Um Anjo Sem Asas (i Parte)

  • November 2019
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  • Words: 7,610
  • Pages: 25
Entre Flores & Insetos (Um Anjo Sem Asas) I - Parte

Felipe Steve Ost

São Paulo, 20 de Setembro de 2008

“A uma estrela que brilha em meus sonhos.”

Estava caminhando sem rumo por uma estreita trilha na floresta quando ouvi o som de vozes. Pensei que se tratava de um menino que talvez, houvesse se perdido na floresta. Como se eu pudesse ajudá-lo, segui na direção de sua voz e encontrei um anjo no meio de uma clareira, agachado próximo a uma flor. - Por que você é tão vermelha? –Ouvi o anjo perguntar a flor - Por que você é tão enigmático?-Respondeu a flor O pequeno anjo colocou-se de pé. Como quem temesse a resposta, perguntou baixinho: - Passeia comigo? A flor desabrochou com seus anseios de conhecer o mundo: - Vai me levar para conhecer um pouco mais do teu mundo? - Vou te levar para descobrir o mundo com você! Você vem? A flor fez que sim com suas pétalas e o anjo saiu a procura de alguns gravetos que o pudessem auxiliar na remoção da flor. Com cuidado, revolveu a terra em volta das raízes e pegando-a nas mãos com carinho, colocou-a junto ao peito: - Aqui vai estar protegida, prende bem suas raízes ai! A flor fez como o anjo pediu, afundou suas raízes no coração dele e apenas tomou cuidado para não ferir-lo com seus espinhos. - Muito melhor do que meu velho vaso! – disse a flor mais vermelha do que antes. O anjo, que já se colocara a caminhar pela trilha, sorriu-lhe um riso puro enquanto eu os seguia: - Se quiser, pode morar ai! O que acha? - Acho que precisa me regar! Tem um rio mais a frente, posso ouvir o barulho da água nas pedras, podemos parar para descansar? O anjo atendeu ao pedido da flor. Com suas pequenas mãos, pegou um pouco de água e jogou sobre as pétalas aveludadas dela. - Esta bem assim? – Perguntou com a voz suave. A flor desabrochou preguiçosa: - Assim meu anjo, você vai me deixar mal acostumada! Ele sorriu ao ouvir o gracejo da flor, secou o excesso de água de suas pétalas e como se pedisse autorização, perguntou-lhe: - Podemos continuar? Quero te mostrar a cidade!

- Estamos longe? – Perguntou a flor enquanto prendia mais forte, as suas raízes no coração do anjo. - Apenas mais alguns dias de caminhada e chegaremos lá! - E por que não vamos voando? O anjo consternou-se: - Não sei voar. - Mas você é um anjo! O que aconteceu com suas asas? Ele desconversou: - Melhor continuarmos! Esta bem onde esta? A flor respondeu com um tom irritado: - Já disse que sim! - Então vamos! Continuaram pela trilha que se formava entre as arvores em silêncio. Seguindo-os de longe, podia ver o anjo, lançando olhares perdidos para o horizonte, mas não conseguia divisar o que ele via. No meio daquela noite, o anjo deu algumas gotas de água para a flor se alimentar, colocou-a para dormir e se embrenhou na floresta. Cansado, me arrumei no chão com algumas folhas secas, e acabei pegando no sono. Não sei ao certo a que horas ele voltou, mas pelo tom da flor, o anjo chegara junto ao sol: - Onde você estava? - Procurando com que me alimentar! – exclamou o anjo com um tom cínico - Preciso um pouco mais do que água para viver. - E encontrou o que procurava? - Sim! Uma camélia que encontrei no caminho me indicou onde encontrar alimento. A rosa contorceu-se: - Uma camélia? Sei! E você esta saciado? O anjo deu um sorriso sem fitar os olhos da flor: - Sinto-me mais disposto! Vamos continuar? A flor com as lagrimas escorrendo-lhe como orvalho, suspirou: - O que mais posso fazer? Vamos a tua cidade! O anjo ofereceu-se para ajudar a flor a se arrumar em seu peito, mas ela com um aspecto orgulhoso, o espetou com seus espinhos. - Sei como me virar. Agora anda, vamos sair logo daqui, não gosto deste espécime de Rosa-do-Japão.

O anjo fez como ela pediu, continuou o caminho, optando por um desvio para se afastar de outras plantas e, seguindo um pequeno riacho, reconciliou-se com a flor: - Tens razão! – disse ele quebrando o silêncio - Fui tolo em ter ouvido aquela outra planta. A rosa o olhou com indiferença: - E por que diz isso? O anjo parou para olhar a flor. - Por que percebo que você é a mais bela das flores, a única que perfuma o meu caminho e, só você, me faz bem! A rosa riu ainda acanhada: - Te deu indigestão o alimento que a outra te indicou? O anjo retribui o riso, mas com olhos arrependidos: - Aprendi minha lição! - Espero que sim! – disse a rosa mais amena – Agora vamos deixar tudo isto pra lá e aproveitar nosso passeio! Eles pareciam não ver o tempo passar. Seguiam animados pelo caminho, conversavam sobre muitas coisas, dormiam abraçados nas noites mais frias e sorriam mesmo nos dias de chuva. Alguns dias depois, chegamos à beira de uma estrada que separava a floresta da cidade. O anjo animou-se: - Chegamos minha flor! - Meu anjo! – disse ela com receio nos olhos - Creio que nesta cidade não aja água para alimentar uma flor! - Fique tranqüila, eu hei de te regar todos os dias e você pode continuar morando em meu peito. - Ainda assim meu querido, você não pode me dar tudo o que preciso neste lugar. Nesta cidade o sol se esconde atrás de edifícios e a chuva é sempre evitada, é melhor que me deixe aqui e continue o seu caminho – neste ponto a flor tinha a voz embargada – você deve fazer esta escolha do meu modo. O anjo parecia ter perdido o encanto. Seus olhos, que antes brilhavam, marejaram com lagrimas que logo não puderam mais ser contidas: - Mas minha linda flor! Viemos de tão longe, sonhamos tanto com este momento e agora, você me diz, que este momento não deve acontecer? Cuidei de ti por todo o caminho e lhe dei meu peito como casa para agora você me dizer que este não é seu lugar? A flor empalidecia:

