Trocas De Musica Na Internet E Seus Impactos Na Industria Fonografica Brasileira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO

TROCAS DE MÚSICA NA INTERNET E SEUS IMPACTOS NA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA BRASILEIRA

MARCELO OLIVEIRA SANTOS matrícula nº: 096210122

ORIENTADOR(A): Prof. Ary Vieira Barradas

AGOSTO 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO

TROCAS DE MÚSICA NA INTERNET E SEUS IMPACTOS NA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA BRASILEIRA

__________________________________

MARCELO OLIVEIRA SANTOS matrícula nº: 096210122

ORIENTADOR(A): Prof. Ary Vieira Barradas

AGOSTO 2002

As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a)

“É inútil você tentar ficar rico com lucros desonestos. Não há lucros desonestos.” “O dinheiro, nas mãos de pessoas não-adestradas para usá-lo, é a fonte de todo mal do mundo. Por isso o dinheiro deve ser conservado cada vez mais na mão de um número bem pequeno de pessoas especializadas, aquelas que, por tradição familiar, vocação e berço, tenham o tino e sabedoria de como usá-lo. Os pobres em geral são bastante incompetentes quando investidos no papel de milionários. Por isso, deve-se evitar para eles a maldição implícita no excesso de pecúnia.” “Sempre que falam do computador, ele está adulterando contas bancárias, resultados de eleições, revelando segredos de Estado. Estou desconfiado de que o computador herdou e ampliou a falta de caráter do ser humano.” “O direito de um termina quando o outro reage ou chama a polícia.” Millôr Fernandes

AGRADECIMENTOS

Este trabalho, apesar de suas possíveis falhas, não poderia ser melhor sem a ajuda prestada por vários profissionais do estudo do Direito Autoral e da Economia da Cultura. Então deixo registrado aqui meus agradecimentos aos Srs. Sydney Sanches, Cláudia Brandão, Frederico Lemos e Luís Carlos Prestes Filho, além do meu orientador, Prof. Ary. Agradeço também a Júlio B. Zaiantchick pela cessão das figuras com a esquematização do sistema “peer to peer”. Sendo esta monografia um necessário “rito de passagem”, aqui ficará registrada também a ajuda e lembrança de pessoas que tornaram minha passagem pela universidade a menos penosa possível. Entre os funcionários, Ana Lúcia Braga, Gilbran Menezes – provavelmente o funcionário público mais prestativo que eu já conheci -, e Jorge “Primeiro eu vou tomar um cafezinho, fumar um cigarro, e depois vejo o que tem de errado no seu computador...”Alves, – provavelmente o funcionário público mais cara-de-pau que eu já conheci. Entre os alunos, Luciana Ribeiro da Costa (exBeenedéssica, ex-Efegévica), Marcel Queiroz, Roberta Feilhaber, além da equipe do NUCA no período 1998-2000: Andréa Cortez, Felipe Mendel, Fernando Fernandes, Marcelo Moura, Paulo André Vieira, Oscar Zovo e Vinícius Bueno. Agradeço também a pessoas que estão em outros cantos do mundo, mais especificamente em Portugal, como Márcia Lameirinhas (Marcinha), Ana Cardoso (Belinha), Catarina Cardoso (Kathará), Marta Carvalho (Martinha), Ana Santos (Pipa); ao Prof. Doutor António de Almeida Serra, do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, Ana Torgo (Anita), Patrícia Silva, Gonçalo Jorge da Silva e Filipe Daniel Matos e respectivas famílias.

RESUMO

Este trabalho pretende analisar o fenômeno das trocas de música na Internet e seus impactos sobre a indústria fonográfica brasileira, notadamente, no recolhimento dos direitos autorais. Através da análise dos fatores que facilitam as trocas de música, tais como a tecnologia, a incapacidade do aparato do Estado em controlá-las e o acesso à Internet, entre outros fatores, pretende-se definir a importância relativa destas no médio e no longo prazo, quando espera-se que aumente o acesso da população à Internet e que inovações melhorem a qualidade e a velocidade das conexões. No panorama atual, dada a não-universalização do acesso à Internet, as perdas com as trocas de música concentram-se no não-recolhimento de direitos autorais, não tendo sido ainda provada correlação com queda na vendagem de CDs.

SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES

ABPD HTTP FTP ISO KBPS MPEG MP3 P2P RIAA WWW

Associação Brasileira dos Produtores de Disco Hypertext Transfer Protocol File Transfer Protocol International Organization for Standardization Kilobytes por segundo Motion Picture Expert Group ISO-MPEG-Audio-1-Layer3 Peer-to-peer Record Industry Association of America World Wide Web

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................9 CAPÍTULO I – DIREITOS AUTORAIS......................................................................................................14 I.1 - Histórico..................................................................................................................................................14 I.2 – Conceitos básicos ....................................................................................................................................15 I.2.1 – Obra musical ...................................................................................................................................15 I.2.2 – Autor ...............................................................................................................................................15 I.2.3 – Fonograma ......................................................................................................................................16 I.2.4 – Editor ..............................................................................................................................................16 CAPÍTULO II – TROCAS DE MÚSICA NA INTERNET ..........................................................................19 II.1 – A Internet...............................................................................................................................................19 II.1.1 – Acesso à Internet.............................................................................................................................20 II.2 – O fenômeno MP3 ...................................................................................................................................22 II.2.1 – O formato MP3 e a violação de direitos autorais.............................................................................24 II.3 – Napster e a tecnologia P2P (“peer-to-peer”) ............................................................................................26 II.3.1 – O Napster .......................................................................................................................................26 II.3.2 – A tecnologia P2P ............................................................................................................................27 II.4 – Potencial de trocas de música na Internet brasileira .................................................................................31 CAPÍTULO III – PERSPECTIVAS PARA A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA ..........................................34 III.1 – A atuação do Estado..............................................................................................................................34 III.2 – Gerência de direitos autorais na Era da Internet......................................................................................35 III.3 – Preferências do consumidor: substituição entre CDs e formatos digitais .................................................36 III.4 – Ganhos de eficiência e estratégias..........................................................................................................38 III.4.1 – Streaming......................................................................................................................................39 III.4.2 – Investimento em Catálogo..............................................................................................................41 III.4.3 – CDs personalizados.......................................................................................................................45 CONCLUSÃO ...............................................................................................................................................47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................................................52

INTRODUÇÃO Os números do Produto Interno Bruto do setor cultural brasileiro mostram seu potencial para a geração de renda e emprego. Pesquisa realizada pela Fundação José Pinheiro e patrocinada pelo Ministério da Cultura no Brasil mostrou que, em 1994, cada milhão de reais aplicados na área cultural geravam 160 postos de trabalho 1. Neste mesmo ano, o conjunto das atividades relacionadas à cultura representou 0,8% do PIB brasileiro2 (ver Tabela 1), empregando 53% mais mão-de-obra do que a indústria de material de transportes (incluída aí a indústria automobilística), e 90% a mais do que a indústria de equipamentos e material eletro-eletrônico, não obstante o segmento destas duas indústrias no PIB serem maiores (ver Tabela 2). Ainda tendo 1994 como ano-base, o salário médio pago na área cultural era quase o dobro da média do conjunto das atividades econômicas (ver Tabela 3).

Tabela 1: PIB DA CULTURA EM COMPARAÇÃO COM O DE OUTRAS ÁREAS DA ECONOMIA EM 1994 (R$ 1.000,00) Atividades selecionadas Atividades Culturais Agropecuária Fabricação de Equipamentos e Material Elétrico e Eletrônico Fabricação de Automóveis, Caminhões, Ônibus e suas peças e acessórios e outros veículos Serviços industriais de Utilidade Pública Construção Comunicações Instituições Financeiras Administração Pública Outros Total

Valor Adicionado Participação % 2.707.849 30.457.595

0,77% 8,63%

5.125.344

1,45%

6.394.700 9.368.877 28.296.067 4.504.798 49.174.082 46.845.669 169.951.829 352.826.810

1,81% 2,66% 8,02% 1,28% 13,94% 13,28% 48,17% 100%

Fonte: MinC

1 2

MinC, (2000) Fonte: Fundação João Pinheiro apud MinC, (2000)

Tabela 2: PARTICIPAÇÃO DO PESSOAL OCUPADO EM CULTURA EM COMPARAÇÃO COM OUTRAS ÁREAS DA ECONOMIA BRASILEIRA EM 1994 Atividades selecionadas Atividades Culturais Agropecuária Fabricação de Equipamentos e Material Elétrico e Eletrônico Fabricação de Automóveis, Caminhões, Ônibus e suas peças e acessórios e outros veículos Serviços industriais de Utilidade Pública Construção Comunicações Instituições Financeiras Administração Pública Outros Total Fonte: MinC

Pessoal Ocupado Participação % 509.507 15.365.300

0,8% 25,4%

266.400

0,4%

332.300 283.500 3.484.100 184.600 839.800 5.584.306 33.557.087 60.406.900

0,6% 0,5% 5,8% 0,3% 1,4% 9,2% 55,6% 100%

Tabela 3: SALÁRIO MÉDIO POR ATIVIDADE NA ECONOMIA BRASILEIRA EM 1994 (R$ 1,00)

Atividades selecionadas Atividades Culturais Agropecuária Fabricação de Equipamentos e Material Elétrico e Eletrônico Fabricação de Automóveis, Caminhões, Ônibus e suas peças e acessórios e outros veículos Serviços industriais de Utilidade Pública Construção Comunicações Instituições Financeiras Administração Pública Outros Total

Salários Médios

Participação %

3.642,35 256,49

1,97% 0,14%

4.462,14

2,41%

5.436,01 15.306,63 1.074,24 8.507,32 19.118,03 5.480,31 1.388,00 184.881

2,94% 8,28% 0,58% 4,60% 10,34% 2,96% 0,75% 100%

Fonte: MinC

Tais dados desautorizam a idéia de cultura no Brasil como algo economicamente irrelevante e, segundo Balaban (1998), a idéia de cultura como um “ornamento de luxo”.

Há no Brasil três “indústrias culturais” que se destacam pelo seu comportamento dinâmico: a cinematográfica, a editorial e a fonográfica. Esta monografia pretende tratar exclusivamente de um problema que assola a indústria fonográfica, a saber, trocas ilegais de música na Internet, isto é, sem autorização de seus proprietários. O mercado fonográfico brasileiro, segundo os dados mais recentes da ABPD, é o sétimo maior do mundo, tendo faturado US$ 725 milhões em 2000. Neste mesmo ano, 75% das vendas de discos no Brasil eram de música nacional3, o que demonstra a aceitação deste “produto nacional” por parte dos consumidores brasileiros, sendo que nos anos anteriores a aceitação também fica em torno destes patamares (ver Figura 1). FIGURA 1: VENDAS POR REPERTÓRIO NO MERCADO BRASILEIRO 1991-2000

Fonte: ABPD

Ao contrário do que se poderia supor, nem sempre a música nacional tem a maior parte das vendas na indústria fonográfica de um determinado país4. Isso pode ser verificado na Itália, por exemplo, a despeito de seu tradicional cancioneiro (ver Figura 2).

