UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS SIMONE FLAESCHEN
ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO PORTUGUÊS DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
RIO DE JANEIRO 2012
SIMONE FLAESCHEN
ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO PORTUGUÊS DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos — Opção: Língua Italiana). Orientadora: Annita Gullo.
RIO DE JANEIRO 2012
Professora
Doutora
Flaeschen, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil: um estudo de Análise Contrastiva / Simone Flaeschen. -- 2012. xii, 315 f.: il. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Letras Neolatinas, Rio de Janeiro, 2012. Orientadora: Annita Gullo 1. Linguística Contrastiva. 2. Língua Italiana e Língua Portuguesa. 3. Língua Italiana – Tese. I. Gullo, Annita (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Letras Neolatinas. III. Título.
SIMONE FLAESCHEN ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO PORTUGUÊS DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Aprovada em: __________
_________________________________________________________ Annita Gullo, Professora Doutora, UFRJ
__________________________________________________________ Flora Simonetti Coelho, Professora Doutora, UERJ
__________________________________________________________ Jaci Correia Fernandes, Professora Doutora, UFRJ
___________________________________________________________ Maria Lizete dos Santos, Professora Doutora, UFRJ
___________________________________________________________ Carlos da Silva Sobral, Professor Doutor, UFRJ
____________________________________________________________ Opázia Chain Feres, Professora Doutora, UFF (Suplente)
____________________________________________________________ Cláudia Fátima Morais Martins, Professora Doutora, UFRJ (Suplente) Rio de Janeiro Março de 2012
SINOPSE
Nesta tese, apresentamos uma proposta de correspondência entre as orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil. Para desenvolvermos o nosso estudo, utilizamos como
metodologia
um
dos
modelos
da
Linguística Contrastiva, a Análise Contrastiva. No percurso investigativo, tratamos do fenômeno de interferência da língua materna sobre a língua estrangeira e enfrentamos desafios, como as limitações da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) na descrição do período composto do português. O fazer tradutório se mostrou muito importante na referida Análise.
Ao meu marido, Anderson do Carmo Rocha, e à nossa filha, Cecília Flaeschen Rocha
AGRADECIMENTOS
A Deus, “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” (KARDEC, 1998). À Professora Doutora Annita Gullo, minha admiração e gratidão infinitas. Em sua prática docente, sempre se fez presente a afetuosidade, tornando o relacionamento professora-alunos o melhor possível. Ter sido sua orientanda, tanto no Curso de Mestrado quanto no de Doutorado, foi uma honra. Agradeço a todos do maravilhoso grupo docente do Setor de Italiano da Faculdade de Letras da UFRJ. É um grupo acolhedor e amoroso. Aos Professores Doutores, membros da banca examinadora: à Maria Lizete dos Santos, a Carlos Sobral e Jaci Correia Fernandes, agradeço a compreensão e o apoio, e também o carinho com o qual sempre me trataram; agradeço à Professora Doutora Flora Simonetti Coelho, da UERJ, por aceitar fazer parte da banca examinadora. Sinto-me honrada. À Laysinevre Linhares pelo apoio psicológico e emocional, pelo incentivo e carinho. Ao amigo Luiz Roberto Conegundes Salvador, pelo incentivo constante, que me ajudou a enfrentar mais esse desafio. Às amigas Eliane Gomes da Silva e Sheila Cardoso Marchesano, que me ajudaram em momentos difíceis da minha vida e sempre torceram pela minha felicidade. Agradeço especialmente a meu amado marido, Anderson do Carmo Rocha, que, sempre compreensivo, amoroso e trabalhador, apoiou-me e suportou heroicamente, junto comigo, o peso dos sacrifícios que tivemos de fazer para que o presente trabalho fosse elaborado. Agradeço o amor, a compreensão e o apoio de toda a minha querida família, em especial à minha mãe, Marcélia Garavello Flaeschen, e a meus irmãos, André Flaeschen e Luciana Flaeschen. A meu pai, Geraldo Flaeschen, in memoriam. A todos, enfim, que contribuíram para que este trabalho se realizasse.
"…in the comparison between native and foreign language lies the key to ease or difficulty in foreign language learning." Robert Lado
RESUMO
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A partir de um estudo de análise contrastiva, apresentamos, nesta tese, uma proposta de correspondência entre as classificações das orações coordenadas e subordinadas do italiano e as do português do Brasil. O referido estudo foi realizado com base na análise oracional de dois conjuntos de sentenças: o primeiro, constituído por frases italianas, apresentadas por gramáticos italianos para exemplificar os tipos de orações coordenadas e subordinadas; o segundo conjunto, formado pelas mesmas frases, traduzidas para o português. Cinco gramáticas italianas foram utilizadas como fontes das sentenças italianas. Com base nos resultados do estudo de análise contrastiva e na proposta de correspondência, aos quais nos referimos acima, apontamos os tipos de orações coordenadas e subordinadas italianas que ofereceriam maior dificuldade de aprendizagem por parte de estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
Palavras-chave: Linguística Contrastiva; Análise Contrastiva; Sintaxe; orações coordenadas e subordinadas; língua italiana; língua portuguesa.
ABSTRACT
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
From a study of contrastive analysis on, we present in this thesis a proposal of correspondence between the classifications of coordinate and subordinate clauses of Italian language and Brazilian Portuguese language. It was done analysing two groups of sentences: the first with Italian sentences, presented by Italian grammarians to illustrate the types of coordinate and subordinate clauses; the second group, formed by the same sentences, translated into Portuguese. Five Italian grammars were used as sources of Italian sentences. Based on the results of the study of the contrastive analysis and on the proposal of correspondence, which we referred above, we indicate the types of Italian coordinate and subordinate clauses would offer a bigger difficulty learning by Brazilian students who learn Italian as a foreign language.
Keywords: Contrastive Linguistics; Contrastive Analysis; Syntax; coordinate and subordinate clauses; Italian language; Portuguese language.
RIASSUNTO
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A partire da uno studio di analisi contrastivo, presentiamo in questa tesi una proposta di corrispondenza tra le classificazioni delle proposizioni coordinate e subordinate dell’italiano e quelle del portoghese del Brasile. Lo studio a cui ci riferiamo è stato realizzato in base all’analisi proposizionali di due gruppi di frasi: il primo gruppo è stato formato da frasi italiane presentate da gramatici italiani per esemplificare i tipi di proposizioni coordinate e subordinate; il secondo gruppo è stato formato dalle stesse frasi, solo che tradotte in portoghese. Cinque gramatiche sono state utilizzate come fonti delle frasi italiane. In base ai risultati dello studio di analisi contrastivo e alla proposta di corrispondenza, ai quali ci siamo riferiti sopra, indichiamo i tipi di proposizioni coordinate e subordinate italiane che offrirebbero una maggior difficoltà al suo apprendimento da parte degli studenti brasiliani di italiano come lingua straniera.
Parole chiave: Linguistica Contrastiva; Analisi Contrastiva; Sintassi; proposizioni coordinate e subordinate; lingua italiana; lingua portoghese.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15
2. A LINGUÍSTICA CONTRASTIVA ..................................................................................... 19 2.1. Introdução .............................................................................................................................. 19 2.2. Linguística Contrastiva e Linguística Aplicada ..................................................................... 24 2.3. Linguística Contrastiva e Linguística Comparada ................................................................. 31 2.4. Os três modelos da Linguística Contrastiva .......................................................................... 34 2.4.1. Análise Contrastiva ............................................................................................................. 34 2.4.1.1. A Análise Contrastiva e o fenômeno da interferência linguística ................................... 37 2.4.2. Análise de Erros .................................................................................................................. 39 2.4.3. Interlíngua ........................................................................................................................... 43 2.5. Breve comparação entre os três modelos da Linguística Contrastiva ................................... 46 2.6. A importância da Linguística Contrastiva nos dias de hoje .................................................. 48 2.7. A orientação desta pesquisa: Linguística Contrastiva teórica ou aplicada? .......................... 51
3. LINGUÍSTICA CONTRASTIVA E TEORIAS GRAMATICAIS .................................... 55 3.1. Conceitos e tipos de gramática .............................................................................................. 55 3.2. Gramáticas ligadas à Linguística Contrastiva ........................................................................ 59 3.2.1. A Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou implícita ................................... 62 3.2.2. A Análise Contrastiva e a gramática descritiva contrastiva ............................................... 66 3.2.3. A Análise Contrastiva e a gramática normativa ................................................................. 69 3.2.4. A Análise de Erros e a Interlíngua e a gramática funcional ............................................... 71 3.3. Nomenclaturas gramaticais .................................................................................................... 80 3.3.1. A origem da gramática no Ocidente ................................................................................... 81 3.3.2. A Nomenclatura Gramatical Brasileira .............................................................................. 84 3.3.3. A Nomenclatura Gramatical Italiana .................................................................................. 90
4. SINTAXE E SEMÂNTICA ................................................................................................... 99 4.1. Sintaxe ................................................................................................................................... 99 4.2. Semântica ............................................................................................................................. 101 4.3. Relação entre sintaxe do período composto e Semântica .................................................... 106
5. METODOLOGIA DE PESQUISA: A ANÁLISE CONTRASTIVA ............................... 111 5.1. A Análise Contrastiva .......................................................................................................... 111 5.2. As gramáticas italianas utilizadas ........................................................................................ 111 5.3. Principais obras da língua portuguesa utilizadas para a análise dos dados ......................... 116 5.4. O corpus da tese e a sua constituição ................................................................................... 119 5.5. A análise dos dados ............................................................................................................. 123 5.5.1. A tradução das frases-exemplo ......................................................................................... 126
6. ANÁLISE CONTRASTIVA DOS DADOS: ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DA LÍNGUA ITALIANA E DO PORTUGUÊS DO BRASIL ..................................................................................................................................... 128 6.1. A sintaxe do período composto do italiano e a do português do Brasil .............................. 128 6.2. Frase multipla composta (periodo composto per coordinazione) ....................................... 138 6.2.1. Proposizioni coordinate .................................................................................................... 139 6.2.1.1. Proposizione copulativa ................................................................................................ 142 6.2.1.2. Proposizione disgiuntiva ............................................................................................... 144 6.2.1.3. Proposizione avversativa ............................................................................................... 145 6.2.1.4. Proposizione sostitutiva ................................................................................................. 147 6.2.1.5. Proposizione conclusiva o consecutiva ......................................................................... 149 6.2.1.6. Proposizione esplicativa o dimostrativa ....................................................................... 151 6.2.2. Correlazione e giustapposizione ...................................................................................... 155 6.2.3. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações coordenadas do italiano e as do português do Brasil ...................................................................................... 162
6.3. Frase multipla complessa (periodo composto per subordinazione e periodo misto) .......... 162 6.3.1. Proposizioni subordinate sostantive ................................................................................. 165 6.3.1.1. Proposizione soggettiva ................................................................................................. 167 6.3.1.2. Proposizione oggettiva diretta ....................................................................................... 175 6.3.1.3. Proposizione oggettiva indiretta .................................................................................... 188 6.3.1.4. Proposizione interrogativa indiretta ............................................................................. 192 6.3.1.5. Proposizione dichiarativa .............................................................................................. 200 6.3.2. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas substantivas do italiano e as do português do Brasil .................................................................. 206 6.3.3. Proposizioni subordinate relative ..................................................................................... 207 6.3.3.1. Proposizione relativa determinativa .............................................................................. 210 6.3.3.2. Proposizione relativa appositiva ................................................................................... 225 6.3.4. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas adjetivas do italiano e as do português do Brasil ........................................................................ 227 6.3.5. Proposizioni subordinate avverbiali ................................................................................. 228 6.3.5.1. Proposizione causale ..................................................................................................... 231 6.3.5.2. Proposizione temporale ................................................................................................. 239 6.3.5.3. Proposizione finale ........................................................................................................ 241 6.3.5.4. Proposizione consecutiva .............................................................................................. 245 6.3.5.5. Proposizione concessiva ................................................................................................ 248 6.3.5.6. Proposizione comparativa ............................................................................................. 252 6.3.5.7. Proposizione condizionale ............................................................................................. 258 6.3.5.8. Proposizione aggiuntiva ................................................................................................ 263 6.3.5.9. Proposizione eccettuativa .............................................................................................. 266 6.3.5.10. Proposizione avversativa ............................................................................................. 271 6.3.5.11. Proposizione esclusiva ................................................................................................. 275 6.3.5.12. Proposizione limitativa ................................................................................................ 279 6.3.5.13. Proposizione modale ................................................................................................... 284 6.3.5.14. Proposizione strumentale ............................................................................................ 287
6.3.6. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas adverbiais do italiano e as do português do Brasil ..................................................................... 289
7. ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO QUE APRESENTAM MAIOR DIFICULDADE PARA ESTUDANTES BRASILEIROS DE ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ............................................................ 292 7.1. Proposizioni coordinate ....................................................................................................... 292 7.2. Proposizioni subordinate ..................................................................................................... 293 7.2.1. Proposizioni subordinate sostantive ................................................................................. 293 7.2.2. Proposizioni subordinate relative ..................................................................................... 296 7.2.3. Proposizioni subordinate avverbiali ................................................................................. 296
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 300
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 304
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1. INTRODUÇÃO
Esta é uma pesquisa de Análise Contrastiva dos tipos de orações coordenadas e subordinadas das línguas italiana e portuguesa. Está vinculada à linha de pesquisa Processos Interculturais, Linguísticos e Identitários. Foram várias as motivações que nos levaram a desenvolver uma investigação sobre o referido tema. Formada professora pelos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Português-Italiano da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1996, há anos lecionamos língua portuguesa e língua italiana, e consideramos apaixonante o estudo da Sintaxe das línguas. Uma oportunidade, em especial, foi a motivação maior para este trabalho. Durante um ano e meio (2005 e 2006), ministramos aulas sobre a sintaxe do período composto da língua italiana para estudantes brasileiros do oitavo período — o último — do Curso Superior de Letras em Português-Italiano da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram consecutivamente três turmas. Na ocasião, verificamos questões interessantes em relação ao ponto de contato entre as línguas italiana e portuguesa e em relação ao processo de aprendizagem da referida matéria por parte dos alunos. A maioria deles sentia grande dificuldade de acompanhar o estudo, porque há muitas diferenças entre as duas línguas, e ocorria o fenômeno da interferência ou transferência negativa da língua materna sobre a língua estrangeira, que dificultava ainda mais a aprendizagem. Para resolver o problema, consideramos como melhor estratégia o desenvolvimento de um trabalho de Análise Contrastiva, um dos modelos da Linguística Contrastiva. Desde então, os alunos puderam acompanhar o estudo com mais facilidade. Essa nossa experiência de sala de aula — o contato com o desafio pedagógico, a busca e a aplicação de uma solução estratégica —, levou-nos, durante o seu processo, a questionamentos e à realização de investigações que pudessem esclarecê-los. O presente trabalho de pesquisa é, portanto, fruto da referida experiência. É resultado do nosso desejo de nos aprimorar como professora-pesquisadora. Segundo Pedro Demo (1991), a investigação científica é indispensável à boa docência. O professor tem que ser também pesquisador. A experiência leva à pesquisa, e esta leva à experiência, formando um ciclo que se renova, buscando incessantemente o aperfeiçoamento. Paulo Freire (1992) também defendeu firmemente a ideia de que de nada vale a teoria se esta não
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se orienta pela prática. É nesta relação dialética — prática-teoria-prática — que este trabalho se fundamenta. No Curso de Mestrado, realizamos uma pesquisa de base etnográfica, ligada às áreas de ensino-aprendizagem de italiano para estrangeiros e de Linguística Aplicada. A dissertação, cujo título foi A relação professor-aluno em um curso de italiano para fins acadêmicos (FLAESCHEN, 2006), também foi fruto da nossa experiência como professora junto a instituições de Ensino Superior: a UFRJ — em que ministramos um Curso de Extensão de italiano para fins acadêmicos — e a UFF / Universidade Federal Fluminense — em que lecionamos disciplinas como Língua Italiana e Didática da Língua Italiana. A presente pesquisa foi desenvolvida a partir dos seguintes principais questionamentos:
1) As orações coordenadas e subordinadas da língua italiana correspondem a quais orações coordenadas e subordinadas do português? 2) Quais são os tipos de orações do italiano que apresentam maior dificuldade e os que apresentam maior facilidade para estudantes brasileiros? 3) Como a referida dificuldade poderia ser superada?
A pesquisa apresentará uma proposta de correspondência entre os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português, a partir de um trabalho de Análise Contrastiva. Os principais objetivos específicos da investigação são:
Através da realização de um estudo de Análise Contrastiva, identificar qual (ou quais) oração (orações) do português corresponde(m) a cada oração coordenada e subordinada do italiano; Identificar quais são as orações coordenadas e subordinadas do italiano que apresentam maior dificuldade para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira; Apontar estratégia(s) para a superação das dificuldades.
Após este primeiro capítulo introdutório, discorremos, no capítulo 2, sobre a Linguística Contrastiva. Apresentamos um breve histórico desta Ciência, sua relação com a Linguística Teórica, com a Linguística Aplicada e com a Linguística Comparada. Em seguida, apresentamos e explicamos os três modelos da Linguística Contrastiva. No tópico em que apresentamos o
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primeiro modelo, o de Análise Contrastiva, inserimos um subtópico para explicar o fenômeno da interferência linguística, pois esse tipo de análise se fundamenta nesse fenômeno. Depois de tratarmos individualmente os três modelos da Linguística Contrastiva, apresentamos uma breve comparação entre eles, com as informações que consideramos mais relevantes sobre os mesmos. No tópico seguinte, procuramos ressaltar a importância da Linguística Contrastiva nos dias de hoje e, no último tópico, identificamos e justificamos a orientação da presente pesquisa, isto é, definimos se é uma investigação teórica ou aplicada e explicamos por quê. O capítulo 3 é dedicado à relação entre a Linguística Contrastiva e determinadas teorias gramaticais. Apresentamos conceitos de gramática e algumas das particularidades desta. Explicamos ainda por que esta pesquisa está mais ligada à gramática descritiva. No capítulo 4, tratamos da Sintaxe — foco gramatical desta pesquisa — e da Semântica. Primeiro analisamos seus conceitos, depois nos atemos a considerações a respeito da relação entre estas duas partes da gramática. No capítulo 5, apresentamos a metodologia de pesquisa: a Análise Contrastiva. Retomamos o que apresentamos no capítulo 2, em que tratamos da Linguística Contrastiva, e apresentamos maiores detalhes sobre esse modelo de análise, explicando como o aplicamos neste trabalho. Citamos as gramáticas italianas e portuguesas que utilizamos para desenvolver a Análise Contrastiva, justificando nossas escolhas. Em seguida, explicamos o passo-a-passo da coleta e da análise dos dados da pesquisa. O capítulo 6 é o do desenvolvimento da Análise Contrastiva propriamente dita. Apresentamos exemplos frasais para cada tipo de oração coordenada e subordinada do italiano e, a partir das traduções dos referidos exemplos para o português, estabelecemos a análise em questão. Examinamos as exposições dos gramáticos italianos e brasileiros, visando a identificar semelhanças e diferenças entre as classificações das referidas orações e as correspondências entre elas, considerando as particularidades das duas línguas analisadas. A partir disso, apresentamos uma proposta de correspondência entre os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português brasileiro. Os resultados da Análise Contrastiva realizada nos possibilitaram destacar, no capítulo 7, as orações coordenadas e subordinadas do italiano que consideramos mais difíceis para estudantes brasileiros.
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O capítulo 8 é o das considerações finais do trabalho. Nele, apresentamos pontos interessantes observados durante a pesquisa. Por último, apresentamos as referências bibliográficas. Acreditamos que este trabalho irá contribuir sobretudo para facilitar o estudo da sintaxe do período composto da língua italiana para estudantes brasileiros. Desde já, pedimos desculpas por eventuais falhas que tenhamos cometido nesta tese.
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2. A LINGUÍSTICA CONTRASTIVA
2.1. Introdução
Para entendermos o que é a Linguística Contrastiva, propomos que, em primeiro lugar, analisemos separadamente os dois termos que constituem a expressão em foco. Linguística é a ciência que estuda a linguagem verbal humana. Busca verificar como as línguas naturais funcionam, dando prioridade ao estudo sincrônico — isto é, não-histórico — e à língua falada. Procura desenvolver uma teoria geral que explique a natureza da linguagem. Ao longo dos séculos, desde à época de Platão — século V antes de Cristo —, desenvolveram-se várias hipóteses sobre a natureza, a formação, o funcionamento e a evolução da linguagem, estabelecendo as bases para as pesquisas linguísticas. Segundo David Crystal1 (1981), a Linguística “passou a ser estudada dentro de um contexto acadêmico somente depois do início do século XX e só se desenvolveu de fato nas universidades britânicas depois de 1960 aproximadamente”. A partir de então, à medida que os estudos nessa área se intensificaram, a Linguística foi se fragmentando, e de acordo com o tipo de investigação, com seus objetivos específicos e com outros fatores, poderá ser identificada como Linguística Descritiva (ou Sincrônica), Histórica (ou Diacrônica), Geral, Teórica, etc.. Ao longo deste capítulo, apresentamos mais detalhes sobre esta ciência. Analisemos agora o termo contrastivo. Este é definido, de um modo geral, por dicionários da língua portuguesa como aquilo que revela contraste. Segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras (2008), o vocábulo contraste significa “oposição ou diferença marcante entre coisas análogas ou da mesma natureza” e a palavra contrastar significa: “1. comparar salientando as diferenças; confrontar: O vermelho vivo das papoulas contrastava com o ouro do trigal. 2. Apresentar disparidade; mostrar-se diferente: O mutismo do marido contrastava com a tagarelice da mulher”. No exemplo do primeiro verbete, os elementos comparados, papoulas e trigal, fazem parte do mesmo campo semântico: planta. Destacou-se, portanto, uma “diferença marcante entre coisas da mesma natureza”. O elemento contrastivo foi a cor. Da mesma forma, no exemplo do
1
David Crystal (1941) é um linguista, palestrante, escritor e acadêmico britânico.
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segundo verbete, uma das capacidades humanas, a fala, apresenta-se de maneira contrastante através da antítese mutismo/tagarelice. O dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2011) apresenta como um dos verbetes do vocábulo contrastivo o seguinte: “Que analisa ou descreve as diferenças entre línguas ou variedades de uma língua (ex.: gramática contrastiva)”. O dicionário Zingarelli (1995) define o termo contrastivo, relacionando-o à análise contrastiva, definindo-a como sendo “ramo da Linguística Aplicada que analisa, de modo comparativo, duas línguas em vários níveis (fonológico, morfológico, sintático e semântico), para colocar em evidência as diferenças e os contrastes” (tradução nossa). Partindo dos conceitos e dos exemplos apresentados — sobretudo das definições do parágrafo anterior —, podemos entender qual é, pelo menos em parte, a proposta da Linguística Contrastiva. Dissemos em parte, porque os dicionários gerais da Língua Portuguesa, apesar de serem geralmente excelentes fontes de pesquisa, são meios não-especializados de se obter conceitos detalhados de determinados saberes. As definições, por vezes, são incompletas — como é o caso do dicionário Priberam —, ou até mesmo equivocadas — caso, como veremos abaixo, do dicionário Zingarelli. Apesar disso, achamos interessante verificarmos os conceitos apresentados por estes meios não-especializados, para contrastarmos, posteriormente, com meios especializados. A Linguística Contrastiva, na verdade, estuda e compara duas ou mais línguas (ou variantes linguísticas), sob um ponto de vista sincrônico, para destacar não só as diferenças, os contrastes, mas também as semelhanças entre essas línguas. Tem três modelo de investigação: a Análise Contrastiva, a Análise de Erros e a Interlíngua. Estes serão explicados com detalhes em outro tópico deste capítulo. Mas, por hora, já podemos entender por que o conceito de Análise Contrastiva, apresentado pelo dicionário Zingarelli, está errado. O referido conceito deveria ter sido atribuído à Linguística Contrastiva, pois a Análise Contrastiva é apenas um de seus modelos. Quanto a ser ramo de uma ciência, na investigação que realizamos sobre a Linguística Contrastiva, verificamos que há estudiosos — como Paulino Vandressen2 (1988) — que a consideram um ramo da Linguística, e outros — como Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão3
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Professor-Pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina, vinculado ao CNPq. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Linguística Contrastiva. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Concluiu cursos de Pós-Doutorado e Doutorado em Universidades da Espanha, e de Mestrado e Graduação na Faculdade de Letras da UFRJ (SISTEMA DE CURRÍCULOS LATTES). 3
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(2004) — que a definem como um ramo da Linguística Aplicada (LA). Atualmente sabemos que estas são ciências da linguagem independentes e autônomas, não obstante estejam profundamente inter-relacionadas. Sendo assim, a Linguística Contrastiva seria uma subárea de qual destas duas ciências? Segundo Antônio Franco ([1989?]), professor da Universidade do Porto, há dois tipos de estudos contrastivos, um teórico e outro aplicado. A Linguística Contrastiva seria então considerada tanto uma subdisciplina teórica da Linguística, quanto um ramo de investigação da Linguística Aplicada. O autor afirma o seguinte a esse respeito:
É inegável que lhe é atribuído um valor heurístico na obtenção de conhecimentos sobre como funcionam as línguas naturais, e isso situa-se na área da linguística teórica. Mas por outro lado se se argumentar que não lhe está cometida a tarefa de desenvolver modelos descritivos próprios e de continuamente testar as suas hipóteses sobre os sistemas linguísticos, mas que aplica modelos já disponíveis para, por via da comparação das línguas, fornecer informações sobre as dificuldades de aprendizagem das mesmas, teremos de nos inclinar para que se trate também de uma ciência aplicada. Nesta perspectiva, a gramática contrastiva4 encontra-se entre dois polos de um continuum que vai do puramente teórico ao aplicado, na confluência de duas correntes, e ocupa um lugar privilegiado de contato com problemas teóricos e práticos, relacionados com o ensino de segundas línguas.
De acordo com o autor, as raízes do primeiro tipo de estudo, o teórico, remontam ao final do século XIX e início do século XX. De fato, neste período, o desenvolvimento da Linguística enquanto ciência foi marcado por importantes estudos teóricos, sobretudo de Linguística Histórica e de Gramática Comparada, e pela publicação, em 1916, do célebre Cours de linguistique générale (Curso de Linguística Geral), obra póstuma de Ferdinand de Sausure (1857-19135), que abriu novos caminhos para os estudos linguísticos, inaugurando a fase estruturalista6. Com Saussure, a Linguística passou a ser considerada uma ciência a posteriori7, de investigação de dados. É importante destacar o que dizem Mário Martelotta e Eduardo Areas
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Aqui o autor considera gramática contrastiva o mesmo que Linguística Contrastiva. Com o símbolo (), indicamos a data de nascimento e, com o símbolo (), indicamos a data da morte. 6 O Estruturalismo propunha-se a estudar o conjunto de relações que formam uma estrutura linguística, concebendo a língua como um sistema composto por elementos cuja definição depende das relações de oposição ou de equivalência que esses elementos têm entre si. O precursor do estruturalismo linguístico de Ferdinand de Saussure foi Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), que no início do século XIX, definia a língua como organismo vivo, dotado de forma externa (sons), provida de sentido, e forma interna. 7 Que exige experimentação. 5
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(CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2003, p.17): “três noções básicas passaram a caracterizar a evolução da Linguística no século XX: sistema, estrutura e função”. A Linguística Contrastiva teórica foca os chamados universais linguísticos8, buscando verificar como cada categoria universal funciona em cada língua em questão (DURÃO, 2004, p.03). Ocupa-se da identificação e análise das diferenças e semelhanças entre duas ou mais línguas, com o intuito de prever dois tipos de estruturas: as que oferecem dificuldades e as que oferecem facilidades de aprendizagem. Os métodos mais utilizados nesse tipo de investigação são o dedutivo — em que se parte de uma situação geral para uma particular — e o indutivo — quando o pesquisador analisa primeiramente dados particulares, específicos, para chegar a conclusões gerais. A segunda orientação de estudo da Linguística Contrastiva, a aplicada, tem raízes nos trabalhos de Análise Contrastiva realizados pelos pesquisadores norte-americanos Charles Carpenter Fries (1887-1967) e Robert Lado (1915-1995). Fries publicou, em 1945, a obra Teaching and learning English as a foreign language (Ensino e aprendizagem de inglês como língua estrangeira), e Lado publicou, em 1957, a obra Linguistics across cultures: Applied Linguistics for language teachers (Linguística em todas as culturas: Linguística Aplicada para professores de línguas). Neste tipo de estudo, o aplicado, buscam-se identificar diferenças e semelhanças entre duas ou mais línguas com o objetivo de otimizar o processo de ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras ou segundas línguas9. É, portanto, um estudo com fins didáticos. Isabel Santos Gargallo (1993, tradução nossa), pesquisadora e autora de livros didáticos de espanhol LE/L2, nos apresenta o seguinte exemplo:
(...) a Linguística Contrastiva prática se ocupa em estudar como uma categoria universal X se realiza na língua A como Y e na língua B como algo diferente. Esta diferença é a base das dificuldades na aprendizagem de uma segunda
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Segundo o dicionário Zingarelli (1995), universais linguísticos são “conceitos, elementos estruturais ou traços comuns a todas as línguas naturais do mundo” (tradução nossa). São exemplos o substantivo e o verbo; as vogais e as consoantes. 9 Entre estudiosos das áreas ligadas ao ensino-aprendizagem de línguas, ainda não há concenso sobre os significados dos termos língua estrangeira e segunda língua. Consideramos aqui que o termo língua estrangeira (LE) refere-se à língua não-nativa aprendida por um falante sem que este saia de seu país natal, e que o termo segunda língua (L2 ou LS) refere-se à língua aprendida por um estrangeiro no país onde ela é falada.
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língua 10. Por isso, a análise das divergências pode iluminar o processo de aprendizagem do estudante e o de ensino do professor.
A maioria dos estudos em Linguística Contrastiva é de tipo prática e está ligada ao ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras ou segundas línguas, por isso a LC é considerada um dos principais ramos da Linguística Aplicada, estando mais ligada a esta ciência do que à Linguística teórica. Luiz Paulo da Moita Lopes (2002), linguista aplicado brasileiro, afirma o seguinte a esse respeito: A área de ensino/aprendizagem de línguas é sem dúvidas a mais avançada em Linguística Aplicada (LA). Provavelmente, devido à importância da linguagem na educação formal, a maior parte da pesquisa que se faz em LA no Brasil e no mundo enfoca questões relativas ao uso da linguagem em sala de aula, englobando, portanto, aspectos de ensino/aprendizagem de línguas.
A Linguística Aplicada é a ciência da linguagem centrada na identificação, análise e solução de problemas de uso e de ensino-aprendizagem de línguas (maternas e estrangeiras), em contextos institucionalizados ou não. Para tanto, interage com várias outras disciplinas, por isso é considerada interdisciplinar e mediadora. Algumas dessas disciplinas são as seguintes: Linguística, Psicologia, Antropologia, Sociologia, História, Ciência da Computação, Filosofia, Tradução, Análise do Discurso, Etnografia, Pedagogia. Maria Antonieta Alba Celani (in SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998, p.131) atribui à Linguística
Aplicada,
não
somente
o
que
a
cientista
chama
de
“caráter
multi/pluri/interdisciplinar”, mas também transdisciplinar, ou seja, a capacidade de interação dinâmica com outras disciplinas. Segundo a autora (ibid., p.133), “não se buscam contribuições de outras áreas, mas sim, a participação ativa de pesquisadores das áreas envolvidas, a fim de se dar conta da problematização que a abordagem do objeto de estudo proposto provoca em cada área”. Focada na linguagem de natureza processual, a Linguística Aplicada colabora com o avanço do conhecimento teórico e utiliza métodos de investigação de base positivista ou
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Aqui a autora não faz distinção entre segunda língua e língua estrangeira.
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interpretativista11 (MOITA LOPES, 2002). Trataremos com mais detalhes da Linguística Aplicada no próximo tópico, tendo em vista a ligação estreita que a Linguística Contrastiva tem com esta ciência. Segue abaixo um esquema que elaboramos para destacar algumas das informações mais importantes a respeito da Linguística Contrastiva até o momento:
LEGENDA: Ciências da linguagem Subárea
ESQUEMA: LINGUÍSTICA
LINGUÍSTICA APLICADA
LINGUÍSTICA CONTRASTIVA
Modelos da subárea, seus idealizadores e datas de origem
ANÁLISE CONTRASTIVA Fries (1945) e Lado (1957)
ANÁLISE DE ERROS Corder (1967)
INTERLÍNGUA Selinker (1969)
2.2. Linguística Contrastiva e Linguística Aplicada
Conforme afirmamos no tópico anterior, a Linguística Contrastiva de orientação prática é um dos principais ramos da Linguística Aplicada, cuja origem tem pontos em comum com a da Linguística Contrastiva. Charles Fries e Robert Lado foram os principais responsáveis pelo surgimento de ambas as disciplinas, o qual ocorre praticamente na mesma época: na década de 40 do século XX. Durante a Segunda Guerra Mundial — ocorrida entre 1939 e 1945 —, as forças armadas e o governo dos Estados Unidos consideraram imprescindível, como estratégia bélica, que os
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O Positivismo foi criado por Auguste Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX. Uma investigação de base positivista consiste na observação dos fenômenos, desprezando a metafísica e o sobrenatural, considerando apenas o mundo físico ou material. Tanto o pesquisador quanto o objeto pesquisado são neutros no processo investigativo. A ciência positivista não investiga as causas dos fenômenos naturais e sociais, pois considera tal investigação inútil e inacessível. Busca descobrir e estudar as leis que regem os fenômenos observáveis e suas relações. É um tipo de pesquisa cuja base é quantitativa, ou seja, utiliza dados que exigem, por exemplo, cálculos e estatísticas, visando a produzir generalizações (TRINDADE, 2007). A investigação de base interpretativista busca a compreensão e a interpretação da realidade a partir do ponto de vista dos sujeitos envolvidos nela, o que inclui a visão do pesquisador. É uma investigação de tipo qualitativa, ou seja, trabalha com dados que não podem ser medidos, como crenças, valores, atitudes e situações. Em relação à metodologia, segundo Moita Lopes (2002), quando a investigação é interpretativista, a Linguística Aplicada usa a etnografia ou a pesquisa introspectiva. A etnografia é o método de investigação tradicionalmente usado pela antropologia, baseado no estudo de um objeto a partir da vivência in loco, ou seja, vivendo diretamente a realidade em que esteja inserido o objeto investigado. Também é conhecida como pesquisa social, interpretativa ou observação participante. A pesquisa introspectiva estuda os estados de consciência de indivíduos submetidos a certas experiências.
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soldados americanos aprendessem de modo rápido e eficiente a falar as línguas dos lugares para onde seriam enviados. Investiram grandes somas em pesquisas e em cursos para treinamento desses soldados. Em nossa Dissertação de Mestrado (FLAESCHEN, 2006), informamos o seguinte a esse respeito:
Em 1943, o exército implantou o Army Specialized Training Program – ASTP (Programa de Treinamento Especializado do Exército), que previa cursos de 24 línguas para, em princípio, 15 mil soldados, que seriam enviados às nações ocupadas pelos aliados na Segunda Guerra. Esses cursos deveriam ser intensivos e basear-se sobretudo no estudo quase exclusivo da língua falada e no redimencionamento do papel da gramática.
Charles Fries, Robert Lado e outros conceituados linguistas — como Leonard Bloomfield (1887-1949), considerado o fundador da Linguística Estrutural norte-americana —, estiveram à frente destas pesquisas. Foram contratados também, além dos linguistas, informantes nativos. Para desenvolverem um método de ensino de idiomas para o referido projeto militar, os pesquisadores realizaram estudos que chamaram de Análise Contrastiva — como afirmamos anteriormente. Esses estudos consistiam em comparar dois sistemas linguísticos, o da língua materna — no caso, o inglês — e o da língua estrangeira, para, a partir da identificação das diferenças e semelhanças entre eles, verificar as estruturas da língua estrangeira que apresentariam mais dificuldade para os aprendizes. Fries e Lado buscavam construir gramáticas contrastivas — uma para cada par de línguas — que hierarquizassem as correspondências dos diferentes níveis gramaticais, para terem o “controle” das dificuldades e das interferências12 no processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira (GARGALLO, 1993). Esses linguistas também experimentaram combinar certos princípios de algumas disciplinas, tais como a Linguística Antropológica13 e a Psicologia Comportamental14, praticando a interdisciplinaridade que caracteriza a Linguística Aplicada. O trabalho deles levou à criação do método audiolingual para ensino de idiomas, que prioriza a língua oral e utiliza exercícios de 12
Fenômeno linguístico caracterizado pela utilização inadequada de estruturas e elementos linguísticos da língua de partida na língua de chegada. (DURÃO, 2008) 13 Ramo da Linguística que se apoia na Antropologia para estudar a linguagem. 14 Ramo da Psicologia que estuda as relações entre as emoções, os pensamentos, os comportamentos e os estados fisiológicos. Sua base teórica é o Beheviorismo e apoia-se na premissa de que a aprendizagem ocorre a partir do condicionamento comportamental dos indivíduos.
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condicionamento através da repetição e imitação sistemáticas de estruturas linguísticas, sem reflexão sobre gramática. A aprendizagem das estruturas deveria ser feita gradualmente. Estas deveriam ser praticadas continuamente até que estivessem automatizadas. O Behaviorismo de Skinner15, que concebe a língua como um conjunto de hábitos, foi o suporte do método audiolingual. A aprendizagem acontecia através do processo de estímuloresposta-reforço. Devia-se evitar que os alunos cometessem erros. Por isso o trabalho de Análise Contrastiva era tão importante. Através dele podia-se prever as estruturas que apresentariam maior dificuldade para os estudantes, e buscar estratégias para neutralizá-las, evitando os erros, que seriam causados pela interferência da língua materna. A principal vantagem atribuída ao método audiolingual é a seguinte:
A vantagem normalmente associada com o uso desse método é a aprendizagem acelerada, comprovada com o uso nas forças armadas americanas na Segunda Guerra Mundial, para o ensino das línguas européias aos soldados que partiram para as frentes de batalha. (WIKIPÉDIA, Método Audiolingual)
Acreditamos que a estratégia adotada pelos Estados Unidos de treinar os soldados americanos em línguas estrangeiras — combinada obviamente com muitos outros fatores — tenha contribuído para que este e os outros países aliados saíssem vitoriosos da referida Guerra. Tanto que, em 1958, o Congresso Americano aprovou o National Defence Education Act (INDEA)16 —, decreto que reconhece a importância do conhecimento prático de determinadas línguas estrangeiras para a segurança e o desenvolvimento nacional. A respeito do sucesso da adoção do método audiolingual pelo exército, Vilson J. Leffa (1988), no texto Metodologia do ensino de línguas, afirma o seguinte: Embora nada houvesse de novo no método usado pelo exército ‒ uma reedição da Abordagem Direta17, anteriormente rejeitada pela Comissão dos 15
O americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) realizou trabalhos inovadores em Psicologia Experimental e é o fundador do Behaviorismo Radical. Skinner buscava compreender o comportamento humano através do comportamento operante (GOODWIN, 2010). 16 Ato de Defesa e Educação Nacional; também chamado de Title VI. 17 A abordagem direta propõe a aprendizagem da língua estrangeira através da mesma. A língua materna não deve ser usada nas aulas, pois o aluno deve aprender a pensar, usando a língua-alvo. No lugar da tradução das palavras e sentenças, podem ser utilizados recursos como mímica, gestos e gravuras. Diálogos situacionais (como por exemplo "no banco", "no mercado", etc.) e pequenos trechos de leitura devem introduzir as aulas, porque a oralidade deve preceder a escrita. Exercícios de compreensão auditiva, conversação livre, pronúncia e escrita baseada em respostas a questionários devem ser trabalhados nas aulas. Com a abordagem direta, pela primeira vez houve a integração das
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Doze18 ‒ seu sucesso foi tão grande que as universidades se interessaram pela experiência. Depois, as escolas secundárias seguiram na adoção do método, provocando um aumento significativo no número de matrículas. Devido à existência de linguistas no projeto, o ensino de línguas adquiria agora o status de ciência.
Segundo Leffa, “o audiolingualismo dominou o ensino de línguas até o início da década de 1970. Bloomfield, no campo da Linguística, Skinner, no da Psicologia, Eugene Nida19, Fries e Lado, no da Metodologia, são alguns dos grandes nomes do movimento”. A partir do início da década de 70, o ensino de línguas estrangeiras entra em forte crise. As críticas de ordem teórica e prática ao método audiolingual, que vinham acontecendo desde a década de 60, intensificam-se. Nessa época, em Psicologia, predominavam o Humanismo 20 e o Cognitivismo 21. Uma teoria de aprendizagem humana baseada em automatismos, vista como verdadeiro “adestramento” de seres humanos — como o utilizado com animais irracionais, como ratos de laboratório, por exemplo — passou a ser absurda e inaceitável. A crise metodológica a que nos referimos ocorreu, porque após a rejeição do audilingualismo, não houve a tradicional adoção imediata de uma nova e melhor proposta metodológica para o ensino de idiomas. Leffa (1988) fala sobre esse momento, que na verdade foi apenas um período de transição:
quatro habilidades (na sequência de ouvir, falar, ler e escrever) no ensino de línguas. Gramática e aspectos culturais da língua estrangeiras deveriam ser ensinados indutivamente. A técnica da repetição é usada para o aprendizado automático da língua. 0 uso de diálogos sobre assuntos da vida diária tem por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula. 0 ditado é abolido como exercício” (LEFFA, 1988). 18 A chamada Comissão Extraordinária dos Doze, ou Comissão dos Doze, foi criada durante a Revolução Francesa (1789-1799) para procurar e perseguir conspiradores. A instauração desta Comissão ‒ composta por doze membros, em sua maioria girondinos ‒ levou à Insurreição de 2 de Junho de 1793, à queda dos Girondinos e ao começo do Terror. 19 Eugene Nida (1914-2011): Ph.D. em Linguística pela Universidade de Michigan. Destacou-se no campo da Tradução. 20 Influenciada pelo Existencialismo ‒ que valorizava o aspecto individual do ser humano ‒ e pela Fenomenologia ‒ que se ocupava dos fenômenos da consciência ‒, a Psicologia Humanista surgiu na década de 50 e teve seu auge nos anos 60 e 70. Foi uma reação ao Behaviorismo e à teoria psicanalista. Sua proposta era “humanizar” o lado psíquico do ser humano, valorizando o seu consciente, o seu livre-arbítrio, a sua criatividade e o seu potencial para ser autorrealizador. Os principais representantes foram os americanos Abraham Maslow (1908-1970) ‒ considerado o pai espiritual desse movimento ‒ e Carl Rogers (1902-1987), que defendia que cada pessoa tem uma tendência inata de atualizar suas capacidades e seus potenciais (MACHADO, 2010). 21 Estuda a cognição, os processos mentais ligados a cada comportamento. Está ligado à ciência cognitiva, que estuda questões sobre memória, atenção, percepção, representação de conhecimento, raciocínio e criatividade.
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Obviamente o ensino de línguas não morreu com o audiolingualismo; ao lado de um ecleticismo generalizado que seguiu seu desaparecimento, floresceram vários métodos, geralmente ligados a um nome, às vezes envoltos numa aura de misticismo, e com propostas pouco convencionais para o ensino de línguas.
O enorme vazio provocado pelo declínio do audiolingualismo foi preenchido posteriormente pela chamada Abordagem Comunicativa, que defendia a aprendizagem centrada no aluno e que analisava a língua não como um conjunto de frases, mas sim como um conjunto de eventos comunicativos. Segundo Leffa (1988), “o entusiasmo dos metodólogos pela Abordagem Comunicativa foi avassalador na teoria e na prática do ensino de línguas, produzindo uma safra fecunda de manuais nocionais-funcionais para professores e de material comunicativo para alunos”. É importante ressaltar que não cabe aqui apresentarmos um histórico dos métodos e abordagens de ensino de idiomas. Tratamos especificamente o audiolingualismo, devido à sua origem estar ligada tanto à Linguística Contrastiva, quanto à Linguística Aplicada. Estas disciplinas, sim, são o foco deste tópico. Sobre o desenvolvimento da Linguística Aplicada, muitos eventos contribuíram para isso. Em 1946, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, foi fundado o English Language Institute (Instituto de Língua Inglesa), na Universidade de Michigan, onde Charles Fries e Robert Lado lecionavam. Neste mesmo ano, neste Instituto, foi ministrado o primeiro curso independente de Linguística Aplicada (TUCKER, s.d.). Em janeiro de 1948, Fries publicou o primeiro periódico dedicado a esta disciplina: Language Learning: a quarterly Journal of Applied Linguistics (Ensino de Língua: um jornal trimestral de Linguística Aplicada). Em 1957, em Washington, é fundado o Center for Applied Linguistics (Centro de Linguística Aplicada), voltado principalmente para pesquisas sobre ensino-aprendizagem de línguas. Muitos outros centros da disciplina foram fundados pelo mundo, tais como o Department of Applied Linguistics (Departamento de Linguística Aplicada), na Universidade de Edimburgo, na Grã-Bretanha, fundado no final dos anos 50; a Association Internationale de Linguistique Appliqueé — AILA (Associação Internacional de Linguística Aplicada), fundada na França em 1963; o Centro Italiano di Linguistica Applicata (Centro Italiano de Linguística Aplicada), fundado em 1965; a Gesellshaft für Angewandte Linguistik — GAL (Associação de Linguística Aplicada Alemã), fundada em 1969 (FLAESCHEN, 2006). No Brasil, em 1970, surge o primeiro Programa de
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Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e em 1990, foi fundada a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), na Universidade de Pernambuco (COSTA, 2009). No início de seu desenvolvimento, entre as décadas de 40 e 50 do século XX, a Linguística Aplicada era vista como uma subárea da Linguística. De fato, seus pilares foram formados a partir de contribuições desta importante ciência da linguagem. Os próprios idealizadores da LA, Charles Fries e Robert Lado a concebiam dessa forma, ou seja, como aplicação prática da Linguística científica moderna. Havia, porém, um esforço em tornar a LA uma ciência autônoma dentro das Ciências Humanas (SOARES, 2008). No período que abrange as décadas de 40 e 70 do século XX, a Linguística Aplicada esteve voltada sobretudo para aspectos práticos de ensino-aprendizagem de línguas. A produção intelectual deste período foi registrada em uma coleção de quatro volumes, publicada na década de 70, intitulada The Edinburgh Course in Applied Linguistics (Curso de Edimburgo em Linguística Aplicada), Tratava-se de uma coletânea de artigos da área. Sob a responsabilidade editorial de John Patrick Brierley Allen e Stephen Pit Corder, estes volumes pretendiam formar linguistas aplicados. O primeiro volume, intitulado Readings for Applied Linguistics (Leituras da Linguística Aplicada), de 1973, trazia textos de importantes linguistas, como Saussure, Firth, Lyons, Holliday e Worf. O segundo volume, intitulado Papers for Applied Linguistics (Trabalhos em Linguística Aplicada), de 1975, relacionava áreas como gramática, sociolinguística e psicologia ao ensino de idiomas. O terceiro volume, Techniques in Applied Linguistics (Técnicas em Linguística Aplicada), publicado em 1974 (antes do segundo volume), tratava de Linguística Contrastiva, desenho de curso, gramática pedagógica e materiais audiovisuais para laboratórios de idiomas. O último volume, Testing and experimental methods (Testes e métodos experimentais), foi publicado em 1977 e trazia procedimentos estatísticos que todo linguista aplicado devia conhecer (SOARES, 2008). A partir da década de 80, a LA começou um processo efetivo de emancipação em relação à Linguística Teórica. Os métodos positivistas que lhe serviam de base passam a ser questionados por professores de línguas, aos quais não agradava o fato de a LA ter como prioridade a aplicação de teorias linguísticas ao ensino de idiomas, desconsiderando questões do contexto pedagógico (SOARES, 2008). De acordo com Holmes (in: PASCHOAL; CELANI, 1992), os linguistas aplicados desenvolviam propostas metodológicas, desenhavam cursos e materiais didáticos
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apenas com base em experiências de laboratório, sem nunca terem feito pesquisas empíricas ou nem terem atuado como professores de línguas estrangeiras. Isso era um fator muito negativo. Além disso, desde a década de 70 vinham surgindo novas abordagens de ensino-aprendizagem de línguas — como a Abordagem Comunicativa —, inspiradas no pensamento de Noam Chomsky, crítico do Beheviorismo. A Linguística Aplicada enfrentava um período de crise no seu alicerce, o ensinoaprendizagem de línguas. Ora, se a Linguística Contrastiva era o principal ramo da LA, e ramo cuja maioria dos trabalhos era sobre ensino-aprendizagem de idiomas, conclui-se, então, que a Linguística Contrastiva também enfrentava a mesma crise. Conscientes dessa situação crítica, os linguistas aplicados deixaram de buscar suporte teórico exclusivamente na Linguística e passaram, então, a buscar ferramentas e subsídios em outras áreas, como na Pedagogia, na Psicologia Cognitiva, na Semântica, na Análise do Discurso. Passaram a ver a linguagem como fenômeno social. Doris de Almeida Soares (s.d.) esclarece:
Partindo da visão sócio-construtivista, retomada no final da década de 80, de que todo conhecimento é culturalmente tecido em contextos sociais específicos, e da dimensão social da linguagem, que ganhou força nos anos 90, a Linguística Aplicada pôde centrar-se na investigação dos problemas do uso da língua sem, no entanto, limitar os seus estudos nem à linguagem, nem a Linguística.
A partir desse momento, o método de investigação interpretativista passou a ser adotado. A Linguística Aplicada passou, portanto a ter duas correntes de pesquisa: uma positivista e outra interpretativista. Nos dias de hoje, os campos de investigação da LA são muitos. A Linguística Contrastiva, como já afirmamos, é ainda um dos principais. Mas há outros ramos como bilinguismo, multilinguismo, comunicação mediada por computador, análise da conversação, linguística de sinais, avaliação de linguagem, alfabetização, lexicografia, planificação linguística, estilística, pragmática, linguística forense. Neste último campo, realizam-se, por exemplo, investigações sobre interação entre advogados e clientes e comunicação em tribunal. No campo da Medicina, fazem-se análises das interações entre médicos, enfermeiros e pacientes, e investigação sobre aprendizagem de línguas para fins específicos, focando a área médica. Quanto à situação da Linguística Contrastiva, Isabel Gretel María Eres Fernández, em sinopse sobre seu texto intitulado Linguística contrastiva e ensino/aprendizagem de línguas
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estrangeiras na atualidade: algumas relações (2003), resume a história desta ciência da seguinte forma: “[...] a Linguística Contrastiva surge em 1945, consolida-se na década de 50, entra em crise nos anos 80, mas recupera sua força, voltando a ser empregada com vistas a potencializar o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras”.
2.3. Linguística Contrastiva e Linguística Comparada
Como vimos no tópico 1 deste capítulo, a Linguística Contrastiva surgiu na década de 40 do século XX, através do seu primeiro modelo, a Análise Contrastiva. Apareceu em uma época em que já havia termos como “comparada”, “comparativa”, “comparatista”. Isso gerou, durante algum tempo, um debate terminológico. Segundo o Dicionário de Linguística (DUBOIS, 1993), o termo “comparada” é sinônimo de “comparativa”. Já a expressão “comparatista” designa o linguista especializado em Linguística Comparada ou Comparativa, que é um ramo da Linguística Histórica ou Diacrônica. Como a proposta tanto da Linguística Contrastiva quanto da Linguística Comparada é “comparar” dois ou mais sistemas linguísticos, é natural que leigos no assunto pensem que estas disciplinas são a mesma coisa. No entanto, são bem diferentes. A Linguística Comparada — também chamada de Gramática Comparada —, como consta no segundo parágrafo, é um ramo da Linguística Histórica ou Diacrônica. Baseia-se na técnica de pesquisa chamada método comparativo ou comparatismo, que consiste em comparar vocábulos e elementos gramaticais das línguas, estabelecendo uma correspondência, para verificar seus graus de parentesco. Define quais línguas têm uma origem comum, separando-as em famílias linguísticas. Propõe-se também a reconstruir as propriedades das línguas não-documentadas (protolínguas) e a identificar as mudanças que promoveram a fragmentação das línguas antigas. A Linguística Histórica ou Diacrônica é o ramo da Linguística que estuda o desenvolvimento histórico das línguas, ou seja, como surgiram, quais línguas influenciaram sua estrutura e uso, quais mudanças sofreram ao longo do tempo e o porquê dessas mudanças. Convencionou-se como data de fundação desta disciplina o ano de 1786, quando o linguista inglês William Jones (1746-1794), apresentou em público seu trabalho sobre as “afinidades genealógicas” entre o latim, o grego, o persa e o sânscrito, quatro das línguas consideradas mais
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antigas, por terem conservado textos de milhares de anos atrás. Esse tipo de estudo, porém, já vinha sendo desenvolvido timidamente por outros linguistas pelo menos desde o século XVII. Depois disso, em 1813, Thomas Young ( 1773-1829), físico, médico, egiptólogo e linguista britânico, usa pela primeira vez o termo “indo-europeu” em um artigo para referir-se ao que seria a língua-mãe das línguas europeias e do sânscrito. Em 1816, o linguista alemão Franz Bopp (1791-1867) publicou a obra Über das Conjugationssystem der Sanskritsprache...22 (Sobre o sistema das conjugações do sânscrito...), na qual compara as conjugações do sânscrito, do latim, do grego, do persa e do alemão e aponta afinidades fonéticas e morfológicas que comprovariam a existência do indo-europeu. Entre 1833 e 1852, Franz Bopp escreve a chamada Vergleichende Grammatik des Sanskrit...23 (Gramática Comparada das línguas indo-europeias), que dá início aos estudos das línguas indo-europeias em universidades. De grande relevância científica também foram os trabalhos dos linguistas Rasmus Rask (1787-1832), dinamarquês, e Jacob Grimm (17851863),
alemão. Realizaram pesquisas sobretudo de correspondência fonética. A chamada “Lei de
Grimm” ou “Primeira mutação consonântica do germânico”, ligada à área de fonética histórica, é resultado de importante descoberta feita por Jacob Grimm em 1822 a respeito de variações de consoantes indo-europeias. O século XIX, portanto, foi marcado por muitas pesquisas de Linguística Histórica, que destacou a comparação como método básico de investigação. O texto abaixo chama a atenção para o tipo de estudo que predominou nesta área na segunda metade do referido século:
A classificação das línguas, a evolução histórica de seus aspectos fonológicos, morfológicos e léxicos, os estudos sobre distribuição geográfica dos idiomas indo-europeus e a reconstrução da língua comum de que provinham definiram o contorno geral dos estudos linguísticos que dominaram a segunda metade do século XIX. Na década de 1870, o movimento dos neogramáticos, cujos principais representantes foram os alemães August Leskien e Hermann Paul, marcou um dos períodos mais significativos da linguística histórica por conferir à disciplina um caráter mais científico e preciso. (LINGUÍSTICA) 22
O título completo é Über das Conjugationssystem der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem der griechischen, lateinischen, persischen und germanischen Sprache: nebst Episoden des Ramajan und Mahabharat und einigen Abschnitten aus den Vedas (Sobre o sistema das conjugações do sânscrito comparado aos das línguas grega, latina, persa e germânica). 23 O título original é Vergleichende Grammatik des Sanskrit, Zend, Griechischen, Lateinischen, Litthauischen, Altslawischen, Gotischen und Deutschen (Gramática Comparada do sânscrito, zend (avestan), grego, latim, lituano, eslavo, gótico e alemão).
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Charles Fries e Robert Lado, em meados do século XX, certamente se inspiraram no método comparativo ou comparatismo para desenvolverem o modelo de Análise Contrastiva. Compararam
vocábulos
e
elementos
gramaticais
das
línguas,
estabelecendo
uma
correspondência, mas não para verificar seus graus de parentesco, e sim, como já vimos, para identificar semelhanças e diferenças entre essas línguas, visando a otimizar o processo de ensinoaprendizagem das línguas estrangeiras. Enquanto a Linguística Histórica faz pesquisa diacrônica, a Linguística Contrastiva faz pesquisa sincrônica. Segundo Saussure (2002), “é sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência; é diacrônico tudo que diz respeito às evoluções”. De acordo com o romanista e lexicólogo alemão Schweickard (apud Aschenberg; Lamas, s.d.), a Linguística do século XX importou o método comparativo para realizar investigação sincrônica. No início deste tópico, afirmamos que ocorreu uma fase de debate terminológico envolvendo a Linguística Contrastiva. Este debate foi motivado por não se saber se esta disciplina investigaria somente as diferenças entre as línguas ou se incluiria em sua investigação também as semelhanças entre elas. Como são duas situações diferentes, queriam distingui-las através de duas denominações. Na época de surgimento da Linguística Contrastiva, a comparação entre as línguas tinha por finalidade destacar apenas os seus contrastes, por acreditar-se que estes — e não as semelhanças — dificultavam o processo de ensino-aprendizagem das línguas. É preciso lembrar que Fries e Lado, criadores da disciplina, estavam envolvidos, na época da Segunda Guerra Mundial, no projeto do exército dos EUA de desenvolverem, com certa urgência, um método didático eficiente para que soldados norte-americanos aprendessem línguas estrangeiras. Na obra Linguistics across culture, publicada em 1957 — muito depois do término da Guerra —, Robert Lado ainda defendia a ideia de que as diferenças entre as línguas causariam dificuldades para os estudantes da língua estrangeira:
Assumimos que o aluno que entra em contato com a língua estrangeira vai encontrar algumas características da mesma muito fáceis e outras extremamente difíceis. Os elementos que são semelhantes à sua língua nativa serão simples para ele, e os elementos que são diferentes serão difíceis.
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O linguista polonês Ludwik Zabrocki (1907-1977), no texto Grundfragen der konfrontativen Grammatik (Questões básicas da gramática de confronto), de 1970, propõe o termo “Gramática Confrontativa” ou “Gramática de Confronto”, desejando que se considerassem divergências e semelhanças na comparação entre as línguas (FRANCO, [1989?]). O termo “Gramática Contrastiva” (ou Linguística Contrastiva) seria usado para designar um setor da Gramática Confrontativa, quando se considerassem somente os contrastes entre as línguas em estudo. Outros linguistas propuseram termos híbridos como “gramática contrastiva-teórica”, “gramática aplicada-contrastiva”. Segundo Franco ([1989?]), “a designação de Linguística Contrastiva acabou por se impor e tornou-se a mais frequente” à medida que esta disciplina foi se desenvolvendo ao longo dos anos. Atualmente esta disciplina não só investiga diferenças e semelhanças entre as línguas, como compara também variantes linguísticas.
2.4. Os três modelos da Linguística Contrastiva
2.4.1. Análise Contrastiva
A Análise Contrastiva foi o primeiro modelo de investigação da Linguística Contrastiva a ser desenvolvido. Como vimos no tópico 1 deste capítulo, Charles Fries e Robert Lado foram os responsáveis pelo seu surgimento em meados do século XX. Baseia-se em estabelecer-se um contraste entre dois sistemas linguísticos — o da língua materna (LM) e o da língua estrangeira (LE) — para se identificarem semelhanças e diferenças entre elas, mas sobretudo as diferenças. A partir desta identificação, busca-se elaborar uma gramática contrastiva que apresente uma hierarquia das correspondências entre as estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas, para se identificar os pontos que irão gerar dificuldades no aprendizado da LE, e controlar as possíveis interferências24 (GARGALLO, 1993). Tem, portanto, uma finalidade claramente didática. Adja Balbino Durão (1999) esclarece: [A Análise Contrastiva] se interessa pelos efeitos que as diferenças e semelhanças existentes entre a estrutura da língua materna e da língua meta 24
Ver nota 12.
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produzem na aprendizagem da LE, estabelecendo uma relação de causalidade entre o grau de dificuldade de aprendizagem desta LE e o grau de divergência contrastiva com a LM.
Chamado também de Versão Forte, este modelo tem sua base teórica na Linguística Estrutural25 e no Comportamentalismo 26. Concebe o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira como a aquisição de uma série de hábitos, baseados no binômio estímulo-resposta. Segundo Fernandez Gonzalez (1995), as línguas são consideradas “conjuntos de hábitos adquiridos que respondiam a estímulos externos”. O erro é visto como fator negativo, pois representa um desvio da norma da língua que se está aprendendo. De acordo com esse modelo, a principal causa do erro é a interferência da língua materna sobre a aprendizagem da língua estrangeira. O objetivo principal dos estudos contrastivos era melhorar o processo de ensinoaprendizagem de idiomas, por isso seu foco de investigação eram as divergências linguísticas. Segundo este modelo de análise, são as diferenças entre as línguas que causam as difculdades da aprendizagem da LE. A estratégia para se superar as dificuldades é realizar um trabalho de graduação dessas diferenças. De acordo com Weinreich (1953), quanto maior for a diferença entre dois sistemas, isto é, à medida que sejam mais numerosas as formas e padrões de cada um, maior será a dificuldade de aprendizagem e onde mais interferências acontecerão. A Análise Contrastiva serviu de base para a criação do método audiolingual — como explicamos no tópico 2 deste capítulo —, para a produção de materiais didáticos e para o planejamento de cursos de idiomas. Ronald Wardhaugh (apud DURÃO, 2004), em 1970, criticou o modelo sobretudo por este desprezar a produção escrita e oral dos alunos. Esse autor apoia a denominada Versão Fraca, centrada na produção linguística dos aprendizes. Porém, essa proposta tinha a mesma base teórica que a Versão Forte, pois se apoiava no fator transferência: positiva, quando a LM e a LE eram semelhantes, e negativa, quando eram diferentes. Analisaremos a versão fraca no próximo tópico. O modelo de Análise Contrastiva foi muito criticado durante a década de 70 do século XX. Adja Balbino Durão (2004) aponta três críticas como as mais relevantes. A primeira é a respeito da base behaviorista, combatida por Chomsky. Este linguista recebeu pleno apoio dos 25 26
Ver nota 6. Ver nota14.
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teóricos da área ao defender a ideia de que a língua é uma faculdade vinculada ao sistema cognitivo do ser humano, e não um conjunto de hábitos adquiridos. A segunda crítica refere-se à ideia de que todas as diferenças entre LM e LE necessariamente representariam dificuldades e provocariam erros durante o processo de aprendizagem da LE. Pesquisas indicaram que nem sempre isso acontecia, ou quando acontecia, muitos erros eram rapidamente superados. A terceira crítica é direcionada ao pressuposto de que a interferência seria a única causa de dificuldades e erros. Pesquisas — sobretudo as de Dulay, Burt e Krashen — também derrubaram esse pressuposto. Muitos outros fatores influenciavam a ocorrência de erros por parte dos alunos de LE, tais como falta de motivação, idade, falta de aptidão para o estudo de línguas etc.. Segundo Vandresen (1988), muitos erros aconteciam devido à estrutura intralinguística da LE. Os verbos irregulares são exemplo disso: em inglês, *goed27, em lugar da forma correta went; em português, *fazi, em vez do correto fiz. Vandresen (1988) chama a atenção para uma das questões mais criticadas nesse modelo de análise: o fato de estar centrado em evitar a ocorrência de erros, e não em desenvolver a comunicação. O professor devia corrigir o aluno no ato em que esse cometia algum erro ao se manifestar através da LE. Com isso, a espontaneidade e a interação em sala de aula, por exemplo, ficavam comprometidas. Essas e outras críticas fizeram com que linguistas aplicados, já na década de 60, se desinteressassem pelo modelo de Análise Contrastiva, o que levou a formulação do próximo modelo, o de Análise de Erros. Adja Balbino Durão (2004), porém, afirma o seguinte em defesa do modelo de Análise Contrastiva: Apesar de o modelo de Análise Contrastiva ter sido criticado, ele contribuiu de forma inegável para o desenvolvimento das pesquisas sobre os universais da linguagem, para o estudo das variações diacrônicas e dialetais, para o estudo da aquisição da linguagem, bem como para o campo da tradução, além de propiciar uma base para o desenvolvimento de materiais eficazes para o ensino de línguas, motivo pelo qual reaparece, mesmo que modificado, no modelo de Análise de Erros e, posteriormente, no modelo de Interlíngua.
27
O asterisco representa agramaticalidade, ou seja, forma inexistente na língua.
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Vandresen (1988) também aponta contribuições da Análise contrastiva para o ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras, dentre as quais destacamos: o auxílio no planejamento de cursos; e suporte para que docentes avaliem materiais didáticos, para que preparem seus próprios materiais.
2.4.1.1. A Análise Contrastiva e o fenômeno da interferência linguística
O fenômeno da interferência da língua materna sobre a língua estrangeira é considerado natural e corriqueiro e já foi amplamente tratado por vários estudiosos das ciências da linguagem. Segundo Adja Balbino Durão (2008), foi identificado “como influência translinguística nas pesquisas desenvolvidas a partir de finais do século XIX no campo das línguas em contato”. O linguista Uriel Weinreich (1926-1967) deu importante contribuição aos estudos sobre o tema, sobretudo através da obra Languages in contact: findings and problems (Línguas em contato: aspectos e problemas), publicada em 1953. Neste trabalho, o autor defende que o fenômeno da interferência é um desvio da norma de uma língua por influência de outra língua, ocorrendo, esse fenômeno, na produção oral de indivíduos bilíngues. Este é sistemático e previsível, pois ocorre devido a fatores estruturais (linguísticos) e socioculturais. Estes últimos são, por exemplo, raça, sexo, idade, religião, status social, ocupação e religião. O referido fenômeno pode ocorrer em qualquer nível da língua, ou seja, fonológico, morfológico, sintático ou semântico. Analisemos abaixo dois exemplos de interferência do português língua materna no italiano como língua estrangeira:
EXEMPLO 1: O número 16, em italiano, se diz sedici; é muito comum os estudantes brasileiros dizerem diciasei (forma agramatical), por interfrência da forma dezesseis, da língua portuguesa.
EXEMPLO 2: Também é muito comum a confusão que os brasileiros fazem entre os verbos ter, do português, e avere (ter) e esserci (haver, estar presente), do italiano. Consideremos a seguinte frase: Tem uma pessoa na praça. Os brasileiros, ao tentarem dizer essa frase em italiano, costumam dizer
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erradamente: Ha una persona nella piazza. A frase correta em italiano é: C’è una persona nella piazza.
