Stf Ext1085 Ministerio Publico Federal

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nº 3576-PGR-AF EXTRADIÇÃO Nº 1085 REQUERENTE : REPÚBLICA ITALIANA EXTRADITANDO : CESARE BATTISTI RELATOR : Ministro Cezar Peluso

EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA FORMULADA PELA REPÚBLICA ITALIANA. DELITOS DE HOMICÍDIO SUPOSTAMENTE PRATICADOS COM MÓVEL POLÍTICO. CONFIGURAÇÃO DE INFRAÇÃO DA LEI PENAL COMUM. FATOS QUE DIFEREM DAQUELES ANALISADOS PELO STF NAS EXTRADIÇÕES 994, 694 e 493. PRINCÍPIO DA PREPONDERÂNCIA. NECESSIDADE DE COMUTAÇÃO DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA EM PRIVATIVA DE LIBERDADE LIMITADA A 30 ANOS. DEFERIMENTO DO PEDIDO.

1.

Cuida-se de pedido de extradição executória formulado pela REPÚBLICA ITALIANA (fls. 03/05), com base no Tratado de Extradição firmado com o Brasil e promulgado pelo Decreto n° 863/93, do nacional italiano CESARE BATTISTI, o qual foi condenado à pena de prisão perpétua com isolamento diurno de seis meses, pelos homicídios praticados contra ANTONIO SANTORO, ocorrido em Udine, em 6 de junho de 1977; PIERLUIGI TORREGIANI, ocorrido em Milão, em 16 de fevereiro de 1979; LINO SABBADIN, ocorrido em Mestre, em 16 de fevereiro de 1979; e ANDREA CAMPAGNA, ocorrido em Milão, em 19 de abril de 1979 (fls. 03/05). 2. Solicitada a prisão preventiva para fins de extradição (fls. 04/06, PPE 581-4/420), esta foi decretada em 1° de março de 2007 (fls.

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11/12, PPE 581-4/420) e efetivada em 18 de março de 2007 (fls. 63, PPE 581-4/420). 3. No dia 18 de janeiro de 2008, o extraditando foi interrogado, tendo negado a autoria dos crimes pelos quais foi condenado vez que, à época em que foram cometidos, já teria se desligado do grupo político responsável por tais atos. Alega, ainda, que se tratava de período conturbado da história italiana, conhecido como “anos de chumbo”; que não esteve presente a qualquer ato do processo, não tendo sequer constituído advogado; que houve um simulacro de defesa; que nunca outorgou mandato a qualquer advogado para defendê-lo perante a Justiça italiana; que viveu na França durante quatorze anos, onde teve a nacionalidade deferida em 2003; que aquele país negou, inicialmente, o pedido de extradição formulado pela Itália, mas o processo foi reaberto por motivo de perseguição política, por ocasião do último processo eleitoral francês, haja vista que o extraditando era ligado à candidata derrotada Ségòlene Royal; que escolheu o Brasil para se refugiar, por saber que neste país é vedada a extradição por crimes políticos (fls. 2313/2316). 4. O extraditando apresentou defesa escrita às fls. 2323/2435, na qual alega, em síntese, defeito de forma dos documentos que fundamentam o pedido de extradição; violação ao devido processo legal e à ampla defesa, por ter sido revel em processo de competência do Tribunal do Júri, além do que a condenação teria como base apenas a confissão de um ex-integrante da facção política responsável pelos atentados; e a natureza política dos atos em razão dos quais houve a condenação. 5. Em cumprimento ao despacho de fls. 2815, vieram os autos à Procuradoria Geral da República para manifestação. 6. Primeiramente, cumpre notar que o pedido formal de extradição foi devidamente apresentado pelo Estado requerente, atendendose ao disposto no art. 80 da Lei nº 6.815/80, tendo sido instruído com certidão da sentença condenatória (fls. 108/179 e 387/400), além de peça informativa contendo indicações precisas sobre os locais, datas, natureza e circunstâncias dos fatos criminosos, a identidade do extraditando, cópia dos textos legais sobre as tipificações penais, prescrição e respectivas sanções (fls. 65/107). Constam, ainda, relatório da instrução processual (fls. 180/386), e cópias das decisões proferidas pelo Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão (fls. 404/536) e pelo Supremo Tribunal de Justiça daquele país (fls. 538/620).

