se enrugada e transparente. Ao nascer, o comprimento médio do bebê é de 47 cm e o peso é em geral normal em 40% dos afetados pela síndrome de Noonan. Durante a infância o crescimento tem a velocidade normal, o tórax largo parece curto e os mamilos baixo-implantados. Nas axilas há uma prega cutânea que persiste até a fase adulta. Porém, o crescimento na puberdade, na idade do estirão, pode ser reduzido. A idade óssea está atrasada em cerca de 20% dos casos. A estatura final média do homem é de 162,5 cm e na mulher 152 cm. São encontrados problemas cardíacos em 2/3 dos indivíduos com síndrome de Noonan. Como observado por Malaquias et al. (2008) e Brasil (2009), algumas cardiopatias, como o prolapso da válvula mitral, o ventrículo único, a estenose do ramo da artéria pulmonar e a anomalia de Ebstein, têm sido descritas nos afetados. O eletrocardiograma revela que as principais anomalias cardíacas envolvem o lado direito do coração. No sexo masculino, em relação ao sistema geniturinário observa-se um desenvolvimento puberal com virilização e subsequente fertilidade Olhos muito distanciados * I G ÏIG9 GG PHGIG^ GPH mostram salientes. A -Ô G HG 9G IG GG 9I GGG G G\ IG GHIG 4
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Síndromes e distúrbios genéticos
em cerca de 40% dos casos. A criptorquidia7 pode causar espermatogênese deficiente, podendo provocar infertilidade. No sexo feminino observa-se que a maioria é fértil, porém a puberdade pode ser atrasada ou normal. ^ é considerada como o GI IÏ IG II 9I GÈI G IGGG IG GC;;GI
Diagnóstico
S
egundo Malaquias et al. (2008, p. 803), o diagnóstico da síndrome de Noonan deve ser fundamentado nos achados clínicos. A síndrome de Noonan é lembrada como diagnóstico diferencial em pacientes com típica e/ou com estenose pulmonar. Mas o diagnóstico da síndrome de Noonan pode ser difícil, principalmente por causa da grande variabilidade fenotípica, com a presença de pacientes com características faciais discretas e/ ou na ausência de malformações cardíacas. A atenuação dos traços faciais nos indivíduos adultos é outro fator que dificulta o diagnóstico após a infância. Em 1981, Duncan e cols. propuseram um sistema de escore para o diagnóstico da síndrome de Noonan com base em 26 itens encontrados comumente nesses pacientes. A complexidade desse primeiro sistema de .^IÔ I :
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B
As principais características do Down Ôd \I I e vulnerabilidade maior a algumas doenças; HG GGGe amendoados; ponte nasal baixa; pescoço curto; mãos curtas GGe G muscular; alterações visuais e auditivas www.portalcienciaevida.com.br
escore dificultou o seu uso rotineiro. Em 1994, Van der Burgt e cols. propuseram um sistema simples e eficiente com base na pontuação de critérios maiores e menores que considera a variabilidade clínica presente. O diagnóstico clínico segundo Dias (2004) é baseado no achado dos caracteres fenotípicos e o genético, na ausência de alteração no cariótipo. Para que ocorra um diagnóstico
correto e o acompanhamento clínico adequado há necessidade dos especialistas atentarem para várias alterações sindrômicas. No momento, o diagnóstico da síndrome de Noonan é clínico-genético. Entretanto, descobrir um marcador, através de técnicas moleculares, ajudaria no diagnóstico e no aconselhamento genético dos pacientes com essa síndrome.
REFERÊNCIAS Y%*9!:e /%*9(:+:(:e"*) $)"90:(: IÔ GIG^ 1GG HGIGI:Revista FACEVV9bI G9 :¤ :=;9:>;A¢><<9 :¤:=;;?: *-.%/)$* 9 : : G: GhÔ G^ IGIG GGGhÔ G : GhÔ(G IGhÔ:/ G ! G ^ -G90 ` G9=;<@: '$-:): Introdução à Sociologia.' HG¤+Gd hB;9=;: $--*.*9(:': I I G G G ^
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recursos humanos
por João Oliveira
Acabou a faculdade,
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pós investir de quatro a cinco anos nos bancos de uma faCULDADEOPROlSSIONALDEVERIA estar pronto para entrar no mercado de trabalho. Mas a realidade é BEM DIFERENTE POIS O MERCADO ESCASSO PELAATUALCRISE AINDAEXIGEEXPERIÐNCIA ou oferta de estágios com baixa ou nenhuma remuneração. O Brasil está começando agora a entrar na tendência mundial de prepaRARUMGRANDEQUANTITATIVODEPROlSSIOnais de nível tecnólogo para dar velocidade à entrada no mercado de trabalho de uma nova geração de trabalhadores. O que mais impulsiona as pessoas nessa direção é o curto tempo de formação E ALIADO A ISSO OS SALÉRIOS CRESCENTES dessa categoria. Algumas ações podem ser úteis para um bom começo na área de interesse. 4ER UM CURRÓCULO BEM ELABORADO POR EXEMPLO SEJA VIRTUAL OU NÎO Ï A PRImeira impressão que o candidato deixa e pode abrir portas para uma entrevista pessoal. Os departamentos de RH dão mais valor para a desenvoltura do que
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ENORMES LISTAS INlNDÉVEIS DE CERTIlCADOSQUE MUITASVEZES NÎOPOSSUEMADErência com o cargo em questão. ! EXPERIÐNCIA CONTA CLARO MAS Ï a capacidade de administração emocional que vai fazer toda diferença no lNAL$ESDECEDO DEVE SEBUSCARINVEStir nessa área de crescimento pessoal. A inteligência emocional aliada à capacidade de se comunicar claramente TORNAM ATÏ MESMO O CANDIDATO COM MENOR EXPERIÐNCIA UMA BOA AQUISI¥ÎO para as empresas. Excelente estratégia para uma carreira promissora é buscar estágios o mais cedo possível. Muitas pessoas deixam PARAOlNALDOCURSO MASISSOPODEREtardar ainda mais a formação e principalmente o aprendizado prático. Além de ser uma forma de criar networking UMAREDE de contatos sólida dentro do seu ambienTEPROlSSIONALQUEPODESERÞTILNOFUTURO Um detalhe importante que os iniCIANTESNOUNIVERSOPROlSSIONALIGNORAM ÏADIlCULDADEDAMOBILIDADEURBANAE QUASE SEMPRE BUSCAM COLOCA¥ÜES EM EMPRESASQUEOFERECEMMAIORESSALÉRIOS
mesmo que elas estejam distantes de suas moradias. É um grande erro pensar que poderá se acostumar aos longos trajetos e ao desperdício de horas todos os dias dentro dos transportes públicos LOTADOS!OlNAL OTRABALHOPODERÉlCAR insuportável apenas porque esse item não foi computado com sua real importância. Sempre que fazemos processo de recrutamento e seleção alertamos os candidatos para a possibilidade de esgotamento físico e mental que isso pode acarretar e na possível perda de rendimento na instituição. É importante ter critérios e analisar bem as empresas para as quais se pretenDEMANDAROCURRÓCULO(OJE PELAINTERNET ÏPOSSÓVELDESCOBRIRMUITACOISASObre as relações das empresas com os seus funcionários. Uma dica é acessar o site do Tribunal da Justiça do Trabalho do Estado que deseja e procurar pelo nome da empresa. Se houver muitas ocorrências www.portalcienciaevida.com.br
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5-$%4!,(%15% OS INICIANTES NO UNIVERSO PROFISSIONAL IGNORAM É A $)&)#5,$!$% $!-/"),)$!$% 52"!.!15%02%#)3! 3%2!6!,)!$! PARA EVITAR O ESGOTAMENTO FÍSICO E MENTAL
ÏSINALDEQUENÎOHÉUMABOAAlNIDADE entre a linha gestora e o corpo laboral. Todo processo seletivo gera tensão. !lNAL O FUTURO DO CANDIDATO PODE EStar em jogo. Uma preparação emocional pode ser bem-vinda para que não se coMETAMERROSBÉSICOS COMO ,INGUAGEM CORPORAL PELA PRESSÎO em que o candidato normalmente se ENCONTRA SEUCORPOPODETRAZERIMPRESsões prejudiciais. Algumas ações são AVALIADASNESSESENTIDO TAISCOMOCOLOCARASMÎOSNOSBOLSOSAOFALAR COLOCARA bolsa sobre as pernas cruzadas e balançar pés e mãos para lá e para cá. Tudo ISSOPODEDEMONSTRARINSEGURAN¥A NERvosismo e falta de equilíbrio emocional. !UTENTICIDADE O CANDIDATO NÎO pode querer mostrar o que não é. Ele PRECISA PASSAR CONlAN¥A EM SUAS CAPACIDADES CASO CONTRÉRIO COMO A empresa empregadora poderá ter essa segurança no possível empregado ou www.portalcienciaevida.com.br
COLABORADOR$EVEMOSDESTACARQUE DO OUTRO LADO DA MESA O PROlSSIONAL DO processo de seleção também está submetido a pressões e deve ter níveis de estresse consideráveis quando encontra UMNÞMERORAZOÉVELDEBONSPROlSSIOnais. Fazer escolhas que podem alterar a vida de pessoas de forma radical não só aumenta a responsabilidade de exTRAIR O MELHOR DE CADA UM MAS TAMbém a certeza de estar selecionando o melhor para a empresa contratante. 5MA ESCOLHA MALFEITA PODE SIGNIlCAR perdas para ambos os lados envolvidos. Em um processo recente tivemos MAISDECINCOCANDIDATOSAPTOS PLENA-
MENTE PARA UMA VAGA DE SUPERVISÎO !ESCOLHAlNALSEMPREÏDOGESTOR EM sua última entrevista avaliativa. No enTANTO CABEAOSPROlSSIONAISDESELE¥ÎO INDICARPARAESSEMOMENTOlNALSOMENTEAQUELESQUE SEMSOMBRADEDÞVIDA poderão ocupar o cargo com perfeita desenvoltura. Nesses casos o foco vai se voltar para OS ELEMENTOS QUE PODEM DESQUALIlCAR #OMOSPONTOSFORTESDElNIDOS OSELEcionador deve procurar as áreas onde esse candidato pode apresentar fragiliDADES !QUI NESSE ESTÉGIO OS DETALHES são valorizados para que se possam eliminar aqueles com menor potencial em COMPARA¥ÎOAOSDEMAISJÉQUALIlCADOS !SSIM NENHUM DETALHE DEVE SER considerado pequeno demais para não merecer investimento por parte daquele que deseja se colocar no mercado de traBALHO .INGUÏM NASCE PREPARADO ISSO Ï UM FATO %DIlCAR UM BOM PERlL PROlSSIONALEXIGEDISCIPLINAEINVESTIMENTO para estar preparado no momento em que tudo for posto à prova. Sorte só existe para quem a constrói.
João Oliveira é psicólogo e diretor de Cursos do Instituto de Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc.br). Entre seus livros estão: Relacionamento em Crise: Perceba Quando os Problemas Começam. Tenha as Soluções!; Jogos para Gestão de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente Humana: Entenda Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está à sua Frente – Análise Comportamental pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora).
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ciberpsicologia
Por Igor Lins Lemos
Vingança e
PORNOGRAFIA on-line
OS MODELOS DE EXPRESSÃO DA SEXUALIDADE SOFRERAM ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS AO LONGO DAS ÚLTIMAS DÉCADAS, PRINCIPALMENTE NO QUE SE REFERE AO CONCEITO DE “EXPLÍCITO”
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empos atrás seria impensável termos revista s, websites, f ilmes, livros e debates acalorados sobre sexo e suas vertentes. Essa é uma conquista de muitos anos de lutas, dores e de diversa s causa s, desde a igua ldade entre homens e mulheres até a libertação sexua l. Porém, como toda s a s mudanças, essa também está inserida, no século XXI, no campo da tecnologia e, como esperado, a lguma s características negativas surgiram. Um tema que passou a ter maior visibilidade na ciberpsicologia, que relaciona a sexualidade negativamente ao uso de aparelhos eletrônicos, é o chamado revenge porn, que pode ser compreendido como o ato de utilizar fotos íntima s como um recurso para realizar chantagens ou punições, com o conhecimento ou não do outro. Um exemplo comum é um relacionamento entre jovens em que, após a ruptura , o pa rceiro ou parceira ameaça divulgar fotos eróticas do outro na internet caso a relação de fato seja f inalizada. Esse 50
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tipo de comportamento está atrelado a diversos danos emocionais a quem sofre essa retaliação, desde sintomatologia condizente com transtorno depressivo maior até casos de suicídio. Dessa forma, de maneira diretiva , comento a lguns tópicos que podem ajuda r no cuidado pa ra que esse tipo de experiência não ocorra com você, leitor(a), ou com pacientes que na rra m essa dema nda. O primeiro ponto: verif ique seus pensamentos de permissão. Comumente os pacientes mencionam que enviar fotos íntima s para o(a) pa rceiro(a) não irá gera r consequência s, o que é um enga no em vários casos. Na verdade, existem diversos tipos de problemática s relacionada s a esse comportamento, como o risco de inva são de hackers que possa m utilizar essa s fotos para f ins negativos, assaltos (permitir ao infrator ter acesso ao ba nco de dados do celula r), enviar de forma incorreta fotos para grupos de Whatsapp (ca sos de vídeos e fotos que caem em grupos da família desse aplicativo não são raros)
e, por f im, o revenge porn. Os pensamentos de ponderação plausíveis seriam: “isso também pode acontecer comigo”,“não é seguro envia r fotos, mesmo em aplicativos em que as fotos são dissolvidas após alguns segundos” (ex.: Snap), “a intimidade do ca sa l pode ser preservada de outra s forma s” e “envia r fotos erótica s não é necessa ria mente prova de a mor”. Esse último é um relato constante em consultório, principa lmente da s mulheres. Em vários momentos ouço que é prova de a mor envia r esse tipo de fotos pa ra o pa rceiro. Outra s menciona m que se sentia m pressionada s a isso. Por f im, já me foi narrado um evento em que a paciente necessitou enviar fotos íntima s para o parceiro, quando este estava viajando, para que ele não a traísse. Segundo tópico é a objetif icação: ainda existe uma cultura (doentia) predomina nte de que a s mulheres são vista s como objeto e o envio de fotos permite que diversos pa rceiros(a s) a s utilizem como troféus, mostra ndo-a s para terceiros (esses relatos costumam ser feitos por pacientes do sexo masculino). Combatendo esse ponto, perspectivas do campo da Psicologia demonstra m que envia r fotos íntima s pode estar relacionado a diversos problema s psicológicos, dentre eles
NO CAMPO DA LEGISLAÇÃO AINDA EXISTEM LACUNAS SOBRE A PUNIÇÃO DE QUEM TEM A CONDUTA DO CHAMADO REVENGE PORN, CONSIDERADO UM TIPO DE ABUSO SEXUAL www.portalcienciaevida.com.br
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prejuízos signif icativos na autoestima, dif iculdades sexuais, transtorno depressivo maior e transtornos de ansiedade. Um tópico secundário à objetif icação é o julgamento: a mulher comumente é relatada como a culpada. Em relação a esse terceiro aspecto, é verif icado que, infelizmente, ainda existe um abismo para que esse tipo de avaliação machista seja modif icado, porém, em diversos veículos de comunicação e nos relatos de pacientes em consultório, existe uma sincronia nessa informação: a mulher foi quem errou em enviar as fotos, o homem não. Aspectos legais: um site intitulado endrevengeporn.org tem como proposta gerar campanhas para a criminalização do revenge porn, que é considerado um tipo de abuso sexual. No campo da legislação ainda existem lacunas sobre a punição de quem tem esse tipo de conduta, as leis banindo essa prática ainda estão sendo discutidas, e os fatores que contriwww.portalcienciaevida.com.br
buem são diversos, desde a dif iculdade de compreender o assunto como a minimização dos danos do revenge porn. Apesar de ser um tema ainda emergente, mas que, como dito, já entrou no campo da discussão da Psicologia, é inegável verif icar os inúmeros impactos que ele traz à vítima. A principal estratégia, até então, é a prevenção. As atuais conf igurações
nos relacionamentos, a ascensão da cibercultura e a liberação da sexualidade são realidades, porém toda essa alteração social deve e pode ser vivenciada com poucos riscos à integridade emocional dos envolvidos. Como psicoterapeuta, meu posicionamento é de não estimular o envio de fotos íntimas, mesmo que estejamos suscetíveis a isso.
