Trabalho De Liturgia1

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A Importância Do Corpo Na Liturgia

Sandra Dantas

«Rigorosamente falando, pode-se prescindir de qualquer objecto para celebrar, mas nunca se pode prescindir do CORPO. O mundo Ocidental, no seu conjunto, relegou o corpo para segundo plano e glorificou a inteligência, a cerebralidade(...). Alguns atribuem esta desconfiança do corpo a toda uma tradição judeo-cristã, certamente porque nunca leram a Bíblia, nem os salmos, onde o corpo está sempre presente! O homem foi salvo na sua totalidade: corpo e alma. “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos palparam acerca do Verbo da vida (...), isso vos anunciamos” (1Jo 1,1-3).»1 1LEBON,

Sandra Dantas

Jean – Para viver a Liturgia. Porto: Editorial Perpétuo Socorro, 1989.

As Posturas do Corpo A pessoa humana está em relação com os demais, com todo o seu ser: espírito e corporeidade. Ela está diante de Deus e com Ele se comunica através dos seus gestos, movimentos e também através do seu próprio porte e da sua postura corporal, não só através da palavra.

Sandra Dantas

Atitudes como: o RESPEITO, a DISPONIBILIDADE, a HUMILDADE, a PROXIMIDADE, a ADORAÇÃO, a ESPERA CONFIANTE, a RECEPTIVIDADE, vêm-se já na própria maneira de estar corporalmente. Isto acontece na nossa vida em sociedade: não é indiferente o facto de se realizar uma acção importante estando descuidadamente sentado ou de pé. E acontece também na oração: há momentos do nosso culto que são mais expressivos e coerentes se os realizamos de joelhos ou de pé ou sentados.

Sandra Dantas

As posturas corporais têm a particularidade de acentuarem ou desvalorizarem, segundo a uniformidade de atitudes interiores da assembleia celebrante, uma vez que a nossa celebração é comunitária.

Por isso o Missal põe como ideal esta expressão de unanimidade entre todos os que participam na celebração: “A atitude comum do corpo, que todos os participantes na celebração devem observar, é sinal de unidade dos membros da comunidade cristã reunidos para a sagrada Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos participantes.” (IGMR 42).

Sandra Dantas

São três as principais e clássicas posturas do cristão que participa na celebração: DE PÉ, DE JOELHOS e SENTADO.

Sandra Dantas

De Pé: Como Povo Sacerdotal E Família De Filhos

A postura de pé é característica da dignidade do homem como rei da criação.

Sandra Dantas

Foi a postura de oração mais clássica, tanto para os judeus como para os cristãos dos primeiros séculos. E acontece que, com efeito, reúne em si uma série de valores e significados que a tornam a mais coerente para expressar a identidade de um cristão em oração diante de Deus:



de pé expressamos o nosso respeito a uma pessoa importante,

a atitude que melhor indica a atenção, a prontidão,  éa disponibilidade, a tensão para uma acção ou uma marcha,

a corresponsabilidade,

  Sandra Dantas

as acções importantes realizamo-las desta maneira: um político que faz o seu juramento ou os noivos que dão o seu “sim”; para um cristão é um sinal da sua liberdade, como redimido por Cristo, da sua condição de filho na família, da sua confiança diante de Deus

assim, da dignidade do Ressuscitado, unido ao  participa, Cristo Glorioso, como membro do seu Corpo;

não é de estranhar que nos primeiros séculos fosse proibido ajoelhar-se para a oração comunitária ao Domingo ou durante todo o tempo pascal: levavam a sério a sua condição de participantes da Ressurreição do Senhor; também a postura típica de todo o sacerdote que actua  enoéseu magistério, sobretudo quando dirige a Deus a sua oração no nome de toda a comunidade.

Claro que é uma atitude corporal que também se presta a interpretações de orgulho e auto-suficiência: e por isso Cristo desautoriza o fariseu que “de pé, fazia interiormente esta oração” (Lc 18,11). Não há sinais quimicamente puros: o que importa em cada caso é que a atitude exterior expresse a adequada atitude interior de fé, que nesta ocasião, como vemos, é múltipla: respeito, atenção, disciplina, confiança de filhos...

