04

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CONJUNTURA&

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LAUMAR NEVES DE SOUZA*

O Governo Lula: Primeiras Ações

antiga equipe econômica, a qual preconizava a necessidade de se adotar medidas duras como o único caminho possível para se garantir a criação de novas bases, cuja solidez permitiria conduzir a economia brasileira para um verdadeiro eldorado. Pois é, passaram-se oito longos anos e nada! Os ajustes foram tornando-se cada vez mais dramáticos, ou, como muitos preferem dizer, o amargo “remédio” que devolveria a saúde da nossa economia passou a ser ministrado em doses cada vez mais fortes, sem, contudo, lograr resultados satisfatórios.

É evidente que ainda está muito cedo para que as cobranças em relação à política econômica adotada pelo atual governo venham em avalanche. No entanto, as muitas indicações que foram dadas nessa área, até o momento presente, não sinalizam para uma mudança substancial e efetiva da política que foi perseguida, anos a fio, na era FHC. Longe disso, parecem caminhar na direção do seu aprofundamento, fato esse que se expressa nas palavras do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando afirma que sua equipe fará o “dever de casa” – leia-se mais arrocho fiscal – o que no seu entendimento permitirá a criação das condições objetivas para que a nossa economia reencontre a rota do crescimento. Esse é certamente o problema maior que parece atormentar as mentes daqueles que enxergavam a ida de Lula para o Palácio do Planalto como a hora da virada, ou seja, o momento de se proceder a uma reorientação dos rumos da política econômica. Não podemos nos esquecer que toda a campanha do Presidente da República foi conduzida de modo a acalentar no seio da sociedade a esperança de que dias melhores estariam por vir, e que isso só seria alcançado com a elaboração de uma nova política econômica, que, diferentemente da anterior, privilegiasse a produção, o emprego e a renda. Diante disso, causa estranheza quando os integrantes do novo governo defendem a tese de que é preciso, pelo menos nesse primeiro ano de governo, insistir na política econômica que outrora havia sido, por eles mesmos, duramente criticada. Não podemos perder de vista que esse era exatamente o roteiro que havia sido traçado pela

Em sendo assim, o tratamento proposto revelou-se ineficaz, posto que não conseguiu debelar a infecção. Em função disso, o paciente, no caso a economia brasileira, por mais que apresente, em algumas circunstâncias, alguma resistência, dando a falsa impressão que se encontra em boa saúde, encontra-se com o organismo por demais debilitado – o que o deixa a mercê dos ataques recorrentes, perpetrados pelos vírus e bactérias de todas as espécies, que residem nas entranhas do mercado financeiro. Diante de tal situação, preciso acreditar que o atual Ministro da Fazenda – médico de formação – terá a sensibilidade e a coragem para propor um tratamento alternativo, com um conteúdo menos ortodoxo, para o paciente chamado Brasil. As drogas tradicionais não surtiram o resultado esperado, além de terem criado complicações colaterais não previstas e de difícil solução. Infelizmente, o staff que compõe a nova equipe econômica, ao que tudo indica, rendeu-se de forma incondicional às exigências de flexibilidade tão intensamente presentes no mundo contemporâneo, e cujo sentido, nesse caso, expressa, conforme nos informa o Dicionário Aurélio, a facilidade de ser manejado ou uma certa maleabilidade. Obviamente, não se está aqui defendendo a tese de que o Governo, em nome dos compromissos de campanha, adote uma postura intransigente, do não-diálogo em relação aos seus principais interlocutores, especialmente com aqueles do – “todo-poderoso” – mercado financeiro. Em verdade, melhor seria que o Governo adotasse um posicionamento flexível que se expressasse na capacidade Conj. & Planej., Salvador: SEI, n.106, p.18-19, Mar. 2003