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7. Não se vislumbra, portanto, o vício de forma alegado pela defesa do extraditando, inclusive a respeito da autenticidade da tradução, tendo em vista o disposto no art. 80, §1°, da Lei n° 6.815/80, segundo o qual o encaminhamento do pedido por via diplomática confere autenticidade aos documentos. 8. Sobre a suposta violação ao devido processo legal no processo condenatório, deve-se notar que a revelia, por si só, não implica vedação à extradição, consoante o Artigo V, alínea a, do Tratado de Extradição vigente entre o Brasil e a República Italiana: A Extradição tampouco será concedida: a) se, pelo fato pelo qual for solicitada, a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a um procedimento que não assegure os direitos mínimos de defesa. A circunstância de que a condenação tenha ocorrido à revelia não constitui, por si só, motivo de recusa para a extradição;

9. Essa Corte, em diversos precedentes, já deixou assentado esse mesmo entendimento, tendo decidido na Extradição n° 864, também requerida pela República Italiana, que: (...) Independentemente da aplicabilidade ao caso da parte final do art. V do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, segundo o direito extradicional brasileiro, não impede, por si só, a extradição que o extraditando tenha sido condenado à revelia no Estado requerente. (...) (Ext 864. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

10. O Estado brasileiro deve proteger os direitos fundamentais do extraditando, devido a sua condição de sujeito de direitos, mas há limites a serem observados, condicionados pela soberania do país requerente.

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11. O sistema adotado pelo Brasil em sede de extradição é o da contenciosidade limitada, também denominado de sistema da delibação, de maneira que eventuais vícios no processo condenatório apresentam-se como questões incidentes, devendo ser ali resolvidas. Ao Supremo Tribunal Federal compete o exame da legalidade extrínseca, fundada na obediência aos pressupostos do pedido de extradição. Outrossim, são incabíveis as discussões a respeito das provas que ensejaram a condenação e do próprio mérito desta, conforme jurisprudência dessa Corte: EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS: PARADIGMA ÉTICO-JURÍDICO CUJA OBSERVÂNCIA CONDICIONA O DEFERIMENTO DO PEDIDO EXTRADICIONAL. - A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal - de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso). Precedentes: RTJ 134/56-58 RTJ 177/485-488. PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE. A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia. - O sistema de contenciosidade

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limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro (RTJ 140/436 - RTJ 160/105 - RTJ 161/409-411 RTJ 170/746-747 - RTJ 183/42-43), não permite o exame do substrato probatório pertinente ao delito cuja persecução penal, no exterior, justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal. - A análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância do ilícito penal revela-se possível, ainda que em bases excepcionais, desde que se mostre indispensável à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro. Hipóteses não verificadas no presente caso. EXTRADIÇÃO E REVELIA PERANTE TRIBUNAL ESTRANGEIRO. - A decretação da revelia do extraditando, por órgão competente do Estado requerente, não constitui, só por si, motivo bastante para justificar a recusa de extradição. O fato de o extraditando haver sido julgado "in absentia" por seu juiz natural, em processo no qual lhe foram asseguradas as garantias básicas que assistem a qualquer acusado, não atua como causa obstativa do deferimento do pedido extradicional. Precedentes. (Ext 917. Relator: Min. CELSO DE MELLO).

12. No presente caso foi observado o princípio do juiz natural, sendo que o extraditando foi julgado por órgão jurisdicional competente em

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razão dos fatos terem ocorrido no território italiano. Além disso, foram respeitados, à primeira vista, os direitos básicos de defesa, garantindo-se o direito de recorrer, por meio do qual se conseguiu, inclusive, anular o primeiro julgamento referente a um dos fatos, o qual foi confirmado em uma segunda condenação pelo Júri Popular. 13. Ao se examinar a pena aplicada e a prescrição a ela correspondente verifica-se que ainda não ocorreu a extinção da punibilidade. Conforme mencionado, o extraditando foi condenado à prisão perpétua, tendo as decisões condenatórias transitado em julgado em 08 de abril de 1991 e 10 de abril de 1993 (fls. 03). De acordo com a lei italiana, a prescrição não extingue os crimes para os quais a lei prevê a pena de prisão perpétua, mesmo como efeito da aplicação das circunstâncias agravantes (fls. 96). Por outro lado, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, pelo fato de não ser admissível a pena de prisão perpétua, há que se analisar a prescrição da pretensão executória com base na pena máxima possível de ser aplicada, qual seja, 30 anos. Nos termos do art. 109, I, do Código Penal, tal pena é extinta em 20 (vinte) anos, o que somente ocorreria em 2011 e 2013. 14. Quanto ao requisito da dupla tipicidade, verifica-se o seu cumprimento, tendo em vista a tipificação do homicídio no art. 121, do Código Penal Brasileiro, correspondente ao art. 575, do Código Penal Italiano (fls. 83). 15. O ponto mais complexo no exame da legalidade do presente pedido diz respeito à possível classificação dos fatos como crimes políticos. 16. Afastada a hipótese de delitos políticos puros, que são aqueles por meio dos quais o indivíduo afronta as leis de proteção do Estado, contrariando certa ideologia, cabe investigar a possível configuração de delitos políticos relativos, os quais seriam, no dizer de CELSO RIBEIRO BASTOS, (...) aqueles crimes que já possuem consistência no próprio domínio do direito penal comum, mas que são praticados por móveis políticos. Um exemplo seria o homicídio praticado contra uma autoridade por se a considerar traidora da Pátria. Ainda esses casos têm sido albergados como crimes políticos. Mais recentemente, contudo, dado o vulto