Sandra Dantas

Na nossa celebração sublinhamos com esta postura em pé alguns momentos mais significativos:

  

a leitura do Evangelho, a palavra mais importante que escutamos na celebração: indicamos assim não só o respeito, mas também a nossa atenção e a nossa disponibilidade para aceitar e cumprir aquela que vai ser, mais especificamente do que as outras leituras, a Palavra de Cristo para nós; a Oração Universal, na qual o “o povo, exercendo a função do seu sacerdócio Baptismal, apresenta preces a Deus pela salvação de todos” (IGMR 69): toda a comunidade, respondendo com a sua oração às intenções sugeridas, coloca-se como mediadora – ofício sacerdotal – entre Deus e a humanidade inteira;

 Sandra Dantas

a entrada processional do presidente e demais ministros da celebração, como sinal do respeito que merece da assembleia aquele que vai ser para ela o sinal visível da presença do Senhor com os seus;

sempre que o presidente, em nome de todos, eleva a Deus a sua oração; tanto nas orações mais breves (oração colecta do dia, oração sobre as oferendas) como sobretudo na oração Eucarística;



todo o processo de preparação para a comunhão, desde o Pai-Nosso: a comunidade, antes de caminhar para a mesa do Senhor, diz de pé com a atitude de confiança dos filhos, a oração que o próprio Cristo nos ensinou.

Há outros momentos, de várias celebrações, em que a postura de pé é muito expressiva: na profissão religiosa, nas ordenações, no consentimento nupcial. Sempre com as mesmas conotações de prontidão, personalização do acto, confiança... Se se faz bem, não com moleza ou apatia, mas com firmeza e atenção, para além da confiança e alegria, é a melhor expressão corporal daquela atitude espiritual que descreve o diálogo antes da oração Eucarística: “Corações ao alto: o nosso coração está em Deus”.

Sandra Dantas

De joelhos: penitência e adoração

Sandra Dantas

A posição de joelhos é muito expressiva de algumas atitudes interiores:

   

indica humildade diante da presença do misterioso ou de uma pessoa a quem dirigimos a nossa oração: diante de Deus todos somos pequenos;

é o modo como mais explicitamente manifestamos a nossa postura interior de adoração;

e também da nossa penitência: nos primeiros séculos o grupo de penitentes era também chamado dos “genuflectantes”; foi a postura clássica para a oração pessoal, privada, ainda que mais tarde se tenha convertido pouco a pouco na postura normal também para a comunitária, quando a partir do século XI se foi sublinhando o aspecto da adoração na Missa.

 Sandra Dantas

É a atitude interior e exterior que expressa os sentimentos que alguém sente diante da grandeza e do amor de Deus: “É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai” (Ef 3,14).

Na nova disposição da nossa liturgia ficou certamente relativizada esta postura, que tinha chegado a ser quase a única. Não só se suprimiram significativamente algumas genuflexões (por exemplo a que acompanhava a saudação do bispo, e a genuflexão dupla diante do Santíssimo), como também diminuiu o número das que fazemos durante a Missa, e só há um momento em que se nos indica a posição de joelhos na celebração comunitária.

Segundo a introdução ao Missal (IGMR 43) ajoelhamo-nos durante a consagração. Ainda que, na prática, a mudança de postura normalmente realiza-se já durante a invocação do Espírito que precede a consagração: a epiclese. É uma postura adequada e pedagógica: pormo-nos de joelhos nesse momento ajuda-nos a entender que, com essa invocação da força do Espírito e o relato das palavras e gestos de Jesus na sua última Ceia, está a acontecer no meio de nós o mistério da presença específica do Cristo na Eucaristia: como comida e bebida para a nossa comunhão com Ele. A atitude de atenção, adoração e admiração diante do mistério expressa-se muito bem com a posição de joelhos.