Segundo Maria Youssef Abreu (2008), as pesquisas de Weinreich influenciaram os estudos de Robert Lado centrados no ensino-aprendizagem de línguas. Como já vimos, a obra Linguistics across cultures (1957), deste linguista, foi a grande responsável pela fundação da Linguística Contrastiva. Em relação ao fenômeno da interferência linguística, Robert Lado (1957) afirma que “os indivíduos tendem a transferir as formas, os significados e a distribuição das formas e dos significados da língua/cultura deles para a língua/cultura estrangeira”. Paolo Balboni (1996) também afirma o seguinte sobre essa questão: “As noções gramaticais, semânticas e comunicativas adquiridas na L1 (língua materna), e delineadas cognitivamente através de um processo de alfabetização, são automaticamente transferidas à aprendizagem da L2 (língua segunda e estrangeira)”. Anna Ciliberti, na obra Manuale di Glottodidatica (1997), também dedica atenção ao fenômeno em questão:
Os erros são cometidos por causa do fenômeno da interferência, ou transfer negativo, segundo o qual aquilo que está sendo aprendido é influenciado por aquilo que já foi aprendido. No caso da aprendizagem linguística, nos pontos em que as duas línguas são símiles, ocorrerá uma facilitação da aprendizagem devido à interferência positiva; naquilo em que as duas línguas são diferentes, o aluno encontrará dificuldade. (tradução nossa)
Dependendo do autor, o fenômeno da interferência recebe nomes diferentes. Referindo-se à qualidade da interferência, a que Ciliberti faz alusão acima, Enrico Borello (1991) esclarece:
Geralmente o termo interferência é aplicado para indicar o reflexo negativo de uma língua na aprendizagem de uma outra. A interferência positiva, isto é, aquela que ajuda na aquisição de uma nova competência linguística é frequentemente identificada através do termo transfert.
Na verdade, a Psicologia Behaviorista — uma das bases teóricas da Análise Contrastiva — propôs dois tipos de transferência: uma positiva e outra negativa. A positiva auxilia o processo de aprendizagem da LE; a negativa dificulta-o. Segundo Adja Balbino Durão (2008),
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Van Oberbecke afirmou que o conceito de interferência procedeu da Física, significando “o encontro de dois movimentos ondulatórios com o resultado de um esforço da onda ou, ao contrário, da anulação da onda”. Esse conceito passou para outros ramos científicos, como Eletrônica, Pedagogia, Psicologia, até chegar à Linguística e à Linguística Aplicada. Em todas essas áreas, o termo reflete um sentido negativo, equivalente à “perturbação”. Como já afirmamos, o modelo de Análise Contrastiva da Linguística Contrastiva está fundado nesse conceito de interferência linguística. Segundo este modelo, aprender uma determinada língua estrangeira pode ser fácil ou difícil dependendo das semelhanças e das diferenças que se estabeleçam entre língua materna do aprendiz e essa língua estrangeira. Quanto mais diferenças existam, mais difícil será o processo de aprendizagem. Esse princípio está ligado ao conceito de distância interlinguística 28. Segundo Santos Gargallo (1993), quanto maior for essa distância, maiores serão as dificuldades de aprendizagem e maiores serão as possibilidades de ocorrerem interferências. Por distância interlinguística devese entender grau de parentesco entre duas ou mais línguas, considerando a origem das mesmas. A distância entre as línguas românicas ou neolatinas, por exemplo, é pequena, porque elas têm o mesmo ancestral, ou seja, originaram-se do latim vulgar, por isso, são parecidas nos seus aspectos fonéticos, morfológicos, sintáticos e semânticos. A família das línguas românicas é composta por línguas como o português, o espanhol, o italiano, o francês e o romeno.
2.4.2. Análise de Erros
O segundo modelo da Linguística Contrastiva a ser desenvolvido foi o chamado Análise de Erros, que representou uma resposta às críticas ao modelo de Análise Contrastiva. Segundo Adja Balbino Durão (2004), esse modelo foi desenvolvido nos EUA entre 1915 e 1933 para ser aplicado ao ensino da língua materna. Foi adaptado para o campo do ensino de línguas estrangeiras pelo linguista Stephen Pit Corder (1918-1990). O marco dessa adaptação é 1967, quando este linguista publica o seu texto The significance of learners errors (O significado dos erros dos aprendizes), no periódico International Review of Applied Linguistics in Language Teaching (Revista Internacional de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua). Corder realizou 28
É o mesmo que distância linguística.
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estudos dos erros sistemáticos na produção oral e escrita dos alunos de LE. No resumo do referido artigo, o linguista (1967) afirma: Erro (não deslizes)29, cometido não só na aprendizagem de segunda língua como na aquisição da linguagem pela criança, evidencia que um aprendiz usa um sistema definido de linguagem em cada ponto do seu desenvolvimento. Esse sistema, ou “programa-imbutido”30, deve produzir uma sequência mais eficiente do que a sequência gerada para instruir, porque aquela é mais significativa para o aprendiz. Ao permitir que as estratégias inatas do aprendiz definam o programa linguístico, mais do que impor a ele noções pré-concebidas sobre o que ele deve aprender, meios mais eficazes de ensino de língua podem ser alcançados. (tradução nossa)
No texto acima, fica claro que Corder se apoia prioritariamente na Teoria de Aquisição Linguística de Noam Chomsky, segundo a qual a aprendizagem linguística é resultado do desenvolvimento de uma série de estratégias cognitivas por parte do aluno. Essas estratégias são inatas, bem como é inata a capacidade do ser humano de desenvolver a linguagem verbal. Tratase da ideia de competência linguística proposta por Chomsky. Na Análise de Erros, como dissemos anteriormente, trabalha-se com um corpus composto por produções dos alunos, devidamente registradas através sobretudo de gravações de áudio, filmagens e textos escritos por esses aprendizes. O trabalho com o corpus inclui pelo menos as seguintes tarefas:
Listagem dos erros; Classificação dos erros de acordo com a sua tipologia (sistemáticos, não-sistemáticos, etc.); Verificação da frequência com que esses erros ocorrem; Investigação das causas desses erros; Identificação do grau de distúrbio que os erros causam na comunicação em LE; Desenvolvimento e aplicação de estratégias pedagógicas para superação dos erros.
29
No original: “Error (not mistakes)”. Segundo dicionários de inglês-português, tanto error quanto mistake podem ser traduzidos para o português como erro, engano. A diferença entre esses termos seria que error é mais formal. Porém, preferimos traduzir error como erro, e mistakes como deslizes, esta última expressão suaviando a ideia de erro. 30 No original: “built-in syllabus”; as aspas foram usadas pelo próprio autor.
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Corder estabeleceu distinção entre dois tipos de erros, identificados através de duas palavras em inglês: error e mistake. O termo error — que vamos traduzir como erro — refere-se a um desvio da norma culta, da língua padrão. É classificado como sistemático e tem a ver com o nível de domínio da LE por parte do aluno. Esses erros podem ser causados por fatores como interferência 31 e falta de conhecimento de certas estruturas ou de vocabulário. Esses são os erros que interessam ao modelo de Análise Contrastiva. Por sua vez, a expressão mistake — que preferimos traduzir como deslize — é o erro nãosistemático, que é o que não se repete sistematicamente. Esses deslizes são causados, por exemplo, por esquecimento. A interpretação e classificação dos erros deve respeitar “variáveis como a idade do aluno, a tensão nervosa, a metodologia de ensino, a motivação e o interesse” (FIALHO, 2005). Segundo Corder (in DURÃO, 2004, p. 17):
[...] a probabilidade de cometer deslizes [...] aumenta quando estamos cansados, nervosos, em situação de estresse ou incerteza, quando nossa atenção está dividida, ou, ainda, quando estamos absortos em alguma atividade nãolinguística. Deve-se, portanto, esperar que alguém que tente se comunicar em uma língua estrangeira ou esteja sob tensão, na sala de aula ou fora dela, seja especialmente passível de tais fracassos de desempenho.
O professor tem de ter, então, a capacidade de diferenciar os dois tipos de erros que os alunos venham a cometer durante as aulas e, segundo este modelo de análise, deve dar atenção apenas aos erros que forem sistemáticos. O modelo de Análise de Erros se apoia também em outras concepções teóricas, além da Teoria de Aquisição Linguística, e a de competência linguística. Segue também o conceito de competência comunicativa, proposto pelo linguista, sociolinguista, antropólogo e folclorista Dell Hymes (1927-2009). Este conceito defende a influência dos aspectos culturais e contextuais durante o processo comunicativo. O falante tem de adequar a língua a esses aspectos, logo, eles devem ser levados em conta no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Marcelo Clemente (2008) esclarece:
31
Ver tópico 2.4.1.1 desta tese.
42
[...] posso ter um bom domínio da gramática, do vocabulário e da pronúncia de uma língua, mas isso, por si só, não garante que saberei usar a língua com propriedade em diferentes contextos sociais. Do ponto de vista do ensino, tudo depende da necessidade do aprendiz. Se ele pretende viajar, morar no exterior, trabalhar, então é importante conhecer também o registro mais coloquial, talvez não para usar, mas principalmente para compreender o que e como os nativos falam. Se o aluno pretende estudar fora, então o registro mais formal, usado nos textos didáticos e acadêmicos se torna prioridade.
O modelo de Análise de Erros está centrado no aluno e, para melhor acompanhar o desenvolvimento deste na LE, combina as teorias já citadas às teorias sócio-cognitiva, mentalista e sócio-interacional. Santos Gargallo (1993) destaca algumas vantagens do modelo de Análise de Erros:
• Representa uma contribuição significativa para a Linguística Aplicada; eleva o status do erro e amplia o âmbito de suas fontes (os erros são vistos como sinais positivos de que o processo de aprendizagem está acontecendo); • Mostra aos professores e aos investigadores em que ponto da aprendizagem está o aluno e quais são as estratégias que está colocando em prática; • Constrói uma hierarquia de dificuldades, apontando as prioridades no ensino; • A partir de todo este processo, produz-se material de ensino que resulta mais útil e adequado que o anteriormente usado; • Oferece testes que se mostram imprescindíveis para determinados objetivos e níveis. (tradução nossa)
A nosso ver, o principal avanço que este modelo conseguiu foi que se admitisse que a ocorrência de erros é inevitável no processo de aprendizagem tanto da língua materna quanto das línguas estrangeiras. Antes, com o modelo de Análise Contrastiva, os erros eram sinônimos de fracasso. Com a Análise de Erros, estes passam a ser vistos como estratégia cognitiva, refletem a tentativa do aluno de usar a língua que ele está aprendendo. Alguns linguistas consideram o modelo de Análise de Erros uma evolução em relação ao modelo de Análise Contrastiva. Concordamos com os que consideram esses modelos complementares, como José Manuel Vez Jeremías (2004):
Enquanto a Análise Contrastiva trata de prever as possíveis dificuldades ou facilidades que vão se apresentar, sobre a base da comparação e da descrição da língua base (L1) e a língua de referência (L2), o procedimento de analisar os
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erros segue, por sua parte, uma metodologia ‘a posteriori’ com a qual pretende descobrir a causa de um tipo ou outro de erro. (tradução nossa)
O modelo de Análise de Erros pode confirmar ou negar as conclusões do modelo de Análise Contrastiva a respeito das possíveis dificuldades dos alunos com a língua estrangeira. A principal crítica feita a esse segundo modelo foi justamente por ele se voltar unicamente para o estudo dos erros dos aprendizes.
2.4.3. Interlíngua
Em 1972, é publicado, na International Review of Applied Linguistics (Revista Internacional de Linguística Aplicada), o artigo Interlanguage (Interlíngua), do linguista Larry Selinker. Importante marco dos estudos sobre Interlíngua, o terceiro modelo da Linguística Contrastiva. Este modelo vinha sendo desenvolvido por esse linguista pelo menos desde 1969, foi batizado por ele em 1972 e foi definido como um sistema linguístico temporário em língua estrangeira, construído e usado pelo estudante dessa língua, na tentativa de produzir um discurso espontâneo nela. A interlíngua, também chamada de dialeto idiossincrático ou dialeto de transição, preserva características da língua materna e evolui, acompanhando o processo de domínio crescente da língua alvo pelo aluno. Em 1992, é publicada a obra Rediscovering Interlanguage (Redescobrindo Interlíngua), em que Selinker revê sua teoria. Analisemos a seguir um exemplo de manifestação de interlíngua. Imaginemos que um indivíduo, cuja língua materna é o português, estivesse aprendendo a língua italiana e, ao tentar se expressar neste idioma, falasse o seguinte: Noi Noi siomos siomos brasiliani. brasiliani. A expressão siomos torna o enunciado agramatical, porque ela não existe; porém, é possível verificarmos que o termo tem características morfológicas de um verbo. Entendemos que o estudante tentou dizer em italiano Noi siamo brasiliani, que em português significa Nós somos brasileiros. O termo agramatical siomos se assemelha tanto a siamo, do italiano, quanto a somos, do português. Fica claro que o indivíduo que produz sistematicamente o enunciado acima ainda
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não aprendeu ainda a forma correta do verbo essere flexionado na 1ª pessoa do plural do presente do indicativo. Outros linguistas vinham estudando a interlíngua, atribuindo-lhe outros nomes. William Nemser destacou a natureza transitória e dinâmica desse sistema linguístico e o denominou "sistema aproximativo". Jack Richards o chamou de “competência transitória”. Dulay e Burt o identificaram pela expressão “hipótese de construção criativa”. Stephen Pit Corder, que desenvolveu o modelo de Análise de Erros, também tratou desse terceiro modelo da Linguística Contrastiva, porque esses dois modelos estão mais interligados em termos teóricos, do que a Análise de Erros e a Análise Contrastiva. Corder escreveu artigos e livros sobre o sistema. Inicialmente chamava-o de “dialeto idiossincrático”. É importante esclarecer que o termo “interlíngua” também foi usado anos antes com outro significado. Referia-se a uma língua auxiliar internacional elaborada em 1951 por Alexander Gode32, da International Auxiliary Language Association (Associação Internacional de língua Auxiliar). Essa língua foi construída, durante mais de duas décadas de estudos linguísticos, a partir de vasto vocabulário considerado comum a línguas de grande difusão mundial: inglês, francês, italiano e espanhol/português33. Muitas dessas palavras também eram de origem grecoromana. As obras básicas sobre essa interlíngua são Interlingua: English Dictionary (Interlíngua: Dicionário de Inglês), com 27.000 palavras, e Interlingua Grammar (Gramática de Interlíngua), ambas publicadas em 1951. Essa interlíngua nada tem a ver com a interlíngua proposta por Larry Selinker. Ligado à Linguística Contrastiva, Selinker procurou elaborar uma teoria psicolinguística da aprendizagem de línguas estrangeiras. Ele afirmou que a mente do ser humano tem dois importantes tipos de estruturas: a estrutura latente da linguagem e a estrutura psicológica latente. A primeira está relacionada à capacidade genética de aquisição da língua materna. Adja Balbino Durão (2004) diz que, segundo Selinker, esta “é a contrapartida biológica da gramática universal que a criança transforma na gramática de uma língua particular”. A estrutura psicológica latente é a que permite o desenvolvimento da interlíngua. Durante o processo de aprendizagem da LE, esta estrutura mental promove “identificações entre-línguas” (interlingual
32 33
Alexander Gottfried Friedrich Gode-von-Aesch, ou simplesmente Alexander Gode (1906-1970). Espanhol e português foram consideradas juntas.
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identifications) de modo dinâmico. Isso ajuda o aprendiz a entender a língua estrangeira e tentar se comunicar através dela. Adja Balbino Durão (2004) apresenta mais detalhes:
A estrutura psicológica latente, de acordo com esse autor [Selinker], contém cinco processos psicológicos centrais e quatro secundários que interferem na produção linguística desses estudantes. Entre os processos centrais, estão: a) a transferência de elementos da LM para a LE; b) a transferência de instrução; c) o uso de estratégias de aprendizagem; d) o uso de estratégias de comunicação e e) a generalização de regras. E entre os secundários, estão: f) a pronúncia ortográfica; g) a pronúncia cognata (ou afim); h) a aprendizagem de holofrases e i) a hipercorreção.
A interlíngua possui algumas características que merecem destaque: tendência à evolução constante; é permeável, ou seja, recebe elementos da LE; é sistemática; fossiliza algumas estruturas; pode ser afetada pelo chamado fenômeno plateau (DURÃO, 2004). Os fenômenos de fossilização e plateau estão interligados. O termo “fossilização” foi tomado por empréstimo do campo da Paleontologia e significa a cessação de progresso do processo de aprendizagem em LE. Refere-se também ao uso de formas linguísticas dessa língua as quais já foram erradicadas por falantes nativos. Há ainda a fossilização de erros, que ocorre, por exemplo, quando o aprendiz fica muito tempo sem contato com a LE. É, na verdade, uma ameaça constante ao domínio da LE por parte do estudante. Acredita-se ainda que, quanto mais próximas forem a LE e a língua materna, maior será a probabilidade de a interlíngua se fixar, pois os erros tendem a passar despercebidos. A fossilização é matéria de investigação de muitos pesquisadores. É importante destacar que Selinker considera a fossilização irreversível. Outros linguistas, como Adja Durão, Hylenstam, Johnson, Martin Peris e Prada Creo, porém, acreditam que para “desfossilizar” erros é preciso motivação por parte do aluno e estudo das formas adequadas da LE, de modo que substituam as formas que indicavam fossilização (DURÃO, 2004). O fenômeno plateau ocorre quando o aprendiz julga já ter alcançado um bom nível de domínio da LE por conseguir satisfazer suas necessidades comunicativas; ele deixa de investir no aperfeiçoamento desse domínio, porque acha que atingiu um nível suficiente de competência linguística em relação à LE. Em relação ao valor da interlíngua, para Adja Balbino Durão (2004), a contribuição desse modelo no campo da didática é a da maior relevância:
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[...] ao introduzir elementos como o tratamento dos erros, a tentativa de identificação das operações cognitivas subjacentes às produções linguísticas e das estratégias de aprendizagem e de comunicação, assim como a noção de fossilização e do fenômeno ‘plateau’ como componentes do processo de ensino/aprendizagem, modificou a própria postura dos docentes em relação à produção, à expressão e à recepção linguística de seus aprendizes.
A interlíngua é considerada de ocorrência inevitável no processo de aprendizagem de qualquer língua estrangeira. Pode se manifestar durante todas as fases do estudo da LE, embora seja mais comum no seu início, e tende a desaparecer quando o aprendiz alcança um nível alto de domínio do idioma estrangeiro. Vale destacar ainda que quanto mais próxima for a LE da língua materna, mais chance de a interlíngua se manifestar.
2.5. Breve comparação entre os três modelos da Linguística Contrastiva
Desde o seu surgimento com o modelo de Análise Contrastiva, em 1945, a Linguística Contrastiva — assim como a Linguística Aplicada — vem se desenvolvendo e se adaptando para responder cada vez melhor às necessidades humanas em relação a questões ligadas à linguagem, sobretudo ao ensino-aprendizagem de línguas. É fácil notarmos isso ao compararmos os seus três modelos de análise. É importante destacar que os três modelos da Linguística Contrastiva têm o mesmo objetivo geral: compreender e facilitar o processo de ensino-aprendizagem de línguas, levando em conta o papel da língua materna nesse processo (ANDRADE, 2006). Por isso Santos Gargallo (1993, p. 30) os define metaforicamente como “elos de uma mesma corrente”:
É importante ver a sucessão destes modelos como uma concatenação natural na qual os novos conceitos vão sendo encadeados como uma consequência lógica das descobertas prévias. A passagem de um modelo a outro não supõe o rechaço do anterior, mas sim a superação do mesmo num esforço científico comum.
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Vejamos a seguir um quadro resumitivo que elaboramos sobre esses três modelos da Linguística Contrastiva, visando a estabelecer uma comparação entre eles. Nesse quadro, destacamos alguns tópicos que consideramos mais importantes34:
TÓPICOS MODELOS DE LC
PRINCIPAIS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
MODELO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
Linguística Estrutural e Comportamentalismo
MODELO DE ANÁLISE DE ERROS
Teoria de Aquisição Linguística, Funcionalismo, Teoria Sócio-cognitiva e Sócio-interacional
MODELO DE INTERLÍNGUA
Teoria de Aquisição Linguística, Funcionalismo, Teoria Socio-cognitiva e sóciointeracional
PRODUÇÃO DO APRENDIZ
FOCO INVESTIGATIVO
Desconsiderada
Interferêcia da LM na LE
Precisam ser evitados, pois prejudicam o processo de aprendizagem da LE.
Principal fonte de investigação
Erros do aprendiz
São inevitáveis e são valorizados como fontes de informação. Indicam as áreas de dificuldade na LE.
Principal fonte de investigação
Interlíngua e estrutura psicológica latente
COMO VÊ OS ERROS
Possibilitam a identificação das estratégias psicolinguísticas que os causam.
TIPO DE CONTRASTE QUE REALIZA
LM do aprendiz com a LE
Erros do aprendiz com LE
Erros da interlíngua com LM e LE
As diferenças que esses modelos aprensentam entre si permitem que eles sejam complementares. A Análise de Erros surge como uma resposta às críticas sofridas pela Análise Contrastiva. Uma das mais relevantes foi sobre o fato de este modelo não considerar a produção dos alunos. Os dois modelos subsequentes “corrigem” isso. As mudanças ocorridas entre Análise Contrastiva e Análise de Erros são bastante radicais. Os fundamentos teóricos dos dois modelos e a visão sobre “erro”, por exemplo, são claramente antagônicos. Em relação a esse último tópico, enquanto para a Análise Contrastiva o erro em LE é visto como fator negativo, como fracasso, para a Análise de Erros, o erro é natural e inevitável, tornando-se inclusive o foco da investigação desse modelo. As mudanças ocorridas entre o modelo de Análise de Erros e o de Interlíngua são mais suaves. Ambos seguem praticamente os mesmos fundamentos teóricos e compartilham também do mesmo tipo de corpus investigativo: a produção oral e escrita dos aprendizes de LE. 34
Para elaborar o quadro, baseamo-nos no texto O modelo de AC, o modelo de AE e o modelo de IL frente a frente, de Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão (DURÃO, 2004, p. 21-22).
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Os três modelos de análise também são chamados de hipóteses. Uma hipótese, em Linguística, “é uma proposição aceitável que, apesar de pender de comprovação, serve para responder, sob a forma de tentativa, a um problema com base científica” (HIPÓTESE). Neste sentido, a hipótese surge com uma suposição, e os dados ligadas a ela devem ser comprovados através de uma investigação. A nosso ver, o modelo de Análise Contrastiva é o modelo hipotético por excelência, sobretudo porque parte da teoria para a prática. Produz “em laboratório” uma gramática contrastiva de duas línguas, apontando semelhanças e diferenças entre elas, para prever as dificuldades que os aprendizes terão com a LE. Tem um caráter taxativo e determinista. Como já dissemos, muitas das suas previsões de dificuldades não se confirmaram na prática. Os outros dois modelos também são hipotéticos, mas as hipóteses estão ligadas às explicações sobre problemas reais ligados à aprendizagem da LE. Beseiam-se na produção oral e escrita dos aprendizes de LE, e isso é algo concreto. Partem da prática para a teoria. É imprescindível uma integração entre os três modelos, conforme afima Adja Balbino Durão (2004, p. 22):
Postulamos que, em qualquer de seus modelos, a LC contribui, inquestionavelmente, para o aprimoramento da formação de professores de línguas, o ideal é a integração deles, visto que são, na verdade, etapas complementáveis no sentido de propiciar um enfoque e um material didático mais ajustado às necessidades dos estudantes de línguas.
2.6. A importância da Linguística Contrastiva nos dias de hoje
Quando apresentamos nosso projeto de tese na disciplina Seminário Tese de Doutorado — uma das disciplinas do Curso de Doutorado —, na Faculdade de Letras da UFRJ, uma das professoras que ministrava o curso criticou nossa proposta de estudo, afirmando que já não se faziam mais trabalhos em Linguística Contrastiva, que isso era coisa do passado — ela se referia ao século XIX —, sem importância para os dias de hoje. Inicialmente nos sentimos vergonha por estarmos empolgados com uma proposta de tese que, segundo a professora, era ultrapassada. Mas será que era mesmo? Depois de fazermos algumas leituras mais aprofundadas sobre o tema, chegamos à conclusão de que não era bem assim.
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Na verdade, sabíamos que, de fato, já havia muitas produções acadêmicas no campo da Linguística Contrastiva, mas isso não significava que esta Ciência estava falida, que sua contribuição estava esgotada. Particularmente a leitura da obra Linguística Contrastiva: teoria e prática, cuja organizadora é Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão (2004), foi importante para que compreendêssemos a situação em que a Linguística Contrastiva estava inserida. Entre professores e cientistas da linguagem, há aqueles que defendem a ideia errônea de que esta disciplina está ultrapassada. Porém, há um outro grupo que — dedicando-se ou não à mesma — compreende e respeita a sua importância, “ontem e hoje”. Que acredita que as ciências não têm “prazo de validade”. São desenvolvidas pelo ser humano a partir de suas necessidades e são aperfeiçoadas por ele. O artigo que inicia a primeira parte da obra a que nos referimos acima trata da polêmica que apresentamos. Seu título, A Linguística Contrastiva é uma área de estudo fora de época?, da autoria de Isabel Gretel María Eres Fernández, da Universidade do Estado de São Paulo, já deixa evidente a problemática de que tratamos. Porém, professores que estão em sala de aula de língua estrangeira sabem que a argumentação de Fernández (p. 6) é irrefutável:
Nosso aluno, em especial o jovem e o adulto, faz comparações entre o código que domina e o novo; busca no seu repertório de regras em língua materna (gramaticais, fonéticas, morfossintáticas, de uso...) um possível correspondente ou equivalente para as novas regras com as quais têm contato em língua estrangeira. Quando não é capaz de estabelecer uma relação ou quando não encontra a informação em língua materna, surge a dúvida. É o momento em que interrompemos nossa aula de língua estrangeira para explicar o que ocorre na materna para, só depois, prosseguirmos a nossa aula, tal como havíamos planejado.
Fernández descreve um fenômeno praticamente natural que ocorre em sala de aula de língua estrangeira. O aluno faz comparações, conforme afirmou, de maneira automática, sem intenção. Ao professor cabe respeitar esse estado de coisas e usar a Análise Contrastiva como estratégia didática para poder prosseguir. Fernández ainda afirma:
É, no mínimo, ingênuo pensar que nossos alunos vão separar completamente os dois idiomas; que não vão procurar pontos em comum e pontos divergentes; que não vão fazer transposições e analogias; que não vão realizar transferências (positivas ou não). Dessa forma, se sabemos que o contato vai ocorrer, por que
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não tirar partido dele em vez de ignorá-lo ou rejeitá-lo? Apropriar-se desse contato de maneira eficaz é o que faz, em última instância, a Linguística Contrastiva.
É, portanto, questão de bom senso usar a Linguística Contrastiva como aliada no trabalho em sala de aula de língua estrangeira, em qualquer nível do processo de ensino-aprendizagem, pois o fenômeno da interferência, por exemplo, não está preso a nenhum nível específico do referido processo. Fernández conclui: “[...] a Linguística Contrastiva é importante sim nos dias atuais posto que suas contribuições são perfeitamente aplicáveis e são, igualmente, aplicadas no nosso dia-a-dia, mesmo que nem sempre sejamos conscientes disso”. Fernández ainda esclarece: Muitas vezes tentamos evitar comparações entre os dois idiomas envolvidos e chegamos, inclusive, a solicitar dos alunos que “pensem” na língua estrangeira, que “esqueçam” o português. Como se isso fosse possível! Não se trata, evidentemente, de retornarmos ao método gramática e tradução e ministrarmos nossas aulas de língua estrangeira via língua materna; longe disso. Trata-se, acima de tudo, de analisarmos em quais momentos a língua materna pode ser uma aliada e, nessas ocasiões, usá-la, seja como ponto de partida, seja como ponto de chegada, seja como fiel da balança.
Vale ressaltar também o que diz Paolo Balboni (2002) a respeito da importância da Linguística Contrastiva: “Relevante sobre o plano glotodidático é a contribuição da Linguística Contrastiva, que procura prever a ocorrência de erros através do confronto entre duas línguas”. Sobre esse tipo de análise, Anna Ciliberti (1997) afirma o seguinte:
Compara sistematicamente a língua mãe do aprendiz com a língua objeto de estudo à procura de similaridades e diferenças. (...) é considerada essencial para a planificação dos cursos, para a escolha dos materiais didáticos, para o desenvolvimento das técnicas de ensino, para a correção dos erros. Da análise contrastiva — acredita-se — é possível se obter úteis indicações didáticas à medida em que pode-se prever os pontos de dificuldade que os discentes de uma certa língua mãe encontrarão e pode-se, então, concentrar a atenção sobre esses.
Por todos os argumentos que apresentamos aqui, não resta dúvida de que a Linguística Contrastiva é muito importante para a área de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
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2.7. A orientação desta pesquisa: Linguística Contrastiva teórica ou aplicada?
No tópico 1 deste capítulo, tratamos da diferença entre Linguística Contrastiva teórica e aplicada. Neste tópico 6, pretendo esclarecer qual das duas orientações é a da presente pesquisa, apresentando as devidas justificativas. Na introdução deste trabalho, afirmamos que a principal motivação que tivemos para realizá-lo foi a experiência que vivemos ao ministrarmos, por um ano e meio, aulas de sintaxe do período composto da língua italiana para alunos brasileiros de oitavo período do Curso de Bacharelado em Letras em Português-Italiano na Faculdade de Letras da UFRJ. Foram três turmas com uma média de 25 alunos cada uma. O contexto era, pois, o de um curso de italiano para estrangeiros, de nível avançado, cujo conteúdo era teórico-gramatical. Observamos, durante as aulas, que os alunos tinham muita dificuldade para compreender e acompanhar esse conteúdo. Essa dificuldade nada tinha a ver com a competência comunicativa em italiano LE, pois não se tratava de problemas na produção oral ou escrita dos alunos, nem dificuldades ligadas à compreensão escrita. O problema era de compreensão teórica. A sintaxe do período composto da língua italiana é diferente, em muitos pontos, da sintaxe do período composto da língua portuguesa. Algumas diferenças são: a quantidade de tipos de orações coordenadas e subordinadas — há mais tipos em italiano —, a nomenclatura e determinados conceitos. Como os alunos já tinham um bom domínio da sintaxe do período composto da língua materna, a portuguesa, acontecia uma espécie de “cegueira” e uma resistência à aprendizagem de alguns tipos de orações da sintaxe do período composto da língua italiana. Ocorria o fenômeno de interferência linguística ou transferência negativa. Os alunos analisavam sintaticamente as frases, usando a nomenclatura da língua materna, só que em língua italiana. Vejamos abaixo um exemplo do que acontecia, considerando a seguinte frase em italiano:
La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (SABATINI, 1994, p. 481)
Para fazer a análise desse período composto italiano, os alunos poderiam seguir estratégias diferentes, mas em geral seguiam os seguintes passo:
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1. 2. 3. 4.
Traduziam a frase; Identificavam os verbos, para verificar o número de orações; Separavam as orações, usando barras diagonais ( / ) ou colchetes ( [ ] ); Classificavam as orações.
Seguindo todos os passos, os alunos obtinham o seguinte resultado:
Tradução da frase: A esperança que Ana voltasse não abandonava Paulo. Análise: verbo 1
verbo 2
La speranza [che Anna tornasse] non abbandonava Paolo. 1ª proposizione
2ª proposizione
continuazione della 1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa determinativa
Não houve erro nos três primeiros passos. A tradução da frase e a identificação dos verbos estão corretas, mas a classificação das orações está parcialmente errada. A primeira oração (proposizione, em italiano) é, de fato, a oração reggente (principal). A segunda oração, che Anna tornasse, não é subordinata relativa determinativa, que em português significa “subordinada adjetiva restritiva”. A classificação correta dessa oração em italiano é subordinata sostantiva oggettiva diretta, que em português significa “subordinada substantiva objetiva direta”. Por que os alunos acertaram a classificação da primeira oração e erraram a da segunda? Acertaram a classificação da primeira, porque ela é a mesma em italiano e em português. O que muda é o termo designativo: em italiano, se diz reggente e, em português, se diz principal. Já em relação à segunda oração, os alunos erraram sua classificação, porque pensaram na do português. A oração “que Ana voltasse”, de acordo com a gramática descritiva da língua portuguesa, é classsificada como “subordinada adjetiva restritiva”. Mas a gramática descritiva italiana — como já afirmamos — considera a oração che Anna tornasse uma subordinata sostantiva oggettiva diretta (subordinada substantiva objetiva direta), ou seja, uma classificação totalmente diferente
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da do português. O erro ocorreu, portanto, por interferência da língua materna no estudo do italiano como língua estrangeira. Esse tipo de problema, acontecendo em um universo de aproximadamente 34 tipos diferentes de orações italianas e 27 tipos do português — em suas formas reduzidas e desenvolvidas —, tornava o estudo bastante dificultoso. Para resolver a questão, usamos a Análise Contrastiva como estratégia didática, porque esse modelo de análise concentra sua atenção justamente nas diferenças entre as duas línguas, e eram essas diferenças que estavam causando problema. Como a finalidade era didática, tratava-se de Linguística Contrastiva aplicada. Primeiramente realizamos, sem os alunos, o estudo contrastivo das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português, a partir do livro didático adotado com as turmas: Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (DARDANO; TRIFONE, 2003). É uma gramática italiana para italianos, ou seja, não é uma gramática para o ensino-aprendizagem do italiano para estrangeiros, porém, costuma ser adotada em cursos de nível avançado do italiano para estrangeiros, sobretudo quando o objetivo é o estudo teórico-gramatical. Utilizamos também outras gramáticas italianas de mesmo tipo. Realizamos o estudo de Análise Contrastiva e tomamos algumas medidas antes de levar os resultados para a sala de aula. Através do estudo, identificamos as semelhanças e diferenças entre italiano e português em relação à sintaxe do período composto e destacamos os pontos da matéria que poderiam apresentar dificuldades para os estudantes. Estabelecemos uma hierarquia entre as classificações de orações em italiano, partindo das mais fáceis para as mais difíceis. Elaboramos um material didático à parte com quadros contrastivos e reorganizamos o programa do curso. Em seguida, colocamos tudo em prática em sala de aula. O resultado com os alunos foi muito bom. Eles compreenderam e assimilaram a matéria com muito mais facilidade. Chegamos a essa conclusão a partir dos bons resultados das avaliações a que submetemos os alunos — trabalhos, testes, provas, observações da produção em sala de aula etc. . Para realizar o presente trabalho, ampliamos o estudo de Análise Contrastiva que realizamos na experiência narrada acima. O passo-a-passo do desenvolvimento dessa análise para a tese explicamos com mais detalhes no capítulo que trata da metodologia de pesquisa. Neste sexto tópico do capítulo 2, a proposta é ressaltar que trata-se de um estudo de Linguística
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Contrastiva aplicada, sobretudo porque seu objetivo central é didático, ou seja, aplicar os resultados desse estudo no ensino do italiano como língua estrangeira.
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3. LINGUÍSTICA CONTRASTIVA E TEORIAS GRAMATICAIS
3.1. Conceitos e tipos de gramática
Segundo António Franco ([1989?]), “é ponto assente entre os que trabalham na área da contrastividade que a comparação sincrônica de duas línguas se faz com base no mesmo modelo de gramática”, ou seja, deve haver coerência entre os fundamentos teóricos da Linguística Contrastiva, em quaisquer de seus três modelos, e os tipos de gramática utilizados no trabalho de contrastação. Vejamos essa relação mais a fundo, verificando primeiramente quais conceitos de gramática devem-se considerar neste estudo. O termo gramática veio do grego grammatiké. Formou-se a partir da expressão grámma que significava letra. Originalmente, designava a “arte de ler e de escrever”, referindo-se a um conjunto de técnicas de leitura e de escrita; posteriormente passou a ter outras acepções (INFANTE, 1997), e aqui nos interessam duas delas. A primeira é a que concebe a gramática como um conjunto de princípios que regem o funcionamento de uma língua. Esses princípios envolvem os elementos constitutivos da língua, ou seja, os sons, as formas, as palavras, as construções, os recursos expressivos. Estes elementos são agrupados e estudados em partes. A Nomenclatura Gramatical Brasileira (HENRIQUES, 2009), adotada em 1959, aponta três partes: Fonética, Morfologia e Sintaxe. Explicando sucintamente, a Fonética trata do estudo dos sons; como devem ser escritos, pronunciados etc.. A Morfologia trata da estrutura e da formação das palavras, agrupando-as em classes. E a Sintaxe é a parte que estuda as relações lógicas entre as palavras, as combinações e as funções destas nos enunciados. Interessa-nos também entender gramática como livro didático que contém essa disciplina. Nesta tese, trabalhamos com algumas gramáticas da língua italiana e da língua portuguesa, conforme veremos com mais detalhes no capítulo 5. Em geral, esses manuais didáticos — como os elaborados para o ensino do português nas escolas de níveis Fundamental e Médio 35 no Brasil — trazem as três partes fundamentais da gramática — citadas no parágrafo anterior — e ainda outras divisões, tais como a Semântica, que trata das relações de significado das palavras, e a Estilística, que trata do uso estético da linguagem.
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O Ensino Fundamental vai do primeiro ano — no qual a criança deve ingressar ao completar seis anos — ao nono ano de escolaridade. O Ensino Médio vem após o Ensino Fundamental e é constituído de três anos.
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Há diferentes tipos de gramática enquanto disciplina: geral ou universal, implícita, histórica, descritiva, normativa, gerativa, funcional, contrastiva, reflexiva etc.. Não cabe aqui explicar todas essas modalidades, mas veremos algumas com mais detalhes. Ataliba de Castilho (2010, p. 42) atribui o que ele chama de “quatro grandes direções” às teorias linguísticas e gramaticais: a gramática descritiva, a funcionalista-cognitivista, a histórica e a prescritiva. A gramática descritiva ou expositiva trata a língua como um conjunto de produtos estruturados; busca registrar e descrever cientificamente as variações da língua, considerando o seu uso real pelos falantes. De acordo com a corrente linguística que dela se ocupe, a gramática descritiva também pode ser chamada de estrutural, gerativa-transformacional, estratificacional, funcional etc.. A gramática funcionalista-cognitivista trata a língua enquanto conjunto de processos mentais estruturantes e a vê como um instrumento de comunicação sujeito às pressões das situações comunicativas. A gramática histórica se ocupa da origem e da evolução das línguas. Trata a língua como um conjunto de processos e produtos que mudam ao longo do tempo. A gramática prescritiva ou prescritivista é mais conhecida como gramática normativa ou tradicional. Ela estabelece a norma culta — que é a modalidade de língua valorizada socialmente — e forma o que Castilho chama de “conjunto de ‘usos bons’”. A norma culta é tida como modelo, como padrão linguístico. Geralmente é elaborada e revista por grupo de gramáticos e linguistas conceituados nas Academias de Letras de cada país. A gramática normativa se ocupa mais da modalidade escrita da língua. Não é uma disciplina com finalidade científica e sim pedagógica (BECHARA, 1999). Os manuais didáticos para ensino de línguas — maternas e estrangeiras — se propõem, em geral, a trabalhar ou a gramática normativa ou a descritiva. Esse fato leva a extensas discussões sobre metodologia de ensino, as quais não desenvolveremos aqui, mas destacaremos alguns pontos interessantes. Há anos existe uma polêmica a respeito de se fazer ou não estudo gramatical tanto em aulas de língua materna quanto nas de línguas estrangeiras. Surgiu da alegação de que as aulas baseadas no estudo da gramática normativa são maçantes e não levam os alunos nem a melhorarem o domínio do próprio idioma nem a aprenderem línguas estrangeiras. Há quem
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defenda a ideia radical de que esse tipo de estudo deve ser completamente abolido. Luiz Carlos de Assis Rocha, na sua obra Gramática: nunca mais (2007, p.16-17), compartilha esse posicionamento no contexto do ensino do português como língua materna nas escolas brasileiras:
Se defendemos que o objetivo primordial da escola é ensinar a língua padrão, isso não quer dizer que o aprendizado dessa modalidade de língua deva ser feito através do estudo da gramática. Defenderemos [...] a posição de que a gramática não só não é necessária ao aprendizado da língua padrão, como também de que ela é prejudicial ao ensino de Português. É necessário que se adote uma postura incisiva com relação a esse assunto e não se faça como certos autores, que condenam, renegam e execram a gramática, mas não conseguem se livrar de suas amarras e não apresentam alternativas viáveis ao estudo da língua materna sem o jugo da gramática.
O autor declara haver uma “confusão reinante” no que tange ao ensino do português. Na obra Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio36, publicada pelo Ministério da Educação do Brasil (1999, p. 137), através da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, admite-se que esse problema vem ocorrendo há anos:
A perspectiva dos estudos gramaticais na escola até hoje centra-se, em grande parte, no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal; descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto. [...] O estudo gramatical aparece nos planos curriculares de Português, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais do Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será que a gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada na escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor se transforma em uma camisa de força incompreensível.
Assis Rocha (2007, p. 16) faz uma crítica direta ao estudo da gramática descritiva em instituições de ensino de vários níveis. O autor considera inútil essa prática:
[...] ao sair da escola fundamental, média ou superior, a imensa maioria dos indivíduos vai precisar é da língua padrão — falada ou escrita — para ingressar 36
Os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais são diretrizes propostas pelo Governo Federal para a educação básica no Brasil. São dirigidos aos professores para orientá-los sobretudo na elaboração dos planos de curso das disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio no Brasil.
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no mercado de trabalho ou para se tornar um cidadão engajado na sociedade em que vive. Para esse cidadão, de quase nada vai adiantar o estudo descritivo da língua que ele usa em casa ou o estudo de textos literários.
De fato, se a gramática descritiva é uma disciplina científica e não pedagógica, não deveria haver manuais didáticos baseados nela, mas não é o que acontece. Muitas publicações voltadas para o ensino do português como língua materna em escolas da educação básica no Brasil se propõem a trabalhar a gramática descritiva. É o caso da obra Português: Linguagens, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2003), muito adotada por escolas tanto da rede pública quanto particular. A obra abrange uma coleção de 4 livros para o Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) e três livros ou um volume único para o Ensino Médio. Nesta última publicação, na contracapa, temos a seguinte declaração sobre a proposta da obra: “O trabalho com a gramática privilegia os conteúdos essenciais para a leitura e a produção de textos, mas oferece também atividades de revisão de gramática descritiva”. Os autores de manuais como o citado optam pela gramática descritiva, no intuito de se aproximarem da realidade linguística dos alunos, pois acreditam que, assim fazendo, tornarão o material didático mais interessante para os estudantes. Assis Rocha (2007, p. 15-16) fala do tipo de linguagem que tem sido privilegiado em sala de aula:
Parece estar havendo um equívoco com certos professores de Português e mesmo com determinados autores que tratam do assunto, com relação ao tipo de liguagem que se deve ensinar na escola. Com o intuito de tornar o ensino da língua materna mais soft e mais light, alguns professores se deixam levar pelo charme e pelo glamour da linguagem criativa, literária e privilegiam o aspecto recreativo, lúdico e artístico da linguagem, chegando mesmo, muitas vezes, a negligenciar ou desdenhar o ensino da língua padrão. O argumento utilizado é sempre o mesmo: as aulas de Português são maçantes, estéreis, cansativas — é preciso fugir da rotina, da mesmice... Em outros casos, com o mesmo objetivo, os professores preferem privilegiar o estudo da linguagem que o aluno traz de casa.
O resultado da falta de foco no ensino da língua padrão é que os alunos não progridem no processo de domínio do próprio idioma. Assis Rocha (2007, p. 63) acrescenta o seguinte a respeito desta situação:
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Sob o ponto de vista exclusivamente científico, não há dúvida de que a língua é um fenômeno oral, e como tal deve ser analisada (ROCHA, 1998b). Parece haver, no entanto, um equívoco lastimável de alguns linguistas, que querem levar para a sala de aula o estudo científico da linguagem humana, esquecendose de que a sociedade letrada em que vivemos prestigia, enfatiza e privilegia o domínio da língua padrão pelo indivíduo.
Como afirmamos anteriormente, essas questões a respeito da gramática são polêmicas e subjetivas. Fazer ou não estudo gramatical em sala de aula depende de uma série de questões. De fato, o ensino da língua padrão nas escolas não precisa ser feito através do referido estudo, mas há contextos em que o mesmo é adequado e até necessário, como é o caso do curso de Licenciatura em Letras, de Ensino Superior, que forma professores de língua portuguesa e de línguas estrangeiras. Esses profissionais obviamente precisam ter um domínio profundo das gramáticas das línguas. Por fim, vale a pena ressaltar o que diz José Carlos de Azeredo (2010, p. 131) a respeito das gramáticas descritiva e normativa:
(...) deixemos claro o seguinte: qualquer gramática normativa é necessariamente também uma gramática descritiva, pois só se pode prescrever uma forma da linguagem (prescrição) se ela foi preliminarmente identificada mediante uma descrição. A rigor, uma gramática normativa não passa de uma descrição da variedade padrão da língua apresentada a seus usuários como modelo de uso supradialetal e socialmente prestigioso.
A afirmação acima é muito importante, porque explica de modo simples a relação entre os dois tipos de gramática em questão, evidenciando o caráter abrangente da gramática descritiva. Vejamos, nos próximos tópicos, as gramáticas ligadas aos modelos da Linguística Contrastiva.
3.2. Gramáticas ligadas à Linguística Contrastiva
Primeiramente é fundamental destacar que a Linguística, por ser uma ciência descritiva e explicativa (LOPES, 2007), gera gramáticas descritivas. A Linguística Contrastiva, que é uma subárea da Linguística e da Linguística Aplicada, trabalha principalmente com esse tipo de gramática.
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Como afirmamos no início deste capítulo, são os fundamentos teóricos de cada modelo da Linguística Contrastiva que determinam o tipo de gramática ligado a cada modelo. Verifiquemos, no quadro a seguir, as correspondências que se estabelecem:
TÓPICOS MODELOS DE LC
MODELO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
PRINCIPAIS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
GRAMÁTICAS
ESTRUTURALISMO E COMPORTAMENTALISMO
GRAMÁTICA DESCRITIVA CONTRASTIVA, GRAMÁTICA NORMATIVA E GRAMÁTICA INTERNALIZADA OU IMPLÍCITA
MODELOS DE ANÁLISE DE ERROS E DE INTERLÍNGUA
LINGUÍSTICA FUNCIONAL, SOCIOCOGNITIVISMO E SOCIOINTERACIONISMO
GRAMÁTICA
FUNCIONAL
E
GRAMÁTICA
INTERNALIZADA OU IMPLÍCITA
O modelo de Análise Contrastiva se apoia na gramática descritiva de tipo contrastiva, porque esse modelo, como já vimos, faz descrição das línguas em contraste, destacando semelhanças e diferenças, para prever e evitar problemas no processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira. Além disso, ambos se baseiam no estruturalismo. Na verdade, o produto da Análise Contrastiva é a gramática contrastiva ou transferencial, que traz a contrastação propriamente dita entre as línguas, apontando suas semelhanças e diferenças. Mas o modelo de Análise Contrastiva também está ligado à gramática normativa, porque ambos têm finalidade pedagógica e consideram o erro um fator negativo para a aprendizagem linguística e procuram evitá-lo. Destaquemos, portanto, o seguinte fato: o modelo de Análise Contrastiva tem ao mesmo tempo uma finalidade científica — e por isso está ligado à gramática descritiva contrastiva — e uma pedagógica — ligando-se, assim, à gramática normativa. Já o modelo de Análise de Erros e o de Interlíngua ligam-se à gramática funcional, principalmente porque esta gramática e estes modelos se fundamentam nas mesmas teorias: a de Aquisição Linguística, a Sócio-Cognitiva, a Sócio-Interacional, a Linguística Funcional e Gerativo-Transformacional.
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Como já afirmamos, os três modelos da Linguística Contrastiva podem ser considerados complementares. Da mesma forma ocorre com certas teorias linguísticas em que os mesmos se fundamentam. Conforme afirmam Ricardo Yamashita Santos e Marcos Antonio Costa (2009), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em um artigo intitulado Formalismo, pragmatismo e concepções contemporâneas acerca da linguagem, “os estudos da linguagem seguem uma cronologia de micro para macro”. Com Saussure, a partir da primeira metade do século XX, deu-se ênfase apenas à estrutura da língua, ou seja, à sua forma, sem considerar o contexto de comunicação linguística. Aos poucos a atenção foi se voltando para o discurso até se chegar ao estudo da função social da língua. Várias correntes de estudo da linguagem surgiram, cada qual com seus pressupostos. O problema em relação às mesmas é haver “disputa” entre elas. Segundo Santos e Costa (ibid.), isso aconteceu entre o Formalismo e o Pragmatismo37: “A separação do que é interno à língua (estrutura) e do que é considerado em seu contexto de uso (discurso) mantém distinta uma teorização da outra, ocasionando debates sobre o que seria mais importante pesquisar dentro da Linguística”. Os autores criticam a referida “disputa”:
Pensar a língua somente sob o escopo formal, ou então, pensar a língua somente relacionada ao contexto de uso pode trazer um recorte nos estudos linguísticos. Essa disputa, por assim dizer, por espaço, nos parece ser deveras desnecessária para o estudo. De uma forma mais ampla, essas duas grandes concepções defendem posições distintas, não devendo haver, então, uma disputa por uma teoria que deva ser a correta. Todas, dentro do que se propõem a pesquisar, apresentam informações de grande importância para o estudo, dando um maior aprofundamento em dado aspecto.
Logo, todas as teorias linguísticas que surgiram ao longo dos tempos foram importantes para a evolução do estudo da linguagem e, falando metaforicamente, cada uma delas é uma espécie de peça de um grande quebra-cabeça que é o esforço por se compreender plenamente a comunicação verbal humana. As duas principais correntes ligadas à Análise Contrastiva, o Formalismo — cujas principais vertentes são o Estruturalismo e o Gerativismo — e o Funcionalismo, são, conforme afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 64), as de maior prestígio da Linguística Contemporânea.
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A pragmática é um ramo da Linguística. Estuda a linguagem, considerando a influência do contexto de uso.
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Não podemos deixar de explicar que os três modelos da Linguística Contrastiva também têm uma ligação com a gramática internalizada ou implícita. É esta gramática que promove o fenômeno da interferência linguística na aprendizagem da língua estrangeira. Vejamos com mais detalhes, nos próximos tópicos, os três modelos e as gramáticas ligadas a eles.
3.2.1. A Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou implícita
Carlos Franchi (1991, p. 54) define gramática internalizada ou implícita como sendo o “saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica”. O falante desenvolve e usa essa gramática de modo inconsciente. Esta reflete a competência do usuário para usar a língua para se comunicar; representa o seu nível de domínio da norma culta da língua. Celso Pedro Luft (2002, p. 16) chama este tipo de gramática de natural e esclarece:
Podemos então distinguir entre o sistema de sinais, comum a todos os falantes, e cada ato circunstanciado de comunicação. O sistema é coletivo, mas cada ato de comunicação é absolutamente individual. Assim, em comunicação, há código e mensagem; em linguagem: língua e fala. E, levado em conta o domínio individual do sistema coletivo por parte de cada falante, distingue-se ainda entre competência e desempenho, entre o saber e o atuar linguísticos, o saber-falar e o falar. São as clássicas distinções langue/parole, de Ferdinand de Saussure, e competence/performance, de Noam A. Chomsky.
Conforme Luft afirma acima, a gramática natural ou internalizada ou implícita está ligada à dicotomia competência e desempenho, introduzida por Chomsky nos estudos de Linguística. Nesse contexto, competência é a capacidade inata do ser humano de se comunicar através de um sistema de sinais vocais. Ela possibilita o desenvolvimento da gramática internalizada; desempenho refere-se à performance que cada um tem ao usar a língua; depende, portanto, da competência. Para Canale e Swain (1980, p. 3), a competência “corresponde ao conhecimento da gramática e outros aspectos da língua, enquanto o desempenho diz respeito ao uso real”.
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Luft (2002, p. 21) contrapõe a gramática natural à gramática artificial e afirma que “a segunda só vale enquanto reprodução, cópia da primeira”. É o registro da primeira, e esta, a natural, é considerada pelo autor como sendo a verdadeira gramática de uma língua:
A gramática dos falantes é sempre completa: sistema de “todas as regras” necessárias para se poder falar. Mesmo a criança de cinco ou seis anos já fala com desembaraço, e o mais humilde dos analfabetos, necessariamente dominam a gramática completa que preside seus atos da fala. Do contrário, não haveria como falar. Naturalmente, há variantes de gramática, conforme o grau de cultura ou nível sócio-cultural do falante; mas todas elas, mesmo a de nível mais baixo, são completas em si, dispõem de todos os elementos de que as pessoas necessitam para fazer frases e comunicar-se.
Segundo Luft, a gramática artificial tem duas grandes vertentes: a tradicional e a moderna. A tradicional tem herança greco-latina, e suas duas principais orientações são a gramática normativa e a descritiva. A gramática moderna é, nas palavras de Luft, “fruto dos progressos da ciência linguística”, resultado dos trabalhos de linguistas como Ferdinand de Saussure, Edward Sapir, Leonard Bloomfield e Luís Hjelmslev. O autor afirma que as vertentes principais da gramática moderna são a gramática estrutural e a transformacional. A gramática descritiva se ocupa, como vimos, de registrar e descrever cientificamente as variações de uma língua, levando em conta o seu uso real pelos falantes. Considerando a dicotomia de que tratamos no início deste tópico, podemos dizer que o foco da gramática descritiva é o desempenho dos falantes de uma dada língua. Mas, de acordo com Luft (2002, p. 21), “até hoje, nenhuma aceitação e codificação (no sentido de documentalizar para tornar oficial) ou reprodução fiel, completa, de nenhuma gramática natural foi conseguida. Isso quer dizer que a pessoa sabe mais da língua do que consegue falar ou escrever sobre ela”. A existência da gramática implícita pode ser constatada através de alguns fatos, entre os quais destacaremos dois. O primeiro é o fato de crianças que têm o português como língua materna dizerem, por exemplo, fazi (forma agramatical38), em lugar de fiz, e trazi (forma agramatical), em lugar de trouxe, quando estão aprendendo a falar. Elas demonstram que inconscientemente aplicam a regra de conjugação dos verbos regulares — regra esta já
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O termo agramatical refere-se a uma expressão ou a um enunciado inaceitável em uma determinada língua, por desrespeitar as regras da gramática normativa dessa língua.
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internalizada por elas — com verbos irregulares — cuja regra de conjugação desconhecem —, resultando no uso das formas agramaticais fazi e trazi. O segundo fato é a hipercorreção, que ocorre quando o falante comete um erro ao se expressar verbalmente, por tentar corrigir o que ele supõe estar errado na língua. É quando, por exemplo, alguém diz orinar (forma agramatical) em vez de urinar, ou quando diz adevogado (forma agramatical), ao invés de advogado. José Carlos de Azeredo (2010, p. 129) chama a gramática que estamos tratando de internalizada ou latente e explica: “A gramática latente corresponde ao conhecimento que cada usuário tem de uma língua específica qualquer — sua língua materna — e que o torna apto a produzir e compreender frases nessa língua”. Porém, a gramática internalizada não diz respeito só à língua materna. Quando começamos a aprender uma língua estrangeira, damos início ao processo de desenvolvimento de uma gramática internalizada dessa língua. Essa gramática implícita aparece quando usamos a língua estrangeira. Quanto à ideia de erro linguístico, ele só poderá ser considerado como tal se a gramática internalizada, ao se manifestar através do desempenho do falante com a língua materna ou estrangeira, for analisada sob a ótica da gramática normativa. Tratemos agora da ligação entre a Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou implícita. Como já afirmamos, o modelo de Análise Contrastiva não trabalha com a produção oral e escrita de aprendizes de língua estrangeira. Esse modelo não leva em conta nem a competência linguística desses aprendizes, nem o desempenho deles ao se comunicarem na língua estrangeira. É um modelo teórico por excelência, que busca produzir “em laboratório” uma gramática contrastiva de duas línguas, a materna e a estrangeira, visando a prever as possíveis dificuldades na aprendizagem da língua estrangeira, para saná-las. Logo, se esse modelo não trabalha com a competência dos alunos — pelo menos não diretamente —, então ele não trabalha com a gramática internalizada. Porém, é interessante notar que essa gramática promove o fenômeno da interferência linguística, o qual é apontado pelo modelo de Análise Contrastiva como principal causa dos erros cometidos na língua estrangeira pelos aprendizes. Na verdade, esse primeiro modelo da Linguística Contrastiva trabalha com a possibilidade da ocorrência de interferências linguísticas. Procura formar a gramática internalizada, eliminando essas interferências.
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Já os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua, que estão centrados no aluno, têm grande ligação com a gramática internalizada. Para conferirmos isso, observemos o seguinte silogismo: Se os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua trabalham com o desempenho dos aprendizes de língua estrangeira, e o referido desempenho reflete a gramática internalizada da língua estrangeira, então os dois modelos supracitados trabalham diretamente com essa gramática internalizada. Trata-se de raciocínio lógico. O modelo de Análise de Erros tenta desvendar a gramática internalizada dos aprendizes através da investigação dos erros sistemáticos cometidos na produção oral e escrita desses estudantes. O objetivo é acompanhar o andamento do processo de ensino-aprendizagem deles. Verificar quais estratégias eles usam consciente e inconscientemente para aprenderem a língua estrangeira. A partir da análise dos erros, os investigadores podem descobrir se as escolhas metodológicas são adequadas e devem continuar a serem seguidas ou se é necessário realizar mudanças ou ajustes metodológicos. Os erros são vistos, portanto, como instrumentos para a avaliação da aprendizagem. Porém, conforme vimos acima, não é possível obviamente desvendar toda a gramática internalizada da língua estrangeira, porque, como afirmou Luft (2002, p. 21), “a pessoa sabe mais da língua do que consegue falar ou escrever sobre ela”. Mas, assim mesmo, o modelo de Análise de Erros contribuiu para melhorar a metodologia de ensino de línguas. O modelo de Interlíngua também pode desvendar parte da gramática internalizada da língua estrangeira. Conforme já vimos no tópico 2.4.3, interlíngua é definida como um sistema linguístico não-nativo e temporário, criado e usado por um aprendiz de uma língua estrangeira, quando ele ainda não domina essa língua. Esse sistema fica entre a língua materna do seu usuário e a língua estrangeira que ele estuda. Geralmente tem traços tanto de uma quanto da outra. Marta Baralo (in LOBATO; GARGALLO, 2004, p. 373) conceitua interlíngua da seguinte forma:
[...] sistema independente de conhecimento do aprendiz de uma L2 ou uma LE. Este sistema linguístico interiorizado evolui, tornando-se cada vez mais complexo. O aprendiz possui intuições próprias deste sistema, que é diferente do da LM (embora se encontrem algumas semelhanças) e do da LO [língua oficial]; [...] cada aprendiz ou grupo de aprendizes possui, em um estágio da sua aprendizagem, um sistema específico. (tradução nossa)
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A Linguística Contrastiva, através do modelo de Interlíngua, faz investigação sobre a chamada estrutura psicológica latente, buscando identificar as estratégias psicolinguísticas envolvidas no processo de aprendizagem da LE. É muito variável a frequência com que a interlíngua se manifesta na produção oral e escrita do aprendiz de língua estrangeira. Tanto a interlíngua quanto a gramática internalizada evoluem, mas de modo diferente. À medida que o aprendiz vai avançando no estudo da LE e vai aumentando o seu nível de domínio da mesma, a gramática internalizada desta língua também aumenta, vai se igualando à gramática normativa dessa LE, e os episódios de interlíngua tendem, então, a ser raros e até a desaparecerem.
3.2.2. A Análise Contrastiva e a gramática descritiva contrastiva
Segundo Evanildo Bechara (1999, p. 52), a gramática descritiva é uma disciplina científica que registra e descreve um sistema linguístico em uso em todos os seus níveis — fonético-fonológico, morfossintático e lexical — e nas suas várias formas de expressão, sem se ocupar de estabelecer o que é certo ou errado em relação à norma culta, apenas identifica o que é gramatical e agramatical. Ataliba de Castilho (2010, p. 59) chama a atenção para a importância desse tipo de gramática: É muito importante entender que toda reflexão sobre a língua começa pela descrição das expressões. Ao mesmo tempo que descrevemos, vamos identificando os grandes processos linguísticos que se escondem por trás da multidão de dados. Sem a Gramática Descritiva, as teorias gerais sobre a língua não teriam avançado. Ela representa um marco não ultrapassável, qualquer que seja nosso interesse específico.
Bechara (ibid., p.52) afirma que a gramática descritiva “se reveste de várias formas segundo o que examina mediante uma metodologia empregada [...]: estrutural, funcional, contrastiva, distribucional, gerativa, transformacional, estratificacional, de dependências, de valências, de usos, etc.”. A gramática contrastiva, portanto, é um dos tipos de gramática descritiva. Aponta as diferenças e as semelhanças entre duas ou mais línguas, como resultado do trabalho de Análise Contrastiva.
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É importante destacar que a Análise Contrastiva e a gramática descritiva estão ligadas ao estudo sincrônico da língua. Como já vimos na página 32 desta tese, sincronia, em Linguística, refere-se ao conjunto de fatos da língua correspondentes a um dado momento do seu percurso histórico. Conforme afirma Ataliba de Castilho (2009, p. 43), para fins científicos, é necessário considerar a língua como um organismo estável e constante:
Para assegurar alguns resultados e conclusões, temos de considerar os dados em sua estatividade. O objeto empírico para ser adequadamente descrito deve ser idealizado, e até mesmo congelado por intermédio de algum artifício teórico, limitado em sua extensão, não importando se com isso ele acabe se divorciando do mundo real.
Esta é uma das afirmações que configuram uma ciência clássica. Ataliba de Castilho (ibid.) explica que a gramática descritiva é uma ciência clássica focada no estudo do enunciado linguístico, visto como um produto acabado. Esse tipo de gramática interpreta a língua como um conjunto ordenado de itens, uma estrutura homogênea, composta por signos39, que são identificados através dos contrastes que se estabelecem entre eles. Os signos são distribuídos por unidades, que por sua vez pertencem aos níveis fonológico, morfológico e gramatical. As unidades gramaticais atendem a uma hierarquia. Em ordem crescente, são as seguintes: o fonema, a sílaba, o morfema, a palavra, o sintagma e a sentença. Esta última também é chamada de frase, oração ou período (conjunto de orações). O fonema e a sílaba são estudados pela Fonologia; o morfema e a palavra são tratados pela Morfologia; e o sintagma e a senteça são estudados pela Sintaxe. A composição hierarquizada das unidades gramaticais forma a estrutura gramatical (AZEREDO, 2010, p. 139). Quanto aos procedimentos metodológicos da gramática descritiva, José Carlos de Azeredo (2010, p. 129) aponta os principais:
[...] se nosso objetivo é, por exemplo, descrever (isto é, explicitar por meios técnicos) certo uso da língua, precisamos de quatro coisas pelo menos: (a) delimitar um objeto de análise, (b) selecionar um corpus, (c) apoiar-nos numa teoria e (d) classificar as unidades e enunciar as regras de seu funcionamento.
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Conceito criado por Ferdinand de Saussure para designar o elemento, dotado de significante e significado, que representa algo que existe.
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A gramática descritiva tem como base teórica o Estruturalismo, que, como vimos na página 20 desta tese, originou-se com o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, obra publicada em 1916. O termo Estruturalismo “abrange diversas correntes de pensamento fundamentadas na ideia de que os fenômenos e fatos culturais podem ser analisados como estruturas, isto é, totalidades constituídas de elementos funcionalmente interligados” (ESTRUTURALISMO). Adotado pelas Ciências Humanas, o Estruturalismo gerou um método homônimo, extensamente utilizado para se analisarem línguas, culturas, filosofias e sociedades. O Estruturalismo Linguístico investiga as relações que se estabelecem entre as unidades linguísticas por meio de oposições ou contrastes. Cada unidade só tem valor e só pode ser definida a partir da sua relação com as demais unidades. O conjunto de relações é que forma a estrutura. O Estruturalismo é considerado uma corrente do Formalismo, pois faz análise da língua a partir das propriedades internas dela, sem considerar o contexto em que as estruturas linguísticas foram geradas. Dá ênfase, portanto, à forma e não ao conteúdo ou significado. Além do Estruturalismo, o Gerativismo é outra modalidade do Formalismo. Todas essas correntes estão ligadas ao Imanentismo, doutrina que concebe a língua como autônoma e que foca as relações internas da mesma. São teóricos formalistas Noam Chomsky, Leonard Bloomfield, Zellig Sabbetai Harris40, Celso Cunha e Lindley Cintra. Interessante notar que a Análise Contrastiva, em sua primeira versão, foi denominada forte, preditiva ou a priori, e o Formalismo também recebeu outras denominações, entre as quais, gramática a priori. Ataliba de Castilho (2010, p. 64) explica como os formalistas concebem, por exemplo, a sintaxe:
A Sintaxe Formal contextualiza a língua nela mesma, isto é, nas suas propriedades internas e nas relações que podem ser estabelecidas entre os constituintes e seus significados [...]. Ela compreende a Sintaxe Estrutural e a Sintaxe Gerativa [...]. Ambas deixam de lado as indagações sobre a criação das estruturas numa dada situação social, concentrando-se nas estruturas cristalizadas da língua. Os dois modelos se unem no silêncio gerado à volta do discurso, e se distinguem em que o estruturalismo postula a língua como uma estrutura composta de diferentes hierarquias, centralizadas na Fonologia,
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Zellig Sabbetai Harris (1909-1992) foi discípulo de Leonard Bloomfield; destacou-se como linguista sobretudo por seus trabalhos distribucionalistas. Fundou o primeiro departamento de Linguística dos Estados Unidos em 1946, na Universidade da Pensilvânia. Foi professor de importantes linguistas, como Noam Chomsky e Maurice Gross.
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enquanto o gerativismo postula a língua como uma atividade mental, em que se buscam princípios universais, sendo a sintaxe seu componente central.
De fato, o Formalismo aborda a Sintaxe de maneira muito limitada, desconsiderando o aspecto semântico e o discursivo, muito importantes para uma adequada compreensão do fenômeno linguístico. A Sintaxe será tratada com mais detalhes no capítulo 4 da tese.