Referências: HAKALA, P.; RIMPELA, A.; SALMINEN, J.; VIRTANEN, S. M.; RIMPELA, M. Back, neck, and shoulder pain G IdG GII G:British Medical Journal9:>=@9=;;=: # ''-. (9:e)$'--*)9&:1:e' ++ .9%:e-'/)9: IG I G G 9IG9G IG I:Upslada Journal of Medical Sciences,:<=;9:?9=;<@: %( -*)9 :e. 0 )9%:e-1$)9): I IG GG GI :Pain Research and Management9:
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neurociência
por Marco Callegaro
DIVERGENTE:
pensando fora da caixa VALORIZAÇÃO DO FOCO E DESEMPENHO EM ATIVIDADES QUE REQUEREM PENSAMENTO ANALÍTICO LEVAM AO CONTROLE METACOGNITIVO DO PENSAMENTO
E
stamos vivendo tempos de foco executivo na tarefa, com uma valorização de tudo que possa aumentar nosso desempenho no trabalho ou no estudo. O resgate da prática milenar da meditação do tipo mindfullness atinge níveis de popularidade tão grande que já circulam brincadeiras, como as contidas no jogo de palavras da expressão “macmindfull-
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ness”. Essa ironia sobre uma versão pop da meditação mindfullness revela uma CRÓTICA AO ENTENDIMENTO SUPERlCIAL DA população, induzido pelo enfoque banalizador da mídia, sobre os conceitos fundamentais dessa rica vertente, e não à meditação em si. De fato, existem muitos benefícios na prática desse tipo de meditação, e diversos estudos de Neurociências mostraram que o
cérebro se adapta ao treinamento da capacidade de focar a atenção, e gentilmente afastar pensamentos intrusos. Se treinarmos um determinado circuito cerebral, as conexões se fortalecem, e a cada prática melhoramos o desempenho naquelas funções. Fazendo uma analogia com o sistema muscular, da mesma forma que aumentamos o NÞMERO DE lBRAS MUSCULARES OU SUA www.portalcienciaevida.com.br
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espessura, ao malhar, fortalecemos os circuitos do cérebro, ao malhar nosso pensamento. Voltar ao foco e prestar atenção de forma concentrada, sem deixar pensamentos nos distraírem, são fundamentais se estamos em uma aula, reunião de trabalho ou muitas outras atividades de nosso cotidiano. Com esse destaque todo para o foco atencional, a visão contemporânea sobre deixar o pensamento “livre” varia, desde uma noção mais branda de constituir uma perda de tempo até versões que associam essa forma de pensar com a ruminação. Ruminar se refere aos pensamentos obsessivos, ansiosos e de preocupação, quando pensamentos negativos invadem a mente e são processados e reprocessados, levando a um aumento da tristeza e ansiedade. No entanto, se acumulam evidências de que o processo de ruminação é bem diferente do pensamento espontâneo. O pensamento livre de amarras, que vaga entre lembranças do passado e imagens do futuro, na língua inglesa é chamado de mind-wandering, expressão que pode ser entendida como “deixar a mente vagar ou divagação, sonhar acordado, ou fantasiar”. Fazemos isso uma boa parte do tempo em que estamos acordados. Se não houver demanda de foco em tarefas, quando estamos sem fazer nada, A MAIOR PARTE DO TEMPO lCAMOS hVIAjando” em nossas mentes, em mundos virtuais de nossa imaginação. Teria a seleção natural, a grande arquiteta do design cerebral, construído um sistema que requer um controle metacognitivo o tempo todo para prestar atenção consciente no “aqui e agora”? A metacognição, ou a capacidade de pensar sobre o pensamento, é a faculdade que permite que se percebam os pensamentos, e que se direc ionem esses pensamentos para alguma direção voluntária e conscientemente escolhida, como voltar ao foco da respiração consciente, em uma versão da meditação mindfullness. www.portalcienciaevida.com.br
EMBORA EXISTAM MUITAS VANTAGENS NA CAPACIDADE DE DIRIGIR NOSSO FOCO DE ATENÇÃO E MONITORAR NOSSOS PENSAMENTOS, SERÁ QUE TAMBÉM GANHAMOS ALGO DE BOM AO DEIXAR A MENTE LIVRE? Novos estudos estão começando a indicar que existem benefícios, pelo menos em certos contextos, no pensamento espontâneo e livre. Os pesquisadores dessa abordagem têm apontado que existe uma tradição de enfatizar o pensamento analítico e uso de tarefas padronizadas clássicas que medem o desempenho acadêmico. Existem evidências de que f icar no mundo da lua prejudica a aprendizagem em sala de aula, ou no entendimento de textos complexos, e certamente é importante ter a capacidade de focar a atenção quando necessário. No entanto, se nosso olhar se dirige para o pensamento divergente e resolução criativa de problemas, o cenário muda e surgem aspectos positivos do pensamento espontâneo. Pesquisas têm mostrado que a fantasia e a imaginação são mais frequentes em pessoas criativas como artistas e escritores, e que o sonhar acordado está relacionado a aumento da criatividade, em especial no período de incubação de novas ideias. Um estudo recente no Chile apontou que estudantes que relataram mais episódios de sonho acordado tiveram maiores escores nas medidas de criatividade, pensamento divergente e solução inovativa de problemas. Medidas de metacognição, através do au-
torrelato, mostraram impacto negativo dessa capacidade na criatividade. Existem limitações nessa metodologia, mas esses resultados sugerem que em certos contextos as habilidades metacognitivas de monitorar, planejar e regular os pensamentos inibem os processos divergentes e criadores. Estamos começando a entender a diversidade de processos mentais que estão envolvidos com o pensamento e atenção, e a visão mais global que emerge desses estudos aponta para que se integrem várias formas de processamento, em termos de vantagens e desvantagens, para determinadas pessoas, contextos e demandas particulares, antes de estabelecer simples dicotomias ou antagonismos. A mente é rica e a natureza tem sabedoria em suas construções, não devemos simplesmente ceder à tentação de descartar como defeitos processos que levaram milhares de gerações para serem esculpidos. Manter o foco, e prestar atenção consciente, traz vantagens em determinadas situações e desvantagens em outras, da mesma forma que sonhar e imaginar livremente. Af inal, o que seria da humanidade sem os sonhadores? Sonhar é preciso, mas os f iltros e testes das funções executivas são também necessários para que os sonhos se realizem.
Para saber mais: PREISS9::G: G I G G GI IG G IG G 9Learning and Individual Differences=;
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ALERTA
EM TEMPO DE
TRATAR Problemas alimentares na infância são preocupação mundial e passaram a ser mais pesquisados e publicados entre pediatras e psicanalistas
Por Flávia Machado Seidinger Leibovitz
Flávia Machado Seidinger Leibovitz é psicóloga clínica em São Paulo e Campinas. Possui especialização em Psicanálise (Escuela de la Orientación Lacaniana/ Núcleo de Investigación de Anorexias y Bulimias – Argentina), mestre em Ciências Médicas/Saúde Mental (Unicamp). Membro do Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade (CLIN-a), do Grupo Interdisciplinar de Assistência e Estudos em Transtornos Alimentares (GETA-Unicamp) e da Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia (Ceppan). [email protected] 54
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ALERTA
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ulimia e anorexia nervosa, transtornos alimentares e transtornos da alimentação são nomes que circulam na mídia com frequência no século XXI. Nunca é demais advertir sobre a seriedade com a qual merecem ser encarados. O comer “desordenado” na infância era descrito no Brasil pela tradução de Feeding Disorders, em nosso idioma transtornos da alimentação, nomes bastante semelhantes. Na versão corrente do DSM-5, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, editado no Brasil em 2014, os transtornos da alimentação (TdA) (infância) passaram a ser descritos como parte dos transtornos alimentares (TA) – anteriormente nomenclatura exclusiva para adultos. Antes disso os TA em crianças eram considerados um tipo não especificado de transtorno, em separado ao dos
adultos. Para melhor compreensão, seguiremos utilizando aqui a nomenclatura anterior que os diferencia. O que hoje se conhece por transtornos alimentares corresponde a um grupo de diagnósticos de transtornos mentais ligados ao comportamento, sobretudo o comportamento alimentar, podendo incluir prática excessiva de atividade física e outras variantes do comportamento de controle obsessivo do peso, como a presença ou não de práticas purgativas, variando em cada diagnóstico/subtipo. Na atualidade são fortemente ligados às questões com a própria imagem, preocupação excessiva com o peso, geralmente acompanhado de um saber decidido a esse respeito – muitas vezes por comportamentos aprendidos na internet, ou pela adesão ao polêmico e perigosíssimo slogan “anorexia como estilo de vida” – espécie de roleta russa à qual
Prejuízo Psicossocial Os transtornos alimentares são os transtornos mentais de maior morbidade e mortalidade, inclusive por suicídio. São considerados os mais graves dentre os transtornos psiquiátricos. Produzem importante prejuízo psicossocial e uma série de complicações clínicas: odontológicas, dermatológicas, gástricas, distúrbios endocrinológicos e cardiopatias. Devido à incidência de suicídio e depressão, estimada em vinte vezes mais alta entre jovens com transtornos alimentares, estes foram considerados como doenças mentais prioritárias pela Organização Mundial da Saúde.
Os transtornos da alimentação, que historicamente eram diagnosticados e acompanhados por pediatras, vêm sendo trasladados para o campo da Psiquiatria Infantil
O excesso da oferta de alimentos e de dietas, bulimia e anorexia nervosa e transtornos da alimentação na criança ganham cada vez mais peso no mundo moderno, deixando-a, assim, mais vulnerável a esses transtornos 56
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jovens aderem radicalmente, diferente da chamada anorexia santa como forma de jejum e ascese na Igreja Católica no século XIII, conforme analisado por Weinberg & Cordás (2006), e da anorexia histérica, o clássico texto do final do século XIX, de Charles Lasègue, quem localizou, na França, os quadros alimentares, como de origem psíquica. Simultaneamente surgiu a descrição de Willian Gull, na Inglaterra, da Anorexia Nervosa, mais voltada para aspectos clínicos. Nessas épocas o quadro não incluía a questão com a imagem do corpo, nem a paciente tinha qualquer saber sobre o mal-estar que começava com dor epigástrica e dificuldade de comer, atraindo o olhar familiar. O quadro evoluía para a recusa do alimento, com forte impacto ne-
gativo na dinâmica familiar, ricamente descrito por Lasègue em conselhos válidos até nossos dias, apesar das diferenças do quadro a cada época. O que se costuma referir e replicar no main stream da literatura psiquiátrica é que a bulimia teria sido descrita somente em 1979 por Russell, como variante da Anorexia Nervosa. No entanto, há registros médicos do quadro bem mais antigos, inclusive em documentos médicos (Stein; Laakso, 1988), e abundantes referências nas pesquisas de Brusset e Couvreur (2003). Diferentes dos mais conhecidos na grande mídia, exclusivos aos adultos, anorexia nervosa, bulimia e o comer compulsivo, os TdA podem ocorrer em bebês, crianças pequenas ou em idade pré-escolar por desencadeantes www.portalcienciaevida.com.br
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Ao contrário do que muitos pensam, a obesidade não faz parte do grupo de diagnósticos psiquiátricos, mas os transtornos da compulsão alimentar sim, quando acompanhado de práticas compensatórias e com determinada frequência diversos exceto quando associados a transtornos do desenvolvimento ou condições clínicas específicas; suas causas são descritas nas ciências médicas no entrecruzamento de fatores médicos, de desenvolvimento e comportamentais. Apresentam-se sob a forma da seletividade, pica, ruminação, e outras variantes – ingestão persistente de substâncias não nutritivas que não são alimentos durante ao menos um mês – podem levar a perigosas consequências médicas para o bebê ou a criança, inclusive falha no crescimento ou desnutrição (Burklow, 1998; Silverman A. H., 2010). As descrições vão sofrendo variações a cada edição dos manuais estatísticos e diagnósticos, mas a problemática nos toca para além disso: se trata-se de um aumento de fato, já apontamos a dificuldade em aferir, mas é certo que há uma procura maior por tratamento, e é bem possível que haja sim um aumento em curso, e que irá se complexificar enquanto perdurarem as dificuldades com a obesidade em nossa cultura, dentre outros fatores. Nao podemos esperar extinguir. A pulsão de morte, já advertiu Freud, é constitutiva do ser humano. Segundo estudos, são profundamente relacionados os problemas da obesidade dos pais e seus padrões e ambiente alimentar e o surgimento de TA nos filhos. Estudos já apontaram também a correlação da anorexia com tempos de excesso, relacionando-se muito mais ao abastado do que ao que falta, e com a excessiva preocupação em emagrecer dos pais ou à restrição de certos alimentos. www.portalcienciaevida.com.br
A introdução nos situa no tema do ponto de vista médico, no entanto vale a reflexão em termos mais gerais, visando ampliar o olhar para o fenômeno que nos preocupa, incluindo outros aspectos. Ainda que a descrição do quadro entre “moças jovens”, meninas, exista desde que se tornou entidade mórbida no fim do século XIX, com breves referências no texto freudiano, somente em meados do século passado foi alvo crescente de pesquisas e publicações de pediatras e psicanalistas, como Hilde Bruch (1904-1984), nos anos 60 descreveu o transtorno da imagem corporal, período em que se voltou especialmente para o quadro na infância. Em nossos dias, na infância, os TA têm como grande referência Bryan Lask, Professor inglês, falecido há um ano. Em seu último livro, recém publicado, encontra-se debate sobre o aumento da incidência em crianças, afirmando-o.