Sandra Dantas

Mas o mesmo Missal é flexível quanto à sua norma ao dizer: “excepto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número de presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem”. É a postura mais razoável, a de joelhos, para sublinhar a consciência do mistério eucarístico. Mas também é possível expressar esta mesma atitude de fé estando de pé, como fazem os sacerdotes celebrantes, e como fizeram todos os fiéis durante o primeiro milénio, e como continuam a fazer em outros ritos. Também depende de várias circunstâncias: é diferente a celebração de uma paróquia e a de grupos mais reduzidos, que às vezes não têm comodidade para se ajoelharem. O que era necessário conseguir era a uniformidade na mesma assembleia. Seria uma pena que desaparecesse dos nossos costumes de oração a postura de joelhos. Quando fazemos oração pessoal, quando celebramos um momento de adoração ao Santíssimo, quando passamos diante do Sacrário, quando expressamos a nossa atitude pessoal: o rezar de joelhos é uma atitude corporal que nos convida a sentirmo-nos pequenos, pecadores, limitados, e a dirigirmo-nos a Deus a partir da nossa pequenez.

Sandra Dantas

Sentados: Receptividade E Escuta

Sandra Dantas

Quando nos mantemos sentados, expressamos determinadas atitudes:

 

que estamos em paz, distendidos, presenciando alguma coisa ou em atitude de espera,

é a atitude que mais favorece a concentração e a meditação, assim permanece o que ensina, o que tem autoridade, o que julga, o que actua como ministro de reconciliação,



Sandra Dantas

e assim também estamos quando escutamos uma leitura ou uma homilia: é a atitude do discípulo diante do mestre, expressando a sua receptividade e atenção.

Na nossa liturgia, o “sentado” por antonomásia, é o sacerdote presidente. Presidente significa o que se senta diante de: “prae-sedere”. Durante a primeira parte da celebração – a escuta da Palavra – preside sentado na sua sede, excepto a leitura do Evangelho. A sede do presidente deve significar o seu ofício de presidente da assembleia e director da oração. Mesmo que o mais clássico seja esta sede estar situada de frente para o povo ao fundo do presbitério, sem dúvida devido às circunstâncias do lugar. Aconselha-se muitas vezes a que se coloque essa sede mais próximo da assembleia, sempre de frente para ela, para que a partir daí se estabeleça a necessária comunicação entre o presidente e a assembleia.

Sandra Dantas

A comunidade permanece sentada nos momentos em que a atitude é das que temos enumerado como mais coerentes com esta postura: “Estão sentados: durante as leituras que precedem o Evangelho e durante o salmo responsorial; durante a homilia e durante a preparação dos dons ao ofertório; e, se for oportuno, durante o silêncio sagrado depois da comunhão” (IGMR 43).

Sublinha-se assim, segundo os momentos, o sentido da receptividade, da escuta concentrada, da pausa, da meditação, da interiorização e da comunhão recebida...

Sandra Dantas

Não é indiferente a postura corporal que acompanha a nossa oração. Sobretudo nas celebrações comunitárias. A expressividade da linguagem corporal favorece a atitude interior: tanto se é de escuta, como de atenção respeitosa à acção, como a adoração e a súplica penitencial.

Cada um, consciente da direcção expressiva destas posturas, deve exercitar-se a si mesmo nas atitudes de fé que manifestam: com presteza e atenção, quando está de pé escutando o Evangelho ou a oração Eucarística; com adoração e humildade, quando se ajoelha; com paz e abertura, quando escuta as outras leituras ou depois de receber a comunhão. É toda uma pedagogia, na qual cada um é mestre, para ir identificando a postura exterior com as atitudes interiores que supõe. Descuidar esta sintonia pode empobrecer ou tornar menos expressiva a nossa celebração.

Sandra Dantas

Por outro lado, não se deve endeusar ou absolutizar uma determinada postura. O Missal sugere às conferências episcopais que determinem para o seu território, se crêem conveniente, estas ou outras posturas de celebração: com a condição de que “estejam de acordo com o sentido e o carácter de cada uma das partes da celebração” (IGMR 43). Deve ter-se em conta as duas chaves: a índole de cada povo e cultura (em algumas culturas a postura de maior respeito é permanecer sentados), e por sua vez a índole da própria celebração, que em cada momento pede uma dinâmica distinta e uma postura corporal na acção. Posturas não mecânicas, nem meramente rotineiras, mas “verdadeiras”: nas quais o sentimento espiritual encarna e se expressa com o gesto exterior. De modo que se vá conseguindo o que é sempre a finalidade de todos os gestos e símbolos: a melhor participação no mistério que celebramos.