3.2.3. A Análise Contrastiva e a gramática normativa
Como afirmamos no tópico 3.2 deste capítulo, o modelo de Análise Contrastiva tem uma finalidade científica e por isso está ligado à gramática descritiva; mas também tem uma finalidade pedagógica, que o liga à gramática normativa ou prescritiva. Esta gramática determina, através de um conjunto de regras, como uma dada língua deve ser usada, estabelecendo, assim, a língua padrão ou norma culta, que pode ser usada nos níveis de linguagem41 formal, informal ou coloquial e técnico, tanto na fala quanto na escrita. Qualquer produção linguística que infrinja as regras da gramática normativa configura erro para esta gramática. Existe um nível de linguagem, frequentemente identificado como nível inculto, cuja principal característica é o grande número de erros gramaticais na produção oral e escrita dos falantes. Esse é o nível de linguagem usado principalmente por pessoas que tiveram pouco ou nenhum acesso ao estudo da língua padrão e, por isso, não a dominam. Celso Pedro Luft (2002) fala a esse respeito:
[...] as várias camadas sociais espelham-se em camadas linguísticas (já que toda língua retrata as realidades humanas). A estratificação social determina uma correspondente estratificação linguística. [...] Toda estratificação sociolinguística é mais ou menos complexa. Mas, simplificando as coisas para o essencial que aqui interessa, podemos adotar a dicotomia nível culto / nível inculto, tomando por critério o fato cultural da leitura: os falantes que leem (escolarizados, etc.), de um lado, e de outro os que não leem, os analfabetos.
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Os chamados níveis de linguagem são maneiras diferentes de se comunicar através de um idioma, determinadas por fatores como nível instrucional, situação social e idade dos falantes.
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A gramática normativa privilegia a modalidade escrita da língua e se baseia em obras literárias consagradas e em textos formais, como os científicos. Sobre a língua padrão e a modalidade escrita da língua, Azeredo (2011, p. 131) afirma o seguinte:
Sua condição de modelo de uso faz da língua padrão uma referência idealmente homogênea, uma espécie de repertório que inclui usos de um espectro de tempo amplo e fatos que frequentemente conflitam com tendências da língua falada usual [...]. A língua padrão deve este perfil conservador a um poderoso aliado: a codificação escrita. Na história de todas as sociedades, a escrita atua como um instrumento de unidade política e intercâmbio cultural na medida em que garante a permanência da mensagem através do tempo e promove sua difusão no espaço.
A existência da gramática normativa é importante para unificar o idioma através da norma culta, difundindo a língua oficial de uma nação, dentro e fora do território desta. A falta de uma língua nacional põe em risco a existência da própria nação. Luiz Antônio Sacconi (1990) fala a esse respeito: “A norma culta, forma linguística que todo povo civilizado possui, é a que assegura a unidade da língua nacional. É justamente em nome dessa unidade, tão importante do ponto de vista político-cultural, que é ensinada nas escolas e difundida nas gramáticas”. A Itália viveu um drama em relação à sua língua nacional. Até o século XIX o italiano oficial era falado apenas pela minoria da população, aproximadamente 2,5% dos italianos. Havia diversos dialetos muito diferentes entre si, que dividiam o povo. Em 1861 havia um altíssimo índice de analfabetismo. Com a unificação política da Itália — ocorrida entre 1959 e 1970 —, inicia-se o processo de unificação linguística do país. Com muitos esforços do governo e do povo italiano, foi possível superar o problema linguístico. Contribuíram para isso a instrução obrigatória nas escolas, o serviço militar, realizando migrações internas, e a atuação da mídia, sobretudo da televisão no século XX (MAURO, 1993). Simone Fornara (2009, p. 109), na obra Breve storia della grammatica italiana, destaca a questão gramatical nesse cenário: “Depois da Unificação da Itália (1861), a produção gramatical sofreu um notável aumento, favorecido pela política de alfabetização empreendida pelo governo com o objetivo de difundir uma língua nacional” (tradução nossa). O autor refere-se à gramática normativa usada na difusão do italiano padrão. A gramática normativa modifica-se à medida que a língua, sendo um organismo vivo, modifica-se ao longo do tempo. As mudanças ocorrem sobretudo no léxico e no campo ortográfico.
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Conforme vimos no tópico 3.1 deste capítulo, segundo Azeredo (2010, p. 131), a gramática normativa é antes de tudo uma gramática descritiva, pois a prescrição de uma variação linguística depende da sua identificação através de uma descrição prévia. A Análise Contrastiva, portanto, se utiliza das gramáticas normativas das línguas em contraste para elaborar uma gramática descritiva contrastiva, que aponte semelhanças e diferenças entre essas línguas. Esse modelo da Linguística Contrastiva e a gramática normativa consideram o erro como um fator negativo no processo de ensino-aprendizagem de uma LE, devendo ser evitado. Todo o trabalho do modelo de Análise Contrastiva, que, lembramos, tem um caráter científico, tem o objetivo de evitar que aprendizes de línguas estrangeiras cometam erros durante o processo de aprendizagem destas. Esse modelo busca facilitar a aprendizagem evidenciando as diferenças entre as línguas e “alertando” sobre os riscos de se cometerem erros durante o uso de uma LE. Uma vez que erros sejam cometidos, a Análise Contrastiva não se ocupa em buscar meios para corrigi-los. Essa “tarefa” cabe à metodologia de ensino de línguas estrangeiras. Cursos norteados pela gramática normativa costumam utilizar métodos de base estruturalista.
3.2.4. A Análise de Erros e a Interlíngua e a gramática funcional
A gramática funcional está ligada ao Funcionalismo Linguístico, que é uma corrente linguística que estuda a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos em que elas são usadas. Para esta corrente, a língua é um instrumento de interação social e sua função primária é a comunicação, ou seja, a língua existe para o seu uso; sua estrutura é maleável e depende de situações comunicativas. Para estudar a língua é necessário levar em conta a variedade das suas funções e dos seus modos de realização. Entende-se por função uma tarefa atribuída a um elemento linguístico estrutural para se atingir um objetivo comunicativo. O Funcionalismo não considera a língua um objeto autônomo, pois, conforme afirma Maria Helena Moura Neves (2000, p. 03), esta “não pode ser entendida sem parâmetros como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução”. Este é um dos motivos pelos quais o Funcionalismo se opõe ao Estruturalismo e ao Gerativismo. Ataliba de Castilho (2010, p. 64) explica a visão funcionalista:
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A língua é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a competência comunicativa, isto é, a capacidade de manter a interação por meio da linguagem. Segue-se que as descrições das expressões linguísticas devem proporcionar pontos de contato com seu funcionamento em dadas situações. A Pragmática é um marco globalizador, dentro do qual se deve estudar a Semântica e a Sintaxe.
O autor esclarece (ibid., p. 66): “A pragmática é a moldura dentro da qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas. A semântica é dependente da pragmática, e as prioridades vão da pragmática para a sintaxe, via semântica”. A estrutura da língua depende tanto da semântica quanto da pragmática. O Funcionalismo privilegia o método sincrônico. Deve-se analisar todo o complexo de fenômenos que ocorrem simultaneamente durante um ato comunicativo para se chegar a conclusões sobre uma língua. Segundo Maria Helena Moura Neves (2000, p. 03), o propósito do evento da fala, seus participantes e o contexto discursivo são elementos importantes na análise da situação comunicativa. Sobre gramática funcional, Ataliba de Castilho (2010, p. 68) afirma o seguinte:
A Gramática Funcional procura correlacionar as classes, as relações e as funções com as situações sociais concretas em que elas foram geradas. Para situar a língua em seu contexto social, ela ultrapassa o limite da sentença e avança na análise de textos extensos. Esse ramo de estudos “desencapsulou” a língua de seus rígidos limites estruturalistas e gerativistas, estabelecendo correlações entre os fatos gramaticais e os dados da comunidade que os gerou. Pode-se dizer que a Gramática Funcional reage contra a “pasteurização” da língua sustentada pela atitude formalista, que postula a língua como uma atividade mental ou como um código.
O autor (2010, p. 66-67) esclarece que o Estruturalismo e o Prescritivismo postulam a língua como um fenômeno homogêneo, estudado pela Linguística enquanto ciência autônoma, isto é, sem ligação com outras ciências; o Funcionalismo, ao contrário, vê a língua como um fenômeno heterogêneo, porque, na sua realização concreta, através da interação social, ela é influenciada por muitos fatores extralinguísticos. Nesse caso, segundo o autor, a Linguística não pode mais ser considerada uma ciência autônoma, mas sim interdisciplinar, apoiando-se em disciplinas como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Semiologia, a Ciência Política, a História e a Filosofia.
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O surgimento do Funcionalismo foi consequência da limitação do Formalismo que, como afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 58), não foi capaz, por exemplo, de tratar a sentença de maneira satisfatória. A inclusão da sentença nas análises gramaticais tem sido muito trabalhosa. Como unidade gramatical máxima, a Gramática Estrutural encontrou aqui grandes dificuldades, dado que a sentença soma propriedades sintáticas, semânticas e discursivas, que ultrapassam os limites da gramática tal como postulada pelos estruturalistas.
Os métodos de ensino-aprendizagem de língua materna e estrangeira derivados do Formalismo privilegiam o estudo da gramática pura, sem se considerar o contexto comunicativo; esses métodos se mostraram ineficientes no trabalho de desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. A abordagem funcional foi desenvolvida para superar o Formalismo em relação à questão didática; leva em conta os contextos das situações comunicativas e parte da exploração dos sentidos presentes em textos orais e escritos, trabalhando melhor as competências discursivas dos alunos. Atribui à gramática um papel de coadjuvante na construção de significados para a interação. Ataliba de Castilho (ibid.) afirma que “há vários funcionalismos, preocupados sempre em dar conta dos usos linguísticos”. O movimento teve início na Europa em 1926, com uma corrente chamada Círculo Linguístico de Praga, de inspiração estruturalista, mas voltada para a incorporação de fatores extralinguísticos na análise gramatical. Os principais representantes dessa corrente foram Roman Jakobson, Nikolai Sergeyevich Trubetzkoi e André Martinet. O linguista russo Trubetzkoi, em especial, baseou-se em Saussure para estudar as funções dos sons nas línguas. Analisou as oposições fonéticas e a diferença entre som material e imaterial; defendeu uma separação clara entre fonética e fonologia, determinando que o objeto de atenção da primeira disciplina fosse o som enquanto fenômeno físico, e que o foco da fonologia fosse o som considerado nas suas funções. Nos Estados Unidos, o Funcionalismo destacou-se na década de 1960 com Dwight Bilinger e ganhou força com a publicação, em 1976, do texto The origins of syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives (As origens da sintaxe no discurso: um estudo de caso de
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parentescos Tok Pisin42), de Gillian Sankoff e Penelope Brown. Destacaram-se também Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón, que desenvolveram uma linguística baseada na observância da língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística. No final da década de 60, destacou-se também o linguista holandês Simon Cornelis Dik, considerado o responsável pelo desenvolvimento da teoria da gramática funcional. A escola funcionalista de Londres tem como maior representante Michael Alexander Kirkwood Halliday (chamado Mak Halliday). Na década de 50, este linguista começou a desenvolver o que ele chamou de gramática sistêmico-funcional, segundo a qual os componentes essenciais de significado na língua são componentes funcionais. A chamada Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) defende uma conexão direta entre elementos lexicogramaticais e contextos sociais. Halliday criou o termo lexicogramatical para indicar que léxico e gramática devem ser considerados juntos. Defendeu quatro categorias fundamentais para a teoria gramatical: unidade, estrutura, classe e sistema. Em relação às unidades da gramática, o linguista estabeleceu uma escala hierárquica de classificação diferente do que já havia sido feito até então com o Formalismo. As unidades definidas pelo linguista foram: sentença, oração, grupo/frase, palavra, morfema. A escala vai de uma unidade mais complexa, a sentença, para uma mais simples, o morfema. Segundo Halliday (1994), a estrutura linguística é a realização da estrutura social, e não simplesmente o reflexo desta. O linguista afirma o seguinte:
Se nós dissermos que a estrutura linguística “reflete” a estrutura social, nós realmente estaremos atribuindo à linguagem um papel passivo demais. Em vez disso, nós deveríamos dizer que a estrutura linguística é a realização da estrutura social, considerando-a ativa em um processo de criatividade mútua. Porque ela se destaca como uma metáfora para a sociedade, a linguagem tem a propriedade de não só transmitir a ordem social, mas também de mantê-la e modificá-la potencialmente. (tradução nossa)
Para Halliday, a linguagem é um sistema semiótico, no sentido de recurso sistêmico de sentido. Ataliba de Castilho (2010, p. 68) explica a postura dos funcionalistas e a proposta de Halliday: 42
Tok Pisin é uma língua crioula, ou seja, uma língua que deriva de um pidgin ou língua de contato, que é um sistema de comunicação verbal rudimentar, usado por pessoas que falam línguas diferentes e precisam se comunicar. É um idioma falado por cerca de dois milhões de pessoas, das quais quinhentos mil são nativas. Seu vocabulário é baseado na língua inglesa. É uma das línguas oficiais de Papua Nova Guiné, a oeste da Oceania.
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Os funcionalistas, com efeito, não escondem seu desgosto quando confrontados com as análises gramaticais que tomam sentenças descontextualizadas como matéria-prima para as reflexões. A esse respeito, Halliday (1974: 98 e ss.) propõe claramente uma mudança de enfoque, mediante a concentração da atenção nos usuários e nos usos da língua, valorizando o emissor, o receptor e a variação linguística no quadro da reflexão gramatical.
O modelo de análise linguística de Halliday, que segue a Linguística Funcional, tem sido aplicado às pesquisas sobre o inglês, o português e outras línguas. Segundo Ataliba de Castilho (ibid.), os funcionalistas desenvolveram várias reflexões sobre as funções da língua, para embasar a visão desta como atividade social. A formulação do linguista alemão Karl Bühler foi divulgada no Brasil através de Joaquim Mattoso Câmara Jr.. Bühler aponta três funções: a primeira é a representativa, cujo objetivo principal é informar, ordenar e representar a realidade circunstante, e que dá destaque ao assunto; a segunda função é a emotiva, através da qual o falante manifesta seus estados da alma; a terceira função é a apelativa, através da qual podemos influir no comportamento do interlocutor; esta função ressalta o ouvinte. De acordo com Bühler, cada língua natural codifica essas funções a seu modo. Já Halliday classificou as funções da língua da seguinte forma: 1) Ideacional ou reflexiva: a língua é usada como instrumento para se compreender o ambiente social e o íntimo de cada indivíduo. 2) Interpessoal ou ativa: a língua serve para que os membros de uma sociedade interajam entre si no meio social. 3) Textual: a língua serve para organizar o discurso, a mensagem.
Entre todos os funcionalistas que trataram das funções da linguagem, o russo Roman Osipovich Jakobson ocupa lugar de destaque. É considerado um dos maiores linguistas do século XX e foi pioneiro na análise estrutural da linguagem, abordando inclusive a arte poética. Realizou estudos sobre obras de escritores como Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e Bertolt Brecht. Jakobson revolucionou o campo da Linguística ao apresentar seis funções para a linguagem, com base em seis elementos comunicativos. Nas palavras de Jakobson (1987, p. 123):
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O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO, total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTATO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite, a ambos, a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente envolvidos na comunicação verbal podem ser esquematizados como segue: CONTEXTO REMETENTE
MENSAGEM ........................................
DESTINATÁRIO
CONTATO CÓDIGO
No Brasil, praticamente todos os manuais didáticos de língua portuguesa voltados para o Ensino Fundamental e Médio e as gramáticas da língua portuguesa que tratam dos elementos da comunicação e das funções da linguagem contemplam a teoria de Jakobson. As seis funções da linguagem estabelecidas pelo linguista foram:
1) referencial, informativa ou cognitiva: centrada no assunto ou referente, com foco na mensagem; o emissor se limita a informar; 2) emotiva ou expressiva: centrada no emissor da mensagem, veiculando seus sentimentos, emoções e julgamentos; 3) conativa ou apelativa: centrada no receptor da mensagem, visando a persuadi-lo de algo; 4) fática: centrada no contato, visa à manutenção da comunicação; 5) metalinguística: centrada no código; geralmente apresenta uma definição sobre algo; 6) poética: centrada na própria mensagem; é a linguagem dos textos artísticos.
No Brasil, os estudos funcionalistas surgiram na década de 50, mas ganharam expressão na década de 90. Segundo Maria Helena de Moura Neves (1999), da Universidade de São Paulo, os polos de investigação neste campo estão nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Entre os brasileiros pioneiros na área, Neves destaca Evanildo Bechara, na linha estruturalista-funcionalista de Eugenio Coseriu, Rafael Hoyos-Andrade, na linha de estudos
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sintáticos de André Martinet, e Rodolfo Ilari. Neves (1999) também inclui, entre os pioneiros, Ataliba de Castilho, que “sem invocar uma linha específica dentro do Funcionalismo, trabalha, entretanto, desde os primeiros estudos, dentro da consideração de uma interface entre a sintaxe, a semântica e a pragmática, visão que está na base de qualquer teoria funcionalista”. Vale comentarmos aqui a nossa experiência como professora de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Lecionando do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental desde 2008, temos participado do esforço da referida Rede por aplicar uma metodologia de ensino de Língua Portuguesa pautada na Linguística Funcional. Na obra Orientações Curriculares: Língua Portuguesa (RIO DE JANEIRO, 2010), encontramos a seguinte declaração:
As Orientações Curriculares de Língua Portuguesa no município do Rio de Janeiro fundamentam-se em teorias linguísticas que embasam o ensino de língua materna, buscando alternativas para além de uma visão prescritiva da língua portuguesa, considerando o ensino da língua como um processo de interação entre sujeitos. [...] Lendo e produzindo textos, o aluno será capaz de perceber a diversidade de atos verbais que a cada momento se atualizam. Assim, o ensino de língua materna deve estruturar-se, desde o início, em torno de textos, para que os alunos leiam e escrevam com autonomia, familiarizando-se com a diversidade de textos existentes na sociedade.
Em outro trecho da referida obra, afirma-se: “A base para o ensino da Língua Portuguesa em qualquer ano de escolarização serão os textos em suas múltiplas manifestações”. De fato, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro tem produzido e distribuído bimestralmente para os seus alunos cadernos pedagógicos de Língua Portuguesa — como também de outras matérias como Matemática e Ciências — que seguem, de um modo geral, a proposta funcionalista para ensino-aprendizagem da língua materna. Os referidos cadernos trazem, como conteúdo principal, textos de vários gêneros; os exercícios — praticamente todos voltados para esses textos — são sobretudo de compreensão e de exploração dos sentidos dos textos por meio dos seus elementos lexicogramaticais e contextuais; busca-se ainda, através dos exercícios, estabelecer uma ligação entre cada leitura e a vida dos discentes. Ainda na obra Orientações Curriculares: Língua Portuguesa (RIO DE JANEIRO, 2010), explica-se que as aulas de português devem dar destaque à prática da leitura, “concebendo-a como um processo de atribuição de sentidos que se dá a partir da interação entre o texto e o leitor,
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não sendo, portanto, mera decodificação de textos”. Essa prática deve retomar experiências e conhecimentos prévios dos alunos:
Assim, procurar pistas, formular hipóteses, aceitar ou descartar conclusões, utilizar estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico, textual e na sua vivência sociocultural, ou seja, em seu conhecimento de mundo, devem fazer parte da leitura. Para tanto, é preciso buscar novas formas de ensino, através de uma unidade básica: a diversidade textual.
Por fim, através de outro trecho da obra, é possível ratificarmos que atualmente as escolas municipais do Rio de Janeiro não privilegiam a gramática normativa:
[...] não se pode entender a reflexão sobre a língua como aulas pautadas na gramática normativa, considerando apenas duas alternativas: certo e errado. Tal concepção impõe à Língua Portuguesa um mito de unidade, valorizando a norma culta como única e desconsiderando as outras variantes. Do ponto de vista sociolinguístico, as variantes linguísticas não são classificadas em boas ou ruins, certas ou erradas, melhores ou piores, pois constituem sistemas linguísticos eficazes dadas as especificidades das práticas sociais e hábitos culturais das comunidades. Sendo assim, é papel fundamental da escola garantir a todos os seus alunos acesso à variante linguística padrão. Entretanto, é fundamental, também, o respeito à existência das diferentes variantes como prática essencial para o exercício da cidadania. [...] Dessa forma, o trabalho com a gramática deixa de ser constituído por “listas de exercícios” – reconhecer substantivos, adjetivos, pronomes; enumerar preposições; nomear; classificar; repetir – abrindo espaço, então, para que o aluno compreenda o conceito do que seja um bom texto, de como é organizado e de como suas ideias são tecidas, permitindo a integração com o leitor.
A Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro, responsável sobretudo pelo Ensino Médio regular, tem seguido praticamente a mesma linha pedagógica da Rede Municipal, pelo menos no que diz respeito ao ensino da língua materna. A gramática normativa cedeu lugar à gramática funcional não só no ensino-aprendizagem de língua materna, como também, no de língua estrangeira, sobretudo nos cursos de níveis intermediário e avançado. Cabe observar que, em cursos de idiomas em que se adote a gramática funcional, a abordagem comunicativa costuma ser adotada também por ser a mais coerente com a referida gramática. Essa abordagem foca a interação e as funções linguísticas e põe o ensino de paradigmas gramaticais em segundo plano.
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Continuemos a tratar, com mais detalhes, da gramática funcional ou funcionalista e, considerando o objetivo deste tópico, da sua relação com os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua. É importante lembrarmos que esses modelos são centrados no aprendiz de língua estrangeira e trabalham com a produção oral e escrita dele. A análise dessa produção leva em conta muitos fatores extralinguísticos, ligados sobretudo ao aprendiz e ao contexto de uso da LE. Esse já é um ponto de contato com a gramática funcional. Em relação ao aprendiz, alguns dos referidos fatores são: idade, nível de motivação para uso da LE, estado emocional e psicológico no momento da comunicação através da LE; o tipo de situação comunicativa é outro fator considerado na análise. Das gramáticas com finalidade pedagógica, consideramos a gramática funcional a mais coerente com as propostas dos dois referidos modelos da Linguística Contrastiva, por muitos pontos em comum, entre os quais destacamos os seguintes: Seguem o conceito de competência comunicativa; O erro não é considerado um fator negativo; Consideram fatores extralinguísticos na análise linguística; O ponto de vista é sincrônico; Defendem a influência dos aspectos culturais e contextuais durante o processo comunicativo.
A gramática funcional dá condição para se produzir o corpus para os estudos de Análise de Erros e de Interlíngua, porque estimula a produção oral e escrita espontânea dos alunos. O seu principal objetivo é desenvolver a competência discursiva deles, para que possam participar das situações de interação comunicativa com eficiência. Essa gramática investiga as relações existentes entre os recursos lexicogramaticais e a constituição semântica dos textos (DUTRA, 2011). Como já dissemos, o ponto de partida das aulas baseadas nessa gramática é sempre um texto. De acordo com Vânia Lúcia Rodrigues Dutra (2011, p. 4298)43, nesse tipo de trabalho, o aluno deve construir o sentido dos textos com base nos elementos que os compõem e os circundam. Deve analisar a materialidade deles, ou seja, a estrutura lexicogramatical, a diagramação, as imagens etc., e o contexto situacional e cultural em 43
Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Colégio Universitário da Universidade Federal Fluminense (COLUNI-UFF).
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que os mesmos estão inseridos. Sobre a associação entre gramática e texto, Vânia Lúcia Rodrigues Dutra (2011, p. 4299) afirma: É por conta dessa estreita relação entre os fatos gramaticais e a constituição dos textos que não se pode admitir estudar uma língua sem considerar sua gramática. Na perspectiva sistêmico-funcional, a gramática é um potencial para a construção de significados. É preciso, então, analisar, com os alunos, quais são os recursos que a língua oferece, por meio de sua lexicogramática, para realizar a sua função: a produção de significados para a interação.
Os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua, assim como a gramática funcional, priorizam a investigação da constituição semântica dos seus respectivos objetos de estudo. O modelo de Análise de Erros busca a interpretação dos erros dos aprendizes para otimizar o processo de aprendizagem da LE por parte dos mesmos. O modelo de Interlíngua interessa-se pelo que acontece na mente do aprendiz de LE, como ele processa os dados desta e com os quais tem contato e como os põe em prática. A preocupação primeira da gramática funcional não é evitar erros gramaticais, mas sim contribuir para que a interação linguística e o processo reflexivo se estabeleçam. Para esse tipo de gramática e para os dois modelos da Linguística Contrastiva tratados aqui, os erros são vistos como parte do processo de aprendizagem de uma língua, são, portanto, inevitáveis e úteis.
3.3. Nomenclaturas gramaticais Dedicamos este tópico à reflexão sobre nomenclatura44 ou terminologia gramatical, porque para realizarmos um estudo de análise contrastiva das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil — proposta desta tese —, tomamos por referência as nomenclaturas gramaticais oficiais destas línguas. Assim, tratamos primeiramente das origens da gramática e da sua terminologia, para, em seguida, verificar como esta se apresenta nos contextos brasileiro e italiano.
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Conjunto de termos técnicos de uma ciência ou de uma arte.
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3.3.1. Origem da gramática no Ocidente
Quando comparamos a nomenclatura gramatical da língua italiana com a da língua portuguesa, chegamos à conclusão de que estas são muito parecidas. Poderíamos pensar que isso se deve somente ao fato de se tratar de duas línguas irmãs, neolatinas ou românicas, originadas da evolução do latim vulgar. Porém, a semelhança na terminologia gramatical se deve principalmente à origem da gramática, ocorrida na Grécia Antiga. O termo “gramática” vem do grego grammatiké, que significa “letra”; combinado com tékhné, que significa “arte”; sua tradução seria, portanto, “a arte da letra, da palavra”. A expressão surgiu na Grécia entre os séculos V e IV a.C. e referia-se a um ramo da filosofia voltado para os estudos linguísticos. Atribuem-se três períodos ao desenvolvimento do estudo gramatical na Grécia Antiga: o primeiro é representado pelos filósofos pré-socráticos, pelos primeiros retóricos e finalmente por Sócrates, Platão e Aristóteles45; o segundo período foi o dos estoicos46; e o terceiro foi o dos alexandrinos (GURPILHARES, 2004). A questão linguística, nos dois primeiros períodos, tinha um caráter filosófico e não era estudada de modo independente, isto é, não constituía o foco central das reflexões dos filósofos. Apesar disso, ao longo desses três ciclos, houve disputas ideológicas a respeito da língua. Surgiu, por exemplo, a discussão sobre a relação entre forma e significado das palavras; os que defendiam a ideia de que essa relação era “natural”, foram chamados de naturalistas; já os que achavam que essa relação era “convencional”, denominaram-se convencionalistas. Houve ainda debate sobre a regularidade da língua por parte dos chamados analogistas e dos anomalistas47. A partir dos estoicos, a língua passou a ser estudada isoladamente, ou seja, tornou-se foco de estudos independentes, porém, continuava a receber uma abordagem filosófica. Os estoicos a concebiam como uma expressão do pensamento, das experiências sensoriais e intelectuais do homem. O terceiro período do desenvolvimento dos estudos gramaticais da Grécia Antiga foi representado pelos alexandrinos, filósofos que desenvolveram seus estudos na Alexandria, cidade
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O filósofo grego Sócrates viveu de 469 a 399 a.C. (séculos V e IV a.C.); Platão, que foi aluno de Sócrates, viveu de 428/427 a 348/347 a.C.; Aristóteles foi discípulo de Platão e viveu de 384 a 322 a.C.. 46 O estoicismo foi uma escola filosófica grega atuante do século III a.C. ao VI d.C.. 47 Não é nosso objetivo, neste tópico, tratarmos detalhadamente das correntes filosóficas da Grécia Antiga.
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que, no século III a.C., destacou-se como centro de estudos literários e linguísticos. Nesse período, os estudos sobre a língua tinham um caráter literário. Gurpilhares (2004) aponta dois motivos para isso: o primeiro era o desejo de divulgar os textos gregos clássicos, sobretudo a obra de Homero; e o segundo, era o objetivo de se preservar o grego clássico, considerado a “língua correta”. Foi a partir daí que surgiu a noção de certo e errado em relação à língua. Assim, a primeira gramática do ocidente foi escrita pelo alexandrino Dionísio Trácio no século II a.C., a partir de uma perspectiva filosófica. Intitulada Téchné grammatiké — traduzida como “A arte da gramática” —, a obra foi escrita em grego e é composta por quinze páginas, com vinte e cinco seções. Dionísio tratou da fonética e da morfologia; desenvolveu sistemas classificatórios e buscou fixar uma norma para a língua grega com base nos textos literários. Não tratou da sintaxe, porém as suas análises morfológicas serviram de modelo para as posteriores formulações sintáticas (OLIVEIRA, 2011). Na referida obra, Dionísio tratou apenas do grego; não há referência a outras línguas. De acordo com Bruno Fregni Bassetto (2004), o gramático grego era conhecedor de várias línguas, mas era um helenista, ou seja, um sábio voltado para o estudo de sua própria língua nas obras de tradição literária e filosófica. A definição de gramática apresentada por Dionísio é a seguinte: “conhecimento empírico daquilo que comumente é dito pelos poetas e pensadores” (BASSETTO, 2004). Era, portanto, um saber desenvolvido através de análises de textos poéticos e filosóficos. O referido autor grego tinha a preocupação de preservar a língua e a cultura gregas, pois, afinal, no passado, a Grécia já tinha enfrentado períodos de ameaça à sua existência. Um desses momentos foi a chamada Idade das Trevas, que teve início em 1200 a.C., com a invasão dos Dórios, estendendo-se até 800 a.C.. Foi uma época em que a Grécia viveu profundas crises sociais por causa das invasões que sofreu. Entre outros prejuízos que teve, perdeu seu comércio, teve muitos dos seus costumes alterados e o uso da sua escrita foi abandonado. O alfabeto grego só foi retomado no século VIII a.C.. Na época em que Dionísio escreveu a Téchné grammatiké, a Grécia estava sob o domínio romano48, e o período helenístico49, que promoveu a difusão da cultura grega e o desenvolvimento científico, chegava ao fim.
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A dominação romana na Grécia durou de 146 a.C. a 330 d.C. (século II a.C. a século IV d.C.). O termo helenismo vem do grego hellenizein, que significa “viver como os gregos” ou “falar grego corretamente”; foi o período compreendido entre a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., e o início da dominação romana na Grécia em 146 a.C.. Caracterizou-se pelo predomínio da cultura grega em um vasto território: do Mar Mediterrâneo Oriental à Ásia Central, abrangendo a Macedônia, a Síria e o Egito. 49
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O império romano foi o grande responsável pela difusão da gramática grega. Os romanos acolheram a teoria gramatical desenvolvida pelos gregos e a difundiram, traduzindo para o latim essa teoria, juntamente com a sua terminologia. De acordo com Neves (2001), a época helenística ajudou a produção de Dionísio, porque promovia o desenvolvimento de padrões a serem seguidos. A obra Téchné grammatiké serviu de base para as gramáticas de várias línguas, como por exemplo a latina. A primeira gramática latina foi escrita por Quintus Rhemmius Fannius Palaemon no século I d.C.. No século II d.C., o também alexandrino Apolônio Díscolo “completa” a gramática de Dionísio, dando atenção à Sintaxe. Díscolo, que escreveu amplamente sobre as partes do discurso, é considerado o fundador da gramática científica. Então, no Ocidente, a gramática tradicional originou-se da gramática grega; já a gramática moderna é resultado das pesquisas linguísticas. Bassetto (2004) afirma o seguinte a respeito da importância da herança filosófica que a gramática adquiriu:
A filosofia de Platão, de Aristóteles e dos estoicos forneceu a fundamentação lógica e terminológica para a divisão da frase em diferentes espécies de termos, para a fixação teórica dos casos nas declinações, das formas verbais sob ângulos aspectuais e para as relações lógicas entre as frases que compõem um período complexo. Assim se explica que grande número de termos filosóficos foi tomado pelos gramáticos para aplicá-los em suas definições e descrições.
Bassetto (2004) cita, como exemplo da referida herança, as noções fundamentais de sujeito e predicado. Também foram importantes para os estudos gramaticais as categorias de pensamentos descritas por Aristóteles, as quais foram denominadas, posteriormente, categorias gramaticais ou classes de palavras50. Segundo Bassetto (2004), “séculos de reflexão filosófica fixaram uma terminologia carregada de história, de conotações e matizes semânticos, da qual os estudiosos da língua lançaram mão para a fixação da metalinguagem indispensável a seus estudos”. Vale destacar que a primeira gramática da língua portuguesa foi escrita por Fernão de Oliveira e publicada em Lisboa em 1536 com o título de Grammatica da lingoagem portuguesa. Já a primeira gramática da língua italiana é atribuída a Leon Battista Alberti e intitulada La 50
De acordo com Gurpilhares (2004), as classes de palavras — assim como outras partes da gramática — foram sendo estabelecidas aos poucos, ao longo dos tempos, como resultado da contribuição de vários estudiosos de épocas diferentes.
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grammatichetta vaticana (A pequena gramática vaticana). Acredita-se que foi escrita entre 1437 e 1441; nas palavras de Fornara (2009, p. 33): “A obra de Alberti não só é a primeira gramática do italiano, como também é a primeira gramática de uma língua vulgar, em nível europeu”. Segundo Fornara, essa obra não foi publicada. A primeira publicação de uma gramática do italiano ocorre em 1561, com a obra Regole grammaticali della volgar lingua (Regras gramaticais da língua vulgar), da autoria de Giovanni Francesco Fortunio.
3.3.2. Nomenclatura Gramatical Brasileira
A Nomenclatura Gramatical Brasileira — ou simplesmente NGB — foi instituída em 1959. Foi elaborada a partir do Anteprojeto de simplificação e unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira, de autoria de uma comissão formada em 1958 por catedráticos do Colégio Pedro II, prestigiada instituição da Rede Federal de Ensino: Antenor Nascentes (presidente), Carlos Henrique da Rocha Lima (secretário), Clóvis do Rego Monteiro, Cândido Jucá (filho), Celso Ferreira da Cunha, Antônio José Chediak, Serafim da Silva Neto e Silvio Edmundo Elia (HENRIQUES, 2009). Os quatro primeiros membros citados eram os titulares da comissão; os três últimos membros eram assessores. A Nomenclatura foi concebida, porque, antes da sua adoção, o ensino da língua portuguesa no Brasil era caótico, devido à falta de padronização terminológica da norma gramatical, conforme explica Cláudio Moreno (2009):
A NGB, de 1958, representou um grande avanço no ensino do Português no Brasil. Antes dela, vivíamos numa verdadeira selva de terminologias; cada gramático de renome fazia questão de usar denominações próprias para as funções sintáticas, para as orações subordinadas, para as classes gramaticais, o que tornava quase impossível a homogeneidade no ensino gramatical.
Cláudio Cezar Henriques (2009, p. 15-16) cita um problema, envolvendo a terminologia gramatical, ocorrido em 1956, em um concurso para ingresso na então Faculdade Nacional de Odontologia da Universidade do Brasil (atual Faculdade de Odontologia da UFRJ). Uma das questões pedia a classificação sintática da palavra bom, na frase O bom brasileiro zela pelo
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progresso do Brasil. Hoje, é consenso se tratar de um adjunto adnominal, mas, na época, seria possível aceitar as seguintes classificações: adjunto atributivo, adjunto restritivo, adjunto limitativo, adjunto adjetivo, adjunto determinativo, adjunto demonstrativo, adjunto determinativo demonstrativo, complemento atributivo, complemento restritivo, complemento limitativo, complemento adjetivo, complemento qualificativo, complemento do nome não-preposicionado. São simplesmente 13 possibilidades de classificação para um único termo. Esse tipo de problema ocorria com muitos outros termos gramaticais. Isso complicava bastante a situação de estudantes, candidatos em concursos, bancas de língua portuguesa de concursos etc.. A adoção da NGB em 1959 pôs um fim nesse problema, porque fixou uma nomenclatura a ser usada pelos professores nas instituições de ensino de todo o território nacional. Cláudio Moreno (2009) cita algumas mudanças ocorridas:
[...] por exemplo, todos passaram a falar em objeto direto, e não mais em “complemento terminativo” ou “complemento relativo”, ou quejandos; os adjetivos ficaram restritos aos qualificativos, enquanto os demais (demonstrativos, indefinidos, etc.) passaram a ser classificados como tipos de pronomes, o antigo condicional ganhou o duvidoso nome de futuro do pretérito; e assim por diante.
A comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto de Simplificação e Unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira tinha de seguir a recomendação do então Ministro de Estado de Educação e Cultura, Clóvis Salgado da Gama, de adotar “uma terminologia simples, adequada e uniforme”; a mesma comissão estabeleceu as Normas Preliminares de Trabalho, entre as quais constava que cada elemento da terminologia selecionada deveria atender a um tríplice aspecto: “a) a exatidão científica do termo; b) a sua vulgarização internacional; c) a sua tradição na vida escolar brasileira” (HENRIQUES, 2009, p. 132). Vale destacarmos que o texto final aprovado e publicado pela portaria nº 36, de 28 de janeiro de 1959, não era o mesmo apresentado pela comissão como anteprojeto. Este continha 39 páginas; a redação final da Nomenclatura tem 19. Em vigor até hoje, a NGB, desde 1959, nunca sofreu reformulação. Isso representa um problema, conforme esclarece Moreno (2009):
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Ocorre que ela foi concebida com base nos conhecimentos de 1958 — quando ainda não funcionava regularmente, por exemplo, a cadeira de Linguística nos Cursos de Letras. Os gramáticos da comissão, embora de renome, eram de formação tradicional e obviamente imprimiram nessa nomenclatura as suas concepções pessoais, muitas vezes limitadas. O resultado é conhecido por qualquer professor de Português: os livros mais sérios estão cheios de notas de rodapé, [...] contestando aqui e ali a NGB, que precisa urgentemente ser revisada e reformulada, não só para adequá-la aos avanços registrados nos estudos da língua nesses últimos quarenta anos, como também para corrigir comezinhos erros de lógica, que tanto prejudicaram (e prejudicam ainda hoje!) o entendimento dos alunos.
Vejamos alguns exemplos de notas ou observações feitas por gramáticos sobre a NGB, ao tratarem de um determinado tópico gramatical. Luiz Antonio Sacconi, na sua obra Nossa gramática: teoria (1990, p. 328), ao tratar dos tipos de orações adverbiais, apresenta as “modais”, tecendo a seguinte observação: “A Nomenclatura Gramatical Brasileira não agasalha as orações modais. Prefere distribuí-las entre as conformativas, consecutivas e comparativas. Curiosamente, porém, admite a oração reduzida modal”. Celso Pedro Luft, na obra Moderna gramática brasileira (2002, p. 88), também apresenta essas mesmas orações com uma pequena observação entre parênteses: “faltam na NGB”. Já Evanildo Bechara, na Moderna gramática portuguesa (1999, p. 501), apresenta não somente as adverbiais modais, como também as adverbiais locativas, sem tecer nenhum comentário sobre a NGB; porém, nesta mesma obra, ao aprensentar o prefácio da 1ª edição (1961), Bechara (1999, p. 21) afirma o seguinte: “Seguimos a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Os termos que aqui se encontrarem e lá faltam, não se explicarão por discordância ou desrespeito; é que a NGB não tratou de todos os assuntos aqui ventilados”. Assim como Bechara, também nós seguiremos, nesta tese, a NGB, tecendo observações que considerarmos necessárias. Vale lembrar que o ponto de partida é a língua italiana. No trabalho de análise contrastiva, primeiro analisaremos os tipos de orações italianas e depois, tendo a Nomenclatura como referência, buscaremos possíveis correspondentes na língua portuguesa. A NGB adquiriu força de lei e a portaria que a instituiu, a de número 36, de 28 de janeiro de 1959, impediu, em um primeiro momento, um questionamento sobre o assunto. O importante era criar uma uniformidade para o ensino da língua portuguesa no Brasil, e isso foi alcançado, mas há muito tempo fala-se da necessidade de uma reformulação da NGB. Em relação à Sintaxe,
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por exemplo, os professores que a elaboraram reduziram muito as classificações das orações em português, a ponto de serem insuficientes para darem conta da necessidade existente. Há pelo menos uns 6 tipos não reconhecidos pela NGB, sobretudo entre as orações subordinadas adverbiais. Há inúmeras falhas em outras partes da Sintaxe da língua. Um exemplo do que se considera falha do documento diz respeito ao complemento nominal e ao adjunto adnominal, classificados como funções normais do sintagma, quando, na verdade, eles são elementos internos aos sintagmas, conforme explica Moreno (2009): “eles não aparecem quando dividimos uma frase qualquer em suas partes constituintes; [...] só vão aparecer quando dividirmos as próprias partes constituintes da frase”. Eles não têm, portanto, o mesmo valor de um objeto direto, um objeto indireto, um adjunto adverbial ou um predicativo, mas a NGB os apresenta como se tivessem esse mesmo valor. Segundo Moreno (2009) a reformulação da NGB ainda não aconteceu, por representar um problema político: “um documento desse tipo e desse alcance vai necessariamente tentar responder a uma pergunta crucial: qual é a descrição do Português que deve ser ensinada na escola?”. Para Moreno, o aprimoramento da atual NGB poderia ser feito a partir da criação de uma comissão composta por linguistas, gramáticos e professores de LP que estivessem atuando em sala de aula; a comissão elaboraria um projeto de reforma e este seria submetido “ao crivo de milhares de professores e especialistas”, através, por exemplo, de uma espécie de plebiscito na internet. Em relação às mudanças na NGB, Moreno (ibid.) sugere:
[...] a gramática a ser ensinada não precisa incorporar todos os avanços das pesquisas linguísticas (o que seria inviável e, sem dúvida alguma, completamente inadequado), nem cair naquelas inovações terminológicas que pululam nas teses de pós-graduação. Devemos aproveitar o máximo possível da nomenclatura tradicional, já consolidada na memória de incontáveis gerações, modificando-a apenas naqueles pontos em que a mudança vai facilitar, para o aluno, a compreensão do modelo da língua.
Na verdade, atualmente existem muitas propostas de reforma da NGB elaboradas e publicadas por especialistas e professores; em geral, são propostas sobre partes específicas da gramática. O importante a destacar é que parece ser consenso a necessidade urgente da referida reforma. Esperamos que o governo brasileiro a realize o quanto antes, sobretudo porque trata-se de um documento muito importante sobre a língua portuguesa enquanto idioma oficial do Brasil e
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porque trata-se também de uma valiosa referência para o meio científico. Achamos que uma nova Nomenclatura deve fazer juz à riqueza da língua portuguesa. O problema, porém, é que o atual cenário do ensino da língua portuguesa em instituições escolares de nível Fundamental e Médio no Brasil não favorece a reforma da NGB. Como já afirmamos no tópico anterior, o referido ensino não se pauta mais sobre a nomenclatura gramatical. A metodologia de ensino do português adotada atualmente está pautada na Linguística Funcional; a gramática trabalhada em sala de aula não é mais a normativa, que se apoia no estudo teórico da língua e da nomenclatura gramatical; hoje em dia, a base é a gramática funcional, que foca a constituição semântica dos textos. Os concursos realizados no Brasil que têm provas de português, como o Vestibular, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outros, privilegiam, em sua maioria, a gramática funcional. Como exemplo, citamos o trecho do edital do concurso da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro/Faetec (2011), para preenchimento de vagas em 2012, a respeito da prova objetiva de língua portuguesa:
a. Estruturada sobre o foco da leitura, terá como objetivo fundamental avaliar a capacidade de leitura, compreensão e interpretação de textos de linguagem verbal e visual, essenciais a todas as áreas e aos conteúdos adquiridos durante o processo de escolarização. b. Serão avaliadas, dentre outras, as seguintes habilidades: compreensão, análise e interpretação de textos, identificação de tema e tese de um texto, distinção entre fato e opinião acerca do fato, inferência, identificação de informações explícitas, inferência de informações implícitas, estabelecimento de relações entre partes de um texto e reconhecimento de diferentes formas de tratar a informação sobre o dado tema ou temas.
O trecho do edital vai ao encontro da situação atual do ensino do português em instituições escolares de níveis Fundamental e Médio. O foco recai sobre textos de vários gêneros e suas constituições semânticas. Cláudio Cezar Henriques (2009, p. 53) fala da situação dos concursos:
É insignificante — pelo menos do ponto de vista estatístico — a utilização da terminologia linguístico-gramatical nos exames realizados nos últimos dez anos. As bancas de língua portuguesa redimensionaram seus métodos de avaliação e passaram a privilegiar o entendimento e a produção de textos.
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Assim, conforme diz Aderlande Pereira Ferraz (apud HENRIQUES, 2009, p. 70): “[...] com cinquenta anos de vigência, não se discute mais a importância da NGB para uso escolar; o que se discute agora é a necessidade de sua atualização em face do evidente progresso dos estudos linguísticos, alcançados nas últimas décadas”. Destacamos o que diz Marcos Bagno (apud HENRIQUES, 2009, p. 99-100) a respeito do objetivo do ensino de língua na escola e da relação deste com a NGB:
[...] o grande objetivo do ensino de língua na escola é permitir que os aprendizes saibam usar de modo eficiente, criativo as tecnologias da leitura e da escrita, em consonância com as práticas da oralidade. Ora, para saber ler e escrever, é preciso ler e escrever, ler e escrever [sic], reler e reescrever, e isso nunca vai ser possível se continuarmos a desperdiçar milhares de horas preciosas de sala de aula com a decoreba da nomenclatura (qualquer que seja) e com a análise sintática e morfológica sem nenhuma relevância.
O autor explica que a reflexão sobre a linguagem e seu funcionamento também pode ser feita na escola, mas não em qualquer fase da escolaridade; deve ser feita nos níveis mais avançados, quando teoricamente os aprendizes já dominam a leitura e a escrita. Bagno esclarece: “assim como só se aprende química, física, biologia no ensino médio, a abordagem da língua como objeto de ciência também deveria ser deixada para essa fase do aprendizado”. Como este nosso trabalho é científico, gozamos de certa liberdade para fugirmos do que é oficial e propormos novos conceitos; concordamos com a opinião de Marcos Bagno (apud HENRIQUES, 2009, p. 99), quando este diz que “é preciso que todos os pesquisadores e teorizadores tenham ampla e total liberdade para cunhar novos termos e fixar novas definições para os fatos gramaticais que eles estudam”. Assim, nós não usaremos somente as classificações de orações coordenadas e subordinadas do português descritas pela NGB. Assumiremos, por exemplo, classificações que extrapolam a NGB, mas que já foram acolhidas por gramáticos brasileiros de prestígio, como Evanildo Bechara (1999, p. 501) — que tratou, por exemplo, das orações subordinadas adverbiais modais e locativas —, e proporemos outras classificações, partindo das que existem na língua italiana, porque o objetivo do nosso trabalho, como já dissemos, é, através do estudo de análise contrastiva, facilitar o conhecimento, a aprendizagem das orações coordenadas e subordinadas da língua italiana; esta é o nosso objeto principal de estudo.
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3.3.3. Nomenclatura Gramatical Italiana
Nosso principal objetivo, neste tópico, não é tratarmos a história da língua italiana, mas sim verificarmos se há, na Itália, um documento equivalente à Nomenclatura Gramatical Brasileira, a NGB, isto é, se há um documento nomenclator que unifique e padronize a nomenclatura gramatical italiana. Porém, é claro que a história da gramática tem ligação com a história da língua; esta segunda é matéria muito mais ampla, que abarca a primeira. Por isso, destacaremos aqui alguns pontos da história linguística da Itália que consideramos mais relevantes em relação ao objetivo deste tópico. Segundo Marazzini (apud FORNARA, 2009, p. 18), “a gramática não nasce antes das línguas e antes que as próprias línguas tenham expressado uma tradição literária” (tradução nossa). A esse respeito, Fornara (2009, p. 18) afirma o seguinte:
Na Itália, o nascimento da gramática está ligado indissoluvelmente à literatura e, em particular, à afirmação e ao sucesso dos três grandes escritores do século XIV, Dante, Petrarca e Boccaccio. O vulgar toscano, de fato, adquiriu dignidade literária justamente graças ao uso que esses autores fizeram dele. Tal situação determinou a exigência de fixar as regras sobre as quais a nova língua regia-se; esta foi a incumbência precípua dos primeiros gramáticos. (tradução nossa)
A Itália, antes da sua unificação política, ocorrida no século XIX, era dividida em diversos reinos, com línguas e dialetos próprios, que, em sua maioria, eram incompreensíveis entre si. Em 1848 começaram a surgir movimentos nacionalistas que almejavam a fusão dos Estados. Era o início do período chamado Risorgimento, marcado por guerras de independência que levaram à unificação política da Itália. Em 17 de março de 1861, Vítor Emanuel II, rei do Piemonte e da Sardenha, reuniu-se em Turim com representantes de outros Estados e assumiu o título de Rei da Itália. Reproduzimos a seguir mapas do processo de unificação (JANNUZZI, 2005):
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1) Os Estados italianos em 1859: em laranja, o Reino de Sardenha; em amarelo, o Reino das Duas Sicílias; em vermelho, os Estados Pontifícios; em azul, o Reino Lombardo-Vêneto; e em verde, o Grão-Ducado da Toscana e os Ducados de Parma e de Modena.
2) Em laranja, o Reino de Sardenha em 1860, depois da anexação da Lombardia, do Grão-Ducado da Toscana, dos Ducados Emilianos e da Romanha Pontifícia.
3) Em laranja, o Reino de Sardenha depois da Expedição dos Mil.
4) O Reino de Itália em 1866 depois da Terceira Guerra de Independência.
5) O Reino de Itália em 1870 depois da conquista de Roma.
6) O Reino de Itália em 1919 depois da Primeira Guerra Mundial.
7) O império italiano em 1940.
8) A República Italiana, em 1946.
Vale destacar que a unificação da Itália não foi resultado de movimentos populares, mas sim iniciativa dos poderes dominantes, conforme afirma Silvino Santin (2011): “Ninguém propôs plebiscitos, nem para a unificação, nem para a escolha da forma e do regime de governo. Tudo foi imposto de cima para baixo. Portanto, não poderia ser diferente com a língua”. Há muitos detalhes envolvendo essa questão política, mas não nos cabe abordá-los em detalhes aqui.
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Para se garantir a consolidação do Estado Italiano, era imprescindível a unificação linguística. Seria impossível governar sem uma língua oficial, porque esta faz parte da base organizacional e constitucional de qualquer nação. Em 1861, a situação linguística na Itália era dramática: apenas 2,5% da população usava a língua oficial; a maioria dos italianos era analfabeta. A necessidade de se estabelecer um idioma oficial na Itália e de fixar as regras deste, definindo uma norma, era uma questão muito antiga, que por séculos gerou discussões entre gramáticos, linguistas e escritores, devido a posicionamentos diferentes em relação ao assunto. A chamada Questione della língua representou o longo período em que se buscavam definir o italiano nacional e sua gramática, aproximadamente entre os séculos XIV e XIX. Foi praticamente uma disputa no âmbito literário, mas com caráter social. A obra considerada o marco do início da discussão sobre o tema é De Vulgari Eloquentia (Sobre a eloquência em vulgar), escrito entre 1303 e 1305 por Dante Alighieri; é um tratado em latim sobre linguagem, língua, composição e crítica literária, dirigido à elite cultural da época. Nessa obra, Dante foca a arte literária; defende o estabelecimento de uma língua vulgar ilustre, como norma para a língua escrita. Após uma análise crítica dos vulgares italianos, o autor conclui que o seu dialeto, o florentino, seria o mais adequado para uma língua literária única. Era intenção de Dante escrever quatro livros para a obra De Vulgari Eloquentia, mas só escreveu dois, e o segundo não foi concluído. No século XVI, Pietro Bembo se destaca ao propor o toscano como língua oficial. A sua obra Prose della volgar língua (Prosas da língua vulgar), publicada em 1525, dividida em 3 livros, influenciou decisivamente o estabelecimento da língua italiana. Bembo propõe, para a escrita de textos em poesia, a adoção do modelo de língua usado por Francesco Petrarca, e para os textos em prosa, tomar por modelo o dialeto usado por Giovanni Boccaccio. Em 1583, em Florença, ocorre a primeira assembleia oficial da Accademia della Crusca, que atualmente é a instituição cultural linguística de maior prestígio na Itália e a mais antiga academia deste gênero do país; reúne especialistas em linguística e filologia italiana. É ligada à Federação Europeia das Instituições Linguísticas Nacionais, cujo objetivo é proteger as línguas oficiais. Podemos dizer que é equivalente à Academia Brasileira de Letras. O século XVI foi marcado pela impressão, em 1516, da primeira gramática italiana, Regole grammaticali della volgar língua (Regras gramaticais da língua vulgar), escrita por
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Giovanni Francesco Fortunio. Foi um esforço para descrever as regras gramaticais que constituíam a base da língua usada por Dante, Petrarca e Boccaccio. O autor pretendia fazer a obra ser formada por cinco livros, mas só conseguiu escrever dois: um dedicado à morfologia, e outro, à ortografia. Na dedicatória dos livros, é possível verificar que o autor pretendia dedicar os outros três livros a questões lexicais, à Sintaxe e à Métrica. Segundo Fornara (2009, p. 72-73), o século XVII não foi profícuo em relação aos tratados gramaticais. Foi dominado pelo Vocabolario della Crusca. Em 1612, a Crusca elaborou e publicou o Vocabolario della língua italiana, considerado o primeiro grande dicionário de uma língua moderna; tanto que serviu de modelo lexicográfico para a língua francesa, a espanhola, a alemã e a inglesa. A Instituição realizou algumas revisões e reedições da obra. É importante destacar que a Accademia della Crusca começava, então, a exercer um papel normativo em relação à questão linguística italiana. Fornara (ibid.) afirma que no século XVII havia duas tendências dominantes em relação aos tratados gramaticais: a dos autores como Giacomo Pergamini, ligados à tradição, que recorriam a exemplos retirados dos autores canônicos, e a dos autores como Benedetto Buommattei, que tentavam equilibrar esquemas tradicionais e novas exigências, elaborando gramáticas a partir de uma postura dita ragionevole, ou seja, racional. Em relação ao século XVIII, o que há de mais relevante a se observar é que os tratados gramaticais aproximavam-se gradualmente da didática escolar. Neste século, o ensino da língua italiana teve início oficialmente nas escolas. Antes, somente a língua latina era ensinada; Fornara (ibid., p. 74, tradução nossa) explica:
Por este motivo, as gramáticas dos séculos XVI e XVII [...] eram substancialmente estranhas à escola, mesmo que, por vezes, tenham começado a revelar os primeiros sinais de uma intenção didática, referindo-se não só exclusivamente aos doutos, mas a um público mais vasto. No século XVIII, a intenção didática é evidente também no curso da chamada “gramática racional” (ou “fundamentada”), que tem o seu mais notávem expoente no padre somasco51 Francesco Soave.
No século XIX, a Questione della lingua teve a atenção de Alessandro Manzoni. Escritor da célebre obra I promessi sposi (Os noivos), Manzoni foi convidado a fazer parte de uma
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Membro de antiga ordem religiosa, o qual se propunha especialmente a educar e a instruir crianças.
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comissão para a unificação da língua e escreveu, em 1868, a pedido do então Ministro da Educação, Emilio Broglio, uma espécie de ensaio linguístico intitulado Dell’unità della língua e dei mezzi di diffonderla (Sobre a unidade da língua e os meios de difundi-la). Nesta obra, Manzoni apoia a adoção do florentino como língua nacional. Segundo Fornara (2009, p. 18, tradução nossa), “a sucessão das várias propostas e das diversas posições que os gramáticos assumiram ao longo dos séculos, a partir do século XV até os nossos dias, é precisamente o campo de investigação da história da gramática”. Como pudemos verificar, esta história não é formada somente por gramáticas propriamente ditas, mas também por tratados de vários tipos, como manuais de ortografia e de pronúncia. A gramática italiana, portanto, foi se estabelecendo aos poucos. A Sintaxe, por exemplo, se tornou uma das suas partes somente no século XIX, pois, por ser entendida como disposição das partes do discurso, até então só era tratada por disciplinas afins à gramática, como a Retórica. Em relação ao tipo de gramática predominante, Fornara (ibid., p. 19, tradução nossa) afirma o seguinte:
[...] pelo menos até o crescente interesse pela perspectiva histórica na segunda metade do século XIX e até as mais modernas realizações do século XX, a história da gramática é essencialmente história de gramáticas sincrônicas e normativas (ou prescritivas, isto é, que prescrevem, fixam determinadas regras) [...].
No século XIX, o caráter didático da gramática estava mais forte. Após a Unificação da Itália, proclamada em 1861, o Estado Italiano começou a investir maciçamente na difusão do italiano nacional. A esse respeito, Baldelli e Scivoletto (1979, p. 56, tradução nossa) afirmam o seguinte: A unidade política provocou grandes mudanças em toda a Itália; os efeitos de tais mudanças se fizeram sentir também na língua cada vez mais intensamente com o passar dos anos. Foi introduzida (em 1877) a instrução obrigatória de todas as crianças com mais de seis anos; os analfabetos, que eram cerca de 80% da população, começaram assim a reduzir-se [...].
Além da alfabetização em massa através da escola, muitos outros fatores contribuíram para a unificação linguística italiana. As migrações internas foram um fator importante. Muitas pessoas saíram das zonas rurais e foram para os centros urbanos, estimuladas pela crescente
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industrialização, que prometia melhoria de vida. Precisaram aprender o italiano comum. O serviço militar obrigatório também foi responsável pela difusão do italiano nacional; os soldados não serviam nos estados onde moravam, eram deslocados para outros estados, e só podiam se comunicar usando o italiano oficial; a comunicação através de dialetos era proibida. Os meios de comunicação, como a imprensa, o rádio, o cinema e, por fim, a televisão foram muito importantes também na difusão do italiano nacional. A Itália conseguiu não só a unificação linguística como também a redução drástica do analfabetismo. Em relação ao número atual de analfabetos no país, há divergência entre as instituições que se propõe a calculá-lo. Para a Università di Castel Sant’Angelo, da UNLA (Unione Nazionale per la Lotta contro l’Analfabetismo), que publicou em 2005 uma pesquisa sobre o tema, há na Itália aproximadamente 6 milhões de habitantes totalmente analfabetos. Esse número corresponde a 12% da população total do país. Já o Istituto Nazionale di Statistica, o Istat, (ISTAT, 2005), afirma que, em 200152, a Itália, com uma população de aproximadamente 53 milhões de habitantes, tinha 782.342 analfabetos53, correspondendo a cerca de 1% do total de pessoas. O Istat (2011, tradução nossa) apresenta o seguinte gráfico:
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Data da realização de censo da população da Itália. Esses dados se referem às pessoas com idade a partir dos 6 anos.
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Ao lado do gráfico, o Istat (ibid., tradução nossa) informa o seguinte: “Na Itália, no século XIX, o analfabetismo era muito disseminado, sobretudo entre as mulheres. Hoje está quase erradicado”. Hoje a população italiana é de mais ou menos 60 milhões de habitantes e as ações de combate ao analfabetismo continuam se desenvolvendo. O investimento maciço na difusão do italiano na Itália representou um impulso para o desenvolvimento da gramaticografia deste país. Fornara (2009, p. 109, tradução nossa) diz o seguinte a esse respeito: “[...] o século XIX revelou-se decisivo para o amadurecimento da gramaticografia italiana, que atingiu um nível de descrição e um método modernos, não muito diferentes daquele das gramáticas de hoje”. Assim, considerando o nosso principal objetivo neste tópico, verificamos que não há, na Itália, um documento equivalente à Nomenclatura Gramatical Brasileira, a NGB. Porém, existe uma padronização da nomenclatura gramatical italiana, alcançada de forma diferente — em relação ao Brasil — e cuja manutenção é feita pela Accademia della Crusca. É preciso destacar que, no campo do desenvolvimento linguístico e gramatical, Itália e Brasil têm histórias muito distintas. Como vimos no tópico anterior, a elaboração da NGB foi necessária, porque a falta de padronização terminológica da norma gramatical do português do Brasil gerava caos. Com a NGB, resolveu-se esse problema, mas simplificou-se demais a terminologia, gerando outro problema. Na Itália, o principal desafio linguístico era a definição da língua nacional e a sua difusão. Não houve grandes polêmicas na elaboração e no estabelecimento da nomenclatura gramatical italiana. Na história da gramática italiana, houve momentos de debates entre especialistas, escritores, poetas, mas, em relação à terminologia, predominava a concordância entre eles. Ao longo dos anos, algumas gramáticas se destacaram e serviram de modelos para outras. O que já tinha sido estabelecido como nomenclatura por gramáticos de prestígio, simplesmente era reproduzido nas gramáticas subsequentes. À medida que ocorria o desenvolvimento científico na área linguística, novas gramáticas eram publicadas, e a gramaticografia se enriquecia e evoluía. Fornara (ibid, p. 100, tradução nossa) descreve um exemplo de inovação ocorrida na história gramatical italiana, quando Raffaello Fornaciari escreve as obras complementares Grammatica e Sintassi dell’uso moderno, publicadas respectivamente em 1879 e em 1881:
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Fornaciari coloca em prática um método mais moderno do que o dos seus antecessores [...], manifesta uma consciência da evolução histórica da língua italiana que não tem precedentes nas gramáticas [...]. Fornaciari declara assumir conscientemente uma atitude mais objetiva e científica, não alterando, entretanto, nem a ordem seguida pelas gramáticas precedentes, nem a terminologia utilizada nelas.
Como podemos verificar na citação acima, Fornaciari é um exemplo de autor que inovou, mas sem alterar a terminologia gramatical já existente; na verdade, o autor aperfeiçoou a descrição gramatical, apresentando, por exemplo, uma classificação cuidadosa das orações, conforme explica Fornara (2009, p. 102, tradução nossa):
[...] ele [Fornaciari] não fica só no uso e na concordância das partes individuais do discurso ‒ matéria que já encontramos nos poucos gramáticos que se interessaram, antes dele, por questões sintáticas ‒, mas estende o questionamento à sintaxe e à análise da oração e do período, fornecendo também uma classificação das orações. Fornaciari não esquece de prestar atenção ao uso dos sinais de pontuação para delimitar e distinguir vários tipos de orações [...].
Segundo Fornara (ibid.), as duas obras citadas de Fornaciari obtiveram grande sucesso e foram muito utilizadas, nas formas compendiadas, pelas escolas de Ensino Fundamental e Médio italianas até pelo menos a primeira metade do século XX. Nesta tese, usamos cinco gramáticas italianas diferentes entre si para constituirmos o nosso corpus e pudemos verificar que seus autores usaram, no geral, a mesma nomenclatura gramatical na descrição do período composto italiano. Há certa diferença em relação à apresentação dos tipos de orações: umas apresentam mais tipos que outras. Mas as orações em comum recebem todas as mesmas denominações. As gramáticas são as seguintes:
1) Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003); 2) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999); 3) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994). 4) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994); 5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974).
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No capítulo 5, que trata da metodologia usada nesta pesquisa, apresentamos uma descrição das obras acima; identificamos suas propostas metodológicas, seu público-alvo e outras características suas, além de explicarmos por que as escolhemos.
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4. SINTAXE E SEMÂNTICA
4.1. Sintaxe
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004), a palavra sintaxe vem do grego syntaxis, que significa “ordem, disposição”. Nessa obra, encontramos o seguinte conceito para o termo: “Parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e das frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si e a correta construção gramatical”. Ataliba de Castilho (2010, p. 144) define Sintaxe como sendo “o estudo das estruturas sintagmáticas e sentenciais”. É esta seção gramatical que trata das orações coordenadas e subordinadas, foco da nossa investigação. A origem grega do termo sintaxe é devido ao fato de as primeiras discussões dialéticas sobre a linguagem terem partido da Grécia Antiga, como vimos no capítulo anterior. O filósofo grego Platão é considerado o primeiro pensador a estabelecer uma diferença entre o que hoje entendemos por sintagma nominal e sintagma verbal, os quais ele chamou respectivamente de onoma e de rhema. Este princípio definiu a estrutura sintática fundamental formada por sujeito e predicado. Aristóteles, discípulo de Platão, acolheu a teoria de seu mestre e deu continuidade aos estudos linguísticos, a seu modo. Ele deu início ao desenvolvimento de uma sistematização do conhecimento gramatical. No século XIX, o matemático e filósofo alemão Friedrich Ludwig Gottlob Frege critica a teoria aristotélica e propõe a divisão da frase em função e argumento — uma oposição matemática —, dando origem à lógica formal contemporânea. A Sintaxe foi apresentada como parte da gramática pela primeira vez com Apolônio Díscolo, no século II d. C.. Ao longo dos tempos, foi sendo tratada com maior ou menor relevância pelos estudiosos da linguagem, até conquistar o estatuto de disciplina autônoma. Alguns estudiosos da Sintaxe, como Port Royal e Noam Chomsky, ao focalizarem aspectos distintos do fenômeno sintático, originaram diferentes tipos de abordagens para o seu estudo. Assim, destacaremos resumidamente quatro importantes tipos: a Sintaxe Psicológica, a Estrutural, a Transformacional e a Funcional.
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A Sintaxe Psicológica dedica-se a uma teoria da oração, buscando compreender sua natureza e composição para estabelecer uma taxionomia das partes do discurso. Apoia-se nas intenções de comunicação do falante, fator externo ao sistema linguístico. A Sintaxe Estrutural busca compreender a natureza das relações sintáticas, a partir da estrutura interna da oração. Estuda os sintagmas, a partir da combinação dos fonemas. Seu princípio fundamental é o da análise ou segmentação, pois busca desenvolver técnicas de segmentação do enunciado, para chegar a modelos de descrição, a partir de generalizações indutivas. Ataliba de Castilho (2010, p. 58) afirma o seguinte a respeito do Estruturalismo:
A inclusão da sentença nas análises gramaticais tem sido muito trabalhosa. Como unidade gramatical máxima, a Gramática Estrutural encontrou aqui grandes dificuldades, dado que a sentença soma propriedades sintáticas, semânticas e discursivas, que ultrapassam os limites da gramática tal como postulada pelos estruturalistas.
A Sintaxe Transformacional busca construir uma teoria da linguagem que seja capaz de explicar as manifestações do comportamento linguístico dos falantes nativos de uma língua. É uma teoria que tenta demonstrar como os falantes são capazes de associar uma significação a uma cadeia de sons. Como teoria, seu grau de objetividade e de generalidade é o mais avançado possível, por isso utiliza o método dedutivo. Para o Funcionalismo, a sintaxe não é autônoma, porque está ligada a aspectos semânticos e pragmáticos da linguagem. A estrutura da língua tem base sócio-cognitiva, por isso, a compreensão do fenômeno sintático está condicionada ao estudo da língua em uso, ou seja, ao seu estudo em seus contextos discursivos específicos, nos quais a gramática é contituída (CUNHA, 2003, p. 24). Evanildo Bechara (1999, p. 54) destaca a importância da Sintaxe enquanto parte da gramática normativa: A parte central da gramática pura é a morfossintaxe, também com menos rigor estudada como dois domínios relativamente autônomos: a morfologia (estudo da palavra e suas “formas”) e a sintaxe (estudo das combinações materiais e funções sintáticas). Ocorre que, a rigor, tudo na língua se refere sempre a combinações de “formas”, ainda que seja combinação com zero ou ausência de “forma”; assim, toda essa pura gramática é na realidade sintaxe, já que a própria oração não deixa de ser uma “forma” (na lição tradicional, ela não pertence ao domínio da morfologia).
