Volume 03 - 121

  • December 2019
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  • Words: 2,305
  • Pages: 7
121 FALSO

TESTEMUNHO

OU

FALSA

PERÍCIA

_____________________________ 121.1

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS

DO CRIME No art. 342 encontra-se o tipo penal: “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28 de agosto de 2001). A pena é reclusão, de um a três anos, e multa. A proteção da norma recai sobre a administração da justiça, o interesse estatal na preservação da verdade sobre os fatos levados à apreciação das autoridades incumbidas da direção dos processos judiciais, administrativos, do inquérito policial e do juízo arbitral. Busca proteger a seriedade na produção das provas. Sujeito ativo é a testemunha, o perito, o contador, o tradutor e o intérprete. Sujeito passivo é o Estado. Será sujeito passivo também, secundariamente, a pessoa que vier a ser prejudicada.

121.2

TIPICIDADE

O caput contém o tipo. O § 1º descreve a forma qualificada, o § 2º contém causa de aumento de pena e o § 3º cuida da retratação.

121.2.1

Conduta, elementos objetivos e normativos

São três as condutas incriminadas. A primeira é fazer afirmação falsa. O agente realiza uma conduta positiva fazendo uma declaração diversa ou contrária à que

2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles corresponde ao seu conhecimento acerca dos fatos. É a falsidade positiva. É a afirmação de uma mentira. A segunda é negar a verdade, é dizer que não é verdade aquilo que é, declarando o agente que não conhece o fato do qual teve percepção. É a falsidade negativa. É a negação da verdade. A última é calar a verdade. É omitir, deixar de dizer a verdade, ocultá-la. Esconder o que sabe. Recusar-se a contar o que está na esfera de seu conhecimento. É a reticência. O silêncio acerca da verdade, sua ocultação. As três condutas são equiparadas e a falsidade constitui, sempre, a nãocorrespondência entre a manifestação do agente e seu conhecimento, o que viu, percebeu ou ouviu. Prevalece, assim, a teoria subjetiva, segundo a qual a falsidade está no antagonismo entre o que a testemunha sabe e seu relato, e não entre este e a verdade. Testemunha é a pessoa chamada a depor em processo judicial, administrativo ou inquérito policial. O art. 202 do Código de Processo Penal dispõe que toda pessoa poderá ser testemunha, a qual prestará o compromisso legal de “dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (...) e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade” (art. 203, CPP). O ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe ou o filho adotivo do acusado poderão recusar-se a depor (art. 206, CPP), todavia, se aceitarem prestar seu depoimento, abrindo mão do direito de recusa, estarão obrigados a dizer a verdade, cometendo o delito, se faltarem com ela. Já as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, a não ser quando, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho, poderão cometer o delito de violação de segredo profissional, definido no art. 154 do Código Penal. Se, desobrigadas pela parte interessada, aceitarem prestar depoimento, estarão obrigadas a dizer a verdade. Doutrina e jurisprudência divergem acerca da necessidade, para o reconhecimento da tipicidade do falso testemunho, de que a testemunha tenha prestado o compromisso legal de dizer a verdade. Uma corrente entende que o compromisso legal é elementar do tipo, outra considera que o informante – a testemunha não compromissada – também pode cometer o delito em comento.

Falso Testemunho ou Falsa Perícia - 3 Julgando o HC nº 66.511-0, em 16-2-90, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “o Código Penal não exclui da prática do crime de falso testemunho a pessoa que, embora impedida, venha a falsear em depoimento que preste, negando, afirmando ou calando a verdade. Tampouco o dever de dizer a verdade foi condicionado pelo legislador à prestação de compromisso”1. Também o Superior Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido, recentemente, ao decidir o Habeas Corpus nº 20.9242. Assim, pela compreensão dada pelos Tribunais Superiores, o tipo em comento não exige, como elementar, a prévia tomada do compromisso legal da pessoa que presta seu depoimento.

Todavia, também como entendem os Tribunais Superiores, a testemunha não estará obrigada e, portanto, não cometerá o crime de falso testemunho, quando se recusar a depor sobre fatos que possam incriminá-la, porque neste caso estaria produzindo prova contra si: “Nos termos de recente precedente do STF, o crime de falso testemunho não se configura quando com a declaração da verdade o depoente assume o risco de ser incriminado (HC nº 73.035/DF, in DJ de 19.12.96, p. 51.766)”3. Perito é o técnico designado pela autoridade dirigente do processo ou do inquérito para emitir parecer acerca de uma questão relativa a sua aptidão ou seus conhecimentos, produzindo uma prova acerca de um fato juridicamente relevante.