3 4

Fonte: ABPD Fonte: IFPI apud ABPD

FIGURA 2: VENDA DE REPERTÓRIO NACIONAL NOS MERCADOS DE ORIGEM EM %

Fonte: ABPD

Para além dos dados econômicos referentes ao desempenho da indústria fonográfica, há também a questão da música brasileira como símbolo da criatividade, potencialidade e auto-estima do povo brasileiro, assim como acontece em maior escala com o futebol. Entre os produtos culturais com maior aceitação dentro e fora do país está a nossa música. A música brasileira é reconhecida mundialmente sendo, sabidamente, uma das melhores de todo o mundo. De fato, a qualificação da música como “boa” ou “ruim” é extremamente subjetiva por envolver questões de preferências pessoais e educação formal. Mas um indicador de sua aceitação pode ser obtida de sua influência em músicos de todas as partes do mundo, que confessam ter se inspirado na música brasileira para compor; na maior vendagem de artistas nacionais em detrimento dos artistas estrangeiros no Brasil5 (ver Figura 3 abaixo); na constante premiação de artistas brasileiros em eventos da Indústria Fonográfica mundial, como o Grammy; no tratamento respeitoso que artistas brasileiros recebem em festivais de música em todo o planeta, etc.

5

Fonte: ABPD

FIGURA 3: VENDAS POR REPERTÓRIO EM 2000

Fonte: ABPD

Postos estes dados, a presente monografia tenta analisar o impacto do que se convencionou chamar “a revolução da música digital” ou “revolução do MP3”, esta última sendo uma expressão reverente ao principal formato digital de música vigente atualmente na Internet. Aqui tenta-se analisar o impacto das trocas de música, e das novas tecnologias de áudio disponíveis na Internet sobre a indústria fonográfica brasileira. Entende-se que os principais atores desta são os artistas (autores de obras musicais), os editores (detentores do direito de reprodução da obra), e os produtores fonográficos (detentores do direito de autorizar ou proibir a utilização dos fonogramas). O primeiro capítulo descreve o histórico e a idéia de direitos autorais, assim como alguns conceitos da lei brasileira que trata do tema. O segundo capítulo trata da Internet, seu histórico e desenvolvimento, assim como do surgimento do formato MP3, da tecnologia P2P, e a influência destes sobre direitos autorais. Também será analisado o potencial de trocas de música na Internet brasileira. O terceiro e último capítulo traça estratégias para a indústrias fonográficas mundial e brasileira em particular, no que tange à valorização dos catálogos de artistas. Também discute a impossibilidade do Estado em combater a reprodução não-autorizada de músicas através das redes P2P, a substituição entre CDs e músicas em formatos digitais, e possíveis ganhos de eficiência que podem advir de uma nova concepção de gerência de direitos autorais no ambiente da Internet. Ao terceiro capítulo, segue-se a conclusão desta monografia.

CAPÍTULO I – DIREITOS AUTORAIS

I.1 - Histórico Direitos autorais podem ser encarados genericamente como direitos de propriedade. A história mostra que o hábito de remunerar artistas e autores por suas obras criou raízes em séculos distantes. Em “História Natural”, de Plínio, há alusões a autores que recebiam dinheiro por suas obras. Em Atenas, na antiguidade grega, os recitadores de versos também ganhavam prêmios nas Olimpíadas, da mesma forma que os atletas que competiam nas maratonas. Até a Idade Moderna houve tentativas isoladas espalhadas pelo mundo de conferir alguma proteção aos autores de obras intelectuais. Em 1495, o Senado de Veneza votou uma concessão ao inventor dos caracteres tipográficos conhecido como “itálicos”, dando-lhe a exclusividade do seu uso e prescrevendo penas para quem os usasse sem sua permissão. O pintor Rubens conseguiu privilégios na França, na Bélgica e na Holanda que impediam a reprodução de seu quadro “A descida da cruz”. Justamente por falta de proteção ao autor de obras intelectuais e/ou aos seus herdeiros, a filha de Strauss morreu pobre, enquanto uma opereta de seu pai rendia fortunas a negociantes. Da mesma forma, os filhos de Milliet assistiam, miseráveis e impotentes, ao leilão das obras do pai, vendidas por este a negociantes de arte. (SANTIAGO, 1985) A primeira lei conhecida sobre Direito Autoral apareceu na Inglaterra em 1709, baixada pela rainha Ana e que passou a vigorar desde 1710, resumida pela seguinte epígrafe: “An act for the Encouragement of Learning, by Vesting the Copies of printed Books in the Authors or Purchasers of such Copies during the time therein mentioned” A Inglaterra tornou-se a precursora da legislação autoral com essa lei, embora se voltasse exclusivamente às obras impressas. Posteriormente, em 1735, os ingleses

estenderam essa proteção aos desenhos, proibindo seu comércio sem autorização dos seus autores, sob pena de perda ou destruição da matriz e multa pecuniária. Ainda no século dezoito, Dinamarca, Alemanha e Espanha baixaram leis visando a proteção de obras artísticas e literárias.

Foi a França, entretanto, em leis de 1791 e 1793, que estabeleceu os parâmetros modernos da proteção dos direitos autorais, ao tornar obrigatória a autorização do autor para que uma peça teatral fosse representada, sendo este ainda hoje o único processo eficiente de garantir ao titular de obras artísticas, literárias, musicais, intelectuais etc, a remuneração pelo uso dos trabalhos que lhes pertencem. A partir daí, tais obras passaram ao domínio dos seus criadores, com seus herdeiros se beneficiando do direito da sucessão, e os editores passando a serem cessionários da obra, ao contrário da situação vigente até então, quando estes eram donos. I.2 – Conceitos básicos A Lei N 9610 de 19/02/98 altera, atualiza e consolida a legislação de direitos autorais até então vigente no Brasil, sendo considerada uma das leis mais avançadas do mundo, no que respeita ao direito autoral (SANCHES, 2002). Para a melhor compreensão da questão de que trata a monografia, faz-se necessária a definição de alguns conceitos. I.2.1 – Obra musical Obra é a criação do espírito, de qualquer modo exteriorizada e, obra musical, é a criação do espírito, exteriorizada através de uma composição musical, com ou sem letra. I.2.2 – Autor O autor é a pessoa física que cria a obra intelectual. O autor é o titular dos direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que produziu.

I.2.3 – Fonograma Fonograma é toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual. I.2.4 – Editor É a pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato pactuado com o autor. I.2.5 – Direito de Autor É um conjunto de prerrogativas que a lei confere ao autor em relação às suas obras. O autor é titular de um direito que se caracteriza por sua dupla natureza: a de direito patrimonial ou econômico e a de direito moral ou pessoal. Direitos patrimoniais são os direitos exclusivos conferidos ao autor para que ele mesmo possa explorar sua obra ou autorizar terceiros

explorá-la, desfrutando dos resultados

econômicos da sua exploração ou utilização, da forma e nas condições que forem por ele estipuladas ou negociadas. Estes direitos podem ser cedidos, negociados ou transferidos a outras pessoas, o que somente terá validade se feito por escrito. Os direitos patrimoniais dos autores de obras musicais se dividem em; a) Direito de reprodução: direito exclusivo do autor de autorizar ou proibir que sua obra seja fixada ou gravada em um suporte material – que pode ser um disco, uma fita cassete, um livro, uma partitura, etc. Essa fixação permite a reprodução e a comercialização da obra através da confecção de exemplares da mesma ou de cópias desses exemplares, que podem ser obtidos por processos gráficos ou mecânicos, sejam eles analógicos ou digitais. b) Direito fonomecânico: direito gerado pela reprodução mecânica da obra, a partir de sua fixação em um suporte material denominado “fonograma”, que é colocado em circulação no mercado sob forma de um disco, de uma fita-

cassete, de um CD, ou em qualquer outro formato de cópias obtidas através de um processo mecânico. c) Direito de Reprodução Gráfica: direito gerado pela reprodução e comercialização da obra ou de cópias da mesma, obtidas por meios gráficos, tais como uma partitura musical, um “songbook”, etc. d) Direito de sincronização: direito de explorar a obra quando esta está associada a uma imagem, como no caso de um filme ou de um programa de televisão. e) Direito de adaptação: direito do autor de autorizar ou proibir que sejam feitas modificações, variações ou arranjos em sua obra. f) Direito de comunicação pública: direito do autor de autorizar ou proibir a comunicação de suas obras ao público por meios que não consistem na distribuição de exemplares ou cópias g) Direitos conexos: direitos concedidos pela Lei aos artistas, intérpretes ou executantes para autorizar ou proibir a utilização de suas interpretações ou execuções; aos produtores de fonogramas de autorizar ou proibir a utilização de seus produtos; e aos organismos de radiodifusão, para autorizar ou proibir a utilização de suas emissões de rádio ou televisão. Direitos morais são aqueles que estão diretamente vinculados à personalidade do autor, que são considerados perpétuos, inalienáveis e irrenunciáveis, não podendo portanto ser objeto de cessão ou transferência. Estes direitos consistem em reivindicar a qualquer tempo a paternidade da obra, ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado como sendo o autor da obra, conservá-la inédita, opor-se

a quaisquer

modificações que possam prejudicar a obra ou atingi-lo em sua reputação, modificá-la antes ou depois de sua publicação, e retirá-la de circulação, ressalvando as indenizações que possam ser exigidas por terceiros. A sociedade geralmente ignora que, ao se comprar um CD de música, por exemplo, não está se tornando dono da obra ali contida, pois esta é protegida e registrada por seus autores. Quem compra um CD é dono apenas do fonograma, do suporte material, isto é, do próprio CD. A questão que se coloca não é somente o fato do direito de autor raramente ser encarado como direito de propriedade, mas sim, o desconhecimento por parte da sociedade de que uma obra, mesmo que imaterial, como

um texto ou uma canção, é tão propriedade de determinado autor quanto qualquer bem tangível que ele possua.