- Eu entendo como se sente! Já tive um sentimento parecido quando larguei meu antigo vaso para te acompanhar neste trecho de sua jornada, ainda assim não me lamentei e não me arrependo de ter vindo com você até aqui. - Mas não se trata de seu vaso, ou de qualquer outro lugar... A flor o interrompeu: - Por favor, não torne mais difícil o momento de dizer adeus! O anjo caiu de joelhos diante da flor acomodada na terra, beijou suas pétalas, abraçou-lhe os espinhos e regou-a com algumas lagrimas. Levantou-se cambaleante e atravessou a estrada para se misturar e se perder com as outras pessoas da cidade. A flor o viu se afastando e secou quase até a morte. Suas pétalas, antes vermelhas, tingiram-se de um amarelo pálido e pensei que aquele seria o fim dela. Lançou um olhar para onde o anjo partira e como se delirasse em sua agonia, sussurrou: - Eu vou lembrar de você sempre que pensar nos anjos, não se esqueça de mim quando olhar para as rosas!

Assim que a flor se calou um inseto pousou ao seu lado: - Se vai sentir tanta saudade, por que não vai com ele? A rosa lançou um olhar imponente: - O coração dele já não era tão fértil como quando o conheci, acabaria murchando! - Ora, logo vejo pra que servem as rosas! Fixam suas raízes e extrai tudo o que precisam para viver, mas será que você, rosa, se lembrou de perfumar o jardim que a abrigou? A rosa pareceu consternar-se: - Você me acusa sem nunca se prender a lugar nenhum, por ventura já deixou alguém tocar suas asas? Acaso já parou pra pensar no que isto significaria? - Não me amole com seu papo florido, posso muito bem voar atrás de quem quero e... A rosa interrompeu - Mas será capaz de fazer voar junto a você, alguém que gosta de ter os pés no chão? - Hei de te mostrar! – respondeu o inseto alçando vôo em direção a cidade.

Corri atrás do inseto com suas asas azuis e costas da cor do fogo. Na cidade era fácil distingui-lo entre as pessoas que passavam apressadas em seus afazeres e não lhe dedicavam mais que um olhar desinteressado. De quando em quando, voava mais alto para tentar avistar o anjo, até que por fim, o encontrou sentado a beira de um abismo com um olhar pensativo enquanto olhava para baixo: - Quanto tempo vai levar este vôo sem volta? - Se aprender a voar, pode levar o tempo que quiser! – disse o inseto que pousara ao seu lado. - E por que deveria prolongar meu vôo, se o que me parece melhor são as profundezas da terra? - Por que você é um anjo! Você, como eu, nasceu para estar nas alturas e pode escolher quando quer sujar ou não seus pés na terra. O anjo olhou para o inseto com esperança: - E você pode me ensinar a voar? - Só eu posso! – disse o inseto com um bater de asas – Venha comigo! O anjo, que parecia muito mais velho, afastou-se do abismo seguindo de perto o inseto. Seus olhos, ainda vermelhos, carregavam as marcas de lagrimas que secam, mas não cicatrizam e seus ombros arqueavam-se com pesos invisíveis. O inseto o guiou pelas ruas da cidade e revelou-lhe a localização de um bosque de arvores retorcidas. Lá chegando, pousou sobre uma pedra e lançando um olhar para o anjo instruiu: - Vê esta pedra? - o anjo fez que sim com a cabeça – Suba e salte! - Mas eu hei de cair, quem sabe o que há de me acontecer? - Não seja tão idiota – irritou-se o inseto – ainda pouco queria saltar de um abismo e agora esta com medo de alguns centímetros? Anda, faça como estou mandando! Se quiser aprender a voar, suba e salte! O anjo fez como lhe foi ordenado. Vez após outra, subiu no alto da pedra e se lançou ao ar para encontrar o chão. O inseto, que planava entre algumas arvores, ria a cada queda e esperava a próxima com impaciência: - Anda pequeno anjo, tente novamente! - Estou tentando! – respondia ele de pé, sujo de terra – Estou tentando!