Contador é o expert em assuntos contábeis, muitas vezes também chamado a prestar sua contribuição para a apuração da verdade no inquérito ou em processo judicial ou administrativo. Tradutor é a pessoa encarregada de verter, para o idioma nacional, texto de língua estrangeira. Intérprete é aquele que, com seus conhecimentos, permitirá a comunicação entre pessoas que falam idiomas diversos. Ao atuarem, também essas pessoas estão obrigadas a afirmar a verdade, realizando, quando não o fazem, o tipo denominado falsa perícia. O falso testemunho ou a falsa perícia será realizado no âmbito de processo judicial ou administrativo, de inquérito policial ou de juízo arbitral. Alcança a norma, portanto, 1

DJ de 16-2-90. p. 209.

2

DJ de7-4-2003, p. 209.

3

DJ de 7-4-2003, p. 302.

4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles todo e qualquer processo, de natureza penal, civil, trabalhista, eleitoral e também o processo administrativo, cujo fim é a apuração de violações de normas administrativas ou disciplinares, instaurados no âmbito de qualquer dos poderes na esfera municipal, estadual ou federal. Além do inquérito policial, o crime será cometido também perante comissão parlamentar de inquérito, por força do que dispõe o art. 4º, II, da Lei nº 1.579/52: “constitui crime: (...) II – fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito”. Juízo arbitral é o procedimento estabelecido pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, do qual as pessoas capazes de contratar poderão valer-se para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. É necessário que o fato sobre o qual é prestado o testemunho ou realizada a perícia seja juridicamente relevante, tendo, pelo menos, potencialidade para causar um prejuízo para o interesse da justiça na apuração da verdade.

121.2.2

Elementos subjetivos

O falso testemunho e a falsa perícia são crimes dolosos. É indispensável que o agente esteja consciente da falsidade da afirmação que faz ou da verdade que nega ou cala e atuar com vontade livre de cometer a falsidade. Necessário, portanto, que ele tenha perfeita consciência de que falta com a verdade. Não é suficiente que o depoimento ou a perícia seja desconforme com a verdade, pois prevalece a teoria subjetiva, devendo a desconformidade ser entre a afirmação do agente e seu conhecimento pessoal, aquilo que apreendeu da realidade. Se o agente percebeu erroneamente a realidade e, por isso, afirmou uma inverdade, não terá cometido crime algum, por não ter consciência real dos fatos verdadeiros. Se o agente presenciou os fatos, mas, por exemplo, confundiu-se sobre a identidade de um de seus concorrentes, afirmando a participação inexistente do sósia de um deles, não cometerá falso testemunho, por inexistência de dolo. O tipo não exige nenhum outro elemento subjetivo, senão a vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade.

121.2.3

Consumação e tentativa

Falso Testemunho ou Falsa Perícia - 5 O falso testemunho consuma-se no instante em que é encerrado o depoimento do agente, uma vez que, enquanto está sendo prestado, poderá a testemunha desdizer-se afirmando a verdade. Assim, só há consumação com o encerramento de seu depoimento, quando não mais poderá voltar atrás. A tentativa é, tecnicamente, possível se, por qualquer razão, o depoimento não é encerrado. A falsa perícia é consumada no momento em que o laudo do perito, contendo seu parecer, a tradução ou a manifestação do contador, é entregue à autoridade dirigente do processo ou do procedimento. Tratando-se de intérprete, no instante em que verte falsamente a afirmação de um dos interlocutores. A tentativa é, também, possível tecnicamente, quando o laudo falso é interceptado ou não chega, por qualquer razão alheia à vontade do agente, ao conhecimento da autoridade dirigente do feito em que é produzido.