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assumido pelo terrorismo internacional, já assoma certa resistência a considerar político todo crime praticado com esse fundamento. É que no mais das vezes as práticas delituosas assumem aspectos revoltantes e acabam por atingir pessoas inocentes, o que já faz brotar verdadeiro repúdio internacional ao terrorismo e ao seqüestro1.

17. Insta notar que eventualmente a conduta criminosa revestese de atributos do crime comum, mas se encontra inserida em um contexto de ação política, de modo que o princípio da preponderância, previsto no art. 80, §1°, da Lei n° 6.815/80, autoriza a sua qualificação como crime político. Daí a necessidade, como afirma o Ministro GILMAR MENDES, de sua contextualização no âmbito dos objetivos políticos e a possibilidade de se fazer uma ponderação entre o caráter comum do delito e a sua inserção em uma ação política mais ampla2. (Grifou-se)

18. Justamente tomando como referência essa “ação política mais ampla” é que o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado em casos de difícil solução, nos quais existe, por assim dizer, uma zona cinzenta onde os crimes comuns se confundem com delitos políticos. 19. Nesse sentido, vale tomar como paradigmas os precedentes a seguir apresentados. 20.

Na Extradição n° 694, da relatoria do Ministro SYDNEY SANCHES, sendo requerente a República Italiana, deixou-se assentado que: (...) A segunda condenação imposta ao extraditando foi, também, por crime político, consistente em participação simples em bando ar-

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BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2. volume.: arts. 5° a 17/ Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra da Silva Martins. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 273. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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mado, de roubo de armas contra empresa que as comercializava, de roubo de armas e de dinheiro contra entidade bancária, fatos ocorridos em 12.10.1978. Tudo “com o fim de subverter violentamente a ordem econômica e social do Estado italiano, de promover uma insurreição armada e suscitar a guerra civil no território do Estado, de atentar contra a vida e a incolumidade das pessoas para fins de terrorismo e de eversão da ordem democrática”. Essa condenação não contém indicação de fatos concretos de participação do extraditando em atos de terrorismo ou de atentado contra a vida contra a vida ou a liberdade das pessoas(...) Não há dúvida, porém, de que os fatos resultaram de um mesmo contexto de militância política, ocorridos que foram poucos meses antes, ou seja, “em época anterior e próxima a 09.02.1978”, envolvendo, inclusive, alguns agentes do mesmo grupo. Igualmente nesse caso (3a condenação), não se apontam com relação ao paciente, fatos concretos característicos da prática de terrorismo, ou de atentados contra a vida ou a liberdade das pessoas. Diante de todas essas cir cunstâncias, não é o caso de o S.T.F. valer-se do §3° do art. 77 do Estatuto dos Estrangeiros, para, mesmo admitindo tratar-se de crimes políticos, deferir a extradição. O §1° desse mesmo artigo (77) também não justifica, no caso, esse deferimento, pois é evidente a preponderância do caráter político dos delitos, em relação aos crimes comuns. E a Corte tem levado em conta o critério da preponderância para afastar a extradição, ou seja, nos cri-

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mes preponderantemente políticos (RTJ 108/18; EXTRADIÇÃO n. 412 – DJ 08.03.85; e RTJ 132/62). (Grifouse)