Somente quando o sol já começava a se esconder, o inseto se aproximou do anjo. - Veja bem, para voar é preciso que não carregue nenhum peso desnecessário, o que pesa tanto em seus bolsos? O anjo mentiu: - Não tenho nada nos bolsos! - E o que fez com aquela pétala que segurava no abismo? O inseto fitava o anjo com olhos irritados enquanto ele, com a mão envolvendo a pétala dentro de seu bolso, tentava disfarçar o tom de sua voz: - Não sei do que fala! Além disso, que diferença faria o peso de uma pétala? - Você pensa que pode me usar para aprender voar, sem querer voar para mim? Não é a pétala que te pesa, mas teus pensamentos. Enquanto pensar no que esta na terra, é a terra que vai encontrar! O anjo tentou negociar: - Venha cá para me dar um abraço? Mostre-me como pode ser bom voar do teu lado? Um calafrio percorreu o corpo do inseto: - Nasci para voar e você me oferece a prisão de seus braços? Fique com tuas seguranças e me deixe partir! O anjo, um tanto confuso, apertava a pétala em seu bolso com mais força enquanto o inseto voava para longe lhe lançando ofensas: - Você merece tudo o que tem! – gritou o inseto já distante. - Você também! – respondeu o anjo com convicção – Em sua ambição por estas asas que tem, devorou jardins e destruiu muitas flores agora tem suas asas, mas nunca poderá ser tocada! Era melhor que tivesse permanecido em seu casulo, mas acabou se tornando uma borboleta!

O

anjo deitou-se entre as folhas secas que cobriam o chão do bosque e dormiu cansado de tantas quedas. Fiz o mesmo. O cansaço daquela viagem, fez com que eu dormisse pesadamente por toda a noite, e só fui acordar quando ouvi alguns galhos se partindo com os passos do pequeno anjo que saia do bosque apressadamente.

Corri para alcançá-lo, indo na direção do abismo. Seus olhos, pareciam inchados de tanto chorar e temi que o pequeno anjo se rendesse a um único vôo sem volta. Vi quando ele olhou para o chão a centenas de metros de distancia preparando-se para saltar, mas uma nuvem que estava passando por ali interrompeu o feito: - O que um anjo faz olhando para o chão tão triste? – perguntou a nuvem com sua voz de algodão – Acaso não sabe que sua alegria esta no céu? O anjo não pareceu interessado na conversa da nuvem - Não vou ouvi-la, sei que logo vai passar! Esta na natureza das nuvens, talvez até esteja na natureza das coisas. A nuvem ficou cinza de raiva - Talvez quem passe seja você. As coisas estão sempre no lugar que deveria estar! - Afinal nuvem, o que quer comigo? A nuvem, que já se afastava do anjo, não respondeu, cedeu seu lugar a uma estrela atrevida que se pôs a brilhar antes do sol desaparecer por completo. -Ola pequeno anjo! O que faz na beira deste abismo? perguntou a estrela ainda se espreguiçando. -E você? O que faz no céu antes da hora?- retrucou o anjo olhando para cima. A estrela brilhou um pouco mais amarela ao responder: - O mesmo do que você! - Então também esta perdida!- disse o anjo lançando um olhar triste. A estrela que quase oscilou, mudou de assunto: - E por que você está tão sujo? - Tropecei em algumas raízes! Ela franziu as sobrancelhas - Mas você não voa? Como pode encontrar o chão? - Mente-se muito sobre nós! - disse o anjo tentando se justificar - Também mentem sobre as estrelas? - Só quando dizem que estamos longe! O anjo, que já se sentara na beira do abismo, parou de balançar seus pés no ar, seus olhos fitaram a estrela por um instante: - Nunca havia reparado nas estrelas, são tão lindas! - Sinto-me consternada!- disse a estrela sorrindo - O que tens na mão? O anjo empalideceu enquanto a estrela apontava a pétala amassada em sua mão.

-Lembranças! - E te faz bem lembrar? - insistiu ela - Ainda não vejo nenhum beneficio em esquecer! - Verá! - disse ela enquanto desaparecia na aurora - vejo-te amanhã? - Quem há de saber? - Respondeu o anjo dando os ombros A estrela apagou-se no céu claro enquanto o anjo acomodou-se sobre algumas pedras e pegou no sono. Acordei com uma gargalhada da estrela: - Você é um louco! - Não me importo! - O anjo parecia descansado e pude ver seus olhos brilhando com um ar jovial enquanto se equilibrava com um só pé na beira do penhasco - Agora sai logo dai! Fico agoniada de te ver assim! O anjo atendeu ao pedido - Só porque me pede! Se fosse outra eu saltaria! Vi, junto ao anjo, a estrelas brilhar com o rosto avermelhado: - Assim você me deixa sem graça! O anjo que se encostara a uma pedra afastada do abismo, disse sorrindo. - Sonhei com você esta noite! - E o que sonhou?- perguntou a estrela com curiosidade. - Não me lembro, mas acordei com bom humor! - Percebo! - disse a estrela - E gosto de te ver sorrir! Por um minuto, nem o anjo nem a estrela, encontraram palavras para continuar e o silêncio da noite só foi interrompido quando a lua inflou-se como um grande balão branco. - Gosto da lua - disse o anjo - às vezes esconde alguns pensamentos meus lá! - Eu prefiro jogar os meus em buracos negros!- respondeu a estrela - Fica bem mais fácil... A estrela interrompeu sua frase e o anjo, com sua curiosidade, pediu para que ela terminasse a frase, mas ela fingiu não se lembrar: - Seria mais fácil te entender se eu souber o que pensa! Suplicou o anjo olhando para estrela - Talvez seja melhor que não me entenda!- a estrela parecia confusa - O sol já esta nascendo, vejo-te de noite? O anjo olhou para o céu a procura do sol, mas a estrela o avisou:

- Vou um pouco mais cedo hoje, prometi dar adeus a uma prima cadente! A estrela piscou antes de desaparecer e o anjo terminou adormecendo sobre o reflexo da lua. -Anda acorda - dizia a estrela impaciente O anjo sentou-se, se esticou pelo ar e com um sorriso dirigiuse a estrela. - Agradece tua prima por mim? - Mas o que ela fez para merecer essa gratidão vespertina? - Você sabe! Toda aquela historia de pedidos! O meu já se realizou! A estrela eufórica quase gritou: - Criou asas meu anjo? Já pode voar? O rosto do anjo corou. - Não consegui pensar nisto, minha cabeça esta cheia de outra coisa! - E o que foi que pediu? - Ora, você sabe! - a estrela fez que não com a cabeça e o anjo ainda mais rubro completou - Só pedi que voltasse esta noite. - Não acredito meu anjo! Este pedido eu mesma poderia realizar, por que não me pediu? O anjo abriu os braços e erguendo os ombros suspirou: - E o que pediria se não fosse isto? A estrela brilhou tímida ao perguntar - E afinal, por que quis que eu voltasse esta noite? O anjo que limpava os olhos com suas pequenas mãos falou impaciente - Você sabe! Já disse que não consegui pensar em outra coisa. - Pensei que houvesse um motivo a mais - suspirou a estrela com um brilho decepcionado - Quem sabe haja! - O anjo respondeu enquanto se levantava Passeia comigo? A estrela sorriu - Pensei que nunca ia me chamar! Para onde quer me levar? Lembre-se que tenho que voltar antes de amanhecer e... O anjo a interrompeu: - Sabe linda estrela, às vezes você reage como uma menina! Ela contestou com um brilho - Não pareço não! O anjo percebeu no tom de voz da estrela um descontentamento e corrigiu apressado.

- Mas só às vezes parece uma menina, na maior parte do tempo parece mais que uma constelação! A estrela deixou escapar um riso - Sempre tentando agradar, assim eu acabo ficando mal acostumada! - Já ouvi isso! - suspirou o anjo ao tocar a pétala vermelha em seu bolso - Logo vai enjoar de mim! E vai passar como tantas coisas. - Algumas coisas não passam! - protestou a estrela - E outras só passam se deixar-mos! O anjo retirou a mão do bolso como se tivesse tocado em brasa. -Tens razão, algumas coisas precisam passar e outras eu preciso deixar ir! Pode me ensinar como guardar minhas lembranças em um buraco negro? - Esta me fazendo um pedido?- perguntou a estrela com um sorriso maroto - Sim! Pode me ensinar? - Pareço com uma estrela cadente? - Mas pensei que pudesse te pedir! - Só você pode!- afirmou a estrela que começava a bocejar acho que nosso passeio fica para amanhã, o sol já acordou! A estrela já tinha desaparecido no céu, mas o anjo ainda acenava em sua direção como se esperasse ela olhar para trás. - Odeio ver-la partindo! - declarou o anjo voltando à pedra que passara a ultima noite. Demorou mais do que os outros dias para pegar no sono, ficou deitado olhando o sol colorir a manhã com tons de rosa até que eles se tornaram azuis, só então dormiu. A estrela parecia irritada: - Acorda anjo, quanta preguiça! Com um susto o anjo colocou-se de pé - O que te aconteceu estrela? Parece que o mundo vai acabar. A estrela acabou cedendo ao riso, com a voz mais calma continuou: - E bem poderia! Com a tempestade que se aproxima, tudo é possível! O anjo olhou para o céu, mas não viu nenhuma nuvem: - Não vejo nem sinal desta chuva! - Não é uma chuva - retrucou a estrela - é uma verdadeira tempestade. Chega ao fim desta noite, vejo-a daqui! - Mas então, por que a pressa?

A estrela pareceu decepcionar-se: - Pensei que fosse me levar em um passeio. Já esqueceu teu convite? Foi a vez de o anjo frustrar-se - Vieste só pelo passeio? - Não seja bobo meu anjo, mas diga, onde pretende me levar? - Vou te levar ao meu lago! A estrela divertiu-se - Então tens um lago só seu? - Sim, o fiz com meus olhos! Não é tão grande, mas é do tamanho que preciso. - O que tem na cabeça?- perguntou a estrela preocupada. - Já vai ver, fica bem próximo! O anjo caminhou pelas ruas e a estrela o seguiu, acompanhei de longe os dois que caminhavam em silêncio. O anjo embrenhou-se entre em algumas arvores enquanto a estrela deslizou pelo céu. - Vejo teu lago, meu anjo! -exclamou a estrela que chegara antes dele - é lindo, como o fez? -Com lagrimas!- respondeu o anjo com um nó na garganta. -E porque me trouxe aqui? - interrogou a estrela que desviou o olhar das águas tremulas do lago. - Quero te mostrar uma coisa! Mas antes quero dizer como ele veio parar aqui. A estrela que ainda evitava olhar para a água, esforçou-se para encarar o anjo. - Isto será mesmo necessário? - Para que entenda corretamente o que quero te mostrar? Será sim! O anjo sentou-se em uma pedra disposta em uma das margens do lago, ficou em silêncio durante um minuto para finalmente começar sua história. - Foi neste bosque que cai na terra! O anjo passou a mão sobre a pedra fria, como se lhe fizesse um carinho, tomou fôlego e fitando a estrela continuou. - Na primeira noite que passei aqui, deitei no meio das folhas secas e adormeci cansado. Sonhei com meus tempos de menino e com as brincadeiras de minha infância, mas ao acordar percebi ter envelhecido. - Não diga bobagens, ainda é tão novo! - interrompeu a estrela O anjo calou-se contemplando os pequenos círculos que se formavam no lago.