CAPÍTULO II – TROCAS DE MÚSICA NA INTERNET

II.1 – A Internet A Internet é uma rede que interliga computadores espalhados por todo o mundo, mas em vez de ser apreendida como uma “rede de computadores” deve ser entendida como uma “rede de redes”. Cada rede individual conectada à Internet pode ser administrada por uma instituição cultural, uma entidade governamental ou uma empresa qualquer. Seu embrião surgiu nos anos 60 em meio à Guerra Fria. Grandes computadores estavam espalhados pelos Estados Unidos e armazenavam informações militares estratégicas, em função de um possível ataque nuclear soviético. A interconexão de vários centros de computação apresentou-se como a solução para que o sistema norte-americano de informações continuasse funcionando no caso de um dos centros ser destruído, ou a interconexão entre dois deles ser atingida. Posteriormente, o governo norte-americano investiu na criação de backbones6 aos quais são conectadas redes menores. A introdução de backbones foi o primeiro passo para integração de universidades e centros de pesquisa com computadores de empresa. A introdução da Internet no Brasil deveu-se à Rede Nacional de Pesquisas, criada em 1989 para atender os anseios dos meios acadêmicos e científicos, mas só a partir de 1994 a Internet, através da Empresa Brasileira de Telecomunicações, passou a ser acessível a diversos tipos de usuários brasileiros, incluindo empresas.(ZIOTTO, 1999) A Internet hoje oferece várias opções de serviços que podem ser usados tanto para o lazer quanto para o trabalho do usuário comum. As mais comuns atualmente são: a) World Wide Web ou WWW: é um conjunto de páginas que permite o acesso e a visualização de imagens, sons e textos na Internet, através da utilização de páginas escritas na linguagem HTML (Hypertext Markup Language), as quais permitem inserir imagens em um arquivo de texto. Estas páginas, uma vez 6

Backbones: computadores com grande poder de processamento conectados entre si por linhas de grande largura de banda, como elos de satélite, canais de fibra óptica e elos de transmissão por rádio.

disponibilizadas na Internet, podem ser visualizadas em qualquer parte do mundo, através de um computador conectado à rede. Junto com o e-mail, este é o serviço mais popular na Internet. b) Chat: serviço de troca de mensagens em tempo real, do qual o IRC (Internet Relational Chat) é o tipo mais conhecido e difundido na Internet. Através dele pode-se fazer trocas de mensagens e arquivos de texto, áudio, vídeo e imagens. c) Protocolo de Transferência de arquivos ou FTP (File Transfer Protocol): o FTP é um programa que realiza a transferência de arquivos entre computadores. O FTP dispensa a conexão direta entre dois computadores. Para que seja efetuada uma transferência de arquivos, basta que seja acordado um diretório em um servidor para a troca. Há na Internet locais chamados “FTP sites” onde são mantidos milhares de arquivos, os quais são acessíveis a qualquer pessoa conectada a rede. (ZIOTTO, op. cit) d) Correio Eletrônico ou E-mail (Electronic Mail): o e-mail é um dos serviços mais populares de Internet e serve para troca de mensagens e arquivos, funcionando como o correio tradicional. Permite aos usuários a troca de mensagens usando um endereço eletrônico como referencia para localização do destinatário da mensagem. Sua principal diferença em relação ao chat é não funcionar em tempo real. II.1.1 – Acesso à Internet Para acessar a Internet ou outros computadores utiliza-se normalmente uma porta serial do computador7, uma placa de rede8 ou um equipamento chamado “modem” que torna possível a comunicação entre computadores via linha telefônica. A largura da faixa de rede9 da Internet é medida em bits por segundo (bps) ou kilobits por segundo (kbps) e é fundamental para determinar com que rapidez os dados solicitados à Internet chegam ao computador solicitante, assim como para saber quantos usuários o provedor de serviços de Internet pode suportar simultaneamente. Para entender como isto 7

Porta serial: canal de transmissão de dados presentes em todos os computadores. Placa de rede: equipamento que permite a interligação simultânea de vários computadores. 9 Largura da faixa de rede: indica a que velocidade os dados podem fluir através de um determinado canal de comunicação entre computadores. 8

funciona, basta imaginar a largura da faixa de rede como uma estrada, e os usuários como carros: quanto mais larga a estrada, maior o número de carros que possam trafegar simultaneamente, e maior será a velocidade que cada um deles poderá desenvolver individualmente. Assim será com a largura da faixa de rede. A tabela a seguir mostra alguns dos tipos de conexão disponíveis atualmente, assim como o número de usuários suportados por cada uma delas.

QUADRO 4: TIPOS DE CONEXÃO À INTERNET E RESPECTIVAS VELOCIDADES Conexão Retransmissão de quadros ISDN

BPS Máximo 56.000

Usuários simultâneos suportados 10–20

128.000

10–50

T1

1.500.000

100–500

T1 Fracionário

varia conforme necessidade

T3

45.000.000

5000

Fonte: Microsoft

Conexões com maiores velocidades, tais como T1 e T3, são bem mais freqüentes entre pessoas jurídicas, que possuem um tráfego pesado de informações pela Internet, não sendo comuns entre pessoas físicas pelo fato de terem custos proibitivos para estas arcarem, pelo menos individualmente. Os modems de até 56 kbps foram fundamentais na popularização da Internet por conta de seu baixo custo e por permitirem a qualquer pessoa que dispusesse de um computador e de uma linha telefônica o acesso à Internet; ainda hoje são bastante usados. Atualmente, pelo próprio desenvolvimento do conteúdo da Internet, que passou a apresentar arquivos cada vez maiores demandando maior tempo para que fossem transferidos ao computador solicitante, os modems tornaram-se insuficientes para dar vazão ao tráfego de informações. Ainda havia a inconveniência de se manter a linha telefônica ocupada enquanto se navegava na Internet. A tecnologia levou ao desenvolvimento de outras formas de acesso à Internet, genericamente chamadas de acesso rápido. Utilizando equipamentos tais como linhas telefônicas, cabos de serviços de televisão por assinatura, e satélites, pode-se acessar a Internet a velocidades muito

superiores ao modem de 56 kbps, em níveis que variam de ISDN até T3, embora a um custo que vai crescendo à medida em que as velocidades aumentem. Partindo de dados econômicos sobre a renda média brasileira já por demais sabidos, por mais que certos grupos sociais restritos possam arcar com a navegação na Internet através de serviços de “acesso rápido”, relativamente ao total da população brasileira pode-se dizer que esse grupo é numericamente desprezível.

II.2 – O fenômeno MP3 Em 1987, o Fraunhofer Institut Integrierte Schaltungen da Alemanha, empresa dedicada ao desenvolvimento de tecnologias de ponta, deu partida a um novo formato de compressão para arquivos musicais, começando a trabalhar numa codificação perceptual de áudio para transmissão digital de áudio. Entende-se “codificação perceptual” como um método que consiste somente em utilizar as freqüências sonoras que são captadas pelo ouvido humano. Em uma pesquisa conjunta, a Universidade de Erlangen, também na Alemanha, acabou por desenvolver um algoritmo de compressão de áudio chamado ISO-MPEG Audio Layer-3, que com o tempo passou a ser conhecido como MP3. Em 1989, este formato foi patenteado por seus inventores e, em 1992, reconhecido como formato padrão para compactação de arquivos musicais pela International Organization for Standardization, entidade internacional que coordena a adoção de padrões técnicos. Ressalte-se que o MP3 não é um programa e, sim, um tipo de arquivo, como “doc”, “xls”, “html”, etc. O MP3 foi uma forma inovadora de reduzir o tamanho de arquivos sonoros: retirar destes os sons cujas freqüências não são captadas pelos ouvidos humanos. Tal compactação reduz os arquivos sonoros a cerca de um décimo do tamanho original, em megabytes, tornando mais fácil a distribuição e difusão dos mesmos por computadores, especialmente pela Iternet. Uma canção de cinco minutos codificada sob o formato MP3 tem aproximadamente cinco megabytes de tamanho, que poderia ser transferida da Iternet para um computador pessoal em meia hora, através de uma conexão com um

modem de 56 kbps, enquanto esta mesma canção em seu tamanho original pode ter de cinqüenta a sessenta megabytes de tamanho, o que tornaria inviável a sua transferência. A popularização deste formato começou em 1997, quando foi criado nos Estados Unidos o portal MP3.com , que distribuía no formato MP3 músicas de cantores com pouca repercussão na mídia. Neste mesmo ano foi lançada a primeira versão do Winamp, programa para ouvir arquivos codificados sob o formato MP3 no microcomputador, e que era oferecido gratuitamente pela Internet. Vários portais na World Wide Web começaram a oferecer na Internet músicas no formato MP3 gratuitamente, a maior parte protegida por direitos autorais. Elas também eram trocadas nos protocolos FTPs e IRCs, o que foi aumentando a quantidade e a diversidade de música disponível. Começaram a ser criadas novas e várias ferramentas para a fruição do MP3, tais como novos programas de codificação, novos programas de execução da música codificada – além do Winamp - e motores de busca especializados em achar arquivos MP3 espalhados pela Internet. Uma das razões da enorme difusão do MP3 é que os detentores da patente permitiram gratuitamente todo e qualquer desenvolvimento relacionado à fruição do MP3. Outros formatos digitais de áudio desenvolvidos por empresas tais como Yamaha, Lucent e Microsoft, alguns com melhor qualidade de som do que o MP3, não se popularizaram porque são “formatos proprietários” e seus detentores de patentes impõem restrições ao modo como analistas e pesquisadores podem desenvolver suas tecnologias. Foi nesse ínterim que a associação da indústria fonográfica americana, a RIAA, alegando perdas com direitos autorais, começou a desenvolver esforços visando se não a eliminação da difusão do MP3, o controle do fenômeno. Para isso, criaram no mesmo ano de 1998, a Iniciativa para a Música Digital Segura, o SDMI, na tentativa de desenvolver um formato musical “seguro”, ou seja, que assegurasse o pagamento dos direitos autorais. De qualquer forma, o formato lançado por eles em setembro de 2000 foi “craqueado”, isto é, violado, semanas depois de seu lançamento público por um grupo de hackers convidados10. Um dos aspectos mais interessantes do MP3 é o impacto que ele pode causar no hábito de ouvir música. Uma pessoa pode construir uma vasta coleção de músicas MP3, retiradas da Internet, ou então, geradas através de programas disponíveis gratuitamente,

que codificam a partir de CDs. Com esta coleção armazenada no disco rígido de um computador, ela já poderia com duas simples caixas de som para computadores ouvir suas canções. Mas se ela dispõe também de um gravador de CDs e de determinados programas, ela pode criar CDs personalizados, os quais contém apenas as canções selecionadas por ela. Isso simboliza duas mudanças: a possibilidade de uma pessoa “fazer” seus CDs, isto é, ouvir música de uma forma diferente daquela proposta pela indústria fonográfica, que vende CDs padronizados com músicas pré-escolhidas; e a possibilidade de que, a longo prazo, este hábito se consolide gerando óbvia perda de receitas para a indústria fonográfica. O MP3 não é o único formato digital de áudio, como já foi dito aqui. Mas o seu pioneirismo em popularizar o hábito de trocar música pela Internet jogou sobre si os holofotes e atiçou as discussões sobre direitos autorais. Esse panorama promete se prolongar a médio prazo, com o lançamento de outros formatos sonoros. No momento, começa a tomar vulto na Internet o formato digital Ogg Vorbis que, ao contrário do MP3, é um formato com código-fonte aberto11, o que permite a qualquer programador desenvolvê-lo e distribuí-lo sem ter que pagar pela patente. Ao mesmo tempo, assim como o MP3, o Ogg Vorbis, não assegura o pagamento de direitos autorais. II.2.1 – O formato MP3 e a violação de direitos autorais Atualmente há uma quantidade incalculável de músicas protegidas por direitos autorais circulando pela Internet, a maior parte circulando no formato MP3. A violação começa quando alguém, sem autorização do artista e do produtor fonográfico, codifica uma música no formato MP3 a partir de um CD, um disco de vinil, um cassete, etc. Dessa forma é desrespeitado o direito de reprodução, que é o direito do autor ou do editor por ele autorizado de proibir ou autorizar que sua obra seja fixada ou gravada em um suporte material, seja este suporte um disco rígido, uma fita cassete, um disco de vinil, um CD, um livro, etc. O autor também está tendo desrespeitado seus direitos conexos de autorizar ou proibir a utilização de suas interpretações ou execuções. O produtor fonográfico, por sua vez, está tendo desrespeitado seus direitos conexos de autorizar ou proibir a utilização de seus fonogramas, e também o direito fonomecânico 10 11