Os transtornos alimentares estão vinculados ao comportamento, não só o alimentar, podendo incluir prática excessiva de atividade física e uso de outras substâncias ou práticas com o objetivo de perder peso
Descritos nos manuais diagnósticos e estatísticos, passam por mudanças na apresentação do quadro com o andar da carruagem da história e mudanças na sociedade. Especula-se que em países ocidentais apresentem-se em idade mais precoce com aspectos dos TA PARA SABER MAIS
FAZER DIETA AUMENTA O RISCO DE TA
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besidade não é um dos TA, mas constitui fator de risco para desenvolvê-los. Nutrição é um dos principais fatores provocadores de mudanças epigenéticas, e dieta afeta a atividade cerebral, aumentando cerca de 18 vezes o risco de TA (Stice et al, 2002; Szyf et al, 2008). E vale lembrar que nossa cultura atual dá lugar a uma obsessão com o corpo, produzindo uma relação com sua imagem cada vez mais assujeitada à tirania da comparação aos ideais impossíveis dos photoshops. Não somente quem tem obesidade ou sobrepeso faz dieta, ou se utiliza de métodos compensatórios para perda de peso. Triste e perigosa realidade que tem início com a ideia de que se pode controlar seu uso. Porém, encontramos no relato dos que cruzaram a fronteira diagnóstica e que tarde demais vieram a dar-se conta de que essa lógica havia adquirido vida própria, e como um mestre autoritário passado a comandar sua existência.
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ALERTA em adultos, como temor de engordar (lipofobia) e excessiva preocupação com a imagem. Podem relacionar-se ao aumento de peso da população em geral – no Brasil, confirmado no último censo IBGE, reflexos do ambiente familiar – fatores como pais obesos fazendo dietas, discurso alarmante da saúde sobre riscos da obesidade, refletem nas crianças, bem como da mídia: o padrão de beleza e a identificação a todo custo com as medidas impossíveis da Barbie, da estética “cadáver” e outros personagens do mundo perfeito e brilhante que se quer vender, sobretudo no que importamos da cultura norte americana, como a clínica revela. Também a faixa etária da menarca vem diminuindo. Ainda que com diferenças não tão gritantes na média, TA sempre acompanharam as questões adolescentes emergentes nessa fase. No entanto, afirmar sobre incidência e real aumento é sempre polêmico e muito difícil de ser aferido: a complexidade diagnóstica dos TA e seus subtipos dificulta pesquisas na área; abandono e mortalidade elevados impactam resultados gerando estudos inconclusivos; as pesquisas são válidas apenas no contexto cultural em que foram realizadas e sempre contêm vieses; a maioria dos estudos é com pacientes inseridos em serviços, e o diagnóstico muda ao longo do tratamento, com variações de massa corporal e a evolução clínica. Não há estudo epidemiológico sobre transtornos alimentares nem da alimentação no Brasil. Sendo nova tal especialidade médica, antes disso não seriam assim identificados, embora comportamentos constassem em registros históricos na Antiguidade, após adventos na sociedade e nas ciências médicas, agora bem descritos, passariam a ser notificados, podendo parecer mais frequentes, havendo que levar-se em conta também o significativo aumento populacional. A impressão do aumento se deve a anteriormente serem subdiagnosticados, subnoti58
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O comer “desordenado” na infância ganhou o estatuto de transtornos alimentares no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Anteriormente, transtornos da alimentação eram considerados um tipo não I IG G
O aspecto emocional descrito na psicologia das anorexias e bulimias: sujeitos desorientados pelos laços sociais e padecem das descompensações do controle, acossados pela demanda frenética de consumir e descartar, inclusive alimentos ficados? Observamos sim crescimento da demanda de tratamento, mas não há comprovação científica sobre aumento real da incidência em crianças. Ressalvas feitas, algo se pode afirmar baseado em estudos científicos: TA são historicamente mais ligados à
cultura ocidental. Porém, ante a globalização, vêm sendo descritos em praticamente todo o mundo. Pesquisas antropológicas verificam aumento da incidência em contextos de rápida mudança cultural nas regiões “em desenvolvimento”. Na tese de doutorado “Histórias de vida com transtornos alimentares: gênero, corporalidade e a constituição de si” (Unicamp, 2011), Silva defende que: “(...) ao serem inseridas no mercado de produção mundial, diferentes regiões do mundo sofrem modificação decisiva no sentido do desenvolvimento de uma cultura de consumo e do individualismo competitivo, descrita sob as rubricas de “modernização” ou “ocidentalização”. Apontam na mesma direção a famosa pesquisa de Becker (2002), que testemunha o aparecimento de quadros alimentares com a chegada da televisão nas Ilhas Fiji, e estudos no sul da Austrália, que afirmam aumento de comportamentos purgativos (Hay et al., 2008). As perspectivas sociológica e psicanalítica relacionam esse fenômeno à incessante demanda da cultura do con-
sumo “24 horas” do capitalismo na era globalizada, na qual o Ideal do corpo magro como padrão de beleza, veiculado associado a status, sucesso, controle, triunfo, contribuindo para a insatisfação com a imagem corporal, segundo metanálise de Groesz et al (2002). As teses do sociólogo Zigmunt Bauman vão na mesma direção, nas obras Sociedade de Consumo e Modernidade Líquida; nesta, analisa que recaem sobre os ombros do indivíduo responsabilidades que até então pertenciam ao Estado, ou aos regimes monárquicos e feudais, resultando no aumento da angústia existencial, traduzida em comportamentos compulsivos a objetos de consumo, inclusive o alimento. Quais as consequências subjetivas da economia neoliberal nesse processo? E o declínio da função paterna, mudanças nas estruturas familiares e sociais, dentre outras revoluções cada
vez mais rápidas que estamos vivendo? O sujeito contemporâneo sofre desse “desamparo” – o que coincide com o aspecto emocional descrito na psicologia das anorexias e bulimias: sujeitos desorientados pelos laços sociais em liquidação são desamparados e padecem das descompensações do controle, acossados pela demanda frenética de consumir e descartar, inclusive alimentos. O Outro da sociedade de consumo é a grande mãe que empurra a comida. O termo anorexia mental foi resgatado por Lacan por colocar acento no aspecto psíquico e não no aspecto orgânico do termo médico “nervosa” – aliás, ressurgido fortemente em tempos atuais regidos pelo DSM e a Psiquiatria Neurobiológica. Lacan dizia que a anorexia mental caracterizava-se por um “voraz apetite de amor”, e nesta não deixa de comer, mas “come o nada”; frase
O que se costuma referir no main stream da literatura psiquiátrica é que a bulimia teria sido descrita somente um século depois. No entanto, há registros médicos do quadro da bulimia bem mais antigos
Para um bom tratamento Há consenso na literatura científica em afirmar que quanto mais cedo chegar ao tratamento, melhor efetividade: segundo Schmidt (2015), enquanto 60% a 80% dos adolescentes com anorexia nervosa se recuperam em abordagem que inclui a família, apenas 20% a 30% dos adultos que tiveram a forma mais duradoura da doença se restabelecem, mesmo com o melhor dos tratamentos. Diante da enorme dificuldade em aceitar tratamento, são levados por terceiros e tendem a abandoná-lo facilmente. Nossa revisão de literatura encontrou: taxa de abandono de 40% a 60% nos adultos. Entre filhos de pais separados e em pacientes que apresentam comportamento purgativo há mais abandono do tratamento, também guardando relação inversa com escolaridade. Adolescentes e crianças têm melhor adesão, pois os pais obrigatoriamente participam. Seidinger-Leibovitz (2016)
de impacto que suscitou debates teóricos, importando destacar seu ponto de verdade: por mais que recuse o alimento no seu jogo para inverter a relação de poder e controle, o sujeito anoréxico relaciona-se excessivamente com esse objeto, dele alimentando-se em sua sofrida obsessão diuturna, isto é, relaciona-se com o mesmo excesso que comanda sua recusa. Anorexia e bulimia, TA e obesidade: dois lados da mesma moeda, que possuem em sua raiz um voraz apetite, tal qual nas adicções.
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TA, obesidade e adicção
A A história de obesidade na infância predispõe a transtornos alimentares na adolescência ou vida adulta www.portalcienciaevida.com.br
o contrário do que muitos pensam, a obesidade não faz parte desse grupo de diagnósticos psiquiátricos. Seus parentes próximos, os transtornos da compulsão alimentar, sim, quando acompanhados de práticas compensatórias com determinada psique ciência&vida
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ALERTA
As pessoas que sofrem de transtornos alimentares adotam discursos semelhantes aos adictos ao álcool e outras drogas, apresentando semelhanças psicológicas
frequência e marcados por aspectos psicológicos próprios.Escutamos em tom pesaroso, cotidianamente, na clínica: “Tarde demais. Queria com isso controlar tudo, mas passei a ver que era controlada. Fui perdendo autonomia e muitas outras coisas”. Discurso corrente na problemática da adicção ao álcool e outras drogas, cujo funcionamento psíquico se assemelha aos TA, especialmente à bulimia. Na literatura científica médica há uma linha de pesquisa que considera TA como “comportamento aditivo”. Essa classificação diferencia-se do que até então se conhecia por adicção. Os addictive behaviour, descritos por Goodman em 1990, passaram a ser um grupo de comportamentos com características e psicodinâmica específicas, nos quais a noção de adicção extrapola a ideia de droga enquanto substância e entende como aspecto principal a “relação aditiva” com diversos objetos investidos do caráter “droga” para determinados sujeitos, inclusive a comida, seja ela excessivamente presente – na bulimia – também excessiva, mas ambivalentemente negada, na anorexia. Paradoxalmente, quem recusa o alimento o mantém no comando de sua vida, habi60
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tando seu pensamento 24 horas por dia – inclusive como principal motivo de abandono do tratamento, o que é encontrado em estudo qualitativo como “uma escravidão ao vício” (Seidinger-Leibovitz, 2015).
Na bulimia a negação dos riscos é ratificada pela captura da imagem de um corpo “com peso normal” como sinônimo de saúde. Muitas vezes, as pessoas com bulimia não são identificadas como padecendo de TA, e o mantêm em segredo
Desfazer o mal-entendido
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nomenclatura médica internacional ilumina a diferença entre Eating Disorders – em adolescentes e adultos; e Feeding Disorders – transtornos da alimentação em crianças; diferença que se esclarece na língua inglesa: a declinação passiva do verbo feeding coloca a dependência da criança em seu ato de “ser alimentado” pelo o(O)utro. Assim implica “a relação” e supõe, em oposição, adolescentes e adultos “autônomos” em sua alimentação (Eating); enquanto o ato alimentar do bebê/criança inclui o adulto que lhe apresenta o mundo e é responsável por alimentar a criança, passiva ainda neste ato (Feeding). A diferença não se restringe a preciosismos de linguagem, Curiosamente, o que caracteriza a bulimia é o “excesso de fome” e não a prática de vômitos provocados, como acredita a maioria www.portalcienciaevida.com.br
Leitura complementar
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Os transtornos alimentares apresentam características que se iniciam em idade muito precoce, ainda mais na sociedade atual que não oferece um olhar de estranhamento para as restrições alimentares severas e até para a exclusão de certos grupos de alimentos com a intenção de perder peso. É na adolescência, quando a progressão da doença captura a atenção de que algo realmente sério está acontecendo, que os diagnósticos são feitos. Segundo Steinhausen, os transtornos alimentares acometem cerca de 1% dos adolescentes, podendo chegar a consequências graves. Além disso, são responsáveis também por 1% a 18% da mortalidade. A obra A obra recém lançada e organizada por Cybelle Weinberg Psicanálise de Transtornos Alimentares – Volume II reúne artigos de psicanalistas com vasta experiência na clínica dos TA, membros da CEPPAN, que trabalham junto a outros renomados especialistas.
mas sim a algo que se perde na tradução ao português do Brasil e indica um ponto fundamental dessa clínica e que ambos os transtornos mantêm, em suas descrições ao longo das épocas: o componente da “relação” do sujeito, em constituição, com o outro do qual está se diferenciando, jogo no qual o alimento participará, inevitavelmente. Não somente em Lacan o ato da recusa alimentar guarda relação com protestos da criança à figura da alteridade encarnada nos pais, mais especificamente na mãe – nutriz por excelência desde os registros arcaicos, filo e ontogeneticamente, a mãe constitui um o(O)utro associado ao alimento. O que se passa nas anorexias e bulimias enquanto rechaço desse Outro, encarnado na mãe, é um mecanismo inconsciente, segundo a Psicanálise, para manter consigo o controle. Em Lacan, www.portalcienciaevida.com.br
G G G9 I G GGhÔG GH G IGGG^ G I H corpo, comida e peso) são fatores predisponentes dos TA em geral
encontramos o rechaço à comida como “moeda de troca”, numa greve de fome que tenta “inverter a relação de potência com o Outro” (Lacan, 1995). As contribuições de Lacan ajudam a transcender o mal-entendido, a posição equivocada que estava no front da explicação das anorexias e bulimias e que culpabilizava diretamente os pais, especialmente as mães: o que era atribuído de modo reducionista à mãe, de “carne e osso”, deve-se a ela encarnar, via de regra, para a criança tudo o que se diferencia da criança, isto é, o mundo; a matriz de sua alteridade, daquilo que ao mesmo tempo ele terá de se diferenciar, e lhe custa, como as perdas da separação, a castração, à qual muitas vezes se resiste, rechaça. Neste rechaço, se dá o terreno psíquico para anorexia, principalmente. Já em Freud estavam descritos mecanismos pelos quais o bebê inconsciente, e muito precocemente, aceita, acusando recebimento ou recusando os indícios que esse mundo lhe apresenta de castração, isto é, de ruptura e separação entre ele e o outro – e a mãe, de quem nasce e precisa se diferenciar, encarna esse lugar. Lacan grafou com maiúscula o termo “Outro” para distinguir do outro (semelhante),
dando relevo a tudo o que compreende essa instância que antecede o sujeito, desde onde ele é “falado/(in)desejado” desde antes de seu nascimento; fonte da linguagem, de influências culturais e sociais no sujeito. Mais cedo ou mais tarde este se encontra com sinais de que ele não supre totalmente o desejo deste Outro materno – encarnado na mãe –, não o completa e responderá a isso de modos distintos. Se o sujeito vai consentin-
As dificuldades no relacionamento interpessoal dos pacientes fazem com que o investimento dos profissionais na aliança terapêutica deva ser constante. Escutá-los e saber acolhê-los sem julgar são fundamentais psique ciência&vida
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ALERTA do com tais operações de separação do Outro, resultará uma falta, de um lado, e um objeto, de outro (chamado objeto a). Em torno destes se organizarão as pulsões, o circuito de satisfação. Dessa defasagem, dessa falta constitutiva resulta o sujeito do inconsciente, como ser de linguagem, resultando em diferentes estruturas psíquicas, por assim dizer. No complexo interjogo com o Outro e seu consentimento ou recusa da separação do Outro materno se colocam as tentativas de recuperação e perda, o que nos permite compreender melhor a dimensão da questão com o controle, central nessa clínica. Como o sujeito, no adolesc(S)er, tem dificuldades e “inseguranças” em consentir com efetivar essa separação, pode resistir a tornar-se adulto e vir a fazer-se presa dos circuitos libidinais mais antigos de sua história: orais e anais, especialmente implicados nos fenômenos alimentares, os métodos de esvaziamento do corpo, tentando murchar um Outro muito cheio, do qual são ambivalentes em separar-se; vacilando em consentir com a perda apegam-se ao corpo da infância, e conflitos maiores se deslocam para o alimento e o problema de sua
No início do século XX, surgiu o termo “anorexia mental”, depois resgatado por Lacan por colocar acento no aspecto psíquico e não no aspecto orgânico do termo médico “nervosa” imagem, em que sempre encontrarão defeitos, e a ilusão de que a magreza os apagaria, resolvendo tais angústias. A nós, profissionais da clínica, cabe cuidar dos equívocos e seus efeitos muitas vezes danosos, legados dessa confusão, e sempre que possível zelar por não replicá-la, não perpetuá-la.