- Se tivesse me visto antes, perceberia o que estou a te dizer Ele piscou algumas vezes como se saísse de um transe. - Quando percebi que o tempo estava passando, uma lagrima rolou pelos meus olhos e caiu na terra. Logo em seguida, outra me escapou. Não podia conter-las e, como nunca fiz enquanto novo, chorei como uma criança. - O anjo olhou para a estrela e forçou um sorriso amarelo. - Também mentem sobre as lagrimas! - O que quer dizer?- balbuciou a estrela que se perdera olhando o lago. - Chorar não faz tão bem como dizem, tu deves saber! A estrela concordou. -Sei do que fala! - Pois a cada lagrima derramada, uma nova se preparava em meus olhos, e sem conseguir evitar, tudo que me fazia mal, voltava aos meus pensamentos, o que me fazia chorar ainda mais. - Deve ter tido muitos pensamentos ruins - disse a estrela indicando o tamanho do lago - Não eram muitos, apenas eram freqüentes - explicou-se o anjo - e durante um dia inteiro fiquei aqui, chorando minhas tristezas e remoendo minha dor. - E porque não fugiu? - Onde poderia me esconder de mim mesmo? A estrela se calou. - Quando finalmente consegui controlar minhas lagrimas corri apressado para fora do bosque, jurando não mais voltar. - Mas então esta quebrando sua promessa? - perguntou a estrela com olhos reprovadores. - Não exatamente - defendeu-se o anjo ficando de pé na rochavim para lhe mostrar algo, se aproxime! A estrela, um tanto desconfiada, fez o que o anjo pediu. - Olhe para minhas lagrimas! A estrela protestou: - Não quero ver teu lago de lagrimas! - Mas é preciso, e rápido! A tempestade esta chegando! A estrela cedeu: - E o que quer que eu veja? O anjo apontou para seu reflexo sorridente: - Vê? Graças a você, posso sorrir em meio a minhas lagrimas! A estrela olhou atentamente o reflexo do anjo que sorria e ficou sem palavras.

As primeiras nuvens da tempestade se apressavam pelo céu e o anjo, como se fosse capaz de ler os pensamentos da estrela, a tranqüilizou. - Sei que não vou te ver quando as nuvens cobrirem o céu, e terei que enfrentar a tempestade sem você, não se preocupe comigo! - Mas o que fará sozinho em meio à tempestade? - Vou olhar para as nuvens negras no céu e sorrir! - Você deve ser louco! - exclamou a estrela com medo dos primeiros relâmpagos - Por que vai sorrir? Olhando nos olhos da estrela o anjo falou: - Por que sei que atrás das cortinas negras da chuva você vai continuar brilhando! - Te vejo depois da tempestade? - perguntou a estrela com os olhos marejados - Quem há de saber? - respondeu o anjo ainda sorrindo - Agora vai antes que a tempestade comece! A estrela brilhou tentando esconder as suas lagrimas que escapavam e se misturavam às primeiras gotas da chuva - Pensarei em ti! O anjo sorriu enquanto acenava a estrela - Não vou te esquecer! As nuvens esconderam o brilho da estrela lançando pesadas gotas de chuva sobre o anjo, que sorria para o céu.

Rapidamente a tempestade invadiu o firmamento e era tão densa e negra, que até o sol decidiu brilhar noutro lugar. - Veio só, pequeno anjo?- Perguntou a tempestade com um vento que quase o derrubou. -Ninguém esta só- respondeu o anjo que parecia olhar em minha direção- mas vou te enfrentar sozinho. A tempestade relampeou: - Por que não desiste e se esconde? - Pois sei que depois da tempestade vem a calmaria! - De fato - disse a tempestade que trovejava furiosa - mas a calma é premio de quem supera o desespero. Você não vai conseguir. O anjo riu amarelo - Tu não me conheces! Se soubesse o que já passei...

- Também já passei por muitos lugares – disse a tempestade – e sempre se esconderam de mim, com você não vai ser diferente! O anjo ponderou: - Se é como diz, deve se sentir muito sozinho! - Não preciso de ninguém! – trovejou a tempestade com fúria – Se procurasse amigos seria uma garoa ou uma chuva de verão, mas não procuro companhia por isto posso ser uma tempestade! - Já fui como você! Mas não se pode ir muito longe sozinho! - Pois já rodei o mundo muitas vezes! Inundei rios em todos os lugares, devastei plantações e levantei ondas em todos os mares, isto não é longe para você? - Você já sentiu o perfume de uma rosa? – perguntou o anjo como se mudasse de assunto. - Não! Elas se escondem quando me olham! – respondeu a tempestade surpresa. - Já sentiu o vento das asas de uma borboleta? - Não! Elas fogem quando me aproximo! - E acaso já conheceu uma estrela? - Eu as cubro com minhas nuvens, mas o que isto importa? O pequeno anjo sentou-se na pedra: - Então pra que rodou tantas vezes o mundo? A tempestade se calou. Fiquei preocupado com o anjo, ali sentado, enfrentando uma tempestade rancorosa que parecia preparar um raio fatal, mas ele parecia tranqüilo. Tinha um sorriso no rosto e seus olhos pareciam ver através das nuvens que pouco a pouco se dissiparam e embranqueceram deixando a mostra um céu azul. - Então pra que conhecer o mundo? – Repetiu o anjo olhando seu reflexo nas águas do lago transbordado pelas lagrimas da tempestade.

A

terra ainda cheirava a chuva quando a noite tomou seu lugar. O anjo olhava para o céu na expectativa de encontrar sua estrela, mas naquela noite apenas a lua surgiu no céu. O anjo decepcionado perguntou ansioso: - Minha estrela vem vindo? - Não a vejo daqui! E você, por acaso viu o sol passar?

