Samizdat14

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SAMIZDAT www.revistasamizdat.com

14 março 2009 ano II ficina

Oscar Wilde um gênio da escrita e da polêmica

SAMIZDAT 14 março de 2009

Henry Alfred Bugalho

Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.

Revisão Geral

Todas as imagens publicadas são de domínio público ou royalty free.

Edição, Capa e Diagramação:

Joaquim Bispo

As idéias expressas são de inteira ­responsabilidade de seus autores.

Autores Caio Rudá Carlos Alberto Barros Dênis Moura Giselle Natsu Sato Guilherme Rodrigues Henry Alfred Bugalho Joaquim Bispo Léo Borges Marcia Szajnbok Maristela Scheuer Deves Pedro Faria Volmar Camargo Junior Zulmar Lopes Autores Convidados Mariana Valle Textos de: Julio Cort[azar Mário de Andade Oscar Wilde Qorpo Santo

Imagem da capa: http://www.rarebookreview.com/wpcontent/uploads/2008/11/oscar_wilde. jpg

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Editorial Esta edição de março apresenta algumas novidades para a Revista SAMIZDAT. Primeiro, temos uma mudança importante no quesito revisão. Nas edições anteriores, a revisão dos textos da revista ficava a cargo dos próprios autores, num esforço coletivo que muitas vezes não dava certo e que permitia que muitos erros de digitação acabassem passando na versão final. No entanto, desde de janeiro, Joaquim Bispo assumiu este papel e tem realizado um trabalho extraordinário de revisão, na intenção de lhes trazermos o melhor resultado possível. Outra mudança é na equipe de colaboradores da ­SAMIZDAT. Infelizmente, Zulmar Lopes não poderá mais continuar conosco na revista, por outro lado, recebemos o reforço de Léo Borges, que já havia participado da SAMIZDAT em edições anteriores como autor convidado. Aos poucos, vamos nos adequando a algumas mudanças, sempre nos esforçando para apresentar literatura de qualidade, para todos, e sem custo. Não é algo fácil e muitas vezes nos questionamos se vale a pena. Mas Fernando Pessoa nos fornece uma resposta direta e provocadora: “Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.” Por isto, continuamos insistindo e empreendendo a batalha diária e interminável das Letras. Henry Alfred Bugalho

Sumário Por que Samizdat?



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COMUNICADO SAMIZDAT Especial - Humor

8

ENTREVISTA Marcelo Duarte

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Henry Alfred Bugalho

MICROCONTOS

Henry Alfred Bugalho Marcia Szajnbok Joaquim Bispo Volmar Camargo Junior

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RECOMENDAÇÕES DE LEITURA A Insuportável Competência dum Escritor 16 Henry Alfred Bugalho

O Mundo Bizarro de Chuck

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AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA Será o Benedito!

20

Hoje sou um; amanhã outro

24

CONTOS O Malandro e a Princesa

28

O Copo Esmaltado

30

Henry Alfred Bugalho

Mário de Andrade Qorpo Santo

Carlos Alberto Barros

Volmar Camargo Junior

Sem Abrigo

33

A Biblioteca de Livros Esquecidos

36

Sentir

38

Joaquim Bispo

Henry Alfred Bugalho Guilherme Rodrigues

A Filha da Capa

40

O Grande Salão

42

Fissuras Íntimas

46

Crônicas Íntimas I: Bolhas

50

O Sacana

52

Temporada de Caça

54

Autor Convidado Menina de Família

56

Poemas

58

TRADUÇÃO O Milionário Modelo

60

O Discípulo

65

Aforismos

66

A Página dos Contos

70

TEORIA LITERÁRIA Os Livros Mais Vendidos: Esperança e Hegemonia

74

O Conto e a Crônica

80

Zulmar Lopes Pedro Faria Léo Borges

Marcia Szajnbok

Giselle Natsu Sato Maristela Deves

Mariana Valle

Renato Wegner de Souza

Oscar Wilde Oscar Wilde Oscar Wilde

Julio Cortázar

Henry Alfred Bugalho

Volmar Camargo Junior

Três, oito e o que não se mede em números: sobre o Poetrix e o Indriso 82 Volmar Camargo Junior

CRÔNICA O Ano Bissexto Joaquim Bispo

84

Livin’ in America: O Futuro já chegou

86

POESIA Laboratório Poético: Soneto

88

Brancura

90

Aguiar ConDor

91

SOBRE OS AUTORES DA SAMIZDAT

93

Henry Alfred Bugalho

Volmar Camargo Junior Caio Rudá de Oliveira Dênis Moura

SEÇÃO DO LEITOR Agora o leitor da SAMIZDAT também pode colaborar com a elaboração da revista. Envie-nos suas sugestões, críticas e comentários. Você também pode propor ou enviar textos para as seguintes seções da revista: Resenha Literária, Teoria Literária, Autores em Língua Portuguesa, Tradução e Autor Convidado. Escreva-nos para: [email protected]

Por que Samizdat? “Eu mesmo crio, edito, censuro, publico, ­distribuo e posso ser preso por causa disto” Vladimir Bukovsky

Henry Alfred Bugalho

Inclusão e Exclusão

[email protected] Nas relações humanas, sempre há uma dinâmica de inclusão e exclusão. O grupo dominante, pela própria natureza restritiva do poder, costuma excluir ou ignorar tudo aquilo que não pertença a seu projeto, ou que esteja contra seus princípios. Em regimes autoritários, esta exclusão é muito evidente, sob forma de perseguição, censura, exílio. Qualquer um que se interponha no caminho dos dirigentes é afastado e ostracizado. As razões disto são muito simples de se compreender: o diferente, o dissidente é perigoso, pois apresenta alternativas, às vezes, muito melhores do que o estabelecido. Por isto, é necessário suprimir, esconder, banir.

Foto: exemplo dum samizdat. Cortesia do Gulag Museum em Perm-36.