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Entre as décadas de 30 e 60 do século XX, a Fonologia e a Morfologia eram o centro das atenções das pesquisas estruturalistas. Depois desse período, a Sintaxe passou a ser mais investigada, conforme afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 45): A “explosão” da Sintaxe ocorreu quando as pesquisas foram orientadas para o entendimento da língua como uma atividade mental, regulada por princípios deduzidos do enunciado (Gramática Gerativa), ou como uma atividade social, regulada por princípios da enunciação, vale dizer, dos usos (Gramática Funcionalista).
De acordo com a NGB (2009, p. 162), a sintaxe do português do Brasil tem as seguintes divisões: sintaxe de concordância nominal e verbal; de regência; e de colocação; há a parte de análise sintática da oração e a do período.
4.2. Semântica
O termo semântica vem do grego semantikós (sema, signo, sinal). É a ciência que estuda o significado, em todos os sentidos do termo. Seu campo investigativo é bastante amplo, abarcando tanto a linguagem humana quanto, por exemplo, a de softwares. A Semântica Linguística é parte da Semiótica, que é a ciência que estuda o sistema de signos verbais e não-verbais das línguas naturais. Neste caso, ela analisa a relação entre signo e referente sem considerar as implicações sociológicas e psicológicas da linguagem (ZINGARELLI, 1995). Estuda a relação de significação nos signos e a representação do sentido dos enunciados. O signo linguístico — a palavra — possui dois aspectos inseparáveis: um material e outro imaterial. O aspecto material são os sons da fala e as letras, na escrita. O aspecto imaterial é o significado da palavra. Muitos linguistas, como Saussure, Pierce, Hjelmslev, Guiraud, Greimas, Barthes, Borba, Bakhtin, Fillmore e Vigotsky, dedicaram-se ao estudo do signo linguístico e suas significações. No âmbito das investigações sobre significação das palavras e de suas relações, a Semântica trata de fenômenos como sinonímia, antonímia, homonímia, paronímia, polissemia; denotação e conotação; figuras e vícios de linguagem. O estudo do significado pode ser feito a
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partir de ângulos diferentes, por isso a Semântica, enquanto disciplina, possui vários ramos: Textual, Cognitiva, Lexical, Argumentativa, Discursiva etc.. A Semântica Frásica, por exemplo, é considerada um ramo da Linguística Descritiva e trata do conteúdo proposicional das frases. Irène Tamba-Mecz (2006, p. 8-9) destaca duas vertentes da Semântica: [...] a estruturação linguística do sentido sugere dois tipos de abordagens semânticas das línguas: uma, voltada para a compreensão e a formulação das significações no quadro da “palavra” e da “frase”; a outra, exclusivamente interpretativa, busca os dispositivos linguísticos de encadeamento, de progressão e de coerência, que permitem compreender enunciados sequenciais.
Como vimos no tópico 3.3.1 desta tese, a preocupação com a linguagem, com a significação e com a interpretação dos signos linguísticos é manifestada desde pelo menos o século V a.C. com os filósofos gregos. Mas o termo semântica foi usado pela primeira vez somente em 1883, no artigo As leis intelectuais da linguagem: fragmento semântico, de Michael Bréal, para designar uma “ciência da significação”. Em 1897, este autor francês publicou a obra Ensaio de semântica (ciência das significações). Na época, pretendia-se criar uma ciência que estudasse as mudanças de sentido das palavras. A ideia era identificar os mecanismos reguladores dessas mudanças, através de um estudo diacrônico. A investigação era restrita ao léxico, porém, posteriormente percebeu-se que as significações linguísticas extrapolavam os limites das palavras. Então, a partir de 1930, a abordagem histórica começou a ser substituída pela investigação sincrônica e pela abordagem estruturalista, que se baseava em princípios saussurianos e focava os enunciados linguísticos. Nos anos 60, surge a chamada Semântica Estrutural, baseada na dupla articulação da linguagem: plano do conteúdo e plano da expressão. A proposta era realizar análise dos morfemas, decompondo-os em unidades menores, chamadas de semas ou traços semânticos. Assim, atribuem-se três períodos à história da Semântica: o evolucionista; o misto; e o período das teorias formalizadas. O evolucionista aconteceu de 1883 a 1931 e foi chamado assim, porque, nessa época, estava em evidência o Evolucionismo, através dos estudos desenvolvidos pelo cientista inglês Charles Robert Darwin54, no campo das ciências naturais, e pelo filósofo 54
Charles Robert Darwin (1809-1882) publicou, em 1859, a sua obra On the origin of species by means of natural selection or the preservation of favoured races in the struggle for life, identificada em português simplesmente como A origem das espécies. Trata-se de uma obra revolucionária, em que Darwin defende a ideia de que as espécies evoluem a partir de um ancestral comum, através da chamada seleção natural. A teoria evolucionista de Darwin influenciou inúmeros campos de estudo.
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também inglês Herbert Spencer55, no campo da Sociologia. Assim, o período evolucionista se apoiava em três princípios: 1) o objeto de estudo da Semântica é a evolução das significações das palavras; 2) leis gerais norteiam a referida evolução; 3) depreendem-se as referidas leis gerais através da observação dos fatos de sentido.
Na época desse primeiro período de desenvolvimento da Semântica como ciência autônoma, havia a preocupação em se estabelecer seu domínio e seu objeto de investigação. Teve como principais representantes Michael Bréal e Hermann Paul. Bréal, considerado o fundador da Semântica Moderna, estudou cientificamente a multiplicação de significado das palavras, chamando esse fenômeno de polissemia. Hermann Paul deu atenção especial à mutação semântica das palavras; defendeu a ideia de que as palavras têm uma significação usual e uma significação ocasional. O segundo período de desenvolvimento da Semântica, chamado misto, foi de 1931 a 1963 e caracterizou-se pela coexistência de estudos evolucionistas remanescentes e estudos sincrônicos, sobre a estruturação léxica. Este último tipo de estudo se desenvolveu por influência do estruturalismo saussuriano. Propunha analisar a língua como um sistema em si mesmo; a significação deixa de ser considerada somente como propriedade inerente às palavras e passa a ser estudada a partir das relações internas no sistema linguístico. Apresenta-se a noção de léxico como sendo um conjunto de unidades lexicais, o qual deveria ser estudado sob o aspecto sincrônico; por isso se fala em Semântica Sincrônica ou Lexicologia. Os semanticistas desse segundo período revelaram que o léxico se estrutura em multiestruturas independentes ou campos. Esse princípio levou à formação de duas correntes europeias: a dos campos semânticos e a da análise sêmica. A primeira corrente citada foi iniciada por Gunther Ipsen e desenvolvida por Jost Trier; nela defende-se que o léxico compõe-se de campos, os quais são unidades de conceito que permitem identificar as relações de sentido das palavras. Articula-se um campo conceitual ou associativo a um campo lexical. A segunda corrente — a teoria da análise sêmica — analisa o léxico a partir de seus elementos distintivos, que, como já afirmamos, são chamados de semas. 55
Herbert Spencer (1820-1903) foi um profundo admirador de Charles Darwin; procurou aplicar as ideias do Evolucionismo do célebre naturalista ao campo da Sociologia, por isso, é considerado o Pai do chamado Darwinismo Social.
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Dois representantes desse segundo período são Stephen Ullmann e Pierre Guiraud. Segundo este último, a Semântica tem sido instrumento de investigação não só da Linguística, mas também de outras ciências, como a Psicologia e a Lógica. O terceiro período é o das teorias linguísticas e do tratamento informático e teve início em 1963 com a Semântica Formal, desenvolvida com base na gramática gerativa de Noam Chomsky. Os estudos de gramática gerativa eram autônomos e formais e não consideravam o componente semântico. Em 1965, Chomsky reformula sua teoria e concebe a gramática gerativotransformacional, dando atenção não só ao aspecto sintático do enunciado, como também ao aspecto semântico-interpretativo. Passava-se de uma semântica lexical para uma semântica da frase. As significações conceituais dão lugar às significações relacionais, em que se combinam significados estruturais e lexicais. A visão diacrônica é excluída, prevalecendo a sincrônica. Chomsky defendia que uma teoria linguística deveria atualizar a gramática universal. Esta é concebida como inata e capaz de explicar a competência linguística humana e a aprendizagem natural das línguas. Desenvolvem-se, então, estudos ligando a Semântica à cognição. Houve, ainda neste terceiro período, as teorias pragmático-enunciativas da significação, com destaque para três correntes: a pragmática lógica; o pragmatismo dos atos de linguagem; e a semântica enunciativa. De acordo com Ataliba de Castilho (2010, p. 122), destacam-se atualmente três campos de estudo em Semântica — os quais esse linguista afirma serem “de difícil delimitação”:
[...] a Semântica Léxica, que trata dos sentidos contidos nas palavras, a Semântica Gramatical ou composicional, que trata dos significados contidos nas construções, e a Semântica Pragmática, que trata das significações geradas no “intervalo” que medeia entre os locutores e os signos linguísticos. [...] Nesse intervalo, surgem significados não contidos nas palavras nem nas construções gramaticais. Tento caracterizar essas áreas especificando os respectivos objetos empíricos através dos termos sentido, significado e significação.
Castilho (ibid.) esclarece que sentidos, significados e significações “são conceitos complexos, que ocorrem simultaneamente”. Linguistas como Jeffrey Gruber, Charles Fillmore e Ray Jackendoff desenvolveram estudos recentes sobre a relação entre funções semânticas e sintaxe. Segundo esses linguistas, as tradicionais funções sintáticas não são suficientes para explicar certas relações estabelecidas entre algumas sentenças. Eles observaram, por exemplo, que frases muito parecidas estruturalmente
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por vezes divergiam semanticamente; e frases cujas estruturas eram muito diferentes expressavam o mesmo sentido. Para resolver questões como essas, foi desenvolvida a teoria dos papéis temáticos. Estes são as funções semânticas atribuídas aos argumentos de um predicador. Quando esse predicador é, por exemplo, um verbo — este é um atribuidor por excelência —, papéis temáticos são atribuídos por ele ao sujeito e aos complementos desse verbo em uma dada sentença (CANÇADO, 2009, p. 112). Alguns papéis temáticos são: agente, paciente, tema, experienciador, locativo, causa, origem, destino, alvo, fonte. Analisemos alguns exemplos típicos.
Sentença 1: O João quebrou o vaso. Sentença 2: O vaso quebrou. Sentença 3: O vaso foi quebrado por João.
Ao compararmos as três sentenças, verificamos que as três expressam um único evento de maneiras diferentes. Temos o verbo quebrar como atribuidor dos papéis temáticos; seus argumentos são (o) João e o vaso. As funções sintáticas dos argumentos mudam de frase para frase, mas as funções semânticas não; isso leva à conclusão de que há, nesses exemplos, uma relação de dependência semântica entre o verbo quebrar e seus argumentos. Nas três sentenças, o vaso exerce o papel temático de paciente da ação; sintaticamente, esse argumento é objeto direto na sentença 1, e sujeito nas sentenças 2 e 3. Já o argumento (o) João é agente tanto na primeira quanto na terceira sentença; sintaticamente essa expressão é sujeito na primeira frase, e é agente da passiva na segunda. Através desses exemplos, podemos perceber que a Sintaxe não é capaz de indicar a dependência de sentido que pode se estabelecer entre um verbo e seus argumentos; por isso, desenvolveu-se a teoria dos papéis temáticos; o problema é que não há consenso entre os semanticistas sobre quantos e quais papéis temáticos precisam existir. Diferentes linguistas já propuseram listas bastante extensas desses papéis. Outras teorias semânticas vêm sendo desenvolvidas para se entender as relações de significado linguístico. Recebeu bastante destaque a teoria dos frames, desenvolvida pelo linguista americano Charles Fillmore, considerado um dos fundadores da Linguística Cognitiva. Um frame é um sistema de categorias estruturado com base em uma motivação contextual. Em
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termos práticos, a proposta do referido linguista é a de agrupar as palavras segundo a semelhança de significado entre elas e criar papéis temáticos para cada grupo formado. Essa teoria de Fillmore é proveniente de uma semântica empírica e não da formal. É interessante destacar que, de acordo com Fillmore, as palavras representam a categorização de nossas experiências. Cada categoria se realiza a partir de uma motivação situacional. Acredita-se que a teoria dos frames semânticos seja uma importante contribuição para se compreender, por exemplo, os motivos que levam falantes de uma determinada língua a criarem categorias e palavras que as representem. No próximo tópico, verificaremos a importância da Semântica para o estudo da sintaxe do período composto, foco gramatical desta tese.
4.3. Relação entre sintaxe do período composto e Semântica
Não há como tratar de classificação de orações que formam período composto sem considerar o aspecto semântico. Essa parte da Sintaxe e a Semântica tem uma forte ligação, conforme nos atesta Ana Clara Meira (2008, p. 53):
[...] não se pode resumir o estudo das orações a termos como independente e dependente, realizando classificações que priorizem critérios meramente sintáticos. Considera-se que não se devem classificar as orações sem a elas associar os fatores semânticos e pragmáticos56; pois, a língua não é estática, mas dinâmica. Ademais, está revestida de intenções as quais são perceptíveis em um processo de interação comunicativa.
Francisco da Silva Borba (1972, p. 237) afirma o seguinte sobre as duas disciplinas: “[...] a sintaxe e a semântica se relacionam desde a base dos fatos linguísticos. Assim, qualquer teoria da linguagem que tencione tratar as línguas como sistemas formais terá de, primeiro, decidir como tratar esse problema”.
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Os fatores pragmáticos são aqueles ligados aos contextos de uso da linguagem.
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Mário A. Perini (1998, p. 241) explica que, no estudo do significado das formas linguísticas, existe a parte do significado oriunda da interpretação das estruturas e dos itens léxicos, e a parte que provém de fatores extralinguísticos:
[...] nossa compreensão dos enunciados não é função exclusiva de um processamento das estruturas linguísticas contidas neles. É também parcialmente função de nossa percepção da situação em que nos encontramos, com quem nos estamos comunicando, aquilo que sabemos e aquilo que acreditamos que nosso interlocutor também saiba.
Segundo Perini, a construção de significados ligados a estruturas proposicionais tem duas etapas. A primeira está ligada somente à estrutura formal (morfossintática) e estabelece o que se chama de significado literal do enunciado. A segunda etapa está relacionada aos aspectos extralinguísticos, como o contexto comunicativo e o conhecimento prévio do falante e do ouvinte. A combinação dessas duas fases do processo de interpretação frasal leva ao que Perini chama de significado final. Analisemos um exemplo dado por esse gramático. Consideremos a seguinte interrogativa: Você sabe que horas são?
Perini (1996, p. 241) explica que essa frase não tem a estrutura de um pedido de informação sobre as horas. Se a pergunta for interpretada literalmente, a resposta será sim ou não, ou seja, o interlocutor dirá apenas se sabe ou se não sabe que horas eram no momento da interação. Perini diz que há situações em que uma resposta assim é adequada, mas não é a única possível; uma interpretação não-literal seria justamente a de um pedido de informação sobre as horas. A interpretação adequada de uma pergunta como a que Perini apresenta dependerá, portanto, do contexto de seu uso. Em qualquer situação, o interlocutor realiza um processo de raciocínio — que Perini chamou de implícito — que o leva a escolher a resposta mais adequada. Em relação às duas etapas da construção de significados, às quais nos referimos, segundo Perini, a primeira, ligada à estrutura formal do enunciado, representa a Semântica. Já a interpretação final, formada pelo significado literal associado aos fatores extralinguísticos, remete à Pragmática. Em geral, as duas disciplinas — Semântica e Pragmática — são estudadas juntas.
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Mário Perini (1996) dedica a terceira parte da sua Gramática descritiva do português exclusivamente à Semântica. O gramático (ibid., 243) afirma o seguinte:
[...] o estudo da pragmática está fora do escopo desta Gramática. Devo alertar o leitor que a hipótese da separação da semântica e da pragmática em componentes distintos não é universalmente aceita. Na verdade, trata-se de um dos grandes pontos de discussão da linguística atual, e muitos negam a possibilidade de separar os dois tipos de fatores. [...] como minha tarefa é a descrição do português, sou forçado a tomar partido e optei pela alternativa que me parece mais plausível: uma decisão ditada mais pela necessidade prática do que por uma convicção profunda.
Perini (ibid.) afirma que adota, na referida obra, “a teoria segundo a qual as formas linguísticas (orações, por exemplo) são interpretadas por um componente semântico”. Ele explica que esse componente é composto por regras de interpretação semântica e por outros mecanismos, como filtros e restrições. O que importa é o significado literal. Assim como fez Perini na obra que citamos acima, nós também, nesta tese, ao interpretarmos o corpus, formado por períodos compostos, levamos em conta somente os aspectos semânticos; não consideramos aspectos pragmáticos, porque os referidos períodos são apresentados descontextualizados pelas gramáticas que utilizamos para a composição do corpus. Nessas obras, esses períodos servem apenas para exemplificar os tipos de orações coordenadas e subordinadas da língua italiana, nas explicações sobre as mesmas. No período composto, o mais frequente é que as orações sejam ligadas por conectivos, que, em sua maioria, são conjunções e locuções conjuntivas que estabelecem entre as orações uma relação semântica, tanto na coordenação quanto na subordinação. Na coordenação, unem orações ditas independentes do ponto de vista sintático, e as tornam dependentes semanticamente; na subordinação, há dependência sintática e semântica. Por si só, muitas conjunções já trazem uma carga com significado específico. As subclassificações das conjunções adverbiais, por exemplo, têm base exclusivamente semântica. Analisemos outra questão importante: um mesmo conectivo pode introduzir tipos diferentes de orações. É o aspecto semântico que determinará a classificação das referidas orações. Vejamos exemplos disso com a conjunção e. Na obra Nossa gramática: teoria, Luiz Antonio Sacconi (1990) apresenta os seguintes enunciados:
109
1) A alegria prolonga a vida e dá saúde. (página 267) 2) Jussara fuma e não traga. (página 268) 3) A chuva foi intensa, e a cidade ficou inundada. (página 268)
Trata-se de três períodos compostos, formados por duas orações cada um. No período 1, a conjunção
e
é classificada como coordenativa aditiva; introduz, portanto, uma oração
coordenada sindética aditiva (sublinhada). No período 2, a mesma conjunção e é classificada como coordenativa adversativa, correspondendo a mas, porém, todavia, contudo, e introduz uma oração coordenada sindética adversativa (sublinhada). Finalmente no período 3, a conjunção e tem valor consecutivo; pois pode ser substituída pela conjunção que, e a oração principal aceita o advérbio tão (ou tanto, tamanho, tal); assim, dizer “A chuva foi intensa, e a cidade ficou inundada”, é o mesmo que dizer “A chuva foi tão intensa, que a cidade ficou inundada”. A oração sublinhada, no período 3, é, portanto, uma oração subordinada adverbial consecutiva. Francesco Sabatini, na obra La comunicazione e gli usi della lingua (1996, p. 230-231), também apresenta explicações sobre duas funções atribuídas à conjunção e : uma aggiuntiva e outra esplicativa. Os exemplos que esse linguista apresenta são os seguintes (ibid., p. 230, tradução nossa):
a) Piero guardò l’orologio e vide che erano le 8. (Pedro olhou o relógio e viu que eram 8 horas.) b) Luigi aveva preso molto freddo e aveva una gran tosse. (Luiz tinha passado muito frio e estava com uma forte tosse.)
Sabatini (ibid.) explica que, no primeiro exemplo, a conjunção tem a função puramente aggiuntiva, isto é, função de adição de duas ações que se realizam em um mesmo nível. Já no segundo exemplo, considerando-se a interpretação italiana, o primeiro fato é causa do segundo; este expressa, portanto, ideia de consequência. Sabatini (ibid., tradução nossa) afirma que o verdadeiro significado da frase é o seguinte: Luigi aveva preso molto freddo, perciò aveva una gran tosse. (Luiz tinha passado muito frio, por isso estava com uma forte tosse.)
110
Outra possibilidade que o linguista apresenta para se interpretar a frase (b) é:
Luigi aveva una gran tosse perché aveva preso molto freddo. (Luiz estava com uma forte tosse, porque tinha passado muito frio.)
Considerando essas duas últimas possibilidades de interpretação da frase (b), segundo Sabatini, a conjunção e presente nela tem não só a função aggiuntiva (de adição), como também tem a função esplicativa57 (explicativa). Sabatini (1996, p. 231) apresenta ainda, na sua referida gramática, outras quatro diferentes relações que a conjunção
e
pode estabelecer entre orações: causa, concessão, fim e
contraposição. Assim, como pudemos verificar com os exemplos de Sacconi e de Sabatini, a mesma conjunção
e
recebeu classificações diferentes — e consequentemente introduziu orações
diferentes — devido à influência do fator semântico. A Semântica é, portanto, determinante no estudo do período composto, seja da língua portuguesa como da língua italiana.
57
Em português, esta função seria causal.
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5. METODOLOGIA DE PESQUISA: A ANÁLISE CONTRASTIVA
5.1. A Análise Contrastiva
Como já afirmamos em tópicos anteriores, esta pesquisa é um estudo de Análise Contrastiva em sua versão forte, ou seja, a que está voltada para a identificação de semelhanças e diferenças entre duas língua analisadas, sem considerar a produção dos aprendizes da língua estrangeira. Trata-se também de uma pesquisa aplicada, isto é, com fim didático, visando a facilitar o ensino-aprendizagem do período composto da língua italiana. Os dois sistemas linguísticos considerados foram a língua italiana padrão e a língua portuguesa do Brasil. O tema gramatical em foco foi o período composto. Assim, partindo da análise de frases com os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano, buscamos orações de mesmo tipo correspondentes em português. Nos próximos tópicos, veremos com mais detalhes, por exemplo, como formamos o nosso corpus e como o analisamos. Vejamos a seguir as principais gramáticas italianas e as da língua portuguesa que utilizamos nesta tese.
5.2. As gramáticas italianas utilizadas
As gramáticas italianas adotadas para este trabalho são para estudo de gramática pura, em sua maioria, estudo aprofundado da língua italiana. Não são, portanto, direcionadas a estrangeiros, mas sim aos próprios italianos, para serem usadas em escolas de níveis que corresponderiam ao nosso Ensino Fundamental e ao nosso Ensino Médio. Assim, na coleta e análise dos dados da pesquisa, foram utilizadas cinco gramáticas com características bem diferentes. Justifiquemos esse número de gramáticas. Acreditamos que, para identificarmos a correspondência entre uma determinada oração italiana e uma oração do português, quanto mais frases com a oração italiana analisarmos melhor. Há caso de correspondência identificada a partir de exemplo apresentado por um único gramático italiano. É o que acontece na correspondência entre a proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta e a oração subordinada substantiva completiva nominal; identificamos essa
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correspondência a partir de um exemplo apresentado por Francesco Sabatini. Um outro exemplo é a proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada adjetiva: somente Dardano e Trifone e Luca Serianni dão exemplos que levam à identificação dessa correspondência. Por isso escolhemos cinco gramáticas italianas: para analisarmos um número grande de exemplos das orações coordenadas e subordinadas italianas. Vejamos agora com mais detalhes quais foram essas cinco gramáticas.
1) Grammatica italiana con nozioni di linguística, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003)
Esta foi a gramática adotada para as turmas de oitavo período do Curso de Letras em Português-Italiano da Faculdade de Letras da UFRJ em 2005 e 2006. Como explicamos na introdução desta tese, na ocasião, lecionamos sintaxe do período composto às referidas turmas nesses anos. Foram três grupos diferentes de alunos, com os quais utilizamos esta gramática. Vale destacar o que diz o prefácio de sua terceira edição (DARDANO; TRIFONE, 199558, tradução nossa):
As estruturas da nossa língua59 são objeto de uma descrição clara, exaustiva e atualizada. Os dois capítulos iniciais e os parágrafos internos de aprofundamento (“intertextos”) permitem ao estudante aproximar-se dos principais temas da linguística histórica, da linguística teórica e da sociolinguística modernas. Uma seção muito ampla do volume é dedicada à sintaxe e à análise do texto.
A contracapa da referida gramática traz ainda as seguintes declarações (DARDANO; TRIFONE, 2003, tradução nossa): Em síntese, um manual que descreve em termos exaustivos e atualizados o italiano contemporâneo; de máxima clareza expositiva e de fácil consulta; com 58
A edição desta obra é de 2003, mas a data que consta no prefácio é março de 1995, que é, na verdade, a data da primeira edição da obra, e não a terceira. 59 Os autores se dirigem aos italianos; por “nossa língua”, entende-se, portanto, a língua italiana.
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um conjunto de exercícios muito rico. Uma gramática de referência que, pela racional exposição da matéria, consente uma programação flexível do ensino do italiano, propondo-se, ao mesmo tempo — pela sua completude — ser instrumento confiável e respeitável de consulta.
A nosso ver, essa gramática cumpre aquilo a que se propõe, conforme exposto no seu prefácio e na sua contracapa. Traz mais de 600 frases, entre as quais, trechos de obras de autores de várias épocas, porém privilegia frases do dia-a-dia da comunicação entre as pessoas, destacando o nível informal da língua. A matéria é muito bem organizada e os exercícios são bastante objetivos e claros. Não traz quase nada de ilustração, o que é coerente com o tipo de gramática que é. Essa terceira edição tem 789 páginas.
2) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994)60
Esta é uma obra de 816 páginas. Traz na página I, o complemento do seu título, que é “Prática de textos, análise lógica, história da língua” e a informação “Escolas secundárias superiores”, que corresponderiam ao atual Ensino Médio das escolas brasileiras. Estas são duas informações muito importantes, que indicam os assuntos a que esta obra dá mais destaque, e o seu público-alvo. O seu prefácio é longo, dividido em 7 partes:
“Um endereço já consolidado”; “Um modelo muito imitado. Vamos dar passos além”; “O desenvolvimento da ‘competência textual’ e a variedade dos textos”; “Por uma análise realmente ‘lógica’ ”; “A língua e a literatura, em particular a poesia”; “O ‘livro da língua’ e a antologia”; e “O italiano, as outras línguas, a história”.
A parte que mais nos interessa é a de título “Por uma análise verdadeiramente ‘lógica’ ”. Sabatini explica esse título inusitado, quase irônico:
O ‘estudo da gramática’ não é um mero subsídio para desenvolver o uso da língua: a este objetivo, ao contrário, é de limitada utilidade (como a experiência demonstra desde sempre), enquanto é muito mais produtivo o trabalho que se 60
As expressões entre aspas e as citações que se seguirem são traduções nossas.
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realiza em outro terreno, o da competência textual, fortemente impregnado de ‘pragmática’. O ‘estudo da gramática’, ou melhor, o estudo reflexo da língua, é uma operação de conhecimento que tem um altíssimo poder de desenvolvimento cognitivo geral: é verdadeiro jogo de inteligência, que se exercita sobre o objeto de mais alto interesse que nos foi dado para observar61.
Sabatini deixa bem claro que considera a competência textual muito importante. De fato, esta obra traz muitos textos, de diversos tipos, tanto nas explicações das matérias que apresenta, quanto nos exercícios. A parte primeira do livro tem o título “A comunicação e o texto”. Trata, por exemplo, dos vários tipos de linguagens, das situações e objetivos da comunicação, das funções da linguagem, da língua falada, escrita e “transmitida” e de compreensão e produção textual. A segunda parte da obra é dedicada ao estudo dos assuntos gramaticais. Tem o título “A estrutura da língua: morfossintaxe e léxico”. O capítulo 6, intitulado “A frase ‘múltipla’62. Coordenação e subordinação”, é bem detalhista. Os exercícios privilegiam a leitura e análise de textos e a produção de frases e de textos. O livro apresenta ainda uma terceira parte, cujo título é “A língua e a história”, e um longo apêndice, dividido em 7 partes. O autor apresenta, no final de cada capítulo, um quadro resumitivo da matéria abordada. Escolhemos esta obra sobretudo porque queríamos usar uma gramática com um enfoque diferenciado das outras, o textual.
3) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999)
Esta foi uma gramática muito importante para a realização desta tese, porque, em muitas situações, por apresentar seu conteúdo detalhadamente, forneceu informações fundamentais para resolvermos dúvidas que surgiram durante o trabalho, e que as outras gramáticas não forneciam. Um fator negativo que apontaríamos é o fato de que praticamente todas as frasesexemplo são de textos literários. Por vezes, são frases de estrutura e compreensão complexas. Corresponderia, em português, mais ou menos à Moderna gramática portuguesa, de Evanildo 61
O próprio autor usou o negrito nas duas expressões destacadas com esse recurso. Em italiano, “frase multipla”. Preferimos traduzir “multipla” para o português de forma literal, ou seja, como “múltipla”, porém, a expressão em português “frase múltipla” não é usada. Essa expressão italiana faz referência ao que chamamos de período composto. 62
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Bechara. Luca Serianni é professor de História da língua italiana, membro da Accademia della Crusca63, escritor de inúmeros artigos, ensaios e livros voltados para o público universitário e especialista em história da língua. Esta sua Grammatica italiana traz, no capítulo XIV, sob o título “Sintaxe do período” (tradução nossa), detalhado estudo sobre esse tema. São 104 páginas de matéria. No final da obra, há um glossário com termos e expressões próprios da Linguística, da retórica e da Estilística. A gramática tem um total de 750 páginas. Não tem exercícios.
4) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)64
Trata-se de uma gramática bastante simple, diríamos até enxuta, no sentido de ser resumida demais. A página III traz assuntos de destaque: “A métrica, a estilística, exercícios e leituras lexicais”. Tem 419 páginas. Após o prefácio, a gramática se inicia com dois breves tópicos considerados à parte: “Do latim ao italiano” e “A formação do vocabulário”. Foi dividida em 5 tradicionais partes mais o apêndice. As partes são as seguintes: Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Noções de métrica italiana e noções de estilística. O apêndice traz apenas verbos irregulares e defectivos. A parte sintática foi dividida em “sintaxe da oração” e “sintaxe do período”. Esta última é a que mais nos interessa. A matéria é tratada de modo resumido demais. São apenas 34 páginas com teoria e prática. Os exercícios são basicamente de reconhecimento ou classificação de orações em frases informais e descontextualizadas. No prefácio da obra, os autores defendem a fidelidade à norma culta italiana:
A aceitação e a observância da estrutura gramatical equivalem ao respeito de nós mesmos, porque, obedecendo à ‘norma’, nós garantimos, sempre que possível, a ‘verdade’ dos nossos pensamentos e dos nossos sentimentos: isto é, confiamos à expressão a mais íntima realidade de nós mesmos, com a confiança de sermos compreendidos e de compreendermos.
63 64
Instituição correspondente à Academia Brasileira de Letras. As expressões entre aspas e as citações que se seguirem são traduções nossas.
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Com um discurso um tanto poético, os autores afirmam que a gramática é “uma forma de educação moral, de disciplina interior” e um instrumento de inclusão social. Declaram também que a mesma “dá sentido e razão às ‘palavras’: tira-as da desordem ou do isolamento em que cada uma se confunde ou se esconde, para harmonizá-las cada vez mais na arquitetura da expressão”. Enfim, no prefácio, os autores não descrevem a obra, não explicam suas partes. Incluímos essa gramática neste trabalho, porque ela é diferente das outras e porque as frases que os autores apresentam como exemplos são, em sua maioria, do nível informal da língua, típicas da comunicação oral, privilegiada pela gramática descritiva.
5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974)
Consideramos uma gramática de 1974 antiga. São 38 anos de distância entre a sua publicação e os dias de hoje. Pode parecer que queremos realizar estudo diacrônico, mas, como já afirmamos anteriormente, esse não é o objetivo deste trabalho. Nós a escolhemos, principalmente por causa da maneira como apresenta as orações subordinadas adjetivas, que em italiano são chamadas proposizioni subordinate relative. Apresentamos essa maneira em outro tópico. Além disso, um outro diferencial em relação às demais gramáticas escolhidas, é que esta, apesar de também ser gramática pura e estar voltada para o ensino do italiano língua materna na scuola media (Ensino Médio brasileiro), a apresentação do seu conteúdo é totalmente diferente daquela que as outras gramáticas fazem. Esta parece voltada para crianças, porque tem muitas ilustrações e uma linguagem muito fácil e objetiva. Utiliza o método indutivo, coerente com o modelo de Análise Contrastiva e seus fundamentos teóricos. Tem 624 páginas de teoria e cerca de 950 exercícios.
5.3. Principais obras da língua portuguesa utilizadas para a análise dos dados
Em relação à língua portuguesa, foram consultadas sobretudo as seguintes obras:
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1) Nomenclatura Gramatical Brasileira, Ministério da Educação e Cultura (in HENRIQUES, 2009) Serviu de parâmetro para as classificações das orações apresentadas pelos outros autores e para verificar as observações que estes fazem sobre a NGB ao tratarem do assunto período composto da língua portugesa.
2) Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2010)
José Carlos de Azeredo é Doutor em Letras pela UFRJ. Lecionou Língua Portuguesa nesta Instituição de 1970 a 1996. Atualmente é Professor Adjunto do Instituto de Letras da UERJ. Esta sua gramática tem 584 páginas. Está dividida em 8 partes mais os apêndices. Em nota preliminar, Azeredo explica os conteúdos de cada parte. A quarta parte, intitulada “Morfologia flexional e sintaxe”, é considerada o “miolo” da obra. Esta seção traz, no 14º capítulo, o tema de nosso interesse: o período composto. São 62 páginas de teoria. Não apresenta exercícios. Na apresentação da gramática, o autor afirma o seguinte:
O objeto desta gramática é a variedade padrão escrita do português em uso no Brasil. Identificamos assim um conjunto sistemático de formas e construções da língua portuguesa empregada razoavelmente em comum por escritores / jornalistas / autores brasileiros, desde a segunda metade do século XIX até os dias atuais, em obras literárias, técnicas, científicas e ensaísticas em geral, assim como na maior parte dos textos impressos nos principais jornais e revistas dos grandes centros urbanos contemporâneos.
Um pouco mais adiante, nesta mesma apresentação, o autor fala sobre o objetivo da obra, e expõe o seu posicionamento em relação ao papel da linguagem verbal e da gramática:
Nosso objetivo vai um pouco além da aferição de um uso e sua descrição. [...] empenhamo-nos em refletir sobre o funcionamento da linguagem verbal no seu tríplice papel (a) de forma de organização do conhecimento [...], (b) de meio de codificação do conhecimento em enunciados/textos (expressão) e (c) de forma de atuação interpessoal (comunicação). A gramática não é evidentemente o único, mas é o mais sólido suporte dos papéis explicitados nos itens ‘a’ e ‘b’.
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Selecionamos esta gramática para servir de base para o trabalho de Análise Contrastiva, principalmente porque, segundo o próprio autor, o enfoque adotado na obra é “essencialmente descritivo, sem prejuízo, contudo, de considerações de ordem normativa, sempre que oportunas”.
3) Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho (2010)
No prefácio da Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba de Castilho, Rodolfo Ilari declara que “esta é uma obra altamente inovadora” e justifica:
Em vez da obsessão prescritiva própria dos gramáticos, que leva a falar de uma língua irreal como se ela existisse de fato, encontramos nele [em Castilho] a preocupação de apresentar ao leitor fatos concretamente observados, com todo o rigor possível. Em vez de tomar como referência os textos escritos, elege como amostra preferencial da língua a sua manifestação aparentemente mais caótica — a conversação falada. [...] no passado, a maioria dos autores que escreveram gramáticas “do português” o fizeram de modo a ressaltar os aspectos que as variedades europeia e sul-americana do português têm em comum; [...] Em suma, escolher como tema e como título o “português brasileiro” é uma forma de recusar aquele modelo”. (página 26)
Ilari informa que “Ataliba de Castilho se declara funcionalista” (página 28). Informa também que dois terços do trabalho foram dedicados à sentença e ao período gramatical (página 27). Ilari afirma que “uma das ideias mais frequentemente reafirmadas no livro é que a língua não é, primordialmente, uma manipulação de sinais, ou uma combinatória de unidades, mas um conjunto de operações cognitivas” (página 27). O próprio autor afirma, na introdução da obra, que esta é fruto de cinquenta anos de pesquisa que ele realizou e que não se trata de uma gramática escolar usual. Ele expõe uma teoria multissistêmica com forte conteúdo funcionalista-cognitivista. Como nos propomos, nesta tese, a trabalhar com as orações coordenadas e subordinadas do português do Brasil, esta gramática de Ataliba de Castilho serviu-nos perfeitamente. O capítulo 9, cujo título é A sentença complexa e sua tipologia, trata o tema de nosso interesse para este trabalho. Vale destacar que a obra tem 768 páginas.
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4) Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (1999)
Escolhemos esta gramática para nos dar suporte no trabalho desta tese, porque trata-se de uma obra muito respeitada e usada no meio acadêmico. É muito indicada também em concursos. O autor, Evanildo Bechara, é professor, gramático e filólogo; é considerado um dos maiores especialistas do Brasil em Língua Portuguesa. É membro da Academia das Ciências de Lisboa, doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, professor titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), titular da cadeira 16 da Academia Brasileira de Filologia e da cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras. A obra já está na 37ª edição (atualizada pelo Novo Acordo Ortográfico), publicada em 2009 com 672 páginas. É conhecida no exterior desde a sua primeira publicação, em 1961. A edição que usamos nesta tese é a 37ª65, de 1999, com 669 páginas — a figura à esquerda mostra a capa da tiragem de 1999. Bechara dedica esta edição a Manuel Said Ali (à sua memória), a Eugenio Coseriu, a José G. Herculano de Carvalho e a Joaquim Mattoso Câmara Jr., usando as seguintes palavras: “aos mestres e amigos [...] a cujas lições fui colher o que de melhor existe nesta nova versão”. Conforme já afirmamos, Evanildo Bechara segue a linha estruturalista-funcionalista de estudos linguísticos.
5.4. O corpus da tese e a sua constituição
Para entendermos qual é o corpus desta tese, precisamos lembrar dos nossos objetivos na mesma: realizarmos um estudo de Análise Contrastiva das classificações das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil; apresentarmos uma proposta de correspondência entre as referidas classificações — partindo dos tipos de orações italianas; e apontarmos, entre as referidas orações italianas, as que apresentam maior dificuldade para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
65
A 37ª edição tem duas datas: 1999 e 2009.
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Esclareçamos o que queremos dizer por correspondência. Considerando o nosso estudo, interessa-nos entender o verbo corresponder como “estar em equivalência; refletir” (ABL, 2008). Um dos verbetes da palavra correspondência no dicionário da Academia Brasileira de Letras (ABL, 2008, p. 368) é: “relação de conformidade de algo ou alguém; de certo conjunto ou contexto, com outro, em outro conjunto ou contexto: a correspondência entre o Português do Brasil e o Português de Portugal”. Assim, quando dizemos que uma determinada oração italiana corresponde a uma certa oração do português, queremos dizer que uma equivale à outra, uma reflete a outra. Por correspondência, portanto, queremos dizer equivalência ou conformidade. Tratemos agora do corpus da tese. Este é constituído dos seguintes dados: 1) As classificações das orações coordenadas e subordinadas do italiano; 2) As classificações das orações coordenadas e subordinadas do português do Brasil; 3) Frases descontextualizadas, apresentadas pelos autores de cinco gramáticas italiana66 para exemplificar os tipos de orações coordenadas e subordinadas da língua italiana. Por “classificações das orações” queremos dizer tipos e subtipos de orações. Assim, considerando o português do Brasil, as orações subordinadas, por exemplo, têm as seguintes classificações: substantivas, adjetivas e adverbiais; estas três, por sua vez, têm suas classificações. As orações subordinadas substantivas, por exemplo, classificam-se em subjetivas, objetivas diretas, objetivas indiretas, predicativas, completivas nominais e apositivas. Consideremos as três partes do corpus citadas acima. Para constituirmos a parte 1, a das classificações das orações italianas, verificamos as classificações que os autores das cinco gramáticas italianas apresentam. Fizemos o mesmo na parte 2, em relação às classificações das orações da língua portuguesa: verificamos como os autores das três gramática do português classificam as orações coordenadas e subordinadas. A constituição da parte 3 do corpus, a da seleção das frases-exemplo, foi da seguinte forma: 1) Primeiro, selecionamos uma classificação de oração. Consideremos, como exemplo aqui, a primeira classificação que analisamos: a chamada proposizione copulativa;
66
As cinco gramáticas foram apresentadas no tópico 5.2 desta tese.
121
2) Em seguida, elaboramos um quadro dividido em cinco partes horizontais e duas partes verticais. Na parte vertical da esquerda, denominada “AUTORES”, incluímos os nomes dos autores das gramáticas italianas utilizadas; e ao lado, na parte vertical da direita, denominada “EXEMPLOS”, incluímos a seleção de frases-exemplo que os autores italianos apresentam para a oração em questão e, entre parênteses, apresentamos a tradução dessas frases para o português. A estrutura do quadro ficou da seguinte forma:
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003)
FRASES
Francesco Sabatini (1994)
FRASES
Luca Serianni (1999)
FRASES
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
FRASES
Giuseppe Pittano (1974)
FRASES
3) Selecionamos frases apresentadas pelos referidos autores das gramáticas para exemplificar a oração analisada; esta foi sublinhada na frase. Na seleção, usamos os seguintes critérios: 3.1) as frases deveriam formar um período composto preferencialmente por duas orações. O nosso objetivo é realizar a analise contrastiva das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil, então, consideramos que um período composto com apenas duas orações facilitaria o trabalho de análise; seria desnecessário selecionarmos um período com três, quatro, cinco orações, se o nosso foco é sempre apenas uma das orações; 3.2) Procuramos selecionar poucas frases por gramática; quando apresentamos várias frases, em geral, é porque quisemos destacar a diversidade de conectivos ou de estrutura frasal ligada ao tipo de oração analisado; 3.3) Priorizamos a linguagem coloquial atual; assim, evitamos expressões antigas e conjunções raras; não é nosso objetivo realizar estudo diacrônico;
122
3.4) No caso das orações subordinadas, procuramos selecionar tanto orações italianas desenvolvidas — ditas esplicite —quanto orações reduzidas — ditas implicite. Quando não apresentamos um desses dois tipos, ou é porque o autor da gramática não apresentou, ou porque o tipo de oração analisado não tem uma dessas formas.
Ao término da seleção dos dados, passamos a ter o seguinte corpus: A) Um quadro — como o que descrevemos acima — para cada tipo de oração coordenada e subordinada da língua italiana; B) Quatro quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as orações do italiano e as do português do Brasil; eles têm, portanto, duas colunas: a primeira para as classificações das orações do italiano e a outra para as do português brasileiro. O primeiro quadro é para as orações coordenadas; o segundo, para as orações subordinadas substantivas; o terceiro, para as orações subordinadas adjetivas; e o quarto quadro, para as orações subordinadas adverbiais. Todos os quatro quadros trazem primeiramente os subtipos dessas classificações das orações italianas; ao final da análise dos dados frasais, esses quadros serão preenchidos na parte do português, com as classificações das orações do português, estabelecendo, então, a correspondência entre as duas línguas.
Em relação ao modo como apresentamos as classificações das orações italianas, na maioria das vezes, nós procuramos fazer como fazem quase todos os autores das cinco principais gramáticas italianas que utilizamos nesta tese: indicando apenas o último termo da classificação, e não como se costuma fazer nas gramáticas do português do Brasil, que dão a classificação completa. Por exemplo, ao invés de dizermos proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta, preferimos proposizione oggettiva diretta. Fazem assim Dardano e Trifone (2003), Luca Seriani (1999), Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) e Giuseppe Pittano. Francesco Sabatini (1994) preferiu identificar as coordenadas pelo seu tipo, ou seja, ele diz apenas copulativa, avversativa etc.; esse autor se refere às subordinadas dizendo dipendente soggettiva, dipendente temporale etc.. Em alguns momentos nós preferimos usar a classificação completam sobretudo quando contrastamos oração italiana com oração do português. Com as coordenadas italianas mantivemos a expressão coordinata na classificação.
123
Em português, mantivemos a classificação completa, como por exemplo oração subordinada substantiva objetiva direta. No próximo tópico, explicaremos como realizamos a análise dos dados selecionados.
5.5. A análise dos dados
Primeiramente é importante dizer que, para realizarmos a análise a que nos propomos, nós partimos do geral para o particular. Em um primeiro momento, fizemos uma descrição do período composto em italiano e em português, estabelecendo uma comparação entre eles. Em seguida, abordamos dois tipos de período composto italiano individualmente: a coordenação e a subordinação. As orações italianas de cada um desses períodos foram analisadas uma a uma. Em um primeiro momento da abordagem a uma oração italiana, começamos por descrevê-la, indicando sua função e suas características gerais. Não nos ativemos a muitos detalhes tanto na descrição dos tipos de período, quanto na dos tipos de orações, porque não convinha, pois o principal momento do estudo dos dados é o da análise oracional das frasesexemplo apresentadas pelos autores das cinco gramáticas italianas descritas no tópico 5.2 desta tese. Para se obter todos os detalhes sobre cada oração italiana — como, por exemplo, os modos dos seus verbos —, é preciso consultar diretamente as gramáticas. Seguindo com o passo-a-passo da análise, passamos ao exame das referidas frasesexemplo. Começamos pela tradução dessas sentenças para o português. Em seguida, fizemos a análise completa das orações de algumas dessas sentenças para que pudéssemos chegar a conclusões e estabelecer correspondência com as classificações das orações do português. Para realizarmos a análise completa, procuramos escolher as frases que consideramos mais interessantes em termos sintáticos ou semânticos, de modo que pudessem confirmar ou refutar cada hipótese nossa em relação à correspondência entre italiano e português. A referida análise consistiu nas seguintes etapas: 1) Divisão da frase italiana em orações, conforme regras da língua italiana; 2) Classificação das orações, segundo o gramático que apresenta a frase; 3) Tradução da frase italiana para o português; 4) Divisão da frase-tradução em orações, conforme regras da língua portuguesa;
124
5) Classificação das orações, com base nas gramáticas da língua portuguesa.
Realizamos a referida análise dentro de quadros, como no exemplo abaixo: ITALIANO: Frase 1: È ancora qui o è già andato via? (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445). Análise oracional segundo a gramática italiana: È ancora qui / o è già andato via? 1ª prop. 2ª prop.
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata disgiuntiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL: Ainda está aqui / ou já foi embora? 1ª oração 2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética alternativa
Após termos seguido todos os passos descritos acima, com todos os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano, apresentados pelos autores das gramáticas italianas, completamos, por fim, os quatro quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as referidas orações do italiano e do português. É importante destacarmos que todos os autores das cinco gramáticas italianas, ao tratarem do período composto, apresentam as orações seguindo praticamente a mesma ordem: primeiro tratam das coordenadas e depois das subordinadas. Fizemos o mesmo nesta tese. Também é importante explicarmos que mantivemos em italiano a nomenclatura gramatical italiana. Quando consideramos necessário, fizemos observações com a tradução do termo gramatical analisado. Em geral, os termos que dão nomes às classificações das orações italianas são bastante transparentes para brasileiro, isto é, são muito parecidos com os termos em português. Considerando as obras das línguas italiana e portuguesa descritas nos tópicos 5.2 e 5.3, os capítulos ou partes das mesmas os quais tratam do período composto e das conjunções
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constituíram importante material no trabalho de constituição e de análise dos dados. Os referidos capítulos são citados a seguir 67:
GRAMÁTICAS ITALIANAS:
1) Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003): para as conjunções, consultamos o capítulo 11, intitulado La congiunzione e l’interiezione; para o período composto, utilizamos o capítulo seguinte a esse, o 12, intitulado La sintassi della frase complessa.
2) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994): para o estudo das conjunções e outros tipos de conectivos, pesquisamos o capítulo quarto, no tópico 13, intitulado Caratteristiche del testo IV): la coesione mediante i legamenti, e em especial no subtópico 6: Legamenti per mezzo delle congiunzioni. Ainda para as conjunções, estudamos o tópico VIII — Congiunzione — do apêndice VI. Para o estudo do período composto, estudamos principalmente o capítulo sexto, intitulado La frase “multipla”: coordinazione e subordinazione.
3) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999): para o estudo das conjunções, pesquisamos o capítulo IX, intitulado Congiunzioni e segnali discorsivi; para a investigação sobre período composto, estudamos o capítulo XIV, intitulado Sintassi del periodo.
4) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994): esta obra não é dividida em capítulos; a parte que trata das conjunções — intitulada Le congiunzioni — vai da página 263 à 270; a parte do período composto é intitulada La sintassi del periodo; estudamos o conteúdo que vai da página 320 à 346.
5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974): esudamos o capítulo 17, intitulado La congiunzione, e o capítulo 20, intitulado Il periodo.
67
Considerando as edições que utilizamos.
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GRAMÁTICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA:
1) Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2010): Foi na quarta parte desta obra que encontramos o conteúdo ligado ao tema desta tese. Nesta parte, estudamos, no capítulo 7, os tópicos 7.7.3 e 7.7.4, que tratam das conjunções; estudamos também o capítulo 14, intitulado O período composto.
2) Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho (2010): tanto para o tratamento das conjunções quanto do período composto, estudamos o capítulo 9 desta obra, intitulado A sentença complexa e sua tipologia.
3) Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (1999): estudamos, no capítulo II desta obra — intitulado Gramática descritiva e normativa: as unidades do enunciado —, dentro da parte A — Formas e funções —, o tópico 9: Conjunção. Na parte C — Estrutura do enunciado ou período. A oração e a frase —, estudamos dois tópicos. Um foi o tópico 2: Orações complexas e grupos oracionais: A subordinação e a coordenação. A Justaposição. O outro foi o tópico 3: As chamadas orações reduzidas.
Estudamos eventualmente outras partes destas obras, mas as citadas acima foram certamente as mais importantes para desenvolvermos o estudo proposto nesta tese.
5.5.1. A tradução das frases-exemplo
A tradução das frases foi procedimento-chave para o processo de análise, isto é, sem traduzir as sentenças não seria possível realizar a análise contrastiva, nem estabelecer a correspondência que desejávamos. Portanto, ao traduzirmos as frases, procuramos ser o mais fiéis possível às sentenças originais em italiano, respeitando, porém, as características dos dois idiomas em questão, o italiano e o português. Como o corpus a ser traduzido era extenso, foi inevitável nos depararmos com situações mais desafiadoras; principalmente nesses casos, procuramos fornecer todas as observações que consideramos necessárias para o bom
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entendimento da sentença original e para a realização de uma análise adequada. Vejamos dois exemplos de frases que exigiram uma maior atenção ao serem traduzidas: 1) O vieni tu, o vengo io. Esta frase é apresentada por Francesco Sabatini (1994), e está inserida no quadro que apresenta a chamada proposizione coordinata correlativa do italiano. O que há de especial nessa frase é que o verbo venire do italiano pode ser traduzido para o português tanto como vir quanto como ir. Logo, há pelo menos duas opções de tradução da frase: Ou vem você, ou venho eu.
OU
Ou vai você, ou vou eu.
Como já explicamos, as frases selecionadas não apresentam um contexto, porque servem para exemplificar os tipos de orações apresentados pelos autores nas cinco principais gramáticas italianas utilizadas na tese. Logo, não há como definir uma tradução como a mais adequada.
2) Per essere così magro ha una bella forza. Esta frase é apresentada por Dardano e Trifone (2003) para exemplificar uma proposizione subordinata avverbiale concessiva implicita: Per essere così magro. Consideramos a tradução dessa frase difícil. Em um primeiro momento, parece que as duas orações que constituem a sentença formam uma ideia contraditória. Traduzindo “ao pé da letra”, a frase ficaria assim em português: “Por ser tão magro, ele tem uma bela força”. Esta tradução faz o enunciado não ter sentido algum. Ficaria totalmente incoerente. Logo, a tradução de frases como esta não pode ser feita “ao pé da letra”, mas sim, usando-se o bom senso e o domínio das duas línguas. A tradução mais adequada é a seguinte68: Apesar de ser tão magro, ele tem uma bela força.
Assim, tivemos desafios com a tradução das frases-exemplo, mas nos esforçamos para realizarmos boas traduções, porque elas foram determinantes na qualidade da análise contrastiva que fizemos. 68
Conseguimos manter a forma reduzida da oração subordinada.
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6. ANÁLISE CONTRASTIVA DOS DADOS: ORAÇÕES COORDENADAS SUBORDINADAS DA LÍNGUA ITALIANA E DO PORTUGUÊS DO BRASIL
E
6.1. A sintaxe do período composto do italiano e a do português do Brasil
Para tratarmos do tema do presente tópico, nós nos baseamos principalmente nas cinco gramáticas italianas e nas três gramáticas da língua portuguesa descritas nos tópicos 5.2 e 5.3 desta tese. No geral, a sintaxe do período composto do italiano é muito parecida com a do português do Brasil, mas existem naturalmente diferenças; apontaremos aqui as que consideramos mais significativas. Analisemos primeiramente como as referidas gramáticas italianas apresentam a matéria em questão. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 442, tradução nossa), a chamada sintassi della frase complessa (sintaxe da frase complexa), “dita também sintaxe do período, estuda as relações que intercorrem entre estruturas sintáticas simples (orações), as quais, combinando-se entre si, formam estruturas mais complexas (frases ou períodos)”. Afirmam ainda (ibid., p. 93, tradução nossa): “A análise sintática da frase complessa [frase complexa] consiste em identificar as várias espécies de orações que compõem a frase complessa (oração principal, coordenada, subordinada etc.)”. Verifiquemos, no quadro abaixo, a definição de frase, oração e período dada pelos autores das cinco gramáticas italianas:
Dardano e Trifone (2003)
“Frase é uma mensagem completa, enquanto a oração é uma parte da frase complexa, assim como o sintagma [...] é uma parte da oração. Uma frase pode ser composta de uma só oração independente (frase semplice ou monoproposizionale) [...] mas, sobretudo na língua escrita, têm-se frases compostas de duas, três ou mais orações” (p. 442, tradução nossa). “Convém também distinguir frase verbal, isto é, provida de verbo [...] e frase nominal, isto é, destituída de verbo” (p. 94, tradução nossa).
129
Francesco Sabatini (1994)
Luca Serianni (1999)
Período: “com este termo indica-se uma frase mais ampla, formada com duas ou mais frases ligadas estreitamente entre si: é aquela que nós chamaremos frase multipla” (p. 215, tradução nossa). “A frase se define também como uma expressão linguística de sentido completo, que tem como elemento indispensável um predicado” (p. 302, tradução nossa). “A frase ou proposizione (oração) é a unidade mínima de comunicação, dotada de sentido completo” (p. 85, tradução nossa). Frase semplice (frase simples) é a que tem seus elementos sintáticos organizados em torno de um único predicado; “Quando, em uma unidade comunicativa, encontramos mais predicados, tem-se uma frase complessa (frase complexa) ou período” (p. 86, tradução nossa).
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
Proposizione: “é a unidade elementar, em que se traduz o nosso pensamento de forma completa”. Período: “uma trama de duas ou mais orações constitui o período” (p. 278 e 320, tradução nossa).
Giuseppe Pittano (1974)
“Período é o menor grupo de palavras provido de sentido completo, a oração é unidade do período” (p. 400, tradução nossa tradução nossa).
Considerando as definições acima, podemos dizer que, em italiano: frase pode ser entendida como um enunciado de sentido completo; uma frase pode ser nominal, quando não tem verbo, ou verbal, quando tem um ou mais verbos; uma frase pode ser semplice (simples) — quando tem um único predicado — ou multipla (múltipla) — quando tem dois ou mais predicados; O termo proposizione significa oração, que é uma unidade do período; a frase multipla constitui um periodo e pode ser de dois tipos: composta, quando formada por proposizioni coordinate, ou complessa, quando formada por proposizioni subordinate ou por uma combinação de subordinate e coordinate; A frase semplice, portanto, não constitui período.
130
Elaboramos o esquema abaixo para facilitar o entendimento da relação que se estabelece entre os princípios sintáticos italianos aqui analisados:
FRASE
NOMINALE (sem verbos) VERBALE
SEMPLICE ou SINGOLA (tem uma única oração, logo, tem um verbo) MULTIPLA = PERIODO (tem duas ou mais orações)
COMPOSTA
con proposizioni coordinate
COMPLESSA
con proposizioni subordinate o subordinate e coordinate
Cabe aqui uma observação importante: em relação à classificação da frase, alguns gramáticos italianos divergem. Dardano e Trifone (2003) não falam de frase multipla composta; apresentam apenas duas classificações: semplice e complessa, esta última, referindo-se tanto ao período por subordinação quanto ao período por coordenação. Tanto que o título do capítulo 12 da Grammatica italiana deles é La sintassi della frase complessa, expressão que eles consideram sinônima de sintassi del periodo. No presente trabalho, nós optamos pela classificação de frase apresentada por Francesco Sabatini (1994) e por Giuseppe Pittano (1974). Os títulos do capítulo 24 da gramática de Sabatini são La frase multipla “composta”. La coordinazione; e os títulos do capítulo 25 são La frase multipla “complessa”. La subordinazione (SABATINI,1994, p. 446-448; p. 456). Para que fique bem clara a posição do autor, vejamos o que ele afirma sobre a chamada frase multipla:
As frasi multiple [frases múltiplas] se dividem em duas grandes categorias: — frasi composte [frases compostas] ou coordinate [coordenadas] — frasi complesse [frases complexas] ou subordinate [subordinadas]
Já Giuseppe Pittano (1974, p. 490, tradução nossa) apresenta as três frases a seguir e depois explica os tipos de período:
131
1) 2) 3)
Il sole splende. Il sole splende e l’aria è calda. Perché il sole splende l’aria è calda.
Como as orações, o período também pode ser: a) semplice: se é formado por uma única oração (1º exemplo) b) composto: se é formado por duas ou mais orações independentes (2º exemplo) c) complesso: se é formado por orações principais e dependentes (3º exemplo)
Aproveitamos para destacar que Giuseppe Pittano considera período a frase semplice, a que tem uma única oração, como podemos verificar no texto citado acima. Os outros gramáticos, como já dissemos, só consideram período a frase múltipla, ou seja, a frase que tem duas ou mais orações. Outra questão que precisamos ressaltar é que entre os gramáticos italianos, não há um consenso sobre a definição de frase. Luca Seriani (1999, p. 88, tradução nossa), que considera frase o mesmo que proposizione, afirma o seguinte:
A definição geral de “frase” que apresentamos neste capítulo [segundo] não é mais do que uma das muitas possíveis. Trata-se, de fato, de um dos problemas mais debatidos nos estudos linguísticos, cujas soluções variam notavelmente de acordo com o quadro de referência teórica (basta lembrar que “o número das formulações propostas atinge a inacreditável cifra de 300” Stati 1976:7969).
Dardano e Trifone (2003, p. 478, tradução nossa) também reconhecem a dificuldade italiana para definir frase. O tópico 12.20.1 da sua Grammatica italiana traz o título È difficile definire la frase (É difícil definir a frase), e afirmam: “Da frase, foram dadas muitas definições: um estudioso contou umas trezentas! Depende do ponto de vista de que se dispõe”. No português do Brasil, essa dificuldade, em geral, não existe. Os gramáticos brasileiros costumam definir frase como um enunciado de sentido completo. Para Sacconi (1990, p.280) e Azeredo (2010), frase é qualquer comunicação realizada através do uso de palavras; “é a unidade fundamental do discurso” (AZEREDO, 2010, p. 136). Segundo o Dicionário escolar da língua portuguesa70, publicado pela Academia Brasileira de Letras (2008, p. 606-607), frase é “unidade
69
STATI 1976: Sorin S., La sintassi, Bologna, Zanichelli. Obra popular, destinada à grande massa estudantil brasileira, distribuída, inclusive, gratuitamente para os estudantes do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino da cidade do Rio de Janeiro. 70
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de comunicação linguística transmissora de uma mensagem, caracterizada por uma entoação que lhe marca o início e o fim”. Em relação à frase nominal, cabe fazermos uma observação. Francesco Sabatini (1994, p. 436, tradução nossa) dedica a unidade 23 da sua gramática para tratar desse tipo frasal. Os títulos da unidade são: As frases sem verbo ou “nominais”: na realidade são enunciados. O “estilo nominal71. O autor afirma o seguinte (ibid., p. 436, tradução nossa):
Dissemos muitas vezes que a verdadeira e legítima “frase” é uma expressão linguística de sentido completo que se baseia em um elemento indispensável, o verbo, que constitui o predicado. Então, verdadeiras e legítimas “frases” sem verbo (as chamadas “frases nominais”) não existem. Se tiramos o verbo de uma frase, para que tenha sentido, deve ser pronunciada ou escrita “em situação”: e então será um verdadeiro enunciado, que adquire o seu significado através dos outros elementos do contexto.
Francesco Sabatini não considera, portanto, a frase nominal uma frase tão verdadeira e legítima quanto à frase verbal. Essa visão do autor é, a nosso ver, muito particular e radical. Vejamos abaixo um exemplo de frase nominal e de frase verbal simples. Daremos exemplos da frase múltipla mais à frente. A) FRASE NOMINALE: Antonio, qui subito! (DARDANO E TRIFONE; 2003, p. 94) B) FRASE VERBALE SEMPLICE O SINGOLA: Mario uscì di casa. (DARDANO E TRIFONE; 2003,p.94)
Consideremos agora a oração. Podemos classificá-la da seguinte forma: A) Quanto à função: indipendente, principale, reggente, coordinata e subordinata ou dipendente; B) Quanto ao modo verbal: esplicita e implicita. A oração indipendente tem sentido completo, isto é, não depende de outra oração para ter sentido; A frase semplice ou singola — que é a que tem apenas um predicado — é formada por uma oração indipendente. As orações coordinate (coordenadas) são consideradas indipendenti. A oração principale faz parte de uma frase múltipla, tanto de tipo composta quanto de tipo complessa. É um tipo de oração indipendente à qual outras orações se ligam. Na frase multipla
71
Os títulos em italiano são: Le frasi senza verbo o “nominali”: in realtà sono enunciati. Lo “stile nominale”.
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complessa, essa oração principale passa a se chamar reggente, “porque rege, isto é, sustenta a dependente ou subordinada” (PITTANO, 1974, p. 484, tradução nossa). A oração subordinata ou dipendente compõe a frase multipla complessa, juntamente com a oração reggente. Quanto ao modo verbal, a oração será esplicita, quando apresentar o verbo na forma finita, ou seja, flexionado; será implicita, quando o verbo estiver em uma das formas nominais: implicita d’infinito, di gerundio ou di participio (respectivamente reduzida de infinitivo, de gerúndio e de particípio). Giuseppe Pittano (1974, p. 491, tradução nossa) chama a atenção sobre a hierarquia existente entre as orações: Como em todas as categorias, entre as orações também há uma hierarquia com os seus graus: principale, subordinata di 1º grado (aquela que depende da principale), subordinata di 2º grado (aquela que depende da subordinada de 1º grau), subordinata di 3º grado (aquela que depende da subordinada de 2º grau) etc.
Assim, em italiano, teremos os seguintes tipos de periodo:
TIPOS DE PERÍODO
Periodo per coordinazione (ou paratassi) Periodo per subordinazione (ou ipotassi) Periodo per coordinazione e per subordinazione
TIPOS DE ORAÇÕES QUE FORMAM O PERÍODO
Proposizione principale e una o più proposizioni coordinate Proposizione reggente e una o più proposizioni subordinate Proposizione principale/reggente, proposizioni subordinate e coordinate
Vejamos um exemplo de cada tipo de frase multipla do italiano; não apresentamos a classificação completa, porque aqui cabe apenas apontar as orações principale, reggente, coordinata e subordinata: A) Exemplo de periodo per coordinazione (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 443): Piove / e non ho l’ombrello. 1ª prop.
2ª proposizione
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1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata
B) Exemplo de periodo per subordinazione (PITTANO, 1974, p. 491): Oggi non vengo a scuola / perché non ho fatto il compito / che il professsore ci aveva dato. 1ª proposizione
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: principale [reggente] 2ª proposizione: subordinata di 1º grado [legata alla reggente] 3ª proposizione: subordinata di 2º grado [legata alla 2ª proposizione]
C) Exemplo de periodo per coordinazione e per subordinazione 72: Non so / che cosa tu voglia / e che cosa tu cerchi da noi. 1ª prop.
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata di 1º grado (subordinata alla reggente) 3ª proposizione: 2ª subordinata di 1º grado (subordinata alla reggente) e coordinata alla 1ª subordinata di 1º grado
Verifiquemos agora como as gramáticas da língua portuguesa, em geral, apresentam os mesmos princípios sintáticos: Frase é um enunciado com sentido completo73. Os sinais de pontuação que podem encerrar uma frase são o ponto final, o ponto de exclamação, o ponto de interrogação e as reticências; Uma frase pode ser nominal ou verbal. Será nominal quando não tiver um verbo, como no seguinte enunciado: Que dia lindo! Será verbal se tiver um ou mais verbos ou locuções verbais; Um período é uma frase verbal, com um ou mais verbos. Quando tem um verbo ou uma locução verbal, trata-se de um período simples; quando tem dois ou mais verbos ou locuções verbais, temos um período composto; 72 73
A frase-exemplo é apresentada por Pittano (1974, p. 496), mas a análise é nossa. Ter “sentido completo” significa ser capaz de transmitir uma mensagem linguística completa.