Sandra Dantas

Celebrar Com Os Sentidos: Audição, Visão, Olfacto, Gosto E Tacto “O ser humano tem cinco sentidos, cinco acessos à realidade do mundo que o rodeia. A diversidade de tais acessos não é indiferente para a própria realidade percebida. Nós não somos platónicos ou racionalistas, para os quais o conhecimento sensível representa somente a ocasião externa de um conhecimento espiritual completamente distinto. Nós sabemos, com Aristóteles e S. Tomás, que não há nada no entendimento que não tenha estado antes nos sentidos. Precisamente por estar no entendimento as coisas são percebidas de maneira distinta e superior do que quando estavam só na esfera dos sentidos. Mas continuam a ser as mesmas coisas sensíveis transmitidas por eles. A peculiaridade dos diversos sentidos também intervém no terreno espiritual: uma coisa ouvida é, também no espírito, algo distinto de uma coisa vista, ou saboreada ou tocada ou então vemo-la de um ângulo completamente diferente.”2

2

Sandra Dantas

Cfr. HANS URS VON BALTHASAR – Ver, Oír y leer en la Iglesia, in Ensayos Teologicos II Sponsa Verbi (1964) 560-580.

A Importância Do Olhar

Há muitos momentos e elementos da liturgia em que entra em jogo a “pedagogia visual”. O próprio gesto de olhar, de dirigir os olhos para um lugar, para uma pessoa ou uma coisa, pode ter um significado e uma força comunicativa que dá profundidade à nossa celebração cristã.

Sandra Dantas

O Olhar Como Comunicação Comunicamos com o olhar, antes ainda de comunicar com a voz. Por ele o que está longe faz-se perto, torna-se nosso, entra em nós. O olhar é também a nossa forma mais radical de comunicar.

Os nossos olhos são como que o espelho dos nossos sentimentos e emoções:

 AFECTO

 RESSENTIMENTO  CANSAÇO

 INDIFERENÇA Olhar ou não olhar, olhar com interesse ou com frieza, eles são o termómetro da nossa presença espiritual, da nossa atenção às pessoas e aos acontecimentos, ou da nossa rotina ou indiferença.

Sandra Dantas

Por Uma Liturgia Mais Visual A última reforma favoreceu a visibilidade em toda a celebração, sobretudo com o altar de frente para o povo e a disposição do ambão e da sede presidencial. No entanto, é necessário fazer ainda muito para que a comunicação visual chegue a funcionar como deve. Pois também na celebração a vista ajuda em grande medida a captar a dinâmica do mistério celebrado e a sintonizar com ele. Antes das palavras e do próprio canto, damo-nos conta, por meio dos olhos, do que celebramos: vemos a comunidade reunida, o altar, as pessoas dos ministros, os gestos simbólicos, o ambão com o seu livro, as imagens... O olhar de fé é ajudado e sustentado pelo olhar humano: dirigir os olhos para o altar, para o pão e o vinho, ou para aquele que está a proclamar a Palavra de Deus, coloca-nos em situação de proximidade e atenção.

Os olhos também celebram. O que celebramos é sempre um mistério sagrado: Deus que nos dirige a sua Palavra, Cristo que nos faz o dom do seu corpo e sangue... Mas os gestos com os quais o fazemos não têm que ser ocultos ou misteriosos, ou prescindir da sua expressividade também visual. A comunicação não verbal tem uma eficácia imprescindível no conjunto da nossa oração cristã.

Sandra Dantas

Poder ver o que acontece no altar não é uma perda do sentido do mistério, mas uma ajuda pedagógica elementar. Olhamos para o leitor que proclama as leituras, para o pão e o vinho que o sacerdote nos mostra em alguns momentos, para as diversas acções que têm lugar na celebração, para o irmão a quem damos a paz.