Desafios
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as, afinal, o que isso tem a ver com os transtornos da alimentação ou alimentares? Todos os pontos
Em adolescentes e adultos a psicoterapia ainda é a primeira conduta a ser indicada, acompanhada de tratamento com psicofármacos – quando associada a outros sintomas psiquiátricos –, nutrição, terapia ocupacional, endocrinologia, a depender da complexidade do caso e faixa etária 62
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aqui tocados guardam relação com essa forma muito particular de padecimento que se encontra na clínica, e que tem se feito notar fora dela, também nos outdoors ou passarelas, pela semelhança das formas apresentadas na anorexia na cultura atual sob o Império das Imagens; o que é vez por outra denunciado, flagrado ou (in)confesso, nos segredos da bulimia, já que essa variante não fica evidente no corpo. Estima-se que a bulimia seja subdiagnosticada em torno de apenas 30% de sua real incidência, e somente pequena parte busque tratamento. Dentre outras razões, devido ao temor por restaurar o peso ou ver-se sem os métodos imaginados como eficazes de emagrecimento e causadores de consequências mortíferas inimagináveis para tais sujeitos. Na bulimia a negação dos riscos à saúde é ratificada pela captura da imagem do corpo “com peso normal”. Assim, a grande maioria das pessoas com bulimia pode não ser identificada como tal mantendo seu padecimento e comportamentos de risco – dentre outros, parada cardíaca – em segredo. Essas demandas não se apresentam diretamente, mas se enredam silenciosamente por meio de outros comportamentos e queixas. Escutá-los, saber acolhê-los sem julgar, tratá-los e/ou encaminhá-los são fundamentais. As dificuldades no relacionamento interpessoal de tais pacientes fazem com que o investimento dos profissionais na aliança terapêutica deva ser constante; condição sine qua non para adesão a tratamento farmacológico, tendendo a reduzir o abandono do tratamento clínico como um todo. O tratamento segundo Guidelines da American Psychiatry Association (2006) preconiza em primeiro lugar ativar a motivação para tratar, destacando a aliança terapêutica, a restauração do peso saudável (crescimento e desenvolvimento em crianças e adolescentes), bem como padrões alimentares mais adequados, reduzindo www.portalcienciaevida.com.br
Estima-se que a bulimia seja subdiagnosticada em torno de apenas 30% de sua real incidência, pois muitos não buscam tratamento, dentre outras razões, devido ao temor por restaurar o peso
O que a Psicanálise descreve há um século, vem sendo encontrado em estudos científicos sobre estresse gestacional ou ao longo da vida, reforçando a associação das tensões nas relações com o TA restrição e controle de compulsões e purgações; cuidando das complicações físicas e psiquiátricas, psicossociais. O padrão-ouro, na criança e adolescência com TA seria o mesmo, acrescido da exigência total dos pais ou responsável pela criança, especialmente o responsável na hora das refeições, figura fundamental neste caso. (Bryan Lask, 2015; Fairburn et al)
As demais abordagens
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nfim, a angústia, o padecimento subjetivo invariavelmente presente na fonte desses quadros, e tão esquecidos muitas vezes pelos atoleiros das questões no território do corpo, e das complicações clínicas secundárias às
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psíquicas, e que silenciosamente gritam por ajuda em uma demanda muda, no corpo sequestrado, evidente na alienação na imagem, e no deslocamento das
questões psíquicas para o físico, elemento típico do funcionamento anoréxico-bulímico. Cabe a nós profissionais da clínica psi escutar com sabedoria para acompanhar, deixando-nos guiar por tais sujeitos em seus dolorosos processos. Frente aos impasses e desafios para tratar transtornos alimentares, recomendamos acolhimento e disponibilidade para o “manejo clínico” ou, como quer a Psicanálise, “manejo da transferência”. Há que acompanhá-los desprovidos de qualquer furor curandi, como já recomendavam Freud e Lasègue, para que seja possível colocar a aposta no sujeito e a interrogação ética como parceiras constantes, como fizeram esses dois grandes clínicos.
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divã literário
por Carlos São Paulo
LADOS de metades INTEIRAS O AMOR PRESSUPÕE UM EU DIVIDIDO EM PARTES QUE SE OPÕEM. ESSA É A LIÇÃO DE O VISCONDE PARTIDO AO MEIO, UMA FÁBULA DE ÍTALO CALVINO QUE EXPLORA O FANTÁSTICO
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mar o outro faz-nos perceber nossa incompletude. Ao notarmos em nós mesmos dois lados como inimigos irreconciliáveis, sentimos a luta entre eles e também a dor de se ferirem para unirem-se em um todo chamado indivíduo. É dessa forma que obtemos o verdadeiro ato de amar a si e ao outro. Assim nos ensina o livro O Visconde Partido ao Meio de Ítalo Calvino. O visconde Medardo, no intuito de agradar alguns duques, vai à guerra e é atingido por um tiro de canhão que o divide ao meio. Retorna à sua cidade uma metade do visconde que se revela muito cruel. Quando os habitantes da cidade já estavam desanimados e amargurados, eis que aparece a outra metade como um visconde absolutamente bom. Até que os habitantes percebem que maldades e virtudes igualavam-se na desumanidade, pois pessoas cheias de boas intenções podem ser chatas e terríveis. Por amor a Pamela, essas duas bandas do visconde entram num duelo e se ferem mortalmente. Para salvá-las, o dr. Trelawney costura uma metade na outra e faz das duas partes um único visconde. Nas palavras do autor, “o homem mutilado, incompleto, inimigo de si mesmo, precisou do amor para tornar-se inteiro”. 64
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Sentir-se pela metade é bem próprio da juventude quando se permite deixar a força natural do desenvolvimento empurrá-la em direção à totalidade, um lugar a que nunca se chega. Em nosso amadurecimento, o sentir-se incompleto deverá continuar para que nos faça sentir que ainda há vida a ser vivida. Vivemos lidando com a ideia do aceitável e do não aceitável em nossa convivência com aqueles que nos arrodeiam e com os que podem nos dar ou não amor. Escondemos na sombra o comportamento ou ideia que nos pareça fazer perder esse amor e exibimos o que achamos que irá impressionar o outro na ilusão de ser amado. Chega o momento em que nos sentimos divididos e percebemos que parte de nós é desejo e outra parte é renúncia. Muitas são as feridas que experimentamos em nome da boa educação dos nossos pais e são essas feridas primais que nos atrapalham em fazer parte dessa unidade universal que chamamos natureza. Algumas fazem-nos perder parte de si e, como se estivéssemos ataDOSAUMlOINVISÓVEL GUIAMO NOSPOR ele nessa busca do que possa nos completar. Ao encontrarmos o que estava perdido, unimo-nos pela paixão para depois sentirmos tão opostas as nossas
idealizações que precisamos sofrer para nos darmos conta do quanto o ideal é inimigo do real. Metade de nós revela virtude, outra metade mostra maldade, mas, para além dessas metades, existimos. Precisamos sair dessa ignorância de nos sentirmos inteiros. Inteiros por pensarmos que somos só virtuosos ou então apenas destrutivos até que os sintomas apareçam para denunciar a inconsciência dessa unilateralidade. Ensina a Psicologia de C. G. Jung que todas as vezes em que o homem se encontra em num de seus extremos, sua outra parte o avisa em sonhos. Um homem vivendo sua unilateralidade como o bem absoluto ou o mal absoluto é alguém que prejudica os demais e a si próprio com a sua incompletude. Quando conseguimos alertá-lo desses lados opostos e irreconciliáveis, precisamos de um ego forte para suportar a tensão até que transcenda para uma terceira condição completamente nova. Essa terceira condição é diferente de cada uma das duas outras originais, mas também contém, de algum modo, aquelas mesmas partes opostas entre si. Quando metade de nós mesmos não consegue amar, e essa condição pertence a outra metade à qual não conseguimos estar unidos, o objeto www.portalcienciaevida.com.br
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ENSINA A PSICOLOGIA DE C. G. JUNG QUE TODAS AS VEZES EM QUE O HOMEM SE ENCONTRA NUM DE SEUS EXTREMOS, SUA OUTRA PARTE O AVISA EM SONHOS
do nosso amor poderá nos fazer sentir confusão já que não estamos inteiros nesse ato. Uma metade luta com a outra, e apenas quando se ferem é que se torna possível, mediante tratamento, transcender esses opostos incompatíveis para tornarem-se unos e dignos dessa união. Descobrimos que nossa parte perdida estava projetada nos outros e era tracionada pela angústia da incompletude. Dessa forma, o papel do analista é costurar e unir o que antes existia separadamente.
O Visconde Partido ao Meio Autor: Ítalo Calvino Editora: Companhia das Letras Número de páginas: 104 www.portalcienciaevida.com.br
Sofremos com o drama de nos sentirmos inacabados. Sempre estamos por nos completar com alguma busca que muitas vezes aparece na forma de objetos ou atitudes irracionais diagnosticados como angústias existenciais. É o sofrimento da alma do homem sempre a buscar se completar com afazeres e atividades lúdicas, ou mesmo vícios, expressões imaginais do que o completa. Por outro lado, aqueles que se sentem completos talvez não sintam mais a necessidade de viver para buscar o que lhes falta. A nossa parte boa e a parte mesquinha nunca conseguem fazer ao outro algo virtuoso, porém a luta entre
esses dois lados é a esperança da inteireza. Somente o homem consciente de sua incompletude e em busca de se harmonizar com a natureza que o acolhe, e que ele chama de Deus, é que poderá tornar-se um indivíduo. Para aqueles que enxergaram a disputa de Hillary Clinton e Donald Trump como o discurso de um lado bom e civilizado contra um lado mau EPRIMITIVO EUCONVIDO OSAREmETIREM sobre o que existe de certeza no que vai ser e o quanto em nós mesmos aparecem esses dois lados disfarçados em sintomas ou modos de vida inapropriados à evolução do ser.
Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. [email protected] / www.ijba.com.br
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cinema
Por Dr. Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps
Respostas contraditórias entre arrepios e
/3%2)!$/BLACK MIRROR02/6/#! ).4%.3!3$)3#533%33/"2% 4%-!3!0!2%.4%-%.4% !02%3%.4!$/3%-5-&5452/ 028)-/ -!315%.!2%!,)$!$%*£ ./3!.'534)!-!45!,-%.4%
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rataremos aqui do episódio 4 da temporada mais atual, a terceira, porém recomendamos a série Black Mirror para ser assistida na íntegra. Cada episódio mostra de maneira INDEPENDENTEUMAHISTØRIACOMINÓCIO MEIOElM-ASELA se amarra e sempre deixa um gosto de “quero mais”. Essa temporada que foi disponibilizada há pouco tempo chegou ainda mais provocativa. Futuro e presente se fundem de uma forma realmente genial, e, segundo o que o criador dela tem declarado em entrevistas, parece SERESSAMESMASUAINTEN¥ÎO CAUSARARREPIOSEREmEXÎO Somos apresentados a duas ambições igualmente ansiadas, um sistema de saúde de cuidado integral que contempla a velhice com cuidados paliativos no sentido de dar qualidade de vida e minimizar o sofrimento; e a possibilidade de que, de alguma maneira, se tenha o recurso de driblar a morte ou tomá-la nas próprias mãos, além de deixar uma mensagem implícita no quanto de virtual tem o que chamamos de vivência, mas diferente do argumento de Matrix (1999/2003) das irmãs Wachowski, em San Junipero as escolhas pertencem à própria pessoa. O episódio que foi dirigido por Owen Harris e roteirizado por #HARLIE "ROOKER COME¥A NAQUELE ESTILO lLME ANOS JUVENTUDE E DIVERSÎO LIBERDADEELOCALDEVERANEIO!JOVEMTÓMIDA9ORKIE-Ackenzie Davis) leva o espectador a conhecer sua narrativa para em SEGUIDAENTRAREMCENAAhDESCOLADAv+ELLY'UGU-BATHA 2AW / encontro das duas trará ao episódio uma sensação de “fofura”, que www.portalcienciaevida.com.br www ww.po .porta porta po rtal talci lcienc lc ienciae en enc ncia n iae iae aevid id da.c a com a.com om br om. br
O encontro da jovem tímida Yorkie (Mackenzie Davis) e da descolada Kelly (Gugu Mbatha-Raw) dá um tom de “fofura” ao gênero de suspense da série
pouco tem a ver com o restante da série, que quase sempre cai para o suspense até com certo terror. Esse ponto fora da curva da série acaba se convertendo em uma gostosa surpresa. De forma bastante competente, introduz na relação que se forma entre Kelly E 9ORKIE UM AFETIVO HISTØRICO E UMA RElação daquilo que se costuma nomear COMOhSAIRDOARMÉRIOv OUSEJA ASSUMIR para si e para o entorno a orientação sexual diversa do que impõe como norma TODO O CONJUNTO SOCIAL ! CONVERSA QUE acontece entre as duas sobre essa questão, de como foi para cada uma perceber sua orientação homoafetiva e como foi sustentar isso em seus grupos sociais, é de uma delicadeza informativa, e leva mesmo o mais empedernido espectador a uma empatia com a história que será a condutora da trama.