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Uma oração não precisa ter sentido completo, visto que é um enunciado organizado em torno de um verbo ou de uma locução verbal, expressando uma ideia; O número de orações de uma frase verbal ou período, dependerá do número de verbos ou locuções verbais que esta frase contenha: termos um verbo ou uma locução verbal, significa termos uma oração na frase ou período; termos dois verbos ou locuções verbais, significa termos duas orações, e por aí vai. Quando um período tem uma única oração, esta é classificada como oração absoluta. Considerando o que foi exposto até aqui, podemos elaborar o seguinte esquema sobre o português: FRASE
NOMINAL (sem verbos) VERBAL = PERÍODO
SIMPLES (uma única oração: a oração absoluta) COMPOSTO (duas ou mais orações)
Há três tipos de período composto em português; vejamos no quadro abaixo quais são:
PORTUGUÊS
TIPOS DE ORAÇÕES QUE FORMAM O PERÍODO
Formado por duas ou mais orações coordenadas Período composto por coordenação
assindéticas e/ou sindéticas Formado por uma oração principal e uma ou mais
Período composto por subordinação
orações subordinadas
Período composto por coordenação e por
Formado por uma oração principal e orações
subordinação (ou misto)
subordinadas e coordenadas
Assim, estabelecendo uma análise contrastiva entre italiano e português em relação a estes conceitos sintáticos, partamos do quadro abaixo para as observações:
ITALIANO
PORTUGUÊS
frase singola (un’unica proposizione)
período simples (oração absoluta)
periodo: frase multipla composta e complessa
período composto
136
A frase singola do italiano é o período simples do português; somente a frase multipla composta e complessa são consideradas períodos no italiano; correspondem ao período composto do português. Essa é uma importante diferença a se destacar: no português, uma oração absoluta já constitui um período. Em italiano, só temos um período quando temos duas ou mais orações. Outra diferença significante diz respeito ao modo como o período por coordenação é formado nas duas línguas. Em italiano, este se forma com uma proposizione principale (oração principal) e uma ou mais proposizioni coordinate (orações coordenadas). Em português, só falamos em oração principal no período composto por subordinação. A proposizione principale do período por coordenação italiano corresponderia, então, à oração coordenada assindética do português. Existem as expressões sindetica e asindetica, mas não são usadas para a classificação das orações coordenadas do italiano. Outra distinção pertinente que temos de fazer é a respeito da locução verbal, que se apresenta de modo diferente em português e em italiano. Em português, podemos dizer que uma locução verbal é a união entre um ou mais verbos flexionados que funcionam como auxiliares, e um verbo principal que se apresenta em uma das três formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particípio. Os verbos que funcionam como auxiliares com mais frequência são ser, estar, ter e haver, mas outros verbos, como ir, querer, poder, saber, também podem ser auxiliares em locuções verbais. Algumas palavras, como certas preposições e certos advérbios, podem vir entre o verbo auxiliar e o verbo principal. Vejamos alguns exemplos (as locuções verbais estão sublinhadas nas frases): a) A mesa é feita de madeira.
f) Eles têm sido vistos juntos.
b) Eu não tenho visto Maria.
g) Nós já podemos ir.
c) Ela está estudando agora.
h) Eles sabem falar inglês.
d) Nós queremos sair.
i) A gente não vai vir amanhã.
e) Nós temos de sair.
j) Ele está quase dormindo.
Em italiano, a locução verbal abarca o conceito da língua portuguesa, mas vai além. Locuções verbais são chamadas também de perifrasi verbali (perífrases verbais). Podem ser compostas por um verbo e um complemento-objeto (ou outro complemento). Dardano e Trifone (2003, p. 364) apresentam os seguintes exemplos, que traduzimos entre parênteses:
137
a) aver(e)74 bisogno, aver (il) diritto, aver luogo (ter necessidade, ter (o) direito, ter lugar); b) dar(e) atto, dar l’avvio, dar congedo, dar luogo, dar peso, dar torto (dar ato, dar início, dar licença, dar lugar, dar peso, dar errado); c) far(e) allusione, far finta, far fronte, far uso (fazer alusão, finger, fazer frente, fazer uso); d) metter(e) mano, metter piede, metter in atto, in azione, in guardia (pôr a mão, pôr o pé, pôr em prática, pôr em ação, alertar); e) prender(e) la fuga, aria, prender atto, prender congedo, prender cura, prender gusto, prender il largo, prender le distanze (fugir, tomar ar, tomar nota, despedir-se, cuidar, tomar gosto, afastarse, tomar distância); f) tener(e) compagnia, tener conto, tener fede, tener a bada, tener a dieta, tener in sospeso (fazer companhia, levar em conta, manter a fé, tapear, manter a dieta, manter suspenso).
Giuseppe Pittano (1974, p. 483, tradução nossa) afirma que as locuções verbais formam uma única oração, e dá exemplos dessas locuções: Formam entretanto predicado único: [...] c) as locuções verbais como aver fame, aver sete, aver fretta etc. e as formas perifrásticas, aquelas, isto é, formadas por perífrases ou expressões como: star per, avere intenzione di, essere in procinto di, essere lì lì per, essere sul punto di, essere da, proporsi di etc. Exemplos: Marco ha fame, stavo per scriverti, questa storia è da raccontare.
Luca Serianni (1999, p. 379, tradução nossa), sobre locuções verbais em italiano, afirma o seguinte: Comportam-se como verbos também algumas locuções (ditas exatamente locuções verbais) que compreendem um nome, geralmente não-articulado, ou um adjetivo: aver bisogno (= abbisognare), andare a cavallo (= cavalcare), prendere cappello (=offendersi), farsi bello (= compiacersi, vantarsi), farsi vivo (= presentarsi, dar notizie di sé) etc.
Esse modo da língua italiana de conceber a locução verbal faz muita diferença no momento de estabelecer a correspondência entre as classificações de algumas orações do italiano e do português. Como essa concepção de locução verbal não existe no português, as classificações de algumas orações consequentemente são diferentes. Vejamos um exemplo disso 74
Na locução verbal, quando o verbo se apresenta no infinitivo, é possível omitir-se o “e” final.
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com uma frase apresentada por Francesco Sabatini (1994, p. 482), ao tratar da proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta. Seguem a frase e a análise: Mi rendo conto / di come tu sei preoccupato. 1ª proposizione
2ª proposizione
Francesco Sabatini classifica a primeira oração como reggente e a segunda oração como proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta. A expressão Mi rendo conto (rendersi conto) é uma locução verbal em italiano, por isso, toda a segunda oração é vista como um complemento verbal do tipo objeto direto. Porém, quando traduzimos a frase para o português e fazemos a análise oracional, o resultado é diferente, ou seja, a segunda oração não é subordinada substantiva objetiva direta, como no italiano. Vejamos:
Eu me dou conta / de como você está preocupado. 1ª oração
2ª oração
A primeira oração é a principal, e a segunda é uma oração subordinada substantiva completiva nominal, porque toda ela está ligada ao substantivo “conta”, que é parte da expressão “dar-se conta”. Logo, é preciso estar atento a diferenças como as que apontamos, entre a sintaxe do período composto do italiano e a do português, para que seja possível o conhecimento adequado das mesmas.
6.2. Frase multipla composta (Periodo composto per coordinazione)
Como vimos no tópico anterior, o periodo per coordinazione (ou paratassi) é formado por uma proposizione principale e uma ou mais proposizioni coordinate. É parcialmente diferente do português, cujo período por coordenação é formado geralmente por orações coordenadas assindéticas e sindéticas. Também vimos que estas expressões — asindetica e sindetica — também existem em italiano, mas não são usadas.
139
A coordenação em italiano pode ser feita de duas maneiras: por asindeto (ou giustapposizione) ou por meio de congiunzioni coordinative. A coordinazione per asindeto é quando não há conectivo ligando as orações; estas são separadas por sinais de pontuação (vírgula, ponto e vírgula, dois pontos), como no exemplo abaixo: Scesi le scale, / uscii dal portone, / chiamai un tassì. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445) 1ª P
2ª P
3ª P
Nós trataremos da giustapposizione, bem como da chamada correlazione, no tópico 6.2.2 desta tese. Passemos ao próximo tópico, em que trataremos da coordenação por meio das congiunzioni coordinative.
6.2.1. Proposizioni coordinate
Neste tópico, veremos quais são as chamadas proposizioni coordinate do italiano e as principais conjunções que as introduzem. Em seguida, verificaremos os tipos de orações coordenadas em português e as principais conjunções ligadas a elas. Depois apresentaremos as nossas hipóteses em relação à correspondência entre estas orações das duas línguas, com base apenas na tradução das conjunções e dos termos que dão nome às classificações. Do tópico 6.2.1.1 ao 6.2.1.7 realizaremos a análise de cada tipo de oração coordenada italiana e, então, confirmaremos ou refutaremos as referidas hipóteses. É importante frizarmos que nós nos propomos a apresentar as conjunções e locuções conjuntivas principais do italiano e do português, ou seja, as que são mais corriqueiras e usuais, as mais típicas da linguagem coloquial. Vejamos os quadros que se seguem. O primeiro é da língua italiana 75, e o segundo é do português76:
75
Com base principalmente na Grammatica italiana de Giuseppe Pittano (1974). Em relação às funções das conjunções, preferimos manter as informações em italiano. 76 Com base principalmente na Gramática Houaiss, de José Carlos de Azeredo (2010).
140
ITALIANO: PROPOSIZIONI COORDINATE
PRINCIPALI CONGIUNZIONI
copulativa
e (ed), pure, inoltre, anche, né, neppure, neanche, nemmeno
disgiuntiva
o, oppure, ovvero
avversativa
ma, però, tuttavia, eppure, anzi, invece, al contrario
sostitutiva
ma, bensì
conclusiva o consecutiva esplicativa o dimostrativa
FUNZIONI DELLE CONGIUNZIONI
Colegano, uniscono idee. Separano due elementi, escludendone uno. Contrappongono tra loro due termini. Servono a sostituire l’idea presente nella reggente: il secondo elemento nega o annula il primo.
quindi, dunque, pertanto, perciò infatti, cioè, ossia
Servono a concludere cio che si è detto. Dichiarano o spiegano un fatto, un concetto.
PORTUGUÊS: ORAÇÕES COORDENADAS
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
FUNÇÕES DAS CONJUNÇÕES
aditiva
e, nem, mas também, mas ainda
Expressam soma, adição.
adversativa
mas, porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto, senão
Exprimem adversidade, contrariedade, oposição.
explicativa
porque, que, pois (quando anteposto ao verbo)
Expressam explicação.
conclusiva
logo, portanto, então, pois (quando posposto ao verbo), por isso
Expressam conclusão.
alternativa
ou, ou...ou, ora...ora, quer...quer, já...já, seja...seja
Exprimem alternância ou escolha.
Verifiquemos agora as nossas hipóteses sobre a correspondência entre os tipos de oração coordenada do italiano e os do português. A proposizione coordinata copulativa expressa a mesma ideia que a oração coordenada sindética aditiva do português: soma, adição. As conjunções dessas orações são praticamente as
141
mesmas. As conjunções italianas e (ed), pure, inoltre, anche, né, neppure, neanche e nemmeno significam, em português, respectivamente: e, também, além disso, também, nem, nem sequer, tampouco, nem mesmo. As duas orações supracitadas seriam, então, correspondentes. A proposizione coordinata disgiuntiva: pela sua função e pelas conjunções (que significam respectivamente ou, ou também/ou melhor, ou/ou bem), corresponderia à oração coordenada sindética alternativa, quando esta dá ideia de exclusão. A proposizione coordinata avversativa do italiano e a oração coordenada sindética adversativa do português expressam a mesma ideia: adversidade, contrariedade, oposição. As conjunções italianas ma, però, tuttavia, eppure, anzi, invece e al contrario significam respectivamente mas, porém, todavia, contudo, antes/pelo contrário, ao invés e ao contrário. Elas têm o mesmo valor semântico das conjunções coordenativas adversativas do português. Logo, em princípio, podemos dizer que as duas orações em questão são correspondentes. A proposizione coordinata sostitutiva corresponderia à oração coordenada sindética adversativa. Suas principais conjunções são ma e bensì, que significam mas e mas sim. A proposizione coordinata conclusiva o consecutiva e a oração coordenada sindética conclusiva apresentam a mesma função: expressam conclusão. As conjunções italianas quindi, dunque, pertanto, perciò são traduzidas respectivamente da seguinte forma: assim, então, portanto, por isso. As duas referidas orações são correspondentes. A proposizione coordinata esplicativa o dimostrativa declara ou explica um fato ou um conceito. Suas conjunções, infatti, cioè, ossia, significam de fato, isto é, ou seja. Oficialmente, nenhum tipo de oração coordenada da língua portuguesa é introduzida por estas expressões, que em português são chamadas de expressões denotativas de explicação; elas têm valor de advérbio. A oração coordenada sindética explicativa e a proposizione coordinata esplicativa, apesar de terem a mesma função, em princípio, não seriam correspondentes. Entre as orações coordenadas, esta oração coordenada italiana é a que ofereceria maior dificuldade de aprendizagem por parte de estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira. Passemos agora para a análise de cada tipo de oração.
142
6.2.1.1. Proposizione copulativa
Afirmamos, no tópico anterior, que a proposizione coordinata copulativa e a oração coordenada aditiva são correspondentes. Para confirmarmos esta assertiva, analisemos agora algumas sentenças. Nas frases do quadro abaixo, as proposizioni copulative e as orações coordenadas sindéticas aditivas estão sublinhadas.
AUTORES
Dardano e Trifone (2003, p. 444) Francesco Sabatini (1994, p. 449)
EXEMPLOS 1) Lascio qui l’automobile e proseguo a piedi. (Deixo aqui o automóvel e prossigo a pé.) 2) Marta non viene e nemmeno Laura. (Marta não vem, e nem Laura.) Cecilia studia e Teresa disegna. (Cecília estuda, e Teresa desenha.) 1) Giorgio esce e compra il giornale. (Jorge sai e compra o jornal.)
Luca Serianni (1999, p. 535)
2) Non sei il primo né sarai l’ultimo a sbagliare. (Você não é o primeiro nem será o último a errar.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322)
Gli uomini nascono e faticano, inoltre soffrono e gioiscano. (Os homens nascem e se esforçam, além disso sofrem e se alegram.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 496)
1) Mangiava e beveva senza tante preoccupazioni. ( (Ele/Ela) comia e bebia sem tantas preocupações.) 2) È un pittore molto ben quotato, inoltre compone dei bellissimi versi. (É um pintor muito bem quotado, além disso compõe uns lindos versos.)
No quadro acima, todas as frases italianas, apresentadas como “exemplos”, têm, em sua constituição, uma proposizione coordinata copulativa. Selecionamos frases com diferentes congiunzioni coordinative copulative. O primeiro passo para a análise foi traduzirmos todas as frases para o português; depois sublinhamos, nas traduções, as orações coordenadas sindéticas, as quais analisamos e verificamos serem aditivas. Ao contrastarmos as proposizioni coordinate copulative com as orações coordenadas sindéticas aditivas, confirmamos que as referidas orações são correspondentes. Analisemos com mais detalhes algumas dessas frases italianas.
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ITALIANO:
Frase 1: Tu suoni e io canto. (Luca Serianni, 1999, p. 535) Análise segundo a gramática italiana: Tu suoni / e io canto. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata copulativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Você toca, / e eu canto. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética aditiva
Como podemos verificar na análise acima, a divisão das frases em orações é a mesma. Em italiano, a primeira oração é chamada de principale e corresponde à coordenada assindética da frase em português. As duas orações coordenadas, a do italiano e a do português, são correspondentes. Em relação às frases acima, temos a observar ainda que, em português, quando o sujeito da segunda oração não é o mesmo sujeito da primeira, temos de usar vírgula antes da conjunção que introduz a segunda oração. No italiano essa regra não existe. Analisemos mais uma frase:
ITALIANO:
Frase 2: Marta non viene e nemmeno Laura (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.444). Análise segundo a gramática italiana: Marta non viene / e nemmeno Laura. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata copulativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Marta não vem, / e nem Laura. 1ª oração
2ª oração
Obs.: Marta não vem, e nem Laura (vem).
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética aditiva
144
Na frase 2, temos uma combinação de duas conjunções, introduzindo a segunda oração: e nemmeno (e nem mesmo). A correspondência se estabelece como na frase 1. Por isso, reafirmamos que a proposizione coordinata copulativa do italiano corresponde à oração coordenada sindética aditiva do português.
6.2.1.2. Proposizione coordinata disgiuntiva
Como vimos no tópico 6.2.1, a proposizione coordinata disgiuntiva expressa ideia de exclusão. Vejamos, no quadro abaixo, algumas frases com esta oração italiana.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
È ancora qui o è già andato via? ((Ele) ainda está aqui ou já foi embora?)
Francesco Sabatini (1994, p. 449)
Sei venuto da solo o c’è anche tua moglie? (Você veio sozinho ou sua mulher também está?)
Luca Serianni (1999, p. 540)
Scherzi o fai sul serio? (Você está brincando ou é sério?)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322)
Stasera leggerò o scriverò oppure sentirò la radio. (Esta noite lerei ou escreverei ou então ouvirei música.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 496)
Resti con noi o hai deciso altrimenti? (Você fica conosco ou decidiu outra coisa?)
Analisemos, mais detalhadamente, uma destas frases.
ITALIANO:
Frase 1: È ancora qui o è già andato via? (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.445). Análise segundo a gramática italiana:
145
È ancora qui / o è già andato via? 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata disgiuntiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Ainda está aqui / ou já foi embora? 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética alternativa
Da mesma forma que ocorreu com a proposizione coordinata copulativa, a divisão em orações da frase 1 italiana e da frase em português neste tópico foi a mesma: a separação ocorre antes do conetivo,que nesse caso foi o (ou). A primeira oração italiana, principale, corresponde à primeira oração da frase em português, coordenada assindética. A segunda oração italiana, coordinata disgiuntiva, corresponde à segunda oração da frase em português, coordenada sindética alternativa. É importante frizar que, a proposizione coordinata disgiuntiva só corresponde à oração coordenada alternativa do português no caso em que esta expressa ideia de exclusão. Não consideramos necessário analisar detalhadamente outros exemplos.
6.2.1.3. Proposizione coordinata avversativa
A hipótese que apresentamos no tópico 6.2.1 sobre a proposizione coordinata avversativa é que ela é correspondente à oração coordenada sindética adversativa. Vejamos se esta assertiva é verdadeira, com a análise que fizemos a partir do quadro abaixo:
AUTORES
EXEMPLOS 1) Ti sono amico, ma non posso aiutarti. (Sou teu amigo, mas não posso te ajudar.)
Dardano e Trifone (2003, p. 444)
2) I dati sono precisi, però sono incompleti. (Os dados são precisos, porém estão incompletos.)
Francesco Sabatini (1994, p. 449)
Volevo parlargli, ma se n’è andato. (Eu queria falar com ele, mas ele foi embora.)
146
1) È tardi, però non ho sonno. (É tarde, porém não tenho sono.) Luca Serianni (1999, p. 537;539)
2) Capisco le tue ragioni, eppure non riesco a convincermi. (Entendo as tuas razões, contudo não consigo convencer-me.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322)
Volevo studiare ma non trovai il tempo per farlo. (Eu queria estudar, mas não encontrava o tempo para fazer isso.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 496)
Non ha vinto, tuttavia ha ottenuto un tempo apprezzabile. ((Ele/Ela) não venceu, todavia obteve um tempo apreciável.)
Analisemos detalhadamente duas das frases do quadro, para depois apresentarmos nossas considerações.
ITALIANO:
Frase 1: Ti sono amico, ma non posso aiutarti. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 444) Análise segundo a gramática italiana: Ti sono amico, / ma non posso aiutarti. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata avversativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Sou teu amigo, / mas não posso te ajudar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética adversativa
ITALIANO:
Frase 2: I dati sono precisi, però sono incompleti. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 444) Análise segundo a gramática italiana:
I dati sono precisi, / però sono incompleti. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata avversativa
147
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Os dados são precisos, / porém estão incompletos. 1ª oração: coordenada assindética 1ª oração
2ª oração
2ª oração: coordenada sindética adversativa
Como podemos verificar, analisando as frases acima, é bastante clara a correspondência entre proposizione coordinata avversativa e oração coordenada sindética adversativa. A primeira oração das frases em italiano é a principale e corresponde à primeira oração das frases em português, a coordenada assindética; a segunda oração das frases em italiano é a proposizione coordinata avversativa, que correponde à segunda oração das frases em português, a coordenada sindética adversativa. Este tipo de oração coordenada do italiano não apresenta dificuldade para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
6.2.1.4. Proposizione coordinata sostitutiva
Esta oração é um caso particular de coordenada. Das cinco gramáticas italianas que utilizamos neste trabalho, apenas duas tratam deste tipo de oração do italiano: a Grammatica italiana, de Dardano e Trifone (2003, p. 444), e também a Grammatica italiana, de Luca Serianni (1999, p. 537). Dardano e Trifone, na obra supracitada, tratam deste tipo de oração dentro do tópico sobre a coordenação adversativa; os autores explicam que “o contraste parcial caracteriza a oração adversativa; [...] O contraste total caracteriza, por sua vez, aquela que os linguistas chamam de proposizione sostitutiva”. A estrutura da avversativa é A però B (A porém B); e a da sostitutiva é non A bensì B (não A mas sim B). Segundo os autores, as principais congiunzioni avversative são ma, però, tuttavia e eppure; e as principais congiunzioni sostitutive são ma, bensì, anzi e invece. Luca Serianni (1999, p. 538) dá praticamente as mesmas informações que Dardano e Trifone, e acrescenta: “A conjunção fundamental para este tipo de coordenação é ma (mas) (sempre em posição inicial), que não só é a mais frequente no uso, mas é a única que pode desenvolver funções seja avversative [...], seja sostitutive”. O autor ainda explica que a conjunção
148
ma pode unir-se a outras congiunzioni avversative ou sostitutive para intensificar uma ideia: ma però, ma bensì. Vejamos, no quadro abaixo, os exemplos de proposizioni coordinate sostitutive:
AUTORES
EXEMPLOS 1) Non considerarmi un amico, ma un pericoloso rivale. (Não me considere um amigo, mas um perigoso rival.)
Dardano e Trifone (2003, p. 444)
2) I dati non sono imprecisi, bensì del tutto infondati. (Os dados não são precisos, mas sim de todo infundados.) 3) Lui non è intelligente, ma stupido. (Ele não é inteligente, mas estúpido.)
Luca Serianni (1999, p.537-538)
1) Non sbadigliava per il sonno, bensì per la fame. (Não bocejava pelo sono, mas sim pela fome.) 2) Signore Gesù Cristo [...] non guardare ai nostri peccati, ma alla fede della tua Chiesa. (Senhor Jesus Cristo [...] não olhe os nossos pecados, mas a fé da tua Igreja.)
Francesco Sabatini, Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone e Giuseppe Pittano não tratam dessa oração. Analisemos duas das frases acima.
ITALIANO:
Frase 1: Non considerarmi un amico, ma un pericoloso rivale. (DARDANO;TRIFONE,2003, p.444) Análise segundo a gramática italiana: Non considerarmi un amico, / ma un pericoloso rivale. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata sostitutiva TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não me considere um amigo, / mas um perigoso rival. 1ª oração
2ª oração
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1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética adversativa
ITALIANO:
Frase 2: Non sbadigliava per il sonno, bensì per la fame. (SERIANNI, 1999, p. 537) Análise segundo a gramática italiana: Non sbadigliava per il sonno, / bensì per la fame. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata sostitutiva TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não bocejava pelo sono, / mas sim pela fome. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética adversativa
Como pudemos verificar nas frases italianas 1 e 2 analisadas acima, a primeira oração delas é a negação de um fato. Conforme afirmam Dardano e Trifone (2003, p. 444, tradução nossa): “o primeiro termo da relação é negado e é “substituído” pelo segundo”. Daí o nome da oração ser sostitutiva, isto é, substitutiva. Essa nuance oracional não existe na língua portuguesa. A proposizione coordinata avversativa e a proposizione coordinata sostitutiva correspondem, portanto, à oração coordenada sindética adversativa.
6.2.1.5. Proposizione coordinata conclusiva o consecutiva
Como vimos no tópico 6.2.1, a proposizione coordinata conclusiva o consecutiva e a oração coordenada sindética conclusiva expressam conclusão. Vejamos as frases-exemplo no quadro abaixo, para confirmarmos a correspondência entre essas orações.
150
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
Più persone l’hanno visto in città, quindi è sicuramente tornato. (Mais pessoas o viram na cidade, logo, com certeza ele voltou.)
Francesco Sabatini (1994, p. 449)
Il film era noioso, perciò non l’ho visto tutto. (O filme era chato, por isso não o vi todo.)
Luca Serianni (1999, p. 541)
Don Abbondio in vece [sic] non sapeva altro ancora se non che l’indomani sarebbe giorno di battaglia; quindi una gran parte della notte fu spesa in consulte angosciose. (Dom Abondio, ao contrário, não sabia de nada ainda, a não ser que o dia seguinte seria dia de batalha; então uma grande parte da noite foi gasta em consultas angustiantes.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322)
Giuseppe Pittano (1974, p. 496)
Tu hai sbagliato, dunque sei colpevole. (Você errou, então é culpado/a.)
Passava i suoi giorni sui libri, pertanto la vista gli si indebolì e dovette mettere gli occhiali. ( (Ele/Ela) passava os seus dias sobre os livros, por conseguinte a vista se enfraqueceu e teve que colocar óculos.)
As frases-exemplo do quadro acima têm diferentes conjunções: quindi, perciò, dunque, pertanto. Todas são sinônimas entre si; uma pode substituir a outra, que o sentido permanecerá o mesmo. Analisemos uma das frases com mais detalhes.
ITALIANO:
Frase 1: Più persone l’hanno visto in città, quindi è sicuramente tornato. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise segundo a gramática italiana: Più persone l’hanno visto in città, / quindi è sicuramente tornato. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata conclusiva TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
151
Mais pessoas o viram na cidade, / logo, com certeza ele voltou. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética conclusiva
Não há dificuldade com este tipo de oração do italiano, porque, de fato, corresponde à oração coordenada sindética conclusiva.
6.2.1.6. Proposizione coordinata esplicativa o dimostrativa Consideramos esta oração italiana um desafio para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira. Se considerarmos a tradução da expressão proposizione coordinata esplicativa, pensaremos imediatamente que esta oração italiana tem sua correspondente em português na oração coordenada sindética explicativa. Porém, a contrastação destas duas orações nos leva a questionar se elas são realmente correspondentes, devido a diferenças significativas entre elas. A primeira questão a se pensar é o fato de que essas duas orações não têm nenhuma conjunção em comum. Como vimos no tópico 6.2.1, as principais conjunções da proposizione coordinata esplicativa são infatti, cioè, ossia, que significam em português respectivamente de fato, isto é, ou seja. As conjunções da oração coordenada sindética explicativa do português são porque, que e pois (esta última, quando anteposta ao verbo). As duas orações têm, portanto, conjunções diferentes. As duas orações têm praticamente a mesma função: explicar, justificar, esclarecer. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 445), a estrutura da oração explicativa italiana é A infatti B (A de fato B) ou A cioè B (A isto é B). Já a estrutura básica da explicativa do português é A porque B. Vejamos os exemplos no quadro a seguir.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
1) Siamo in ritardo, infatti non c’è più nessuno. (Estamos atrasados, de fato, não há mais ninguém.);
152
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
2) Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello. (Luísa é minha cunhada, / isto é, casou-se com meu irmão.)
Francesco Sabatini (1994, p. 449)
Ugo era molto stanco, infatti non è venuto. (Hugo estava muito cansado, de fato não veio.)
Luca Serianni (1999, p. 543)
Scrivo queste cose in italiano, cioè le traduco in un’altra lingua. (Escrevo estas coisas em italiano, isto é, traduzo-as em uma outra língua.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 496)
È arrivato tutto bagnato; infatti fuori pioveva. ( (Ele) chegou todo molhado; de fato, lá fora chovia.)
Consideremos primeiro o tipo de relação estabelecido entre as orações das frases. As duas orações que compõem cada frase do italiano e do português são independentes entre si; logo, entre elas se estabelece uma relação de coordenação. Temos, então, nas frases em português, dois tipos de oração coordenada, sendo pelo menos uma delas assindética (a primeira). Consideremos agora as conjunções da oração explicativa italiana em questão: cioè, infatti, ossia. Conforme já dissemos, essas expressões, traduzidas para o português, significam isto é, de fato, ou seja. No português, essas expressões são classificadas como locuções denotativas de explicação. Não pertencem, segundo a NGB, a nenhuma classe gramatical, embora sejam consideradas semelhantes a advérbios. Como já são classificadas como locuções denotativas de explicação, as orações introduzidas por essas expressões deveriam ser classificadas, a nosso ver, como coordenadas sindéticas explicativas. Analisemos mais detalhadamente duas frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Siamo in ritardo, infatti non c’è più nessuno. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.445) Análise segundo a gramática italiana: Siamo in ritardo, / infatti non c’è più nessuno. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata esplicativa
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TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Estamos atrasados, / de fato, não há mais ninguém. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética explicativa (posicionamento nosso)
ITALIANO:
Frase 2: Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello.(DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 445) Análise segundo a gramática italiana: Luisa è mia cognata, / cioè ha sposato mio fratello. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale 2ª proposizione: coordinata esplicativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Luísa é minha cunhada, / isto é, casou-se com meu irmão. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética explicativa (posicionamento nosso)
Assim, pelos argumentos que apresentamos, resolvemos optar por classificarmos a proposizione coordinata esplicativa do italiano como oração coordenada sindética explicativa. É interessante observar que duas das frases do quadro de exemplos poderiam ter suas conjunções substituídas por perché, e as frases continuariam a ter sentido, mas a classificação das orações mudaria. Vejamos: 1) Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello. (DARDANO E TRIFONE, 2003) 2) È arrivato tutto bagnato; infatti fuori pioveva. (PITTANO, 1999)
Substituindo as conjunções cioè e infatti pela conjunção perché, teríamos:
154
1) Luisa è mia cognata, perché ha sposato mio fratello. 2) È arrivato tutto bagnato, perché fuori pioveva.
As orações sublinhadas seriam classificadas como proposizioni subordinate avverbiali causali. Traduzindo estas frases para o português e analisando as orações, verificaríamos que a classificação da segunda oração também seria subordinada adverbial causal. Já na frase abaixo, infatti não poderia ser substituído por perché, do contrário, a frase não teria sentido. Vejamos: Ugo era molto stanco, infatti non è venuto. (SABATINI, 1994) Ugo era molto stanco, perché non è venuto. (enunciado sem sentido)
Em português, há dificuldade para se distinguir a oração coordenada sindética explicativa da oração subordinada adverbial causal, porque essas orações podem ser introduzidas pela mesma conjunção porque. A distinção entre uma e outra fica a cargo da interpretação da frase, da sua carga semântica. Assim, conforme explica Ataliba de Castilho (2010, p. 348), nas frases: A) A rua está molhada porque choveu.
B) Choveu, porque a rua está molhada.
Temos uma oração subordinada adverbial causal na frase A (sublinhada), e uma oração coordenada sindética explicativa na frase B (sublinhada). Castilho explica que “considera-se causal a sentença a cujo conteúdo proposicional está associado um efeito ou consequência, verbalizado na sentença principal”. A frase B expressa uma explicação e não uma causa, porque, por uma questão de lógica, “rua molhada” não pode ser causa, e “chover”, efeito, mas sim o contrário. Em italiano, não há confusão entre proposizione coordinata esplicativa e proposizione subordinata avverbiale causale, porque estas orações não compartilham nenhuma conjunção. Pelo contrário, elas têm conjunções bem diferentes. Quando tratarmos da proposizione subordinata avverbiale causale, voltaremos a tratar da oração coordenada sindética explicativa do português.
155
6.2.2. Correlazione e giustapposizione
A chamada correlazione do italiano é o mesmo que, em português, chamamos de correlação. É um tipo especial de combinação de orações. Segundo Ataliba de Castilho (2010, p. 387), o referido termo significa “relacionamento simultâneo”. Em português, pode haver correlação tanto com orações coordenadas quanto com subordinadas; os pares correlativos se formam de duas maneiras: por repetição do mesmo elemento conjuntivo (correlatas espelhadas77); por repetição de elementos conjuntivos distintos (correlatas não-espelhadas). Assim, há oração correlata aditiva, alternativa, comparativa, consecutiva, proporcional, equiparativa etc.. Vejamos alguns exemplos apresentados por Ataliba de Castilho (2010, p. 386); as conjunções78 estão sublinhadas: A) O aluno não só estuda como também trabalha. (correlação aditiva) B) Você ou estuda ou trabalha, as duas coisas ao mesmo tempo serão muito difíceis. (correlação alternativa) C) Apareceu com um perfume tão adocicado quanto enjoativo. (correlação comparativa)
Entre os gramáticos brasileiros há discordância a respeito do estatuto da correlação. Ataliba de Castilho (2010) apresenta-a como um terceiro tipo de relação intersentencial, ao lado da coordenação e da subordinação. Já Câmara Jr. (1975, p. 62-69) vê tanto a correlação quanto a justaposição como modalidades da coordenação e da subordinação. O resultado dessa discordância é que as gramáticas — não só as da língua portuguesa, mas também as italianas — acabam apresentando esse tópico gramatical de maneira por vezes confusa. Em geral, o que prevalece é a visão de Câmara Jr.. As gramáticas italianas que abordam a correlazione o fazem dentro da parte da coordinazione. Em geral, a explicação sobre essa forma de combinar orações é dada através de pequena observação, com poucos exemplos. Para Dardano e Trifone (2003, p. 445), há particelle correlative (partículas correlativas), que formam proposizioni copulative, avversative, disgiuntive. Os autores (ibid., tradução nossa) 77
Todas as correlatas alternativas formam-se por espelhamento: já...já, nem...nem, ora...ora, ou...ou, quer...quer, seja...seja. 78 Ataliba de Castilho (2010, p. 386) chama certas conjunções que formam a correlação de conjunções complexas.
156
afirmam o seguinte sobre correlação: “A coordinazione copulativa, avversativa e disgiuntiva pode ser reforçada por palavras correlativas (e ... e, nem ... nem, não só ... mas, ou ... ou)”. Francesco Sabatini (1994, p. 450, tradução nossa) afirma que há muitas formas de coordenação por correlação: “quando se têm duas frases correlatas, o significado de uma se esclarece somente se ligado ao significado da outra”. Luca Serianni (1999, p. 543-544) fala em nessi correlativi (nexos correlativos). O autor afirma (ibid., tradução nossa) que, em geral, esses nexos “marcam uma coordenação copulativa, mesmo quando são parcialmente compostos por conjunções adversativas (mas) ou disjuntivas (ou)”. Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 264), na sua Grammatica italiana, tratam da correlação no capítulo sobre conjunções, na parte 3, que trata da conjunção o (ou). Eles afirmam o seguinte (ibid., tradução nossa): Para conferir à expressão uma maior intensidade, costuma-se repetir a partícula disjuntiva o também para o primeiro termo: [...] ‘La sera o lavoro o leggo’, ‘O vivere o morire’, ‘O Roma o morte’, ‘O vinciamo o siamo perduti’ etc. A relação destes dois “os” diz-se que é “correlativa”.
Giuseppe Pittano (1974, p. 496), fala em conjunções coordenativas correlativas e cita-as ao lado das copulative, disgiuntive, avversative, dichiarative e conclusive. Vejamos exemplos de correlação italiana no quadro a seguir.
AUTORES
EXEMPLOS 1) O parte subito o dovrà restare qui un’altra settimana. (p. 482, exercício 5, n.7; Ou parte imediatamente ou deverá ficar aqui mais uma semana.)
Dardano e Trifone (2003)
2) Né parla né lascia parlare. (p. 445; Nem fala, nem deixa falar.) 3) Non solo l’ho detto, ma l’ho ripetuto molte volte. (p. 445; Eu não somente disse, mas repeti muitas vezes.)
Francesco Sabatini (1994, p. 449;p. 450)
79
1) O vieni tu, o vengo io. (Ou vem você, ou venho eu.79)
A tradução também poderia ser a seguinte: Ou vai você, ou vou eu.
157
2) Come lo scrittore compone romanzi, così il pittore dipinge quadri. (Assim como o escritor compõe romances, assim o pintor pinta quadros.) Francesco Sabatini (1994, p. 449;p. 450)
3) Non soltanto è venuto Carlo, ma anche Giovanni mi ha telefonato. (Não somente Carlos veio, mas também Giovanni me telefonou.) 4) Da una parte vorrei uscire, dall’altra non mi sento bene. (Por um lado, eu queria sair, por outro, não me sinto bem.) 5) Ora si entusiasma, ora si abbatte. (Ora se entusiasma, ora se abate.) 1) Non solo ho perso il treno, ma mi hanno anche rubato i bagagli. (Não só perdi o trem, mas me roubaram também as bagagens.)
Luca Serianni (1999, p. 544)
2) La realtà non soltanto era recente ma presente ancora. (A realidade não somente era recente, mas presente ainda.) 3) Mio padre, non solo non amava la musica, ma la odiava. (Meu pai não só não amava a música, mas a odiava.) 1) La sera o lavoro o leggo. (À noite, ou eu trabalho ou leio.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 264)
2) O vivere o morire. (Ou viver ou morrer.) 3) O Roma o morte. (Ou Roma ou morte.)
1) O si vince o si muore. (Ou se vence ou se morre.) Giuseppe Pittano (1974, p. 389; p. 496)
2) Né dormiva, né permetteva agli altri di dormire. ( (Ele/Ela) nem dormia, nem permitia aos outros dormir.) 3) Non solo non è venuto, ma non ha neanche avvertito. (Ele não só não veio, mas nem mesmo avisou.)
Analisemos três frases apresentadas no quadro:
158
ITALIANO:
Frase 1: O parte subito o dovrà restare qui un’altra settimana. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 482) Análise por dedução (os autores não apresentam análise): O parte subito / o dovrà restare qui un’altra settimana. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata disgiuntiva per correlazione 2ª proposizione: coordinata disgiuntiva per correlazione TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Ou parte agora / ou deverá ficar aqui mais uma semana. 1ª oração
2ª oração
Tanto a 1ª quanto a 2ª oração são coordenadas sindéticas alternativas por correlação
ITALIANO:
Frase 2: Né parla né lascia parlare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise por dedução com base no conteúdo teórico apresentado pelos autores: Né parla / né lascia parlare. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione 2ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nem fala, / nem deixa falar. 1ª oração
2ª oração
Tanto a 1ª quanto a 2ª oração são coordenadas sindéticas alternativas por correlação
ITALIANO:
Frase 3: Non solo l’ho detto, ma l’ho ripetuto molte volte. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445) Análise por dedução com base no conteúdo teórico apresentado pelos autores:
159
Non solo l’ho detto, / ma l’ho ripetuto molte volte. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione 2ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu não somente disse, / mas repeti muitas vezes. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética aditiva por correlação
Na análise das três frases italianas e das frases em português, classificamos as orações de acordo com os tipos de coordenadas, como de costume, e informamos a ocorrência de coordenação por correlação. Verificamos que esse tipo de combinação de orações, conforme afirma Azeredo (2010, p. 351), dá realce às unidades conectadas: “A correlação é um expediente retórico, de rendimento enfático no discurso, e não um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação”. Vejamos agora sucintamente a questão da giustapposizione. Na gramática do português, a expressão justaposição está ligada à Morfologia e à Sintaxe. Na Morfologia, refere-se ao tipo de formação de palavras que consiste na junção de dois ou mais vocábulos, para que formem um vocábulo novo, sem que haja perda de fonemas ou mudança na acentuação, ou seja, sem alteração fonética. São exemplos de justaposição as palavras couve-flor, salário-família, passatempo, girassol, guarda-chuva, vaivém. Na Sintaxe, tanto do português quanto do italiano, justaposição é um tipo de combinação de orações, caracterizado pela ausência de conectivo; a separação entre as orações é feita através de vírgula, ponto e vírgula ou dois pontos. Ataliba de Castilho (2010, p. 337-338) explica o seguinte sobre a justaposição: “A Gramática Tradicional trata as justapostas como coordenadas assindéticas, ou seja, coordenadas não conjuncionais. Sentenças justapostas podem ser convertidas em sentenças conjuncionais”. O autor dá os seguintes exemplo: Orações ligadas por justaposição: Não pagou, foi para a cadeia. As mesmas orações do exemplo, ligadas por conectivo: Foi para a cadeia porque não pagou.
160
As gramáticas italianas tratam da giustapposizione dentro da coordenação. Dardano e Trifone (2003, p. 445), na sua Grammatica italiana, no capítulo 12, apresentam uma pequena observação sobre coordinazione per asindeto (coordenação por assíndeto): “[...] é obtida sem o auxílio de nenhum tipo de conjunção”. Francesco Sabatini (1994, p. 302-303) explica que a justaposição e a coordenação formam as frases múltiplas compostas do italiano. Destacamos uma observação interessante que o autor faz sobre o primeiro tipo de ligação (ibid., p. 448):
O tipo de frase múltipla por justaposição é claramente o mais simples [...]; no entanto, não é o mais frequente. A eliminação de qualquer conjunção requer um maior esforço de interpretação da relação entre as frases individuais justapostas: pode-se acrescentar a isso a eficiência da expressão, e, de fato, a justaposição é frequente nos discursos “em situação” (onde o contexto ajuda a explicar) ou nos textos literários.
O uso de conectivos para ligar orações é, portanto, mais frequente do que o uso da justaposição das sentenças, porque os conectivos facilitam a interpretação das frases, tornando a comunicação mais rápida e eficiente. Porém, como explica Sabatini, a justaposição também ocorre com certa frequência em determinados contextos. Luca Serianni (1999, p. 531-532) apresenta o mesmo tipo de observação:
As orações são aproximadas sem nenhuma ligação formal (mas graficamente o limite da frase é indicado, em geral, por um sinal de pontuação). Trata-se de uma construção muito frequente, seja na fala corrente (e na sua reprodução literária), seja na prosa artística, em particular na do século XX.
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322) afirmam que uma das maneiras de formar período por coordenação é “por simples aproximação lógica, que, na escrita, é marcado com a mais breve pausa, a vírgula”. De fato, a separação das orações justapostas feita por vírgula é a mais comum. Giuseppe Pittano (1974, p. 496), na sua Grammatica italiana, não fala em giustapposizione, mas sim em coordinazione per asindeto, explicando que trata-se de uma ligação de orações feita “sem conjunções, mas por simples aproximação, pela qual as orações são separadas por vígulas, pontos e vírgulas, dois pontos”.
161
Vejamos exemplos apresentados pelos autores italianos a que nos referimos.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
Scesi le scale, uscii dal portone, chiamai un tassì. (Desci as escadas, saí pelo portão, chamei um táxi.) 1) Io ridevo, lui piangeva. (Eu ria, ele chorava.)
Francesco Sabatini (1994, p. 448)
2) Il film era noioso, non l’ho visto tutto. (O filme era chato, não o vi todo.) 3) Volevo parlargli, se n’è andato. (Eu queria falar com ele, ele foi embora.)
Luca Serianni (1999, p. 544)
Tu non ricordi; altro tempo frastorna la tua memoria 80. (Você não lembra; um outro tempo atordoa a tua memória.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322)
Il cane è un animale fedele, difende il padrone, custodisce la casa, fa la guardia agli armenti, è indispensabile alla caccia, ecc. (O cão é um animal fiel, defende o dono, protege a casa, toma conta do rebanho, é indispensável na caça etc.)
Giuseppe Pittano (1974)
Fabio si alzò, aprì la finestra, si stropicciò gli occhi, guardo fuori con stupore: i tetti erano ricoperti di neve. (Fábio levantou-se, abriu a janela, esfregou os olhos, olhou pra fora com espanto: os telhados estavam cobertos de neve.)
A justaposição é, portanto, uma forma de ligação de orações com a qual é preciso atenção, para que, na ausência de conectivo, o tipo de relação intersentencial estabelecido — adição, adversidade, causa etc. — seja compreendido. Analisando algumas das frases do quadro, temos o seguinte: a frase-exemplo de Dardano e Trifone expressa adição; a frase Il film era noioso, non l’ho visto tutto, de Francesco Sabatini, expressa causa; a frase-exemplo de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone e a de Giuseppe Pittano expressam soma, adição de fatos; e a frase Volevo parlargli, se n’è andato, de Francesco Sabatini, expressa adversidade.
80
Montale, La casa dei doganieri, 10-11; L’opera in versi. Torino: Einaldi, 1980.
162
6.2.3. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações coordenadas do italiano e as do português do Brasil:
ITALIANO
PORTUGUÊS
copulativa
aditiva
disgiuntiva
alternativa
avversativa
adversativa
sostitutiva
adversativa
conclusiva o consecutiva
conclusiva
esplicativa o dimostrativa o dichiarativa
explicativa81
Como podemos verificar no quadro, a coordenação do italiano e a do português são bem parecidas. A nosso ver, devemos ter mais atenção com a disgiuntiva, com a sostitutiva e com a esplicativa. A sostitutiva, como vimos, é um tipo específico de adversativa; e a esplicativa é um caso polêmico, porque as conjunções italianas que a introduzem não são conjunções no português, mas sim palavras denotativas de explicação. As outras orações, a nosso ver, não apresentam dificuldade para estudantes brasileiros.
6.3. Frase multipla complessa (periodo composto per subordinazione e periodo misto)
Conforme vimos no tópico 6.1 desta tese, a frase verbal italiana se divide em frase semplice, que tem um único predicado, e em frase multipla, que tem dois ou mais predicados, constituindo período. A frase multipla, por sua vez, se divide em composta, que é o período por coordenação, e em complessa, que abrange o período por subordinação e o período misto, isto é, por coordenação e por subordinação. Elaboramos o esquema abaixo para destacar esses tipos de frases/períodos e suas orações:
81
A explicativa a que nos referimos não é a descrita pelas gramáticas tradicionais do português, mas sim uma explicativa “ampliada”, isto é, ao invés de ser uma oração introduzida somente pelas conjunções tradicionais porque, que e pois, seria introduzida também, como no italiano, pelas locuções denotativas de explicação de fato, isto é, ou seja, conforme propomos no tópico 6.2.1.6 desta tese.
163
COMPOSTA
proposizione principale + proposizioni coordinate
FRASE MULTIPLA
PERIODO PER SUBORDINAZIONE: COMPLESSA
proposizione reggente + proposizioni subordinate PERIODO PER COORDINAZIONE E PER SUBORDINAZIONE:
prop. principale e/o reggente + prop. ccoordinate e subordinate
No tópico 6.1, apresentamos exemplos desses tipos de período. No tópico 6.2, tratamos da frase multipla composta; no presente tópico, trataremos da frase multipla complessa; o nosso foco será o periodo composto per subordinazione. Não trataremos do período misto, porque o nosso objetivo, nesse caso, é tão somente verificar os tipos de orações subordinadas do italiano, para podermos realizar o estudo contrastivo com a língua portuguesa. Vimos, no mesmo tópico 6.2, que proposizione principale é um tipo de proposizione indipendente a qual outras orações se ligam; uma proposizione indipendente é uma oração que tem sentido completo, que não depende de outra oração para ter sentido. As proposizioni coordinate são proposizioni indipendenti. Já a proposizione reggente “rege” as orações subordinadas na frase multipla complessa. A combinação de reggente e subordinate forma o sentido completo da frase. Vale observar que uma “proposizione subordinata pode ser, ao mesmo tempo, dependente e reggente” de outras subordinadas (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 447). Vimos ainda que a oração subordinada italiana pode ser esplicita (desenvolvida) ou implicita d’infinito, di gerundio ou di participio (reduzida de infinitivo, gerúndio ou particípio). Verifiquemos agora quais são os tipos de orações subordinadas do italiano. Das cinco principais gramáticas italianas que usamos nesta tese, três delas apresentam as orações subordinadas organizadas em três grupos; no quadro abaixo indicamos quais são esses grupos (identificamos as gramáticas pelos nomes dos autores):
AUTORES DARDANO E TRIFONE (2003) FRANCESCO SABATINI (1994) GIUSEPPE PITTANO (1974)
GRUPOS DAS ORAÇÕES SUBORDINADAS
completive completive sostantive
attributive relative aggettive
circostanziali circostanziali complementari
164
Luca Serianni (1999, p. 548) preferiu não usar classificações dessa natureza e se justifica:
Vários são os critérios de classificação das subordinadas. O procedimento que goza de maior sorte junto aos gramáticos consiste em reconduzir a estrutura do período para a da frase semplice, individuando, nos elementos constitutivos desta (sujeito, objeto, complementos indiretos, adjuntos) os mesmos modelos utilizados para descrever a função da frase no período. [...] Na realidade, nenhuma tipologia é capaz de dar conta satisfatoriamente das várias subordinadas. No curso da nossa exposição, nós trataremos de modo autônomo cada oração secundária, evitando colocá-la forçosamente entre categorias gerais, não deixando, porém, de destacar eventuais analogias com as partes da frase semplice [...].
Apesar do que Serianni expõe na citação acima, o autor fala em proposizioni completive, referindo-se a duas orações subordinadas: a soggettiva e a oggettiva. As outras orações ele apresenta individualmente. Dardano e Trifone (2003, p. 448) e Francesco Sabatini (1994, p. 480485) também falam em proposizioni completive. Sabatini, assim como Serianni, chama de completive a soggettiva e a oggettiva. Já Dardano e Trifone consideram completive todas as seguintes orações: soggettiva, oggettiva, dichiarativa e interrogativa indiretta. Para estes autores, completive são as oração que exercem função de sujeito e de complemento objeto; attributive são as que têm função de “atributo”, ou seja, de adjunto adnominal ou de aposto; circostanziali são as que exercem função de adjuntos adverbiais. Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) não usam as classificações do quadro acima. Apresentam diretamente os tipos de orações subordinadas. Nesta tese, nós usaremos a nomenclatura abaixo:
ITALIANO
PORTUGUÊS
sostantiva
substantiva
relativa
adjetiva
avverbiale
adverbial
Passemos agora para o estudo detalhado das proposizioni subordinate sostantive.
165
6.3.1. Proposizioni subordinate sostantive
Giuseppe Pittano (1974, p. 498) afirma claramente na sua Grammatica Italiana: as proposizioni subordinate sostantive são “as que correspondem a um substantivo”. O autor dá o seguinte exemplo: Fabio riconosce che tu hai ragione. ( = la tua ragione)
Na frase acima, conforme explica Pittano, a oração subordinada pode ser substituída pela expressão la tua ragione, cujo núcleo é um substantivo. Podemos apontar quatro tipos de orações subordinadas substantivas em italiano, os quais elencamos no quadro abaixo, juntamente com seus respectivos conectivos (conjunções, advérbios, pronomes):
ITALIANO
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
soggettiva
che
oggettiva
che, come (raro)
dichiarativa
Che (precedido de um pronome demonstrativo, acompanhado ou não de um substantivo: cio, questo punto / fatto / circostanza)
interrogativa indiretta
Se Chi, che, che cosa, come, quando, dove, perché, quanto, quale
Analisaremos cada uma dessas orações nos próximos subtópicos, então não apresentaremos exemplos agora. Em português, as orações subordinadas substantivas também exercem as funções sintáticas próprias de um substantivo, que são: sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal e aposto. Assim, como são seis as funções, há seis tipos de orações subordinadas substantivas. No quadro abaixo, identificamos esses tipos e as suas conjunções, chamadas de integrantes, que podem vir acompanhadas de preposição:
PORTUGUÊS
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
subjetiva
que
objetiva direta
que, se
166
objetiva indireta
de que
completiva nominal
de que, a que
predicativa
que
apositiva
que
As conjunções integrantes que e se funcionam apenas como conectivos, não exercem função sintática na oração. Além dessas conjunções, outras palavras (pronomes ou advérbios interrogativos) podem introduzir orações subordinadas substantivas: como, quando, por que, quanto, quem, onde. Vejamos alguns exemplos (TERRA, 2007, p. 306):
ORAÇÃO PRINCIPAL
ORAÇÃO SUBORDINADA SUBSTANTIVA
Eles não sabem
como você resolveu o problema.
Perguntei Não sei
quando era o exame. por que és tão vaidosa.
Indagamos Não sei
quanto custou o produto. quem disse tal coisa.
Perguntei ao guarda
onde ficava o mercado.
Vale destacar a explicação de Ernani Terra (2007, p. 306) sobre como identificar a função sintática das orações substantivas: “Existe um recurso muito difundido para reconhecer a função sintática exercida pela oração subordinada substantiva: basta substituí-la pela palavra isso. A função sintática da palavra isso será a mesma que a oração subordinada exerce”. O autor cita o seguinte exemplo: A) Desejo
que todos voltem.
B) Desejo
isso.
Na frase B, a função sintática do pronome isso é objeto direto; a oração que todos voltem será, então, subordinada substantiva objetiva direta. Nos próximos subtópicos, analisaremos cada tipo de proposizione subordinata sostantiva e realizaremos a contrastação com os tipos de oração subordinada substantiva do português do Brasil.
167
6.3.1.1. Proposizione soggettiva
A proposizione soggettiva exerce função de sujeito da proposizione reggente. De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 451-453), a soggettiva pode depender de: verbos impessoais, como accadere, avvenire, bisognare, capitare, convenire, ocorrere; verbos usados impessoalmente como dirsi, credersi, narrarsi, sperarsi, pensarsi etc.; expressões impessoais, formadas pelo verbo essere mais um adjetivo ou um substantivo, como è ora, è tempo (locuções temporais), è bello, è male, è giusto, è necessario, è opportuno, è noto (predicados neutros) etc..
A forma esplicita (desenvolvida) dessa oração apresenta o verbo nos modos indicativo, congiuntivo ou condizionale; a forma implicita (reduzida) traz o verbo no infinitivo. A maioria dos autores das cinco principais gramáticas italianas que utilizamos apresenta um número grande de exemplos para esse tipo de oração. Francesco Sabatini (1994), por exemplo, somente na parte 2 — Le frasi “soggettive” — do capítulo 26 da sua gramática, apresenta aproximadamente 22 frases. Ao realizarmos o estudo desta oração italiana, verificamos que esta corresponde a três tipos de orações do português: subordinada substantiva subjetiva, subordinada substantiva predicativa e subordinada adjetiva. Analisaremos cada caso a seguir.
A) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada substantiva subjetiva
Essa é a correspondência mais natural entre a oração italiana em questão e uma oração do português. Apresentaremos, no quadro abaixo, as frases que selecionamos para analisarmos a referida correspondência. Lembramos que as frases são das cinco principais gramáticas italianas usadas na tese e que as orações subordinadas, tanto em italiano quanto em português, estão sublinhadas.
168
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Conviene che io vada. (p. 451; Convém que eu vá.); 2) È meglio che ci rassegniamo. (p. 451; É melhor que nos conformemos.)
Dardano e Trifone (2003)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Conviene aspettare. (p. 452; Convém esperar.) 4) Si spera di ritrovargli. (p. 452; Espera-se encontrá-lo/los.) 5) Mi dispiace (di) importunarla a quest’ora. (p. 452; Desagrada-me importuná-la a esta hora.82) 6) Mi sembra di aver capito. (p. 451; Parece-me ter entedido.)
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) È necessario che tu parta. (p. 483; É necessário que você parta.) 2) Basta che tu mi avverta prima. (p. 484; Basta que você me avise antes.) Francesco Sabatini (1994)
3) È bene che tu non perda tempo. (p. 484; É bom que você não perca tempo.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Si prega di non fumare. (p. 485; Pede-se para não fumar.) 5) È bello godersi le vacanze. (É bom aproveitar as férias.)
ESPLICITE (desenvolvidas): Luca Serianni (1999)
82
1) Sembra che ci sia qualche difficoltà. (p. 564; Parece que há alguma dificuldade.) 2) Può darsi che così stiano veramente le cose. (p. 566; Pode ser que assim estejam realmente as coisas.)
Em relação aos verbos piacere e dispiacere, há importante observação a se fazer: podemos traduzir esses verbos de maneiras diferentes, e isso altera a estrutura frasal. Podemos traduzi-los respectivamente como agradar e desagradar; esses dois verbos do português são transitivos indiretos e formam a estrutura “algo/alguém agrada/desagrada a alguém”, ou seja, sujeito + verbo + objeto indireto; nesse caso, a oração subordinada faz o papel de sujeito da frase, logo, será uma oração subordinada substantiva subjetiva; preferimos essa tradução. A outra tradução para piacere e dispiacere é gostar e desgostar (ou usando-se a expressão “não gostar”, que é mais comum); esses verbos do português também são transitivos indiretos, mas, nesse caso, a oração subordinada não exerce papel de sujeito, mas sim de objeto indireto; a estrutura será sujeito + verbo + objeto indireto, mas correspondendo a “algo/alguém gosta/desgosta de algo/alguém”; a subordinada será, então, substantiva objetiva indireta.
169
IMPLICITE (reduzidas): Luca Serianni (1999)
3) Sembra opportuno rinviare l’incontro. (. 564; Parece oportuno adiar o encontro.) 6) Non mi va di dormire. (p. 565; Não fica bem eu dormir.) 7) Bisogna riflettere con calma. (Convém refletir com calma.)
ESPLICITE (desenvolvidas): Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 331)
1) Si dice che la terra gira intorno al sole. (Diz-se que a terra gira em torno do sol.) 2) Conviene che voi studiate. (Convém que vocês estudem.) 3) È bello che tu l’abbia fatto. (É bom que você tenha feito isso.) IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam. ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano
1) È bene che tu te ne parta. (É bom que você se afaste.) 2) È evidente che hai sbagliato. (É evidente que você errou.)
(1974, p. 500)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Ocorre partire subito. (Convém partir imediatamente.) 5) Mi sembra di essere stato chiaro. (Parece-me eu ter sido claro.)
Analisando cada frase italiana do quadro e suas respectivas traduções para o português, verificamos claramente a correspondência entre a proposizione subordinata sostantiva soggettiva e a oração subordinada substantiva subjetiva. Segue a análise oracional de duas das frases.
ITALIANO:
Frase 1: Conviene che io vada. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451) Análise segundo a gramática italiana: Conviene / che io vada. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: soggettiva
170
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Convém / que eu vá. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva subjetiva
ITALIANO:
Frase 2: Mi sembra di aver capito. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451) Análise segundo a gramática italiana: Mi sembra / di aver capito. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Parece-me / ter entendido. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo
Na frase 2, a soggettiva é implicita d’infinito, ou seja, reduzida de infinitivo, introduzida pela preposição di. Essa construção só é possível, se o sujeito da reggente for o mesmo da soggettiva (PITTANO,1974, p. 500). Para classificarmos uma subordinada reduzida,é aconselhável antes desenvolvê-la. Ernani Terra (2007) dá a seguinte orientação:
Para classificar orações subordinadas [...] que se apresentam na forma reduzida, costuma-se adotar o seguinte procedimento: a) desenvolvê-las, isto é, tirá-las da forma reduzida, fazendo aparecer o conectivo (conjunção subordinativa ou pronome relativo); b) classificar a oração desenvolvida; [...].
Para a identificação e classificação das substantivas reduzidas, Ernani Terra (ibid.) apresenta outro artifício: “substituir a oração subordinada substantiva reduzida pela palavra isso, transformando o período composto em um período simples. A função sintática que a palavra isso
171
desempenhar no período simples será a mesma que a oração subordinada substantiva exerce”. De certa forma, esse artifício também pode ser aplicado às orações italianas, respeitando-se as particularidades da sintaxe desta língua.
B) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada substantiva predicativa
Encontramos esse caso de correspondência na Grammatica italiana de Luca Serianni (1999, p. 567-568). Esse gramático afirma que a proposizione soggettiva pode estar ligada a uma proposizione reggente formada por um sintagma nominal e o verbo essere. Serianni cita os seguintes exemplos: “è un caso (+ che), è il caso (+ che o + di e inf.), è un guaio (+ che), il guaio è (+ che o + inf.), è un peccato, una fortuna, una vergogna, ecc. (+ che o + inf.), è tempo, è ora (+ che o + di e inf.)”. O autor acrescenta:
Também podem entrar nesta série estruturas particulares que não têm em si um significado específico, mas que servem para introduzir a subordinada que segue, dando-lhe o destaque de uma constatação objetiva; a construção é sempre esplicita: è che, c’è che, gli è che (próprio do uso toscano e literário), il fatto è che, è un fatto che, fatto sta che, com’è che (regência interrogativa) etc.
Dos exemplos acima, os que favorecem à correspondência entre a proposizione soggettiva e a oração subordinada substantiva predicativa são: il guaio è (+ che o + inf.) e il fatto è che. Destacamos o seguinte exemplo apresentado por Serianni (1999, p. 568):
Il bello è che lì per lì non me ne sono accorta. (O bom é que, em um primeiro momento, não me dei conta disso.)
A oração subordinada substantiva predicativa do português exerce função sintática de predicativo do sujeito da oração principal. Vejamos alguns dos exemplos apresentados por Luiz Antonio Sacconi (1999, p. 322); as predicativas estão sublinhadas: a) Minha vontade é que você aprenda português.
172
b) Nosso desejo era que aquilo acabasse rapidamente. c) O fato foi que o preço dos automóveis aumentou muito. d) [...] o essencial é que saiba amar.
É possível vermos claramente que a estrutura da frase-exemplo de Serianni e a das frasesexemplo de Sacconi é a mesma: sintagma nominal + verbo essere / ser + oração subordinada. Analisemos com mais detalhes a frase-exemplo de Serianni.
Il bello è / che lì per lì non me ne sono accorta. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: soggettiva TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O bom é / que, em um primeiro momento, não me dei conta disso. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva predicativa
No exemplo de Serianni, a proposizione soggettiva está na forma esplicita; mas poderia estar na forma implicita (oração sublinhada): Il bello è non accorgermene lì per lì; se assim estivesse, sua tradução seria: O bom é eu não ter me dado conta em um primeiro momento. A classificação da oração subordinada (sublinhada) seria substantiva predicativa reduzida de infinitivo.
C) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada adjetiva
Esse é um caso que consideramos surpreendente no estudo de análise contrastiva das orações subordinadas das línguas italiana e portuguesa. A proposizione soggettiva será subordinada adjetiva no português nos seguintes casos abaixo:
173
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 452)
IMPLICITA (reduzida): È ora di andare. (É hora de ir.) IMPLICITE (reduzidas): 1) Non è il caso di inventarsi il trasporto della passione. (Não é o caso de se inventar o transporte da paixão.)
Luca Serianni (1999, p. 566-567)
2) Noi siamo nati in un tempo in cui era vergogna essere soldato, pena essere uomo, miseria essere italiano. (Nós nascemos em um tempo em que era vergonha ser soldado, pena ser homem, miséria ser italiano.) 3) È ora di lasciare il canneto stento [...]. (É hora de deixar o canavial maltratado.)
Todas as soggettive do quadro são implicite. Dardano e Trifone (2003) não explicam a estrutura da frase deles. Apresentam-na ao tratarem da soggettiva implicita com e sem a preposição di. Os exemplos de Luca Serianni estão ligados à mesma explicação que apresentamos no caso B: segundo o referido gramático (1999, p. 567-568), a proposizione soggettiva pode ligar-se a uma proposizione reggente formada por um sintagma nominal e pelo verbo essere. Entre os exemplos apresentados por Serianni, destacamos aqui os que proporcionam a correspondência entre a soggettiva e a oração subordinada adjetiva. São os seguintes: è il caso (+ di e infinito), è un peccato, una fortuna, una vergogna, ecc. (+ inf.), è tempo, è ora (+ di e inf.). Nas três frases do quadro, as reggenti são respectivamente: Non è il caso; in cui era vergogna; e È ora. No português, encontramos a explicação para esses casos em Azeredo (2010, p. 321): “É comum a oração adjetiva assumir a forma de um sintagma preposicional”. Um dos dois tipos existentes é justamente quando a preposição introduz uma oração reduzida de infinitivo, como nos seguintes exemplos apresentados pelo autor: Já está na hora de voltarmos para casa. Pedi emprestada ao vizinho a máquina de cortar grama. Estas são questões a serem esclarecidas após a pesquisa.
174
A primeira sentença-exemplo dada por Azeredo se assemelha à sentença italiana apresentada por Dardano e Trifone (2003, p. 452); ambas as orações se apresentam no infinitivo: a do português, infinitivo pessoal, e a do italiano, infinitivo impessoal. A classificação dessa subordinada, portanto, diverge: em português trata-se de uma oração subordinada adjetiva, e em italiano, proposizione subordinata sostantiva soggettiva. Vejamos as frases:
PORTUGUÊS:
ITALIANO:
Já está na hora de voltarmos para casa.
È ora di andare.
Vejamos a análise detalhada de duas sentenças:
ITALIANO:
Frase 1: È ora di andare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 452) Análise segundo a gramática italiana: È ora / di andare. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É hora / de ir. 1ª oração 2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
ITALIANO:
Frase 2: È ora di lasciare il canneto stento [...]. (SERIANNI, 1999, p. 566-567) Análise segundo a gramática italiana: È ora / di lasciare il canneto stento [...]. 1ª prop.
2ª proposizione
175
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É hora / de deixar o canavial maltratado [...]. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
Francesco Sabatini (1994), Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) e Giuseppe Pittano (1974) não apresentam soggettive como as analisadas nesta parte C.
6.3.1.2. Proposizione oggettiva diretta
Primeiramente é preciso esclarecer que os autores das cinco principais gramáticas italianas utilizadas nesta tese falam simplesmente em proposizione oggettiva, não a separam em dois tipos, usando os termos diretta e indiretta, apesar de reconhecerem as duas vertentes. Isso ocorre provavelmente porque, conforme afirma Francesco Sabatini (1994, p. 481), os dois tipos de oggettive não diferem na forma. A gramática do português do Brasil faz distinção clara entre objetiva direta e objetiva indireta. Para que essa questão da gramática italiana fique melhor esclarecida, vejamos dois exemplos apresentados por Francesco Sabatini (1994, p. 488):
a) Assicuro che sarò presente. (Asseguro que estarei presente.) A oração sublinhada é uma oggettiva diretta; corresponderia, na frase semplice, a um complemento oggetto diretto: Assicuro la mia presenza.
b) Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (Eu me preocupo que você esteja atrasado.)
176
A oração sublinhada é uma oggettiva indiretta e corresponderia, na frase semplice, a um complemento oggetto indiretto: Mi preoccupo del tuo ritardo.
Como podemos verificar, a forma das duas orações subordinadas é a mesma: ambas são introduzidas pela conjunção che. A oggettiva indiretta não é introduzida por preposição. Só percebemos a diferença de classificação das duas orações, transformando-as em complementos na frase semplice. No português, o uso da preposição para introduzir a oração substantiva objetiva indireta é opcional, conforme afirma Bechara (1999, p. 483): “[...] pode-se prescindir da preposição que inicia uma oração objetiva indireta ou completiva nominal”. Assim, em relação ao tipo de oggettiva, neste estudo, preferimos diferenciar os dois tipos existentes, usando os termos diretta e indiretta, para facilitar o entendimento da análise contrastiva com o português. Tratemos primeiramente da oggettiva diretta. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 449), a proposizione oggettiva diretta “desenvolve a função de complemento oggetto da proposizione reggente. Os autores explicam que ela pode depender de verbos e de locuções verbais de vários tipos83: verbos e locuções verbais de significado afirmativo ou declarativo, como dire, affermare, dichiarare, dare notizia, dare comunicazione; verbos e locuções verbais que indicam uma percepção ou uma lembrança, tais como vedere, udire, sentire, ricordare, avere l’impressione, venire alla mente; verbos e locuções verbais que exprimem juízo, opinião ou dúvida: pensare, credere, giudicare, essere dell’idea, avere la convinzione, il dubbio, il sospetto; verbos e locuções verbais que expressam vontade, desejo ou impedimento, temor, tais como volere, desiderare, sperare, avere desiderio, paura; verbos e locuções verbais que indicam sentimento, como godere, rallegrarsi, lamentarsi, essere lieto, avere piacere, rammarico, meraviglia.
