Teatro E Mst

  • April 2020
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CAMINHOS DO NEOLIBERALISMO, POR MARCOS AURÉLIO MONTENEGRO BATISTA

MOVIMENTOS SOCIAIS E TEATRO-EDUCAÇÃO CORTINAS NOS OCULTAM ISSO E AQUILO: É PRECISO ARRANCÁ-LAS! (B. BRECHT)

É importante compreender o momento que estamos vivendo. A velocidade das mudanças levanos a ter preocupação na compreensão desses fenômenos e de que forma interferem nos rumos da educação do povo brasileiro. Isso muda a educação brasileira? Em que sentido? O decantado mundo da globalização e seu correspondente componente político, culturalideológico – o neoliberalismo – deque modo rebate na educação da população brasileira? Na educação popular,quais caminhos novos se trilham?E na educação rural, como andam as coisas? Percebo que o campo brasileiro segue tentando ser alternativa para sobreviver e produzir, fixando contingentes inteiros, que antes perambulavam pelas ruas e estradas desse território brasileiro, na tão desejada terra.Graças ao MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, CPT– Comissão Pastoral da Terra e outros,que retiram milhares da marginalidade social forçada.Indo direto à questão e mais como objetivo de ajudar nesse processo,penso que a partir dessa pequena aquarela seria importante e necessário vivenciar a experiência do fazer artístico junto à população do campo.Lembro aqui o que disse o crítico literário marxista Ernest Fischer, no seu livro A NECESSIDADE DA ARTE (p.11): “A arte não só é necessária e tem sido necessária, mas igualmente que a arte continuará sendo sempre necessária”. E acreditando nisso, quero trabalhar a linguagem do teatro com a educação do MST; na educação dos semterra, quero propor a técnica teatral na sala de aula. Estou convencido de que posso ajudar no processo educacional dos trabalhadores rurais. Vou ao quadro conjuntural e volto a me preocupar com as mudanças no mundo e suas repercussões no processo educacional. De que forma enfrentar esse debate? Como compreender essa situação? O professor Ivandro Sales, na página 75, do seu texto “Indicações para fazer uma análise de conjuntura”, diz que “fará boa análise de conjuntura quem conseguir captar bem as razões e estratégias econômicas, políticas e ideológicas de todos os grupos de interesse na sociedade. Só assim se conseguiria saber o que é conveniente querer e o que é possível fazer em cada momento”. Evidentemente que isso aumenta nossa responsabilidade em conhecer melhor quais os interesses dominantes em jogo. O que em contrapartida apresentam os trabalhadores como alternativa às propostas da burguesia? Temos saída? Qual o nosso projeto? Com a crise do chamado socialismo real e a tendência atual do capital globalizado viver uma nova fase de acumulação, surge por parte dos trabalhadores o interesse de melhor compreender as mudanças, de saber qual mesmo a dimensão alcançada e têm eles mesmos necessidade de saber: Qual caminho melhor defenderá seus interesses, preservará conquistas e travará lutas em oposição aos do capital? Ao falar dessa fase do capital, quero ir por um atalho e refletir que apesar de os ideólogos burgueses falarem de capital globalizado, mercado mundializado,transnacionais, fim das fronteiras comerciais, culturais, da chamada tendência à uniformização da vida no planeta, o mundo vive, ao contrário, um momento de crise. Há profundas contradições em jogo. Como diz Osvaldo Coggiola no texto “GLOBALIZAÇÃO E SOCIALISMO”, há “...tendências que explicam a chamada “globalização” não como um estágio superior do desenvolvimento capitalista, mas como uma manifestação extrema de sua crise”(p. 53). Quanto ao componente neoliberal do processo de globalização, Pablo Gentili fala no livro ESCOLA S/A de “...se compreender o neoliberalismo como um complexo processo de construção hegemônica (...) em dois sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico (...) por outro, através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais (...) no atual contexto histórico de nossas sociedades”. E assevera adiante definindo que é “...a construção e a difusão de um