IMAGENS: DIVULGAÇÃO
/3/.(/$!*56%.45$% /LUGARÏEFETIVAMENTEUMSONHO JÉ que é uma vivência compartilhada puramente mental, possibilitada por invenções tecnológicas que permitem criá-lo. .ESSAIMERSÎO+ELLYE9ORKIESÎOJOVENS e cheias de disposição para as aventuRASDAVIDA.ESSEPONTO ÏINTERESSANTE www.portalcienciaevida.com.br
¡).4%2%33!.4% /2/4%)2/4%2 %3#/,()$/%33% 2%#/24%$/3!./3 -!2#!$/30/25- £0)#%$%-5$!.! $%#/-0/24!-%.4/ !4¡$%3#!-"!2%- 5-2%42/#%33/ 02).#)0!,-%.4%0%,/ !0!2%#)-%.4/$! !)$3 15%-/$)&)#/5 /30!$2%33%85!)3 pensar que nos mecanismos dos sonhos muitos fazem com que o sonhador se VEJAANOSMAISJOVEMOUAINDACOMFORMASMODIlCADASQUECOMBINAMCOMO DESEJADO1UEMNUNCASEVIUEMUMSO-
nho com muitos anos a menos ou mais magro, mais atlético, mais encorpado, bronzeado etc.? Alguns pais sonham COMSEUSlLHOSCOMOBEBÐSOUCRIAN¥AS DEPOIS QUE ELES JÉ ESTÎO HÉ MUITO NA FASEADULTA4ERAJUVENTUDEDEVOLTANÎO ÏDEALGUMAMANEIRAUMDESEJOIMENSO DEUMAGRANDEPARCELAQUEJÉESTÉCOMA idade mais que madura? Outro ponto a pensarmos é no quanTOAPØSAJUVENTUDEUMSUJEITOPERMANEce muito parecido com o antes, apenas tendo seu corpo sofrido os impactos do envelhecimento, como dizem popularMENTE hPOR DENTRO AINDA Ï UM JOVEMv Esse episódio toca com encantamento nesse aspecto, como se fosse possível abrir na vida uma outra possibilidade de EXPERIÐNCIA.OSERIADOOTEMPOQUEPOdem experimentar isso é limitado, no estilo “embalos de sábado à noite”, e então aproveitam tudo que podem. É dada a possibilidade a alguns de que, depois de morrer, possam continuar para sempre em San Junipero. “Gostei, você é autêntica”, lança Kelly PARA 9ORKIE RECONHECENDO SUA SINGULAR lGURAFRENTEAOSOUTROSQUEVIVEMALIINtensamente em busca dos referenciais da MODA DOS ANOS ¡ INTERESSANTE O ROteiro ter escolhido esse recorte de temPO AlNAL FORAM ANOS MARCADOS POR UM ápice de mudança de comportamento, uma revolução que vinha das décadas de 60/70 até descambar em um retrocesso e fechamento principalmente pelo apareciMENTODA!IDS QUEMODIlCOUOSPADRÜES DEBUSCASEXUALAFETIVA1UEMFOIJOVEM NADÏCADADESABEDALIBERDADEIMENSA que se respirou em sua primeira metade e todo um declínio nisso que descamba nas décadas seguintes, produzindo gerações bem mais confusas em relação às escolhas que podem fazer, convivem em igual medição de forças com um movimento
Eduardo J. S. Honorato é psicólogo e psicanalista, doutor em Saúde da Criança e da Mulher. Denise Deschamps é psicóloga e psicanalista. Autores do livro GG Gd : Participam de palestras, cursos e workshops em empresas e universidades sobre este tema. Coordenam o site www.cinematerapia.psc.br
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GHGGI9 GÔHG IHG GGhÔG G que se forma entre Kelly e Yorkie
%33%%0)3$)/#/.4%-0,!!3!5$!$% 15%./3!42!6%33!./#/22%2$! 6)$!&2%.4%! #/-/$)2)!&2%5$ #/.34!4!§/$!).%6)4!"),)$!$% $!./33!%84).§/3%-15%/-5.$/ 6£0!2!20/2#/.4!$)33/ libertário e outro de extremo retrocesso. Kelly pontua isso ao dizer “as pessoas não são quadradonas como antigamenTEvCONTRA ARGUMENTANDOQUANDO9ORKIE CONTATERlCADOINCOMODADAPORESTAREM as duas dançando na pista e com isso sentir-se observada. 4ALVEZ ESSA NOSSA DÏCADA AGORA ESTEJA GRITANDO O CONmITO LATENTE QUE AS anteriores deixaram em aberto e que, por desventura, tenhamos evitado olhar com mais cuidado. Houve um looping em comportamentos afetivos e sociais. Alguma coisa disso restou no não entendido e sequer explicitado. É uma das possibilidades para tentarmos, quem sabe, entender a confusão que reina nos últimos tempos por todo o planeta, que movimenta uma onda conservadora e retrógrada que não pode se circunscrever a nenhum fenômeno puramente local, está por toda parte. Para uma parcela pare
p ps psique siqu q e cciência&vida iência iê iên ccia iaa&vid &vi &v &vi v da da
CEQUEOSANOSJAMAISACONTECERAM E podemos ter certeza de que aconteceram sim e com muita intensidade.
0/.4/&/2!$!#526! Aos poucos e com muita sutileza a história vai se revelando em seus detalhes, San Junipero e nossas duas personagens dão a conhecer os detalhes de suas vidas e daquele local. Emoção ascendente no encontro na vida real de +ELLY$ENISE"URSE E9ORKIE!NNABEL Davis), ambas condenadas à morte em tempo próximo, duas senhoras de idaDE JÉ BEM AVAN¥ADA QUE TRAZEM DENtro de si toda uma gama de intensas EMO¥ÜES 0ARA QUE O DESEJO DE 9ORKIE QUANTO A SUA MORTE SEJA RESPEITADO ELA iria se casar com seu enfermeiro Greg 2AYMOND -C!NALLY NÎO HAVIA ATÏ ENTÎOCOMOSAIRDOJUGODESUAFAMÓLIA que não pretendia deixar desligar seus
aparelhos. Passagem bela do episódio, avançamos algumas casas em direitos DECIDADANIAE+ELLYSECASACOM9ORKIE para atender seu pedido de morrer, embora continue com sua decisão de, após sua própria iminente morte, não aceitar a opção de San Junipero, diferente DE9ORKIE QUE COMSUAVIDAPOUCOOU nada aproveitada, estava decidida pela opção da continuidade. -UITOS QUE ESCREVERAM SOBRE ESSE EPISØDIO CRITICARAM NO JUSTAMENTE POR se apresentar como um ponto fora da curva do restante da série, até por isso MESMOESCOLHEMOSJUSTAMENTEELEPARA abordar essa série instigante, que traz em seus outros episódios das três temporadas provocações bem contundentes para fazer pensar na atualidade e para ONDE QUEREMOS IR ENQUANTO SUJEITOS DA HISTØRIA3AN*UNIPEROTALVEZSEJAORECAdo do criador da série de que no caos do mundo, na insensibilidade que nos atravessa, no frenesi que nos rouba da experiência, a ousadia e o vínculo amoroso possam nos salvar da angústia e do vazio, possam fazer de toda parafernália tecnológica não algo que esterilize o viver, mas ao contrário traga-lhe novas perspectivas e oportunidades de plenitude: “a vida é tão rara”. Abordando um tema que parece ser um ponto onde os retrógrados gostam de destilar sua ira, ENQUANTOOMUNDOCORAJOSAMENTEAVANça em ações de transformação. Foi diVULGADORECENTEMENTEPELO)"'%QUEO chamado “casamento gay” percentualmente em número cresceu muito mais DOQUEOSHETEROSNO"RASIL.OANODE 2015 foram realizadas 5.614 uniões segundo o instituto, isso devido em parte à nova lei que determina que todos os cartórios tenham que realizar ou mesmo converter a união civil em casamento de acordo com o pedido do casal.
42!/$%./34!,')! !JUVENTUDEMARCAASAUDADEQUEA vida adulta sempre alimentará; exemplos disso são aqueles encontros de turmas de colégio, clube, rua etc. De alguma ww www www.portalcienciaevida.com.br ww w w.po porta rttalci rtalci l ienc lcienc enciae ncia iaeevid iae id da.com a.ccom. om m brr
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maneira, essa fase de imensa potência deixará em todos um traço de nostalgia E DESEJO DE RETORNO 6ERDADE QUE Ï UM momento de muito vazio existencial e angústias sem nome, mas também possui um olhar de amplidão que a vida vai tratar mais adiante, enquadrar sem piedade. O roteiro desse episódio contempla essa saudade que nos atravessa no correr da vida e principalmente frente à, como diria Freud, decrepitude e a constatação da inevitabilidade da nossa extinção sem que o mundo vá parar por CONTADISSO$ESEJAMOSMORRERAONOSSO próprio modo, diria ainda o criador da Psicanálise, e San Junipero é o máximo da realização disso. Em entrevistas recentes o diretor do episódio disse que até há uma possibilidade de um spin-off JÉQUEESTEREALIZADO O lNAL MAIS ESPERAN¥OSO TERIA surpreendido os seguidores da série. Ele alerta para o fato de que, caso isso venha a ser feito, provavelmente CharLIE "ROOKER NÎO DARÉ DOIS lNAIS FELIZES para o episódio, então a surpresa talvez NÎOSEJAASSIMTÎOBEM VINDAPARAQUEM GOSTOU 1UESTIONA /WEN (ARRIS SE POderíamos realmente chamar o episódio de doce, que ele tende a vê-lo mais como um “agridoce”, porque a decisão de seguir vivendo administrando seus lutos, uma vez que como no caso de Kelly ela estaria sem seus amados por perto, não FOIUMAESCOLHAFÉCIL.ESSEASPECTOSERIAMESMOCOMOVIVERUMAOUTRAVIDA JÉ QUESABEMOSOQUANTOOlODOSAFETOSÏ ALGOQUENOSCONSTRØIEMNOSSATRAJETØria pelas experiências. Se aprofundarmos a discussão sobre San Junipero encontraremos então esse tema, o luto que é com toda certeza um dos trabalhos psíquicos que mais consoMEM O SUJEITO 3OBRE O TEMA A 0SICANÉlise se debruça com muita frequência, é levada a isso até mesmo porque a prática clínica nos mostra que em qualquer situação, quando aprofundado o tratamento, lá estará de alguma maneira o trabalho DEDESVINCULA¥ÎODEALGUMOBJETOPERDIDO OUSEJA DEUMLUTO www.portalcienciaevida.com.br
O enredo condutor da trama mostra como foi sustentar a percepção da orientação homoafetiva nos grupos sociais das protagonistas. Yorkie luta contra a angústia que isso costumeiramente provoca nela
/,54/¡5-4%-!3/"2%/15!, !03)#!.£,)3%3%$%"25!#/-&2%15º.#)! %5-$/342!"!,(/303°15)#/315% -!)3#/.3/-%-/35*%)4/ .OEPISØDIOSÎODUASVIVÐNCIASABSOlutamente diferentes que encontraremos, uma que foi capaz de fazer suas escolhas e lidar com suas perdas ao fazê-las, Kelly; e outra que foi impedida de viver o que DESEJAVA POR UMA ESCOLHA EM SEGUIR OS parâmetros de uma família opressora e repressiva, o que poderíamos ver como duas opções bem básicas que qualquer SUJEITOENFRENTAEMSUAVIDA RESPONSABIlizar-se por suas experiências ou deitá-las nas mãos de todo um regramento. 3AN*UNIPERO +ELLYE9ORKIENOSCHAmam a pensar no evidente fato de que a
vida tem um prazo de validade, que luTAMOS INTERNAMENTE ENTRE O DESEJO DE enlaçar mais vínculos e de cessar de vez com a morte a angústia que isso costumeiramente provoca. Kelly é bem pontual quanto a isso quando em uma discusSÎO COM 9ORKIE FALA DE SEUS MAIS DE anos de casamento e da relação com sua lLHA DETUDOQUESEENFRENTAPARAQUEOS importantes vínculos permaneçam irriGADOSDEAFETO4ALVEZAÓ NESSASEQUÐNCIA do episódio, de forma sutil, se toque nos ARREPIOSMAISINTENSOSDOSUJEITODOSVÓNculos, bem ao estilo de Black Mirror.
Título Black Mirror -G>* G9 hÔdG.GIH%GH 0H%G#G%G1G $$%1 *#G 9 "ÈdGG! IhÔ ^IG. 9+G^ * /
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CONCEITO
NOVOS (e vazios) DESAFIOS da Psicanálise Em função da nova realidade social, a prática na clínica aponta para um profissional que não tenha o perfil de dono da verdade, pois a necessidade obriga uma postura interrogativa
É
inegável a mudança que o tratamento analítico sofreu ao longo dos anos desde sua função pelo pioneirismo de Sigmund Freud. Do início do século XX até hoje, a Psicanálise tem evoluído junto com as necessidades culturais e humanas e de acordo com os novos paradigmas do século XXI. O analista desceu do salto. Não mais lhe cabe exibir o seu pomposo 70
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Por Roney A. Moraes emblema de sujeito do suposto saber, o famoso “s.s.s.” lacaniano. Não é papel do analista ditar a verdade definitiva. Até porque não a possui. Ninguém é dono da razão, mas, sim, cheio de incertezas, e o psicanalista não foge à regra. Hoje, o psicanalista, frente às novas fronteiras clínicas e sociais, deve adotar uma postura interrogativa. Simpatias ou dogmatismo por escolas à parte... Na transmissão, princi-
palmente, tudo pode ser dito, mas nada pode ser afirmado. Sob pena de propor uma psicoterapia “uma”, quando as problematizações são “múltiplas”. É possível ficar à vontade para subverter certas teorias, porque para o filósofo Derrida “escrever é retirar-se. Não para sua tenda para escrever, mas da sua própria escritura. Cair longe da sua linguagem, emancipá-la ou desampará-la, deixá-la caminhar sozinha e deswww.portalcienciaevida.com.br
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munida”. E, para isso, os ingredientes, mesmo que aparentemente tabelados, podem cumprir diferentes funções degustativas no paladar de cada leitor. Seja ele analista ou analisando. Quanto aos pacientes, é comum, na clínica de hoje, uma alta incidência de sujeitos com um sentimento de baixa autoestima e toxicomania. Também há os quadros de sujeitos altamente estressados. Contudo, as patologias clássicas também aparecem (neuroses fóbicas, por exemplo). Entretanto, somos tomados a estudar um fenômeno relativamente recente: a patologia do vazio. Segundo o psicanalista David E. Zimerman, a queixa inicial desses pacientes postulantes à análise recai frequentemente em uma angústia existencial quanto à validade da existência em si. Zimerman também diz que nos pacientes que sofrem da “patologia do vazio”, o eixo do sofrimento não gira tanto em torno dos clássicos conf litos resultantes do embate entre pulsões e defesas. “O giro se faz predominantemente em torno das carências, provenientes das faltas e falhas que se instalaram nos primórdios do desenvolvimento emocional primitivo e determinaram a formação de vazios no ego, verdadeiros “buracos negros” à espera de serem preenchidos pela figura do psicanalista, o que poderá ser feito por meio de sua função psicanalítica.” Quem procura tratamento psicanalítico, hoje, apresenta, em boa parte, uma tendência para a busca de soluções mais rápidas e, alegando razões econômicas reais – porque de fato o poder aquisitivo baixou –, insiste em ter um menor número de sessões semanais, além de duração mais curta da análise.