83
Dardano e Trifone (2003, p. 449) fornecem uma lista bem grande de verbos e de locuções na sua Grammatica italiana, mas aqui indicaremos apenas alguns.
177
A forma esplicita da oggettiva é introduzida pela conjunção che. A forma implicita é introduzida pela preposição di e traz o verbo no infinitivo; geralmente a construção reduzida só é possível, se o sujeito da reggente for o mesmo da oggettiva. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 451), “com os verbos comandare, ordinare, permettere, proibire, vietare, chiedere, e com outros de significado análogo, pode-se ter a forma reduzida mesmo que o sujeito da reggente e o sujeito da oggettiva não coincidam”. Destacamos o seguinte exemplo apresentado por esses autores: Chiedo che se ne vada.
Gli chiedo di andarsene.
Dardano e Trifone chamam a atenção para um tipo especial de subordinata oggettiva: a regida por substantivo ou por adjetivo. Luca Serianni (1999, p. 549-550) explica melhor esse caso: Com base no tipo de regência, as objetivas podem ser diferenciadas em três grupos, conforme sejam regidas por um verbo (“sento che mi nascondi qualcosa” [“sinto que você me esconde alguma coisa”]), por um substantivo (“la sensazione che tu mi nasconda qualcosa mi tormenta” [“a sensação de que você me esconde alguma coisa me atormenta”]), por um adjetivo (“dormimmo [...] ansiosi che la luce del giorno ci rivelasse la terra rumena” [“dormimos [...] ansiosos de que a luz do dia nos revelasse a terra romena”] [...]).
Esse é um caso realmente particular, porque quando traduzimos para o português, deixamos de ter subordinada objetiva direta e passamos a ter outros tipos de subordinadas. Identificamos três tipos de orações do português correspondentes a esse tipo de oração italiana: subordinada substantiva objetiva direta, subordinada substantiva completiva nominal e subordinada adjetiva. Vejamos, a seguir, caso a caso.
A) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada substantiva objetiva direta Essa é a correspondência mais simples entre a oração italiana em questão e uma oração do português. Vejamos alguns exemplos:
178
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Spero che non si preoccupi. (p. 449; Espero que não se preocupe.)
Dardano e Trifone (2003)
2) Ordinò ai soldati che cessassero il fuoco. (p. 451; Ordenou aos soldados que cesassem fogo.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Ritengo di aver agito correttamente. (p. 451; Acredito ter agido corretamente.) 4) Ordinò ai soldati di cessare il fuoco. (p. 451; Ordenou aos soldados cessar fogo.) 5) Gli chiedo di andarsene. (p. 451; Peço-lhe para ir embora.)
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Assicuro che sarò presente. (p. 480; Asseguro que estarei presente.) 2) Paolo sperava che Anna tornasse. (p. 481; Paulo esperava que Ana voltasse.) Francesco Sabatini (1994)
3) So che ho torto. (p. 482; Sei que estou errado.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Dichiaro di essere innocente. (p. 481; Declaro ser inocente.) 5) So di aver torto. (p. 483; Sei estar errado.) 6) Ho chiesto ai ragazzi di aiutarmi. (p. 483; Pedi aos rapazes para me ajudarem.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Sento che mi nascondi qualcosa. (p. 549-550; Sinto que você me esconde alguma coisa.) 2) Vuoi che tutto questo finisca? (p. 550; Você quer que tudo isso termine?)
Luca Serianni (1999)
3) Capivo che anche lei se n’era accorta. (p. 556; Eu entendia que ela também tinha se dado conta.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Diceva di essere uno studente. (p. 550; Dizia ser um estudante.) 5) Cerco di smettere il fumo. (p. 553; Procuro deixar o fumo.) 6) Provo a smettere di fumare. (p. 553; Experimento deixar de fumar.)
179
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Dico che io sono guarito. (Digo que estou curado.) Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p.330)
2) Ci scrisse che stavano bene. (Escreveu-nos que estavam bem.) 3) Dubito ch’essi vengano. (Duvido que eles venham.) 4) Mi sembrava che non fosse possibile. (Parecia-me que não era possível.) IMPLICITA (reduzida): 5) Dico d’essere guarito. (Digo estar curado.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) So che lo fai per me. (Sei que você faz isso por mim.)
Giuseppe Pittano (1974,p.500)
2) Credo che tu lo faccia per me. (Creio que você faça isso por mim.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Credo di aver sbagliato. (Creio ter errado.) 4) Ho imparato a parlare tedesco. (Aprendi a falar alemão.)
Como pudemos verificar, todas as oggettive dirette esplicite, nas frases-exemplo, são introduzidas pela conjunção che; as implicite trazem o verbo no infinitivo e a maioria delas é introduzida pela preposição di. Apenas a frase 6 de Luca Serianni e a frase 4 de Giuseppe Pittano têm as implicite introduzidas pela preposição a. Analisemos duas das frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Pensano che io abbia torto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 449) Análise segundo a gramática italiana: Pensano / che io abbia torto. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Pensam / que eu estou errado. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
180
As classificações das orações das duas frases — a italiana e a do português — é praticamente a mesma. Uma diferença a se destacar é o modo verbal usado nas subordinadas. Na frase italiana, o verbo pensare, usado na proposizione reggente, determinou o modo congiuntivo — que corresponde ao subjuntivo do português — do verbo avere, usado na subordinata oggettiva; já na frase em português, o verbo estar, usado na oração subordinada, soa melhor, a nosso ver, no indicativo do que no subjuntivo.
ITALIANO:
Frase 2: Spero che non si preoccupi. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 449) Análise segundo a gramática italiana: Spero / che non si preoccupi. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Espero / que não se preocupe. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
A análise da frase 2 apenas confirma a explicação que fizemos anteriormente sobre a correspondência entre oggettiva diretta e objetiva direta do português.
B) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada adjetiva
Essa é uma correspondência muito particular entre uma oração italiana e uma oração do português. Encontramos frases que expressavam esse caso apenas em Sabatini (1994) e em Serianni (1999). Vejamos os exemplos apresentados por esses autores.
181
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) La tua dichiarazione che avresti pagato ci tranquillizzò. (A sua declaração de que você teria pagado nos tranquilizou.) 2) Il dubbio che tu non stia bene mi tormenta. (A dúvida de que você não esteja bem me atormenta.)
Francesco Sabatini (1994, p. 481)
3) La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (A esperança de que Ana voltasse não abandonava Paulo.) 4) La gioia che tu fossi salvo ci riempì il cuore. (A alegria que você fosse salvo nos encheu o coração.) IMPLICITA (reduzida): 5) Il ricordo di essere stato amato non si cancella. (A lembrança de ter sido amado não se apaga.)
ESPLICITA (desenvolvida): 1) La sensazione che tu mi nasconda qualcosa mi tormenta. (p. 550; A sensação de que você me esconde alguma coisa me atormenta.) Luca Serianni (1999)
IMPLICITE (reduzidas): 2) L’idea di non avere a svolgere carte oliate e divorare panini gravidi lo rasserenò. (p. 554; A ideia de não ter que desenvolver papéis temperados e devorar sanduíches grávidos o acalmou.) 3) Sentiva la pioggia battere sui vetri. (p. 550; Sentia a chuva bater nos vidros.) 4) Sento qualcuno bussare. (p. 553; Ouço alguém bater.)
Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 480, tradução nossa), “é interessante notar que não só os verbos podem reger uma oggettiva, mas também substantivos e até mesmo adjetivos que correspondem, no significado, a estes verbos”. O autor explica que trata-se de verbos, substantivos e adjetivos que indicam: a) declaração ou conhecimento; b) percepção, compreensão ou lembrança; c) opinião (juízo, avaliação, dúvida, suspeita); d) vontade (ordem, concessão, desejo, promessa, voto, temor); e) sentimentos. Em cada um desses tópicos, Sabatini apresenta
182
uma grande lista de verbos e de substantivos e adjetivos que podem formar a proposizione reggente, à qual a oggettiva se ligará. Analisemos, a seguir, alguns exemplos desse caso de correspondência oracional.
ITALIANO:
Frase 1: La tua dichiarazione che avresti pagato ci tranquillizzò. (SABATINI,1994, p. 481) Análise segundo a gramática italiana: La tua dichiarazione [che avresti pagato] ci tranquillizzò. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
A sua declaração [de que você teria pagado] nos tranquilizou. 1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
Esse primeiro exemplo traz a oração italiana che avresti pagato ligada ao substantivo dichiarazione, especificando-o. A gramática italiana a classifica como proposizione oggettiva. Essa oração, traduzida para o português, é de que você teria pagado, e trata-se claramente de uma subordinada adjetiva. As subordinadas adjetivas do português exercem função sintática de adjunto adnominal, que é a função própria de um adjetivo. Ligam-se justamente a um nome da oração principal e são introduzidas por pronome relativo, acompanhado ou não de preposição. É comum que esse tipo de oração venha intercalada na oração principal, isto é, dividindo-a. Há dois tipos de orações subordinadas adjetivas: restritivas e explicativas. As restritivas, como o próprio termo indica, restringem o significado do nome a que estão ligadas. As explicativas apenas acrescentam uma informação sobre o termo ao qual se ligam. Estas vêm sempre entre vírgulas. Veremos exemplos desses dois tipos de subordinadas adjetivas no tópico 6.3.3. Analisemos mais um exemplo apresentado por Francesco Sabatini.
183
ITALIANO:
Frase 2: Il ricordo di essere stato amato non si cancella. (SABATINI,1994, p. 481) Análise segundo a gramática italiana: Il ricordo [di essere stato amato] non si cancella. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
A lembrança [de ter sido amado] não se apaga. 1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
Este segundo exemplo traz uma proposizione oggettiva diretta implicita d’infinito, especificando o termo ricordo. Conforme já explicamos, as implicite desse tipo de oração são introduzidas pela preposição di e trazem o verbo no infinitivo. A oração correspondente a essa no português é de ter sido amado, que é uma subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo, por estar ligada ao substantivo lembrança, especificando-o, restringindo o seu significado, e por apresentar-se sem conectivo, com o verbo no infinitivo. Analisemos abaixo mais um exemplo. ITALIANO:
Frase 3: La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (SABATINI,1994, p. 481) Análise segundo a gramática italiana: La speranza [che Anna tornasse] non abbandonava Paolo. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata sostantiva oggettiva diretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
184
A esperança [de que Ana voltasse] não abandonava Paulo. 1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
A análise desta frase é como a das anteriores, queremos apenas destacar que a subordinada italiana não é introduzida por preposição por se tratar de uma oggettiva; já a subordinada do português traz a preposição, porque é uma oração que exerce função sintática de adjunto adnominal, que, nesse caso, vem introduzido por preposição. Para verificarmos isso, basta substituirmos a subordinada por uma expressão sem verbo: A esperança do retorno de Ana não abandonava Paulo.
A substituição da oração por uma expressão sem verbo permite-nos identificar claramente que essa expressão tem a função de adjunto adnominal.
C) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada substantiva completiva nominal
Esse é outro caso interessante de correspondência entre uma oração italiana e uma oração do português. Como dissemos anteriormente, a proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta pode ser regida não só por verbos, mas também por substantivos e adjetivos. O caso que apresentamos neste tópico C está relacionado à regência através de adjetivos. A oração subordinada substantiva completiva nominal do português é a que exerce função sintática de complemento nominal de um termo presente na oração principal. Os complementos nominais, no período simples, ligam-se, através de preposição, a substantivos, adjetivos ou advérbios, completando o significado destes na frase. Analisemos alguns exemplos (TERRA, 2007, p. 275): a) O povo tinha necessidade de alimentos.
c) Falou favoravelmente ao réu.
b) Esse remédio é prejudicial ao organismo.
d) Tinha necessidade de que o ajudassem.
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As frases (a), (b) e (c) são períodos simples. As expressões sublinhadas são complementos nominais e se ligam respectivamente a um substantivo (necessidade), a um adjetivo (prejudicial) e a um advérbio (favoravelmente). A frase (d) é um período composto por subordinação, formado por uma oração principal e uma oração subordinada substantiva completiva nominal (sublinhada); esta subordinada liga-se ao substantivo necessidade da oração principal. O complemento nominal do português corresponde a dois complementos chamados indiretti84 do italiano, denominados complemento di termine e complemento di specificazione. Vejamos um exemplo do complemento di termine como complemento nominal: Questo vestito è adatto a te. (PITTANO, 1974, p. 424) (Este vestido é adequado a/para você.)
Na frase italiana acima, a expressão a te se liga ao adjetivo adatto (adequado), por isso a expressão corresponde a um complemento nominal em português. Battaglia e Pernicone (1994, p. 289, tradução nossa) explicam esse termo da seguinte forma: “O complemento di termine integra a função e o valor de alguns adjetivos, como: fedele, caro, símile, adatto, idoneo, abile [...] Por exemplo: [...] Le leggi favorevoli all’individuo; [...] Un uomo adatto alla fatica; etc.”. É preciso esclarecermos que o complemento di termine também corresponde ao objeto indireto do português, mas não cabe aqui tratarmos disso com detalhes. Como dissemos acima, o complemento nominal do português também corresponde ao complemento di specificazione — que também é um complemento chamado indiretto, por ter preposição — do italiano no seguinte caso: quando completa substantivo. Por exemplo (PITTANO, 1974, p. 422): Il ricordo degli amici (= ricordare gli amici); il desiderio di richezza (= desiderare la richezza); il timore dei nemici (= noi temiamo i nemici) (A lembrança dos amigos (= lembrar os amigo); o desejo de riqueza (desejar a riqueza); o temor dos inimigos (= nós tememos os inimigos) )
84
São complementos introduzidos por preposição.
186
Sabemos que, em português, quando a expressão iniciada por preposição de se liga a um substantivo, formando com ele um sentido passivo, a expressão será um complemento nominal, como as expressões em português sublinhadas acima. Vejamos, no quadro abaixo, exemplos de frases com a proposizione subordinata sostantiva oggettiva do italiano correspondendo à oração subordinada substantiva completiva nominal do português:
AUTORES
EXEMPLOS IMPLICITE (reduzidas):
Dardano e Trifone
1) Ho creduto opportuno acconsentire alle sue richieste. (Considerei oportuno concordar com os seus pedidos.)
(2003, p. 451)
2) Il giudice ha ritenuto necessario ordinare la limitazione della libertà personale dell’imputato. (O juiz considerou necessário ordenar a limitação da liberdade do acusado.) Francesco Sabatini (1994,p.482)
ESPLICITA (desenvolvida): Mi rendo conto di come tu sei preoccupato. (Eu me dou conta de como você está preocupado.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Dormimmo [...] ansiosi che la luce del giorno ci rivelasse la terra rumena. (p. 550; Dormimos ansiosos de que a luz do dia nos revelasse a terra romena.) 2) Ero contento che fosse finita. (p. 554; Eu estava contente que tivesse terminado.) 3) Elisa Ismani perse la speranza che tacesse. (p. 554; Elisa Ismani perdeu a esperança de que calasse.)
Luca Serianni (1999)
4) Sorrise compiaciuto all’idea che avessi data tanta importanza alla sua lettera. (p. 554; Sorriu satisfeito com a ideia de que tinha dado tanta importância à sua carta.) IMPLICITE (reduzidas): 5) Uno è contento di girare se vede bei posti. (p. 554; Fica-se contente de circular se se veem bonitos lugares.) 6) Scantona via convinto di aver udito ululare tutte insieme le anime del Purgatorio. (p. 554; Escapole convencido de ter ouvido urrarem todas juntas as almas do Purgatório.)
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7) Non so quando le sarebbe comodo ricevermi. (p. 573; Não sei quando lhe seria cômodo rever-me.) Giuseppe Pittano (1974)
IMPLICITA (reduzida): Stimò bene di non farsi vedere per un pezzo. (p. 502; Julgou bom não se fazer ver por um tempo.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) não apresentam exemplos para esse caso de correspondência. Nas frases italianas acima, ora a subordinada (sublinhada) se refere a um adjetivo (opportuno, necessario, ansiosi, contento, convinto, comodo), ora a um substantivo (conto, speranza, idea). Analisemos a seguir duas dessas frases.
ITALIANO:
Frase 1: Ho creduto opportuno acconsentire alle sue richieste. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451) Análise segundo a gramática italiana: Ho creduto opportuno / acconsentire alle sue richieste. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Considerei oportuno / concordar com os seus pedidos. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo
A proposizione oggettiva diretta refere-se ao adjetivo opportuno; em português, a subordinada refere-se ao adjetivo oportuno, e por isso é substantiva completiva nominal; é reduzida de infinitivo, como a oração italiana, por não ser introduzida por conectivo e apresentar o verbo no infinitivo. Vejamos a frase 2.
188
ITALIANO:
Frase 2: Il giudice ha ritenuto necessario ordinare la limitazione della libertà personale dell’imputato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451) Análise segundo a gramática italiana: Il giudice ha ritenuto necessario / ordinare la limitazione della libertà personale dell’imputato. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O juiz considerou necessário / ordenar a limitação da liberdade pessoal do acusado. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo
Assim como a frase 1, a frase 2 tem uma subordinata implicita. Esta refere-se ao adjetivo necessario presente na reggente. A frase em português, que é a tradução da frase italiana, tem a subordinada reduzida de infinitivo ligada ao adjetivo necessário; por isso, trata-se de uma subordinada substantiva completiva nominal.
6.3.1.3. Proposizione oggettiva indiretta
Como já afirmamos anteriormente, a estrutura da proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta é a mesma da oggettiva diretta, ou seja, nenhuma das duas é introduzida por preposição. Não é o caso da oração subordinada substantiva objetiva indireta do português, que em geral é introduzida por preposição, apesar de esta não ser obrigatória. Verificamos, ao estudarmos a oggettiva indiretta, que a mesma corresponde a duas orações subordinadas do português: a substantiva objetiva indireta e a substantiva completiva nominal. Vejamos cada caso a seguir.
189
A) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta como oração subordinada substantiva objetiva indireta Vejamos primeiramente os exemplos no quadro abaixo; em seguida faremos as considerações a respeito desse caso de correspondência. AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Pensano che io abbia torto. (p. 449; Pensam que eu esteja errado.)
Dardano e Trifone (2003)
2) Si persuase che non volevano farle del male. (p. 451; Persuadiu-se de que não queriam fazer-lhe mal.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Ricordati di prendere le chiavi. (p. 449; Lembre-se de pegar as chaves.) 4) Si è dimenticata di spedire la lettera. (p. 451; (Ela) se esqueceu de espedir a carta.)
Francesco Sabatini (1994, p.488)
ESPLICITA (desenvolvida): Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (Eu me preocupo que você esteja atrasado.) ESPLICITA (desenvolvida):
Luca Serianni (1999)
1) Ti avverto che i soldi sono finiti. (p. 550; Eu te advirto de que o dinheiro acabou.) IMPLICITE (reduzidas): 2) Mi rallegro di ritrovarvi in buona salute. (p. 550; Alegro-me de encontrar-te com boa saúde.) 3) Tobia s’accorse di avermi fatto effetto. (p. 553; Tobias se deu conta de terme atingido.)
Consideremos a frase 1 apresentada por Dardano e Trifone: Pensano che io abbia torto. O verbo pensare do italiano pede a preposição a: diz-se pensare a qualcosa. Podemos classificá-lo, portanto, como transitivo indireto. Seguindo esse raciocínio, podemos classificar a oração subordinada sublinhada na frase 1 como subordinata sostantiva oggettiva indiretta.
190
Da mesma forma, temos a frase 2 desses autores: Si persuase che non volevano farle del male. O verbo persuadersi pede a preposição di. Logo, podemos classificá-lo como transitivo indireto. A oração sublinhada na frase 2 é, portanto, subordinata sostantiva oggettiva indiretta. E assim ocorre com as outras frases do quadro. Não encontramos exemplos relevantes desse caso nas gramáticas de Battaglia e Pernicone (1994) nem na de Giuseppe Pittano (1974). Vejamos a análise oracional de uma das frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (SABATINI, 1994, p. 488) Análise segundo a gramática italiana: Mi preoccupo / che tu sia in ritardo. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva indiretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu me preocupo / que você esteja atrasado. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva objetiva indireta
Francesco Sabatini (1994) explica que, para reconhecermos a diferença entre oggettiva diretta e oggettiva indiretta, temos de verificar qual seria a classificação de uma expressão correspondente na frase singola (período simples). Assim, temos: a) Mi preoccupo del tuo ritardo. A expressão sublinhada é um oggetto indiretto (ou complemento di termine), completa o verbo preoccuparsi, transitivo indireto. b) Mi preoccupo che tu sia in ritardo. A oração sublinhada é subordinata sostantiva oggettiva indiretta.
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B) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta como oração subordinada substantiva completiva nominal Esse é um caso de correspondência parecido com o descrito no tópico 6.3.1.2, quando tratamos da proposizione oggettiva diretta. A oggettiva indiretta, além de ligar-se a verbos, também pode ligar-se a um nome. Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 482), esses dois tipos de oração italiana são iguais quanto à forma (não são introduzidas por preposição). Porém, o exemplo que apresentaremos é uma exceção à essa observação feita por Sabatini. Destacaremos um único caso do tipo de correspondência de que tratamos neste tópico B; trata-se de uma frase do próprio Francesco Sabatini (ibid.):
Mi rendo conto di come tu sia preoccupato. (Eu me dou conta de como você está preocupado.) Vejamos a análise oracional desta frase.
ITALIANO:
Análise segundo a gramática italiana: Mi rendo conto / di come tu sia preoccupato. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: oggettiva indiretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Dou-me conta / de como você está preocupado. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
A expressão rendersi conto é considerada locução verbal em italiano e pede preposição di; diz-se rendersi conto di qualcosa (dar-se conta de alguma coisa). Logo, podemos dizer que seja uma locução verbal que pede um complemento indiretto, mais especificamente um complemento di termine ou oggetto indiretto. Logo, a oração regida por essa locução verbal será oggettiva indiretta, como ocorre no exemplo acima.
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6.3.1.4. Proposizione interrogativa indiretta
De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 465), a proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta expressa uma pergunta — direta ou indireta — ou uma dúvida. Assim, esta oração é regida por: verbos (ou locuções verbais) como domandare, chiedere, dire, sapere, cercare, tentare, indovinare, ignorare, pensare, essere certo, incerto, non essere sicuro; substantivos como domanda, ricerca, dubbio, problema, questione; adjetivos como incerto, dubbioso.
A interrogativa indiretta pode ser introduzida pela conjunção se ou por chi, che, che cosa, come, quando, dove, perché, quanto, quale etc.. A forma implicita traz o verbo no infinitivo. Dardano e Trifone (2003, p. 465, tradução nossa) apresentam a seguinte observação a respeito da interrogativa indiretta:
As interrogative indirette são parecidas com as orações soggettive, oggettive e dichiarative. A diferença está no fato de que, enquanto as orações soggettive, oggettive e dichiarative contêm uma enunciação, as interrogative indirette exprimem uma dúvida, uma pergunta. Assim, sejam as três primeiras orações, sejam as interrogative podem depender de verbos como dire, raccontare, narrare etc.; mas nas interrogative indirette tais verbos aparecem, de um modo geral, no modo imperativo ou na forma negativa.
Giuseppe Pittano (1974, p. 530, tradução nossa) afirma que “as interrogative indirette, introduzidas pela conjunção se, são chamadas também de proposizioni subordinate dubitative (orações subordinadas dubitativas): non so se verrò (Não sei se virei/irei)”. Ao estudarmos este tipo de oração italiana, verificamos que esta corresponde a pelo menos três orações subordinadas substantivas do português: a objetiva direta, a apositiva e a completiva nominal. Vejamos a seguir individualmente cada um dos casos.
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A) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada substantiva objetiva direta Essa é a correspondência mais fácil para brasileiros, porque a estrutura das duas orações é a mesma: verbo transitivo direto + oração subordinada. Vejamos os exemplos no quadro abaixo: AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e Trifone
1) Dimmi perché l’hai fatto. (Diga-me por que você fez isso.)
(2003, p. 465)
IMPLICITA (reduzida): 2) Non so se partire. (Não sei se parto85.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco Sabatini (1994, p.425)
1) Ti chiedo se è stato Luigi. (Eu te pergunto se foi Luiz.) 2) Dimmi se piove. (Diga-me se chove.) 3) Vorrei sapere se questo autobus va alla stazione. (Eu queria saber se este ônibus vai até a estação86.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Non so che cosa vuoi fare. (p. 570; Não sei o que você quer fazer.)
Luca Serianni (1999)
2) Gli chiese da dove venisse. (p. 570; Perguntou-lhe de onde vinha.) 3) Non so quando riuscirò a liberarmi. (p. 572; Não sei quando conseguirei me liberar.) IMPLICITA (reduzida): 4) Mi chiedo dove andare. (p. 573; Eu me pergunto aonde ir.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 343)
85
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Dimmi perché sei in collera. (Diga-me por que você está com raiva.) 2) Non so come farai. (Não sei como você fará.)
Apresentamos, à frente, observação sobre essa frase, que consideramos difícil. Usamos, na tradução, o pronome pessoal eu, para deixar claro que o verbo está na 1ª pessoa do singular. Além disso, preferimos a forma queria à forma quereria (futuro do pretérito), porque queria é a mais usada na linguagem coloquial; privilegiamos este nível de linguagem. 86
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Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 343)
3) Domanda chi è. (Pergunte quem é.) 4) Vorremmo sapere dove ci fermeremo. (Queríamos saber onde ficaremos.) 5) Non capisco cosa vuoi. (Não entendo o que você quer.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Dimmi dove vai. (Diga-me aonde você vai.) 2) Voglio sapere dove vai. (Quero saber aonde você vai.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 529)
3) Non so se tu hai capito. (Não sei se você entendeu.) 4) Non so chi venga questa sera. (Não sei quem vem esta noite.) 5) Ti chiedo se hai letto il giornale. (Eu te pergunto se você leu o jornal.) IMPLICITA (reduzida): 6) Non so che cosa dire. (Não sei o que dizer.)
Como pudemos verificar, em todos os exemplos que apresentamos, as interrogative indirette são introduzidas por expressões com verbos ou locuções verbais que expressam pergunta (direta ou indireta) ou dúvida: dimmi, non so, gli chiese, mi chiedo, domanda, vorremmo sapere, non capisco, ti chiedo. Em português, os verbos dessas expressões são todos transitivos diretos, por isso, nas frases em português — que são traduções das frases italianas — a oração subordinada é classificada como substantiva objetiva direta. É necessário explicar com mais detalhes a frase implicita apresentada por Dardano e Trifone (2003, 465): Non so se partire. Como considerá-la implicita (reduzida), se a mesma é introduzida pela conjunção se? Afinal, sabemos que as orações reduzidas não são introduzidas por nenhum tipo de conectivo. Porém, parece-nos que esta frase é uma exceção à regra. Os autores afirmam (ibid., tradução nossa): “Na forma implicita [reduzida], estas orações são introduzidas pelos mesmos pronomes, adjetivos, advérbios ou pela conjunção se, com o verbo no infinitivo: non so quale scegliere (o a chi rivolgermi, o se credergli, o dove andare ecc.)”. Consideramos difícil a tradução para o português da frase em questão, até porque, para mantê-la como uma oração reduzida, teríamos que excluir a conjunção. Assim, optamos pela seguinte tradução: Não sei se parto. Como se percebe, não pudemos manter a subordinada como uma
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reduzida, ou então haveria alteração na classificação dessa oração. Para excluir a conjunção se e manter a subordinada como uma reduzida de infinitivo, poderíamos transformá-la, por exemplo, em uma subordinada substantiva apositiva (sublinhada): Não sei: partir? Observamos que a expressão non so aparece em exemplos de todos os autores do quadro, tanto na forma esplicita quanto na implicita. Passemos para a análise detalhada de duas frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Dimmi perché l’hai fatto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 465) Análise segundo a gramática italiana: Dimmi / perché l’hai fatto. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: interrogativa indiretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Diga-me / por que você fez isso. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
A correspondência entre interrogativa indiretta do italiano e objetiva direta do português ocorre sem dificuldades. Vejamos mais um exemplo.
ITALIANO:
Frase 2: Non so come farai. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 343) Análise segundo a gramática italiana: Non so / come farai. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: interrogativa indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não sei / como você fará. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
196
B) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada substantiva apositiva Identificamos essa correspondência em uma frase de Luca Serianni. Como já vimos, a subordinata interrogativa indiretta pode ser regida não só por verbos como também por locuções verbais formadas com nomes (essere certo, essere incerto, non essere sicuro etc.), por substantivos (domanda, ricerca, dubbio, problema, questione etc.) e por adjetivos (incerto, dubbioso etc.). Encontramos a explicação com exemplos sobre a regência dessa subordinada em Luca Serianni (1999, p. 571). Esse autor afirma o seguinte (ibid., tradução nossa):
A interrogativa indiretta pode depender de um verbo da sovraordinata [reggente] — que é o caso mais comum — mas também de um substantivo (“lo prese il dubbio se restare o partire”), ou de um adjetivo (“Penoso e dubitoso [sic] s’ancora ei spirassero l’aure” Carducci, Sogno d’estate, 32)87.
Infelizmente os autores das cinco principais gramáticas italianas que utilizamos nesta tese não deram muita atenção ao tipo de regência dessa subordinada feito com elementos que não fossem verbos. Em relação à citação acima — com a afirmação de Luca Serianni —, nós analisaremos o primeiro exemplo que o autor apresenta: lo prese il dubbio se restare o partire; identificamos, nas subordinadas desse exemplo, uma correspondência com a subordinada substantiva apositiva do português. Vejamos a análise.
ITALIANO:
Lo prese il dubbio se restare o partire. Análise segundo a gramática italiana: Lo prese il dubbio / se restare / o partire. 1ª proposizione
2ª prop.
3ª prop.
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: interrogativa indiretta (1º grado) 3ª proposizione: interrogativa indiretta doppia (o disgiuntiva) 88 (1º grado)
87 88
As palavras dubbio, penoso e dubitoso foram sublinhadas por nós. A classificação como doppia ou disgiuntiva se encontra em Pittano (1974, p. 530).
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TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Tomou-o a dúvida / se ficaria / ou partiria. 1ª oração
2ª oração
3ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração 3ª oração: subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração e coordenada sindética alternativa em relação à 2ª oração
Analisemos primeiro a classificação das subordinadas da frase italiana. Conforme já vimos, Dardano e Trifone (2003, p. 465, tradução nossa) afirmam que “as interrogative indirette são parecidas com as orações soggettive, oggettive e dichiarative”. De fato, é grande a semelhança das duas subordinate interrogative indirette da frase apresentada por Luca Serianni com subordinate dichiarative. Analisemos com mais detalhes a referida frase. Na primeira oração, a expressão il dubbio é sujeito e lo prese é o predicado; trata-se de uma proposizione indipendente, com os termos sintáticos na ordem inversa; a ordem direta seria: il dubbio lo prese. A tradução dessa oração seria: a dúvida o tomou (tomar assume o sentido de tomar conta, preencher). Uma oração equivalente seria a dúvida surgiu. A 2ª e a 3ª oração, se partire o restare, especificam a expressão a dúvida, classificada como sujeito. Concluímos, desta análise, que a estrutura da frase analisada é praticamente a mesma estrutura de uma típica frase com uma subordinata dichiarativa, por isso a semelhança com este tipo de oração. O que faz com que as subordinadas da frase analisada sejam classificadas como interrogative indirette é principalmente a ideia expressa por toda a frase: dúvida ou incerteza; o apoio principal dessa ideia é a presença da expressão il dubbio e da conjunção se. Em relação à análise oracional da frase em português — que é tradução da frase italiana —, as duas subordinadas exercem função sintática de aposto especificativo. Rearrumamos abaixo os termos da frase para que fique mais clara a classificação das subordinadas como apositivas. Vejamos a análise oracional: A dúvida, [se partiria] [ou ficaria], o tomou. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: oração subordinada substantiva apositiva
3ª oração
1ª oração
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3ª oração: oração subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração (a conjunção se está elíptica) e coordenada sindética alternativa em relação à 2ª oração
Azeredo (2010, p. 316) afirma o seguinte sobre as subordinadas substantivas apositivas: “nominalizada por um que ou um se, ou sob forma infinitiva, uma oração pode servir de aposto a um sintagma nominal da oração principal”. De fato, na frase em português acima, a segunda e a terceira orações têm a conjunção se: a segunda é introduzida por ela, e a terceira tem essa conjunção subentendida, colocada após a conjunção coordenativa alternativa ou. A segunda e a terceira orações juntas servem de aposto ao sintagma nominal a dúvida, presente na oração principal. Ernani Terra (2007, p. 306) esclarece o seguinte a respeito das subordinadas substantivas: “Normalmente a conjunção integrante que introduz uma oração substantiva que exprime fato certo, e a conjunção integrante se, uma subordinada substantiva que exprime um fato incerto ou duvidoso”. De fato, a segunda e a terceira orações são introduzidas pela conjunção se e, por isso, expressam dúvida, incerteza. Vale destacar que, apesar de não ser comum, a oração subordinada substantiva apositiva pode vir intercalada na oração principal, como demonstra o exemplo apresentado por Ernani Terra (2007, p. 306):
Seu grande desejo, [que o chefe lhe promovesse], foi finalmente atendido. oração principal
oração sub. subst. apositiva
oração principal
De fato, a segunda e a terceira orações da frase A dúvida, se partiria ou ficaria, o tomou estão intercaladas na oração principal. Por fim, destacamos que a conjunção se só pode ser classificada como: conjunção subordinativa integrante, que é a que inicia oração subordinada substantiva; conjunção subordinativa condicional, que é a que introduz oração subordinada adverbial condicional (quando equivale a caso); conjunção subordinativa causal: introduz oração subordinada adverbial causal (equivale a como, já que).
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No caso da frase que estamos analisando a conjunção se é uma conjunção subordinativa integrante, pois introduz orações subordinadas substantivas apositivas. Portanto, a proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta pode corresponder à oração subordinada substantiva apositiva.
C) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada substantiva completiva nominal Encontramos essa correspondência em uma frase de Giuseppe Pittano (1974, p. 530, esercizio 2). Analisemos a referida frase.
ITALIANO:
Non aveva la minima idea di quanto potesse costare. Análise segundo a gramática italiana: Non aveva la minima idea / di quanto potesse costare. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: interrogativa indiretta TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
(Ele/Ela) não tinha a mínima ideia / de quanto podia custar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
A frase italiana que apresentamos aqui traz um caso de uma interrogativa indiretta ligada a um substantivo (idea). A referida subordinata é esplicita e é introduzida pela preposição di e pelo pronome interrogativo quanto. A frase expressa dúvida, incerteza, o que explica a classificação da subordinada como interrogativa indiretta. Na frase em português — que é a tradução da frase italiana —, temos uma subordinada ligada ao substantivo ideia, completando-o; essa subordinada exerce a função de complemento
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nominal, por isso temos uma subordinada completiva nominal. É interessante observar que a oração principal da frase em questão traz o verbo ter, o que é muito comum em frases com subordinadas desse tipo em português.
6.3.1.5. Proposizione dichiarativa
A proposizione subordinata sostantiva dichiarativa explica, esclarece ou especifica um termo presente na proposizione reggente. De acordo com Luca Serianni (1999, p. 568), esse termo pode ser: a) um pronome ou aggettivo dimostrativo; b) um pronome ou aggettivo indefinito; c) um avverbio; d) um sostantivo. É comum essa oração referir-se a um pronome demonstrativo acompanhado de um substantivo como argomento, fatto, circostanza, punto. É uma oração introduzida, na forma esplicita, pela conjunção che e, na forma implicita, pela preposição di, seguida do verbo no infinitivo. Dardano e Trifone (2003, p. 453) tratam brevemente desse tipo de oração na sua Grammatica italiana; esses autores a apresentam dentro do tópico 12.4, que trata das proposizioni soggettive, porque a consideram uma variante da sostantiva oggettiva e da sostantiva soggettiva. Verificamos, ao estudarmos essa oração italiana, que ela corresponde às seguintes orações do português: subordinada substantiva apositiva e subordinada substantiva completiva nominal. Vejamos cada caso a seguir.
A) Proposizione subordinata sostantiva dichiarativa como oração subordinada substantiva apositiva
Luca Serianni (1999, p. 568, tradução nossa) afirma que, “pela sua função no período, as dichiarative podem ser aproximadas da apposizione [do aposto] na frase semplice”. De fato, uma das orações do português correspondentes a essa oração italiana é justamente a subordinada substantiva apositiva. Essa oração do português pode ser introduzinda pelas conjunções integrantes que ou se, e pode ou não ser separada da oração principal por algum sinal de pontuação, geralmente vírgula ou dois pontos.
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Vejamos as frases apresentadas pelos autores italianos. As subordinadas, tanto em italiano quanto em português, estão sublinhadas. Destacamos que Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) não tratam desse tipo de oração. Francesco Sabatini também não fala deste tipo de oração subordinada. Ele fala em dichiarativa somente para explicar um tipo de frase singola.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone (2003, p. 453)
1) In cio l’uomo si distingue dalle bestie, che ha l’uso della ragione. (Nisto o homem se distingue dos bichos, que tem o uso da razão.) 2) Su questo punto ti sbagli, che io fossi presente. (Neste ponto você se engana, que eu estivesse presente.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) A volte mi sorprendevo a sperare appunto questo: che neve e gelo non si sciogliessero più. (Às vezes eu me surpreendia a esperar realmente isto: que neve e gelo não derretessem mais.)
Luca Serianni (1999, p. 568)
2) Nell’ipotesi che si volessero bene, una cosa era certa: che cotesto bene non lo godevano. (Na hipótese que se quissessem bem, uma coisa era certa: que este bem eles não aproveitavam.) IMPLICITA (reduzida): 3) Espresse una proposta: ridurre tutti gli investimenti. (Expressou uma proposta: reduzir todos os investimentos.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano (1974, p. 505)
1) Questo doveva bastargli: che si erano ricordati di lui. (Isto devia bastarlhe: que tinham se lembrado dele.) 2) Era questo il punto: che non sarebbero mai giunti a un accordo. (Era este o ponto: que não chegariam nunca a um acordo.)
Em Dardano e Trifone (2003, p. 453), podemos observar que, quando a subordinata sostantiva dichiarativa vem após a reggente, estas são separadas por vírgula. Os exemplos de Luca Serianni e os de Giuseppe Pittano apresentam a dichiarativa e a reggente separadas por dois pontos.
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Nos exemplos do quadro, a dichiarativa ou se refere a um pronome demonstrativo (cio, questo), ou a um substantivo (cosa, proposta), ou à combinação de pronome demonstrativo e substantivo (questo punto). As frases em português — traduções das frases italianas — têm o mesmo tipo de pontuação. Acompanhemos a análise oracional completa de uma frase do quadro.
ITALIANO:
In cio l’uomo si distingue dalle bestie, che ha l’uso della ragione. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453)
Análise segundo a gramática italiana: In cio l’uomo si distingue dalle bestie, / che ha l’uso della ragione. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: dichiarativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nisto o homem se distingue dos bichos, / que tem o uso da razão. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva apositiva
Na frase italiana e na sua tradução em português, as subordinadas se referem respectivamente às expressões demonstrativas in ciò e nisto. A separação da reggente/principal das subordinadas é feita por vírgula. A correspondência entre as orações se estabelece sem problemas: dichiarativa, em italiano, e apositiva, em português. Passemos ao segundo caso de correspondência.
B) Proposizione subordinata sostantiva dichiarativa como oração subordinada substantiva completiva nominal
Como já vimos, a subordinada substantiva completiva nominal, do português, exerce função de complemento nominal e pode referir-se a um substantivo ou a um adjetivo da oração
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principal. Encontramos frases em Dardano e Trifone (2003) e em Giuseppe Pittano (1974), cujas subordinate sostantive dichiarative correspondem à completiva nominal do português. Estas estão ligadas a substantivos das reggenti. Vejamos as frases no quadro a seguir.
ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e Trifone (2003, p. 453)
1) Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (O fato de que estejamos todos aqui testemunha o nosso afeto por você.) IMPLICITA (reduzida): 2) Il fatto di essere tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (O fato de estarmos todos aqui testemunha o nosso afeto por você.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Mi tormenta il pensiero che tu sia lontano. (Atormenta-me o pensamento de que você esteja longe.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 503)
2) Mi tormenta il fatto che tu sei lontano. (Atormenta-me o fato de que você esteja longe.) 3) Mi tormenta il pensiero che io sarei il colpevole. (Atormenta-me o pensamento de que eu seria o culpado.) IMPLICITA (reduzida): 4) Mi tormenta il pensiero di essere lontano. (Atormenta-me o pensamento de estar longe.)
Dardano e Trifone apresentam uma mesma ideia em duas versões: uma com a dichiarativa na forma esplicita e outra com essa oração na forma implicita. Nas duas frases, a dichiarativa apresenta-se intercalada na reggente, sem estar separada desta por vírgulas. Essa subordinada, nas duas frases, refere-se ao substantivo fatto. Giuseppe Pittano apresenta frases bem parecidas; nas três primeiras, o autor quer chamar a atenção para a possibilidade de se usar, na subordinata dichiarativa, respectivamente os modos congiuntivo, indicativo e condizionale. As duas subordinate implicite do quadro — a de Dardano e Trifone e a de Giuseppe Pittano — são introduzidas pela preposição di, seguida de verbo no infinitivo, como é
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característico da dichiarativa implicita. Em português, as completivas nominais se ligam à oração principal sempre por meio de uma preposição (a ou de). As frases em português do quadro de exemplos trazem a preposição de, introduzindo as suas subordinadas. Vejamos a análise completa de duas frases do quadro: uma de Dardano e Trifone e outra de Pittano.
ITALIANO:
Frase 1: Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453)
Análise segundo a gramática italiana: Il fatto [ che siamo tutti qui ] testimonia il nostro affetto per te. 1ª prop.
2ª proposizione
continuazione della 1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: dichiarativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O fato [ de que estejamos todos aqui ] testemunha o nosso afeto por você. 1ª oração
2ª oração
continuação da 1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
ITALIANO:
Frase 2: Mi tormenta il pensiero che tu sia lontano. (PITTANO, 1974, p. 503) Análise segundo a gramática italiana: Mi tormenta il pensiero / che tu sia lontano. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: dichiarativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Atormenta-me o pensamento / de que você esteja longe. 1ª oração
2ª oração
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1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
Comecemos as observações pela frase 2. Esta traz a dichiarativa em posição posterior à reggente; acreditamos que, se a subordinada viesse intercalada, facilitaria a indentificação das funções dos termos da oração principal e a classificação da própria subordinada. Os termos sintáticos da reggente estão na ordem inversa (complemento oggetto + verbo/predicato + soggetto). Se mantivermos a ordem inversa, mas iniciarmos a frase com o sujeito, de modo que tenhamos soggetto + complemento oggetto + verbo, será possível intercalarmos a subordinada. Assim, ao invés de termos Mi tormenta il pensiero che tu sia lontano, teríamos Il pensiero che tu sia lontano mi tormenta. Vejamos a análise dessa nova estrutura (sujeito da reggente + oração subordinada + predicado da reggente) da frase italiana e também a análise da sua tradução para o português. Il pensiero [che tu sia lontano] mi tormenta. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª prop.
O pensamento [de que você esteja longe] me atormenta. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª prop.
Essa é a estrutura das frases-exemplo de Dardano e Trifone (2003). Luiz Antonio Sacconi (1990, p. 322), ao explicar as completivas nominais na sua obra Nossa gramática, apresenta duas frases com essa mesma estrutura. Comparemos abaixo as frases italianas e suas traduções para o português às frases de Sacconi (as subordinadas substantivas estão em itálico e em negrito):
FRASES ITALIANAS:
Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (DARDANO E TRIFONE, 2003) Il pensiero che tu sia lontano mi tormenta. (PITTANO, 1974) TRADUÇÕES:
O fato de que estejamos todos aqui testemunha o nosso afeto por você. O pensamento de que você esteja longe me atormenta.
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FRASES APRESENTADAS POR SACCONI PARA EXEMPLIFICAR AS ORAÇÕES SUBORDINADAS SUSTANTIVAS COMPLETIVAS NOMINAIS:
O fato de que és mudo não te impede de trabalhar. A notícia de que o presidente renunciou não é verdadeira.
Logo, fica claro que as subordinadas das frases em português, que são traduções das frases italianas, são substantivas completivas nominais. As dichiarative, portanto, nos casos que explicamos neste tópico (B), correspondem às completivas nominais do português.
6.3.2. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas substantivas do italiano e as do português do Brasil Após termos realizado, do tópico 6.3.1.1 ao tópico 6.3.1.5, o estudo de análise contrastiva dos tipos de proposizioni subordinate sostantive do italiano com os tipos de orações subordinadas substantivas do português, elaboramos o quadro abaixo para resumir a nossa proposta de correspondência entre essas orações. Analisemos o quadro.
ITALIANO
PORTUGUÊS
soggettiva
subjetiva, predicativa, adjetiva
oggettiva diretta
objetiva direta, completiva nominal e adjetiva
oggettiva indiretta
objetiva indireta e completiva nominal
interrogativa indiretta
objetiva direta, apositiva e completiva nominal
dichiarativa
apositiva, completiva nominal
Como podemos ver, cada oração subordinada substantiva italiana corresponde a pelo menos duas orações subordinadas do português, sendo que nem sempre essas orações do
207
português são substantivas. Como vimos, a soggettiva e a oggettiva diretta podem corresponder à oração adjetiva do português. É interessante observar que praticamente todos os tipos de substantivas do italiano podem corresponder à substantiva completiva nominal do português; a exceção é a soggettiva. Vimos que isso acontece, principalmente porque a locução verbal em italiano não é formada somente por verbos, isto é, os elementos mais importantes que constituem uma locução verbal em italiano não são somente verbos, mas também complementos-objeto (ou outros complementos). Há locuções verbais italianas formadas, por exemplo, por verbo + substantivo, ou verbo + adjetivo. Quando uma oração subordinada italiana se liga a um nome que compõe uma locução verbal italiana, estabelece-se a correspondência com a oração subordinada substantiva completiva nominal do português. Destacamos que em italiano há menos tipos de orações subordinadas substantivas do que em português. Há cinco tipos de sostantive: soggettiva, oggettiva diretta, oggettiva indiretta, interrogativa indiretta e dichiarativa; em português, há seis tipos: subjetiva, objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, predicativa e apositiva. Passemos agora às proposizioni subordinate relative.
6.3.3. Proposizioni subordinate relative
As proposizioni subordinate relative são as que têm a função de determinar ou modificar o significado de um termo (geralmente substantivo ou pronome) presente na proposizione reggente; este termo é chamado de antecedente89. Essas orações são chamadas relative, porque são introduzidas por pronomi relativi (che, chi, il quale etc.), indefiniti relativi (chiunque, qualunque etc.) ou avverbi relativi (dove, dovunque, come, comunque etc.) (PITTANO, 1974, p. 537). Em princípio, correspondem às orações subordinadas adjetivas do português, mas é preciso cuidado, porque há caso de correspondência com subordinada substantiva. Giuseppe Pittano (1974) também chama as relative de aggettive, porque correspondem a um adjetivo. Segundo o autor, essas orações italianas formam o grupo das proposizioni
89
Em italiano e em português, a palavra é a mesma: antecedente.
208
attributive, porque desenvolvem a função do attributo (adjunto adnominal) e da apposizione (aposto). Essas orações podem se apresentar na forma esplicita ou implicita (com o verbo no infinitivo), sendo que a forma implicita é restrita à relativa determinativa. Quanto aos tipos de proposizioni relative, cada gramático italiano os denomina de um jeito. Comparemos, no quadro abaixo, as várias denominações para os tipos de relative.
AUTORES
TIPOS DE PROPOSIZIONI SUBORDINATE RELATIVE
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
determinativa (ou limitativa ou restrittiva)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
restrittiva (ou determinativa)
CIRCUNSTÂNCIAS:
appositiva (ou esplicativa)
temporale causale finale
consecutiva concessiva condizionale
SIGNIFICADOS ESPECÍFICOS:
Luca Serianni (1999, p. 623)
appositiva
temporale causale finale
consecutiva concessiva ipotetica
limitativa (ou restrittiva ou determinativa ALGUNS VALORES: ou attributiva) esplicativa (ou aggiuntiva ou appositiva)
finale consecutivo
causale condizionale
CIRCUNSTÂNCIAS:
Battaglia e Pernicone (1994, p. 335-336)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
determinativa (ou specificativa) appositiva (ou incidentale)
temporale causale finale
PROPRIE:
IMPROPRIE:
attributiva
temporale causale finale
appositiva (ou incidentale)
consecutiva concessiva condizionale
consecutiva concessiva condizionale
Como podemos observar no quadro, é grande a variação de nomes para os principais tipos de proposizioni relative, e cada autor tem a sua preferência. Em relação ao primeiro tipo, o termo determinativa aparece em duas das cinco gramáticas como a primeira opção de nome; e em
209
relação ao segundo tipo, o termo appositiva é o mais usado. Por isso, adotaremos, nesta tese, esses dois termos para nos referirmos aos tipos de proposizioni subordinate relative. Quanto às circunstâncias que essa subordinada pode expressar, há consenso entre os autores; praticamente todos apresentam os mesmos tipos de circunstâncias, Luca Serianni citou apenas quatro tipos, mas deixa entender que há outros. É a relativa determinativa que pode expressar essas circunstâncias. Também podemos observar no quadro que Giuseppe Pittano (1974, p. 538, tradução nossa) divide as relative em dois grupos: proprie (próprias) e improprie (impróprias). As proprie “são as que têm valor attributivo ou appositivo”; e as improprie “são as que têm valor de outras subordinadas”. Vejamos agora como se caracterizam os principais tipos de relative. A relativa determinativa especifica ou limita o sentido do antecedente presente na reggente. Sem ela, esse termo ficaria incompleto, logo, é um tipo de oração que não pode ser retirado da frase sem prejuízo do sentido da mesma. Dardano e Trifone (2003, p. 467, tradução nossa) explicam que “há neste tipo de proposizione relativa, um componente ‘dêitico’90, ‘demonstrativo’ [...]; por exemplo, a frase prendo l’autobus che sta arrivando equivale a prendo questo autobus (non un altro)”. Esse tipo de relativa corresponde, em princípio, à subordinada adjetiva restritiva do português. A relativa appositiva têm um caráter acessório; acrescenta uma informação a respeito do antecedente, a qual não altera o sentido geral da frase. Costuma vir isolada, entre vírgulas. Esse tipo de relativa corresponde, em princípio à adjetiva explicativa do português. É interessante destacar que, em determinadas frases, a presença ou ausência das vígulas determina o tipo de relativa. Dardano e Trifone (2003, p. 467) demonstram isso através dos seguintes exemplos:
Tutti i coleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno. Proposizione subordinata relativa appositiva Tutti i coleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (= solo loro, non gli altri) Proposizione subordinata relativa determinativa 90
Que faz referência à situação, ao contexto e aos interlocutores da enunciação.
210
As orações subordinadas adjetivas do português são praticamente como as relative italianas. São introduzidas também por pronomes relativos (como que, o qual (e flexões), quem, onde, cujo (e flexões), quanto etc.) e pelo advérbio como (com o sentido de por que, pelo qual, pela qual). Há dois tipos de adjetivas: restritivas e explicativas. As restritivas são como as determinative do italiano; e as explicativas são como as appositive. José Carlos Azeredo (2010, p. 321-322) apresenta os “conteúdos circunstanciais das orações adjetivas”: “As orações adjetivas podem apresentar cumulativamente um conteúdo circunstancial de causa, concessão, condição, finalidade, resultado”. Segundo o autor, as adjetivas terão: valor concessivo, condicional, final, consecutivo e causal. Ataliba de Castilho (2010, p. 371), na sua Gramática do português brasileiro, no tópico intitulado Semântica das adjetivas, fala somente em restritivas finais e em restritivas causais. Ainda neste tópico, o autor explica os dois tipos de subordinadas adjetivas e os chama de restritivas ou determinativas e explicativas ou apositivas. Passemos à análise individual dos dois tipos de proposizioni subordinate relative: as determinative e as appositive.
6.3.3.1. Proposizione relativa determinativa
Como já afirmamos, esse tipo de subordinata relativa especifica e limita o antecedente presente na proposizione reggente. O conectivo que liga essas duas orações pode ou não estar precedido de preposição. Não se usam vírgulas para separar a relativa determinativa da principal. Vejamos os exemplos apresentados pelos autores italianos em que nos baseamos.
AUTORES
Dardano e Trifone (2003, p. 467-468)
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Prendo l’autobus che sta arrivando. (Pego o ônibus que está chegando.) 2) Tutti i colleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (Todos os colegas que têm confiança em você vão te apoiar.)
211
IMPLICITE (reduzidas): 3) Non riesco a trovare una persona con cui dividere l’appartamento. (Não consigo encontrar uma pessoa com quem dividir o apartamento.) Dardano e Trifone (2003, p. 467-468)
4) Questi sono gli argomenti sui quali puntare per ottenere il consenso. (Estes são os argumentos sobre os quais se apoiar para obter o consenso.) 5) Ho portato un libro da leggere in treno. (Eu trouxe um livro para ler no trem.) 6) Le domande pervenute [...] in ritardo non saranno esaminate. (As perguntas recebidas com atraso não serão examinadas.) 7) Il governo dovrà applicare le direttive della CEE riguardanti la salvaguardia ambientale. (O governo deverá aplicar as diretivas da CEE, referentes à defesa ambiental.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Ho ricevuto ieri la lettera che aspettavo. (Recebi ontem a carta que eu esperava.) 2) Ho letto il romanzo del quale (di cui) mi avevi parlato. (Li o romance do qual (de que) você tinha me falado.)
Francesco Sabatini (1994, p. 475-476)
3) Questa è la casa nella quale (o in cui, o dove) sono nato. (Esta é a casa na qual (ou em que, ou onde) nasci.) 4) Abbiamo rintracciato chi ha assistito all’episodio. (Fomos ao encalço de quem assistiu ao episódio.) IMPLICITA (reduzida): 5) Cerco amici con cui passare le vacanze. (Procuro amigos com quem passar as férias.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Scegli i libri che ti servono. (p. 622; Escolha os livros que te servem.)
Luca Serianni (1999)
2) Va’ da chi è in grado di darti un consiglio. (p. 622; Vá à casa de quem é capaz de te dar um conselho.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Saremmo noi gli ultimi a ricordarlo con qualche emozione. (p. 625; Seríamos nós os últimos a lembrar dele com alguma emoção.) 4) Sono stati loro [...] a chiamarmi [...]. (p. 625; Foram eles [...] a me chamar [...]. )
212
ESPLICITE (desenvolvidas): Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone
1) Ho letto il libro che ho comprato ieri. (Li o livro que comprei ontem.) 2) Bisogna sempre diffidare da coloro i quali si lodano. (É preciso sempre desconfiar daqueles os quais se gabam.)
(1994,p.335)
3) Ho rivisto la casa in cui abbiamo abitato. (Revi a casa em que moramos.) 4) Ecco la città dove sono nato. (Eis a cidade onde nasci.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) La città che stiamo attraversando è magnifica. (A cidade que estamos atravessando é magnífica.) 2) Chi tace acconsente. (Quem cala consente.) Giuseppe Pittano (1974,p.537)
3) Non amo coloro che si vantano di tutto. (Não amo aqueles que si vangloriam de tudo.) 4) Era generoso con chiunque avesse bisogno. (Era generoso com qualquer um que tivesse necessidade.) 5) Vado dovunque mi mandino. (Vou em qualquer lugar que me mandem.) 6) Andiamo dove vanno gli altri. (Vamos aonde vão os outros.)
Como podemos verificar no quadro, as subordinate relative podem vir tanto após a reggente, como na frase 1 de Dardano e Trifone, quanto intercaladas nesta, como na frase 2 dos mesmos autores. Tanto as esplicite quanto as implicite podem ser introduzidas por vários tipos de preposições (di, con, su, da, a); no caso das esplicite das frases 3 e 4 de Francesco Sabatini, a preposição é seguida de um pronome relativo e o verbo apresenta-se flexionado; nas implicite das frases 3 e 4 de Dardano e Trifone, a preposição se une a um pronome relativo e o verbo se apresenta no infinitivo. O que determina se a subordinata relativa se iniciará por uma preposição — e, nesse caso, qual preposição — será a regência do verbo da própria subordinada — como na frase 3 de Dardano e Trifone: o verbo dividere exige que o seu complemento se inicie com a preposição con.
213
É interessante destacar que os pronomes relativos podem estar presentes tanto nas frases esplicite quanto nas implicite. Geralmente as implicite91 que são iniciadas por preposição têm, logo após esta, um verbo em uma das formas nominais. Isso também acontece com as relative, como podemos verificar na frase 5 de Dardano e Trifone. Considerando as implicite, Giuseppe Pittano (1974, p. 537-538, tradução nossa) afirma, na sua Grammatica italiana, que “a proposizione relativa é só esplicita”. Porém, após essa afirmação, o autor explica o seguinte: Podem transformar-se em proposizioni relative os particípios presentes e passados: ho letto un libro riguardante (= che riguardava) la guerra; il treno arrivato (= che è arrivato) ora è in ritardo; infinitivos introduzidos pela preposição da: è un libro da leggere (= che deve essere letto) in vacanza.
Em relação aos exemplos da citação acima, o autor não apresenta a classificação das expressões riguardante la guerra, da primeira frase; arrivato ora, da segunda frase; e da leggere, da terceira sentença. Para os outros autores, essas “expressões” seriam todas proposizioni relative implicite. Destacamos os exemplos de relativa reduzida de particípio do quadro: as frases 6 e 7 de Dardano e Trifone. Esses autores explicam que o particípio é usado “com valor de relativa implicita”. Na frase 6, pervenute in ritardo corresponde à relativa esplicita: che sono pervenute in ritardo; na frase 7, riguardanti la salvaguardia ambientale corresponde à relativa esplicita: che riguardano la salvaguardia ambientale. Analisemos, com mais detalhes, uma das frases do quadro.
ITALIANO:
Tutti i colleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p.467)
Análise segundo a gramática italiana: Tutti i colleghi [che hanno fiducia in te] ti appoggeranno. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa determinativa 91
Somente as subordinadas podem se apresentar na forma implicita.
214
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Todos os colegas [que têm confiança em você] vão te apoiar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
É um caso de subordinata relativa intercalada. É uma relativa determinativa, porque limita, restringe o sentido do termo colleghi. Como vimos, esse tipo de subordinada não vem entre vírgulas, nem em italiano nem em português. Em relação aos valores circunstanciais, veremos a seguir os exemplos que os autores apresentam. Tratam-se de frases com relative esplicite.
A) relativa temporale
Vejamos a seguir os exemplos desse tipo de relativa.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
È già un mese che (= da quando) sono arrivato. (Já faz um mês que (= desde quando) eu cheguei.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
È un’ora che ti aspetto (= da quando ti aspetto). (Faz uma hora que te espero (= desde quando te espero)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 335)
Era la stagione in cui (durante la quale) si raccoglievano le olive. (Era a estação em que se colhiam as azeitonas.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
92
L’ho visto che (= quando) rientrava92. (Eu o vi quando ele voltava.)
Não identificamos nenhum verbo em português que correspondesse exatamente ao significado do verbo rientrare; o melhor que conseguimos foi traduzi-lo como voltar, mas sabemos que não traduz tudo o que rientrare significa.
215
Considerando a questão semântica, podemos observar que todas as frases do quadro têm a mensagem que transmitem ligada à ideia de tempo; determinadas palavras, como mese, ora, stagione, evidenciam isso. Quanto à parte formal, podemos verificar que a subordinata relativa com valor temporal pode ser introduzida pelo pronome relativo che (significando quando) — como nas frases de Dardano e Trifone, de Sabatini e de Pittano — e pelo pronome cui, sendo este último acompanhado de preposição. Ao analisarmos as orações subordinadas dos períodos apresentados, verificamos que a subordinada relativa com valor temporal pode corresponder à oração subordinada substantiva subjetiva, à oração subordinada adjetiva restritiva, e à oração subordinada adverbial temporal. Verifiquemos cada caso, a partir da análise da cada frase do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: È già un mese che sono arrivato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: È già un mese / che sono arrivato. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa determinativa con valore temporale TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Já faz um mês / que eu cheguei. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada substantiva subjetiva
A frase analisada acima, de Dardano e Trifone, é parecida com a frase de Francesco Sabatini; ambas exemplificam o mesmo caso de subordinata relativa com valor temporal, por isso, analisamos somente uma delas: optamos pela frase de Dardano e Trifone. Como podemos verificar, na frase em português, a subordinada que eu cheguei é classificada como substantiva subjetiva. A proposizione reggente È già un mese, equivale a un
216
mese fa, que em português significa faz um mês. Sobre a classificação do verbo fazer nesse caso, Luiz Antonio Sacconi (1990, p. 290) afirma o seguinte:
Consideramos unipessoal, e não impessoal, o verbo fazer seguido da oração iniciada pela conjunção que, a nosso ver integrante. A NGB não trata dos verbos unipessoais, considerando todos os verbos só usados nas terceiras pessoas como impessoais, incorrendo num equívoco imperdoável. Na frase Faz dez anos que deixei de fumar, a oração iniciada pelo conectivo é substituível pelo pronome substantivo isso, o que comprova seu valor substantivo: Faz dez anos que deixei de fumar = Faz dez anos isso.
Verbos unipessoais — a que Sacconi se refere — são os que possuem sujeito em uma única pessoa do discurso: a 3ª pessoa do singular e/ou a do plural. Exprimem, por exemplo, ações próprias dos aimais, como latir, miar, grunir etc.. Dando continuidade ao raciocínio de Sacconi, se colocarmos a última frase apresentada pelo autor — Faz dez anos isso — na ordem direta, teremos Isso faz dez anos, onde o termo Isso é sujeito e faz dez anos é o predicado. Se o termo Isso, na verdade, está substituindo uma oração, então significa que essa oração exercerá a mesma função do termo, ou seja, será uma oração subordinada substantiva subjetiva, que é a oração que tem a função de sujeito da reggente. Por isso classificamos a oração que eu cheguei como subjetiva. Consideremos agora a frase de Battaglia e Pernicone: Era la stagione in cui (durante la quale) si raccoglievano le olive (Era a estação em que se colhiam as azeitonas). Classificamos a subordinada da frase em português como adjetiva restritiva. Poderíamos substituir a referida oração, por exemplo, por uma locução adjetiva, e então teríamos: Era a estação da colheita das azeitonas. A função da oração subordinada é a de adjunto adnominal, uma das funções exercidas pelas subordinadas adjetivas. A quarta frase, a de Giuseppe Pittano, nos traz uma nova correspondência entre a relativa com valor temporal e uma oração do português. Façamos a sua análise. Se traduzirmos para o português a frase L’ho visto che (= quando) rientrava ao pé da letra, ela não terá sentido; ficaria da seguinte forma: Eu o vi que voltava. A melhor tradução a que chegamos para que a frase tenha sentido em português é: Eu o vi, quando ele voltava. Dessa forma, fica muito fácil classificar a oração subordinada (sublinhada): é claramente uma adverbial temporal.
217
B) relativa finale
Vejamos o caso da relativa finale através dos exemplos abaixo. Todas as frases são esplicite.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
Cercavo qualcuno che (= affinché) m’indicasse la strada. (Eu procurava alguém que (= a fim de que) me indicasse a estrada.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
Assumerò una segretaria che parli (= affinché parli) il tedesco. (Assumirei uma secretária que fale (= afim de que fale) o alemão.)
Luca Serianni (1999, p. 623)
Fanno entrare sua sorella che lo consoli. (Fazem entrar sua irmã que o console.)
Salvatore Battaglia e Voglio scrivere un libro, che rievochi questi tempi. (Quero escrever um Vincenzo Pernicone livro que evoque novamente estes tempos.) (1994, p. 336) Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Manderò uno che (= affinché) lo avverta. (Mandarei alguém que (a fim de que) o advirta.)
A subordinata relativa com valor final é um caso de correspondência perfeita com uma oração do português, pois corresponde exatamente a uma oração subordinada adjetiva restritiva final. De acordo com Ataliba de Castilho (2010, p. 371), a oração subordinada adjetiva será restritiva final, quando agregar uma noção de finalidade e trazer o verbo da subordinada no subjuntivo. Isso acontece com as cinco frase em português — que são traduções das frases italianas — do quadro. A única observação a fazer é a respeito da vírgula usada por Battaglia e Pernicone. Não deveria haver vírgula para separar a reggente desse tipo de subordinada, porque trata-se de uma relativa finale, que não vêm isolada por vírgula. Acompanhemos abaixo a análise completa de uma das frases do quadro.
218
ITALIANO:
Cercavo qualcuno che (affinché) m’indicasse la strada. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p.468) Análise segundo a gramática italiana: Cercavo qualcuno / che m’indicasse la strada. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa determinativa con valore finale TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu procurava alguém / que me indicasse a estrada. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva final
C) relativa consecutiva
As proposizioni subordinate relative consecutive que analisamos correspondem às orações subordinadas adjetivas restritivas consecutivas. Todas as frases italianas apresentadas pelos autores são esplicite. Vejamos os exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
Non c’erano ragioni che (= tali che) lo convincessero. (Não havia razões que (= tais que) o convencessem.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
Non ci sono scuse che valgano (tali da valere). (Não há desculpas que valham (tais a valer).
Luca Serianni (1999, p. 623)
Non c’è gruppo italiano all’estero [...] che non si segnali per le stragi di fauna che da esso si irradiano. (Não há grupo italiano no esterior [...] que não se destaque pelas matanças da fauna que dele se irradiam.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 336)
1) Compro un cavallo che sia capace di vincere. (Compro um cavalo que seja capaz de vencer.)
219
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 336)
2) Non portò nessuna ragione che fosse persuasiva. (Não trouxe nenhuma razão que fosse persuasiva.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Non è uno che (= tale che) ti tradisca.(Não é alguém que (tal que) te traia.)