novo senso comum”(p. 9-10). A burguesia tem constituído muito bem seus grupos funcionais, (lembrando Gramsci), seus intelectuais orgânicos dispostos a dar nova configuração ideológico-cultural à sociedade, impondo um outro padrão de aceitação para as mudanças coordenadas pelo capital. Pelo lado dos trabalhadores, dos subalternos cresce a construção de alternativas de sobrevivência e a procura de novas estratégias para resistir à ofensiva neoliberal. Aos trabalhadores resta resistir, seguir construindo a outra hegemonia, dentro das entranhas do capitalismo. Novas ações coletivas, ajuntamentos, reivindicações surgem no meio do povo. Novas formas organizativas se colocam contra a situação de miserabilidade ou, no mínimo, para tornar a vida suportável. É evidente que as novas formas organizativas de luta no seio da sociedade tiveram sua origem nas velhas lutas da classe operária contra a exploração capitalista. É Losóvski, no livro MARX E OS SINDICATOS, p. 127, quem lembra Engels: “ A situação da classe operária – escreve Engels – é a verdadeira base e o ponto de partida de todos os movimentos sociais da história contemporânea”, nos indicando que, a partir da situação de vida concreta da classe é possível organizar a luta pelas suas reivindicações e pela melhoria das condições de vida. Hartmut Karner, no texto MOVIMENTOS SOCIAIS: REVOLUÇÃO NO COTIDIANO, contido no livro UMA REVOLUÇÃO NO COTIDIANO? OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA DO SUL, de Ilse Sherer-Warren (org.), (p. 1920 e p. 24) diz: “ Os novos movimentos sociais são hoje uma força ascendente e decisiva no cenário social contemporâneo, tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento”. Fala também que “Na América Latina surgem, a cada dia, em número sempre crescente,frentes populares e organizações de base, comitês de defesa dos cidadãos e associações de vizinhos (...) Existirão causas comuns nas origens desses movimentos sociais? (...) Ganha importância a idéia de não querer adiar para um futuro distante o sonho de uma sociedade livre e humana, mas tratar de realizá-la na prática da luta cotidiana pela sobrevivência”. Karnet define os movimentos sociais “...como um processo coletivo e comunicativo de protesto, conduzido por indivíduos, contra relações sociais existentes, e que afetam a um grande número de pessoas...”. A professora Ilse Scherer-Warren, no seu livro MOVIMENTOS SOCIAIS: UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO SOCIOLÓGICA, define movimentos sociais como “uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente (...) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção)” (p. 20). Como se vê, definitivamente, é uma opção coletiva, com objetivos claramente definidos de melhoria das condições de existência, quer seja imediata ou futura, que conforma os movimentos sociais. No livro TEORIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS – PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS, de Maria da Glória Gohn, há todo um estudo sistematizado, onde a autora cataloga e apresenta as principais tendências e teorias sobre movimentos sociais produzidas nos EUA (teoria das ações coletivas – MR: Mobilização de Recursos e MP: Mobilização Política), Europa (os novos movimentos sociais) América Latina e Brasil. É bom lembrar que, apesar de alguns autores cantarem a crise do marxismo e a insuficiência deste paradigma no atual estágio do capitalismo, quanto à compreensão dos novos movimentos sociais, Glória Gohn (não-marxista) dedica parte do seu estudo a este tema e afirma (na página 171) que “A análise dos movimentos sociais sob o prisma do marxismo refere-se a processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes na realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sócio-política e cultural”. Outro ponto importante, contido na obra é que, enquanto a meu ver as teorias dos novos movimentos sociais tentam esterilizar o processo de luta, abandonar qualquer análise que se refira à defesa de interesses antagônicos de classe, “As teorias marxistas sobre os movimentos sociais não abandonaram a problemática das classes sociais” (Glória Gohn, p. 173). É importante ressaltar ainda a contribuição de Gramsci para “as análises das lutas e movimentos populares urbanos realizadas na América Latina...” (ídem, p.188). Além do próprio Gramsci, muitos outros teóricos e revolucionários como Mao-Tsé-Tung, Lukács, Lênin têm sido importantes para uma melhor compreensão e sistematização das experiências das lutas sociais. Mesmo com a grande diversidade de movimentos sociais e muitos desses situados nas cidades, quero abordar a questão agrária e me reportar à luta do MST – considerado um novo movimento social –