Quem procura tratamento psicanalítico, hoje, apresenta uma tendência para a busca de soluções mais rápidas e, alegando razões econômicas reais, insiste em ter um menor número de sessões semanais, além de duração mais curta da análise Adicionada ao sucesso dos medicamentos milagrosos ocorre uma perigosa confusão entre muitos pacientes e psicoterapeutas de outras linhas e métodos teóricos. Alguns, e não me furto em falar de analistas também, agem como se fossem resolver todos os problemas humanos sem encaminhamento para possíveis profissionais mais adequados àquela demanda.
Eficácia do método
O
prejuízo para o paciente é incalculável e, para o analista, indissolúvel. É preciso aprender mais sobre as novas formas de se fazer análise, pois, mais do que nunca, a Psicanálise está em evidência e isso tem um preço: o da eficácia do método. A sociedade contemporânea dissemina o vazio e a solidão. Basta observar
Roney A. Moraes é psicanalista; Especialista em Saúde Mental e Dependência Química; Mestre em ! G G Ôe+ I G::IeG + IGP + eG G GG G IG! GG 0 ` GIGe(H G GI GhÔ+ IGG^ IG G ^ -Ge G + GHRIGG G e(H GIG GGI 'G':
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Modernidade líquida O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é considerado um dos principais pensadores da modernidade, alvo de suas reflexões mais frequentes, entre elas a famosa definição do conceito de liquidez. Analista dos fatos cotidianos, Bauman é dono de uma vasta obra literária a respeito de temas contemporâneos, com destaque para o livro Amor Líquido, que busca compreender as relações afetivas no mundo atual.
as inovações tecnológicas, por exemplo. As últimas novidades de celulares de hoje não sobreviverão até a próxima estação, já serão ultrapassadas por modelos mais “completos” que acumularão mais funções e terão uma vida útil reduzida na mesma medida. Da mesma maneira, ou com a mesma lógica, funcionam os relacionamentos. Como aponta o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu livro Amor Líquido, as relações amorosas da atualidade seguem o princípio da satisfação – como se prega no comércio em geral –, em que para permanecer com alguém é preciso ter nossas necessidades satisfeitas plenamente. Com isso, o esvaziamento é constante, tanto dos produtos quanto das pessoas, e a Psicanálise se defronta cada vez mais com um mal-estar, cuja incidência nos consultórios aumenta. Não se trata de uma ocorrência inusitada, pois Freud, em 1926, já citava esse tipo de paciente portador de uma angústia automática e desamparo. A contemporaneidade e seus impactos contribuem para o surgimento de um número maior dessas pessoas, as quais pertencem a um grupo psicopatológico que denominamos de portadores de patologia do desvalimento. psique ciência&vida
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CONCEITO PARA SABER MAIS
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H
PGI G IGhÔ settingGG^ I: G GhGG necessária para acolher a nova subjetividade que emerge nesses tempos de pÔGÔ Go:)G p+ IG G IGG^ IGIËGd I^ IG G o9G"+GIIGI G(GI\ GIG \ hÔ IG GG G9 9 I I IG G GI setting ^GGGGP GI : G GÔG IP I9 \9 G GHGGG ÈI GGGG9 G9G GGIP I9G GHGG GGGh G G GGG G:- G9Ô9GGGG GGG G G
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Volatilidade
A
modernidade líquida é o conjunto de relações, ações e operações que dá base para a contemporaneidade. É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. Os referenciais morais da época anterior (segundo Bauman, modernidade sólida) são retirados de cena para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade. De acordo com o colunista Vinicius Siqueira, em seu trabalho sobre Bauman publicado no site Colunas Tortas, as relações de trabalho cada vez mais se desgastam, e a própria esfera do trabalho cada vez mais vira um campo fluido desregulamentado. Então, empregos temporários, meia jornada, empregos em que as relações de empregado-empregador são constituídas somente pelos dois (como os trabalhadores que são Pessoa Jurídica) tornam-se situações fáceis de observar e consideradas legítimas pela sociedade. Nisso, emerge a figura do desempregado crônico. “Nas relações pessoais, as conexões predominam. Conexão é o termo que 72
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Zygmunt Bauman usa para descrever as relações frágeis. A grande sacada desta palavra envolve a noção de que, em uma conexão, a vantagem não está só em ter várias conexões, mas, principalmente, em conseguir desconectar sem grandes perdas ou custos. A relação frágil tem como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento eles (os humanos) podem ser excluídos”, descreve Vinicius. Para ele, o sociólogo diz que a conexão é frágil porque o sujeito líquido lida com um mundo de consumo e opções, mas esse mundo nunca é objetivo e frio, ele ainda causa frustrações e, como já dito, insegurança.
“O sujeito líquido não tem mais referenciais de ação: toda a autoridade de referência é colocada em si e é sua responsabilidade construir ou escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo fosse uma questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de preferência, nenhuma desvantagem”, revela. Essa era é também reconhecida como sociedade de consumo, era da imagem, sociedade do espetáculo, era do vazio, ou do homem light.
Patologias
P
G9 GI GG para pessoas que apresentam um sentimento de baixa autoestima, toxicomania e quadros altamente estressados
ara David E. Zimerman, na atualidade está sendo bastante valorizado um novo paradigma: os déficits-vazios, ou seja, a formação de verdadeiros “buracos negros” psíquicos decorrentes das falhas primordiais no decurso do desenvolvimento emocional primitivo, do que resulta uma grande demanda de pacientes portadores do que se denomina “patologia do vazio”, os quais, acima de tudo, ficam à espera de que o analista consiga preencher tais vazios. www.portalcienciaevida.com.br
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Zygmunt Bauman (sociólogo polonês nascido em 1925) popularizou o conceito de modernidade líquida, que é a época atual em que vivemos. Seria esse conceito um dos sintomas sociais para as patologias do vazio?
Adicionada ao sucesso dos medicamentos milagrosos ocorre uma perigosa confusão entre muitos pacientes e psicoterapeutas de outras linhas e métodos teóricos. Alguns agem como se fossem resolver todos os problemas humanos
MOMENTO DO LIVRO
NO DIRECTION HOME
BOB DYLAN A mais completa biografia do artista
Centenas de livros foram publicados sobre %RE '\ODQ PDV HVWH p R ~QLFR HVFULWR FRP a cooperação do biografado. Robert Shelton teve acesso exclusivo aos familiares e amigos bem próximos de Dylan, algo que nenhum
outro jornalista conseguiu. Finalmente, depois de 20 anos de muita pesquisa, No Direction Home foi publicado pela primeira vez em 1986 HDFODPDGRFRPRELRJUDÀDHVVHQFLDOGHVVHJrnio de temperamento difícil, mas apaixonante. $ HGLWRUD /DIRQWH UHODQoD HVVD ELRJUDÀD num momento em que Bob Dylan ganha o 3UrPLR 1REHO GH /LWHUDWXUD ´SRU WHU criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição norte-americana da canção”, segundo a secretária permanente da Academia 6XHFDUHVSRQViYHOSHODSUHPLDomRGR1REHO Sara Danius. Se a Academia surpreendeu ao FRQFHGHU R 3UrPLR 1REHO D XP FRPSRVLWRU aqueles que conhecem a obra de Dylan sabem o quanto de poesia e literatura ela carrega. ´2 UHFRQKHFLPHQWR GR 1REHO j VXD P~VLFD entendida como um organismo vivo no qual as letras são o corpo sobre o qual se apoia o resto, é portanto algo histórico”, escreveu FerQDQGR1DYDUURQREl País. 'HVIUXWHGHVWDELRJUDÀD
Livro: EŽĚŝƌĞĐƟŽŶŚŽŵĞͲ ǀŝĚĂĞĂŵƷƐŝĐĂĚĞŽďLJůĂŶ Número de páginas: 788 Editora: Lafonte
BOB D YLAN Prêmio
NOBE L
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“Ei, eu recusei todos os pedidos. E estou lhe dando todo o apoio. Eu estou confiando em você para trilhar este caminho comigo.”
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Bob Dylan
PERlL
Por Anderson Zenidarci O jovem Hughes em 1912
H Howard Hughes em frente ao seu novo Boeing Army Pursuit Plano, na década de 1940
Do CÉU ao INFERNO HOWARD HUGHES NÃO SE AMEDRONTAVA EM SER PILOTO EM VOO EXPERIMENTAL DE IMENSOS AVIÕES, MAS SUCUMBIU ÀS “AMEAÇAS” CRIADAS POR MINÚSCULOS GERMES 74
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oward Robard Hughes Junior foi um aviador, construtor de AVIÜES INDUSTRIAL PRODUTOR E diretor de cinema e um dos homens mais ricos do mundo. Ficou faMOSOAOQUEBRARORECORDEMUNDIALDE VELOCIDADEEMUMAVIÎO&OIMUITOBELO SEDUTOR E ELEGANTE .ASCEU NA VÏSPERA DE .ATAL DE NÎO GOSTAVA DA DATA POISNÎOTINHAFESTADEANIVERSARIOSEM PAREAREMCOMO.ATAL#OMOESTUDANTE APRESENTA UM INTERESSE ESPECIAL POR matemática, voo e mecânica. Cresceu FORTEMENTE INmUENCIADO E SUPERPROTEGIDO POR SUA MÎE !LLENE (UGHES QUE apresentava misofobia (medo de germes e de contágios de enfermidades). Por CONTA DISSO TRATAVA DE ISOLAR SEU lLHO de todos os germes ambientais. Assim, O MENINO CRESCEU COM UMA PERCEP¥ÎO HOSTILEPERIGOSADOMUNDOEXTERIOR.A ADOLESCÐNCIA (UGHES TEVE UMA PARALISIAElCOUMESESSEMANDAR TENDOSIDO DIAGNOSTICADO COMO CAUSA PSICOLØGICA (hoje denominada transtorno histriÙNICO /S MÏDICOS NÎO ENCONTRARAM CAUSAS ORGÊNICAS !PØS lCAR ØRFÎO FOI DECLARADO UM MENOR EMANCIPADO E TOMOU O CONTROLE DA COMPANHIA DO SEU PAI AOSANOS ESTIMADAEMMILHÎO DEDØLARES$EVIDOÌSUACRIA¥ÎOISOLADA TINHAPOUCOSAMIGOS ERADESCONlADOE EXAGERADAMENTE PREOCUPADO COM SUA PRØPRIA SAÞDE &OI DIAGNOSTICADO COMO www.portalcienciaevida.com.br
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HUGHES TINHA TOC E DESENCADEOU UMA FOBIA SOCIAL SEVERA. NÃO TINHA CONTATO FÍSICO COM AS PESSOAS. ELAS ERAM PROIBIDAS DE FALAR OU OLHAR PARA ELE portador de TOC (transtorno obsessivo COMPULSIVO %LABOROU PROCEDIMENTOS RÓGIDOSERITUALÓSTICOSDEHIGIENEAOSSEUS FUNCIONÉRIOS QUE INCLUÓAM LAVAREM AS MÎOS DEZENAS DE VEZES NO DIA USAREM LUVAS MÉSCARASEGUARDANAPOSDEPAPEL AOLHESERVIRALIMENTOS%MABANDONOUAUNIVERSIDADE CASOU SECOM%LLA Rice e juntos mudaram-se de Houston PARA (OLLYWOOD ONDE PRETENDIA PRODUZIRlLMES PORÏMOCASAMENTODUROU SOMENTEATÏ (OWARD SEMPRE TEVE UMA PAIXÎO POR AVIÜES !LÏM DE PILOTAR APRENDEU SOZINHO SOBRE ENGENHARIA E PROJETOU E CONSTRUIU VÉRIOS MODELOS DE AVIÜES *É ERARICOElCOUMUITOPOPULAREFAMOSO 3OFREUACIDENTESAOTESTAROSPROTØTIPOS DOSAVIÜESQUEPROJETAVA.ÎOAPRESENTAVAMEDOEDESAlAVASEUSLIMITES%MBORARESTRITONOSCONTATOSFÓSICOS SUAVIDA SENTIMENTAL FOI BASTANTE AGITADA TENDO RELA¥ÜESAMOROSASCOMINÞMERASESTRELAS DE (OLLYWOOD COMO !VA 'ARDNER Katherine Hepburn, Ginger Rogers, "ETTE $AVIS 4ERRY -OORE /LIVIA DE (AVILLAND *EAN(ARLOW ,ORETTA9OUNG Lana Turner. Casou, e divorciou, com A ATRIZ *EAN 0ETERS %LE NÎO TEVE lLHOS -ASESSEGLAMOURCAMUmAVAOSEUDESEQUILÓBRIOPSICOEMOCIONAL %M (UGHESAGRAVOUSEU4/# ECOME¥OUAEXIBIRCOMPORTAMENTOSBIZARROSEALARMANTES!FOBIAAOSGERMES DESENCADEOU UMA FOBIA SOCIAL SEVERA .ÎOTINHACONTATOFÓSICOCOMASPESSOAS%LASERAMPROIBIDASDEFALAROUOLHAR PARAELE%PISØDIOSDETOTALISOLAMENTO SEM SAIR DO AMBIENTE QUARTO ESTÞDIO ETC SETORNARAMROTINA5MADASVEZES lCOUNOQUARTOESCURODOESTÞDIO SEM sair, por mais de quatro meses. Comia APENAS BARRAS DE CHOCOLATE FRANGO E BEBIA SØ LEITE DEPOIS URINAVA EM GARRAFASERECIPIENTESVAZIOSENÎODEIXAVA www.portalcienciaevida.com.br
QUE FOSSEM RETIRADOS DO LOCAL %STAVA CERCADO POR DEZENAS DE CAIXAS QUE ELE DIARIAMENTEARRUMAVAVÉRIASVEZES/UTRA VEZ TORNOU SE OBCECADO COM O lLme Estação Polar Zebra e, de acordo com SEUSASSESSORES ASSISTIUVEZESSEGUIda. Tornou-se dependente das drogas, ENTRE AS QUAIS CODEÓNA ORIGINALMENTE RECEITADAPARAOALÓVIODADORDASLESÜES SOFRIDAS NOS DESASTRES DE AVIÎO OCORRIDOSANOSANTES E6ALIUM%MOUTROISOLAMENTOlCOUSENTADOEMUMACADEIRA a maior parte do tempo nu, continuaMENTE ASSISTINDO A lLMES 3UA HIGIENE PESSOAL TORNOU SE INEXISTENTE n ELE NÎO TOMAVABANHONEMCORTAVAOCABELOEAS unhas por meses, embora isso possa ter SIDODEVIDOÌALODINIARESPOSTADEDORA ESTÓMULOSQUENORMALMENTENÎOCAUSARIAMDOR %TAMBÏMPORACREDITARQUE A ÉGUA PODERIA TRAZER GERMES MORTAIS 3EUCOMPORTAMENTOERACADAVEZMAIS IRRACIONAL E SUA SAÞDE FÓSICA TORNOU SE PRECÉRIA %M UMA DAS RARAS VEZES QUE PERMITIUSERVISTO OMÏDICOQUEOEXAMINOUCOMLUVASEMÉSCARA COMPAROU SUA SITUA¥ÎO Ì DOS PRISIONEIROS QUE TINHA VISTO EM CAMPOS DE CONCENTRA¥ÎO JAPONESESDURANTEA'UERRA-UNDIAL %XTREMAMENTEMAGRO MUITOSUJO DESIDRATADOEANÐMICO%LESERECUSAVAA QUALQUER TIPO DE TRATAMENTO OU INTERVEN¥ÎO-AISNOlNALDESUAVIDA TINHA OCABELOCORTADOEASUNHASAPARADAS APENAS UMA VEZ POR ANO MUITO PELA EVITA¥ÎODOTOQUEEMEDODECONTÉGIOS PORMAISPARADOXOQUEPOSSAPARECER COM SUA TOTAL FALTA DE HIGIENE /UTRA HIPØTESE LEVANTADA PELOS SEUS BIØGRA-
Poster do longa Hell’s Angels, considerado o G IG G\Ô:hG de cerca de US$ 3,8 milhões, conjugou as G #I GGG GhÔ
FOS PARAESSEFATODENÎOSEHIGIENIZAR Ï QUE SE RECUSAVA AO TOQUE DEVIDO Ì DOR CAUSADA PELA 3$2# SÓNDROME DE DOR REGIONAL COMPLEXA QUE Ï CARACTERIZADA POR FORTE DOR E SENSIBILIDADE CUTÊNEAAESTÓMULOSMÓNIMOS(IPØTESE BASEADA NOS ESTUDOS DOS RELATOS DE SUAS QUEIXAS -AS A GRANDE PATOLOGIA que o acometeu e que desencadeou toDASASOUTRASFOIAPSÓQUICA (UGHES PASSOU O ÞLTIMO PERÓODO DASUAVIDANO-ÏXICO FÓSICAEMENTALMENTE DOENTE E ABSOLUTAMENTE SOZINHO NO MUNDO SE NÎO CONTARMOS COM OS g uarda-costas que o acompanhavam. -ORREUAOSANOS DEPARADACARDÓACA EMPLENOVOODO-ÏXICOPARAOS%5! onde seria internado para tratamento. %STAVAIRRECONHECÓVEL LONGEDOHOMEM QUE ESTAMPAVA AS CAPAS DOS TABLOIDES COMOUMACELEBRIDADE
Anderson Zenidarci é mestre em Psicologia pela PUC-SP, supervisor e palestrante. Coordenador e professor do curso de Especialização em Transtornos e Patologias Psíquicas pela Facis, professor de pós-graduação no curso de Psicologia de Saúde Hospitalar na PUC-SP. Atua há mais de 30 anos em atendimento clínico em diversos segmentos da Psicologia, com especial dedicação à psicossomática, transtornos e patologias psíquicas.