Todas as subordinadas das frases italianas do quadro são relative determinative; referemse a antecedentes, que são, em sua maioria, substantivos; na frase de Giuseppe Pittano, o antecedente é uno, classificado gramaticalmente como pronome indefinido; essas relative especificam e limitam o significado dos seus antecedentes. José Carlos de Azeredo (2010, p. 321) dá o seguinte exemplo de oração subordinada relativa com valor consecutivo: Cuidado para não fazer declarações que possam nos comprometer. (= (tais) que possam nos comprometer) Se compararmos esse exemplo com as frases em português do quadro, veremos que são muito parecidos: a subordinada é introduzida em todas as frases pelo pronome relativo que; poderíamos acrescentar nas orações principais a expressão tal (ou suas flexões) — característico da subordinada adverbial consecutiva — que reforçaria o valor consecutivo das subordinadas adjetivas. Vejamos a análise completa de uma das orações italianas e a da sua tradução. ITALIANO:
Non c’erano ragioni che (=tali che) lo convincessero. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: Non c’erano ragioni / che lo convincessero. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa con valore consecutivo TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não havia razões / que o convencessem. 1ª oração
2ª oração
220
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva restritiva com valor consecutivo
D) Relativa causale Analisemos, no quadro abaixo, as frases em italiano e em português, para depois verificarmos as particularidades desse tipo de relativa.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
Mi raccomando a te, che (= perché) sei più grande. (Eu confio em você, que (= porque) é mais velho.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
Mi rivolsi a lui, che aveva mostrato (= perché aveva mostrato) di capire le mie ragioni. (Dirigi-me a ele, que tinha mostrado (= porque tinha mostrado) entender as minhas razões.)
Luca Serianni (1999, p. 623)
1) La colpa della mancata riuscita veniva riversata prima sul nipote che non aveva voglia di studiare, quindi sui professori che non sapevano insegnare. (A culpa do resultado ruim recaía primeiro sobre o sobrinho (ou neto) que não queria estudar, depois sobre os professores que não sabiam ensinar.) 2) Del resto, tu che sei letterato, ricorderai certamente come inizia l’ ‘Edmenegarda’ di Giovanni Prati. (De resto, você que é um literato, lembrará certamente como se inicia a ‘Edmenegarda’ de Giovanni Prati.)
Battaglia e Pernicone (1994, p. 336)
Sono felici loro, che hanno tanta serenità d’animo. (São felizes eles, que têm tanta serenidade de ânimo.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Beati voi che (= perché) andate in vacanza. (Abençoados vocês que (= porque) sairão de férias.)
Todas as subordinate (sublinhadas) das frases italianas são introduzidas pelo pronome che. Em algumas das frases, há vírgula entre essas orações e suas respectivas reggenti; é o caso das frases de Dardano e Trifone, de Sabatini e de Battaglia e Pernicone. Classificaríamos essas relative como appositive causale, porque, elas acrescentam uma informação acessória.
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A classificação italiana para essas subordinate corresponde à classificação do português. Vejamos a análise oracional de uma das frases.
ITALIANO:
Mi raccomando a te, che (perché) sei più grande. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: Mi raccomando a te, / che sei più grande. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa appositiva causale TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu confio em você, / que é mais velho. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva explicativa causal
E) Relativa condizionale Primeiramente observemos, no quadro abaixo, as frases com as relative condizionali.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
Chi (= se qualcuno) vuole, può restare. (Quem (= se alguém) quiser, pode ficar.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
Darò aiuto a chi mostrerà (= se qualcuno mostrerà) di averne bisogno. (Darei ajuda a quem mostrar (= se alguém mostrar) ter necessidade dela).
Luca Serianni
1) Credo che gli italiani colmeranno gli eventuali vuoti che dovessero verificarsi nell’afflusso dall’estero. (Acredito que os italianos encherão os eventuais espaços vazios que devam se verificar no afluxo do exterior.)
(1999, p. 623-624)
2) A chi volesse configurarsi una Circe vista dall’interno, consiglierei la biografia di una sciamana tibetana. (A quem quisesse configurar-se uma Circe vista pelo interior, eu aconselharia a biografia de uma tibetana.)
222
Salvatore Battaglia e Chi avesse coraggio, potrebbe tentare. (Quem tivesse coragem, poderia Vincenzo Pernicone tentar.) (1994, p. 336) Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Chi (= se uno) dicesse questo, sbaglierebbe. (Quem (= se alguém) dissesse isto, erraria.)
A maioria das subordinate relative determinative condizionali das frases italianas se inicia com o pronome indefinido chi, precedido ou não de preposição. O modo verbal mais frequente é o congiuntivo. Chamamos a atenção para a frase de Francesco Sabatini: Darò aiuto a chi mostrerà (= se qualcuno mostrerà) di averne bisogno (Darei ajuda a quem mostrar (= se alguém mostrar) ter necessidade dela). Em italiano, a subordinada (sublinhada) é classificada como relativa determinativa condizionale; mas em português não é tão fácil a classificação dessa subordinada sublinhada. O verbo dar é transitivo direto e indireto; a estrutura mais comum com esse verbo é: quem dá, dá algo a alguém, sendo o termo algo, o objeto direto (O.D.), e a expressão a alguém, o objeto indireto (O.I.). Na frase em português que é tradução da frase italiana, o objeto direto é claramente o substantivo ajuda; e a oração a quem mostrar será o objeto indireto. Poderíamos substituir a referida oração por um subustantivo acompanhado de preposição. Vejamos frases símiles: Darei ajuda a Pedro. O.D.
Darei / ajuda / a quem precisar.
O.I.
O.D.
O.I. ORACIONAL
Assim, considerando esses argumentos, classificaríamos a oração a quem mostrar como substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo. Se a oração fosse se alguém mostrar, seria subordinada adverbial condicional reduzida de infinitivo. Vejamos a análise completa da frase em italiano e em português.
ITALIANO:
Darò aiuto a chi mostrerà (= se qualcuno mostrerà) di averne bisogno. (SABATINI, 1994, p. 476)
Análise segundo a gramática italiana:
223
Darò aiuto / a chi mostrerà / di averne bisogno. 1ª prop.
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: reggente della 2ª proposizione 2ª proposizione: subordinata relativa determinativa condizionale, in rapporto alla 1ª proposizione; e reggente della 3ª proposizione 3ª proposizione: subordinata sostantiva oggettiva diretta implicita d’infinito, in rapporto alla 2ª proposizione TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Darei ajuda / a quem mostrar / ter necessidade dela. 1ª oração
2ª oração
3ª oração
1ª oração: principal, em relação à segunda oração 2ª oração: subordinada substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo, em relação à 1ª oração; e oração principal, em relação à terceira oração 3ª oração: subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo, em relação à segunda oração
Vale observar que a classificação da terceira oração, tanto em italiano quanto em português é a mesma: ambas são subordinadas substantivas objetivas diretas, reduzidas de infinitivo. Lembramos que, em italiano, avere bisogno é uma locução verbal; o seu complemento, na frase acima, é o pronome ne, que substitui, nesse caso, a expressão di aiuto, complemento indiretto da referida locução. Vejamos agora a análise de uma frase do quadro de exemplos, em que a subordinata relativa condizionale corresponde a uma adjetiva condicional do português.
ITALIANO:
Chi (se qualcuno) vuole, può restare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: Chi vuole, / può restare. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: subordinata relativa determinativa condizionale 2ª proposizione: reggente
224
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Quem quiser, / pode ficar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adjetiva restritiva condicional 2ª oração: principal
F) Relativa concessiva
Observemos os exemplos a seguir, para posteriormente realizarmos uma análise mais detalhada.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 468)
Tu, che (= sebbene) avresti tanto da dire, non parli. (p. 468; Você, que (= embora tivesse) tinha tanto a dizer, não fala.)
Francesco Sabatini (1994, p. 476)
Parla proprio lui che dovrebbe star zitto (=sebbene debba). (Fala justo ele que deveria estar calado (= embora deva).
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 336)
Quel bravo figliolo, che aveva studiato sempre, è stato tuttavia bocciato. (Aquele bom filho, que tinha estudado sempre, foi todavia reprovado.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Egli che aveva (= sebbene avesse) ragione, tacque. (Ele, que tinha (= embora tivesse) razão, calou.)
Podemos observar, nos exemplos do quadro, que todas as subordinate relative concessive (sublinhadas) são introduzidas pelo pronome che, seguido de verbo no indicativo ou no condizionale. A relativa concessiva parece uma oração acessória, e, a julgar pela presença das vírgulas, isolando-a em algumas das frases, diríamos que as subordinadas das frases são relative appositive. José Carlos de Azeredo (2010, p. 321) apresenta o seguinte exemplo de oração subordinada adjetiva explicativa com valor concessivo:
225
“Coitada da minha avó. (...) Logo ela, que amava tanto a vida, (...) ia morrer.” [NAVA, 1973, p. 75] (= embora amasse tanto a vida) Podemos perceber claramente a semelhança entre o exemplo de Azeredo e as subordinadas adjetivas das frases em português. Analisemos, com mais detalhes, uma das frases do quadro.
EXEMPLO: Tu, che (sebbene) avresti tanto da dire, non parli. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: Tu, [che avresti tanto da dire], non parli. 1ª pr.
2ª proposizione
1ª prop.
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa appositiva concessiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Você, [que tinha tanto a dizer], não fala. 1ª or.
2ª oração
1ª or.
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva explicativa com valor concessivo
6.3.3.2. Proposizione relativa appositiva
Conforme já afirmamos, a proposizione subordinata relativa appositiva fornece uma informação acessória sobre o que é dito na reggente, por isso vem separada desta por vírgula(s). Não apresenta a forma implicita. Corresponde à oração subordinada adjetiva explicativa do português. Vejamos os exemplos apresentados pelos autores italianos que consideramos nesta tese e as traduções para o português desses mesmos exemplos.
226
AUTORES
Dardano e Trifone (2003, p. 467-468)
EXEMPLOS 1) Tutti i colleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno. (Todos os colegas, que têm confiança em você, vão te apoiar93.) 2) Prendo l’autobus, che è il mezzo di trasporto più econômico. (Pego o ônibus, que é o meio de transporte mais econômico.) 3) La luna, che sorge a est, descrive un’orbita intorno alla Terra. (A lua, que surge a leste, descreve uma órbita em torno da Terra.)
Francesco Sabatini (1994, p. 475)
1) Il pubblico applaudì l’atleta, che era raggiante di gioia. (O público aplaudiu o atleta, que estava radiante de alegria.) 2) È arrivato Antonio, che (o il quale) propone di andare tutti al cinema. (Chegou Antônio, que (ou o qual) propõe de irmos(ou irem) todos ao cinema.) 3) Ho perduto mio zio, al quale (o cui, o a cui) ero tanto affezionato. (Perdi meu tio, ao qual (ou a quem) eu era tão afeiçoado.)
Luca Serianni (1999, p. 623)
Voi, che siete stati in guerra, non dovreste parlare così. (Vocês, que estiveram na guerra, não deveriam falar assim.)
Battaglia e Pernicone (1994, p. 335)
Mio fratello, che è sempre irrequieto, è di nuovo ripartito. (Meu irmão, que é sempre irrequieto, partiu de novo.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 538)
Questo libro, che ho avuto in prestito, è molto interessante. (Este livro, que peguei emprestado, é muito interessante.)
Como podemos verificar no qudro, todas as subordinate relative appositive e suas correspondentes em português, as sobordinadas adjetivas explicativas, estão separadas por vírgula(s) das suas respectivas orações principais 94. O pronome che, que introduz praticamente todas as subordinadas — a exceção é a terceira frase de Sabatini, cuja subordinada é introduzida por al quale —, refere-se a antecedentes que são palavras imediatamente anteriores aos mesmos. Acompanhemos agora a análise de uma frase do quadro e a da sua tradução.
93
Preferimos traduzir ti appoggeranno como vão te apoiar, porque essa locução em português é mais usada do que a forma apoiar-te-ão. 94 Lembramos que proposizione reggente é como chama a oração principal das orações subordinadas.
227
ITALIANO:
Tutti i colleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468) Análise segundo a gramática italiana: Tutti i colleghi, [che hanno fiducia in te], ti appoggeranno. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata relativa appositiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Todos os colegas, [que têm confiança em você], vão te apoiar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adjetiva explicativa
6.3.4. Quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as orações subordinadas adjetivas do italiano e as do português do Brasil Com o estudo das proposizioni subordinate relative do italiano, pudemos verificar a correspondência com o português descrita nos quadros abaixo.
ITALIANO
PORTUGUÊS
PROPOSIZIONE SUBORDINATA RELATIVA:
ORAÇÃO SUBORDINADA ADJETIVA
determinativa (ou limitativa ou restrittiva ou attributiva)
restritiva
appositiva (ou incidentale ou esplicativa ou aggiuntiva)
explicativa
Assim, a relativa determinativa do italiano corresponde à adjetiva restritiva do português; e a relativa appositiva corresponde à adjetiva explicativa.
228
Em relação aos valores circunstanciais que as relative podem ter, verificamos a seguinte correspondência com o português:
relativa temporale
• Oração subordinada substantiva subjetiva; • oração subordinada adverbial temporal; • oração subordinada adjetiva restritiva
relativa finale
adjetiva final
relativa consecutiva
adjetiva consecutiva
relativa causale
adjetiva causal
relativa condizionale
adjetiva condicional
relativa concessiva
adjetiva concessiva
Com exceção da relativa temporale, todos os outros tipos de relative circostanziali têm uma oração de mesma classificação em português, o que os torna mais fáceis em termo de estudo. Já a relativa temporale tem correspondência com três orações do português. O tipo que mais chamou nossa atenção foi a correspondência com a oração subordinada substantiva subjetiva. Parece-nos que expressões que denotem tempo, como è un mese, un anno fa, un’ora fa etc., são determinantes para que a oração seja classificada como relativa temporale. Em português, expressões como essas regeriam as orações subordinadas substantivas subjetivas. A correspondência com a subordinada adverbial temporal pareceu-nos um caso isolado. Já a que se estabeleu com a oração subordinada adjetiva restritiva parece a mais frequente.
6.3.5. Proposizioni subordinate avverbiali
De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 448, tradução nossa), a proposizione subordinata circostanziale — que nós chamaremos de avverbiale — “desenvolvem a função daqueles complementos que indicam circunstâncias (tempo, causa, finalidade etc.) em que uma ação se realiza”. Esses complementos a que os autores se referem correspondem aos adjuntos adverbiais do português. Eles apresentam mais detalhes sobre essa oração:
229
No interior das circostanziali pode-se identificar um subgrupo, constituído pelas proposizioni causali, finali, consecutive, concessive e ipotetiche, que exprimem, segundo diversas modalidades, a relação lógica de causa/consequência entre o evento expresso na principal e aquele expresso na subordinada (já que X, então Y; X a fim de que Y; a tal ponto X que Y; embora X, todavia Y; se X, então Y).
Vejamos no quadro abaixo os principais tipos de proposizioni avverbiali e seus principais conectores.
PROPOSIZIONE SUBORDINATA AVVERBIALE
causale
concessiva
PRINCIPALI CONGIUNZIONI E LOCUZIONI CONGIUNTIVE
perché, poiché, giacché, siccome, ché, che, per il fatto che, per il motivo che, dal momento che, dato che, visto che, in quanto che benché, sebbene, quantunque, nonostante, malgrado, ancorché, per quanto, nonostante che, malgrado che, com tutto che, quand’anche o anche quando, anche se Pode ser introduzida por pronome adjetivo indefinido: chiunque, qualunque, checché
condizionale
se, qualora, purché, posto che, ammesso che, a condizione che, a patto che, nel caso che, nell’eventualità che, nell’ipotesi che
comparativa
di uguaglianza: così...come, tanto...quanto, tale...quale di maggioranza: Più...di quanto, più...che, più... di come, più...di quello che di minoranza: meno...di quanto, meno...che, meno...di come, meno...di quello che
finale
perché, affinché
consecutiva
così/tanto/talmente...che, sicché, cosicché, talché, di modo che, al punto che, a tal segno che
temporale
quando, mentre, come, prima che, dopo che, allorché, allorquando, al tempo in cui, nel momento che
avversativa
quando, mentre
eccettuativa
fuorché, tranne che, eccetto che, salvo che, a meno che
esclusiva
senza che
limitativa
per quanto, per quello che
230
modale
come, come se, quasi, nel modo che, comunque, secondo che, siccome
strumentale
(somente implicita)
Vejamos agora os principais tipos de oração subordinada adverbial — reconhecidos pela NGB — e suas principais conjunções e locuções conjuntivas, para que possamos comparar essa oração com as avverbiali italianas.
ORAÇÃO SUBORDINADA ADVERBIAL
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES E LOCUÇÕES CONJUNTIVAS
causal
porque, visto que, já que, uma vez que, como (quando equivale a porque)
concessiva
por mais que, por menos que, por muito que
condicional
se, caso, contanto que, desde que
comparativa
como, que (precedido de mais ou de menos)
final
a fim de que, para que, que
consecutiva
que (precedido de um termo intensivo: tão, tal, tanto)
temporal
quando, enquanto, logo que, desde que, assim que, agora que
proporcional
à proporção que, à medida que
conformativa
conforme, segundo, consoante, como
Comparando os dois quadros acima, podemos verificar que há mais tipos de subordinadas adverbiais em italiano do que em português. As seguintes orações italianas se destacam, na comparação como, em princípio, não tendo correspondentes na língua portuguesa: avversativa, eccettuativa, esclusiva, limitativa, modale e strumentale. Da parte do quadro de orações do português, destacaram-se a proporcional e a conformativa. Através do estudo contrastivo poderemos verificar se não há correspondentes, de fato, para as referidas orações italianas. Há gramáticos brasileiros — como Bechara (1999), Azeredo (2010) e Sacconi (1990) que até falam em orações como a limitativa e a modal, mas costumam deixar claro que a NGB não as reconhece. Observamos que o número de conjunções e locuções conjuntivas que as gramáticas italianas apresentam também é maior do que as gramáticas do português.
231
Passemos agora ao estudo de cada tipo de proposizione subordinata avverbiale, para identificarmos orações correspondentes no português.
6.3.5.1. Proposizione causale
A proposizione subordinata avverbiale causale, ou simplesmente proposizione causale, indica a causa do que é expresso na reggente. Em italiano, faz-se a diferença entre dois tipos de causa: a causa efficiente e a causa formale. De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 453-454, tradução nossa), a causa ‘efficiente’95 “consiste em uma afirmação sobre um evento específico (il bicchiere si è rotto perché ti è caduto dalle mani), e causa ‘formale’, que se refere a uma afirmação de caráter geral (il bicchiere si è rotto perché era fragile)”. Segundo os autores, essas diferença não interfere no comportamento sintático das causais. A causale esplicita pode ser introduzida pelas conjunções que indicamos no primeiro quadro do tópico 6.3.5; a forma implicita dessa oração pode apresentar-se com o verbo no gerúndio, no particípio ou no infinitivo. Neste terceiro caso, a oração será introduzida: a) pela preposição per; nesse caso, reggente e proposizione causale têm de ter o mesmo sujeito; b) pela preposição a; c) pela locução conjuntiva per il fatto di. O estudo da proposizione causale nos revelou que esta pode corresponder à oração subordinada adverbial causal e à oração coordenada sindética explicativa. Vejamos cada caso individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale causale como oração subordinada adverbial causal Essa é a correspondência mais simples entre a causale e uma oração do português. Vejamos, no quadro abaixo, a seleção de exemplos que fizemos, para depois passarmos às observações e à análise oracional de algumas das frases.
95
As aspas foram usadas pelos autores citados.
232
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Visto che non c’è, vado via. (p. 453; Visto que não está, vou embora.) 2) Siccome non c’erano novità, non ti ho telefonato. (p. 453; Como não havia novidades, não te telefonei.)
Dardano e Trifone (2003)
3) Non ho potuto avertirlo: non l’ho visto. (p. 454; Não pude adverti-lo: não o vi.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Conoscendo le dificultà eravamo molto prudenti. (p. 453; Conhecendo as dificuldades, éramos muito prudentes.) 5) Fu punito per aver trasgredito la legge. (p. 454; (Ele) Foi punido por ter transgredido a lei.) 6) Offeso dal suo atteggiamento, non lo salutai. (p. 454; Ofendido pelo comportamento dele, não o cumprimentei.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Marco si trovava a casa mia perché era il mio compleanno. (p. 461; Marco se encontrava na minha casa, porque era o meu aniversário.) 2) Filippo ha abbandonato la gara, dato che gli mancavano le forze. (p. 461; Felipe abandonou a competição, visto que faltavam-lhe as forças.)
Francesco Sabatini (1994)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Stefano è stato investito da un motociclista per essere passato col rosso. (p. 462; Estefano foi atropelado por um motociclista, por ter passado com o sinal vermelho.) 4) Essendo ammalato, Luca non era venuto a scuola. (p. 462; Estando doente, Lucas não tinha vindo à escola.) 5) Spaventato dalle possibili conseguenze, fui più cauto. (p. 462; Assustado pelas possíveis consequências, fui mais cuidadoso.)
Luca Serianni (1999)
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Si sentiva poi lusingata del fatto che entrambi quei personaggi ci chiamassero tutti per nome. (p. 575; (Ele/Ela) Sentia-se depois lisonjeada pelo fato de que ambos os personagens nos chamassem todos pelo nome.)
233
2) Io sull’autobus non c’ero, ché ricorderei uno per uno i viaggiatori che c’erano. (p. 576; Eu, no ônibus, não estava, porque eu lembraria um por um dos passageiros que havia nele.) Luca Serianni (1999)
3) Giacché ci tocca aspettare, si potrebbe prendere qualcosa al bar. (p. 577; Já que nos cabe esperar, poderíamos tomar alguma coisa no bar.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Non sono partito avendo già visto San Marino. (p. 573; Não parti, tendo já visto São Marinho.) 5) Per il fatto di aver avuto ragione quella volta, pretende di averla sempre. (p. 580; Pelo fato de ter tido razão aquela vez, pretende tê-la sempre.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
1) Siamo preoccupati perché non scrivi. (p. 337; Estamos preocupados, porque você não escreve.) IMPLICITE (reduzidas): 2) Gli alunni sono stati puniti per aver fatto chiasso. (p. 338; Os alunos foram punidos por terem feito alvoroço.) 3) Essendo tardi, non volle uscire. (p. 338; Estando tarde, não quis sair.) 4) Preoccupato per il suo silenzio, gli scrissi subito. (p. 338; Preocupado pelo seu silêncio, lhe escrevi imediatamente.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Non vengo perché sono stanco. (p. 508; Não vou/venho, porque estou cansado.)
Giuseppe Pittano (1974)
2) La fortuna è spesso un male, giacché rende gli uomini tracotanti. (p. 509; A fortuna é frequentemente um mal, já que torna os homens arrogantes.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Franata la strada, dovemmo fermarci. (p. 508; Desmoronada a estrada, tivemos de parar.) 4) Si vergognò per aver detto quella frase. (p. 509; Envergonhou-se, por ter dito aquela frase.)
234
Os autores do quadro apresentam, em suas gramáticas, muitos exemplos para esse tipo de avverbiale. Não colocamos todos, porque incorreríamos em redundância. Procuramos escolher frases com conjunções e locuções diferentes e frases reduzidas diferentes para que pudéssemos observar como é a estrutura da frase que possui a proposizione causale. Destacamos a frase 3 de Dardano e Trifone que traz a única subordinata causale per giustapposizione. Há exemplos com os três tipos de reduzidas: d’infinito, di gerundio e di participio. Observamos que o principal modo verbal das causali esplicite é o indicativo. Luca Serianni apresenta esplicite com verbo no indicativo (tocca), no congiuntivo (chiamassero) e no condizionale (ricorderei). As orações causali, sejam esplicite, sejam implicite, podem vir tanto antes quanto depois da reggente. Analisemos agora a frase 3 de Francesco Sabatini (1994, p. 462), transcrita abaixo:
Stefano è stato investito da un motociclista per essere passato col rosso. (Estefano foi atropelado por um motociclista, por ter passado com o sinal vermelho.)
Em princípio, a frase em italiano e a sua tradução expressam ambiguidade: quem passou com o sinal vermelho, Estefano ou o motociclista? Porém, em italiano, essa ambiguidade não existe, porque, conforme já explicamos, só é possível formar causale implicita d’infinito, se o sujeito da causale for o mesmo da reggente; é o que acontece: Stefano é o sujeito das duas orações. Portanto, na frase em italiano, fica claro que Stefano passou com o sinal vermelho. Já na frase em português — tradução da frase italiana —, há ambiguidade. Outra observação a se fazer é a respeito da frase 1 de Giuseppe Pittano: Non vengo perché sono stanco. (p. 508; Não vou/venho, porque estou cansado.). O verbo venire pode significar ir ou vir, depende do contexto. Como a frase-exemplo está descontextualizada, não há como saber qual a melhor tradução, para o português, do referido verbo. Preferimos indicar as duas opções de tradução. Passemos agora à análise mais detalhada de duas das frases do quadro.
235
ITALIANO:
Frase 1: Non ho potuto avertirlo: non l’ho visto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 454) Análise segundo a gramática italiana: Non ho potuto avertirlo: / non l’ho visto. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: causale per giustaposizione TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não pude adverti-lo: / não o vi. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial causal por justaposição
Conforme já dissemos, a frase analisada acima apresenta uma proposizione causale per giustapposizione. Para identificarmos a classificação de uma oração por justaposição, temos de entender a ideia expressa por essa oração. Na frase analisada, é possível eliminarmos a justaposição, substituindo os dois pontos por vírgula e inserindo, após esta vírgula, uma conjunção causal, como perché ou giacché. Vejamos, a seguir, a análise de mais uma frase.
ITALIANO:
Frase 2: Siccome non c’erano novità, non ti ho telefonato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453) Análise segundo a gramática italiana: Siccome non c’erano novità, / non ti ho telefonato. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: causale 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Como não havia novidades, / não te telefonei. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial causal 2ª oração: principal
236
Na frase 2, a subordinata causale inicia a frase com a conjunção siccome. É preciso cuidado com as conjunções italianas siccome e come, pois ambas significam como, em português, mas não são usadas nos mesmos contextos. Não é possível substituir siccome por come, por exemplo, na proposizione causale; come é usada na proposizione comparativa e também não pode ser substituída, nesse contexto, por siccome.
B) Proposizione subordinata avverbiale causale como oração coordenada sindética explicativa A correspondência deste tópico traz a questão antiga da dificuldade, em português, de se distinguir a oração coordenada sindética explicativa da oração subordinada adverbial causal. Em italiano, essa dificuldade não existe, porque a proposizione coordinata esplicativa é muito diferente da avverbiale causale; essas orações italianas nem têm conectivos em comum, como acontece com as referidas orações do português, cujo principal conectivo em comum é porque. Ataliba de Castilho (2010, p. 348) fala o seguinte a respeito da dificuldade a que nos referimos: “Uma questão que ocupou particularmente os gramáticos foi a da distinção entre coordenadas explicativas e subordinadas causais. Considera-se causal a sentença a cujo conteúdo proposicional está associado um efeito ou consequência, verbalizado na sentença principal”. O autor apresenta os seguintes exemplos: a) A rua está molhada porque choveu.96 b) Choveu, porque a rua está molhada.
Castilho explica que, na frase (a) “temos uma sentença complexa com ordem não marcada, isto é, a senteça matriz de consequência é seguida pela sentença subordinada de causa”. A interpretação semântica deve ser feita da direita para a esquerda. Na frase (a) temos uma subordinada adverbial causal (sublinhada). Castilho explica a situação da frase (b):
Ao dar [à frase (b)] um tratamento pautado pela relação lógica entre sentenças, torna-se difícil aceitar que rua molhada seja a causa que tenha por efeito chover. Nesta sentença há muito mais uma explicação do que uma causação: a rua estar 96
O autor não usou vírgula antes da conjunção porque.
237
molhada se explica pelo fato de ter chovido. A tradição gramatical optou por considerá-la explicativa [...].
Ernani Terra (2007, p. 295) explica que as orações coordenadas sindéticas explicativas “exprimem ideia de explicação, justificação, confirmação”. Suas principais conjunções são pois (quando anteposto ao verbo), porque e que. As conjunções porque e que introduzirão o referido tipo de coordenada quando:
a oração que formarem transmitir uma ideia de confirmação a respeito do que é dito na oração a que estiver ligada. É o caso da frase (b) de Ataliba de Castilho: a rua está molhada é uma confirmação de que choveu;
o verbo da oração anterior estiver no imperativo: Não saia daí, que eu volto logo.
É esse segundo caso que proporciona a correspondência entre proposizione subordinata avverbiale causale e oração coordenada sindética explicativa. Encontramos frases-exemplo em Dardano e Trifone (2003) e em Salvatore Battaglia e Vincenzo Perinicone (1994). Vejamos as sentenças.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone (2003)
1) Avvicinati, ché voglio vederti meglio. (p. 453; Aproxime-se, que quero te ver melhor.) 2) Smettila, perché potrei stancarmi. (p. 454; Pare com isso, porque eu poderia me cansar.) 3) Passate a casa mia, perché vorrei vedervi. (p. 454; Passem na minha casa, porque eu queria ver vocês.97) IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
97
Na tradução da frase italiana, preferimos queria no lugar de quereria, porque na linguagem informal queria é a forma mais usada.
238
ESPLICITE (desenvolvidas): Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
1) Ricordamelo, perché potrei dimenticarmene. (p. 337; Lembre-me disso, porque eu poderia me esquecer.) 2) Avvertitemi del vostro ritorno, perché vorrei vedervi. (p. 337; Avisem-me do retorno de vocês, porque eu queria vê-los.) IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
Todas as frases italianas do quadro são compostas por reggente e proposizione causale, nesta ordem. Já em português, todas as frases têm uma oração coordenada assindética e uma oração coordenada sindética explicativa, também nesta ordem. O que determina, portanto, essa classificação oracional no português é o verbo da primeira oração estar no imperativo. Acompanhemos a análise completa de uma das frases.
ITALIANO:
Frase: Smettila, perché potrei stancarmi. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 454) Análise segundo a gramática italiana: Smettila, / perché potrei stancarmi. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata avverbiale causale TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Pare com isso, / porque eu poderia me cansar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética 2ª oração: coordenada sindética explicativa
239
6.3.5.2. Proposizione temporale
A correspondência entre proposizione temporale e a oração sobordinada adverbial temporal é simples. Ambas exprimem uma relação de tempo entre a subordinada e a reggente/principal. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 457), “É possível [...] distinguir três categorias de relações temporais com base na colocação cronológica da ação expressa pela reggente em relação àquela expressa pela subordinada: contemporaneidade, posterioridade e anterioridade98”. A temporale pode se apresentar tanto na forma esplicita quanto na implicita e pode vir antes ou depois da proposizione reggente. Vejamos os exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Quando c’è il sole, mi piace passeggiare. (p. 457; Quando faz sol, gosto de passear.) 2) Mentre lo ascoltavo, prendevo appunti. (p. 457; Enquanto eu o escutava, eu fazia anotações.) 3) Andiamo via prima che torni. (p. 460; Vamos embora, antes que volte.)
Dardano e Trifone (2003)
4) Dopo che l’ebbi visto, mi ricordai di lui. (p. 459; Depois que o vi, me lembrei dele.) IMPLICITE (reduzidas): 5) Passeggiando discutevamo. (p. 458; tradução: Passeando, discutíamos.) 6) Al primo vederlo, l’ho riconosciuto. (p. 458; Logo ao vê-lo, eu o reconheci.) 7) Prima di uscire, voglio finire quel lavoro. (p. 460; Antes de sair, quero terminar aquele trabalho.) 8) (Una volta) superato questo problema, tutto si aggiusterà. (p. 460; (Uma vez) superado este problema, tudo vai se ajustar.)
Francesco Sabatini (1994)
98
ESPLICITA (desenvolvida): 1) Mi piace ascoltare musica mentre mi lavo. (p. 467; Gosto de ouvir música, enquanto me lavo.)
Não detalharemos aqui cada tipo, porque não convém.
240
2) Non appena bussai, mi fu aperto. (p. 467; Assim que eu bati, abriu-se para mim.) Francesco Sabatini (1994)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Nell’andare da lui, ho incontrato Valeria. (p. 468; Ao ir à casa dele, encontrei Valéria.) 4) Dopo aver cenato, sono uscito di casa. (p. 468; Depois de ter jantado, saí de casa.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Quando piove, le strade sono un pantano. (p. 603; Quando chove, as estradas ficam um pântano.)
Luca Serianni (1999)
2) Che cosa farai dopo aver preso il diploma? (p. 604; O que você vai fazer, depois que tiver pegado o diploma?) IMPLICITE (reduzidas): 3) Camminando guardavo le vetrine. (p. 608; Caminhando, eu olhava as vitrines.) 4) Appena arrivato, andò subito a dormire. (p. 609; Recém chegado, foi imediatamente dormir.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
1) Non appena tu guarisca, partiremo per la montagna. (p. 336; Assim que você se curar, partiremos para a montanha.) 2) Lavorerò finché tu venga. (p. 337; Trabalharei, até que você venha.)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Dopo aver camminato ci sedemmo. (p. 337; Depois de ter caminhado, nós nos sentamos.) 4) Ho letto prima di dormire. (p. 337; Li antes de dormir.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano (1974, p. 507)
1) La vedrò prima che parta. (Eu vou vê-la, antes que ela parta.) 2) L’ho visto mentre usciva di casa. (Eu o vi, enquanto saía de casa.) IMPLICITE (reduzidas):
241
Giuseppe Pittano (1974, p. 507)
3) Entrando ho incontrato Fabio. (Entrando, encontrei Fábio.) 4) Arrivato a Roma mi ammalai. (Chegado em Roma, adoeci.) 5) Prima di partire passerò da te. (Antes de partir, passarei na tua casa.)
Todos os autores italianos do quadro apresentam, em suas gramáticas, muitos exemplos para a proposizione temporale; selecionamos os que consideramos mais interessantes. Há uma grande variedade de conjunções e locuções conjuntivas para esse tipo de oração. Além disso, a mesma pode se apresentar nas três formas nominais. Considerando as três categorias de relações temporais a que nos referimos, podemos classificar as frases que têm as proposizioni temporali, apresentadas no quadro, da seguinte maneira: Expressam contemporaneidade: as frases 1, 2, 5 e 6 de Dardano e Trifone; 1 e 3 de Sabatini; frase 3 de Serianni; e 2 e 3 de Pittano; Expressam posterioridade: as frases 4 e 8 de Dardano e Trifone; 2 e 4 de Sabatini; 1, 2 e 4 de Serianni; 1 e 3 de Battaglia e Pernicone; e frase 4 de Pittano; Expressam anterioridade: as frases 3 e 7 de Dardano e Trifone; 2 e 4 de Battaglia e Pernicone; e 1 e 5 de Pittano;
Observamos que todos os autores deixam de usar vírgula entre a reggente e a subordinata. Isso ocorre nas frases 3 e 4 de Dardano e Trifone; na frase 1 de Sabatini; nas frases 2 e 3 de Luca Serianni; nas sentenças 2, 3 e 4 de Battaglia e Pernicone; e em todas as cinco frases de Giuseppe Pittano. Parece não haver obrigatoriedade do uso da vírgula nesses casos. Em português, a vírgula é obrigatória.
6.3.5.3. Proposizione finale
A proposizione subordinata avverbiale finale indica a finalidade ou o objetivo da ação expressa pela proposizione reggente. Battaglia e Pernicone (1994, p. 338) apontam a conjunção
242
affinché como a principal conjunção final; Dardano e Trifone (2003, p. 455) afirmam que afinché e perché são as mais usadas. Francesco Sabatini (1994, p. 464) apresenta um importante esclarecimento em relação à conjunção perché: esta só terá valor final se vier seguida de verbo no congiuntivo. “Se o verbo da dependente vier no indicativo, perché adquire valor causal e toda a dependente terá um outro significado”. O autor resume esse princípio com o seguinte esquema: Perché + indicativo: ha valore causale ( = ‘per il fatto che’) Perché + congiuntivo: ha valore finale ( = ‘allo scopo di’) Conforme já vimos, a conjunção perché também pode introduzir proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta, mas a estrutura desta oração é muito diferente; esta completa verbo transitivo direto. A forma implicita da proposizione finale tem o verbo no infinitivo; pode ser introduzida por várias preposições e locuções prepositivas, tais como: per, di, a, da, al fine di, allo scopo di, con l’intenzione di. Vejamos alguns dos exemplos, apresentados pelos autores das cinco principais gramáticas italianas que consultamos. As subordinate finali estão sublinhadas. AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Te lo dico perché tu possa trarne un insegnamento. (p. 455; Eu te digo isso, para que você possa tirar disso um aprendizado.) 2) Sottrasse il documento, affinché non si potesse divulgarlo. (p. 455; Subtraiu o documento, a fim de que não se pudesse divulgá-lo.)
Dardano e Trifone (2003)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Sono venuto per parlarti. (p. 455; Eu vim para falar com você.) 4) Preparatevi a partire. (p. 455; Preparem-se para partir.) 5) Dammi un libro da leggere. (p. 455; Dê-me um livro para ler.) 6) Per fare questi esercizi ho bisogno di mezz’ora. (p. 456; Para fazer estes exercícios, preciso de meia hora.)
243
ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco Sabatini (1994, p.464)
1) Ho regalato un libro a Francesca perché si ricordi di me. (Presenteei um livro à Francesca, para que se lembre de mim.) IMPLICITE (reduzidas): 2) Apro la porta per chiamare mia sorella. (Abro a porta para chamar minha irmã.) 3) Ho comprato alcuni romanzi da leggere durante le vacanze. (Comprei alguns livros para ler durante as férias.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Te lo dico perché tu ci vada. (p. 581; Eu te digo isso, para que você vá embora.) 2) Prego di pregare fervorosamente per me affinché mi siano abbreviate le pene del Purgatorio. (p. 581; Peço para rezar fervorosamente por mim, a fim de que me sejam abreviadas as penas do Purgatório.)
Luca Serianni (1999)
IMPLICITE (reduzidas): 3) È emigrato per fare fortuna. (p. 580; Ele emigrou para fazer fortuna.) 4) Andava lui stesso a fare la spesa ogni mattina. (p. 582; Ia ele mesmo fazer compras toda manhã.) 5) Il Consiglio dei ministri ha aprovato il pacchetto-Giustizia (...) allo scopo di evitare il referendum. (p. 583; O Conselho dos ministros aprovou o pacote-Justiça (...) com o objetivo de evitar o plebiscito.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p.338)
1) Studiate affinché siate promossi. (Estudem, a fim de que vocês sejam aprovados.) 2) Studiate perché siate promossi. (Estudem, para que vocês sejam promovidos.) IMPLICITA (reduzida): 3) Partimmo per essere presenti. (Partimos, para estarmos presentes.)
Giuseppe Pittano
ESPLICITE (desenvolvidas):
(1974, p.512)
1) Ti dico questo affinché tu ti regoli. (Eu te digo isso, a fim de que você se regule.)
244
Giuseppe Pittano
2) Io faccio perché tu impari. (Eu faço, para que você aprenda.)
(1974, p.512)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Ti scrivo per informarti di ciò. (Eu te escrevo para te informar disto.) 4) Ci chiamarono ad aiutarli. (Chamaram-nos para ajudá-los.)
Em praticamente todas as frases, a subordinada final vem depois da reggente; a exceção é a frase 6 de Dardano e Trifone. Mais uma vez, o uso da vírula entre reggente e subordinata não parece ser obrigatório. A única frase em que há vírgula separando as duas referidas orações é a frase 2 de Dardano e Trifone: Sottrasse il documento, affinché non si potesse divulgarlo (Subtraiu o documento, a fim de que não se pudesse divulgá-lo). Em português o uso da vírgula é obrigatório. Acompanhemos a análise mais detalhada de uma das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase: Sono venuto per parlarti. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 455) Análise segundo a gramática italiana: Sono venuto / per parlarti. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: subordinata avverbiale finale implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Vim , / para falar-te. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial final reduzida de infinitivo
245
6.3.5.4. Proposizione consecutiva
A proposizione consecutiva indica a consequência do que se afirma na proposizione reggente. Sua correspondente em português é a oração subordinada adverbial consecutiva; essa oração italiana não oferece, portanto, dificuldade para estudantes brasileiros. Na forma esplicita, pode ser introduzida por conjunções e locuções conjuntivas como: che, a tal punto che, in modo che; a reggente terá advérbios, adjetivos ou pronomes como: così, tanto, talmente, tale. Reggente e subordinata consecutiva formam uma correlação. Conforme Dardano e Trifone (2003, p. 456), a forma implicita traz o verbo no infinitivo e é introduzida pelas preposições da ou per, ou por expressões como degno di, atto a, indegno di, inetto a. Destacamos uma importante observação dos autores acima a respeito da proposizione consecutiva. Eles afirmam que a mesma deve vir obrigatoriamente após a proposizione reggente, mas há exceção: Tal ordem pode ser invertida, por motivos expressivos, realizando uma relação de justaposição: a frase faceva tanto freddo che la mattina trovavano l’acqua dei catini congelata torna-se la mattina trovavano l’acqua dei catini congelata, tanto faceva freddo.
Vejamos alguns exemplos desse tipo de oração italiana nas frases selecionadas.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Parlava così piano che non riuscivo a sentirlo. (Falava tão baixo, que eu não conseguia ouvi-lo.)
Dardano e Trifone
2) Sono arrivato in anticipo, di modo che devo aspettare. (Cheguei adiantado, de modo que devo esperar.)
(2003, p. 456)
3) Gli parlerò in modo che non si faccia troppe illusioni. (Vou falar-lhe de modo que não tenha ilusões demais.) IMPLICITA (reduzida): 4) Ho una fame da morire. (Estou com uma fome de matar.)
246
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Paolo ha mangiato tanto che si è fatto venire il mal di pancia. (Paulo comeu tanto, que ficou com dor de barriga.) 2) Ero talmente stanco che andai subito a dormire. (Eu estava tão cansado, que fui logo dormir.) Francesco Sabatini (1994, p.463)
3) Era arrivato a tal punto di ubriachezza che dovettero riaccompagnarlo a casa. (Tinha chegado a tal ponto de embriaguez, que tiveram que acompanhá-lo em casa.) 4) Diglielo con parole tali che non si offenda. (Diga-lhe com palavras tais, que não se ofenda.) IMPLICITA (reduzida): 5) Non sono così stupido da credere a tutto quello che mi dicono. (Não sou tão estúpido de acreditar em tudo aquilo que me dizem. ESPLICITE (desenvolvidas): 1) È così alto che deve farsi fare tutto su misura. (p. 584; É tão alto, que deve mandar fazer tudo sob medida.)
Luca Serianni (1999)
2) La vita psichica inconscia è talmente forte che può dominare la nostra vita cosciente. (p. 586; tradução: A vida psíquica inconsciente é de tal forma forte que pode dominar a nossa vida consciente.) IMPLICITA (reduzida): 3) Padre santo, hai tanto amato il mondo da mandare a noi, nella pianezza dei tempi, il tuo unico figlio como salvatore. (p. 587; Pai santo, amaste tanto o mundo a ponto de mandar para nós, na planície dos tempos, o teu único filho como salvador.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 340)
1) È così presto, che non c’è ancora nessuno. (É tão cedo, que ainda não tem ninguém.) 2) Siamo in tanti che potremmo vincere. (Somos tantos, que poderíamos vencer.) IMPLICITA (reduzida): 3) Mi sentivo così sfinito da non poter camminare. (Eu me sentia tão enfraquecido, a ponto de não poder caminhar.)
247
ESPLICITA (desenvolvida): Giuseppe Pittano (1974, p. 512)
1) Ero così stanco che mi addormentai. (Eu estava tão cansado que dormi.) IMPLICITE (reduzidas): 2) Era così facilone da credere a tutti. (Era tão imprudente, de acreditar em todos.) 3) Mi annoiavo al punto di addormentarmi. (Eu me entediava, ao ponto de dormir.)
Em todas as frases, as proposizioni consecutive vêm após as reggenti. O uso da vírgula para separar a reggente da proposizione consecutiva, também com esse tipo de subordinata, parece não ser obrigatório. Apenas a frase 2 de Dardano e Trifone, e a frase 1 de Battaglia e Pernicone têm a vírgula com a referida função. Passemos à análise mais detalhada de uma frase do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Parlava così piano che non riuscivo a sentirlo. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 456) Análise segundo a gramática italiana: Parlava così piano / che non riuscivo a sentirlo. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: consecutiva TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Falava tão baixo, / que eu não conseguia ouvi-lo. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial consecutiva
248
6.3.5.5. Proposizione concessiva
A proposizione concessiva expressa concessão; através dela, admite-se uma ideia contrária ao que é exposto na reggente. Essa oração italiana corresponde à oração subordinada adverbial concessiva. Essa subordinata pode ser introduzida por várias conjunções e locuções conjuntivas, tais como benché, sebbene, nonostante, malgrado, per quanto, nonostante che, malgrado che, anche se, quand’anche; também pode ser introduzida por pronomes e adjetivos indefinidos como chiunque e qualunque. A reggente à qual a concessiva se liga pode ter palavras que reforçam o valor da subordinada, tais como tuttavia, nondimeno, pure, ugualmente, lo stesso. A forma implicita pode apresentar o verbo no gerúndio presente precedido por pur(e), ou no particípio passado, precedido por benché, pur(e), per quanto. Vejamos
os
exemplos
selecionados.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Benché abbia fame, non mangerò. (p. 464; Embora esteja com fome, não comerei.) 2) Sebbene avessi ragione, tuttavia non ho voluto insistere. (p. 464; Embora tivesse razão, eu não quis insistir.)
Dardano e Trifone (2003)
3) Anche se avevo ragione, non ho voluto insistere. (p. 464; Mesmo que eu tivesse razão, não quis insistir.) 4) Per quanto io faccia, non riesco a ricordarlo. (p. 472; Por mais que eu faça, não consigo lembrar.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Per essere (sebbene sia) così magro ha una bella forza. (p. 465; Apesar de ser (embora seja) tão magro, ele tem uma bela força.) 5) Pur avendo fatto una corsa, perdemmo il treno. (p. 465; Mesmo tendo dado uma corrida, perdemos o trem.) 6) Non si trova un posto in aereo nemmeno a pagarlo oro! (p. 456; Não se encontra um lugar no avião nem mesmo pagando em ouro!)
249
ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco Sabatini (1994, p. 471)
1) Sebbene sia anziano, tuttavia è ancora agile. (Embora seja idoso, todavia ainda é ágil.) 2) Nonostante (che) avesse il piede gonfio, è andato lo stesso a giocare a pallone. (Não obstante (que) tivesse o pé inchado, foi assim mesmo jogar bola.) IMPLICITA (reduzida): 3) Pur essendo freddo, faccio ugualmente una paseggiata. (Mesmo estando frio, faço sim um passeio.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Benché sia ricco, vive poveramente. (p. 598; Embora seja rico, vive pobremente.)
Luca Serianni (1999)
2) Malgrado l’attore abbia fatto tagliare una scena [...], il film sta ottenendo un enorme successo. (p. 600; Ainda que o ator tenha feito cortar uma cena [...], o filme está obtendo um enorme sucesso.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Per quanto festeggiato, non era del tutto sereno. (p. 603; Por quanto festejado, não estava de todo sereno.) 4) Pure non rinunziando ancora alla prassi tradizionale (...), l’amministrazione Coleridge giungeva ad un soddisfacente compromesso col Messico. (p. 603; Mesmo não renunciado ainda à praxe tradicional (...), a administração Coleridge alcançava um satisfatório compromisso com o México.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Benché sia stanco, continuerò il lavoro. (p. 340; Ainda que esteja cansado, continuarei o trabalho.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
2) Sebbene sia tardi, ti aspetterò ancora. (p. 340; Embora esteja tarde, ainda vou te esperar.) 3) Chiunque mi cerchi, non farlo entrare. (p. 340; Qualquer um que me procure, não o faça entrar.) IMPLICITA (reduzida): 4) Pur avendo lavorato tanto, non mi sento stanco. (p. 341; Mesmo tendo trabalhado tanto, não me sinto cansado.)
250
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Benché fossi stanco, continuai il lavoro. (p. 517; Embora estivesse cansado, continuei o trabalho.) 2) Anche se vedo, non ci credo. (p. 517; Mesmo que eu veja, não acredito.) Giuseppe Pittano (1974)
3) Sebbene viaggiasse con una macchina ultimo modello, era pieno di debiti. (p. 517 e 518; Embora viajasse com um carro último modelo, ele estava cheio de dívidas.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Pur avendo ragione, hai sbagliato. (p. 517; Mesmo tendo razão, você errou.) 5) Benché avvertito, ha fatto di testa sua. (p. 517; Embora advertido, agiu de acordo com a sua cabeça.)
Praticamente todas as frases trazem a proposizione concessiva antes da reggente; apenas na frase 6 de Dardano e Trifone, que é implicita, ocorre o inverso. Em relação à pontuação, notamos que a maioria das frases tem a reggente e a proposizione concessiva separadas por vírgula. Apenas nas frases 4 e 6 de Dardano e Trifone isso não acontece. Observamos que, em algumas sentenças em que reggente e subordinata têm o mesmo sujeito, a identificação da pessoa do verbo da subordinada é feita pela proposizione reggente. Analisemos as frases abaixo: Benché abbia fame, non mangerò. (frase 1 de Dardano e Trifone) Benché sia ricco, vive poveramente. (frase 1 de Luca Serianni)
Nas duas sentenças, as orações subordinadas trazem seus verbos no congiuntivo presente, e não é possível identificar a pessoa verbal, porque as formas abbia e sia podem se referir a 1ª, 2ª ou 3ª pessoas do singular. Somente através da oração principal é possível a identificação. Nas traduções, em português, mantivemos a omissão do pronome pessoal reto nas subordinadas. As duas frases italianas acima foram traduzidas respectivamente da seguinte forma: Embora esteja com fome, não comerei; Embora seja rico, vive pobremente. Analisemos agora duas frases do quadro de exemplos.
251
ITALIANO:
Frase 1: Chiunque mi cerchi, non farlo entrare. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 340) Análise segundo a gramática italiana: Chiunque mi cerchi, / non farlo entrare. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: concessiva 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Qualquer um que me procure, / não o faça entrar. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial concessiva 2ª oração: principal
Trata-se de uma oração subordinada adverbial concessiva incomum de se encontrar nas gramáticas tradicionais. Encontramos caso semelhante em Azeredo (2010, p. 335):
Qualquer que, onde quer que: trata-se de um pronome indefinido e de um advérbio que eventualmente encabeçam orações adverbiais. O caráter concessivo dessas orações está em que elas exprimem a ausência absoluta de restrições ao conteúdo da oração principal: Esse cachorro me acompanha aonde quer que eu vá. Qualquer que seja o resultado da partida, os torcedores vão comemorar.
A segunda frase de Azeredo é semelhante à frase italiana que estamos analisando. Chiunque e qualquer que são pronomes indefinidos e estão introduzindo orações subordinadas adverbiais concessivas.Analisemos outra frase do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 2: Per essere così magro ha una bella forza. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 465) Análise segundo a gramática italiana:
252
Per essere così magro / ha una bella forza. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: concessiva implicita d’infinito 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Apesar de ser tão magro, / ele tem uma bela força. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial concessiva reduzida de infinitivo 2ª oração: principal
Já comentamos esta frase no tópico 5.5.1 desta tese, que trata da tradução das frasesexemplo. Na ocasião, afirmamos que esta frase não poderia ser traduzida “ao pé da letra”, do contrário não teria sentido algum. Para mantermos o sentido expresso pela sentença italiana, a preposição per, nesse caso, deve corresponder à locução prepositiva apesar de. Assim, também pudemos manter a subordinada como reduzida de infinitivo.
6.3.5.6. Proposizione comparativa
A proposizione comparativa expressa uma comparação com o que se afirma na reggente. Segundo Serianni (1999, p. 611), há dois tipos de comparação: di grado e di analogia (reale ou ipotetica). O primeiro tipo pode ser di uguaglianza (così ... come, tanto ... quanto, tale ... quale); di maggioranza (più ... di quanto, più ... che, più ... di come, più ... di quello che) ou di minoranza (meno ... di quanto, meno ... che, meno ... di come, meno ... di quello che). Dardano e Trifone (2003, p. 461) explicam que as palavras più e meno, que figuram na reggente, podem ser substituídas respectivamente por meglio e peggio; più também pode ceder lugar para maggiormente. A comparazione di analogia ocorre quando se estabelece uma relação de semelhança: Comportati come hai sempre fatto (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 461). Dardano e Trifone consideram esse tipo de comparação como sendo parte da proposizione modale. Em português,
253
Azeredo (2010, p. 339) fala em comparação assimilativa; esta corresponde à comparazione di analogia. Luca Serianni fala também de comparative incidentali o parentetiche, introduzidas por come, sem elemento correlativo na oração principal. Nesse caso, a estrutura comparativa têm a função de apresentar comentário dentro do discurso. Por exemplo: [Era rimasta] celibe, per aver rifiutati tutti i partiti che le si erano offerti, come diceva lei, o per non aver mai trovato un cane che la volesse, come dicevan le sue amiche. (Promessi Sposi, I). Azeredo chama esse caso de comparação conformativa. A forma implicita da proposizione comparativa é formada pelo infinitivo precedido de piuttosto che, piuttosto di ou più che. Essa oração italiana corresponde a pelo menos dois tipos de orações do português: oração subordinada adverbial comparativa e oração subordinada adverbial proporcional. Vejamos cada caso individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale comparativa como oração subordinada adverbial comparativa Essa é a correspondência mais simples entre a proposizione comparativa e uma oração do português. Vejamos exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Il diavolo non è così brutto come si dipinge. (O diabo não é tão feio como se pinta.)
Dardano e Trifone (2003, p. 461)
2) Il problema è più complesso di quanto pensavo. (O problema é mais complexo do que eu pensava.) 3) Abbiamo meno tempo di quello che sarebbe necessario. (Temos menos tempo do que seria necessário.) IMPLICITE (reduzidas): 4) Più che parlare, gridava. (Mais que falar, gritava.)
254
5) Morirebbe, piuttosto di riconoscere uno sbaglio. (Morreria, antes mesmo de reconhecer um erro.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco Sabatini (1994)
1) Hai speso in un giorno tanti soldi quanti ne servivano (o servirebbero) in una settimana. (p. 471; Você gastou em um dia tanto dinheiro quanto utilizava (ou utilizaria) em uma semana.) 2) Non è così ignorante come sembra. (p. 472; Não é tão ignorante como parece.) 3) È stata una giornata più faticosa di quanto immaginavo. (p. 472; Foi um dia mais cansativo do que eu imaginava.) IMPLICITE (reduzidas): Não apresenta. ESPLICITE (desenvolvidas): 1) È un tipo più sveglio di quel che sembri. (p. 611; É um tipo mais atento do que parece.) 2) Si comporta come se la colpa fosse mia. (p. 611; Comporta-se como se a culpa fosse minha.)
Luca Serianni (1999)
3) La situazione era meno nera di come sembrava. (p. 616; A situação era menos negra, do que parecia.) 4) Si svegliò più stanco di quando era andato a dormire. (p. 616; Acordou mais cansado do que quando tinha ido dormir.) IMPLICITE (reduzidas): 5) Niente le faceva tanto piacere come sentirmi sbagliare. (p. 615; Nada lhe dava tanto prazer como ouvir-me errar.) 6) È meglio [...] soffrire operando il bene piuttosto che fare il male. (p. 617; É melhor sofrer, operando o bem, do que fazer o mal.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Io lavoro come ho fatto sempre. (p. 344; Eu trabalho como sempre fiz.) 2) Abbiamo studiato più che tu non voglia ammettere. (p. 345; Estudamos mais do que você queira admitir.) 3) Ho risposto meglio che tu non creda. (p. 345; Respondi melhor do que você acredita.)
255
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
4) Ha parlato meno di quel che prevedevamo. (p. 345; Ele/Ela falou menos daquilo que prevíamos.) 5) S’è comportato peggio di come avevamo pensato. (p. 345; Comportou-se pior do que tínhamos pensado.) IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam. ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Studio più di quanto tu creda. (p. 525; Estudo mais do que você acredita.)
Giuseppe Pittano (1974)
2) Studio meno di quanto vorrei. (p. 525; Estudo menos do que eu gostaria.) 3) Non studio come tu credi. (Não estudo como você acredita.) IMPLICITA (reduzida): 4) Piuttosto che studiare, vado a lavorare. (Ao invés de estudar, vou trabalhar.)
A proposizione comparativa, como subordinada comparativa, é fácil de se identificar. Passemos à análise de uma das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Il diavolo non è così brutto come si dipinge. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 461) Análise segundo a gramática italiana: Il diavolo non è così brutto / come si dipinge. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: comparativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O diabo não é tão feio / como parece. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial comparativa
256
B) Proposizione subordinata avverbiale comparativa como oração subordinada adverbial proporcional Consideramos inusitada a correspondência entre a proposizione comparativa e a oração subordinada adverbial proporcional. Nós a encontramos somente em Luca Serianni (1999, p. 617). O autor distingue dois tipos de comparação de proporcionalidade: de proporção direta e de proporção inversa. Analisemos cada caso.
PROPORÇÃO DIRETA: de equivalência (via via che... —, di mano in mano che... —, man mano che... —, a misura che... —); de progressão crescente (più... più, quanto più... tanto più); de progressão decrescente (meno... meno, quanto meno... tanto meno).
Serianni (ibid., tradução nossa) explica que “nas relações de progressão, as duas frases podem ser ligadas mediante e (em tal caso, a comparativa perde a sua qualidade de subordinada, tornando-se coordenada à reggente)”. Vejamos os exemplos apresentados pelo gramático:
1) Dapprincipio agì come suo luogotenente; ma poi, via via che la sua forza cresceva e gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano, cominciò a prendere da lui le distanze. (No início, agiu como seu tenente; mas depois, à medida que a sua força crescia e os entusiasmos por Fiume amornavam, começou a tomar distância dele.) 2) L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, va su, man mano che ci avviciniamo. (O Istmo de Gibraltar se agiganta, vem para cima, à proporção que nos aproximamos.) 3) La signora andava ripigliando fiato a misura che ne perdeva il vento. (A senhora ia retomando o fôlego, à medida que perdia o vento.) 4) Devi sapere che l’Io è come le mosche: più lo scacci e più ti ronza d’intorno. (Você deve saber que o Eu é como as moscas: quanto mais o expulsar, mais zumbe em volta de você.)
Façamos a análise oracional de duas das frases acima.
257
Frase 1: Dapprincipio agì come suo luogotenente; ma poi, via via che la sua forza cresceva e gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano, cominciò a prendere da lui le distanze. Dapprincipio agì come suo luogotenente; / ma poi, [via via che la sua forza cresceva] [e gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano], cominciò a prendere da lui le distanze. 1ª proposizione: Dapprincipio agì come suo luogotenente. Proposizione indipendente 2ª proposizione: ma poi, cominciò a prendere da lui le distanze. Proposizione reggente 3ª proposizione: via via che la sua forza cresceva. Proposizione comparativa di 1º grado (proporzione diretta di equivalenza) 4ª proposizione: e gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano. Proposizione comparativa di 1º grado; e proposizione coordinata copulativa di 2º grado TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
No início, agiu como seu tenente; / mas depois, [à medida que a sua força crescia] [e os entusiasmos por Fiume amornavam], começou a tomar distância dele. 1ª oração: No início agiu como seu tenente. Oração coordenada assindética 2ª oração: mas depois começou a tomar distância dele. Oração principal 3ª oração: à medida que a sua força crescia. Oração subordinada adverbial proporcional de 1º grau 4ª oração: e os entusiasmos por Fiume amornavam. Oração subordinada adverbial proporcional de 1º grau, e oração coordenada sindética aditiva de 2º grau
Frase 2: L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, va su, man mano che ci avviciniamo. L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, / va su, / man mano che ci avviciniamo. 1ªproposizione
2ª prop.
3ª proposizione
1ª proposizione: principale della 2ª proposizione e reggente della 3ª proposizione 2ª proposizione: coordinata per giustapposizione alla 1ª proposizione 3ª proposizione: subordinata avverbiale comparativa (proporzione diretta di equivalenza)
258
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O Istmo de Gibraltar se agiganta, / vem para cima, / à proporção que nos aproximamos. 1ª oração: Oração coordenada assindética, em relação à 2ª oração, e principal, em relação à 3ª oração 2ª oração: Oração coordenada assindética, ligada à 1ª oração por justaposição 3ª oração: Oração subordinada adverbial proporcional, ligada à 1ª oração
PROPORÇÃO INVERSA: Ocorre quando più... meno, tanto più... quanto meno, meno... più, tanto meno... quanto più. 1) Più l’umanità si fa grossa [...] meno diventa trasparente per se stessa. (Quanto mais a humanidade aumenta [...] menos se torna transparente para si mesma.) 2) Tanto più si travagliano con questo desiderio da se medesimi, quanto meno sono affliti dagli altri mali. (Quanto mais se afligem com este desejo por si mesmos, quanto menos ficam aflitos pelos outros males.)
Luca Serianni (1999, p. 617, tradução nossa) esclarece que “a relação de proporcionalidade pode variar em um dos seus termos através de um advérbio não-quantitativo (como più ou meno), mas qualitativo: meno ci vedono insieme, meglio è ”.
6.3.5.7. Proposizione condizionale
A proposizione condizionale, chamada por Luca Serianni (1999, p. 588) de proposizione ipotetica, por formar o periodo ipotetico, expressa condição em relação ao que é dito na reggente. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 462), essa subordinata é chamada de protasi (do grego prótasis, “premissa”), e a sua reggente é chamada de apodosi (do grego apódosis, “consequência”).
259
A conjunção mais usada é se, mas, como já vimos, também são usadas conjunções e locuções conjuntivas condicionais: qualora, purché, posto che, ammesso che, a condizione che, a patto che, nel caso che, nell’eventualità che, nell’ipotesi che. Segundo Dardano e Trifone, “existem possibilidades diversas de correlação dos modos verbais, que dão lugar a períodos hipotéticos ‘mistos’ [...]”. Não estudaremos aqui as possíveis combinações dos tempos e modos verbais, porque consideramos isso detalhe, frente ao nosso objetivo, que é realizarmos uma análise contrastiva para chegarmos à correspondência entre os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português. Luca Serianni (1999, p. 588-597) dedica nove páginas da sua Grammatica italiana somente para tratar da proposizione condizionale. Segundo o autor, essa oração, quando introduzida pela conjunção se seguida de verbo no indicativo, pode assumir valores específicos, não-hipotéticos, tais como: temporale-iterativo, causale, concessivo, completivo, avversativo, restrittivo, ipotetico apparente, fraseológico. A forma implicita da condizionale pode apresentar o verbo no infinitivo, precedido da preposição a, no gerúndio ou no particípio. Analisando a condizionale, identificamos duas orações do português como suas correspondentes: a oração subordinada adverbial condicional e a oração subordinada adverbial proporcional. Verifiquemos cada caso a seguir.
A) Proposizione condizionale como oração subordinada adverbial condicional Essa é a principal correspondência entre a condizionale e uma oração do português. Vejamos alguns exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone (2003)
1) Se comincia a parlare, non la finisce più. (p. 462; Se começa a falar, não para mais.) 2) Mi farebbe piacere se ci fossi anche tu. (p. 462; Eu iria gostar, se você também estivesse.)
260
IMPLICITE (reduzidas): Dardano e Trifone (2003)
3) Applicandoti, potresti rendere molto di più. (p. 463; Aplicando-se, você poderia render muito mais.) 4) Sviluppata meglio, sarebbe un’ottima idea. (p. 463; Desenvolvida melhor, seria uma ótima ideia.) 5) A vederlo, non penseresti che è ricco. (p. 463; Ao vê-lo, você não pensaria que é rico.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Avrò in regalo gli sci se sarò promosso. (p. 468; Terei de presente os esquis, se eu for promovido.) 2) Qualora tu ti alzassi prima, potresti essere più puntuale. (p. 470; Se você se lenvantasse mais cedo, poderia ser mais pontual.)
Francesco Sabatini (1994)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Ad avere più soldi, avrei comprato quell’altro paio di sci. (p. 470; Ao ter mais dinheiro, teria comprado aquele outro par de esqui.) 4) Ritardando ancora, perderai il treno. (p. 470; Atrasando mais um pouco, você perderá o trem.) 5) Ascoltato con attenzione, Giulio potrebbe far capire le sue ragioni. (p. 470; Ouvido com atenção, Júlio poderia fazer entender as razões.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Se mi toccate, chiamo gente. (p. 589; Se vocês tocarem em mim, chamo as pessoas.) 2) Se hai sbagliato, devi correggerti. (p. 589; Se você errou, tem que se corrigir.)
Luca Serianni (1999)
3) Di queste galline, sette le mangeremo noi, e una la daremo a te, a condizione [...] che tu faccia finta di dormire. (p.596; Destas galinhas, sete comeremos nós, e uma daremos a você, com a condição [...] que você finja dormir.) IMPLICITE (reduzidas): 4) A sentire gli storici l’impero romano fu distrutto dalle tasse più che dai barbari. (p. 597; Ao ouvir os historiadores, o império romano foi destruído pelos impostos mais do que pelos bárbaros.) 5) Speravo, ottenendo quel rinvio, di poter poi restare a Grassano definitivamente. (p. 597; Eu esperava, obtendo aquela restituição, poder depois ficar em Grassano definitivamente.)
261
ESPLICITE (desenvolvidas): Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 342)
1) Se dirai la verità, sarai perdonato. (Se você disser a verdade, você será perdoado.) 2) Sarebbe una fortuna, se fossimo promossi. (Seria uma sorte, se fôssemos promovidos.) 3) Se tu avessi avuto pazienza, saresti riuscito. (Se você tivesse tido paciência, teria conseguido.) IMPLICITE (reduzidas): Não apresenta. ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Se dici questo sbagli. (p. 519; Se você diz isto, você erra.) 2) Qualora non si dimostri degno della nostra fiducia, non gli daremo più incarichi. (p. 521; Se ele não se mostrar digno da nossa confiança, não lhe daremos mais encargos.)
Giuseppe Pittano (1974)
IMPLICITE (reduzidas): 3) Dicendo questo, sbagli. (p. 519; Dizendo isto, você erra.) 4) A dire questo sbagli. (p. 519; Ao dizer isto, você erra.) 5) Detto questo, hai certamente sbagliato. (p. 519; Dito isto, você certamente errou.)
Todos os autores apresentam exemplos com a conjunção se, pois segundo eles, é a mais frequente das conjunções condicionais. A subordinata condizionale tanto pode vir antes quanto após a reggente. Praticamente todas as implicite do quadro se antepõem à oração principal. Em relação à pontuação, parece não haver obrigatoriedade no uso da vírgula para separar subordinata e reggente, pois há frases, esplicite e implicite, com vírgula e frases sem ela. A maioria das frases têm a vírgula com essa função. Acompanhemos a seguir a análise oracional de uma das frases do quadro.