21. Outro precedente importante teve como extraditando suposto participante da invasão do quartel de La Tablada, tendo essa Corte, na relatoria do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE deixado assentado que o roubo de veículo empregado na invasão do quartel, as privações de liberdade, lesões corporais, homicídios e danos materiais, mesmo que considerados crimes diversos, “estariam contaminados pela natureza política do fato principal conexo, (...) de modo a constituírem delitos políticos relativos”3. 22. Por fim, cabe mencionar a Extradição n° 994, da relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, tendo este, em seu voto, consignado que: A exposição dos fatos delituosos atribuídos a Pietro Mancini bem revela a conotação política que os revestiu. (...) 'pena global de 20 anos e 8 meses de reclusão, porque, em concurso com outros (todos membros do grupo armado denominado “Rosso” [vermelho]), no curso de uma manifestação convocada por grupos de extrema esquerda, mascarado e fazendo uso de armas e de garrafas incendiárias, recorria à violência contra membros de uma esquadra de Polícia, estanciando com tarefas de ordem pública na Via De Amicis, em Milão, causando na ocasião a morte do vice-brigadeiro Custrà, que foi atingido à cabeça por um projétil de arma de fogo, causando a sua morte, e o ferimento de dois outros agentes e de um civil'; (...) ficou bem caracterizada a existência de um movimento político objetivando a alteração da própria vida do Estado italiano. Os crimes verificados decorreram da formação do movimento denominado Autono3

Ext n° 493. Relator: Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE.

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mia Operária Organizada. O pano de fundo, revelando-se a conexão, mostrou-se como sendo a atividade de um grupo de ação política, desaguando em práticas criminosas que, isoladamente, poderiam ser tidas como comuns. Tudo ocorreu visando a subverter a ordem do Estado, cogitando-se, por isso mesmo, de “organização subversiva Rosso, em cujo interesse eram deliberadas as rapinas executadas”. (Grifou-se)

23. A análise desses três precedentes revela que o Supremo Tribunal Federal considerou que a motivação política dos fatos não autoriza, por si só, a classificação dos crimes como políticos. 24. Com efeito, na Extradição n° 694 levou-se em conta não haver indicação de participação do extraditando em atos de terrorismo ou de atentado contra a vida ou a incolumidade das pessoas. 25. No que tange à Extradição n° 493, observa-se que os fatos ocorreram no contexto da invasão do quartel de La Tablada, de modo que os homicídios e as lesões foram absorvidas por esse evento de inegável caráter político. 26. Com relação à Extradição n° 994, a morte de um vicebrigadeiro e as lesões a outros indivíduos aconteceram por ocasião de uma manifestação organizada por grupos de extrema esquerda, quando houve confronto entre estes e a Polícia. 27. Tais eventos diferem do contexto fático em que ocorreram os crimes pelos quais o extraditando foi condenado, em que pese terem sido provocados por membros de uma facção política. 28. CESARE BATTISTI foi condenado por homicídios que, embora guardem certa motivação política, não tiveram como plano de fundo, por exemplo, uma manifestação ou rebelião, além do que ceifaram a vida de civis e de autoridades que se encontravam então indefesos. 29. requerente:

Nesse sentido, os crimes foram assim descritos pelo Estado Homicídio de ANTONIO SANTORO, marechal dos agentes de custó-

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dia do carcere (sic) de Udine, acontecido em Udine em 6.6.1978. A modalidade exata de tal homicídio foi assim reconstruida (sic): o BATTISTI e Enrica MIGLIORATI, ficaram abraçados por cerca 10 minutos à (sic) apenas alguns metros de distância do portão do prédio de Santoro, enquanto Pietro MUTTI e Claudio LAVAZZA, esperavam no carro a chegada da vítima. BATTISTI se destacou imediatamente da MIGLIORATI, se aproximou correndo de Santoro, e o feriu primeiro com um tiro nas costas e com outros dois tiros, quase à queima-roupa, quando o marechal era já a terra. (fls. 66) Homicídio de LINO SABBADIN acontecido em Mestre em 16.2.1979 No dia 16.2.1979, lá pelas 16:50 horas, dois indivíduos de sexo masculino, com o rosto descoberto, mas com barba e bigodes postiços, entram num açougue dirigido por LINO SABBADIN em Caltana di Santa Maria di Sala perto de Mestre, e um destes, depois de ter-se certificado que aquele homem que era diante dele era (sic) o próprio SABBADIN em pessoa, extraiu fulmineamente (sic) uma pistola da (sic) uma bolsa que trazia consigo, e explodiu contra este dois golpes de pistola, fazendo-o cair pesantemente (sic) sobre o estrado atrás do balcão onde naquele momento estava trabalhando; imediatamente depois dispara outros dois tiros sobre o alvo que no mais é já a terra, e tudo com a clara intenção de matar. (...) As investigações estabeleceram que os indivíduos de sexo masculino que entraram na loja do SABBADIN