IDGNOW!, 26/04/2001. Folha de São Paulo, 26/01/2002.

gerado pela reprodução mecânica da obra, a partir de sua fixação em suporte material, no caso do MP3, um disco rígido, um disquete flexível ou um CD. Se essa música for enviada a alguém ou a um computador-servidor, o remetente estará desrespeitando o direito de distribuição do autor, que é o direito exclusivo do autor negociar a distribuição de sua obra, que fica mais comumente a cargo do editor. Para que a música permaneça armazenada em um computador-servidor ou em qualquer banco de dados é preciso mais uma vez a autorização do autor, pelo menos segundo a lei brasileira de direitos autorais; é possível que legislações mais antigas de outros países não incluam esta proteção. E, por fim, quando uma música é enviada de um computador-servidor para um solicitante, mais uma vez estará sendo desrespeitado o direito de distribuição. Todos esses direitos são “licenças remuneradas”, isto é, não costumam ser concedidos gratuitamente. Por tudo o que foi apresentado, dado o grande volume de músicas trocadas, e por menor que fossem os valores das autorizações dos autores, editores e dos produtores fonográficos, chega-se à conclusão de que é literalmente incalculável o valor das perdas destes com as trocas não-autorizadas de música na Internet. Para que se possa ter uma idéia do valor que deixa de ser arrecadado, uma pesquisa conduzida pelo Yankee Group e divulgada no portal Nua Surveys concluiu que, em 2001, os americanos baixaram da Internet 5,16 bilhões de músicas em formato digital12. Mesmo calculando a remuneração de direitos autorais em centavos, ainda assim seria uma quantia expressiva que deixou de ser percebida pelos titulares, sob a qual incidiriam impostos também, ou seja, o Estado norte-americano também deixou de arrecadar. No Brasil, dada a incipiente universalização do acesso à Internet, os valores seriam substancialmente menores, ainda acarretando perdas mas não na mesma magnitude do caso norte-americano.

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IDGNOW!, 15/08/2002.

II.3 – Napster e a tecnologia P2P (“peer-to-peer”) II.3.1 – O Napster O divisor de águas na história do formato MP3 surgiu em 1999. Shawn Fanning, então um estudante universitário de 19 anos, criou o Napster, um software baseado no sistema P2P (“peer-to-peer”) para facilitar a troca de arquivos MP3 entre computadores espalhados ao redor do mundo. O programa facilitou enormemente a tarefa de encontrar arquivos MP3 na Internet e baixá-los para o computador, possibilitando a formação de um enorme acervo de música digital. O Napster permitia a qualquer pessoa conectada à Internet encontrar e baixar qualquer tipo de música popular em questão de minutos, dependendo apenas da velocidade de conexão. A sua simplicidade e facilidade de utilização fizeram com que ele tivesse uma disseminação surpreendente por todo o mundo. Foi montada uma empresa – a Napster Inc. – e construído um portal onde poderia-se baixar o programa para troca de música. Com o Napster instalado em seu computador pessoal, o usuário poderia, além de fazer busca de músicas no formato MP3 em outros computadores conectados à rede do Napster, colocar as músicas de seu computador à disposição de outros usuários (ASSEMANY, 2001). Em pouco tempo, milhões de pessoas no mundo inteiro utilizaram-se do Napster para trocar música pela Internet, e foram realizadas milhões de transferências de música entre computadores. Em 1998, a empresa Diamond Multimedia lançou o primeiro aparelho específico para reproduzir músicas no formato MP3, o “RIO”, que permitia ouvir músicas onde o usuário quisesse, como em um “walkman”. A RIAA moveu ação judicial contra a Diamond Multimedia por isto e, perdeu, o que fez com que outras empresas entrassem no nicho criado pela empresa. Após tal derrota, a RIAA voltou-se contra o Napster. Vários artistas, individualmente, também o acionaram judicialmente. A divulgação diária pela imprensa dos últimos lances da batalha judicial entre o Napster e as gravadoras serviu para atrair mais pessoas para o serviço enquanto ele estava funcionando. Várias pessoas que não sabiam do que se tratava e que não sabiam o que o Napster oferecia passaram a se utilizar dos seus serviços. Nos últimos meses do seu funcionamento o número de usuários cresceu exponencialmente, atingindo picos às vésperas das datas anunciadas como sendo as das possíveis interdições judiciais. A

batalha judicial terminou em 2001, quando uma sentença judicial obrigou o Napster a tirar de seu acervo todas as músicas protegidas por direitos autorais, o que inviabilizou o serviço, já que quase todas as músicas se encaixam nesta categoria. No caso brasileiro, uma pesquisa conduzida pelo Instituto Jupiter Media Metrix divulgada em maio de 2001 concluiu que o Brasil era o quarto país com maior número de usuários do Napster, no universo dos 13 países com maior números de conexões à Internet. Por esta pesquisa, 18,8% das pessoas conectadas à Internet acessavam o servidor do Napster 4,7 vezes por mês, em média13. II.3.2 – A tecnologia P2P O Napster era um software de compartilhamento de músicas em formatos digitais baseado na tecnologia P2P (“peer-to-peer”), que consiste na comunicação direta entre dois computadores para o compartilhamento de diretórios, arquivos e serviços, sem a utilização de computadores de qualquer porte como intermediários. Com o compartilhamento descentralizado de arquivos, criou-se uma possibilidade de disseminação de informações nunca antes vista. Mas o Napster é caracterizado como um programa baseado no que se chama modelo híbrido de P2P. Neste modelo, o computador que requisita um arquivo (cliente) faz a solicitação a um outro computador (servidor), que analisa uma lista que, na verdade, é um repositório central de informações, que contém informações sobre os arquivos disponíveis em outros clientes. A lista dos clientes que contenham o arquivo solicitado é repassada ao computador solicitante, o qual escolherá de qual computador baixará o arquivo.

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Correio Braziliense, 08/05/2001.

O fato de o Napster, pelo tipo de tecnologia utilizada em sua construção, utilizar-se de um servidor central, tornou possível a sua interdição judicial, pois para interromper o tráfego de arquivos musicais bastou a desativação do computador-servidor central do Napster, através do qual todas as trocas eram realizadas e cujo endereço físico era conhecido. Com o sucesso do Napster foram desenvolvidos outros programas para troca de arquivos musicais, mas estes eram baseados numa tecnologia P2P diferente, chamada de modelo descentralizado de P2P. No modelo descentralizado, os computadores se comunicam sem a ajuda de nenhum servidor ou repositório central de informações, atuando simultaneamente nas funções de cliente e servidor. Os computadores possuem uma lista de todos os outros computadores conectados através de um programa e, fazem solicitações uns aos outros. Quando o arquivo solicitado é encontrado, estabelece-se uma conexão direta entre o computador solicitante e o requisitado para a transferência do arquivo, sem intermediários.

Programas para troca de músicas construídos como P2P descentralizados, tais como Morpheus, Kazaa, WinMX, e Grokster, não possuem um computador-servidor central como o Napster; cada computador conectado age como um servidor. Tal característica torna praticamente impossível a desativação judicial desses programas, porque cada computador conectado é um servidor, e para interromper o tráfego de arquivos musicais seria necessário interditar cada um dos computadores conectados. A impossibilidade reside aí, porque em cada serviço há, em média, centenas de milhares de computadores conectados, cujos endereços físicos são desconhecidos e estão espalhados pelo mundo. Caso isso possa ser contornado – possibilidade muito remota, dada a tecnologia hoje vigente – seria necessário ainda obter alguma forma de harmonização entre sistemas judiciais dos países envolvidos, confirmar identidades por trás do endereços eletrônicos utilizados para inscrição no sistema, e provar que pessoa acessou a Internet no determinado momento. O Napster foi desativado e deve voltar a funcionar apenas quando for estabelecido um método que permita o pagamento dos direitos autorais das músicas disponibilizadas. Mas desde já, pode-se antever o fracasso de tal empreitada. Se o consumidor tiver como obter determinada música gratuitamente através de outros programas, não há porque pagar para obtê-la. Nesse caso, os programas P2P

descentralizados são vistos como substitutos perfeitos do Napster, caracterizando-se substitutos perfeitos como dois bens que são trocados a uma taxa constante. Argumentase que o Napster poderia oferecer melhor qualidade sonora como razão para que as pessoas passem a optar por seu serviço pago, mas a eficácia dessa estratégia é questionável, dada a já satisfatória qualidade sonora dos arquivos MP3 hoje em trânsito pela Internet. Uma pesquisa realizada pela organização Ipsos-Reid entre internautas americanos mostrou que 84% dos entrevistados não pretendem pagar pelo download de músicas, mesmo que não haja mais música gratuita disponível e, que apenas 8% deles pagam para fazer downloads. 14 É razoável supor que o sucesso de programas de distribuição de arquivos seja um fenômeno restrito às faixas etárias mais jovens da população em qualquer país do mundo, pela pouca familiaridade das faixas mais idosas com a Internet, que se acentua à medida que a idade média dos usuários aumenta. Outro motivo para tal suposição é o pouco tempo disponível no cotidiano de uma pessoa adulta e que trabalhe para, além de seus afazeres normais, acessar a Internet e pesquisar como obter um arquivo. Isto na hipótese necessária de que a pessoa que tenha o arquivo desejado também esteja conectado à Internet ao mesmo tempo que a pessoa que busca, caso contrário, não haverá troca. Programas do tipo P2P poderiam, se bem utilizados pela indústria, aumentar e muito sua lucratividade, seja através da agregação de novos consumidores que tomariam conhecimento de seus produtos pela Internet, seja pela redução de gastos com fabricação, distribuição e estoques de CDs. Os custos de fabricação e embalagem somados ao de distribuição representam 45% do total gasto por um produtor fonográfico, perfazendo o restante em gastos com editores, compositores, artistas, marketing, estúdio e a margem de lucro do varejo, segundo ASSEMANY (2001). Contudo, no desenvolvimento da tecnologia P2P há uma grande ironia: um dos primeiros programas a serem desenvolvidos, o Gnutella, foi arquitetado por uma subsidiária de um dos maiores grupos proprietários de conteúdo intelectual do mundo: a AOL/Time-Warner.