O anjo ficou confuso: - Sim! Ele sempre passa antes de você! A lua minguou: - Nunca sei se ele me procura ou se foge de mim! - E você, o que faz atrás dele? A lua inchou-se e ficou vermelha: - Se te disser, pode dar um recado para ele? O anjo concordou: - Procuro-o! Sei que pode parecer loucura, mas eu o amo! - O que é o amor? - Ora meu anjo, você sabe bem o que é! Agora mesmo, encheu mais uma cratera com seus pensamentos! O anjo enrubesceu: - Meus pensamentos, são de amor? - A maior parte deles! - Mas não sei o que é amar! O que é o amor? A lua pareceu crescente enquanto falava: - O amor é querer ao outro mais do que se quer a si mesmo. O amor é o que nos motiva a continuar, a fazer, a querer e a viver. O amor, meu anjo, é tudo que existe de bom! - Eu entendo o que você me diz, mas não sei se já amei alguma coisa! A lua, com um jeito maternal, sorriu ao anjo: - Você já amou muitas coisas, e amou de muitas maneiras! - Quer dizer que existe mais de um tipo de amor? - Sim, mas não são tipos de amor e sim maneiras de amar! O anjo suspirou: - O amor me parece bastante complicado! Você parece saber muito sobre esse assunto, pode me falar um pouco mais sobre ele? A lua ficou cheia de si: - De fato, sei muito sobre o amor! Não só você, mas quase todos que amam vivem com a cabeça na lua! E isto deve me tornar uma especialista no assunto, não é verdade? – Ela esperou o anjo concordar para continuar a falar – Pois então saiba que amamos a muitas coisas! - Como o quê? – perguntou o anjo. - Como tudo! – disse a lua com um brilho – Pode-se amar tudo que se quer bem, coisas, lugares, pessoas... - Mas quais são as maneiras de amar? - Bem ai as coisas se complicam mesmo! A lua terminou de falar e ficou olhando o anjo impaciente:

- Que foi? Já não te respondi? - Não! Você ainda não me disse quais são as maneiras de amar! - Não disse por que é impossível definir a forma que alguém ama. Só quem ama, sabe como ama! - Mas pelo menos me diga como você ama o sol? - Oh anjo! Quem me dera conseguir definir ao trágico destino que me é submetido. Sempre em lados opostos e em situações diferentes. - Como assim? – Perguntou o anjo incentivando-a falar. - Sempre estamos em lados opostos, em situações diferentes. Sabes como é? Enquanto eu sou obrigada a me esconder, ele surge e lança sobre mim aquele brilho, aquele calor... Fico pálida e quase perco minhas forças. - E o que faz quando o vê? - Corro! - Você foge? - Não meu anjo! Corro atrás dele, louca para encontrá-lo, mas quando chego, ele já foi. Muitas vezes o vejo onde eu estava antes, e sinto até um arrepio ao imaginar que ele foi a minha procura. Outras vezes choro pensando que ele fugiu de mim. - Por que corre atrás dele? – indagou o anjo sem entender. - Por que ele brilha! Brilha tanto que tenho até medo que ele me cegue. Sabe que às vezes tenho até que fechar meus olhos? Mas toda vez que o faço, penso que ele esta me aquecendo em seus braços e chego a imaginar que ele sussurra ao meu ouvido, pedindo apenas um pouco mais de paciência. O anjo olhava espantado para a lua que passava de uma fase a outra enquanto falava do sol: - Graças a estes meus devaneios, continuo buscando dele, mais do que olhares furtivos e beijos imaginários. E corro atrás dele, para mostrar as semelhanças que nosso contraste carrega. - E o que ele pensa disto? - Ele não sabe! Por isto vivo procurando em minhas fases, uma que chame a sua atenção. Se precisasse, seria eternamente crescente ou até mesmo minguante. - Mas vale a pena este amor? - A mim, meu anjo, valeria a existência ouvir da boca dele um te amo, quando nos encontrássemos num próximo eclipse. - Agora percebo como ama! A lua olhou curiosa para o anjo que já se preparava para dormir junto a uma arvore.

- E como é? - Loucamente! - Diga isto a ele? Faz-me este favor? - Amanhã bem cedo o farei! - Obrigada! Agora durma e sonho com os anj...- a lua minguou sem graça – Com o que sonham os anjos? Bocejando, o anjo respondeu: - Ultimamente, só com uma estrela!

O anjo acordou com o sol batendo-lhe no rosto, passou o recado da lua e viu o sol sair correndo apressado pelo céu, deixando a noite chegar mais cedo. Antes que o céu fosse tingido de negro, colocou-se a caminho de onde encontrou a estrela pela primeira vez: - Quem sabe ela esteja me esperando lá! - Acho que não! – Disse uma voz rouca que se esgueirava pelas arvores. - Quem está ai? – Perguntou o anjo assustado - Não se assuste, não quero lhe fazer mal! - Mas o que faz me seguindo? - Só queria ter certeza de que ela não viria te procurar. O anjo contorceu-se em raiva: - E o que ganha com isso? - Diversão – disse o diabrete que saiu do lugar que se escondia. Seu rosto, uma grande bola vermelha, tinha um riso cínico espontâneo e dois chifrinhos saltavam de sua testa suada. - Acho que ela acreditou na minha história – disse o diabrete em meio a uma risada que mais parecia um chiado – bobinha! O anjo ficou quase tão vermelho como o diabrete enquanto perguntava entre os dentes: - O que foi que disse a ela? - Nada demais! – rindo um pouco mais alto – só falei que você tinha fugido da tempestade e se escondido na floresta... - Mas eu não fugi! - Eu sei! Mas como você não apareceu no lugar que vocês se encontravam, ela acabou acreditando na minha piada. Com os olhos injetados o anjo fitou o diabrete: - Pois volte lá e fale a verdade!