Há também momentos em que é bom fechar os olhos e concentrarmo-nos em nós próprios: os momentos de oração pessoal ou de silêncio na liturgia. Mas, em muitos momentos o facto de olhar pode ser uma das melhores maneiras de expressar a nossa “conversão”, a nossa atenção à Palavra que nos é dirigida ou à acção litúrgica que entre todos celebramos.

Sandra Dantas

Perigos Que Devem Ser Evitados:

 a liturgia não é só um espectáculo que os presentes se contentam 



por ver ou olhar para o que os outros fazem;

o simples olhar pode ser superficial, é evidente que a intenção é a de chegar a aprofundar, a sintonizar a partir de dentro com o que se celebra;

Um momento histórico em que o facto de ver ou olhar adquiriu um excessivo protagonismo foi na Idade Média, a partir do século XIII, quando se potenciou na Eucaristia mais o adorar que o celebrar, mais o ver que o comungar. Mas agora, conseguido de novo, pela Igreja, o equilíbrio entre as diversas dimensões da celebração, o perigo não é o de se ficar pela visão, mas o de descuidar a linguagem da corporeidade total, pela primazia às vezes excessiva concedida à comunicação verbal.

Sandra Dantas

O presidente tem um papel decisivo na celebração. É o ministro que mais deveria cuidar da sua comunicação visual com a comunidade. O olhar do presidente pode ser um dos sinais da sua atitude interior. O seu deve ser um olhar de sintonia, de apreço pelas pessoas e pelo que se celebra. Um olhar de celebrante activo e presidente de uma comunidade. Não está a “dizer a sua missa” com uma atitude introvertida. Está a presidir a uma comunidade cristã da qual faz parte e com a qual celebra. Na liturgia também pedimos a Deus que nos olhe. Quase todas as vezes que aparece o verbo “olhar” nas orações do Missal é uma súplica para que Deus nos olhe, com tudo o que isso significa de proximidade e Graça.

Mas somos nós que temos mais necessidade de potenciar a linguagem dos olhos e a pedagogia do olhar para seguir com atenção e entrar em profundidade no que celebramos. É uma atitude espiritual semelhante à que nos faz dizer o salmo: “Como os olhos do servo se fixam nas mãos do seu amo, e como os da serva, nas mãos da sua ama, assim os nossos olhos estão postos no Senhor, nosso Deus, até que tenha piedade de nós.” Sl 123

A diferença é que nós fazemo-lo com alegria e a santa liberdade dos que se sentem filhos na família de Deus. Sandra Dantas

A Importância de Escutar “Cada vez compreendemos melhor que também o silêncio faz parte da Liturgia. Quando Deus fala, respondemos cantando e orando, mas o grande mistério, que excede todas as palavras, apela ao silêncio.”3

Sandra Dantas

3 RATZINGER,

Joseph – Introdução ao espírito da liturgia. Lisboa: Edições Paulinas, 2001.

O silêncio tem um sentido particular na celebração, onde o escutar em silêncio pode ser um gesto simbólico da nossa fé interior e da nossa verdadeira participação no que celebramos.

Saber escutar “Escuta, Israel”, Dt 6,4. Não é esta a primeira atitude de fé na presença de Deus? A liturgia educa-nos à escuta. Não só quando Deus, através dos leitores, nos transmite a mensagem da sua Palavra, mas também quando o sacerdote presidente dirige a Deus, em nome de todos, a sua oração. A atitude da comunidade cristã é a da escuta atenta:

“as leituras da Palavra de Deus, que oferecem à Liturgia um elemento da maior importância, devem ser escutadas por todos com veneração.” IGMR 29. “a oração eucarística exige que todos a escutem com reverência e em silêncio.” IGMR 78

Sandra Dantas

Escutar é tornar próprio o que se proclama. Não é algo passivo: por meio deste silêncio os fiéis não se vêm reduzidos a assistir à acção litúrgica como espectadores mudos e estranhos, mas são associados mais intimamente ao Mistério que se celebra, graças àquela disposição interior que nasce da Palavra de Deus escutada e da união espiritual com o celebrante nas orações que ele diz. É uma atitude positiva, activa.