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IDGNOW!, 26/02/2002.

II.4 – Potencial de trocas de música na Internet brasileira No Brasil, há gargalos estruturais que impedem que boa parte da população acesse a Internet. Se isso por um lado enfraquece a hipótese de que as trocas de músicas na Internet brasileira venham a prejudicar a vendagem de CDs no Brasil, por outro não convém esquecer que direitos autorais são desrespeitados sempre que uma troca de música protegida é efetuada. Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, não existe um método capaz de aferir com precisão o número de hosts15 e números dos usuários da rede. A organização Network Wizards calcula o número de usuários de um determinado país tomando o número de hosts e multiplicando-o por dez, que é o número estimado de usuários por host. Por esta estimativa, o Brasil em janeiro de 2002 era o décimoprimeiro país em número de usuários (ver Tabela 4). TABELA 4: POSIÇÃO DOS PAÍSES POR NÚMERO DE HOSTS EM JANEIRO/2002 1º Estados Unidos 106.182.291 2º Japão 7.118.333 3º Canadá 2.890.273 4º Alemanha 2.681.325 5º Reino Unido 2.462.915 6º Austrália 2.288.584 7º Itália 2.282.457 8º Holanda 1.983.102 9º Taiwan 1.712.539 10º França 1.670.694 11º Brasil 1.644.575 12º Espanha 1.497.450 13º Suécia 1.141.093 14º Finlândia 944.670 15º México 918.288 16º Dinamarca 707.141 17º Bélgica 668.508 18º Áustria 657.173 19º Polônia 654.198 20º Noruega 629.669 Fonte: Network Wizard/Comitê Gestor da Internet

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Host: computador conectado permanentemente à Internet.

Os mesmos indicadores mostram que o crescimento da Internet brasileira de 1998 até a presente data tem sido muito expressivo, quase dobrando de tamanho ano a ano, como mostra o Quadro 5. QUADRO 5: NÚMERO DE HOSTS NOS PAÍSES Países Estados Unidos Japão Canadá

1998

1999

2000

2001

2002Crescimento 1998-2002

20.623.995 30.488.565 53.167.229 80.557.512 106.182.291 1.168.956 1.687.534 2.636.541 4.640.863 7.118.333 839.141 1.119.172 1.669.664 2.364.014 2.890.273

Alemanha 994.926 1.316.893 1.702.486 2.163.326 Reino 987.733 1.423.804 1.901.812 2.291.369 Unido Brasil 117.200 215.086 446.444 876.596 Fonte: Network Wizard/Comitê Gestor da Internet

515% 609% 344%

2.681.325

269%

2.462.915 1.644.575

249% 1403%

Os dados do Banco Mundial referentes ao ano de 2000, entretanto, mostram claramente que o acesso à Internet está longe de ser universalizado no Brasil. Apesar do grande número absolutos de usuários, as estatísticas do Banco Mundial mostram pequena percentagem da população usando Internet no Brasil. O quadro abaixo mostra a percentagem da população que acessa a Internet nos onze países com maior número de conexões à Internet segundo o ranking do Comitê Gestor da Internet, com dados disponibilizados pelo Banco Mundial referentes ao ano de 2000 . QUADRO 6: USUÁRIOS DE INTERNET E COMPUTADORES POR 1000 PESSOAS, ORDENADOS POR PAÍSES COM MAIOR NÚMERO DE HOSTS Países % Usuários da Internet Computadores por 1000 pessoas 1º Eua 33,88% 585,2 2º Japão 37,12% 315,2 3º Canadá 41,23% 390,2 4º Alemanha 29,20% 336 5º Reino Unido 30,15% 337,8 6º Austrália 34,38% 464,6 7º Itália 22,88% 179,8 8º Holanda 24,53% 394,1 9º Taiwan 10º França 14,43% 304,3 11º Brasil 2,94% 44,1 Fonte: Comitê Gestor da Internet/Network Wizard (2002), Banco Mundial (2000)

Tais dados mostram um evidente subdesenvolvimento da Internet no Brasil se comparado a países mais desenvolvidos e com maior número de usuários. Mas ao mesmo tempo mostram que a Internet no Brasil está crescendo rapidamente. Com isso, mais trocas de músicas poderão ser feitas. Se direitos autorais já são desrespeitados com a simples troca de músicas, independente do volume, o aumento do acesso à Internet pode tornar mais crível o temor da indústria fonográfica de menores vendas, por conta da possível substituição feita pelo usuário do CD pelas músicas em formatos digitais não-proprietários. Como catalisador dessa situação, encontra-se uma pesquisa divulgada pela Point-Topic que mostra um crescimento de 252% no acesso rápido (“banda larga”) no Brasil, do primeiro trimestre de 2002 em relação ao mesmo período do ano passado16. E quanto maior largura de faixa de rede, como a conferida pela banda larga, maior a facilidade e velocidade para transferir arquivos pesados, tais como o MP3. Mesmo com uma massiva expansão da qualidade e do acesso à Internet, e do consumo de gravadores de CD, entretanto, não é razoável pensar numa implosão da indústria fonográfica. Muitas cópias ilegais foram feitas com fitas cassete, e nem por isso a indústria fonográfica veio abaixo. Isto porque, mesmo durante o auge do consumo de gravadores de fitas cassete – onde havia as mesmas condições de cópia ilícitas de obras fonográficas, e conseqüente desrespeito a direitos autorais -, não se deixou de comprar obras originais. Mas há um fator novo que deve ser corretamente dimensionado: atualmente, há a possibilidade da cópia digital em massa – que ainda não existia no auge do uso das fitas cassete – sendo que esta possui qualidade tão boa como a da obra original. Ao mesmo tempo, a cópia digital pode ser feita num tempo infinitamente menor. Portanto, a queixa mais cabível na “revolução da música digital” ainda é o não-recolhimento dos direitos autorais.

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IDGNOW!, 17/06/2002.

CAPÍTULO III – PERSPECTIVAS PARA A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA III.1 – A atuação do Estado

Os atuais percalços da indústria fonográfica brasileira e mundial têm como origem a reprodução não-autorizada de fonogramas. Isto porque hoje se consegue fazer com facilidade e, ilegalmente, reprodução de álbuns de qualidade satisfatória ao consumidor. Praticamente em qualquer país do mundo há um aparato legal que força o cumprimento de leis e tratados internacionais. Há aqui duas variantes: uma é a força do Judiciário de cada país, que pode ser mais ou menos atuante, conforme sua organização interna. Outra variante é quando o Estado não possui condições tecnológicas de combater determinada ação ou delito. A venda de CDs falsificados é perfeitamente tratável, dadas as condições em que ocorre. No caso brasileiro, é visível que ocorra por pura e simples não-atuação por parte do Estado. Mas a troca de músicas na Internet é bem mais difícil de combater e nenhum país hoje sabe como enfrentá-la. Embora possa ser controlada quando restrita a alguns tipos de protocolo, tais como o HTTP, FTP e email, atualmente não há condições tecnológicas de controlar as trocas feitas por programas de P2P, que distribuem conteúdo descentralizada e eficientemente. Um deputado norte-americano enviou recentemente ao Congresso Americano projeto de lei estabelecendo que, enquanto a indústria fonográfica não conseguir encontrar uma solução para frear as cópias ilegais pela Internet, estariam suas empresas autorizadas a adotar medidas tecnológicas para impedir ou diminuir as infrações aos direitos autorais17. Essas medidas seriam válidas conquanto não prejudicassem os computadores e nem os arquivos dos usuários, e que não causassem dano superior a cinqüenta dólares. Leis, tem-se visto, não têm efeito nesta questão. Não adianta tipificar o delito e estabelecer penas se não há certeza e, no caso do “peer-to-peer”, possibilidade de punição. O motivo que leva os consumidores a trocarem músicas é facilmente reconhecível: a possibilidade de ouvir música gratuitamente, excluídos os custos de depreciação do computador e do acesso à Internet. Mas a larga aceitação dos programas

de P2P que transferem música por parte dos internautas também demonstra algum grau de insatisfação com a forma tradicional de se consumir música. III.2 – Gerência de direitos autorais na Era da Internet A Internet representa, entre outras características, uma nova, abrangente e eficiente forma de distribuição de conteúdo intelectual. Para Shapiro e Varian (1999, p.103), entretanto, “muitos no setor editorial a consideram ‘uma copiadora gigantesca e fora de controle’ ” , o que levanta questões sobre uma possível e, talvez, necessária, revisão da legislação de direitos autorais. O fato é que o contínuo avanço da tecnologia impõe, sistemática e continuamente, desafios à proteção dos direitos autorais pela redução dos custos de distribuição e de cópia do conteúdo intelectual; o fenômeno MP3 é apenas mais um entre inúmeros exemplos. Para Shapiro e Varian (op. cit, p.105), “mil consumidores que pagam US$1,00 por unidade para fazer o download de um software que custa centavos para produzir e distribuir são muitos mais lucrativos do que 100 clientes que pagam US$10,00 por um software que custa US$5,00 para produzir e distribuir.” Mas esta redução de custos, ao mesmo tempo em que torna precária a remuneração de direitos autorais, oferece um grande oportunidade aos detentores de conteúdo intelectual justamente por tornar mais barata sua distribuição e promoção. E, na implausibilidade de se obter, simultaneamente, remuneração adequada tanto para a comercialização do conteúdo intelectual assim como para os direitos autorais, o autor pode ver-se obrigado a escolher entre privilegiar o conteúdo intelectual ou os direitos dele decorrentes, numa relação de “custo-benefício”. Shapiro e Varian argumentam que “...há um tendência natural para que os produtores se preocupem demais em proteger sua propriedade intelectual. O importante é maximizar o valor de sua propriedade intelectual, não protegê-la pela pura proteção. Se você perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga, esse é apenas um dos custos de fazer negócios, juntamente com a depreciação, as perdas de estoque e a obsolescência.” (SHAPIRO e VARIAN, op.cit, p. 119. Grifo no original)

A tecnologia digital pode favorecer os editores de conteúdo, por reduzir substancialmente o custo de fazer uma cópia perfeita e por permitir que essas cópias sejam distribuídas de modo fácil e rápido. Por esse motivo a Internet pode ser extremamente benéfica: a doação de pequenas partes do conteúdo intelectual através 17

