Trepa

  • June 2020
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  • Words: 767
  • Pages: 1
BATENDO NAS PORTAS DO OCO De nascença, se identificava nominalmente Bartolo Huh. Disso fui saber depois. Mais precisamente, à revelia do momento mágico em que destrinchava gazes do cocoruto. Segui os rastros genéticos, malandro, farejando como canino matreiro. Tava na cola do que era meu. Por direito, tá me entendendo ? Na busca. Fuçando a pressão do prestidigitador cirúrgico. A culpa ? Do excesso. De sssssssangue. Garganta de Bartolo Huh viperina e degustadora de asma alardeia. Pipocos. Bando de lambe-lambes amarfanhados no gargarejo nem dá a mínima pra pressão. Que faz volume nos intestinos das grutas da cabeça. O vagalhão agiganta – naquela cor que eu não consigo ver – e pressiona a caveira, que não sabe se cede ou se estanca. Palpitações intracranianas, tá me entendendo, ô ? Vamos de sap, sampleando referências: como se tambores, tambores – porra, que tambores ? – esses de maracatu, baqueassem na cabeça, mambembando onda de praia grande. Correnteza bombando entre as orelhas de gente como esse tal Bartolo Huh. Bad trip, bad brain. Resfolega a carrafunça e balbucia. Simióide que é. Antes de abrir as cortinas, desembrulha novelo do kit, tentando um xaveco-arromba-impressão no respeitável público. Mas o barato da hora era o kit; que ele desmancha numa mesinha, como se desfizesse de bamba de carteado. A saber: furadeira elétrica – nada de ditar nome do fabricante; escatologias à parte, nada de merxandáizim, meu nego – e um outro apetrecho lá de mutilador que não gravei o nome. Ah, não posso esquecer da agulha hipodérmica — herança do avô. Na verdade, (sub)traída dum kit que o velho italiano e açougueiro mantinha bem-acondicionado numa prateleira na parte de baixo do armário do quarto. O avô. Esse sim, um tremendo dum picareta que merecia ser destrinchado e eviscerado em praça pública – ah, mistérios gozosos. A função do corta-extrai-revela: aliviar a pressão. Dito assim, graça nenhuma tem. O lance é a expressão típica do Bartolo Huh, nego véio. Senão vejamos: aliviá a preeesssssão, my baby. De olhos quase, quase fechados e boca estalando no final da sentença. Espalma as mãos, metacarpos estrilando: performático – e chato pra caralho – o rapaz. A platéia – sem se saber anti-fórceps e pasma nos sapatos – relaciona os fatos e decide, em uníssono, considerar a demonstração como um exercício de ego fragmentado. Há um cheiro de segundo caderno no ar, mas isso passa. [minha intenção era narrar todo o acontecido como se vomitasse uma corrida de cavalos, cabeça a cabeça, trincando dentes que não se olham, revirando ânsias nas narinas estufadas, cascos fazendo marcação cerrada na poeira. mas acabei optando pelas anotações mentais e relatos cara à cara. como faço agora contigo, nego véio. bota fé no que tô te dizendo, irmão, que eu entendo de treidimárqui. eletroacéfalo: essa é a marca. o estigma carregado de sal e manjericão.] Bartolo Huh, em truque de marqueteiro batendo pino, silencia a cacofonia do público, maestro que procura rolha ou roto-rotter. Desvencilha a cortina de gaze agarrada à cabeçorra. A carapaça do osso da cabeça: uma rodela cascuda. Que transfigura-se em patuá – evocando a proteção de organo-exús ? –, agora adorno de pescoço. Momento suspenso na platéia; como se engripasse a sangria – desatada ? ora vá me lamber, tradução intersemiótica – com torniquete Pro sucesso não subir à cabeça. A platéia resfolega e escoiceia em palmas; batuques de sensitivos capados. Na testa – nunca mais franzida – e nos olhos injetados quase pus, o desejo de bandear cabeça na correnteza esvaída – preeeesssssss ... –, a peraltice sanguinolenta dos fedelhos, a imperícia abaixo dos catorze. Reviver ? Mas nem fodendo ! Que me livre de ser João Batista: salivo eu. Esgoelado, bochechando, cavucando espaço entre os fotógrafos atoleimados em pipocos luminosos. O tal do Bartolo Huh se esbalda nos pipocos balangandãs, mas na dissipação, se pega de calça curta diante do espelho coletivo, que é o espanto encalacrado nos olhos da multidão. O buraco aberto na testa sugere: o defunto era maior, rapá. É a deixa, é a deixa. Travo o olho esquerdo – pra melhorar a mira – e disparo: um cuspe ardido, curtido em chumbo, óleo queimado e azeite de dendê. Bartolo Huh estanca, esgar cadavérico de oleoduto vazado; um estranho no ninho aproveitou porta de entrada escancarada para metralhar, rima certeira, petardo de convulsões. Tilt. Uma anomalia pós-operatória em freakshow. Visto que somos sangue do mesmo sangue. Na levada, driblei pipocos e catei agulha hipodérmica, agitando no ar o apetrecho como troféu em final de campeonato. Visto que a herança é minha por direito. Arrivederci, bando de rosca-frouxa ! Jorge Rocha Março/2003

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