Escutar é algo mais do que ouvir. É entender, ir assimilando o que se ouve, reconstruir interiormente o conteúdo da mensagem. E isso é a fonte e o alimento da fé.

A comunidade cristã é fundamentalmente uma comunidade que escuta. É a primeira forma de fé e de oração, antes de dizer palavras ou entoar cânticos. É a atitude mais cristã: escuta quem é humilde, quem reconhece que não sabe tudo, quem é pobre na presença de Deus e dos outros. Quem é auto-suficiente e orgulhoso não escuta.

Sandra Dantas

Silêncio Diante Do Mistério O silêncio é uma viagem ao interior e à realidade mais profunda daquilo que se celebra. É o nosso gesto simbólico diante do Mistério. Não se trata do mutismo de quem não quer cantar ou participar na oração da comunidade, refugiando-se na sua interioridade. É o silêncio de quem está mais atento e participa naquilo que se diz e se faz. A presença de Jesus Cristo e o protagonismo do seu Espírito, produzem radicalmente um silêncio de louvor e comunhão. O Mistério é sempre inefável. Logo, no momento adequado brotarão dos nossos lábios a palavra e o cântico, o louvor e a súplica. O sentido do Mistério é básico na celebração cristã. É a alma de toda a oração. A atitude de silêncio, exterior e interior, e de escuta atenta, é o que torna possível a expressão desse Mistério. O silêncio é a abertura a Deus, à comunidade com a qual partilhamos a oração, e até um reencontro consigo próprio. Àquele que sabe calar e fazer silêncio, tudo lhe fala, tudo lhe aparece eloquente. O Mistério torna-se-lhe acessível como encontro e comunhão.

Só o silêncio activo, e partilhado na comunidade, em conjugação harmónica com os momentos de Palavra, canto, acção, tornam possível fazer próprio o que todos celebramos. É um ritmo e uma proporção admiráveis: do “eu” passamos ao “nós”, para voltar continuamente ao “eu”, mais enriquecido e amadurecido. A Liturgia é comunitária, mas não impessoal.

Sandra Dantas

A Palavra Brota Do Silêncio O silêncio interior daquele que sabe escutar é o seio de onde germina e brota para o exterior a palavra. Só diz palavras plenas e pode dialogar quem sabe calar e escutar. Cristo comparou a palavra a uma semente que cai na terra e em segredo germina e amadurece. Toda a palavra, sobretudo a que pronunciamos na nossa celebração, deve ser precedida, acompanhada e seguida pela escuta e pelo silêncio.

Quando rezamos ou cantamos o silêncio interior é a condição para que, aquilo que os nossos lábios pronunciam seja algo nosso, vivido, e não mera rotina ou fórmula. Quando dizemos “aleluia”, “ámen”, ou “Pai Nosso”, as nossas palavras têm sentido se as dizemos a partir de dentro, se brotam da unidade interior da nossa pessoa, vigilante, atenta, crente.

Sandra Dantas

O Silêncio Na Nossa Celebração Como noutros campos da nossa vida, também nas nossas celebrações o silêncio pode ser uma das formas mais expressivas da nossa participação.

Quando na Sexta-Feira Santa começa o rito com a entrada silenciosa e a prostração do presidente, sem cântico de entrada nem saudação, esse silêncio converte-se num sinal eloquente de respeito e homenagem ao Mistério celebrado nesse dia, que não se pode superar com palavras e música. Quando o Bispo impõe as mãos em silêncio sobre a cabeça dos ordenados, sem nenhuma intervenção de cântico ou admonições nesse momento, o gesto adquire uma densidade que não necessita de muitas explicações.