6

6

A União Soviética não foi muito diferente de demais regimes autocráticos. ­Origina-se como uma forma de governo humanitária, igualitária, mas logo

se converte em uma ditadura como qualquer outra. É a microfísica do poder. Em reação, aqueles que se acreditavam como livrespensadores, que não queriam, ou não conseguiram, fazer parte da máquina ­administrativa - que estipulava como deveria ser a cultura, a informação, a voz do povo -, encontraram na autopublicação clandestina um meio de expressão. Datilografando, mimeografando, ou simplesmente manuscrevendo, tais autores russos disseminavam suas idéias. E ao leitor era incumbida a tarefa de continuar esta cadeia, reproduzindo tais obras e também as p ­ assando adiante. Este processo foi designado "samizdat", que nada mais significa do que "autopublicado", em oposição às publicações oficiais do regime soviético.

E por que Samizdat? A indústria cultural - e o mercado literário faz parte dela - também realiza um processo de exclusão, baseado no que se julga não ter valor mercadológico. Inexplicavelmente, estabeleceu-se que contos, poemas, autores desconhecidos não podem ser comercializados, que não vale a pena investir neles, pois os gastos seriam maiores do que o lucro. A indústria deseja o produto pronto e com consumidores. Não basta qualidade, não basta competência; se houver quem compre, mesmo o lixo possui prioridades na hora de ser absorvido pelo mercado. E a autopublicação, como em qualquer regime excludente, torna-se a via para produtores culturais atingirem o público. Este é um processo solitário e gradativo. O autor precisa conquistar leitor a leitor. Não há grandes aparatos midiáticos - como TV,

revistas, jornais - onde ele possa divulgar seu trabalho. O único aspecto que conta é o prazer que a obra causa no leitor. Enquanto que este é um trabalho difícil, por outro lado, concede ao criador uma liberdade e uma autonomia total: ele é dono de sua palavra, é o responsável pelo que diz, o culpado por seus erros, é quem recebe os louros por seus acertos. E, com a internet, os autores possuem acesso direto e imediato a seus leitores. A repercussão do que escreve (quando há) surge em questão de minutos. A serem obrigados a burlar a indústria cultural, os autores conquistaram algo que jamais conseguiriam de outro modo, o contato quase pessoal com os leitores, od ­ iálogo capaz de tornar a obra melhor, a rede de contatos que, se não é tão influente quanto a da ­grande mídia, faz do leitor um colaborador, um co-autor da obra que lê. Não há sucesso, não há gran-

des tiragens que substitua o prazer de ouvir o respaldo de leitores sinceros, que não estão atrás de grandes autores populares, que não perseguem ansiosos os 10 mais vendidos. Os autores que compõem este projeto não fazem parte de nenhum ­movimento literário organizado, não são modernistas, pós­modernistas, vanguardistas ou q ­ ualquer outra definição que vise rotular e definir a orientação dum grupo. São apenas escritores ­interessados em trocar experiências e sofisticarem suas escritas. A qualidade deles não é uma orientação de estilo, mas sim a heterogeneidade. Enfim, “Samizdat” porque a internet é um meio de autopublicação, mas “Samizdat” porque também é um modo de contornar um processo de exclusão e de atingir o ­objetivo fundamental da ­escrita: ser lido por alguém.

SAMIZDAT é uma revista eletrônica ­ ensal, escrita, editada e publicada pelos m ­integrantes da Oficina de Escritores e Teoria Literária. Diariamente são incluídos novos textos de autores consagrados e de jovens ­escritores amadores, entusiastas e profissionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas literárias e muito mais.

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Comunicado

SAMIZDAT Especial

Humor

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SAMIZDAT março de 2009

O lugar onde

1 - Todos os colaboradores fixos do E-Zine podem participar e sugerir autores colaboradores; 2 - Também serão aceitos textos enviado voluntariamente por autores externos, para as seguintes seções do E-Zine: a - Resenha de Livros; b - Teoria Literária ou do Humor; c - Autor convidado (prosa ou poesia); d - Traduções; e - Crônicas;

http://www.flickr.com/photos/billselak/1043526089/sizes/l/

f - caricaturas ou charges. 3 - Serão selecionados, ao todo, entre 3 e 5 textos para cada uma das seções acima, mas a edição do E-Zine possui o direito de selecionar mais ou menos obras. 4 - Não há limites de palavras, mas como se trata duma publicação voltada para o meio digital, solicita-se que não sejam enviados tex-

a boa Literatura é fabricada

tos mais extensos do que umas 2500 palavras. 5 - Por se tratar duma obra de divulgação, não serão pagos direitos autorais. A publicação e a distribuição do E-Zine não acarretará, tampouco, em custos para os autores participantes. 6 - A SAMIZDAT ­ special - Humor será E publicada durante o mês de maio no blog, e na edição em .PDF em 1 de junho. Por isto, solicita-se aos autores interessados que entrem em contato até o final de abril, através do e-mail [email protected]

Indicando, no assunto do e-mail, SAMIZDAT Especial 4, e em qual seção o texto se enquadra (ver item 2).

http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/

Estamos preparando a quarta edição do ­SAMIZDAT Especial, contemplando o gênero ­Humor.

Abraços a todos, Equipe da SAMIZDAT www.revistasamizdat.com

ficina www.oficinaeditora.org 9

Entrevista

Marcelo Duarte Marcelo Duarte nasceu em São Paulo no dia 31 de Outubro de 1964. É formado em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 1985. Carreira jornalística:R evista PLACAR, Revista PLAYBOY, Revista VEJA SÃO PAULO, Revista PLACAR, foi o criador da revista AÇÃO GAMES e colaborou em diversas revistas, como Próxima Viagem, Sexy e Set, desenvolveu projetos de jogos para a Grow: Tira-Teima, Trailer, Zôo Lógico da Mônica, O Guia dos Curiosos, Capricho 1 e 2, Corinthians - História e Glória, Master Junior, Perfil 3, Carreira empresarial: Em setembro de 1999, Marcelo Duarte criou a Panda Books, especializada em livros de referência. A Panda tem uma série de livros editados. No início de 2002, a Panda Books criou um novo selo de livros motivacionais, a Editora Original. O catálogo de ambas está disponível no site www.pandabooks.com.br. Um mundo de curiosidades: Marcelo Duarte apresenta o programa “Você é Curioso?” todos os sábados, das 10h às 11h30 na Rádio Bandeirantes, de São Paulo (AM 840 e FM 90,9). De segunda a sexta, ele comanda o “Fanáticos por Futebol”, transmitido das 22h às 22h30. Os programas podem ser ouvidos também pela internet (www.radiobandeirantes.com.br). Também aos sábados, Marcelo