de ser adaptável a circunstâncias variáveis, porém que não fosse quebrado por elas. Inclusive é bom que se diga, esse é o sentido original – pelo menos na língua inglesa – atribuído à palavra flexibilidade. De acordo com Richard Sennett, ele é derivado da simples observação de que, embora a árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. Dentro dessa perspectiva, tal termo reflete essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de sua forma. É preciso estar atento a isso, pois no afã de ser vista como flexível, a nova equipe econômica desenvolve uma política na qual busca ser mais realista que o rei. Vide, por exemplo, o episódio em que ––não satisfeita com o valor referente ao percentual do superávit primário em relação ao PIB, previamente acordado com o FMI pela antiga equipe econômica–– resolveu-se ampliar ainda mais esse percentual, sem que, pasmem, houvesse tido a menor pressão por parte do Fundo para que isso fosse feito. A atual equipe econômica procura justificar muitas das ações encaminhadas até o momento argumentando que boa parte delas visam blindar a nossa economia de possíveis adversidades originadas a partir de ocorrências que, se especula, possam vir a se confirmar futuramente. Nesse aspecto, pelo menos, tal comportamento se diferencia daquele que foi adotado pela antiga equipe econômica. Esta, quase sempre, ministrava as políticas mais duras de ajuste quando a “tempestade” já havia se formado. E a julgar pelos resultados alcançados, vê-se que ela logrou pouco êxito. O fato é que o tipo de postura implementado pela atual equipe econômica também pode ser duramente criticado. Sua estratégia é mais ou menos esta: em resposta aos cenários negativos que são traçados pelos agentes que atuam no mercado financeiro, procura-se esboçar alguma reação. No mais das vezes, essa reação assume a forma de elevação dos juros. E aí está o problema central que simplesmente inviabiliza, ou torna pouco factível, o cumprimento de uma importante promessa de campanha, qual seja a criação de 10 milhões de postos de trabalho. Além disso, essa forma de reação coloca em xeque a operacionalização dos projetos da área social, os quais, pelo menos no discurso oficial, assumiram lugar de destaque. É mais do que sabido que quando o governo decide elevar a taxa de juros básica da economia, ele parece dar um tiro no próprio pé, haja vista que suas despesas financeiras aumentam, o que, por conseguinte, faz crescer as exigências de recursos.

Conj. & Planej., Salvador: SEI, n.106, p.18-19, Mar. 2003

CONJUNTURA&

Essa situação levou o atual governo a pisar no freio, fazendo com que até mesmo os projetos na área social – –vistos como intocáveis pelos principais articuladores da política levada a cabo pelo governo Lula – sofressem um pequeno golpe, ou melhor, um pequeno corte. Nem mesmo o mais severo opositor desse governo imaginaria tal situação, dado que durante a campanha presidencial a ênfase dada ao social no programa do PT marcava claramente as diferenças existentes entre os programas de governo dos dois principais candidatos. De um lado, estava o candidato do PSDB, cujo discurso, por mais que insistisse na tese de que não envidaria esforços para privilegiar o social, não encontrava ressonância no seio da sociedade, fato esse por demais comprovado nas urnas. Do outro, estava o candidato cuja trajetória política não deixava dúvida quanto aos seus compromissos com o social. Diante dos reveses a que foram expostas as ações na área social, não há como negar que o governo começa a ensaiar uma postura menos radical, abandonando as suas raízes. Esse comportamento certamente não levará a sociedade brasileira a ganhar a aposta que fez, no último sufrágio, de que o governo Lula seria capaz de construir uma sociedade mais justa, humana e fraterna para os seus cidadãos. Está mais do que comprovado que elevar os juros como forma de reagir a eventos que poderão não se concretizar é extremamente custoso para a nossa sociedade. As autoridades econômicas não podem se esquecer que o mundo contemporâneo tem vivido sob a égide da mudança, da fluidez e da incerteza. Tendo em vista a configuração desse cenário, quando o governo dá crédito a muitos dos cenários negativos que são projetados, ele simplesmente desconsidera o fato de que os eventos futuros, nesses tempos de modernidade líquida, revelam-se mais difíceis de serem previstos. Não é a toa que nesse capitalismo fluido todas as atenções estão voltadas para o presente, mais precisamente o momento imediato. A cada dia que passa, esvai-se a possibilidade dos agentes econômicos estabelecerem metas de longo prazo, dado que as atenções são focadas no curto prazo.

* Laumar Neves de Souza é doutorando em Ciências Sociais pela FFCH/UFBA e Bolsista Fapes.

LAUMAR NEVES DE SOUZA

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