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ESTUDO DE CASO
RESILIÊNCIA:
entre a expectativa e a realidade Momentos difíceis, por piores que sejam, podem ser encarados por meio de inúmeras reações e maneiras de enfrentamento, com o objetivo de retomar o autodesenvolvimento a partir de novos aprendizados Por Amanda Oliveira
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Amanda Oliveira é psicóloga, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pelo Mackenzie e extensão em Práticas Psicoeducativas em Instituições e Comunidades pela PUC COGEAE. Master coach formada pelo Instituto G GI 9 I IGh$GI G ECA (European Coaching Association), GCC (Global Coaching Community) e ICI (International Association of Coaching Institute). Autora do livro O Grito que Ninguém Ouviu (Editora Novo Século) e coautora dos livros Coaching nas Empresas – Estratégias de Coaching para o Ambiente Corporativo e Por que Sou Coach? (ambos da Editora IBC).
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o longo da vida, muitas pessoas passam por situações que são consideradas adversas, como perda de entes queridos, adoecimentos, conflitos com pessoas que amamos, desemprego ou até a violência, seja ela psicológica ou física. Quando observamos os indivíduos nos momentos difíceis de suas vidas, é possível perceber que as reações e formas de enfrentamento são diversas, pois há os que conseguem retomar o autodesenvolvimento, a partir de novos aprendizados, e aqueles que não conseguem seguir adiante sem arrastar as correntes que os mantêm presos aos fantasmas de um passado que só traz dor e pesar. Esse mecanismo de enfrentamento das adversidades é o que se chama de resiliência. A resiliência é um termo originado da Física e da Engenharia, que se refere à capacidade que um corpo apresenta de retornar à sua forma original após ter sido submetido a uma deformação elástica. Quando a Psicologia passou a empregar esse termo, ela o adaptou dizendo que a resiliência é a capacidade de uma pessoa desenvolver-se a partir da ressignificação de uma adversidade, ou seja, ela não voltaria ao estado original, mas minimizaria os danos causados pelo fato traumático (Yunes; Szymanski, 2001; Ungar, 2004). Esse termo, ao ser interpretado e julgado pelo senso comum, passa a significar que se a pessoa não esquecer completamente os fatos ruins que aconteceram em sua vida, e passar a viver como se tudo fosse apenas aprendizado e a extrair somente as coisas positivas daquela experiência, ela não é resiliente e, provavelmente, está sofrendo porque não está www.portalcienciaevida.com.br
se esforçando o suficiente para melhorar sua vida. Quem nunca ouviu esse tipo de cobrança? Todos, obviamente.
Experiência pessoal
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os 19 anos eu fui vítima de violência urbana, fui baleada durante um assalto, e esse fato me trouxe sequelas físicas, emocionais e psicológicas que viraram meu mundo de cabeça para baixo. Eu não sabia lidar com nenhuma daquelas emoções e sentimentos intensos que experimentava, tampouco conseguia organizar minhas ideias. Então,
parecia que só eu estava sofrendo com aquilo, realmente poderia ser besteira. Afinal, não tinha acontecido nada demais, eu só tinha levado um tiro em um assalto e ficado com sequelas. Isso acontece com milhares de pessoas por aí e o tempo todo, então, deve ser normal. Eu me esforcei para pensar assim e seguir os conselhos que me eram dados, mas percebi que pensar dessa maneira era muito fácil na teoria, mas, na prática, superar e agir como se tudo fosse muito normal e estivesse tudo bem não eram nada fácil.
No auge do desespero, busquei o apoio das pessoas do meu convívio, tentando conversar com elas para dividir um pouco aquele peso que eu carregava, na esperança de que alguém me dissesse o que fazer com aquilo tudo no auge do desespero, busquei o apoio das pessoas do meu convívio, tentando conversar com elas para dividir um pouco aquele peso que eu carregava, na esperança de que alguém me dissesse o que fazer com aquilo tudo. Sabia que ninguém resolveria os meus conflitos internos, queria apenas perceber empatia em quem me ouvia, saber que me entendiam, mas isso não aconteceu. Todas as vezes em que tentava contar o que ia dentro de mim, eu escutava que deveria esquecer tudo aquilo, que tinha que ser forte e não deveria me deixar abater, afinal tudo já havia passado e que agora era “bola pra frente”. Disseram-me também que ficar falando naquele assunto ou lembrando não ia me ajudar, pois o importante era que eu estava viva e que eu deveria agradecer a Deus e parar de me lamentar, já que muitas pessoas não tinham a mesma sorte que eu. Aqueles conselhos, vindos de tantas pessoas, me fizeram questionar se eu não estava dando importância demais para um fato tão banal, pois, como
Mesmo concluindo isso, a exigência de estar sempre bem ainda me perseguia. Eu me esforçava para mostrar ao mundo que havia superado tudo e sempre que tocavam no assunto eu até fazia piadas. Isso era o que esperavam de mim, já que além de forte eu era estudante de Psicologia e, por isso, não tinha o direito de me deprimir ou de sentir raiva, pois que tipo de psicóloga eu seria se não superasse tudo com maestria?
Significado da superação
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a frente das pessoas, eu tentava corresponder a todas as expectativas, mas quando eu estava só comigo mesma percebia que a realidade não era igual. Mesmo assim, mentia para mim e escondia toda a minha dor, toda a minha confusão emocional, já que era menos difícil quando não tinha que olhar para elas. Afinal, como me diziam, eu era forte e isso significava que não podia lembrar ou me lamentar. Passei longos anos da minha vida agindo como queriam que eu fizesse, mas isso não funcionou, e a cada dia que psique ciência&vida
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ESTUDO DE CASO PARA SABER MAIS
PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA PSICÓLOGA
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lgumas pessoas iniciam o curso de Psicologia acreditando que com isso estarão imunes a problemas psicológicos e que conseguirão passar ilesos pelas peças que a vida nos prega de vez em quando. Embora eu nunca tivesse essa expectativa, tudo o que vivi me faz acreditar que essa crença é uma ilusão. Ser estudante de Psicologia e estudar muito não me livraram de um transtorno de estresse pós-traumático, e ser psicóloga não anulou meu sofrimento psíquico, pois o ser humano não é lógico, tão pouco previsível. Somos tão complexos que em muitos momentos somos incapazes de nos erguer sozinhos, e reconhecer que nossa condição humana implica na não existência da autossuficiência nos permite buscar ajuda. Ser psicóloga não acelerou meu processo de ressignificação. No entanto, toda a minha história, principalmente os momentos que mais me fragilizaram, com certeza contribuiu com o meu constante desenvolvimento e crescimento profissional, pois acredito que a experiência de vida nos capacita muito mais do que a teoria.
passava eu estava mais mergulhada no inferno que habitava dentro de mim. E sem perceber passei apenas a existir, pois eu não vivia mais. Até que um dia, no auge da solidão e do desespero de um caminhar sem rumo, eu olhei para mim, apática como um robô, e me perguntei o que eu estava fazendo comigo. Por que eu criticava tanto as pessoas que não me ajudavam se estava agindo como elas? Perguntei-me o que eu estava fazendo para me ajudar e estarrecida percebi que não estava fazendo nada. Aquele diálogo comigo mesma, de alguma forma, me ajudou a despertar. Então, a partir dali, eu prometi que não me abandonaria mais e que de algum jeito tudo ficaria bem novamente. O primeiro e mais importante passo foi admitir que eu não estava bem, que precisava de ajuda profissional e que a minha dor não era banal como os otimistas de plantão sempre me fizeram acreditar. Então, comecei a fazer terapia e a me consultar com um psiquiatra. Claro que ouvi de muitas pessoas que eu não devia tomar o remédio que me foi prescrito, pois era para gente louca e eu não era assim. No início eu não contei para ninguém que estava fazendo o tratamento, pois sabia que as pessoas di78
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riam que eu não era resiliente, e eu não queria perder essa imagem perante todos. Mas, com o passar do tempo, passei a não me importar com a opinião alheia. O processo de terapia foi muito importante, mas foi durante as formações de coaching que eu pude ressignificar o impacto que aquelas adversidades tiveram sobre mim, talvez porque naquele momento eu realmente estivesse disposta a olhar para dentro e encarar
Coaching O termo coaching indica uma atividade de formação pessoal em que um instrutor (coach) ajuda o seu cliente (coachee) a evoluir em alguma área da sua vida. Pode ser definido com uma soma de recursos que usa técnicas, ferramentas e conhecimentos de inúmeras áreas, como administração, gestão de pessoas, Psicologia, Neurociência, recursos humanos, planejamento estratégico, objetivando a conquista de resultados efetivos dentro de qualquer contexto, profissional ou pessoal.
Os conselhos, vindos de tantas pessoas, me fizeram questionar se eu não estava dando importância demais para um fato tão banal, pois como parecia que só eu estava sofrendo com aquilo, realmente poderia ser besteira tudo o que eu estava escondendo. Além disso, durante a formação havia diversas pessoas passando por processos de autodescoberta e ressignificação, e ali tudo o que eu sentia não era banal. Talvez isso tenha me encorajado a me abrir. Durante aquele curso, quando a opinião dos outros sobre a minha saúde emocional e psicológica passou a não ter tanta importância, comecei a pensar em como havia me negligenciado para me sentir “normal” e, consequentemente, a me perguntar: Quem determinou que eu não posso ter raiva depois de ser baleada em um assalto? Quem disse que eu não posso ter medo ao sair na rua? Por que chorar é sinal de fraqueza? Por que as pessoas sempre dizem frases prontas de um otimismo que talvez nem elas sintam, como “veja o lado positivo”, “não fica assim” ou “pare de chorar e esqueça isso”? Por que não posso chorar até não ter mais vontade? Ou, ainda, quem determinou que só é resiliente aquele que não se deixa abater? Afinal, nunca li uma definição de resiliência que dissesse tratar-se de um rótulo para pessoas com capacidade de esquecimento e de embotamento afetivo. Então, tomei uma decisão importante. Decidi aceitar que eu não estava www.portalcienciaevida.com.br
bem, que as feridas causadas naquele episódio da minha vida ainda sangravam e que, por isso, eu poderia chorar o quanto quisesse, poderia sentir raiva, querer ficar sozinha por alguns instantes e me poupar de pessoas que, mesmo sem saber ou ter a intenção, banalizavam o meu sofrimento com o seu discurso. Tal como um mochileiro, que após uma longa caminhada precisa tirar a mochila das costas e descansar um pouco para depois ter energia para prosseguir, eu passei a fazer igual, e funcionou para mim. Quando eu finalmente aceitei minhas limitações e tive a coragem de sentar lado a lado com meus fantasmas, olhar para eles para conhecê-los melhor e entender que fazem parte de mim e da minha história, uma vez que somos seres completos formados por luzes e sombras, eu me permiti aprender com todas as adversidades e me desenvolvi a partir delas. Depois do lançamento do meu livro, O Grito que Ninguém Ouviu, onde conto sobre a minha história com riqueza de detalhes, muitas pessoas me perguntam
)G+ I G9G ÈI G GIGIGGI G GG G G provocados pela ocorrência traumática
Eu finalmente aceitei minhas limitações e tive a coragem de sentar lado a lado com os meus fantasmas, olhar para eles para conhecê-los melhor e entender que fazem parte de mim e da minha história, uma vez que somos seres completos PARA SABER MAIS
LIVRO MOSTRA QUE É POSSÍVEL RECONSTRUIR A VIDA
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ma jovem estudante de Psicologia, residente na zona leste da capital paulista, que trabalha, estuda e participa de trabalhos voluntários. Durante um sábado, aparentemente igual aos outros, ela acaba sendo vítima de um assalto próximo à sua casa. Durante a ocorrência, é baleada. Um tiro que mudou sua vida. Após esse dia, sua saúde jamais foi a mesma. Aqui está o ponto de partida para a história de Amanda Oliveira, retratada no livro O Grito que Ninguém Ouviu – Uma História Real de Superação. Além do trauma pelo que sofreu, devido às consequências do ato de violência, uma coisa chamou muito a atenção da autora: nenhuma das pessoas que passavam pelo local quis prestar socorro, deixando Amanda estirada e ferida na calçada. Quando chegou ao hospital foi maltratada, inclusive pelos médicos. Ao receber alta, e sem estar recuperada, internou-se em outro hospital. Lá, descobriu que precisaria se submeter a uma nova cirurgia. Daí em diante, a vida de Amanda se transformou em uma luta diária, deixando marcas visíveis e invisíveis. A obra tenta ajudar as pessoas a entenderem que quem passa por um trauma grande, às vezes, só precisa de carinho e atenção. O objetivo do livro não é oferecer um manual de como superar adversidades, mas, sim, revelar que é possível reconstruir a vida, mesmo quando tudo parece estar perdido.