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Duarte assina a página “Curiocidade” no Jornal da Tarde, de São Paulo. Na TV, Marcelo Duarte apresenta o programa “Loucos por Futebol” na ESPN Brasil ao lado de Paulo Vinícius Coelho, Celso Unzelte e Roberto Porto. Ele é veiculado sábado sim, sábado não. Reprises: segunda, 20h. Marcelo Duarte apresenta também o “TV Curioso” no portal IG (www.megaplayer.com.br). currículo de Marcelo Duarte retirado do site: http://guiadoscuriosos.ig.com.br

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SAMIZDAT – Como funciona a pesquisa para um livro como “O Guia dos Curiosos”? Tais informações podem ser encontradas apenas em livros, ou você teve de recorrer a outras fontes, como internet, fontes orais, jornais, etc? E qual será o próximo “Guia”? MARCELO – Quando lancei o primeiro “O Guia dos Curiosos”, em 1995, ninguém sonhava

ainda com a internet. Pesquisei em livros, arquivos de jornais e revistas, e fiz muitas entrevistas. Hoje em dia, a internet e, principalmente, o e-mail me ajudam a encontrar as fontes mais facilmente. Acabei de lançar o oitavo livro da coleção, “O Guia das Curiosas”, em parceria com a jornalista Inês de Castro. Nem deu tempo de pensar ainda no próximo. Este ano, acho que irei lançar apenas dois infantis. Você tem uma equipe de apoio, como os dicionaristas, para escrever os guias? Ou o trabalho hercúleo (e os louros) são só para você? MARCELO – Sim, hoje conto com uma equipe de apoio nos trabalhos que faço no site (www. guiadoscuriosos.com.br), na rádio (Bandeirantes AM) e no jornal (Jornal da Tarde). Para os livros, prefiro cuidar dos textos sozinho. Já dividi a autoria algumas vezes. Fiz o “O Guia dos Curiosos – Sexo”, com o doutor Jairo Bouer, e o “O Guia das Curiosas”, com a Inês. Nem é questão de ficar com os louros. É uma questão de ordem prática mesmo. Prefiro escrever sozinho em casa, à noite, quando o telefone não toca mais. Restringir a linha editorial da Panda Books

a livros de referência foi uma decisão empresarial, tendo em vista que não-ficção costuma vender mais do que ficção, ou houve influência de algum outro fator? Existe a possibilidade de, no futuro, a Panda Books expandir seu catálogo para outras áreas? MARCELO – A Panda já lançou livros de humor, de culinária, de ficção, de crônicas. Não há restrição de linha editorial. O que temos é uma vocação maior para livros de referência. Está no DNA da editora e eu acho que é isso que fazemos melhor. Qual foi a motivação para você abrir sua própria editora? Em que momento você sentiu a necessidade de passar de autor a editor? MARCELO – Eu tinha três ou quatro projetos de livros que foram recusados por outras editoras. Eu acreditava muito neles e queria lançá-los. Foi por isso que resolvi virar editor. Os projetos deram certo! Tanto que, este ano, a Panda completa 10 anos e deve alcançar a marca de 300 títulos. Você foi editor da ”Vejinha” entre 91 e 94. O que você viu, leu, escreveu, editou ou quer se esquecer desse tempo que, se ainda não é, poderia ser assunto para

um romance? MARCELO – Esquecer do meu tempo de “Vejinha”? Jamais! Foi uma experiência incrível. Conheço a Cidade de São Paulo como poucos! Foi nos tempos de Vejinha que criei o projeto dos “Endereços Curiosos”. Escrevi o guia “1075 Endereços Curiosos de São Paulo”, um sucesso estrondoso, e que serviu de inspiração para outros 13 autores que escreveram guias de cidades, como Nova York, Paris, Londres, Barcelona, Amsterdam, Salvador, Porto Alegre, Buenos Aires. Depois de ter trabalhado em tantas revistas, voltadas para públicos tão diversos, para quem você escreve hoje? Quem é o seu “leitor ideal”? MARCELO – Gosto de escrever para a família. Gosto de escrever algo que será divertido para o garoto de 7 anos, a menina de 13 anos, a mãe, o pai e a avó. O que mais gosto é misturar a diversão com o conhecimento. É mais difícil manter-se como editor de livros ou de periódicos? Dá para viver disso? MARCELO – Como tudo na vida, se você acerta, sim. Mas o mercado é muito cruel. Você precisa acertar mais do que errar.

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Há uma frase sobre a Panda Books que diz: “Nosso grande desafio é lançar livros que contribuam para a formação de seres humanos mais felizes e conscientes”. O livro da Bruna Surfistinha não foi antes uma concessão ao mercado? MARCELO – “O Doce Veneno do Escorpião”, da Bruna Surfistinha, deve ser o nosso livro que mais se encaixa nessa definição. Quem não leu pensa que é um livro sobre sexo. Não é. O que está ali é a história de uma menina, que estudava num colégio classe A e acabou se prostituindo durante 3 anos por causa de uma série de fatores que atingem muitos adolescentes hoje em dia. É um livro que os pais deveriam incentivar os filhos adolescentes a ler. Tanto que outras editoras lançaram outros livros com “confissões de garotas de programa”, na cola da Bruna Surfistinha, e não tiveram o mesmo sucesso. Como você classificaria as informações de seus guias, sobretudo as que servem exclusivamente para sanar curiosidades do leitor? Podem ser chamadas de cultura geral, arte, ou o quê? MARCELO – Cultura geral, sim. Mas algumas podem ser enquadradas simplesmente como

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“cultura inútil”. Como eu disse, a graça é misturar a diversão com o conhecimento. Assim, as pessoas vão aprendendo sem perceber. Baseado em sua experiência como jornalista e editor, você conseguiria traçar um perfil do leitor brasileiro? Quais temas o atraem? O que ele procura quando adquire um livro? MARCELO – Se eu soubesse isso, jamais contaria numa entrevista. Lançaria os livros e ficaria rico. Infelizmente, não existe uma fórmula. Dizem que auto-ajuda vende mais. Mas nem todos os livros de auto-ajuda vendem bem. Em tempos onde se encontra praticamente tudo sobre praticamente tudo na internet, continua grande a procura por seus guias? E as novas tecnologias de edição, como os livros digitais ou a impressão sob demanda, representam, atualmente, alguma ameaça ao mercado editorial? MARCELO – A tecnologia vai mudar o formato dos livros, sim. Mas os autores continuarão existindo. Não vejo ameaça. Acho até que haverá um aumento de demanda. O que vai mudar é o controle sobre os direitos autorais na internet. Do

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contrário, a produção cultural deixará de existir. Por estar nos dois lados da relação escritoreditor, você poderia nos dizer qual é o erro mais comum cometido pelos aspirantes a escritores na tentativa de se inserirem no mercado? MARCELO – Confiar demais na opinião – nem sempre imparcial – do pai, da mãe e dos amigos. Ficamos muito agradecidos por sua participação, Marcelo, e te desejamos muito sucesso!