- Bem que gostaria! – respondeu o diabrete que tinha dificuldade de falar em meio às risadas – Mas ela era muito sensível, começou a chorar e com um soluço desapareceu no céu! Você tinha que ver, foi tão engraçado! - E por que eu me esconderia na floresta? - Esta, foi uma sacada de gênio! – disse o diabrete batendo na testa – Imagina que assim que eu falei que você tinha fugido ela olhou para os lados da floresta para ver se te via correndo por lá! E os olhos dela eram tão cômicos te procurando entre as arvores, que falei que ela não te encontraria entre as flores e os insetos! Você sabe, não da pra ver nada no meio daquele mato! O anjo não queria se convencer: - Se você é tão piadista, como posso saber que não esta tentando me pregar uma peça? - Vá lá e veja com seus próprios olhos! – disse o diabrete que teve outra crise de riso – Mas vai voando! Sem fôlego o diabrete caiu no chão segurando a barriga: - Vai voando! Esta foi de matar! O anjo correu até a beira do abismo e olhando para o céu, viu apenas o breu no lugar da estrela. - Por que fez isto comigo? – perguntou ao diabrete que se arrastava atrás dele. - Você sabe! Nós os diabretes vivemos pregando peças! Não é nada pessoal, é apenas diversão! O anjo explodiu: - Diversão! Quem pensa que é para se divertir comigo? - Calma! Afinal não foi com você a piada, foi com ela! Se fosse com você, muito provavelmente, você VOARIA no meu pescoço – o diabrete engasgou com suas risadas. O anjo olhou para o diabrete como se houvesse gostado da idéia. O diabrete por sua vez, controlou o riso e com uma reverência, despediu-se. - O prazer foi todo meu, vejo-te por ai! O anjo sentiu um nó se formando na garganta e por fim, chorou lagrimas de saudade.

Antes que a noite findasse, o anjo seguiu rumo à floresta, e seus passos eram tão firmes e obstinados que assim que o sol apareceu no céu, estávamos caminhando por uma

trilha em meio a arvores, em algum ponto distante do que havíamos nos despedido da flor. Mesmo com a respiração arfante, o anjo continuava abrindo caminho entre os arbustos que pareciam cada vez mais secos e cheios de espinhos. - Aonde vai tão apressado, pequeno anjo? – perguntou uma velha arvore que teve um galho partido ao ser empurrado. - Encontrar minhas asas! – respondeu o anjo que parou para tomar água em um riacho próximo – O que faz aqui? Com um estalo, a arvore respondeu: - Procuro um tesouro! O anjo lançou um olhar severo para a arvore: - Então porque esta parada? - Não estou! – respondeu a arvore balançando suas folhas – Minhas raízes nunca descansam! - E onde estão elas que não as vejo? A arvore dobrou-se com o vento: - Cavando! - E já encontrou alguma coisa? Os frutos da arvore amadureceram: - Ainda não! Mas sinto que estou próxima. Ao ver as frutas balançando entre as folhas mal cuidadas, o anjo sentiu sua boca salivar: - Não me lembro da ultima vez que comi – disse com os olhos vidrados – o que faz com tuas frutas? A arvore lançou um olhar desinteressado para a ponta de seu galho mais carregado: - Você esta falando destas pelotas que brotam em meus galhos? Não servem para nada! - São venenosos? - Não sei, nunca prestei atenção neles! O anjo olhou ao redor da arvore e viu algumas frutas apodrecidas. - E porque continua os fabricando, se não vê serventia neles? A arvore farfalhou: - Não tenho como conter-los, eles aparecem sempre que está muito calor. Deve ser algum tipo de alergia! O anjo riu: - Não se faça de tola, suas brotoejas valem para alguns, mais do que o ouro! - Isto? – respondeu a arvore soltando uma maçã vermelha nas mãos do anjo – Só me servem para dar coceira!

O anjo que se preparava para morder a fruta foi interrompido pela arvore: - Espere um pouco, pequeno anjo! Assim que descobrir meu tesouro, compro-lhe um banquete! O que acha? - Acho que esta cega! – respondeu o anjo dando uma mordida na fruta – Se pudesse ver o tesouro que tem, se ocuparia com uma tarefa mais produtiva do que cavar! A arvore sorriu com menosprezo: - Só você e os pássaros, enxergam utilidade para estas coisas! O anjo, limpando a boca com a manga de sua roupa, respondeu com pena: - Então, encontramos o tesouro antes de você! - Cavando um buraco próximo a arvore, enterrou as sementes ainda presas ao miolo da maça. - O que esta fazendo, pequeno anjo? - Lhe dando uma irmã! – respondeu o anjo que jogava um pouco de água sobre a terra - Espero que quando crescer, ela perceba o que realmente é importante. - Até lá eu já terei descoberto meu tesouro! - Espero que sim! – respondeu o anjo que já caminhava por entre outras arvores – Espero que sim!

