Sentenca - Furto - Erro Determinado Por Terceiro

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

Processo n. 2005.82.00.004512-0 Natureza: ação penal pública Autor: MPF Réu: Igor Márcio de Castro dos Santos

S E N T E N Ç A1

RELATÓRIO Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de IGOR MÁRCIO DE CASTRO DOS SANTOS, já devidamente qualificado, dando-o a peça denunciativa como incurso no art. 155, §1º, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal brasileiro. Segundo a denúncia (f. 03-4), por volta das 2h00min do dia 23 de novembro de 2004, o denunciado fora visto subindo no navio pesqueiro de bandeira panamenha de nome AUSTER, proveniente da parte molhada do porto de Cabedelo/PB. Poucas horas depois, fora visto deixando o navio com outras duas pessoas, partindo em uma embarcação denominada “baiteira” de nome JACÓ. A embarcação fora acompanhada pelo pessoal de terra do porto até o local onde se encontrava atracado o “ferry-boat”, quando a abandonaram, deixando objetos que estariam furtando do navio, evadindo-se para destino ignorado. O denunciado, quando ouvido, negou que estivesse furtando o navio. Afirmou ter combinado com o “gelador” do navio para a retirada do material naquela madrugada. Por fim, diz a denúncia que o acusado fora reconhecido por um pescador que se encontrava no local, precisamente no momento em que o réu deixava a “baiteira” com o produto do furto. O MPF pede a oitiva de uma testemunha. Denúncia recebida em 30/10/2007 (f. 06). Interrogatório do acusado (f. 27-9). Defesa prévia do acusado (f. 31), indicando duas testemunhas. 1

Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Oitiva de Cristiano Dimas Ribeiro de Caldas Barros (f. 44-5). Oitiva das testemunhas Marcelo Ferreira dos Santos (f. 59) e Irismar dos Santos Bezerra (f. 60). As partes não requereram diligências (f. 63 e 66). Em alegações finais, o MPF pediu a condenação do acusado como incurso no art. 155, §1º, c/c o art. 14, II, ambos do CP. De sua parte, a defesa pugnou pela absolvição do acusado. Já com os autos conclusos para julgamento, percebi que seria cabível, em tese, a suspensão condicional do processo e, assim, determinei a concessão de vista ao MPF. A suspensão, contudo, foi frustrada em razão de informações oriundas da justiça estadual dando conta da existência de condenação criminal com trânsito em julgado pelos crimes previstos nos arts. 331, 329 e 147 do CP. Autos novamente conclusos para julgamento. Brevemente relatados. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO Não há preliminares ou questões prejudiciais a decidir. Passo ao exame do mérito. O MPF atribui ao acusado a prática do delito de furto noturno tentado, crime previsto no art. 155, §1º, c/c o art. 14, II, ambos do CP, em razão de o mesmo haver tentado subtrair bens do navio pesqueiro panamenho AUSTER quando ancorado no porto de Cabedelo, fato supostamente ocorrido às 02h00min do dia 23 de novembro de 2004. A ação da guarda portuária teria evitado a consumação do crime, determinando a fuga dos autores.