262
ITALIANO:
Frase: Applicandoti, potresti rendere molto più. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 463) Análise segundo a gramática italiana: Applicandoti, / potresti rendere molto più. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: condizionale implicita di gerundio 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Aplicando-se, / você poderia render muito mais. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial condicional reduzida de gerúndio 2ª oração: principal
B) Proposizione condizionale como oração subordinada adverbial proporcional
Luca Serianni (1999, p. 596), ao tratar da proposizione condizionale, apresenta uma lista grande de congiunzioni e locuzioni congiuntive que ele chama de ipotetiche e condizionalirestrittive. Entre as referidas locuções, o autor cita nella misura in cui, que, com base na sua tradução — na medida em que ou à medida que —, estabelece correspondência entre a condizionale e a oração subordinada adverbial proporcional do português. Serianni (ibid., tradução nossa) esclarece: “A expressão nella misura in cui [...] indica propriamente a correlação proporcional entre uma hipótese e o efeito que dela depende (mas no abuso que se fez dela em anos recentes, foi frequentemente adotada como simples variante de se)”. Analisemos o exemplo apresentado pelo autor.
ITALIANO:
Frase: È possibile che la proibizione dell’incesto un giorno scompaia, nella misura in cui si saranno trovati nuovi mezzi per assicurare la coesione sociale. Análise segundo a gramática italiana:
263
È possibile / che la proibizione dell’incesto un giorno scompaia, / nella misura in cui si saranno trovati nuovi mezzi / per assicurare la coesione sociale. 1ª proposizione: reggente della 2ª proposizione 2ª proposizione: subordinata sostantiva soggettiva di 1º grado e reggente della 3ª proposizione 3ª proposizione: subordinata avverbiale condizionale di 2º grado e reggente della 4ª proposizione 4ª proposizione: subordinata relativa restrittiva finale implicita d’infinito di 3º grado TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É possível / que a proibição do incesto um dia desapareça, / à medida que serão encontrados novos meios / para assegurar a coesão social. 1ª oração: principal da 2ª oração 2ª oração: subordinada substantiva subjetiva de 1º grau e principal da 3ª oração 3ª oração: subordinada adverbial proporcional de 2º grau e principal da 4ª oração 4ª oração: subordinada adjetiva restritiva final de 3º grau, reduzida de infinitivo
Como podemos ver, a proposizione condizionale como oração subordinada adverbial proporcional é um caso muito particular de correspondência entre uma oração italiana e uma oração do português, visto que essa correspondência se apoia em apenas uma locução conjuntiva.
6.3.5.8. Proposizione aggiuntiva
Luca Serianni (1999, p. 618) é o único, entre os gramáticos italianos considerados nesta tese, que descreve esse tipo de oração subordinada. O autor a define como a oração essencialmente implicita que acrescenta uma circunstância acessória ao período. A aggiuntiva pode ser introduzida por oltre a (forma implicita) ou oltre che (forma esplicita). A forma reduzida traz o verbo no infinitivo. Vejamos os exemplos apresentados por Serianni.
264
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Oltre che io non pretendo dare ispirazioni, ben mi parrebbe peccato lo staccare anche per un momento il vostro pennello da quelle tele. (Além de que eu não pretendo dar inspirações, bem me pareceria pecado o afastar, mesmo por um momento, o vosso pincel daquelas telas.) 2) Passeggiare innanzi e indietro, tutto quel tempo, oltre che sarebbe stato poco efficace aiuto contro il rigore del sereno, era un richieder troppo da quelle povere gambe. (Passear para cima e para baixo, todo aquele tempo, além de que teria sido ajuda pouco eficaz contra o rigor do sereno, era pedir demais daquelas pobres pernas.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Cos’altro ti ha detto, oltre che dichiarare le sue generalità? (O que mais te disse, além de declarar as suas generalidades?) 4) Desideravo rivedere James Ensor, che, oltre ad esser un grande pittore, è un uomo curioso e istruttivo. (Eu desejava rever James Ensor, que, além de ser um grande pintor, é um homem curioso e instrutivo.) Analisemos abaixo um desses exemplos. ITALIANO:
Desideravo rivedere James Ensor, che, oltre ad esser un grande pittore, è un uomo curioso e istruttivo. Análise segundo a gramática italiana: Desideravo rivedere James Ensor, / che, [oltre ad esser un grande pittore], è un uomo curioso e istruttivo. 1ª proposizione: Desideravo rivedere James Ensor. Proposizione reggente della 2ª proposizione 2ª proposizione: che è un uomo curioso e istruttivo. Proposizione subordinata relativa appositiva, in rapporto alla 1ª proposizione, e proposizione reggente della 3ª proposizione 3ª proposizione: oltre ad esser un grande pittore. Proposizione subordinata avverbiale aggiuntiva implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu desejava rever James Ensor, / que , [além de ser um grande pintor], é um homem curioso e instrutivo.
265
1ª oração: Eu desejava rever James Ensor. Oração principal em relação à 2ª oração 2ª oração: que é um homem curioso e instrutivo. Oração subordinada adjetiva explicativa, em relação à 1ª oração, e oração principal da 3ª oração 3ª oração: além de ser um grande pintor. Oração subordinada adverbial aditiva, reduzida de infinitivo
Encontramos a correspondente para a proposizione aggiuntiva em Azeredo (2010, p. 336). O autor não fala abertamente em oração subordinada adverbial aditiva, mas fala em conteúdo adverbial de adição. Em sua Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, no tópico 14.13, o autor trata das orações adverbiais; no subtópico 14.13.5, intitulado Um par à parte: adição e preterição, Azeredo afirma o seguinte: “Adição e preterição são conteúdos adverbiais expressos pelas locuções prepositivas além de e em vez de/em lugar de, respectivamente. Além de estabelece a mesma relação expressa pela dupla não só...como/mas também [...]. Com em vez de pretere-se ou descarta-se algo”. Azeredo apresenta os seguintes exemplos: a) Além de xingar o adversário, desafiou-o para um duelo. b) Em vez de chutar em gol, preferiu passar a bola.
De acordo com Azeredo, a possibilidade de deslocamento dessas contruções comprova a natureza adverbial das mesmas: a) Desafiou o adversário para um duelo além de xingá-lo. b) Preferiu passar a bola em vez de chutar em gol.
Assim, com base no exposto, podemos fazer a seguinte análise oracional dos exemplos de Azeredo:
a) Além de xingar o adversário, / desafiou-o para um duelo. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial aditiva reduzida de infinitivo 2ª oração: principal
266
b) Em vez de chutar em gol, / preferiu passar a bola. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial de preterição reduzida de infinitivo 2ª oração: principal
Como sabemos, a NGB não reconhece esses tipos de orações subordinadas adverbiais, mas preferimos adotar aqui as denominações que apresentamos, devido à força da necessidade, qual seja, encontrar uma oração correspondente para a proposizione aggiuntiva; essa correspondente é, então, a oração subordinada adverbial aditiva.
6.3.5.9. Proposizione eccettuativa
Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 472), a proposizione eccettuativa “exprime um conceito que limita o significado da reggente”. Na forma esplicita, pode ser introduzida por eccetto che, tranne che, salvo che, fuorché, a meno che non, se non che. Na forma implicita, essa oração é introduzida praticamente pelas mesmas conjunções e locuções conjuntivas e traz o verbo no infinitivo. Do estudo que realizamos sobre a proposizione eccettuativa, concluímos que esta corresponde a três orações subordinadas adverbiais do português: as duas primeiras são a condicional e a concessiva, ambas reconhecidas pela NGB; a terceira nós chamamos de eccettuativa, por não termos encontrado correspondente entre as orações descritas pela NGB. Vejamos cada caso individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial condicional Vejamos primeiro os exemplos apresentados pelos autores italianos, para depois fazermos as nossas considerações.
267
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone (2003, p. 471)
1) Verrò a trovarti, a meno che qualcosa non me lo impedisca. (Virei te encontrar, a menos que alguma coisa me impeça.) 2) Non dirò niente, tranne che non sia costretto. (Não direi nada, exceto se eu for obrigado.)
Francesco Sabatini
ESPLICITA (desenvolvida):
(1994, p. 472)
Partiremo, a meno che non piova. (Partiremos, a menos que chova.)
Luca Serianni
ESPLICITA (desenvolvida):
(1999, p. 619)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)
Giuseppe Pittano (1974, p. 533)
Puoi ripassare domani, a meno che tu non abbia già qualche impegno. (Você pode passar de novo amanhã, a menos que você já tenha algum compromisso.)
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Lo troveremo a casa tranne (o salvo) che non sia già partito. (p. 345; Nós vamos encontrá-lo em casa, exceto (ou salvo) que já tenha partido.) 2) Verrò a trovarti, a meno che (o eccetto che) non si faccia tardi. (p. 346; Irei/Virei te encontrar, a menos que (ou exceto que) fique tarde.)
ESPLICITA (desenvolvida): Verrò domani, salvo che non piova. (Irei/Virei amanhã, a menos que chova.)
Luca Serianni (1999, p. 619-621) é o autor que dá maior atenção à proposizione eccettuativa, descrevendo-a detalhadamente, e o único que apresenta essa oração na forma implicita, além da esplicita. As eccettuative dos exemplos do quadro vêm todas após a reggente. De fato, conforme afirma Serianni, essa oração vem preferivelmente nessa posição. Em relação à pontuação, em praticamentente todas as frases, há uma vírgula, separando a reggente da proposizione eccettuativa.
268
Encontramos na Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2010, p. 327), a oração do português, a qual é correspondente à oração italiana de que estamos tratando. O autor afirma o seguinte: “A condição expressa pelos conectivos a menos que, a não ser que e exceto se é imperiosa. O enunciador se serve da oração condicional para indicar a única situação capaz de reverter o que vem expresso na oração principal”. Destacamos os seguintes exemplos apresentados por Azeredo: a) O senador não aceitará o cargo de ministro, a não ser que disponha de dinheiro para novos investimentos. b) A advogada disse que seu cliente não tem nada o que fazer do ponto de vista jurídico, a menos que o laudo técnico o responsabilize nominalmente pelo desabamento do prédio.
Como podemos verificar, são exemplos parecidos com as frases em português do quadro que apresentamos, as quais são traduções das frases italianas. Em português, portanto, as orações sublinhadas nas frases acima são subordinadas adverbiais condicionais. Analisemos uma das sentenças italianas. ITALIANO:
Frase: Partiremo, a meno che non piova. (SABATINI, 1994, p. 472) Análise segundo a gramática italiana: Partiremo, / a meno che non piova. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: eccettuativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Partiremos, / a menos que chova. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial condicional
269
A observação a fazer sobre a frase em italiano acima é que, por uma questão idiomática, há um advérbio de negação na 2ª oração: non; se traduzirmos “ao pé da letra”, a frase seria contraditória. Para que a frase, em português, seja coerente, precisamos suprimir esse advérbio de negação.
B) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial concessiva Encontramos um único exemplo com uma proposizione eccettuativa, cuja correspondente, em português, é uma oração subordinada adverbial concessiva. Vejamos abaixo.
Dardano e Trifone (2003, p. 471)
ESPLICITA (desenvolvida): Ci conosciamo da molti anni, se non che ci vediamo raramente. (Nós nos conhecemos há muitos anos, ainda que nos vejamos raramente.)
Como podemos verificar, a tradução da frase italiana determina a classificação das orações em português e, no exemplo acima, temos uma eccettuativa correspondendo a uma concessiva.
C) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial excetuativa Observemos agora, nos exemplos abaixo, eccettuative cujas orações correspondentes do português nós chamamos de orações subordinadas adverbiais excetuativas. Optamos por essa classificação, porque, entre as orações subordinadas adverbiais reconhecidas pela NGB, nenhuma serve como correspondente para o tipo de eccettuativa apresentado aqui. Vejamos os exemplos. AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
IMPLICITA (reduzida):
(2003, p. 471)
Sono disposto a tutto, fuorché chiedergli scusa. (Estou disposto a tudo, fora pedirlhe desculpa.)
270
ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Potrebbe vivere come tutti in una grande città, tranne che si sentirebbe troppo solo. (p. 619; Ele/O Sr. poderia viver como todos em uma grande cidade, exceto pelo fato de que se sentiria sozinho demais.) 2) Non chiedevano altro, in fondo, se non che se ne ricordassero. (p. 620; Não pediam outra coisa, no fundo, a não ser que se lembrassem.) Luca Serianni (1999)
IMPLICITA (reduzida): 3) Sono disposto a tutto, tranne che a tradire un amico. (p. 620; Estou disposto a tudo, exceto a trair um amigo.) 4) Non rimpiango nulla della mia giovinezza, tranne (che) di avere interrotto gli studi. (p. 620; Eu não lamento nada da minha juventude, exceto ter interrompido os estudos.) 5) Posso ammettere qualunque cosa tranne che mancare di parola. (p. 620; Posso admitir qualquer coisa, exceto faltar com a palavra.)
ESPLICITA (desenvolvida): Francesco Sabatini (1994, p. 472)
1) Tutto posso credere, tranne che Giorgio sia innocente. (Em tudo posso acreditar, exceto que Jorge seja inocente.) IMPLICITA (reduzida): 2) Sono disposto a tutto, fuorché a perdonarlo. (Estou disposto a tudo, fora perdoálo.) ESPLICITA (desenvolvida):
Giuseppe Pittano (1974, p. 533)
1) Non dico nulla, tranne che l’ho visto. (Não digo nada, exceto que eu o vi.) IMPLICITE (reduzidas): 2) Sa far tutto, tranne che mentire. (Sabe fazer tudo, exceto mentir.) 3) Non sa far altro che parlare. (Não sabe fazer outra coisa, a não ser falar.)
Como podemos ver, é clara a ideia de exceção nas orações subordinadas, tanto das frases italianas quanto das frases em português. Evanildo Bechara (1999, p. 526) na obra Moderna
271
gramática portuguesa (1999, p. 523-524), ao tratar das orações que ele chama de reduzidas fixas, fala das que expressam exceção, cujo verbo vem no infinitivo. Bechara apresenta o seguinte exemplo:
A filha estava com quatorze anos; mas era muito fraquinha, e não fazia nada, a não ser namorar os capadócios. A oração sublinhada, na frase acima, é uma subordinada adverbial que denota exceção, por isso, nós vamos chamá-la de excetuativa, seguindo a classificação italiana.
6.3.5.10. Proposizione avversativa
A proposizione avversativa expressa um fato que se opõe a um outro fato apresentado pela proposizione reggente. Na forma esplicita, pode ser introduzida pelas seguintes conjunções ou locuções conjuntivas: quando, mentre, quando mentre e mentre invece. Na forma implicita, é introduzida por invece di, in luogo di ou anziché, com o verbo no infinitivo. Segundo Luca Serianni (1999, p. 609), as avversative apresentam certa afinidade com as temporali no que diz respeito à forma, tanto que esses dois tipos de orações adverbiais italianas compartilham das mesmas conjunções quando e mentre. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 471), a diferença entre o valor avversativo e o temporale dessas conjunções pode ser marcada pelo uso de vírgula. Analisemos os exemplos que Dardano e Trifone apresentam: a) Luigi studia mentre io lavoro. b) Luigi studia, mentre io lavoro. De acordo com os referidos gramáticos italianos, na primeira frase, mentre tem valor temporale, e na segunda, tem valor avversativo. Esses gramáticos afirmam que “o diferente significado da segunda frase é obtido por meio da pausa mais longa entre studia e mentre”. Azeredo (2010, p. 331) afirma o seguinte a respeito da conjunção quando do português:
Quando é a conjunção temporal padrão, apta a exprimir uma variedade de valores que, quando necessário, são especificados por outras conjunções [...].
272
Exprimindo concomitância de dois fatos ou ideias, quando é passível de substituição por enquanto e ao passo que, que se empregam com valor muito semelhante ao das proporcionais [...]. Nesta situação de simultaneidade, frequentemente o que sobressai é o caráter contrastivo dos fatos e ideias [...], de modo que a relação temporal se torna secundária ou mesmo se esvazia.
O autor apresenta alguns exemplos, entre os quais destacamos o seguinte:
“Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados ao acaso, quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros.” [MACHADO, 1957, p. 211212]
Azeredo não apresenta uma classificação para a conjunção quando na oração adverbial quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros, do exemplo acima. O autor também não classifica a oração adverbial; explica apenas que “o que sobressai é o caráter contrastivo dos fatos e ideias [...], de modo que a relação temporal se torna secundária ou mesmo se esvazia” (AZEREDO, 2010, p. 331). Em relação ao valor lógico-semântico, Luca Serianni (1999, p. 609) afirma que as avversative aproximam-se das coordinate avversative: tu insisti, mentre dovresti tacere corresponde a tu insisti, ma dovresti tacere. Assim, considerando o que afirmam autores como Azeredo e Luca Serianni, optamos por chamar de oração subordinada adverbial adversativa a oração do português, a qual é correspondente à proposizione avversativa. Esta classificação que apresentamos em português não é reconhecida pela NGB, mas optamos por ela, porque nenhuma das classificações que a referida Nomenclatura apresenta para as adverbiais, a nosso ver, pode ser apontada como correspondente da proposizione avversativa. Vejamos, a seguir, os exemplos de frases com esta oração italiana.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone (2003, p. 471)
1) Lo aspettavamo oggi, mentre invece arriverà domani. (Nós o esperávamos hoje, mas ao invés disso chegará amanhã.) 2) Ha voluto restare in casa, mentre io avrei preferito uscire. (Quis ficar em casa, enquanto eu teria preferido sair.)
273
Dardano e Trifone (2003, p. 471)
3) Cristina addossa tutte le colpe a Marco, quando è lei la vera responsabile dell’accaduto. (Cristina atribui todas as culpas a Marcos, quando é ela a verdadeira responsável pelo acontecido.) IMPLICITA (reduzida): 4) Invece di ringraziarmi, fa l’offeso. (Ao invés de me agradecer, se faz de ofendido.) ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco Sabatini
1) Ti sei entusiasmato al primo annuncio, mentre dovevi essere prudente. (Você se entusiasmou com o primeiro anúncio, enquanto você devia ser prudente.)
(1994, p. 472)
IMPLICITA (reduzida): 2) Ti sei entusiasmato al primo annuncio, invece di (o anziché) essere prudente. (Você se entusiasmou com o primeiro anúncio, ao invés de ser prudente.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Tu insisti, mentre dovresti tacere. (p. 609; Você insiste, quando deveria calar.)
Luca Serianni (1999)
2) Su questo punto abbiamo avuto una polemica con il Psi, che ci rimprovera di cercare scorciatoie nell’eurosinistra, quando il problema sarebbe soprattutto italiano. (p. 610; Sobre este ponto, tivemos uma polêmica com o Psi, que nos repreendeu por procurar atalhos na esquerda europeia, quando o problema seria sobretudo italiano.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Fatto sta che i tre torsoli, invece di esser gettati fuori dalla finestra, vennero posati sull’angolo della tavola. (p. 610; Fato é que os três caroços, ao invés de serem atirados para fora da janela, foram pousados no canto da mesa.) 4) In luogo di migliorare le coltivazioni [i nobili] si stremavano a esigere diritti di passaggio su vecchie strade e su guadi abbandonati. (p. 610; No lugar de melhorar os cultivos, [os nobres] se extenuavam a exigir direitos de passagem em velhas estradas e em vaus abandonados.)
Giuseppe Pittano (1974, p. 542)
ESPLICITA (desenvolvida): Lo credevo sincero, mentre (= e invece) lui mentiva. (Eu o considerava sincero, enquanto (e ao invés disso) ele mentia.)
274
Em geral, as avversative vêm após as orações principais. No quadro, todas as sete esplicite vêm após as reggenti; das quatro implicite, duas vêm antes, e duas vêm após as reggenti. Em praticamente todas as frases, as avversative são separadas das reggenti por vírgula; a exceção é a frase 4 de Luca Serianni. Em português, a vírgula separa os dois referidos tipos de orações em todas as frases. Vejamos a análise oracional mais detalhada de duas das frases do quadro. ITALIANO:
Frase 1: Ha voluto restare in casa, mentre io avrei preferito uscire. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana: Ha voluto restare in casa, / mentre io avrei preferito uscire. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: avversativa TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Quis ficar em casa, / enquanto eu teria preferido sair. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial adversativa
ITALIANO:
Frase 2: Invece di ringraziarmi, fa l’offeso. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471) Análise segundo a gramática italiana: Invece di ringraziarmi, / fa l’offeso. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: avversativa implicita d’infinito 2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
275
Ao invés de me agradecer, / se faz de ofendido. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial adversativa reduzida de infinitivo 2ª oração: principal
6.3.5.11. Proposizione esclusiva
A proposizione esclusiva expressa uma exclusão em relação ao que se afirma na proposizione reggente. Na forma esplicita, é introduzida pela locução conjuntiva senza che e traz o verbo no congiuntivo. A forma implicita, considerada a mais comum, é introduzida por senza e traz o verbo no infinitivo. Dardano e Trifone (2003, p. 471, tradução nossa) consideram a proposizione esclusiva “quase uma variante negativa da modale”; segundo esses gramáticos, a locução conjuntiva senza che equivale a come se non. Em português, segundo Evanildo Bechara (1999, p. 506-507), a locução sem que “assume variados sentidos contextuais”, entre os quais modo e concessão. Bechara apresenta os seguintes exemplos: a) Ele é responsável, sem que o saiba, por todas essas coisas erradas. Bechara classifica a oração sublinhada como uma subordinada adverbial concessiva; esta corresponde a embora não saiba. b) Estudou sem que seus pais lho pedissem. Bechara explica esse exemplo da seguinte forma: “Nega-se a causa ou uma das causas do estudo: o pedido dos pais, e vale quase por: estudou ainda que seus pais não lho pedissem”. Segundo o gramático, a oração sublinhada pode ser classificada como subordinada adverbial causal ou concessiva. c) Entrou em casa sem que tomasse nenhum alimento. De acordo com Bechara, a oração em destaque “denota simplesmente que tal ou qual circunstância não se deu, aproximando-se da ideia de modo; segundo o gramático, a oração sublinhada é, portanto, uma subordinada adverbial modal.
276
De acordo com Luiz Antonio Sacconi (1990, p. 328), as adverbiais modais são iniciadas por sem que e expressam o modo como se realiza o fato descrito pela oração principal: Ifigênia ria sem que mostrasse os dentes. Bechara afirma que a NGB “desprezou as orações modais”. Sacconi, a esse respeito, afirma o seguinte: “A Nomenclatura Gramatical Brasileira não agasalha as orações modais. Prefere distribuí-las entre as conformativas, consecutivas e comparativas. Curiosamente, porém, admite a oração reduzida modal”. Após analisarmos cuidadosamente as frases com as proposizioni esclusive, suas traduções para o português e o posicionamento de gramáticos como Bechara e Sacconi em relação à locução sem que, optamos por apontar, como correspondente da proposizione esclusiva, a oração subordinada adverbial modal. Vejamos os exemplos do italiano.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e Trifone
1) Abbiamo fatto tardi, senza che ce ne rendessimo conto. (Nós nos atrasamos, sem que nos déssemos conta.)
(2003, p. 471)
IMPLICITA (reduzida): 2) Abbiamo fatto tardi, senza rendercene conto. (Nós nos atrasamos, sem nos darmos conta.) ESPLICITA (desenvolvida): Francesco Sabatini
1) Ci siamo trovati d’accordo, senza che ne avessimo parlato prima. (Encontramonos de acordo, sem que tivéssemos falado disso antes.)
(1994, p. 472)
IMPLICITA (reduzida): 2) Ci siamo trovati d’accordo senza averne parlato prima. (Encontramo-nos de acordo, sem termos falado disso antes.) ESPLICITE (desenvolvidas): Luca Serianni (1999)
1) Senza che me ne accorgessi mi rendeva allegra. (p. 618; Sem que me desse conta, fazia-me alegre.) 2) Non mi stancavo di domandarmelo, senza che bastasse l’impazienza a
277
svegliarmi. (p. 618; Eu não me cansava de me perguntar, sem que bastasse a impaciência a me acordar.) IMPLICITE (reduzidas): Luca Serianni (1999)
3) Viaggiò tutta la notte senza fermarsi mai. (p. 618; Viajou toda a noite, sem nunca parar.) 4) Ritornò nella stessa casa senza aver parlato col figlio. (p. 619; Retornou para a mesma casa, sem ter falado com o filho.) 5) La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, non spostandosi che per cercare l’ombra. (p. 619; A carruagem esperava ali em frente ao portão do ‘Guarini’, horas e horas, não se afastando a não ser para procurar a sombra.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 345)
ESPLICITA (desenvolvida): 1) Sono caduto senza che mi sia fatto male. (Caí, sem que eu me machucasse.) IMPLICITA (reduzida): 2) Sono caduto senza farmi male. (Caí, sem me machucar.) ESPLICITA (desenvolvida):
Giuseppe Pittano
1) L’ho fatto senza che tu lo comandassi. (Eu fiz sem que você mandasse.)
(1974, p. 533)
IMPLICITA (reduzida): 2) L’ho fatto senza saperlo. (Eu fiz sem saber.)
Com exceção da frase 1 de Luca Serianni, em todas as frases do quadro, as proposizioni esclusive vêm após as proposizioni reggenti. Na maioria das frases, não há vírgula, separando os dois tipos de orações. Apenas Luca Serianni apresenta um caso de esclusiva implicita di gerundio: trata-se da oração sublinhada da frase La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, non spostandosi [...]; essa subordinada poderia ser transformada em esclusiva implicita d’infinito: La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, senza spostarsi [...]. Vejamos a análise mais detalhada de duas frases do quadro.
278
ITALIANO:
Frase 1: Abbiamo fatto tardi, senza che ce ne rendessimo conto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana: Abbiamo fatto tardi, / senza che ce ne rendessimo conto. 1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: esclusiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nós nos atrasamos, / sem que nos déssemos conta. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial modal
ITALIANO:
Frase 2: Sono caduto senza farmi male. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 345) Análise segundo a gramática italiana: Sono caduto / senza farmi male. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: esclusiva implicita d’infinito TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Caí, / sem me machucar. 1ª or.
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial modal, reduzida de infinitivo
279
6.3.5.12. Proposizione limitativa
A proposizione limitativa expressa uma limitação em relação ao que é dito na reggente. A forma esplicita é introduzida pelas locuções per quanto e per quello che. A forma implicita, em geral, é introduzida por in quanto a ou somente por quanto a, com o verbo no infinitivo. Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 472), é comum que as limitative tenham expressões como per quanto riguarda..., per quanto concerne..., per quanto si riferisce a... De acordo com esses gramáticos, as limitative também podem se apresentar com a preposição per ou a e o verbo no infinitivo. Depois de termos analisado diversas frases com proposizioni limitative, identificamos, como correspondentes destas orações italianas, as seguintes orações do português: subordinada adverbial limitativa e subordinada substantiva completiva nominal, reduzida de infinitivo. Entre as orações subordinadas adverbiais descritas pela NGB (HENRIQUES, 2009, p. 164), não há a limitativa; porém, nenhuma das que a NGB descreve corresponde à proposizione limitativa do italiano. Por isso, resolvemos assumir a oração subordinada adverbial limitativa. Além disso, Luiz Antonio Sacconi (1999, p. 312) descreve o adjunto adverbial de limitação ou referência; para este termo, esse gramático apresenta os seguintes exemplos:
Em esperteza você não perde de ninguém. Ninguém a iguala em formosura. Era paulista de nascimento, mas carioca de coração.
Conforme afirma Sacconi (1999, p. 325), a oração subordinada adverbial funciona como adjunto adverbial da oração principal. Em português, há muitos tipos de adjuntos adverbiais; Sacconi (1999, p. 311-314) descreve 25 tipos; mas as classificações das orações subordinadas adverbiais são em número bem menor; a NGB só cita nove: causal, comparativa, consecutiva, concessiva, condicional, conformativa, final, proporcional e temporal. Sacconi (1999, p. 325-328) reconhece todas essas nove e mais a modal. Bechara (1999, p. 501) assume 11 tipos: os nove citados pela NGB, a modal e a locativa. Assim, usamos da mesma liberdade que os referidos gramáticos usaram, para, no contexto desta tese, falarmos em mais uma oração não reconhecida
280
pela NGB: a subordinada adverbial limitativa. Passemos agora aos dois casos de correspondência da proposizione limitativa.
A) Proposizione limitativa como oração subordinada adverbial limitativa
Vejamos primeiramente os exemplos de proposizioni limitative e suas traduções para o português no quadro abaixo, para posteriormente passarmos às considerações.
AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e Trifone
1) Per quanto ne so, stanno tutti bene. (Até onde sei, estão todos bem.)
(2003, p. 472)
IMPLICITA (reduzida): 2) (In) quanto a venirti incontro, mi sembra di averlo già fatto abbastanza. (Quanto a eu ir ao teu encontro, parece-me já ter feito isso o suficiente.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco Sabatini
Per quello che (o Per quanto) ne dicono gli esperti, le risorse di petrolio si esauriranno. (Por aquilo que (ou Pelo que) dizem os especialistas, as reservas de petrólio vão se exaurir.)
(1994, p. 472)
IMPLICITE (reduzidas): Quanto a parlarne con Giulio, non è stato possibile. (Quanto a falar disso com Júlio, não foi possível.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Luca Serianni (1999)
1) Per quanto ne so, non ci sono più treni per Napoli a quest’ora. (p. 621; Até onde eu sei, não há mais trens para Nápoles há esta hora.) 2) Per quel che so (per quel ch’io sappia, per quel poco che ne so, a quel che vedo), di soldi ce ne sono abbastanza. (P. 621; Pelo que sei (que eu saiba, pelo pouco que sei, pelo que vejo), dinheiro tem bastante.) 3) Per quel che concerne la materia e l’istrumento letterario, [...] apparisce [...] il dialetto che si parlava in Firenze. (p. 621; Pelo que concerne à matéria e ao instrumento literário, [...] aparece [...] o dialeto que se falava em Forença.)
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4) Che si sappia, soltanto una famiglia, di origine ucraina, ci ha ripensato. (p. 621; Que se saiba, somente uma família, de origem ucraniana, repensou isso.) Luca Serianni (1999)
IMPLICITE (reduzidas): 5) In quanto allo scappare, pensate se aveva bisogno di consigli. (p. 621; Quanto a escapar, pensem se (ele/ela) tinha necessidade de conselhos.) 6) Quanto a sposare, non mi passerebbe nemmeno per l’anticamera del cervello. (p. 621; Quanto a casar, não me passaria nem mesmo pela antecâmara do cérebro.) 7) A vederlo pareva morto [...]. (p. 622; Ao vê-lo, parecia morto [...].) ESPLICITA (desenvolvida):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 346)
1) A quanto pare, il nostro amico non ha intenzione di ritornare. (Pelo que parece, o nosso amigo não tem intenção de retornar.) IMPLICITA (reduzida): 2) Quanto a pagare, c’è sempre tempo. (Quanto a pagar, sempre há tempo.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano
1) Per quanto mi riguarda, io ho finito. (p. 533; No que me diz respeito, eu terminei.) 2) Per quanto io sappia, Mario ha ragione. (Pelo que eu sei, Mário tem razão.)
(1974, p. 533)
IMPLICITA (reduzida): 3) In quanto a crederci, è affare tuo. (Quanto a acreditar, é problema seu.)
Todas as frases acima trazem a proposizione limitativa como primeira oração. A maioria das limitative esplicite do quadro tem o verbo no modo indicativo, mas, segundo Luca Serianni (1999, p. 621) a limitativa pode apresentar verbo em qualquer um dos três modos verbais, ou seja, no indicativo, no congiuntivo ou no condizionale. Para traduzirmos, para o português, algumas das limitative, foi necessário fazermos adaptações, privilegiando as expressões mais usadas na língua portuguesa. Assim, per quanto ne so traduzimos como até onde eu sei; per quanto mi riguarda, como no que me diz respeito; per quanto io sappia, como pelo que eu sei.
282
A frase 5 de Luca Serianni (ibid.) apresenta um diferencial, em relação às outras: o verbo da limitativa está substantivado. A frase é a seguinte: In quanto allo scappare, pensate se aveva bisogno di consigli. A presença do artigo lo, articulado com a preposição a, na frente de scappare, tornaria esta palavra um substantivo; porém, Serianni a considera verbo, porque esse gramático indica o trecho sublinhado como uma proposizione limitativa; como toda oração tem que ter um predicado, ou seja, um verbo, na oração que estamos analisando, o verbo só pode ser scappare. Na tradução para o português, desconsideramos o referido artigo, do contrário o enunciado não teria sentido; assim, a frase em português ficou: Quanto a escapar, pensem se (ele/ela) tinha necessidade de conselhos. Em todas as sentenças há vírgula separando as proposizioni limitative e as reggenti. Vejamos abaixo a análise oracional de uma das frases do quadro.
ITALIANO:
1) Per quanto ne so, stanno tutti bene. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 472) Análise segundo a gramática italiana: Per quanto ne so, / stanno tutti bene. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: limitativa 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Até onde sei, / estão todos bem. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial limitativa 2ª oração: principal
283
B) Proposizione limitativa como oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo
Encontramos, em Luca Serianni (1999, p. 621-622), algumas construções com valor limitativo as quais merecem atenção especial. São limitative com o verbo no infinitivo que, em português, corresponderão a uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo.
Analisemos essas limitative, observando, em relação aos exemplos que
apresentaremos, que: a) todas as orações italianas sublinhadas são proposizioni limitative; b) todas as orações do português sublinhadas no caso 1 são orações subordinadas substantivas completivas nominais reduzidas de infinitivo; c) todas as orações do português sublinhadas nos casos 2, 3 e 4 são orações subordinadas adverbiais limitativas reduzidas de infinitivo.
CASO 1: O primeiro caso é formado por adjetivo + a (ou per ou in) + infinitivo de forma ativa. Vejamos um exemplo: Sono abituato a mangiare presto. (Estou habituado a comer cedo.)
Serianni afirma que alguns adjetivos, como bello, brutto, facile, difficile, strano, podem reger um verbo com valor passivo, introduzido pelas preposições a ou da. O gramático aponta quatro construções desse tipo: adjetivo + a + infinitivo, como no seguinte exemplo: Gli orsi sono belli ad accarezzare. Em português, temos: Os ursos são bons de se acariciar.
adjetivo + a + infinitivo composto com si passivante: Sono cose difficili a spiegarsi. Em português, temos: São coisas difíceis de se explicar.
adjetivo + da + infinitivo: Quell’uva tanto brutta da vedere quanto buona da mangiare. Em português: Aquela uva (é) tão feia de se ver, quanto boa de se comer.
284
adjetivo + da + infinitivo composto com si passivante: Il disegno era più facile da concepirsi che da eseguirsi. Em português: O desenho era mais fácil de se conceber, do que de se executar.
CASO 2: Formado por preposição a + infinitivo (com ou sem artigo): A vederlo pareva morto [...]. Ao vêlo, parecia morto [...].
CASO 3: Formado por preposição per + infinitivo, em correspondência com uma subordinada que contenha uma forma do mesmo verbo: E le resistenze ci sono? — Per esserci, ci sono. Em português: E as resistências, existem? — Existir, existem. Classificamos a oração sublinhada em português como subordinada adverbial limitativa reduzida de infinitivo.
CASO 4: Formado por infinitivo simples, em algumas fórmulas próprias do registro coloquial: Ballare non ballava ancora. Em português: Dançar, não dançava ainda. É o mesmo caso 3; a oração sublinhada em português é uma subordinada adverbial limitativa reduzida de infinitivo.
6.3.5.13. Proposizione modale
A proposizione modale indica o modo como a ação expressa pela reggente se realiza. Na forma esplicita, é introduzida principalmente por come, secondo che, nel modo che, quase che, come se. Na forma implicita, traz o verbo no gerúndio. Dardano e Trifone (2003, p. 470) afirmam que as orações reduzidas de gerúndio podem ter valore modale ou valore strumentale; segundo os autores, do ponto de vista lógico, é difícil distinguir os dois tipos de valores, quer se expressem como orações, quer como simples complementi di modo e di mezzo o strumento. Sabatini (1994, p. 472) e Serianni (1999, p. 618) também comentam a dificuldade dessa distinção.
285
Uma observação importante feita por Serianni (ibid.) é que, quando a implicita di gerundio é negativa, não teremos uma modale, mas sim uma esclusiva. O referido gramático apresenta o seguinte exemplo 99 (a proposizione esclusiva está sublinhada): La carrozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, non spostandosi che per cercare l’ombra. A oração do português correspondente à proposizione modale do italiano é a subordinada adverbial conformativa. Esta oração do português pode ser introduzida por conforme, como, segundo, consoante. Passemos aos exemplos. AUTORES
EXEMPLOS ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone
1) Comportati nel modo che ritiene più opportuno. (Comporte-se do modo que você achar mais conveniente.) 2) Fai come se niente fosse. (Você age como se não fosse nada.)
(2003, p. 470)
IMPLICITA (reduzida): 3) Scappò via correndo. (Escapou, correndo.) ESPLICITE (desenvolvidas): 1) Giudicalo come la tua coscienza ti detta. (Julgue-o como a tua consciência te dita.) Francesco Sabatini (1994, p. 472)
2) Mi guardò come se mi odiasse. (Olhou-me como se me odiasse.) IMPLICITE (reduzidas): 3) Mi guardò sorridendo. (Olhou-me, sorrindo.) 4) Passa le serrate giocando a carte. (Passa as noitadas, jogando cartas.) 5) Lo ha convinto discutendo a lungo. (Convenceu-o, discutindo longamente.)
Luca Serianni
IMPLICITE (reduzidas):
(1999, p. 617)
1) Camminava appoggiandosi al bastone. (Caminhava, apoiando-se ao bastão.)
99
Já vimos esse exemplo, quando tratamos das proposizioni esclusive.
286
Luca Serianni (1999, p. 617)
2) Il maestro cercava di radunare i bandisti col battere la bacchetta sopra uno dei leggii a stecche. (O maestro procurava reunir os músicos com o bater da baqueta sobre um dos cavaletes de madeira.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 345)
1) Abbiamo fatto come sta scritto. (Fizemos como está escrito.) 2) Comunque si comporti, è sempre sgradevole. (De qualquer modo que se comporte, é sempre desagradável.) 3) In qualunque modo tu viva, avrai motivo di lagnarti. (De qualquer modo que você viva, você terá sempre motivo para lamentar-se.) IMPLICITA (reduzida): 4) Si allontanò gridando. (Afastou-se, gritando.) ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano (1974, p. 523)
1) Ho fatto come tu volevi. (Fiz como você queria.) 2) Comunque tu faccia, fai bene. (De qualquer maneira que você faça, você faz bem.) IMPLICITA (reduzida): 3) Giunse correndo. (Alcançou, correndo.)
Pelo que pudemos observar nos exemplos do quadro, a tendência é que a proposizione modale venha após a reggente; Luca Serianni (1999, p. 618, tradução nossa) afirma que essa oração “tem grande liberdade de colocação no interior do período”. Somente Battaglia e Pernicone (1994) e Pittano (1974) apresentam exemplos com vírgula separando as modali das reggenti. Em português, usamos vírgula com esse fim nas frases com orações conformativas reduzidas. Analisemos, com mais detalhes, duas das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Comportati nel modo che ritiene più opportuno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 470) Análise segundo a gramática italiana:
287
Comportati / nel modo che ritiene più opportuno. 1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: modale TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Comporte-se / do modo que você achar mais conveniente. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial conformativa
ITALIANO:
Frase 2: Scappò via correndo. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471) Análise segundo a gramática italiana: Scappò via / correndo. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente 2ª proposizione: modale implicita di gerundio TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Escapou, / correndo. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal 2ª oração: subordinada adverbial conformativa reduzida de gerúndio
6.3.5.14. Proposizione strumentale
Entre os autores italianos que estamos considerando na análise realizada neste capítulo da tese, o único que trata da proposizione strumentale separadamente é Giuseppe Pittano (1974, p. 523). Segundo esse gramático, a strumentale é somente implicita di gerundio e d’infinito e
288
responde à seguinte pergunta: con che cosa? Equivale a um complemento di mezzo ou di strumento. O autor apresenta os exemplos abaixo: 1) Dormendo, le forze si ritemprano. (Dormindo, as forças se revigoram.) 2) Col piangere, riuscì a commuoverlo. (Ao chorar, conseguiu comovê-lo.)
Segundo Pittano, para que fique claro que a proposizione strumentale equivale a um complemento di mezzo ou di strumento, basta substituirmos a referida oração por uma expressão iniciada por per mezzo di. Assim, na primeira frase, dormendo seria substituído por per mezzo del dormire, e, na segunda frase, col piangere viria substituído por per mezzo del piangere. Nenhuma das classificações da NGB para as orações adverbiais corresponde à proposizione strumentale do italiano. Evanildo Bechara, na obra Moderna gramática portuguesa (1999, p. 523-524), trata detalhadamente das orações reduzidas. Esse gramático afirma o seguinte a respeito do que ele chama de orações reduzidas fixas: “A nossa língua possui certo número de orações reduzidas que normalmente não aparecem sob forma desenvolvida”. Segundo Bechara, entre essas orações, estão “as que denotam pensamentos para cuja expressão não existem conjunções subordinativas”; são orações que indicam exclusão, exceção e meio ou instrumento. A nosso ver, a proposizione strumentale corresponde exatamente a esse terceiro tipo, ou seja, à oração que indica meio ou instrumento, por isso a chamaremos de oração subordinada adverbial instrumental. Vejamos agora a análise mais detalhada do primeiro exemplo de Pittano.
ITALIANO:
Dormendo, le forze si ritemprano. (PITTANO, 1974, p. 523) Análise segundo a gramática italiana: Dormendo, / le forze si ritemprano. 1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: strumentale implicita di gerundio 2ª proposizione: reggente TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
289
Dormindo, / as forças se revigoram. 1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial instrumental reduzida de gerúndio 2ª oração: principal
6.3.6. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas adverbiais do italiano e do português do Brasil Ao longo do tópico 6.3.5, analisamos, uma a uma, as 14 proposizioni avverbiali ou circostanziali da língua italiana, procurando verificar a quais orações do português essas orações italianas correspondem. Conforme afirmamos no tópico 6.3.5.12, em que tratamos da proposizione limitativa, a NGB só descreve nove tipos de oração subordinada adverbial: causal, comparativa, consecutiva, concessiva, condicional, conformativa, final, proporcional e temporal. Alguns gramáticos brasileiros, como Luiz Antonio Sacconi (1999, p. 325-328) e Evanildo Bechara (1999, p. 501), descrevem, além dos nove tipos citados, pelo menos outros dois tipos: a modal e a locativa. Como podemos observar, comparando italiano e português, há menos tipos de orações subordinadas adverbiais em português. Vejamos como ficou o quadro de correspondência 100.
100
ITALIANO
PORTUGUÊS
causale
causal e coordenada sindética explicativa
temporale
temporal
finale
final
consecutiva
consecutiva
concessiva
concessiva
No quadro, na coluna referente ao italiano, indicamos somente o tipo de proposizione avverbiale; na coluna referente ao português, quando a correspondência é com uma subordinada adverbial, indicamos somente o seu tipo — com exceção das orações subordinadas adverbiais aditiva e adversativa —; quando a correspondência é com outro tipo de orações, damos a classificação completa.
290
comparativa
comparativa e proporcional
condizionale
condicional e proporcional
aggiuntiva
oração subordinada adverbial aditiva
eccettuativa
condicional, concessiva e excetuativa
avversativa
oração subordinada adverbial adversativa
esclusiva
modal
modale
limitativa e oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo conformativa
strumentale
instrumental
limitativa
Como podemos conferir no quadro, quatro tipos de orações subordinadas adverbiais italianas correspondem aos mesmos tipos em português; assim, a proposizione temporale corresponde à temporal; a proposizione finale, à final; a proposizione consecutiva, à consecutiva; e a proposizione concessiva corresponde à concessiva. A nosso ver, esse tipo de correspondência faz com que as referidas orações italianas sejam de fácil aprendizagem por parte de estudantes brasileiros. A maioria das proposizioni avverbiali, porém, não apresenta essa facilidade. A causale, a comparativa e a condizionale correspondem respectivamente à causal, à comparativa e à condicional do português, mas surpreenderam, por corresponderem também a outros tipos de orações. Como vimos, a causale também corresponde à oração coordenada sindética explicativa; a comparativa e a condizionale também correspondem à adverbial proporcional. As proposizioni aggiuntiva, eccettuativa, avversativa, esclusiva, limitativa e strumentale não existem em português com esses nomes. Decidimos “batizar” a oração do português correspondente à aggiuntiva de subordinada adverbial aditiva; a eccettuativa, de adverbial excetuativa; a limitativa, de adverbial limitativa; e a strumentale, de adverbial instrumental. A proposizione avversativa corresponde a um caso específico da adverbial concessiva. A eccettuativa pode ainda corresponder, dependendo dos casos, à condicional e à concessiva. Antes de falarmos da esclusiva, tratemos primeiro da proposizione modale, com a qual é preciso ter cuidado; levando em conta somente o termo modale, poderíamos pensar, em princípio, que essa oração italiana corresponde à modal do português, mas, na verdade, ela corresponde à
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conformativa. É a proposizione esclusiva que corresponde à nossa modal, que, como dissemos, não é reconhecida, na forma desenvolvida, pela NGB. Destacamos, portanto, que, ao estabelecermos correspondência entre as orações italianas e as do português, não podemos nos deixar levar pelas aparências.
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7. ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO QUE APRESENTAM MAIOR DIFICULDADE PARA ESTUDANTES BRASILEIROS DE ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Apoiando-nos sobretudo na análise que realizamos ao longo do capítulo 6 desta tese, destacaremos, neste presente capítulo, as orações coordenadas e subordinadas do italiano que podem apresentar maior dificuldade de interpretação e de aprendizagem por parte de estudantes brasileiros. Não daremos definições detalhadas sobre as referidas orações, porque isso nós já fizemos; nossa intenção aqui é apresentar um resultado da análise de que falamos, chamando a atenção para as orações italianas que precisam ser estudadas com mais cuidado; essas orações são, em geral, as que têm correspondência com duas ou mais orações do português.
7.1. Proposizioni coordinate Entre as proposizioni coordinate, as que destacamos são a disgiuntiva, a sostitutiva e a esplicativa. Vejamos cada caso a seguir.
A) Proposizione disgiuntiva Conforme vimos, a proposizione coordinata disgiuntiva corresponde à oração coordenada sindética alternativa do português somente quando esta dá ideia de exclusão. Essa oração italiana é introduzida por o, oppure, ovvero (respectivamente ou, ou mesmo, ou bem). A oração coordenada sindética alternativa expressa não só exclusão de uma ideia apresentada pela oração ligada a esta; apresenta também ideia de alternância. Traz as conjunções ou e ou...ou, para exprimir o primeiro sentido; e traz ora...ora, quer...quer, já...já, seja...seja, para expressar o segundo sentido. Quando denotar alternância, a referida oração corresponderá à proposizione copulativa do italiano. Os casos de correlazione / correlação foram tratados à parte neste tese.
B) Proposizione sostitutiva A proposizione sostitutiva corresponde a um caso específico de oração coordenada sindética adversativa. Expressa um contraste total entre principale e coordinata; suas principais
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conjunções são ma, bensì, anzi e invece. O termo sostitutiva denota justamente a substituição da ideia contida na principale pela ideia expressa pela proposizione coordinata. Destacamos, neste tópico, esse tipo de proposizione coordinata italiana, porque o mesmo pode ser confundido com a proposizione avversativa.
C) Proposizione esplicativa o dimostrativa o dichiarativa
Conforme já dissemos, consideramos a proposizione esplicativa um desafio para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira. Em princípio, nós a ligamos à oração coordenada sindética explicativa, porém, é preciso saber que essas duas orações têm diferenças significativas entre si, a começar que elas não têm nenhuma conjunção em comum. Ainda assim, optamos por considerá-las correspondentes, porque as principais conjunções da esplicativa, cioè, infatti e ossia, são classificadas, no português, como expressões denotativas de explicação. Defendemos que as orações do português introduzidas por essas expressões — isto é, de fato, ou seja — deveriam ser classificadas como coordenadas sindéticas explicativas.
7.2. Proposizioni subordinate
Entre as proposizioni subordinate, muitas precisam de atenção especial. Destacamos aqui todos os cinco tipos de proposizioni sostantive; entre as proposizioni relative, destacamos apenas a relativa esplicativa com valor temporal; e entre as quatorze proposizioni avverbiali, chamamos a atenção para nove delas.
7.2.1. Proposizioni subordinate sostantive
Consideramos todos os cinco tipos de proposizione sostantiva difíceis para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira, principalmente porque cada um desses tipos tem mais de uma oração correspondente em português. Há caso de sostantiva com três orações correspondentes. Vejamos as orações.
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A) Proposizione soggettiva
Conforme vimos, a soggettiva, dependendo do caso, pode corresponder à oração subordinada substantiva subjetiva, à predicativa ou à oração subordinada adjetiva. A correspondência com a subjetiva é a mais óbvia. Ocorre tanto com a forma esplicita da soggettiva, quanto com a forma implicita dela. A dificuldade que esta oração italiana apresenta é quando a correspondência é com a oração subordinada substantiva predicativa e com a subordinada adjetiva. Os dois casos acontecem quando a reggente da soggettiva é composta por um sintagma nominal, mais o verbo essere. Assim, a soggettiva será a predicativa do português, quando a reggente tiver a seguinte estrutura: sintagma nominal + verbo essere; são exemplos: il guaio è (+ che o + inf.) e il fatto è che. A soggettiva corresponderá à adjetiva do português, quando a sua reggente apresentar uma estrutura como a dos seguintes exemplos: è il caso (+ di e infinito), è un peccato, una fortuna, una vergogna, ecc. (+ inf.), è tempo, è ora (+ di e inf.).
B) Proposizione oggettiva diretta
A oggettiva diretta pode corresponder a pelo menos três tipos de orações do português: à subordinada substantiva objetiva direta, à subordinada substantiva completiva nominal e à subordinada adjetiva. A correspondência que se estabelece com a objetiva direta não apresenta dificuldade, mas a que se forma com a completiva nominal e com a adjetiva demandam mais atenção. Esses dois casos acontecem, porque, conforme vimos, a oggettiva pode ser regida por substantivos e por adjetivos. Ela corresponderá à adjetiva do português, quando exercer a função de um adjunto adnominal, ligando-se a um nome da oração principal, especificando-o ou explicando-o. A oggettiva será a completiva nominal do português, quando, ao ser traduzida, exercer a função sintática de complemento nominal de um termo da oração principal.
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C) Proposizione oggettiva indiretta
A oggettiva indiretta pode corresponder à oração subordinada substantiva objetiva indireta e à completiva nominal. Essa oração italiana não é introduzida por preposição; esse fato faz com que ela seja frequentemente confundida com a oggettiva diretta. Para se evitar esse problema, deve-se observar a regência do verbo da oração principal. Se isso for feito, a oggettiva indiretta será identificada sem problema. A correspondência da oggettiva indiretta com a completiva nominal é um caso muito particular. Encontramos um único exemplo desse caso; nele, a oggettiva indiretta era regida pela locução verbal rendersi conto, que pede complemento indiretto, iniciado pela preposição di.
D) Proposizione interrogativa indiretta
A proposizione interrogativa indiretta é novidade para brasileiros. Esse tipo de oração italiana não existe em português com essa denominação. Conforme vimos, a interrogativa indiretta expressa uma pergunta — direta ou indireta — ou uma dúvida. Pode ser confundida com três orações: a soggettiva, a oggettiva e a dichiarativa. Corresponde a pelo menos três orações subordinadas substantivas do português: a objetiva direta, à apositiva e à completiva nominal. Por essas razões acreditamos que esse tipo de oração ofereça certa dificuldade para brasileiros.
E) Proposizione dichiarativa
Conforme vimos, a proposizione dichiarativa explica, esclarece ou especifica um termo presente na proposizione reggente. Essa oração não ofereceria dificuldade para brasileiros, se correspondesse apenas à oração apositiva do português; ambas funcionam como aposto. O problema é que a dichiarativa pode corresponder também à oração completiva nominal, ligandose a um substantivo da reggente, sem ser introduzida por preposição. Em português, a completiva nominal vem introduzida por preposição.
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7.2.2. Proposizioni subordinate relative
De um modo geral, as proposizioni relative não oferecem dificuldade; porém, é preciso mais atenção à relativa com valor temporal, pois esta pode corresponder a pelo menos três tipos diferentes de orações do português.
Proposizione relativa con valore temporale
A proposizione relativa con valore temporale pode corresponder a três tipos bem diferentes de oração subordinada do português: à substantiva subjetiva, à adjetiva restritiva e à adverbial temporal. São três casos muito particulares de correspondência. Verificamos o primeiro caso em frases italianas cujas traduções para o português tinham, na oração principal, o verbo fazer como unipessoal, indicando tempo decorrido. O segundo caso — o da adjetiva restritiva — ocorreu com uma frase-tradução cuja subordinada exercia a função de adjunto adnominal da oração principal, ligando-se a um substantivo da principal, especificando-o. Por fim, a relativa temporale corresponde à subordinada adverbial temporal se, na frase-tradução, indicar simplesmente uma circunstância de tempo, ao referir-se à ação expressa na oração principal.
7.2.3. Proposizioni subordinate avverbiali
Dos 14 tipos de proposizioni avverbiali do italiano, consideramos nove como sendo as mais difíceis; são as seguintes: causale, comparativa, strumentale, eccettuativa, avversativa, aggiuntiva, esclusiva, limitativa e modale.
A) Proposizione causale
A proposizione causale pode corresponder a dois tipos de oração do português: a subordinada adverbial causal e a coordenada sindética explicativa. A correspondência com a adverbial causal é a mais simples. Já a que se estabelece entre a causale e a coordenada sindética explicativa demanda maior atenção. A maioria das frases-exemplo — em italiano — deste caso
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trazem duas orações: a primeira com o verbo no modo imperativo; a segunda, introduzida ou por ché ou por perché. Essas são algumas das características que determinaram a referida correspondência.
B) Proposizione comparativa
De acordo com a nossa análise, a proposizione comparativa pode corresponder a dois tipos de oração subordinada adverbial: a comparativa e a proporcional. A nosso ver, não há dificuldade na correspondência entre a referida oração italiana e a nossa adverbial comparativa. O problema é quando a comparativa corresponde à nossa adverbial proporcional. Encontramos esse caso somente em Luca Serianni (1999, p. 617). Esse gramático fala em dois tipos de comparação de proporcionalidade: de proporção direta e de proporção inversa.
C) Proposizione strumentale
A dificuldade em relação à proposizione strumentale — que só existe como oração reduzida — é que não há oficialmente uma oração do português correspondente a ela. Nenhum dos tipos de orações subordinadas adverbiais descritos pela NGB corresponde à strumentale. Por isso, resolvemos “batizá-la” de oração subordinada adverbial instrumental, apoiando-nos em uma explicação de Evanildo Bechara sobre um tipo de oração reduzida do português.
D). Proposizione eccettuativa
A proposizione eccettuativa oferece dificuldade, porque pode corresponder a três tipos diferente de orações subordinadas do português: a adverbial condicional, a adverbial concessiva e a que nós denominamos adverbial excetuativa. Para sustentarmos a correspondência entre a eccettuativa do italiano e a condicional do português, apoiamo-nos em José Carlos de Azeredo (2010, p. 327), que analisa os conectivos a menos que, a não ser que e exceto que; alguns dos conectivos que introduzem a proposizione eccettuativa são justamente a meno che e tranne che.
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A correspondência entre a referida oração italiana e a adverbial concessiva foi observada em um único exemplo apresentado por Dardano e Trifone (2003, p. 471), no qual a subordinada é introduzida por se non che, cuja melhor tradução para o português, no contexto frasal em que foi usada, a nosso ver, é ainda que; esta é uma locução que introduz oração subordinada adverbial concessiva. Apoiamo-nos em Bechara (1999, p. 526) para sustentarmos a correspondência que estabelecemos entre a eccettuativa e uma oração do português que chamamos de adverbial excetuativa.
E) Proposizione avversativa
A proposizione avversativa pode ser confundida com a avverbiale temporale, por causa das conjunções e locuções conjuntivas que introduzem a avversativa; na forma esplicita, são quando, mentre, quando mentre e mentre invece; e na implicita, são invece di, in luogo di ou anziché, com o verbo no infinitivo. Como não há, entre as orações reconhecidas pela NGB, nenhuma oração que corresponda à avversativa, optamos por chamar de adverbial adversativa a oração do português correspondente à referida oração italiana.
F) Proposizione aggiuntiva
Das cinco gramáticas italianas usadas na análise contrastiva realizada nesta tese, somente a de Luca Serianni (1999, p. 618) dá atenção à proposizione aggiuntiva. Encontramos em Azeredo (2010, p. 336) os argumentos para chamarmos de oração subordinada adverbial aditiva a oração do português a qual é correspondente à aggiuntiva.
G) Proposizione esclusiva
A proposizione esclusiva é introduzida por senza che. Em português, a oração introduzida pela locução conjuntiva sem que é a subordinada adverbial modal, que não é reconhecida, na forma desenvolvida, pela NGB. A esclusiva e a modal são correspondentes.
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H) Proposizione limitativa
A proposizione limitativa oferece dificuldade, porque não existe em português com essa denominação e porque pode corresponder a duas orações subordinadas do português; a primeira é a substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo; a segunda oração, nós chamamos de adverbial limitativa. Esta classificação, como dissemos, não existe em português; decidimos assumi-la, porque nenhuma das orações subordinadas descritas pela NGB corresponde ao tipo de limitativa que identificamos.
I) Proposizione modale
Levando em conta a denominação proposizione modale, poderíamos pensar se tratar da oração subordinada adverbial modal do português, que não é reconhecida pela NGB, mas é descrita por alguns gramáticos; porém, essa oração italiana não corresponde à modal do português, mas sim à oração subordinada adverbial conformativa. A possibilidade de haver esse tipo de confusão nos fez incluir a modale na lista das orações italianas mais difíceis.
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8) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme afirmamos na introdução desta tese, o fenômeno de interferência linguística, observado em aulas sobre o período composto italiano, as quais ministramos a estudantes brasileiros, incentivou-nos a realizarmos um estudo de Análise Contrastiva das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil. O referido fenômeno, definido como uma influência negativa da língua materna (LM) sobre a língua estrangeira (LE), é considerado natural e corriqueiro. Alunos de língua estrangeira fazem, consciente ou inconscientemente, comparações entre a língua-mãe e a estrangeira, buscando pontos em comum e pontos divergentes. Ao longo do capítulo 2 desta tese, tratamos da Linguística Contrastiva, ciência da linguagem que tem como modelos a Análise Contrastiva, a Análise de Erros e a Interlíngua. Discorremos sobre esses três modelos, defendendo o ponto de vista de que os mesmos são complementares. No capítulo citado, tratamos da interferência linguística, principal fundamento da Análise Contrastiva. Assim como Isabel Gretel Maria Eres Fernández (2003), defendemos, nesta tese, a ideia de que a Linguística Contrastiva, deve ser considerada uma aliada no trabalho em sala de aula de língua estrangeira. Não se trata, como vimos, de se ministrar aulas de idiomas via língua materna, como no método gramatical, mas sim sabermos, através do uso do bom senso, tirar proveito do contato praticamente inevitável entre a língua materna e a língua estrangeira. Conforme vimos, o objetivo principal dos estudos contrastivos é melhorar o processo de ensino-aprendizagem
de
idiomas.
Com
base
teórica
no
Estruturalismo
e
no
Comportamentalismo, a Análise Contrastiva tem uma finalidade claramente didática à medida que procura identificar semelhanças e diferenças entre uma língua estrangeira e a língua-mãe dos estudantes, para tentar controlar as possíveis interferências. Estas são apontadas pela Análise Contrastiva como a principal causa de erros, vistos como fator negativo dentro do processo de aprendizagem de uma LE. Identificamos como vantagens desse modelo da Linguística Contrastiva, por exemplo, o auxílio no planejamento de cursos de idiomas, o suporte na produção e na avaliação de materiais didáticos, e o desenvolvimento de técnicas de ensino. No capítulo 3 do presente trabalho, estabelecemos relação entre a Linguística Contrastiva e teorias gramaticais. Apontamos os tipos de gramáticas ligados aos três modelos da referida
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Ciência e tratamos das nomenclaturas gramaticais da língua portuguesa (NGB) e da língua italiana. Verificamos que a NGB é um importante documento, mas é muito limitada no que diz respeito à descrição do português e, de acordo com gramáticos e especialistas brasileiros, precisa ser reformulada. Representante do modelo culto da língua, uma reforma da NGB facilitaria a compreensão desse registro linguístico por parte de estudantes. Em relação à nomenclatura gramatical italiana, no estudo que desenvolvemos sobre a mesma, verificamos que esta não enfrenta problema como o ligado à NGB; pelo contrário, a terminologia gramatical da Itália descreve o idioma italiano com uma riqueza de detalhes muito maior do que a NGB em relação ao português. Na história do desenvolvimento da gramática italiana, afirmamos que não houve embates significativos entre teóricos da língua. A Accademia della Crusca, instituição cultural linguística italiana fundada no século XVI, é o principal órgão regulador do desenvolvimento linguístico italiano. Acompanha e promove pesquisas científicas na referida área. Devido sobretudo a essas questões sobre a NGB e a nomenclatura gramatical italiana, no estudo de Análise Contrastiva das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil — estudo esse que realizamos nesta tese —, encontramos grande desequilíbrio. A NGB não foi capaz de apresentar tipos de orações que correspondessem a vários tipos de orações italianas. Evidenciamos isso através dos quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as orações coordenadas e subordinadas das duas línguas tratadas aqui. Por muitas vezes, vimo-nos em uma situação delicada, em que precisávamos de um termo para classificarmos determinada oração do português e este simplesmente não existia, porque não fora descrito pela NGB. Optamos por assumir certas classificações de orações em português com base na nomenclatura gramatical italiana. Assim ocorreu, por exemplo, com algumas orações subordinadas adverbiais, como a que chamamos de aditiva e a que denominamos excetuativa. Através deste artifício, pudemos responder de maneira mais completa aos questionamentos levantados nesta tese, os quais apresentamos na introdução da mesma. No capítulo 4, tratamos da Sintaxe e da Semântica, procurando destacar a importância dessas partes da gramática. Abordamos também a relação entre a sintaxe do período composto e a Semântica, partindo do princípio de que não há como classificarmos orações que formam período composto sem considerarmos o aspecto semântico.
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No capítulo 5, o de Metodologia de Pesquisa, procuramos explicar detalhadamente como constituímos o corpus da tese, apontando inclusive as obras utilizadas para esse fim e para o estudo que realizamos. Apresentamos o passo-a-passo da análise dos dados. No tópico 5.5.1, tratamos de um procedimento-chave usado no processo dessa análise: a tradução das frasesexemplo. A classificação das orações em português — que possibilitava o posterior estabelecimento de uma correspondência entre oração italiana e oração do português — dependia da qualidade dessa tradução. Na realização do referido procedimento, houve situações desafiadoras, em que tivemos de lidar com expressões idiomáticas difíceis de se traduzir de maneira precisa para a língua portuguesa, ou mesmo com frases com estruturas diferentes desta língua. Destacamos aqui, como exemplo, a seguinte sentença:
Verrò domani, salvo che non piova. (PITTANO, 1974, p. 533)
A frase acima foi apresentada e analisada na parte em que estabelecemos a correspondência entre a proposizione subordinata avverbiale eccettuativa do italiano e a oração subordinada adverbial condicional do português. A dificuldade que a frase apresenta está relacionada à presença do advérbio de negação non na segunda oração da sentença (salvo che non piova). Se traduzíssemos “ao pé da letra”, a frase em português seria incoerente: “Irei/Virei amanhã, salvo que não chova”. A lógica diz que, geralmente, a chuva pode impedir que alguém vá a algum lugar, e não a ausência dela. Mesmo estruturalmente a frase-tradução que acabamos de apresentar não estaria adequada. Usando o bom senso e a flexibilidade que o fazer tradutório fornece, suprimimos o referido advérbio e assumimos a seguinte tradução para a sentença apresentada: “Irei/Virei amanhã, a menos que chova”. Vale destacar que a forma verbal Verrò é a 1ª pessoa do singular do futuro do presente do verbo venire, que pode significar, em português, tanto “ir”, quanto “vir”, dependendo do contexto. Por isso, na tradução da frase italiana em questão, usamos “Irei/Virei”. Este foi um dos vários desafios que tivemos com a tradução das frases-exemplo do corpus. No capítulo 6, realizamos o estudo, propriamente dito, de Análise Contrastiva dos dados. Após uma breve exposição sobre a sintaxe do período composto do italiano e a do português do Brasil, analisamos uma a uma as classificações das orações coordenadas e subordinadas do
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italiano, buscando orações correspondentes no português brasileiro. Foi um trabalho árduo, mas que gerou resultados surpreendentes. Durante o referido estudo contrastivo, sobressaíram-se algumas características interessantes de ambas as línguas em análise. Verificamos, por exemplo, que o uso da vírgula para separar orações é muito mais frequente — e, em muitos casos, obrigatório — no português do que na língua italiana. Este fato poderia perfeitamente ser objeto de uma futura pesquisa. O processo de análise dos dados evidenciou um fato importante: cada sentença produzida em uma língua é uma realidade única. Para comprovarmos isso, basta lembrarmos que as línguas possuem um conjunto finito de elementos que permitem a produção de um conjunto infinito de enunciados, ou seja, a possibilidade de elaboração de enunciados em um idioma é infinita, já que, em princípio, toda língua é essencialmente variável. As línguas são organismos complexos em contante processo de evolução; elas se diversificam ao longo do tempo. Nenhuma gramática é capaz de descrever e analisar todas as possibilidade de produção de sentenças de uma língua. Partindo desses princípios, esclarecemos que os resultados da Análise Contrastiva que realizamos nesta tese têm um caráter flexível, porque não analisamos — isso não seria possível — todas as possibilidades de apresentação dos tipos de orações coordenadas e subordinadas das línguas italiana e portuguesa. Assim, se apontamos, por exemplo, três tipos de orações do português como correspondentes de um tipo de oração do italiano, essa conclusão só pode ser considerada “fechada” no contexto do corpus que analisamos para chegarmos a ela. Se continuássemos analisando sentenças com o mesmo tipo específico de oração italiana, é possível que o leque de correspondência se ampliasse. Assim, termos realizado, nesta tese, um estudo de Análise Contrastiva das orações coordenadas e subordinadas da língua italiana e do português do Brasil contribuiu significativamente para o nosso aprimoramento enquanto professora-pesquisadora. Acreditamos termos respondido satisfatoriamente às questões levantadas, porém, durante o referido estudo, salientamos que outras questões surgiram. Continuaremos buscando respostas para essas e quaisquer outras que surgirem durante estudos que realizarmos ou na nossa prática pedagógica, uma vez que, como docente de língua italiana e de língua portuguesa, temos o compromisso de buscar o aperfeiçoamento contínuo, através sobretudo da pesquisa linguística e didática.
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