Coordenação da entrevista: Carlos Alberto Barros Perguntas feitas por: Henry Alfred Bugalho Joaquim Bispo Maristela Deves Volmar Camargo Junior

O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

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Microcontos

Máscaras Henry Alfred Bugalho

De dia, era uma carola, ajoelhada na primeira fila da igreja; à noite, dominatrix num bordel do Centro.

Cena Paulistana Marcia Szajnbok

toda. A semana Joaquim Bispo tava uma perna de um tanque de lavar roupa, em cimento. Na Segunda-feira, estava um carro estacionado mesmo em cima da passadeira de peões que dá acesso à minha casa. Incomodado, afixei-lhe a meio do pára-brisas um pequeno autocolante amarelo, que trago sempre comigo, que diz: Estacione bem – Respeite os outros. Na Terça-feira, deparei com o mesmo carro estacionado na passadeira. Indignado, apliqueilhe, desta vez, um outro pequeno autocolante vermelho, que diz: Mal estacionado – Sujeito a reboque. Na Quarta-feira, o carro estava outra vez na passadeira. Irritado por a minha acção pedagógica não resultar, levantei-lhe os limpa pára-brisas. Na Quinta-feira, lá estava o carro na passadeira. Exasperado com tanta falta de respeito pelos outros, coloquei-lhe um pauzinho na válvula do pneu dianteiro direito. O ar ficou a vazar. Na Sexta-feira, o carro estava, uma vez mais, na passadeira. Furibundo, puxei da chave de casa e apliquei um risco profundo a todo o comprimento do carro. No Sábado, o carro já não estava na passadeira, finalmente. «Há pessoas que só entendem a linguagem da violência» – pensei. No Domingo, verifiquei, com horror, que o pára-brisas do meu carro, bem estacionado, estava estilhaçado. No lugar do condutor, esprei

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http://www.flickr.com/photos/artsilva/2496570890/

1. Na esquina mal iluminada, dois meninos se atrapalham, derrubando ao chão os malabares improvisados. Fingindo que não é com eles, os motoristas olham fixo para a luz vermelha. Não se sabe ao certo se é por medo, por avareza ou culpa. Sentada no degrau de um edifício, a mulher emagrecida e cinzenta olha para o vazio. Junto ao meio fio, um garotinho menor transforma em carro de corrida uma caixa de fósforos vazia. Na redoma da fantasia, a infância segue, alheia aos absurdos.

Sobre cascas de banana

(Bananalidades) O caroço Volmar Camargo Junior

- Banana, meu amorzinho. Agora que você já comeu, põe a casca no lixo, põe. - Que casca? Só sobrou esse caroço molengo...

Sintonia Volmar Camargo Junior - Pode me explicar por que aquela casca de banana está pendurada na antena?

Humildade Volmar Camargo Junior - O homem verdadeiramente humilde é aquele que consegue passar sete dias apenas com uma casca de banana e dois copos d’água. - Mestre... veja bem. Ninguém consegue sobreviver consumindo tão pouca coisa. - Que consumir, rapaz? A água é para tomar banho. - E a casca de banana? - Para se esfregar, ué.

- Não te mete com o que tu não entente. Só consigo ouvir a Rádio Gaúcha desse jeito. - Mas eu já não te disse que ela tem que ficar em cima do contador de luz? Depois tu reclama que a gente não economiza...

Puxa, prende e passa Volmar Camargo Junior - Meu! Dá uma tragada nisso aqui. - [tragando] Que treco é esse, véio? - Casca de banana torrada! - [cuspindo] Tá doido? Tu me deu casca de banana pra fumar? - É, mas é coisa fina, véio... Cem por cento orgânica.

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- Mãe, já comi essa... como é mesmo o nome?

Recomendações de Leitura

A Insuportável Competência dum Escritor

http://g.zebra.lt/SCANPIX/AFP/Milan_Kundera_afp.jpg

Henry Alfred Bugalho

A Insustentável Leveva do Ser Autor: Milan Kundera Editora: Harper Perennial

A primeira vez que ouvi falar sobre “A Insustentável Leveza do Ser” foi da boca de minha mãe, que havia ido ao cinema e voltou dizendo: - Nossa, que filme chato! E esta foi a impressão que ficou gravada em minha mente por anos, até que, por acaso, li a tradução do primeiro capítulo do romance “A Insustentável

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Leveza do Ser” na internet. Neste capítulo, o narrador analisa o conceito de eterno retorno proposta por Nietzsche, e o relacionado à vida humana. Para o narrador, este retorno é um ideal irrealizável, pois nossa vida é em linha reta, não há retornos, não há como voltar atrás e testar diferentes possibilidades: toda escolha que fazemos é única; para a vida, não há ensaios, é sempre realização.

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É disto que trata o livro de Milan Kundera, da vida de cinco personagens - Tomas, Tereza, Sabine, Franz e do cachorro Karenin - e das escolhas feitas por eles. A estrutrura do romance lembra a dos romances polifônicos de Dostoiesvsky; somos conduzidos, através dos capítulos, pelas óticas de cada um deles, tentando compreender suas decisões e seus arrependimentos.