IDGNOW!, 29/07/2002

dela – seja em formato de vídeo, de texto ou de som – permite aos consumidores avaliarem o “todo” do conteúdo e decidirem se devem comprá-lo ou não - e isto com custo marginal de distribuição igual a zero. Enfim, amostras grátis do conteúdo podem ser utilizadas para promoção e venda do próprio conteúdo, com pequeno ou inexistente prejuízo para os direitos autorais. Isso acontece, por exemplo, quando os jornaleiros exibem as manchetes dos jornais pendurados nas bancas. Outra possível forma de auferir lucros com o conteúdo intelectual é doar gratuitamente as obras e cobrar pelo uso de bens complementares, tais como o suporte técnico. Por exemplo, pode-se disponibilizar gratuitamente músicas pela Internet e cobrar pelo venda e uso dos programas necessários para a audição daquelas, através de licenças temporárias renováveis a cada determinado período. III.3 – Preferências do consumidor: substituição entre CDs e formatos digitais A veracidade de pesquisas que atribuem queda na vendagem de CDs ao download de músicas depende das identidades dos consumidores consultados, isto é, se estes podem baixar as músicas da Internet e colocá-las num CD gravável. Mas não se trata só disso, é preciso reconhecer ainda que tais pesquisas são necessariamente subjetivas por envolverem uma variável de difícil dimensão: as preferências do consumidor. Uns não abrirão mão de ouvirem música em CDs, por conta da qualidade sonora dificilmente atingível nos formatos digitais. Outros podem ser indiferentes entre ouvir música no computador com alto-falantes de baixa qualidade e ouvir numa aparelhagem de som profissional, e ainda há quem possa exigir equipamento de altafidelidade. Há muitas variáveis que devem ser levadas em conta para que um consumidor escolha entre comprar um CD de um artista ou obter suas músicas através da Internet: a posse de um computador e o seu poder de processamento; o custo da conexão à Internet - incluindo aí a tarifa telefônica no caso da conexão ser feita por telefone - ; a qualidade da conexão – isto é, se ela permite uma transmissão contínua e sem perda de dados - ; a velocidade da conexão – isto é, se ela permite a transmissão dos dados numa velocidade aceitável pelo usuário - ; o custo da aquisição e da depreciação de um computador; o custo da energia elétrica; o custo de se deslocar até uma loja que venda CDs; a maior manuseabilidade de um CD - se comparada à de um

disco rígido com músicas em formatos digitais -, a comodidade de poder ouvir um CD em diversos ambientes, ao contrário de músicas no formato digital, que só podem ser ouvidas em computadores e em poucos aparelhos de som adaptados que possuem preços ainda bastante elevados; maior ou menor grau de exigência em relação à qualidade sonora da música – que é maior nos CDs do que nos arquivos de música no formato digital -; custo de aquisição de conhecimento das técnicas necessárias para a transformação dos arquivos digitais de músicas, visando a gravação de um CD personalizado; a disponibilidade de um gravador de CDs ou de recursos para comprá-lo; exigência da apresentação gráfica presente nos CDs de fábrica; e ainda outras variáveis. Termina sendo de difícil mensuração a relação que pode haver entre downloads de músicas e o consumo de CDs. Enquanto existem variáveis que podem ser quantificadas, tais como número de computadores, assinantes de serviços de acesso à Internet e renda média dos consumidores, há outras variáveis que por seu caráter subjetivo não podem ser quantificadas. Entre estas encontram-se a exigência da obra original, a fidelidade ao artista, disposição de consumo sob recessão econômica, exigência de qualidade sonora, aversão a computadores etc; e todas são tão relevantes quanto as primeiras citadas. Atribuir quedas nas vendas de CDs às trocas de música na Internet é uma atitude simplificadora que exclui muitas outras variáveis relevantes além das trocas, como as já referidas. Tal raciocínio é tão digno de crédito quanto aquele que diz que as trocas aumentam as vendas de CDs, porque a partir daquelas os consumidores passariam a ter contato com mais obras musicais, aumentando a possibilidade de encontrar uma que lhe agrade o suficiente e valha o desembolso. Ambos os raciocínios carecem de base econométrica que possa sustentá-los e validá-los. Entretanto, uma pesquisa conduzida pela Ipsos-Reid indicou que 81% dos internautas americanos consultados continuam comprando a mesma quantidade de CDs ou mais, após passarem a fazer downloads da Internet18. E, por outro lado, uma pesquisa conduzida pela organização PC Data em 200019, consultando 120 mil internautas, concluiu que quanto mais os internautas se familiarizaram com o Napster, menos eles compraram CDs, pelo menos em lojas virtuais. No Brasil, com os indicadores tecnológicos que temos a respeito do número de computadores em uso aqui, e 18 19

IDGNOW!, 26/02/2002. Correio Braziliense, 08/05/2001.

percentagem da população que acessa a Internet , afirmativas como as exemplificadas acima tipo são inteiramente descabidas, fantasiosas até. Ressalte-se que pouquíssimas famílias brasileiras podem desfrutar dos benefícios de um computador, mas um número muito maior pode desfrutar dos benefícios de um CD, até pelo custo de aquisição de cada um dos bens. III.4 – Ganhos de eficiência e estratégias Diz-se que uma situação econômica é eficiente de Pareto se a única forma de melhorar a situação de uma parte é piorar as de outras partes envolvidas. Quando em economia se usa a palavra “eficiência”, geralmente está se referindo à “eficiência de Pareto”. (KATZ E ROSEN, 1998, p.386). E a eficiência de Pareto é algo desejável, porque se há uma forma de melhorar a situação de alguém sem que mais ninguém saia prejudicado, não há porque não fazê-lo. O Napster abriu uma nova perspectiva para que a indústria fonográfica lucre com um serviço que no momento atual é explorado por poucas empresas, o download de músicas, melhorando a situação da empresa, ao vender mais, e a situação do usuário, que poderá adquirir um bem demandado que antes não era oferecido. No presente momento em que esta monografia é apresentada, a indústria fonográfica mundial não possui o menor controle sobre a quantidade de música que é transferida à sua revelia pela Internet. Podem ser aventadas várias hipóteses para a popularização das trocas: insatisfação com os preços cobrados pela indústria; recessão econômica; insuficiência de renda; comodidade de poder ter apenas as músicas escolhidas; não ser obrigado a comprar um CD com mais músicas do que as realmente desejadas; a comodidade de poder ter suas músicas sem ter que sair de casa e ir à uma loja que venda discos; e ainda outras. Mas claro está que é uma situação ineficiente de Pareto, pois há espaço para que a indústria fonográfica responda no sentido de resolver pelo menos alguns destes entraves, mantendo o serviço na forma desejada pelos consumidores e ainda auferindo algum lucro com uma nova forma de comercialização, lucro este que não é arrecadado na forma tradicional. A entrada no mercado de empresas com novas tecnologias tende a assustar as empresas estabelecidas. Mas há que se atentar para o que mostra a história: a extinção das empresas estabelecidas não é a norma. Vide os casos “videocassete x cinema”; “Internet x jornais”; “CD x discos de vinil”; “bibliotecas x livrarias”, etc. Dado isso,

para evitar discussões estéreis e falsos dilemas, tais como “o formato digital acabará com a indústria fonográfica”, tomaremos como certa e provável a permanência da indústria fonográfica, mas sob um novo modelo de comercialização de produtos. Outro motivo que reforça a idéia de sobrevivência é o fato de que a indústria fonográfica existe porque há músicos, e não o contrário. É uma obviedade, mas para clareza de argumentação lembra-se que a indústria fonográfica como a conhecemos existe há muito menos tempo do que o músico, cuja história remonta necessariamente à Antiguidade. E não se deixou de haver música pela ausência de produtores fonográficos, distribuidores ou editores. Mas quando músicos renomados, brasileiros ou estrangeiros, abrem mão de utilizar a estrutura da indústria fonográfica – que tem nos músicos sua razão de ser – para fazer com que seus álbuns cheguem aos consumidores, é de se perguntar se não ocorre alguma anomalia. No momento em que nos encontramos, as tecnologias disponíveis não asseguram totalmente a proteção dos direitos autorais e conexos contra cópias e reproduções ilícitas, sendo impossível o controle destas. A indústria fonográfica brasileira deve se preparar frente a expansão das trocas feitas pela Internet, muito embora não se saiba se isso pode afetar negativa ou positivamente suas vendas. Mas convém não esperar para ver: a possibilidade de prejuízo existe - e este já é certo para os direitos autorais, o Estado nada pode fazer nesta questão, e o preço da inação pode ser muito alto. Por isso, é importante que a indústria fonográfica pelo menos aja no sentido de minimizar suas perdas, e consiga adotar estratégias mais adequadas para sua sobrevivência a médio e longo prazo; abaixo, estão descritas algumas. Em todas elas é crucial o papel dos editores, que são os responsáveis pela divulgação das obras; a eles compete “liberar” o uso da música e, enquanto uns já estão bem inteirados sobre as novas formas de comercialização, outros ainda têm-se mostrado indiferentes, o que diminui as chances de lucro de todos, como será comentado no caso dos CDs personalizados. III.4.1 – Streaming Um bem é considerado bem da experiência se é necessário experimentá-lo para lhe atribuir valor. Embora qualquer novo produto seja um bem da experiência, a informação é um bem da experiência toda vez que é consumido.

“Os negócios da informação – como os setores da imprensa, da música e do cinema – arquitetaram diversas estratégias para fazer com que os consumidores precavidos superem sua relutância em comprar informação antes de saber o que estão adquirindo(...). A maioria dos produtores da mídia supera o problema da experiência por meio da promoção da marca e da reputação. A principal razão pela qual lemos o Wall Street Journal hoje é porque o julgamos útil no passado.” (SHAPIRO E VARIAN, op. cit, p.18)