surgido no final da década de 1970. “O MST será uma das mostras da exclusão e da desigualdade social no continente” (Glória Gohn, p. 238). É esse movimento que vai dar dignidade ao homem do campo, não se sujeitando nem se contentando com as políticas oficiais vindas das classes dominantes, transformando-se no maior movimento social do Brasil na atualidade. “A causa dos sem terra passou a ser considerada justa nas pesquisas e enquetes de opinião pública...” (ídem, p. 305). E é com base neste prestígio, compreendendo a natureza do movimento em curso, que o MST volta-se para a educação de seus membros tendo com este gesto atribuído à educação um papel de destaque na luta pela terra. “A luta dos trabalhadores rurais sem-terra não se resume somente à reforma agrária. A preocupação do movimento com a educação se destaca entre os direitos sociais...” diz Renata Coutro em matéria publicada na revista SEMEANDO – EDUCAÇÃO NO MST – Projeto de jornalismo da PUC/SP, (p. 7), de junho de 1998 e destaca como alguns princípios filosóficos do movimento: “A educação para a transformação da sociedade” e “Educar crianças jovens e adultos para a cooperação” (ídem, p. 7). Esses princípios “...não surgiram primeiro, antes das práticas. Ao contrário, eles já são o resultado de práticas realizadas, das experiências que estamos acumulando nestes anos de trabalho” (Princípios da educação no MST – Caderno de Educação, p. 4 ). Quero, a partir daqui, tratar da educação vivenciada no MST. O movimento com seu setor de educação avaliaque já atua em bem mais frentes do que esta para a qual foi criado.“ Atualmente falar da educação no MST inclui pelo menos o seguinte: escolas de 1º Grau dos assentamentos; escolas (legais ou não) dos acampamentos, alfabetização e pósalfabetização de jovens e adultos dos acampamentos e assentamentos; educação infantil (de zero a seis anos) nas famílias, nas creches, nas pré-escolas, escolarização da militância em cursos supletivos ou em cursos alternativos de 1º, 2º e 3º graus; curso de formação de professores (o grifo é nosso!), de monitores, de educadores infantis, de outros formadores” (idem, p. 5). O MST considera “a educação uma das dimensões da formação , entendida tanto no sentido amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para a organização e para o conjunto das lutas dos trabalhadores” (idem, p. 5). Nos princípios filosóficos da educação do MST, ou seja, da educação para a transformação social, o movimento fala de valores, colocando a pessoa humana no centro desse processo de transformação. O movimento acredita que alguns valores deveriam ser enfatizados na prática educativa, tais como: o sentimento de indignação, a solidariedade entre as pessoas, o respeito às diferenças culturais, a construção do ser coletivo, a sensibilidade ecológica, a busca de formação em todas as dimensões, a criatividade, a capacidade de sonhar e de partilhar o sonho e tantos outros. Um dado importante nos princípios pedagógicos é a compreensão de trabalhar a realidade como base da produção do conhecimento. “...a realidade como ponto de partida é também ponto de chegada...” (idem, p. 13). Propõe a construção do conhecimento partindo da realidade para o mundo e “o mundo é a realidade!” (idem, p. 13). Partir da prática social, da cultura dos trabalhadores do MST: da linguagem, dos costumes, tradições, artes, saberes para trabalhar o ato educativo. E quanto ao nosso Estado? “...Na Paraíba, o MST e (...) vem tratando de unir forças, na organização de um plano de educação nos assentamentos, voltado não apenas para as ações de um amplo trabalho de alfabetização, como também para a capacitação de professores atuando nos assentamentos” (Alder Júlio Ferreira Callado, no texto EDUCAÇÃO POPULAR NOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: POTENCIALIZANDO A RELAÇÃO MACRO-MICRO NO COTIDIANO COMO ESPAÇO DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA, 1998: 6). O autor (Alder) dá-nos pistas, aponta caminhos que podemos caracterizar como métodos ou ações metodológicas no trabalho educativo junto aos trabalhadores rurais sem-terra de apreensão da realidade social. Olhar a realidade, problematizá- la e desvendá-la é perfeitamente possível, “desde que apliquemos meios, instrumentos que permitam esse olhar” (p. 7), esse entrar de várias formas no objeto de estudo. O autor fala da necessidade de outros recursos para a produção dos saberes e cita no texto um milenar ditado oriental: “Se escuto, esqueço; se vejo, relembro; se faço, aprendo” (p. 8). Lembra-nos que uma outra prática educativa se mostra eficaz e deve ser vivenciada pelos sujeitos (educadores e educandos) envolvidos no processo educacional. Partindo dessas