Recomendações de Leitura O contexto histórico principal é a invasão russa na Tchecoslováquia, em 1968, época de perseguição política, repressão e vários intelectuais tendo de se exilarem. Tomas é um mulherengo incorrigível e que, mesmo após se apaixonar por Tereza, não consegue abandonar suas aventuras sexuais; Tereza, por outro lado, compreende que, para continuar ao lado do homem que ama, terá de aceitar o comportamento dele, mas sem desistir de torná-lo totalmente seu. “A Insustentável Leveza do Ser” é uma obra permeada de reflexões filosóficas, de conjeturas políticas com fortes críticas ao comunismo, e até de meditações sobre o ofício da escrita. Milan Kundera possui uma escrita limpa, competente e direta, que por vezes assemelha-se ao domínio literário de Kafka, seu compatriota. Várias das hipóteses levantadas pelo narrador são dum brilhantismo surpreendente, apresentando suas conclusões sem dogmatismo nem sectarismo. É o tipo de obra que espanta, a ponto de se tornar insuportável por tamanha perfeição.

O Mundo Bizarro

de Chuck

Henry Alfred Bugalho O escritor norte-americano Chuck Palahniuk se tornou mundialmente conhecido após a adaptação para o cinema de seu romance "O Clube da Luta". Os personagens de Palahniuk são, na maioria das vezes, renegados e vivem num submundo, bem longe da vista das pessoas comuns.

Este é o mesmo universo retratado na obra "­Assombro" (Haunted), publicada em 2005. Apesar de ser classificada como um romance, "Assombro" nada mais é do que uma coletânea de contos unida por um enredo comum: um grupo de esquisitões se reúne para um retiro literário. A proposta é que eles fiquem isolados pelo prazo de três meses, tempo

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no qual eles poderão, quem sabe, escrever suas obrasprimas. No entanto, o retiro se mostra ser uma armadilha doentia. Encerrados num teatro abandonado, à prova de fuga, estes escritores acabam se sabotando uns aos outros numa terrível luta pela sobrevivência e, mais do que isto, tendo em vista a fama para aqueles que restarem no final. Neste intervalo de três meses, os personagens contam suas histórias uns aos outros, tal qual uma versão bizarra de Sherazade ou de "Decamerão". O primeiro conto da obra, "Guts" (que poderia ser traduzido como vísceras, ou entranhas), é sem dúvida o motor do livro. Há toda uma mitologia em torno deste conto, que narra a história dum adolescente que gosta de se masturbar no fundo da piscina de casa, enquanto o dreno da piscina succiona seu cu. O conto foi escrito alguns anos antes do livro "Assombro", e se tornou famoso por causa das leituras públicas dele realizadas por Chuck Palahniuk. Muitos ouvintes desmaiavam durante a leitura do conto, por causa do forte conteúdo e do desfecho grotesco. Multidões se reuniam para ouvirem a leitura do conto, e mais e mais des-

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maios passaram a acontecer. Realmente, "Guts" é um conto bastante impressionante e é uma grande abertura para o livro, mas, aos poucos, o impacto dos contos diminui e vamos nos acostumando com vísceras, com bizarrices, com nojeiras, com comportamentos anômalos, com o submundo, a ponto de nos cansarmos da repetição, dum estilo que se torna tão previsível que não surpreende mais. Enquanto Chuck Palahniuk acaba reproduzindo uma estrutura clássica como dissemos, de Boccaccio ou dos narradores árabes -, ele peca por um detalhe crucial. Em "Decamerão" e em "As mil e uma noites", as histórias são narradas em terceira pessoa, ou são narradas por um único personagem, por isto, a homogeneidade estilística é aceitável, até esperada. Mas em "Assombro", cada conto é narrado por um personagem diferente, então, o estilo semelhante, se não idêntico, acaba atrapalhando e suscitando a pergunta: "por que pessoas tão diferentes escrevem, ou contam suas histórias, de maneiras tão parecidas?" Faltou um esforço do autor em encontrar vozes individuais para seus personagens, em tentar contar as histórias deles do modo como eles contariam. Apa-

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Assombro Autor: Chuck Palahniuk Editora: Rocco

rentemente, todo o empenho do autor foi em prol de reproduzir o efeito de "Guts", sem sucesso. Por outro lado, "Assombro" é uma crítica brutal à sociedade norte-americana, puritana e consumista. Palahniuk encontra sua inspiração em histórias reais, mas que são escondidas para preservarem a estabilidade social. A busca do autor é pelo louco escondido no porão, pelo pai que molesta a filha, pelos medos que ninguém tem coragem de assumir. Apesar do estilo por vezes cansativo, vale a pena ler um ou dois contos de Chuck, e rir e chorar com a nossa condição humana.

ficina

A Oficina Editora é uma utopia, um nãolugar. Apenas no século XXI uma ­vintena de autores, que jamais se ­encontraram ­fisicamente, poderia conceber um projeto semelhante. O livro, sempre tido em conta como umas das principais fontes de cultura, ­tornou-se apenas um bem de ­consumo, ­tornou-se um elemento de exclusão c­ ultural.

http://oficinaeditora.org/

A proposta da Oficina Editora é ­resgatar o valor natural e primeiro da ­Literatura: de bem cultural. ­Disponibilizando ­gratuitamente ­e-books e com o ­custo ­mínimo para ­livros impressos, nossos ­autores ­apresentam a ­demonstração ­máxima de respeito à ­Literatura e aos ­leitores.

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Autor em Língua Portuguesa

Mário de Andrade

Será o Benedito! http://www.flickr.com/photos/blackheritage/2145735890/sizes/o/in/set-72157602299163015/

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A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer: — O hôme da cidade, chi!... Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito per-

nas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar. *** Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve: — Mas será o Benedito! Não é assim, moço! Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensi-

nar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias. *** Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, “Será o Benedito!”, com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. “Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tubercu-

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lose que...”