A percepção da música como um bem da informação é crucial para a indústria fonográfica apresentar seus produtos a consumidores potenciais. Proporcionar uma experiência de consumo pode fazer com que consumidores consigam atingir níveis mais altos de satisfação, através da escolha e bens e serviços que julguem ser mais vantajosos. A tecnologia de streaming é uma ferramenta segura que permite não só a experiência ao consumidor, assim como observa o respeito aos direitos autorais. Streaming é uma tecnologia que transmite fluxos contínuos de áudio ou vídeo em tempo real, e é distribuído sob demanda pela rede, isto é, estará disponível sempre que o usuário solicitar. O streaming ganha relevo onde mídias estáticas como CD-ROM ou DVD pecam pela urgência de tempo: peças de teor volátil como notícias, reportagens ou entrevistas não vingariam comercialmente nestas mídias, que são mais apropriadas para abrigar obras de referência e entretenimento. Se a informação estiver em formato de áudio ou vídeo, há o inconveniente do tamanho do arquivo a ser baixado – que ocupa um espaço significativo no disco rígido do usuário – e o tempo necessário para baixá-lo. A tecnologia de streaming faz com que o usuário não tenha que esperar um arquivo ser baixado inteiramente para que possa ser aberto, assim como apaga os arquivos temporários que ficam no computador depois da execução. O streaming apresenta evidentes vantagens para a indústria fonográfica. A implementação de servidores de streaming é relativamente fácil de ser controlada por ser menos acessível ao público, o que facilita a cobrança de direitos autorais. Sua arquitetura, complexa, não permite uma difusão desenfreada como a que ocorreu com o MP3. O áudio transmitido pelo streaming só pode ser gravado na forma de um arquivo com um grande esforço por parte do usuário, que precisará manejar vários softwares não-gratuitos, simultaneamente, o que aumenta o custo da tentativa. Formatos proprietários, como o Windows Media Audio da Microsoft, e o Real Player da RealNetworks, prevêem controles de direitos autorais e limitações contra cópias

indiscriminadas, o que já fez com que grandes gravadoras licenciassem suas tecnologias para controlar o direito de reprodução de faixas digitais. O streaming, porém, apesar de ir ao encontro dos desejos da indústria fonográfica, não tem tanta aceitação por parte do público como os arquivos digitais que são transferidos diretamente ao computador, podendo serem ouvidos sem precisar estar conectado à Internet. Talvez seja este o motivo – não se pode afirmar ao certo -, talvez seja a sensação de “posse” dos arquivos por parte do usuário, como ocorre com o MP3. Independente disso, o streaming deve ser oferecido como parte de uma estratégia da indústria fonográfica, na qual todo o espaço para comércio de música deve ser ocupado, fechando todas as portas para a contravenção digital, como será discutido mais adiante. III.4.2 – Investimento em Catálogo Segundo Shapiro e Varian, informação é qualquer coisa que possa ser digitalizada. “Resultados de jogos de beisebol, livros, bancos de dados, revistas, filmes, música, cotações de ações e páginas da Web são todos bens da informação.” (SHAPIRO E VARIAN, op. cit, p.15. Grifo no original). Se a informação é cara de produzir por um lado, por outro, sua reprodução é barata. A produção de um bem da informação tem custos fixos altos, mas custos marginais baixos. Como diferentes consumidores atribuem diferentes valores à informação, é mais razoável fazer discriminação de preços e cobrar pelos bens segundo os valores que os consumidores lhes atribuem, e não segundo o custo de produção. Mas se os criadores do bem da informação podem reproduzí-los a baixo custo, outros também podem – inclusive ilicitamente - copiá-los ao mesmo custo. “A informação digital pode ser copiada com perfeição e transmitida instantaneamente em volta do mundo (...). Se as cópias excluírem pela força do número as vendas legítimas, os produtores da informação podem não conseguir recuperar seus custos de produção.” (SHAPIRO E VARIAN, 1999, p.17).

Ressaltando a parte que interessa à esta monografia, que é a conceituação de música como bem da informação, a argumentação exposta acima mostra que há espaço para cópia ilegal da informação. Tal cópia não só coloca em risco a cobertura dos custos de produção da informação, assim como ocupa todo o nicho de mercado que não for

ocupado pela informação original. E no caso da indústria fonográfica, tal fato poderia ser interpretado da seguinte forma: quanto mais disponíveis estiverem seus produtos, menores serão os ganhos associados às cópias ilegais e, portanto, menores serão os incentivos para que elas sejam feitas. Há milhares de obras musicais que são consideradas “fora de catálogo”, isto é, que não são mais comercializadas pela indústria fonográfica. Alguns consumidores que possuem tais obras em formatos mais antigos, tais como fitas cassete e discos de vinil, gostariam de possuí-las em formatos mais atuais, como o CD. Às vezes, essas obras ou não foram editadas em CDs ou o foram numa tiragem limitada, em pequeno número. É comum que produtores fonográficos não disponibilizem integralmente as obras completas dos seus artistas. Por exemplo, a procura pela primeira obra de artistas representativos de ritmos brasileiros tais como samba, baião, choro etc, geralmente soa infrutífera. Isto acontece por razões econômicas, tais como previsão de pouca procura, espaço insuficiente para exposição dos CDs nas lojas e dificuldade de gerenciar a obra completa. Mas dada a importância da música nacional para a história e cultura de um país – e isso é muito verdadeiro no Brasil - cabe discutir até onde canções que fazem parte da nossa história tenham sua circulação determinada exclusivamente por leis de mercado. Atualmente, é comum que seja necessário importar álbuns de artistas brasileiros de países não-lusófonos como Inglaterra, Alemanha e Japão, ou recorrer a shoppings virtuais estrangeiros para que se possa obter obras originais destes artistas, pagando um preço sempre maior do que o que seria cobrado se fossem fabricados no Brasil. Muitas destas obras hoje circulam pela Internet codificadas em formatos digitais que não asseguram o pagamento de direitos autorais, à revelia da indústria, que aufere lucro zero com isto. Há ainda outras obras que, por terem público muito restrito, não são compensadoras se lançadas no mercado através do esquema de distribuição usual. Com isso, o público fica sem o bem desejado, e a indústria deixa de lucrar. Estas obras poderiam estar disponíveis para comercialização via Internet em formatos de CDs ou em formatos digitais seguros já existentes que assegurem a proteção aos direitos autorais, sendo feitas sob encomenda dos demandantes. Com isto abre-se espaço para a melhoria mútua, tanto do consumidor como do fornecedor. A própria comercialização dos álbuns atrairia, mesmo em concorrência com downloads gratuitos, uma parte de usuários que não abrem mão de qualidade; isto porque a própria comercialização

envolveria a responsabilidade objetiva sobre a qualidade dos arquivos baixados. Não é raro que as músicas baixadas da Internet gratuitamente sejam de baixa qualidade, e o fato de pagar por elas daria legitimidade ao usuário na hora de reclamar, o que faz com que valorize o serviço. O que está sendo sugerido aqui, grosso modo, é a maior disponibilização dos fonogramas em poder de produtores fonográficos e editoras. Não uma disponibilização efetiva, como a que atualmente ocorre, onde CDs são prensados, enviados às lojas, e retornados em caso de não serem vendidos. Mas sim uma disponibilização onde CDs já editados estivessem à vista do público consumidor, e isto poderia ser feito muito facilmente via Internet. Para quem não acessasse a Internet, poderia-se encontrar este tipo de informação em lojas especializadas. Para tanto é indispensável que tanto os produtores fonográficos assim como os editores atentem para a complexidade da situação. Não é uma tarefa simples e, sob uma análise apressada, pode parecer contraproducente. Mas o que se propõe aqui não é uma atitude que vise ao lucro imediato e, sim, que aumente progressivamente o nicho da indústria fonográfica, numa forma de diversificação industrial. A urgência dessa atitude também surge da necessidade de combater a cópia ilegal de fonogramas, tornando-a financeiramente pouco atraente, de forma a desestimular os agentes a nela tomarem parte. E isso ocorre porque, ao contrário das cópias ilegais vendidas nas ruas, contra as quais há a possibilidade de ação por parte do Estado, as trocas de cópias ilegais pela Internet sob redes P2P estão, até o presente momento, livres de qualquer controle. Traduzindo: não há possibilidade de ação policial através da Internet. A longo prazo, a indústria fonográfica ainda pode investir em tecnologias de proteção aos direitos autorais. Mas lembrando Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”; a longo prazo a indústria fonográfica provavelmente ainda existirá, mas não estaria ela debilitada pelas novas tecnologias de difusão de conteúdo intelectual? Um dos motivos pelos quais a indústria fonográfica brasileira hoje se encontra em crise foi o seu investimento em modismos musicais que produziam vendagens extraordinárias, relegando a segundo plano artistas com vendagens mais modestas mas que poderiam a médio e longo prazo formar catálogos, tornando seus ouvintes consumidores fiéis. Os consumidores têm poucos incentivos a gastar dinheiro comprando CDs de um tipo de música o qual, depois de pouco tempo, não será mais

desejável e, provavelmente, não será mais escutado. Para esse tipo de música a Internet inclusive se revela uma ótima oportunidade para o consumidor, pois torna possível obter a música desejada a um custo muito menor do que aquele que ocorreria na compra do CD. Essa possibilidade de usufruto da música diminui consideravelmente no caso de um artista com obras longevas; o download de todas as músicas ou de boa parte de um CD, ou até mesmo da totalidade das obras musicais de um artista tornaria-se mais trabalhoso e custoso em termos de tempo de pesquisa, qualidade dos arquivos baixados e conexão à Internet. Ao se procurar músicas nos programas P2P, nota-se que a maior quantidade de canções oferecidas são de artistas em evidência mundial – isto é, com divulgação maciça em vários países do mundo - e outros de sabida pouca longevidade artística. No momento em que a indústria fonográfica foca seus esforços nesses últimos mais especificamente, arrisca-se por um lado a uma evidente queda das vendas no futuro, quando estes artistas estiverem fora do padrão estético vigente. Por outro lado, arriscase à queda nas vendas já no presente por conta de trocas de música pela Internet, que serão mais estimuladas quanto mais precárias forem as qualidades musicais dos artistas e dos CDs, pelo fato de não valer a pena comprar um CD com poucas canções desejáveis, que será pouco ouvido; pelo menos não ao preço que a indústria fonográfica cobra atualmente. Isto ocorrerá a menos que haja uma questão de fidelidade por parte do consumidor, fidelidade esta que só virá com esforços da indústria em criar catálogos, isto é, incentivar o desenvolvimento da linguagem artística do músico. Artistas de massa, com discos que contém poucas canções de forte apelo, são os mais susceptíveis de terem suas obras copiadas da Internet, com prejuízo da vendagem de seus CDs. Verifica-se também, entretanto, que há nas redes P2P grande quantidade de obras de artistas há muito tempo sem exposição na mídia, todas sendo trocadas à revelia de seus autores. É mais uma chance desperdiçada pela indústria fonográfica, que poderia aproveitar-se da facilidade que a Internet tem de segmentar os mercados tornando mais fácil e eficiente a distribuição dos produtos e a localização dos prováveis consumidores. Ainda em relação ao catálogo, ressalte-se que o relançamento deste envolve custos variáveis pequenos, se comparados aos custos fixos. As despesas de produção, que envolvem a feitura dos fonogramas, projeto gráfico, gravações e mixagens, já foram feitas e, possivelmente, amortizadas.