121.2.4

Concurso de pessoas e conflito aparente de normas

O falso testemunho e a falsa perícia são crimes de mão própria. Só podem ser realizados pela testemunha, perito, tradutor, contador e intérprete. Não se admite, por isso, a co-autoria no falso testemunho. Se duas testemunhas no mesmo processo combinam prestarem ambas depoimentos falsos, cada uma estará cometendo um delito autônomo. Serão dois crimes, cada qual praticado por uma, sem nenhuma concorrência delituosa. Sendo, entretanto, dois os peritos ou tradutores, elaborando um mesmo laudo ou parecer, haverá co-autoria se ambos estão conscientes de que faltam com a verdade acerca dos fatos. Aquele que dá, oferece ou promete dinheiro ou qualquer vantagem à testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para que este faça afirmação falsa, negue ou cale a verdade, cometerá o delito do art. 343 do Código Penal, adiante comentado, não sendo coautor ou partícipe do falso testemunho ou falsa perícia. E se terceira pessoa apenas induz, ou instiga, ou presta qualquer auxílio para que o agente pratique o falso testemunho ou falsa perícia, não oferecendo, prometendo ou dando qualquer vantagem? Será partícipe, com certeza, do delito em comento.

6 – Direito Penal III – Ney Moura Teles Assim, o advogado que orienta a testemunha a faltar com a verdade, mentindo, negando ou calando-a, será partícipe do crime. Nesse sentido é a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: “Os crimes de mão própria não admitem a autoria mediata. A participação, via induzimento ou instigação, no entanto, é, ressalvadas exceções, plenamente admissível. A comparação entre os conteúdos dos injustos previstos nos arts. 342 e 343 do Código Penal não conduz à lacuna intencional quanto à participação no delito de falso testemunho. O delito de suborno (art. 343 do Código Penal) tem momento consumativo diverso, anterior, quando, então, a eventual instigação, sem maiores conseqüências, se mostra, aí, inócua e penalmente destituída de relevante desvalor de ação. Cometido o falso testemunho (art. 342 do Código Penal), a participação se coloca no mesmo patamar das condutas de consumação antecipada (art. 343 do Código Penal), merecendo, também, a censura criminal (art. 29, caput, do CP)”4.

121.2.5

Aumento de pena

Quando o agente realiza a conduta típica “mediante suborno”, isto é, tendo recebido dinheiro, ou qualquer vantagem, ou sua promessa, a pena será aumentada de um sexto a um terço. Igual aumento haverá quando o crime é cometido “com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta”. Alcança, portanto, o falso testemunho e a falsa perícia produzidos em processo penal ou no civil em que for parte um ente público. Se o agente é funcionário público titular de cargo de perito, contador, tradutor ou intérprete e, em razão da função, recebe ou aceita promessa de vantagem para elaborar laudo falso, cometerá apenas o crime de corrupção passiva, respondendo por corrupção ativa (art. 333, CP) aquele que lhe entregar a vantagem ou prometê-la.

121.2.6 4

Retratação

DJ de 21-8-2000, p. 159.

Falso Testemunho ou Falsa Perícia - 7 Estabelece o § 2º do art. 342 que “o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade” (Redação dada pela Lei nº 10.268/01). A retratação é a afirmação da verdade que tenha sido falseada, arrependendo-se eficazmente o agente depois de prestado o falso testemunho ou realizada a falsa perícia. Deve ser voluntária, não precisando ser espontânea, mas deve ser plena e cabal, isto é, completa e capaz de expungir toda e qualquer dúvida sobre os fatos anteriormente objeto do depoimento ou perícia. Além disso, deve ser levada aos autos do processo ou do procedimento no qual o crime fora praticado. Ou seja, deve o agente prestar novo depoimento no qual declara a verdade ou se retrata, ou elaborar nova perícia ou novo parecer contendo a retratação. Deve ser feita antes da sentença proferida no processo no qual foi cometido o delito e não no processo instaurado contra o agente pela prática do delito do art. 342. Sentença é a decisão do juiz que põe fim ao processo. A norma refere-se, portanto, à sentença de primeiro grau, a qual, nos processos de competência do tribunal do júri, é aquela proferida pelo juiz presidente e não a decisão de pronúncia. A retratação do agente extingue a punibilidade nos termos do que dispõe o art. 107, VI, do Código Penal, comunicando-se ao partícipe que o induziu ou instigou, mas não ao agente do crime do art. 343.

121.3

AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, possível a suspensão condicional do processo penal apenas no fato praticado sem incidência de uma das causas de aumento de pena previstas no § 1º do art. 342. O julgamento da ação penal deverá ser proferido somente após o julgamento do processo no qual foi realizado o falso testemunho ou a falsa perícia, a fim de que não haja decisões conflitantes, pois o depoimento ou a perícia pode, no processo onde foi realizado, ser tido como verdadeiro.

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