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Em seu interrogatório, o acusado negou a imputação. Disse que, no dia do fato, compareceu ao porto de Cabedelo para aguardar uma pessoa de nome CÉLIO que o contrataria, juntamente com uma equipe, para pintar o navio petroleiro de nome MARTA, da Petrobrás. Nessa mesma noite, o “gelador” do navio AUSTER descera à terra para conversar com o interrogado e pedir-lhe que o ajudasse a retirar do navio alguns materiais que não seriam mais necessários, serviço esse por que pagaria ao interrogado a quantia de duzentos reais. Feito o acordo, o “gelador” voltou pelo porto e o interrogado disse ter contornado o navio, chegando a um lugar onde já estavam outros dois sujeitos com uma “baiteira”. Após um sinal de luz dado pelo “gelador”, encostaram a “baiteira” no navio e o “gelador” começou a entregar o material, consistente em nylon, cordas e outros materiais velhos. Ao manobrarem a “baiteira” em direção ao ferry-boat, perceberam policiais que atiravam para cima, além de algumas luzes, de modo que deixaram a embarcação com o material, fugindo os três. O material fora apreendido e devolvido para o navio. O “gelador” era um peruano de nome “Sheracato”. Afirmou que não fugiu, mas foi direto para casa e, tendo tomado conhecimento de que a polícia federal estaria a sua procura, disse a seu irmão que se a PF o quisesse intimar ele compareceria para prestar esclarecimentos, o que de fato aconteceu. Ao ser ouvido na polícia, declarou todos os fatos como feito no interrogatório judicial. Tem conhecimento de que o “gelador” não foi ouvido pela polícia, sabendo que a PF ainda o procurou pelo porto, sem encontrá-lo. Soube que o “gelador” do navio fora afastado pelo dono do navio quando descobriu outros fatos, tais como a retirada de barbatanas do navio para vender escondido. De início, registro que entendo ser absolutamente inconstitucional utilizar provas produzidas no curso do inquérito policial que sejam francamente repetíveis na instrução processual penal. O interrogatório do réu e a oitiva de testemunhas realizadas perante a autoridade policial devem fundamentar a denúncia – e tão somente a denúncia. Sua possibilidade de repetição em contraditório torna absolutamente necessário ao juízo levar em conta exclusivamente o que disserem réus e testemunhas apenas na audiência judicial. Em razão disso, evitando grave violação a direitos e garantias processuais penais de base constitucional, deixo de levar em conta o interrogatório do réu e os depoimentos de testemunhas exclusivamente produzidos perante a autoridade policial.