maço de papéis velhos. Eram cartões postais — O que é isso?... usados, recortes de jornais, tudo fotografias de — É uma doença, São Paulo e do Rio, que Benedito, uma doença horrível, que vai comen- ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que do o peito da gente por dentro, a gente não pode estavam, era fácil perceber que aquelas imagens mais respirar e morre eram a única Bíblia, a em três tempos. exclusiva cartilha do — Será o Benedito... negrinho. Então ele me E ele recuava um pou- pediu que o levasse comigo para a enorme co, talvez imaginando cidade. Lembrei-lhe os que eu fosse a própria tuberculose que o ia ma- pais, não se amolou; tar. Mas logo se esquecia lembrei-lhe as brincadeida tuberculose, só alguns ras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a minutos de mutismo tuberculose, ficou muito e melancolia, e voltava sério. Ele que reparasse, a perguntar coisas soera forte mas magrinho bre os arranha-céus, os e a tuberculose se metia “chauffeurs” (queria ser principalmente com os “chauffeur”...), os cantomeninos magrinhos. Ele res de rádio (queria ser precisava ficar no campo, cantor de rádio...), e o que assim a tuberculose presidente da Repúblinão o mataria. Benedito ca (não sei se queria ser presidente da República). pensou, pensou. MurmuEm troca disso, Benedito rou muito baixinho: me mostrava os dentes — Morrer não quero, do seu riso extasiado, não sinhô... Eu fico. uns dentes escandalosos, E seus olhos enevoados grandes e perfeitos, onde numa profunda melanas violentas nuvens de colia se estenderam pelo setembro se refletiam, numa brancura sem par. plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à Nas vésperas de micidade invisível, lá longe, nha partida, Benedito com seus “chauffeurs”, veio numa corrida e me seus cantores de rádio, e pôs nas mãos um chuo presidente da Repúbli-

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ca. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: “Mas será o Benedito!...”. E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)

Texto extraído do livro “Será o Benedito!”, Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992, pág. 66, uma colaboração de João Antônio Bührer e seus “Arquivos Impagáveis”.

Fonte: Releituras

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de, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Fernando Sabino e Augusto Meyer, e veio a falecer em 1945 na mesma cidade em que nasceu, após três décadas de trabalho que desempenhou em estilo vanguarda.

Mário Raul de Morais Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945) foi um poeta, romancista, crítico de arte, musicólogo, professor universitário e ensaísta, considerado unanimidade nacional e reconhecido por críticos como o mais importante intelectual brasileiro do século XX. Notável polímata, Mário de Andrade liderou o movimento modernista no Brasil e produziu um grande impacto na renovação literária e artística do país, participando ativamente da Semana de Arte Moderna de 22, além de se envolver (de 1934 a 37) com a cultura nacional trabalhando como diretor do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo. Mário nasceu em São Paulo e construiu praticamente toda a sua vida na metrópole. Na cidade, estudou e também lecionou por muitos anos, desde cedo demonstrando sua paixão pela cidade. Durante seu tempo de vida, Mário criou vínculos fortes com outros nomes do país, se correspondendo freqüentemente com grandes artistas brasileiros, dentre quais se destacam Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andra-

Considerado o escritor mais nacionalista e múltiplo dos brasileiros, Mário construiu um caráter revolucionário na literatura brasileira, que se iniciou com Paulicéia Desvairada, onde analisa a cidade de São Paulo e todos seus elementos (provincianismo, aristocracia, burguesia, rio Tietê, Avenida Paulista). Mário também é considerado um dos primeiros musicólogos do país, e seu maior interesse era, particulamente, os ritmos nordestinos, aos quais tentou pesquisar e valorizar, assim como fez com a Missão de Pesquisas Folclóricas, tentando criar um estudo e uma descoberta das raízes culturais do Brasil. Isso também ocorreu com seu romance mais famoso, Macunaíma, considerada uma das obras capitais da narrativa brasileira no século XX.

Um detetive... Uma loira gostosa...



Um assassinato...

E o pau comendo entre as máfias italiana e chinesa. ­

O Covil dos Inocentes www.covildosinocentes.blogspot.com

A importância de Mário de Andrade continua sendo ativamente expressa nos dias atuais, e ainda se fala sobre sua obra seja para estudo ou para a investigação do Brasil: o filósofo Leandro Konder considera que talvez essa atualidade seja resultado do destaque que Mário tinha sobre os outros nomes do modernismo, "pela amplitude de sua cultura, pela vastidão dos seus conhecimentos [...] [porque] tinha uma visão panorâmica abrangente [e] dispunha de um quadro de referências muito mais rico do que todos os outros." Fonte: Wikipedia

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Autor em Língua Portuguesa

Qorpo Santo

Hoje sou um; amanhã outro 24 24

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ATO PRIMEIRO Cena Primeira O REI - (para o Ministro) Já deste as providências que te recomendei ontem sobre os indigitados para a nova conspiração que contra mim se forja!? MINISTRO - Não me foi possível, Senhor, pôr em práticas vossas ordens.

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O REI - Ludibrias das ordens de teu Rei? Não sabes que te posso punir, com uma demissão, com baixa das honras, e até com a prisão!? MINISTRO - Se eu referir a V. M. as razões ponderosas que tive para assim proceder, estou certo, e mais que certo que V. M. não hesitará em perdoar-me essa que julga uma grave falta; mas em verdade não passa de ilusão em V. M. O REI - Ilusão! Quando deixas de cumprir ordens minhas? MINISTRO - Pois bem, já que V.M. o ignora, eu lhe vou cientificar das cousas, que me obrigaram a assim proceder. O REI - Pois bem: refere-as; e muito estimarei que me convençam e persuadam de que assim devemos proceder. MINISTRO - Primeiramente, saiba V . M. de uma grande descoberta no Império do Brasil, e que se tem espalhado por todo o mundo cristão, e mesmo não cristão! Direi mesmo por todos os entes da espécie humana!

