AS FASES DE VILLALOBOS POR RICARDO TACUCHIAN Como classificar VillaLobos? Um pósimpressionista, neoprimitivista, pósromântico, neoclássico, modernista, nacionalista? Qualquer dessas etiquetas poderia ser utilizada em alguma fase da produção villalobiana. Mas seria apenas uma etiqueta. O importante é caracterizar o polimorfismo deste gigante que desenhou, na 6ª. Sinfonia, a silhueta das Montanhas Brasileiras ou revelou, no Amazonas, os sortilégios da selva tropical. Em VillaLobos, o descaminho foi seu caminho, o paradoxo a sua verdade. Mas esta mutação contínua não seria uma característica dos grandes artistas do século XX? No passado, o criador mantinha uma coerência mais ou menos linear. Sua evolução estética era contínua, sem maiores saltos; reconheciam se as obras da mocidade, de transição e da maturidade, mas sempre em mesmo estilo. A pluralidade estética e de estilos, numa mesma personalidade, é própria de nosso século.
Para melhor conhecimento da vida e da obra de VillaLobos, propomos a divisão de sua produção em quatro fases. Fica obviamente subentendido que estes períodos não são estanques, mas, antes, se interpenetram e apresentam, no catálogo de obras referente a cada um deles, uma série de exceções aos postulados ou tendências estéticas predominantes em cada época. I. A Primeira Fase é a de Formação. Vai até 1919 e corresponde à procura de um estilo, a partir do conhecimento do Brasil, da vivência com a música urbana (chorões) e as influências européias (impressionismo). Surpreendentemente, apesar de apenas com 32 anos, Villa já tem uma bagagem de 4 Sinfonias, 4 Quartetos de Cordas, 3 Óperas, a Suíte Popular Brasileira, as Danças Características Africanas (para piano e depois orquestradas), o Grande Concerto para Violoncelo e Orquestra (o nº. 1), o Sexteto Místico e obras pianísticas como Carnaval das Crianças Brasileiras, Simples Coletânea, Suíte Floral e a Prole do Bebê nº. 1, primeira obra que o notabilizou internacionalmente através da interpretação de Rubinstein. Uma verdadeira torrente caudalosa. Mas são dessa fase também, ambas de 1917, o bailado Uirapuru e o poema sinfônico Amazonas que, mantidas as devidas proporções de um jovem artista autodidata que ainda não tivera oportunidade de se informar com a avantgarde européia, correspondem à famosa trilogia de Stravinsky do pré guerra, coreografada por Diaguilev. II. A Segunda Fase de VillaLobos está toda ela contida na década de 20 — é a Vanguarda Modernista dos Choros. É neste período que ocorre a Semana da Arte Moderna e quando Villa Lobos vai a Paris (1ª. Viagem em 1923) mostrar seu trabalho. É justamente neste período que se inicia a fase neoclássica de Stravinsky [e também o início da produção dodecafônica dos compositores da 2ª. Escola de Viena, das obras mais “atonais” de Bartók e das principais obras de Varèse], quando VillaLobos alcança o ponto culminante de sua obra: a série dos 14 Choros. Os choros são toda a síntese da “alma brasileira”, toda a audácia da vanguarda nacional e a primeira proposta americana de um universo sonoro novo para o mundo. Fazem parte deste período, ainda, o Noneto, as Serestas, o Quarteto Simbólico, a Missa São Sebastião, a ópera Malazarte, os 12 Estudos para Violão e as Cirandas, Cirandinhas, Lenda do Caboclo, Prole do Bebê nº. 2 e Rudepoema, entre outras obras para piano. III. A Terceira Fase está compreendida entre 1930 e 1945, exatamente quando ele inicia a primeira e termina a nona Bachiana. É a Síntese das Bachianas Brasileiras, do nacional com o universal, do