III.4.3 – CDs personalizados Outra estratégia para a indústria fonográfica é investir mais fortemente na produção de CDs personalizados, isto é, feitos sob encomenda. Pessoas que disponham de gravadores de CDs e consigam obter músicas no formato MP3 podem facilmente fazer seus próprios CDs, apenas com músicas escolhidas, tanto para uso próprio quanto para revenda. Encontram-se atualmente nos classificados de jornais várias ofertas de pessoas físicas e jurídicas para suprir essa demanda, sem que respeitem direitos autorais. Por mais que isso signifique uma mudança de paradigma no comércio de álbuns musicais – a decisão sobre o conteúdo do bem saindo da mão do ofertante e indo para a do demandante – e possa ferir as concepções artísticas dos autores, não é recomendável lutar contra essa tendência. E isso simplesmente porque não há como monitorar o comportamento privado de todos os consumidores. Algumas poucas empresas que já estão oferecendo estes serviços e respeitando direitos autorais apresentam resultados ainda pífios, devido à baixa escala de produção – o que torna os CDs personalizados caros - e à insuficiência do produto em permitir ao consumidor total liberdade de escolha das canções. Para tanto, as editoras de música e as gravadoras devem se antecipar e promover maior acesso aos seus catálogos, o que não se verifica atualmente. III.4.4 – Cobrança de direitos sobre os provedores de Internet Em alguns países foi aprovada uma lei que estabelece uma cobrança de direitos sobre a venda de CDs e fitas cassetes virgens, com esta cobrança sendo revertida para associações de arrecadação de direitos autorais. Isso se explica pela intenção de prevenir prováveis infrações à legislação de direitos autorais que não poderão ser percebidas e punidas pelo poder público, por isso são cobradas a priori. A lei brasileira não possui a mesma previdência. Para minorar os danos causados pela cópia de material protegido pela lei transferido pela Internet, pode-se, com uma argumentação semelhante à usada para a cobrança de direitos sobre os CDs e fitas cassetes virgens, estabelecer cobranças sobre os provedores de Internet. Como a Internet permite não apenas o trânsito de áudio, mas também de vídeo e texto, com muitos destes sendo possivelmente material

protegido, os valores arrecadados seriam divididos entre os mais diversos autores, sejam eles, músicos, escritores, desenhistas, pintores, etc.

Conclusão Inovações freqüentemente tem caráter anárquico, o qual é revelado ao subverter o paradigma mercadológico vigente até então. Por exemplo, o formato MP3, desenvolvido para agregar qualidade sonora e pouco tamanho, acabou por colocar em xeque a indústria fonográfica. Um dos primeiros programas de “peer-to-peer” para compartilhar música pela Internet foi desenvolvido por uma empresa subsidiária da AOL/Time-Warner , uma das maiores empresas proprietárias de conteúdo intelectual do mundo, e que tem muito a perder com a cópia indevida de seus fonogramas. Estes dois casos inclusive são emblemáticos de como as inovações podem fugir ao controle de seu agente criador e contestar o próprio arcabouço onde foram geradas. Na Economia da Informação, a entrada no mercado de empresas que apresentem inovações tende a assustar as empresas estabelecidas. Mas há que se atentar para o que mostra a história: a extinção das empresas estabelecidas não é a norma. Vide os casos “videocassete x cinema”; “Internet x jornais”; “CD x discos de vinil”; “bibliotecas x livrarias”, etc. Dado isso, para evitar discussões estéreis e falsos dilemas, tais como “o formato digital acabará com a indústria fonográfica”, tomaremos como certa e provável a permanência da indústria fonográfica, mas sob um novo modelo de comercialização de produtos. Outro motivo que reforça a idéia de sobrevivência é o fato de que a indústria fonográfica existe porque há músicos, e não o contrário; e enquanto existirem músicos, haverá indústria fonográfica. É uma obviedade, mas para clareza de argumentação lembra-se que a indústria fonográfica como a conhecemos existe há muito menos tempo do que o músico, cuja história remonta necessariamente à Antiguidade. E não se deixou de haver música pela ausência de produtores fonográficos, distribuidores ou editores. Mas quando músicos renomados, brasileiros ou estrangeiros, abrem mão de utilizar a estrutura da indústria fonográfica – que tem nos músicos sua razão de ser – para fazer com que seus álbuns cheguem aos consumidores, é de se perguntar se não ocorre alguma anomalia. Inovações impõem rotineiramente novos desafios à interpretação e eficácia da Lei em qualquer lugar do mundo. Convém ao Legislador estar atento e dar pronta resposta ao vácuo jurídico que possa surgir, através de novas leis ou da retificação das já

existentes. Mas no caso do confronto entre as novas tecnologias de distribuição e reprodução de conteúdo intelectual e a proteção aos direitos autorais, precisa-se mais do que isso: é necessário não apenas que a Lei seja respeitada – nem que seja através da coerção punitiva imposta pelo Estado – assim como urge a montagem e operacionalização do arcabouço institucional que irá supervisionar o cumprimento da Lei. Ora, esta estrutura de proteção aos direitos autorais ainda não funciona efetivamente no Brasil, não obstante termos uma das leis de direito autoral mais avançadas do mundo, se comparada aos países com maior tradição histórica neste campo, como França e a Inglaterra, por exemplo. É visível em metrópoles brasileiras a enorme quantidade de produtos copiados ilegalmente sendo vendidos por ambulantes a céu aberto em locais de grande movimentação. Policiais, que têm autoridade concedida pelo Estado para reprimir o desrespeito à Lei, encontram freqüentemente ambulantes vendendo produtos ilegais, e estes não temem aqueles, enquanto aqueles ou prevaricam, ou desconhecem a Lei, ou não tem o necessário estímulo do Estado para agir. Quando ambulantes são retirados da rua por ordem do Estado isto acontece muito mais pela interpretação de que houve desrespeito às posturas municipais, do que pelo desrespeito aos direitos autorais em si, ou ainda pela possível ligação com o crime organizado. Isto porque não só o Poder Público como a sociedade passaram a ver com tolerância, nos últimos tempos, a venda de produtos copiados ilegalmente por ambulantes como forma de sobrevivência legítima e fuga de um panorama econômico adverso que vem ceifando postos de trabalhos há anos. Também há os que vendem tais produtos em lojas comerciais regulares mas o caso destes, além de serem de detecção mais difícil do que os ambulantes, foge à linha de raciocínio aqui proposta: se o Estado brasileiro não consegue agir contra a contravenção facilmente visível e detectável, porque – ou como – agiria contra formas mais sofisticadas e invisíveis de contravenção? Deve haver um esforço mútuo das partes envolvidas na questão. A parte mais importante provavelmente cabe ao Estado, pois uma de suas funções é fazer-se presente e combater a contravenção. Se o Estado não garante segurança aos investimentos feitos pelo setor privado, arrisca-se a perdê-los para outros, junto com os postos de trabalho adjacentes, fazendo com que o bem-estar de toda a sociedade diminua. O Estado também deve aperfeiçoar a legislação para dirimir questões sobre os limites da proteção aos direitos autorais; questões como esta: até onde é lícito invadir a privacidade das

pessoas com equipamentos de hardware e software para proteger direitos autorais? A proteção aos direitos autorais deve sempre sobrepor-se ao direito à intimidade e à privacidade, igualmente assegurados pela Constituição? A indústria fonográfica brasileira tem gasto muitos recursos visando a proteção do seu negócio. Isto por si só demonstra a inépcia do Estado brasileiro nesta questão, pois é sua função proteger as indústrias instaladas em seu território. Não é aceitável que uma indústria qualquer não tenha assegurado o direito à exploração exclusiva de seus próprios produtos e marcas, uma vez que recolha os impostos devidos e deposite suas patentes regularmente. Então, não bastasse os percalços comuns ao cotidiano de qualquer indústria, a indústria fonográfica brasileira ainda tem que encarar perdas pelo fato do Estado não cumprir seu papel. Por outro lado, a indústria fonográfica deixa de melhorar sua situação ao não disponibilizar bens para os quais há procura, a saber, obras fonográficas consideradas “fora de catálogo” pelo fato de tanto a sua produção como a distribuição serem consideradas economicamente inviáveis. Porém muitas destas obras foram digitalizadas por ouvintes e hoje circulam em trocas pela Internet, à revelia de seus proprietários e sem render lucro algum a eles. Estas obras podem ser comercializadas no todo, ou em parte, pela Internet. A quantidade de potenciais consumidores dos produtos da indústria fonográfica que estão a trocar músicas pela Internet permite sugerir que há desejo por novas formas de comercializar música. Há consumidores que fazem CDs personalizados, apenas com as músicas desejadas, para uso próprio e até mesmo para revenda, muitas vezes de forma amadorística e com equipamentos inadequados que reduzem a qualidade do produto. Este é um espaço que a indústria fonográfica poderia ocupar com mais força, dado que são ainda poucas as empresas nesse ramo – relativamente à demanda disponível – e os preços são ainda proibitivos, talvez por conta da baixa escala com que operam. Se a informação é cara de produzir, no meio digital sua reprodução é barata; os custos marginais da reprodução da informação são baixos. Não é razoável esperar que os consumidores deixem de obter os bens e serviços que desejam apenas pelo fato destes não serem oferecidos formalmente por uma indústria legalmente estabelecida. Se estes mesmos bens e serviços podem ser obtidos a custo quase zero, é justamente a este custo que eles serão obtidos. A sanção da Lei poderia desestimular esta forma de aquisição, mas a informação da sociedade sobre a Lei é imperfeita. A indústria

fonográfica poderia aperfeiçoar essa percepção sobre a Lei através de campanhas de esclarecimento sobre seu trabalho e a importância para o bem-estar da sociedade do respeito aos direitos autorais e o reconhecimento destes como direito de propriedade. Os artistas e todos os outros profissionais de criação de conteúdo intelectual podem fortalecer suas posições no combate ao desrespeito aos direitos autorais através de campanhas de esclarecimento da sociedade e da atuação em entidades de classe. É fundamental que estas organizações sejam representativas para que sejam aceitas como interlocutores válidos perante a sociedade, através de um bom número de filiados. É visível que no meio musical há muitos profissionais que preferem se dedicar com mais afinco à criação artística, deixando a gerência da vida profissional para terceiros. O fato é que muitos destes gerentes e artistas compartilham da mesma ignorância da sociedade sobre o fato do direito autoral ser um direito de propriedade e, por isso, muitas vezes abrem mão dele inconscientemente, ou como forma de divulgação de trabalho, muitas vezes feita de forma inadequada. Deve ser evitada a atitude “anti-establishment” de profissionais com vistas à estratégias de marketing e auto-promoção, ao apontar à sociedade supostas incoerências e ilegalidades da indústria fonográfica. Esse tipo de atitude induz e sinaliza ao consumidor a inocuidade do desrespeito aos direitos autorais e da cópia ilegal de conteúdo intelectual. Há ainda que estar atento para essas situações geradas pela Internet. Dadas as suas atuais características e a falta de controle policial, muitas vezes cria-se idéias de um “socialização compulsória” que desrespeita solenemente qualquer forma de direito de propriedade intelectual. Para além disso, há na Internet um contínuo “jogo de gato e rato”, de ação e reação, onde provocadores e provocados estabelecem os paradigmas de comportamento a serem quebrados ou mantidos, dependendo de que lado se está. E esse mesmo jogo é responsável por muitas formas de inovação. O Napster, P2P híbrido, foi uma evidente provocação que inovou ao criar uma forma muito eficaz de distribuição de arquivos. Os provocados reagiram, tirando o Napster de circulação através de ordens judiciais. E, agora, os provocadores voltam à carga, com o P2P descentralizado, que faz uma distribuição de arquivos ainda mais eficaz que a anterior e com a característica de fugir a todas as formas de controle conhecidas atualmente. Então, a pergunta que se faz

é: qual será o próximo passo? E qual grupo o dará primeiro: provocados ou provocadores? A questão está em aberto.

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