reflexões, quero trabalhar com o teatro no processo educativo vivenciado nos assentamentos, acampamentos dos trabalhadores rurais sem-terra da Paraíba. Fernando Peixoto, na orelha do seu livro BRECHT – UMA INTRODUÇÃO AO TEATRO DIALÉTICO, diz que o “teatro é uma manifestação do homem em sua historicidade material e concreta. Pensar o significado do trabalho teatral implica em pensar as relações de produção, a questão nacional e a questão democrática, o momento atual da luta de classes, a defesa da soberania cultural e política”. E diz mais (na página 21): “Sobretudo contribuir para nosso teatro definir, a partir de nossas necessidades sociais, econômicas, culturais e (...), o significado de como, aqui e hoje, ser realista e crítico, (...) e popular”. É com essa preocupação – em ter um teatro na educação, sociológico – como instrumento de intervenção nos processos sociais que quero-o dentro do processo educativo dos trabalhadores rurais sem-terra. Um teatro didático, educativo, na verdadeira acepção da palavra: um teatro-educação. Tomo aqui a palavra de Alexandre Luiz Mate: “...O teatro, enquanto uma proposta educativa concreta e alternativa de trabalho pedagógico, em que pese mesmo muitos equívocos praticados, tem demonstrado sua valiosíssima pertinência e instrumentalidade no sentido das mudanças qualitativas que vêm sendo construídas e desenvolvidas nas escolas. (...) além disso, o teatro é um meio para que os sujeitos possam aprofundar o conhecimento da realidade, “cercando- a” de diversas formas e a partir de diferentes ângulos” ( páginas 134 e 136 do Texto: A linguagem teatral como uma alternativa concreta de mudança ao óbvio educacional). Tentando novos caminhos para a educação do povo, quero analisar, estudar a linguagem teatral como processo de educação do MST. Lanço-me ao desafio de educar através do teatro, reafirmando as palavras do educador Dermeval Saviani de que: “toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política” ( livro ESCOLA E DEMOCRACIA, p. 92). Será que o teatro ajudará o trabalhador rural no processo de sua formação? Quero juntar educação popular e teatro e comprovar a validade da linguagem teatral no processo educativo das populações rurais. Qual a linguagem do povo que a linguagem do teatro poderá falar? É esse o teatro que quero colocar à disposição da educação do povo, da formação dos educadores do MST.

REVISTA DA ADUFPB-JP

AU T O R Marrccoss Aurrélliio Monttenegrro Battiisstta é do quadro docente de 1º e 2º graus da UFPB e mestrando em Educação Popular – CE/UFPB.

Bibliografia FISCHER, Ernest, A Necessidade da arte. São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1959 GENTILI, Pablo et al, Escola S.A, Brasília: CNTE, 1996 LOSÓVSKY, D., Marx e os sindicatos. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1989 GOHN, Maria da Glória, Teorias dos movimentos sociais – Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997 PEIXOTO, Fernando, Brecht – uma introdução ao teatro dialético. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1981 SAVIANI, Dermeval, Escola e Democracia. São Paulo: Cortez Editora/ Autores Associados, 1984 REVISTA SEMEANDO – Educação no MST. São Paulo: Projeto de Jornalismo da PUC/SP, 1998 SALES, Ivandro, Indicações para fazer uma análise de conjuntura (mímeo), 1998

COGGIOLA, Osvaldo, Globalização e socialismo (mímeo), 1998 SCHERER-WARREN, Ilse et al, Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América do Sul (mímeo), 1997__. Movimentos sociais: um ensaio de interpretação sociológica (mímeo), 1996 PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO NO MST – Caderno de Educação –MST/ setor de educação (mímeo), 1996 CALLADO, Alder Júlio F., Educação popular nos movimentos sociaisno campo: potencializando a relação macro-micro no cotidiano como espaço de exercício da cidadania (mímeo), 1998 MATE, Alexandre Luiz, A linguagem teatral como uma alternativa concreta de mudança ao óbvio educacional (mímeo), 1998

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