presente com o passado, do moderno com o formal. Villa continua o mesmo gênio que antes, porém sem mais aquele vigor quase iconoclasta dos Choros. Agora ele cultiva a tradição, exatamente como Satravinsky já vinha fazendo desde a década anterior. Este é também um período institucional na vida de Villa e que, não por coincidência, se sobrepõe a um período político de nossa história, ambiguamente revolucionário e conservador, do mesmo modo que o são as Bachianas. Villa inicia seu movimento de Educação Musical, cria o Serviço de Educação Musical e Artística do antigo Distrito Federal, funda o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, cria a Academia Brasileira de Música e casase, pela segunda vez. São dessa época a mais importante coletânea para violão de nosso século, os 5 Prelúdios, além do Guia Prático, os Quartetos de Cordas nºs. 5 a 8, a Sinfonia nº. 6, as 4 Suítes do Descobrimento do Brasil (para o filme “patriótico” de Humberto Mauro), o ManduCarará e, para piano, a Valsa da Dor e o Ciclo Brasileiro. IV. A Quarta Fase, que vai de 1945 até sua morte, é a fase do Universalismo. É quando Villa Lobos passa a viajar sistematicamente para os Estados Unidos. Nova coincidência com Stravinsky: em 1939 o compositor fixa residência nos EUA e, posteriormente, adota a cidadania americana. Na década de 50 abandona sua longa fase neotonal e neoclássica e se aproxima do formalismo dodecafônico, com uma linguagem mais pessoal. Villa, também, nesta “fase americana” se dedica às grandes formas clássicas. Cada um chegando ao formalismo a seu jeito. De Villa, agora, dificilmente ouvimos aquele som tropical e selvagem (Erosão é uma exceção). Escreve nada mais nada menos que 9 Quartetos de Cordas (do nº. 9 ao 17), 6 Sinfonias (do nº. 7 ao 12), os 5 Concertos para Piano e Orquestra, o 2º. Concerto para Violoncelo e Orquestra e a Fantasia para Violoncelo e Orquestra, além dos concertos para Harpa, para Harmôncia e para Violão e Orquestra. Escreve ainda Erosão, Emperor Jones, Gênesis e os Cantos da Floresta Tropical (uma Suíte da música para o filme Green Mansions), Fantasia Concertante (para Orquestra de Violoncelos), a ópera Yerma, uma Homenagem à Chopin e inúmeras obras sacras; várias AveMarias, Bendita Sabedoria (coro a capella), Panis Angelicus, MagnificatAlleluia (para solo, coro e orquestra). Um verdadeiro Liszt, igualmente metafísico no final de sua vida. Um ano antes de morrer escreve suas duas últimas obras, as Suítes para Orquestra de Câmara nº 1 e 2. Uma obra ciclópica. Villa, apesar de repudiado pela crítica e por certo oficialismo acadêmico de sua época (não obstante o apoio do Ministro Gustavo Capanema), se projeta como um ponto culminante, não só em nossa história musical mas na de todo o Ocidente. Vejase a decretação do ano VillaLobos, pela UNESCO, por ocasião de seu centenário de nascimento. Sua obra continua viva nos concertos, no repertório dos grandes intérpretes e orquestras, já com uma posição consolidada na galeria dos mestres da música de todos os tempos. A discussão em torno de seu nome está dando lugar à tranqüila certeza de sua força e sua permanência, talvez o maior critério de valor da obra de arte. (transcrição e adaptação de: TACUCHIAN, Ricardo. “VillaLobos e Stravinsky”. In.: Revista do Brasil: edição especial VillaLobos. Ano 4, nº.1. Rio de Janeiro: Rioarte, 1988.)
* * * Programas de Rádio com Turíbio Santos sobre a obra de Villa
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BREVE CRONOLOGIA [VIDA E OBRA]
1887 Nasce no dia 5 de março, no Rio de Janeiro, na rua Ipiranga, Laranjeiras. 1892/1893 (5 a 6 anos de idade) Viaja com a família pelo interior de Minas e Rio de Janeiro. Datam desta época as primeiras impressões musicais. 1899 (11 anos) Morre seu pai, Raul VillaLobos, com quem iniciou sua vida musical, tocando violoncelo. 1900 (13 anos) Compõe sua primeira peça — Panqueca, para violão, em homenagem a sua mãe. ∙ Panqueca, violão. 1901 ∙ Mazurca em Ré maior, violão. 1903 (16 anos) Vai morar com a tia Fifinha, para ter maior liberdade de contato com os “Chorões”. 1904 ∙ Valsa Brilhante (valsa concerto), violão. [clique aqui] ∙ Celestial, valsa para piano.
1959 (72 anos) Falece no Rio de Janeiro no dia 17 de Novembro, sendo enterrado no cemitério São João Batista. ∙ Concerto Grosso, para quarteto e conjunto de sopros. ∙ Suite nº. 1, para orquestra de câmara. ∙ Suite nº. 2, para orquestra de câmara. [clique aqui] ∙ Green Mansions, (Floresta do Amazonas) música para filme. [clique aqu