Sandra Dantas

A justa proporção entre palavra, canto, gesto, movimento e silêncio é fundamental para uma boa celebração. Saber fazer silêncio, saber escutar, dá profundidade à nossa oração. Mas não se pode escutar se não há silêncio interior e se o ritmo da celebração não transmite serenidade. Isto requer aprendizagem, dentro e fora da celebração. Não sei o que ajuda mais o quê: se o saber escutar os outros na vida diária nos educa para escutar Deus, ou se o exercício de escutar a Palavra de Deus ou do presidente nos treina para saber escutar os outros fora da Igreja.

Não basta escutar, mas escutar é o caminho para a assimilação e o compromisso. Sobretudo se a equipa animadora favorece uma audição fácil e densa. Sandra Dantas

A Importância de Tocar

A corporeidade adquire na liturgia toda a sua importância. O Homem não é só espírito mas também corpo. Sandra Dantas

É surpreendente olhar os sacramentos sob o ponto de vista do toque. A linguagem do “tocar” está presente em todos eles. No BAPTISMO persignamos as crianças na fronte e impomos-lhe as mãos sobre a cabeça, deitamos-lhe água na cabeça, voltamos a ungir-lhe a cabeça. Na CONFIRMAÇÃO, para além da imposição das mãos, unge-se os confirmados sobre a fronte com o crisma, aquele que os apresenta ao bispo coloca a sua mão direita sobre o ombro e no final o bispo dá-lhes um gesto de paz, não só uma saudação oral mas um abraço ou um beijo. Na EUCARISTIA o ministro beija o altar, toca com a sua mão e beija o livro do Evangelho; os fiéis são convidados a comer e beber o corpo e sangue do Senhor; quem quer pode receber o pão na sua mão e, antes de ir comungar damo-nos a mão ou o abraço da paz. No sacramento da PENITÊNCIA restituiu-se como gesto simbólico de reconciliação a colocação das mãos, por parte do ministro, sobre a cabeça do penitente, ou, pelo menos, a mão direita.

Sandra Dantas

Na UNÇÃO DOS DOENTES o sacerdote unge com os óleos a fronte e as mãos do doente.

Nas ORDENAÇÕES, para além da entrega dos sinais próprios, e da unção das mãos, os candidatos sentem sobre a cabeça a mão do bispo no momento de invocar sobre eles a força do Espírito.

No MATRIMÓNIO os novos esposos dão-se o mútuo “sim” enquanto dão as mãos, como sinal de entrega e fidelidade, e colocam-se mutuamente o anel no dedo.

Sandra Dantas

Uma Liturgia Incorpórea Nas nossas celebrações temos cuidado muito a escuta da Palavra ou dos textos de oração. Mas temos descuidado um pouco a importância que tem a linguagem de outros sinais: o movimento, o simbolismo, a abundância... Em concreto, damos pouco relevo ao contacto físico. Isto talvez se deva ao facto de termos espiritualizado demasiado o conceito de “salvação” e reduzido a nossa celebração a um ou dois sentidos.

Em relação ao “tocar” parece que se desenvolveu muito mais o preceito negativo: “não tocar”. Conseguimos mais o “não te aproximes” da visão de Moisés (Ex 3,5) do que o estilo de Jesus.

Sandra Dantas

A salvação de Deus alcança-nos e toca-nos A linguagem do contacto é toda uma linguagem de proximidade, de personalização, de tomada de consciência, de eficácia. É o símbolo de que Deus nos alcança com a sua graça, no espaço e no tempo, a cada um de nós, e que nós acolhemos o seu dom com todo o nosso ser. O gesto de tocar sacramentalmente expressa muito bem a acção de um Deus que salva, a resposta da nossa fé, a relação com uma pessoa. Tocar individualiza, aproxima, comunica, estimula, manifesta e “realiza” as ideias e os sentimentos. No fundo, tocar é sinal de amor, de solidariedade, de proximidade. Este foi o modo de actuar de Cristo, e é também o modo de actuar na actividade sacramental da Igreja e também na nossa vida de relações humanas.

Claro que o encontro com Deus deve suceder a um nível interior e profundo. Mas os sinais sacramentais estão para isso: para exprimir e facilitar esse encontro sempre misterioso e inefável.

Sandra Dantas

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