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eram CESARE BATTISTI e DIEGO GIACOMINI... (fls. 67/68) Homicídio de PIERLUIGI TORREGIANI, acontecido em Milão em 16.2.1979 Às 15:00 horas de 16.2.1979, enquanto se dirigia para a sua loja, à pé, em companhia de seus dois filhos menores, PIERLUIGI TORREGIANI cai vítima de uma emboscada. (...) A decisão de matar o TORREGIANI amadureceu juntamente com aquela de matar o SABBADIN: as duas ações homicidas foram decididas juntamente, executadas quase contemporâneamente (sic) e unitáriamente (sic) reinvindicadas. (...) Para decidirem sobre os dois homicídios foram feitas uma série de reuniões... Além disto, no curso das reuniões acima citadas na casa de MUTTI e de BERGAMIN, BATTISTI reforçou muitas vezes a necessidade inevitável da ação homicida... (fls. 68/70) Homicídio de ANDREA CAMPAGNA, acontecido em Milão 19.4.1979 Às 14:00 horas do dia 19.4.1979, o agente de Polícia de Estado ANDREA CAMPAGNA, membro da DIGOS de Milão, com funções de motorista, depois de ter visitado a namorada junta (sic) à qual, como todos os dias, almoçava, se preparava em companhia de seu futuro sogro, para pegar o seu carro estacionado à via Modica, para depois acompanhálo na sua loja de sapatos de via Bari. À (sic) este ponto, vinha improvisamente (sic) enfrentado por um jovem desconhecido, que, aparecendo de repente detrás de um carro esta-

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cionado ao lado do carro do policial, explodia contra ele, em rápida sucessão 5 tiros de pistola. (...) Além disto foi o próprio BATTISTI que cometeu materialmente o homicídio explodindo cinco tiros na direção do policial, enquanto uma segunda pessoa o esperava à bordo de um Fiat 127 roubado e utilizado para a fuga. (fls. 70/72)

30. Como se pode constatar, os fatos transcritos diferem dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, nos quais os crimes comuns encontravam-se entrelaçados em meio a uma ação política mais ampla, como foi o caso da Ext n° 994 e da Ext n° 493. 31. Ademais, os atentados à vida e à incolumidade das pessoas confrontam com a observação cuidadosa que fez essa Corte na Extradição n° 694. De fato, o simples móvel político não autoriza a prática de homicídios premeditados e de violência contra quem quer que seja, de modo que o elemento subjetivo exclusivamente não legitima a classificação dos fatos como crimes políticos. 32. Os homicídios que fundamentam este pedido de extradição parecem marcados por certa frieza e desprezo pela vida humana, o que contrasta com o caráter nobre de uma ação política voltada para reformas no Estado. Refletindo sobre os fins altruístas de uma ação política, o Ministro CARLOS BRITTO assim manifestou-se na já mencionada Extradição n° 994: No caso, o problema está em diferenciar a atividade de natureza política e a atividade de natureza terrorista. E aí é preciso que nos lembremos que o terrorismo é movido pela irracionalidade, pelo fanatismo, na busca do paradoxo da construção do caos, do niilismo absoluto; ao passo que os movimentos políticos têm uma inspiração bem mais nobre, bem mais altruísta. Esses movimentos políticos não visam nem mesmo à tomada de Governo. São até mais ambiciosos,

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visam à tomada do próprio Estado para a implantação de uma nova ordem social, de uma nova ordem econômica.

33. Em vista de tais fundamentos, não se afiguram suficientes para caracterizar tais delitos como políticos as alegações e os novos documentos apresentados pelo extraditando através da petição n° 30354, protocolada no dia 06/03/2008. 34. Conclui-se, portanto, à luz do princípio da preponderância, contido no art. 77, §1°, da Lei n° 6.815/80, que os quatro homicídios caracterizaram-se como crimes comuns, e por isso são passíveis de extradição. 35. Por fim, há que se observar, em consonância com o entendimento atual dessa Corte Suprema, que o Estado requerente deve substituir a pena de prisão perpétua pela privativa de liberdade limitada a 30 (trinta) anos, além de promover a detração relativa ao tempo em que o extraditando ficou preso provisoriamente no Brasil. Ante o exposto, manifesto-me pelo deferimento do pedido de extradição.

Brasília, 27 de março de 2008.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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