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Diante disso, não tenho como concordar com a afirmação do MPF de que o acusado tenha confessado a prática de um crime, a menos que se entenda que tenha ocorrido, na verdade, uma confissão qualificada. O réu, na verdade, narra um fato em que um terceiro (aquele que aponta como o “gelador” do navio) se utiliza do réu como terceira pessoa a quem fez incidir em erro de tipo, determinando-o à prática de um crime como mero instrumento de sua vontade. A figura do erro determinado por terceiro está prevista no art. 20, §2º, do Código Penal brasileiro. Não se trata, portanto, do que se poderia chamar de uma confissão “do crime”, mas da admissão de um fato a que se acrescentam outros fatos e determinados fatores inerentes ao elemento subjetivo do réu, fatores esses que servem como elemento de sua defesa. No caso dos autos, o acusado não admite que subtraía para si ou para outrem coisa alheia móvel, mas apenas que participava da execução de um acordo – em razão de que ganharia duzentos reais – consistente em ajudar o “gelador” do navio a retirar dele materiais velhos e inservíveis. Essa não é, a meu juízo, a descrição de um crime de furto. A testemunha indicada pelo MPF, CRISTIANO DIMAS RIBEIRO DE CALDAS BARROS, afirmou que ser a autoridade policial federal encarregada de receber, no dia do fato, eventuais comunicações de delitos praticados na região portuária para adotar as providências pertinentes. Disse recordar-se do fato apurado no processo e conhecer o acusado, o qual teria sido, segundo informações a ele repassadas pela guarda portuária, um dos autores de um furto praticado em um navio ancorado no porto de Cabedelo. Salienta que não presenciou o fato. Acredita que o acusado não tenha sido preso no dia do furto. Não sabe que bens estavam sendo subtraídos, mas sabe que eram provenientes do navio pesqueiro AUSTER. Não sabe quantas pessoas estavam envolvidas no fato. Não sabe se houve alguma diligência de reconhecimento do acusado pelas autoridades portuárias, afirmando que não participou de qualquer diligência nesse sentido. Salientou que a pessoa de Brivaldo Alves Silva, que recebeu a comunicação do fato, teve contato com uma testemunha, a qual dissera ter reconhecido o acusado, cuja alcunha seria “Peixeiro”. Não ouviu falar na participação de pessoas do navio no fato, como o “gelador”. É fácil perceber que a testemunha não teve contato algum com o fato em si, tendo ouvido relatos das autoridades portuárias (que não foram ouvidas no curso do processo, não tendo havido requerimento nesse sentido) e tendo conhecimento de que o acusado fora reconhecido por uma testemunha (que ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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também não foi ouvida na instrução processual penal, não havendo, igualmente, pedido nesse sentido). As testemunhas indicadas pela defesa do réu, MARCELO FERREIRA DOS SANTOS e IRISMAR DOS SANTOS BEZERRA, registraram, logo de início, não ter conhecimento pessoal sobre os fatos apurados no processo. Acrescentaram, contudo, em uníssono, conhecê-lo como um trabalhador da pesca e da venda de peixes há vários anos, registrando não terem tido conhecimento de que se dedicasse a práticas criminosas. A primeira testemunha ainda registrou ter conhecimento de que o acusado já havia sido preso por motivo de cachaça, o que corrobora o interrogatório do réu, no sentido de que já fora preso e processado. A condenação posteriormente noticiada nos autos nos dá conta de que incorrera em nos crimes de resistência, desacato e ameaça, o que me leva a crer tenha sido exatamente a esse processo que se referia. Ao fim e ao cabo, observo o seguinte: não consta dos autos o depoimento de uma única pessoa que tenha presenciado o fato, pois a única testemunha indicada na denúncia afirmou categoricamente que seu depoimento sobre o fato foi completamente baseado no que lhe teriam repassado as autoridades portuárias. Essas mesmas autoridades portuárias não foram indicadas para oitiva em juízo, não constando requerimento nesse sentido. Ademais, não foram ouvidas, nem mesmo perante a autoridade policial, as pessoas indicadas como sendo o “gelador” do navio e os outros dois pretensos autores do suposto furto. Na instrução processual, ninguém disse que viu o fato, não constando sequer um auto de apreensão e devolução dos bens que teriam sido subtraídos do navio. Tudo que se apresentou em supedâneo à tese esposada na denúncia foi produto de mero ouvir dizer, a começar, repito, pelo depoimento da única testemunha indicada na denúncia. Sendo assim, como seria possível afirmar que a narração do fato na versão trazida pelo acusado não seria a verdadeira? Com base nas provas contidas no processo – e aqui reitero o que já falei sobre os elementos de instrução repetíveis do inquérito policial – penso que seja impossível, até porque nenhuma das pessoas ouvidas teve conhecimento pessoal e imediato do fato. As únicas pessoas que certamente viram o fato não foram ouvidas e sequer se lhes requereu a oitiva perante esse juízo. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Antes que se afirme a possibilidade de atribuir-se a deficiência probatória constatada nesses autos ao não exercício, pelo juiz, de seus chamados “poderes instrutórios a serviço da verdade real”, registro que, segundo o princípio acusatório em sua essência, não cabe ao juiz suprir a deficiência probatória de qualquer das partes, seja para a absolvição, seja para a condenação, a menos que não se incomode em afastar completamente os princípios da isonomia e do contraditório que, no processo, se cristalizam no princípio da paridade de armas. Chamar ditas pessoas de ofício para prestar depoimento seria o mesmo que agir em substituição ao órgão ministerial, promovendo a acusação, o que seria, a meu juízo, manifestamente inconstitucional. Em vista de todo o exposto, entendo que não há nos autos provas suficientes para fundamentar uma condenação do réu IGOR MÁRCIO DE CASTRO DOS SANTOS, motivo pelo qual deve ser absolvido com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. DISPOSITIVO Diante do exposto, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal brasileiro, julgo improcedente a pretensão punitiva estatal para, em conseqüência, absolver IGOR MÁRCIO DE CASTRO DOS SANTOS. Custas ex lege. Transitada em julgado a presente sentença, após a devida certificação, dê-se baixa e arquivem-se os autos. Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria. Registre-se no sistema informatizado. Intime-se o acusado e seu defensor. Cientifique-se o MPF. João Pessoa, 08 de outubro de 2009. Juiz federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Substituto da segunda vara federal (SJPB)

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