Caminhamos durante algumas horas desbravando a floresta, que naquele ponto parecia intocada. O anjo seguia na frente, com a mesma vontade de antes empurrava os galhos retorcidos que atrapalhavam o caminho e não se importava com a dor dos espinhos que se cravavam em sua pele. Vi, enquanto lutava com alguns ramos que se enrolaram em minhas pernas, o anjo parar na frente de uma fonte abandonada: - Enfim a encontrei! – disse o anjo com os olhos brilhantes. Com euforia retirei o mapa de meu bolso e, após verificar as anotações, repeti a frase do anjo. Enfim havia encontrado a fonte que marcava o inicio de minha jornada rumo ao tesouro que me era destinado. Livrei-me dos ramos com pressa e corri para encontrar o anjo. Ele estava parado olhando uma mancha verde escuro no centro das águas límpidas da fonte tomada por musgos. Tamanha era minha euforia, que corri e fiquei ao seu lado, fitando a mancha que abrindo os olhos coaxou:

- O... Que... Quer? Senti meu estomago se contorcendo ao ver a aparência do sapo que se ajeitava com dificuldade nas margens da fonte. Ele repetiu: - O... Que... Quer? O anjo, que resolvera admitir minha existência me olhou por um segundo: - Esta fonte – disse ele apontando as paredes de pedra mal cuidadas – é conhecida pelos moradores da floresta, como a fonte dos desejos. - Vi isto em meu mapa! – respondi vacilante. O anjo continuou a falar como se falasse para si mesmo: - Nesta fonte, escravos conquistaram reinos, sapos viraram príncipes e demônios alcançaram o perdão, tudo porque pediram aquilo que mais queriam. O sapo interrompeu: - O... Que... Quer? - Agora, finalmente encontrei a fonte dos desejos, mas é incrível como a possibilidade parece me cegar! Entendendo a insegurança do anjo, falei olhando em seus olhos: - Peça o que sempre sonhou! O anjo sacudiu a cabeça enquanto o sapo insistia: - O... Que... Quer? - Este é o problema! Posso ter o que quiser, mas será que terei o que me quer? - Não consigo entender! – respondi confuso ao anjo – O que quer dizer? O anjo começou a andar em volta da fonte: - Poderia pedir riquezas inesgotáveis... - E isto não seria bom? – perguntei interrompendo o anjo. - Talvez! – disse ele sem me olhar – Mas odiaria a quantidade de pessoas que me procurariam por gostar mais de ouro do que de outra coisa em mim! - Talvez fosse melhor pedir sabedoria? – arrisquei olhando para o anjo. - E de que me adiantaria saber fazer de tudo, se tivesse medo de começar a fazer? - Então peça coragem! - Lembra-se da tempestade? – perguntou o anjo de cabeça baixa – Pois o que ela mais tinha era coragem, mas faltavamlhe amigos.

- Seus amigos são importantes assim? O anjo olhou com um ar decepcionado: - Você sabe muito bem que sim! Estava lá quando enfrentei a tempestade e mesmo sem saber seu nome o protegi. Olhei espantado para o anjo: - Me protegeu? Como assim? - Se a tempestade soubesse que você estava lá, com certeza iria provocá-lo. Estufei o peito: - Bem poderia dar uma lição nela! - Mas poderia aprender sua lição? Voltei ao assunto me sentindo sem graça: - Então peça amigos! - Para prendê-los junto a mim sem que eles queiram estar comigo? Não se lembra da borboleta? O anjo pareceu distrair-se com um arbusto que nascia em uma rachadura da fonte. Ele tinha razão, cada dádiva trazia um pouco de maldição. - Peça asas! – disse a ele, após lembrar de sua conversa com a arvore. Ele pareceu ponderar: - Não me parece uma má idéia! – porem fechou a cara logo em seguida – Mas elas já são minhas. - E onde as deixou? - Não estou certo! Creio que em algum lugar do caminho que passei. - E por que faria isto? O anjo olhou em meus olhos: - Você não imagina como é difícil, ter sempre que ser bom! - Então foi você quem as largou pelo caminho? Escolheu não poder voar? - Toda dádiva carrega um pouco de maldição! Assustei-me: - Você pode ler pensamentos? - Não de quem gostaria! - É isto pequeno anjo! Onde gostaria de estar agora? Os olhos do anjo brilharam: - Junto à estrela! É isto mesmo meu amigo, sei o que quero! O sapo coaxou: - O... Que... Quer? O anjo fechou os olhos com força, arriscou a falar, mas interrompeu seu desejo:

- Ela pode não querer me ver! - Tenho certeza que quer! – disse incentivando o anjo - Ainda assim, acaba de passar outra coisa pela minha cabeça. - Então diga! O que vai querer! O sapo no mesmo tom repetiu: - O... Que... Quer? - Quero tudo que eu faça por merecer! Entendi o desejo do anjo, e o repeti: - Tudo que eu faça por merecer! O sapo mergulhou na fonte levando nossos desejos. O anjo me olhou com olhos contrariados: - Por que pediu o mesmo que eu pedi? Sorri para o anjo consciente de minha escolha: - Você me convenceu que devo ter apenas o que merecer! Ele sorriu e estendeu-me sua mão: - Desejo-lhe sorte em sua busca! Cumprimentei o anjo que se colocou em direção ao caminho que viemos: - E para onde vai agora? – perguntei ao pequeno anjo antes dele desaparecer. - Procurar uma estrela! – respondeu enquanto se embrenhava entre as flores e os insetos da floresta. (Continua...)

Entre Flores & Insetos, tudo é possível! Capítulos Selecionados (Até 30/09/2008) - O Enigma do Anão - Um Anjo Sem Asas – I Parte - A Caverna dos Espelhos

- O Labirinto da Vida - Sonhos Reais - Um Anjo Sem Asas – II Parte

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