O REI (muito admirado) Oh! Dizei; falai! Que descobriram - é erro!? MINISTRO - É cousa tão simples, quanto verdadeira: 1.ª - Que os nossos corpos não são mais que os invólucros de espíritos, ora de uns, ora de outros; que o que hoje é Rei como V. M. ontem não passava de um criado, ou vassalo meu, mesmo porque senti em meu corpo o vosso espírito, e convenci-me, por esse fato, ser então eu o verdadeiro Rei, e vós o meu Ministro! Pelo procedimento do Povo, e desses a quem V. M. chama conspiradores persuadi-me do que acabo de ponderar a V.M. 2.ª - Que pelas observações filosóficas, este fato é tão verídico, que milhares de vezes vemos uma criança falar como um general; e este como uma criança. Vemos por exemplo um indivíduo colocado no cargo de presidente de uma Província; velho, carregado de serviços; com títulos, dignidades; e mesmo exercendo outros empregos de alta importância ter medo, Senhor: não poder abrir a boca diante de um homem considerado talvez pelo Povo, sem um emprego pessoal, sem mulher, talvez mesmo sem o necessário para todas as suas despesas, finalmente um corpo habitado por uma alma. Que quer dizer isto, Senhor? Que esse sobrecarregado de cargo e dignidades humanas é zero perante este protegido ou bafejado das dignas leis Divinas. Eu, pois, ontem esta-

va tão acima de Vossa Majestade, porque sentia em mim o dever de cumprir uma missão Divina, que me era impossível cumprir ordens humanas. Podeis fazer agora o que quiserdes! O REI - Estou pasmo - com a revelação que acabo de ouvir. Se isto se verifica, estou perdido! MINISTRO - Não temais, Senhor... Todo o Povo vos ama, e a Nação vos estima; mas desejo que aprendais a conhecer-vos, e aos outros homens. E o que é o corpo e a alma de um ente qualquer da espécie humana: isto é, que os corpos são verdadeiramente habitações daquelas almas que a Deus apraz fazer habitá-los, e que por isso mesmo todos são iguais perante Deus! O REI - Mas quem foi no Império do Brasil o autor da descoberta, que tanto ilustra, moraliza e felicita - honrando!? MINISTRO - Um homem, Senhor, predestinado sem dúvida pelo Onipotente para derramar esta luz divina por todos os habitantes do Globo que habitamos. O REI - Mas quais os seus princípios, ou os de sua vida? MINISTRO - É filho de um professor de primeiras letras; seguiu por algum tempo o comércio; estudou depois, e seguiu por alguns anos a profissão de seu Pai, roubado-lhe pela morte, quando contava apenas de 9 a 10 anos de idade. Durante o

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tempo do seu magistério, empregou-se sempre no estudo da História Universal; da Geografia; da Filosofia, da Retórica - e de todas as outras ciências e artes que o podiam ilustrar. Estudou também um pouco de Francês, e do Inglês; não tendo podido estudar também - Latim, conquanto a isso desse começo, por causa de uma enfermidade que em seus princípios o assaltou. Lia constantemente as melhores produções dos Poetas mais célebres de todos os tempos; dos Oradores mais profundos; dos Filósofos mais sábios e dos Retóricos mais brilhantes ou distintos pela escolha de suas belezas, de suas figuras oratórias! Foi esta a sua vida até a idade de trinta anos. O REI - E nessa idade o que aconteceu? Pelo que dizes reconheço que não é um homem vulgar. MINISTRO - Nessa idade, informam-me... isto é, deixou o exercício do Magistério para começar a produzir de todos os modos; e a profetizar! O REI - Então também foi ou é profeta!? MINISTRO - Sim, Senhor. Tudo quanto disse que havia acontecer, tem acontecido; e se espera que acontecerá! O REI - Como se chama esse homem!? MINISTRO - Ainda não vos disse, Senhor, - que esse homem viveu em um retiro por espaço de um ano ou mais, onde produziu numerosos trabalhos sobre todas as ci-

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ências, compondo uma obra de mais de 400 páginas em quarto, a que denomina E... ou E... de. .. E aí acrescentam que tomou o titulo de Dr. C... s.... - por não poder usar o nome de que usava - Q... L..., ou J... J... de Q. .. L..., ao interpretar diversos tópicos do Novo Testamento de N. s. Jesus Cristo, que até aos próprios Padres ou sacerdotes pareciam contraditórios! O REI - Estou espantado de tão importante revelação! MINISTRO - Ainda não é tudo, Senhor: Esse homem era durante esse tempo de jejum, estudo, e oração - alimentado pelos Reis do Universo, com exceção dos de palha! A sua cabeça era como um centro, donde saíam pensamentos, que voavam às dos Reis de que se alimentava, e destes recebia outros. Era como o coração do mundo, espalhando sangue por todas as suas veias, e assim alimentando-o e fortificando-o, e refluindo quando necessário a seu centro! Assim como acontece a respeito do coração humano, e do corpo em que se acha. Assim é que tem podido levar a todo o mundo habitado sem auxílio de tipo - tudo quanto há querido!

bem se pode dizer - que é um desses raros talentos que só se admiram de séculos em séculos! O REI - Poderíamos obter um retrato desse ente a meu ver tão grande ou maior que o próprio Jesus Cristo!? MINISTRO - Eu não possuo algum; mas pode se encomendar ao nosso Cônsul na cidade de Porto Alegre, capital da Província de São Pedro do Sul, em que tem habitado, e creio que ainda vive. O REI - Pois serás já quem fará essa encomenda! MINISTRO - Aqui mesmo na presença de V . M. o farei. (Chega-se a uma mesa, pega em uma pena e papel, e escreve:) “Sr. Cônsul de... De ordem de Nosso Monarca, tenho a determinar a V. Sa. que no primeiro correio envie a esta Corte um retrato do Dr. Q... S..., do maior tamanho, e mais perfeito que houver. Sendo indiferente o preço. O Primeiro Ministro

O REI - Cada vez fico mais espantado com o que ouço de teus lábios!

DOUTOR SÁ E BRITO”

MINISTRO - É verdade quanto vos refiro! Não vos minto! E ainda não é tudo: esse homem tem composto, e continua a compor, numerosas obras: Tragédias; Comédias; poesias sobre todo e qualquer assunto; finalmente,

(Fechou, depois de haver lido em voz alta; chama um criado; e manda por no correio - para seguir com toda a brevidade, recomendando.)

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Corte de..., maio 9 de 1866.

José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo Santo Foram necessários quase cem anos, a partir da publicação original dos textos de autor gaúcho do século XIX, José Joaquim de Campos Leão, nome ao qual o próprio autor acrescentou a alcunha de Qorpo-Santo, para que sua obra conquistasse reconhecimento devido aos esforços de muitos intelectuais que assim o quiseram e para tal trabalharam, na década de 1960. Alguns críticos datando desta republicação, destacando-se o editor de seu teatro completo, Guilhermino César, buscaram situá-lo como precursor de modernas tendências da arte teatral, a princípio o teatro do absurdo -na época, pretendendo atribuir-lhe a paternidade desta moderna corrente teatral- e mais tarde querendo situa-lo como antecessor do movimento surrealista.