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se eu superei tudo o que aconteceu comigo, e a minha resposta é que depende do que ela entende por superação. Se superação significar ter esquecido completamente, não sentir mais nada sobre esse episódio e viver como se nada tivesse acontecido, eu afirmo que não superei. Mas, se para você superação tiver o mesmo significado que tem para mim, que é se permitir sentir raiva ou tristeza e lembrar os fatos que causaram dor quando achar necessário, mas continuar aprendendo e vivendo sem deixar que os fantasmas a impeçam de crescer e seguir em frente, sim, eu superei. REFERÊNCIAS CYRULNIK, Boris. O Murmúrio dos Fantasmas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. YUNES, M.; SZYMANSKI, H. Resiliência: hÔ9II GI Gh críticas. In: TAVARES, J. (Org.). Resiliência e Educação. São Paulo: Cortez, 2001. psique ciência&vida
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em contato INFLUÊNCIA DA MÍDIA
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!#/-05,3§/$%!#5-5,!2 !MENTEHUMANAÏ DEFATO SURPREENDENTE 0ARAUMAPESSOAQUENÎOTEMESSEPROBLEMA Ï DIFÓCIL IMAGINAR QUE ALGUÏM POSSA SOFRER DE UM MAL CHAMADO TRANSTORNO DE ACUMULA¥ÎO UM DOS TEMAS CENTRAIS DA EDI¥ÎO DE NÞMERO DA Psique .O ENTANTO DEPOISDELERARESPEITODOASSUNTOE OBSERVAREXEMPLOSÏPOSSÓVELPERCEBERQUE ESSEDISTÞRBIOPSÓQUICO APESARDEAINDASER POUCOCONHECIDO PODETRAZERCONSEQUÐNCIASNEFASTASPARAASPESSOAS.AVERDADE 80
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Ï IMPORTANTE RESSALTAR PARA QUE NÎO HAJA CONFUSÎO A DIFEREN¥A ENTRE UMA SIMPLES MANIADECOLECIONAROBJETOSEACOMPULSÎO DEACUMULAROBJETOS SEMQUESEJAMUSADOS ALÏMDEUMAGRANDEDIlCULDADEEMSEDESAPEGARDESSESITENS MESMOQUESEJAMPERIGOSOS OCUPEMMUITOESPA¥OOUQUENÎO SIRVAMPARANADA%SSASPESSOASPERDEMO SENSODEAUTOCONTROLEETORNAMOAMBIENTE DECONVÓVIOPRATICAMENTEIMPOSSÓVEL /SMARDE#ASTRO PORe-mail
/3&),(/3.§/4º-#5,0! !CHOAVIDAADOISMARAVILHOSA-ASNEM SEMPREÏUMMARDEROSAS%QUANDONÎODÉ MAISCERTOEOMELHORCAMINHOÏUMPARA CADA LADO SÎO OS lLHOS QUE SOFREM MAIS GERALMENTE0ORABSOLUTAFALTADEHABILIDADEEATÏMESMOEGOÓSMO ALGUNSEX CASAIS COLOCAMASCRIAN¥ASEMSITUA¥ÜESDECONmITO BEM COMPLICADAS QUE PODEM TRAZER CONSEQUÐNCIASPSICOLØGICASGRAVESPARAOS PEQUENOS5MADASPRÉTICASMAISHORRÓVEIS NESSASITUA¥ÎO ÏACHAMADAALIENA¥ÎOPARENTAL/ARTIGOQUESAIUNONÞMERODA
REVISTAEXPLICABEMAQUESTÎO DIZENDOQUE ESTÉPRESTESAVIRARLEINO"RASILACRIMINALIZA¥ÎODESSAPRÉTICA TÎONOCIVAACRIAN¥ASE ADOLESCENTES!lNAL ELESNÎOTÐMCULPADAS BOBAGENS DOS PAIS -INHA PREOCUPA¥ÎO APENAS ÏNOSENTIDODEQUESEJAMAPURADAS COMRIGORESSASOCORRÐNCIAS PARAQUENÎO ACONTE¥AMEQUÓVOCOS ,ILIAN.OGUEIRA PORe-mail
!*5$!0!2!/#!3!, 0ARABÏNSÌREVISTAPsique por mais um ano DEBONSSERVI¥OSDEDICADOSÌINFORMA¥ÎODO SEUPÞBLICO!ENTREVISTANAEDI¥ÎOFOI MUITOBOA!ESPECIALISTAEMTERAPIADECASAL #RISTINA6ILLA¥A DESMISTIlCAAQUESTÎO EMOSTRAQUE EMDETERMINADASSITUA¥ÜES PRINCIPALMENTENAQUELASEMQUE APARENTEMENTE NENHUMDOSDOISPARCEIROSENXERGA UMASAÓDAPARAOSPROBLEMAS ÏNECESSÉRIO OAUXÓLIODEUMPROlSSIONALESPECIALIZADO -ASNEMSEMPREÏFÉCILDETERMINARQUALO MOMENTOEXATODESEPROCURARESSETIPODE TRATAMENTO 1UANDO O DIÉLOGO NÎO BASTA OUNÎOEXISTEMAIS PRINCIPALMENTEEMRELA¥ÎO A TEMAS FUNDAMENTAIS PARA O CONVÓVIO HARMONIOSO DOS CÙNJUGES COMO NASCIMENTOEEDUCA¥ÎODOS lLHOS QUESTÜESlNANCEIRAS SEXUAIS DEPROJETODEVIDA DIVERGENTES A SAÓDA PODE SER A TERAPIA DE CASAL 5M ABRA¥OATODOS #LÉUDIA3ERRA PORe-mail
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Ano XI - Edição 131
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ANDRÉ FRAZÃO HELENEÏBIØLOGO MESTREEDOUTOR EM#IÐNCIASNAÉREADE.EUROlSIOLOGIADA-EMØRIA E!TEN¥ÎOPELA5NIVERSIDADEDE3ÎO0AULO ONDETAMBÏMÏPROFESSORNOCURSODE"IOCIÐNCIAE COORDENAO,ABORATØRIODE#IÐNCIASDA#OGNI¥ÎONO )NSTITUTODE"IOCIÐNCIAS CLÁUDIO VITAL DE LIMA FERREIRAÏPSICØLOGO DOUTOREM3AÞDE-ENTALPELA5NICAMP PØS DOUTORADOEM 3AÞDE-ENTALPELA5NIVERSIDADEDE"ARCELONA %SPANHA PROFESSORASSOCIADODE0SICOLOGIADA5NIVERSIDADE&EDERAL DE5BERLÊNDIA!UTORDEAids e exclusão social DENISE TARDELI GRADUA¥ÎOEM0SICOLOGIAE0EDAGOGIA -ESTRADOEM%DUCA¥ÎOEDOUTORADOEM0SICOLOGIA %SCOLAREDO$ESENVOLVIMENTO(UMANO AMBOSPELA530 0ESQUISADORANAÉREADA0SICOLOGIA-ORALE%VOLUTIVA 0ROFESSORAUNIVERSITÉRIA DENISE GIMENEZ RAMOSÏCOORDENADORADO0ROGRAMA DE%STUDOS0ØS 'RADUADOSDA05# 30EMEMBRODA 3OCIEDADE"RASILEIRADE0SICOLOGIA!NALÓTICA
KARIN DE PAULA PSICANALISTA DOUTORAPELA05# 30 PROFESSORAESUPERVISORACLÓNICAUNIVERSITÉRIAEDO#%0 autora do livro $em? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise EDEVÉRIOSOUTROSARTIGOSPUBLICADOS LILIAN GRAZIANOÏPSICØLOGAEDOUTORAEM0SICOLOGIA PELA530 COMPØS GRADUA¥ÎOEM0SICOTERAPIA#OGNITIVA #ONSTRUTIVISTA¡PROFESSORAUNIVERSITÉRIAEDIRETORADO )NSTITUTODE0SICOLOGIA0OSITIVAE#OMPORTAMENTO!TUA EMCLÓNICAECONSULTORIA LILIANA LIVIANO WAHBA PSICØLOGA 0H$ PROFESSORADA 05# 300RESIDENTEDA3OCIEDADE"RASILEIRADE0SICOLOGIA !NALÓTICA#OEDITORADArevista Junguiana$IRETORADE 0SICOLOGIADA3EREM#ENA 4EATROPARA!FÉSICOS MARISTELA VENDRAMEL FERREIRAÏDOUTORAEM!UDIOLOGIA PELA5NIVERSITYOF3OUTHAMPTONn)NGLATERRA MESTREEM $ISTÞRBIOSDA#OMUNICA¥ÎOPELA05# 30 ESPECIALISTAEM 0SICOTERAPIA0SICANALÓTICAPELO)NSTITUTODE0SICOLOGIADA530 MÔNICA GIACOMINI PRESIDENTEDA3OCIEDADE"RASILEIRADE 0SICOLOGIA(OSPITALARnBIÐNIO%SPECIALISTAEM 0SICOLOGIA(OSPITALAR PSICØLOGACLÓNICAJUNGUIANA PSICØLOGA DO)NSTITUTODE/RTOPEDIAE4RAUMATOLOGIADO(#&-530 ESUPERVISORATITULARDO!PRIMORAMENTOEM0SICOLOGIA (OSPITALAREM/RTOPEDIA PAULA MANTOVANIÏGRADUADAEM0SICOLOGIAPELA 5NIVERSIDADE0AULISTA PSICANALISTA CONSULTORAEDITORIAL DOPROGRAMADEENTREVISTASDA&.!#EMEMBRO CORRESPONDENTEDO%SPA¥O-OEBIUSDE0SICANÉLISEDE 3ALVADOR"! PEDRO F. BENDASSOLLIÏEDITORDAGV Executivo PSICØLOGO GRADUADOPELA5NIVERSIDADE%STADUAL0AULISTA5NESP E DOUTOREM0SICOLOGIA3OCIALPELA530¡TAMBÏMPROFESSOR DA&UNDA¥ÎO'ETÞLIO6ARGASEDA%30-
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psiquiatria forense
por Guido Arturo Palomba
Condutopata POLÍTICO O CONCEITO DOS INDIVÍDUOS NARCISISTAS QUE TÊM PODER PARA ROUBAR E ROUBAM PARA TER O PODER. É UM TRANSTORNO DO CARÁTER, ACIMA DE TUDO, COM EVIDENTE COMPROMETIMENTO DA CRÍTICA Seria possível se falar em dois subtipos. Primeiro, aqueles QUEENTRAMPOBRESNAPOLÓTICAE PORMEIODELA ROUBAMPARAlcar ricos. Nesse caso, o escopo precípuo desses indivíduos é ter o poder para roubar e roubar para ter o poder. Larapiam verdadeiras fortunas, das quais para qualquer pessoa normal a metaDEOUBEMMENOSJÉSERIASUlCIENTEPARAASUAFAMÓLIA NETOSE bisnetos viverem extremamente bem. E mesmo já atingido esse nível de riqueza, continuam roubando, pela enfermidade do caráter, pela tara de enriquecer, ganância e deformidade moral. /SEGUNDOTIPODECONDUTOPATAPOLÓTICOPODESERIDENTIlCADO quando o escopo precípuo não é o dinheiro, porque ele já é rico, mas o poder para mandar pelo prazer em subjugar o próximo, a lMDEALIMENTAREINmARCADAVEZMAISASSUASVAIDADESEXACERbadas. É um transtorno do caráter, narcisismo acima de tudo, com evidente comprometimento da crítica. Porém, quanto à nocividade, ambos se equivalem. Aqueles que são pobres roubam do povo, lesando-o não só na saúde e na educação, bases primordiais para qualquer país, mas em tudo o mais. E quanto àqueles que são ricos, o grande problema é que esse subtipo compõe-se de indivíduos extravagantes, quer na imagem, quer nas ideias. Um bom exemplo é Hitler, com os seus gestos narcísicos, bigodinho tipo cerdas de escova dental e ideias racistas, nacionalistas, discriminatórias etc. E agora Donald Trump, com a sua fácies abespinhada, topete bizarro a la faisão-dourado (pássaro chinês) e ideias xenófobas, dizendo que vai construir um muro isolando países e que mulheres se arrastam pela vagina. São os condutopatas políticos, sem altruísmo, perigosos, demagogos e boquirrotos que, além do distúrbio de conduta que caracteriza a perturbação mental de que padecem, não têm remorso sobre aquilo que fazem de errado. São incorrigíveis.
Guido Arturo Palomba é psiquiatra forense e membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo.
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O
quadro clínico teve origem em 1835, na loucura moral de Henry Pritchard. No correr desses 181 anos, vieram outros nomes: loucura lúcida ( Júlio de Matos), cego moral (Schule), personalidade psicopática, psicopata, sociopata e condutopata, termo que adotamos por ser etimologicamente o mais apropriado para caracterizar certos indivíduos que, enfermos do caráter, praticam atos doentios que as pessoas normais não praticam. Por isso condutopatia, pois a pathéia, a moléstia, está na conduta. Existem inúmeros tipos de condutopatas (psicopatas). Para dar exemplo, só com Kurt Schneider são dez: hipertímico, carente de estima, fanático, explosivo, abúlico etc. Há outras CLASSIlCA¥ÜESPITORESCASBUROCRATASOLENE AMÉVELINSOSSO CIRcunspecto presumido, laborioso eufórico. Entre os condutopatas criminosos são citados: serial killer, tarado sexual, criminoso nato, desalmado etc. A nosso juízo, está faltando cunhar outro tipo: condutopata político, para caracterizar o homem público que, por distúrbio do caráter, lesa impiedosamente o povo.
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