Natural da vila do Triunfo, interior do Rio Grande do Sul, José Joaquim Leão vai para Porto Alegre em 1840, já órfão de pai, para estudar gramática e conseguir emprego na capital, habilitando-se ao exercício do magistério público, que passou a exercer a partir de 1851. Casa-se em 1855 e, em 1857, muda-se com a família para Alegrete, cidade na qual funda um colégio, adquirindo respeitabilidade como figura pública, escrevendo para jornais locais e ocupando ainda cargos públicos de delegado de polícia e vereador. Em 1861, de volta a Porto Alegre, segue a carreira de professor e começa a escrever sua “Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade”. Parecem manifestar-se, neste momento, os primeiros sinais de seus transtornos psíquicos, rotulados então sob o diagnóstico de “monomania”, sendo afastado do ensino e interditado judicialmente a pedido da própria família. QorpoSanto não aceita pacificamente este seu enquadramento psiquiátrico, recorrendo ao Rio de Janeiro, sendo examinado então por médicos daquela capital, que diferem do diagnóstico inicial e não endossam sua interdição judicial. Todavia, o estigma estava posto, e o autor se vê cada vez mais isolado. Este isolamento social parece incitá-lo a escrever febrilmente, e o leva ademais a constituir sua própria gráfica, na qual viabiliza e edita sua produção textual.

Obras (teatro) § Certa identidade em busca de outra § Eu sou vida eu não sou morte § Um credor da Fazenda Nacional § As relações naturais § Hoje sou um; e amanhã sou outro § Um assovio § Um parto § Hóspede atrevido ou O brilhante escondido § A impossibilidade da santificação ou A santificação transformada § Dois irmãos § A separação de dois esposos § La § Lanterna de fogo § Marinheiro escritor § Marido extremoso § Mateus e Mateusa § Elias e sua loucura bíblica

Fontes: http://www.biblio.com.br/conteudo/qorposanto/molduraobras. htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Qorpo_Santo

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Contos

O Malandro e a Princesa Carlos Alberto Barros

http://www.flickr.com/photos/julianasantos/2201245665/sizes/l/

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Uísque com gelo. Bebo, enquanto a observo no outro extremo do bar. Está linda: vestido justo, salto alto, cabelos soltos, batom intenso. Finge não me ver, mas pouco importa. Depois de semanas, acho até engraçado. Observo suas pernas feito um adolescente, desejando cada centímetro como se nunca as houvesse explorado. Cruzam-se e descruzam-se, infinitas, conhecedoras das fraquezas deste malandro. Brigamos há um mês. Desde então, nos fazemos de desconhecidos. Meu amigo, Uísque, diz que eu não devia tê-la maltratado. E dou-lhe razão enquanto a contemplo. Os goles no Martini realçam seus lábios carnudos, convidando-me a reencontrá-los. Ela sabe que a admiro, e provoca. Tento disfarçar o olhar e ouço uma voz: – Que belo malandro você me saiu! Deixar sua princesa por aí, às moscas? – mas, não é ela quem fala, é Uísque. As luzes fracas esboçam uma silhueta de Tristeza no chão. Palavras dispersas me vêm aos ouvidos: – Malandrão... noites... bobagem... Penso ser Uísque novamente. Chacoalho a cabeça, mando-o se calar. No entanto, as palavras continuam. Não havia percebido: é Tristeza já ao meu

lado. Tento ignorá-la, mas insiste: – E aí, malandrão... Quantas noites mais nesta bobagem? – debocha. – Não quero pensar nisto. – Então, por que está aqui? Você sabe que ela sempre vem. – E quem disse que estou aqui por causa dela? – Tudo bem, não falo mais nada. Estou saindo. – Não, não, fique! Se ela te ver ao meu lado, pode abrir o coração. E, na verdade, não consigo te deixar ir. Estou sozinho... – Está sozinho porque é um idiota! Está na cara que ela te quer. Vai lá. – Não tem jeito. É orgulhosa demais, eu conheço! – Nem parece que é malandro... Vai lá! Você consegue dobrar a malvada. E olha ela com as pernas lá de novo. Descruzou... Cruzou... Está te chamando, rapaz! – Você podia ir adiantar a conversa... Falar que é minha única companhia... Quando ela te ver, vai sentir compaixão. Diga que não agüento mais sofrer, que sem ela eu não vivo! – E ela vai cair nessa? – É a verdade! Ela é minha princesa. Só não consigo ir eu mesmo falar. Faça isso por mim. Diga que ela é tudo na minha

vida. – Vou, mas se a situação piorar, a culpa é sua, malandrão! Tento reforçar minha amargura e olho o lado oposto do bar. Lá está minha princesa e suas pernas: divinas e distantes. A noite se estende e, após horas sem rumo, Tristeza acaba achando uma abertura. Na verdade, uma abertura concedida por um olhar disfarçado, seguido por sorrisos de compaixão. – Acho que já posso ir embora. Vou deixá-los mais à vontade... – ouço Tristeza dizer sem ter certeza se a devo deixar ir, mas não consigo impedila. Maravilhosa, minha musa se aproxima. Caminha imponente, majestosa. Sigo em sua direção sorrindo, com o coração batendo forte, os braços abertos. Uma lágrima se desfaz quando, de súbito, recebo o que creio ser o mais violento tapa que já levei. Em instantes, nossos lábios colam-se libertando todo o fogo do desejo reprimido. Entre beijos e carícias infinitas, ela repete-me o alerta que tanto já ouvi: – Se você me fizer chorar de novo, pode me esquecer, seu cafajeste! – Nunca mais, princesa. Chega de saudade!

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Contos

O copo esmaltado Volmar Camargo Junior [email protected]

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A cada ano, ele dorme menos. É muito raro que o sol se levante antes do velho. O ritual é o mesmo desde antes do Dilúvio, como ele mesmo sente prazer em repetir. Enquanto a água aquece, ceva o mate com o buraco no meio da erva, a bomba inclinada um pouco para a esquerda. A erva tem que ser moída grossa, amarga, porque não admite outra, dessas misturadas com açúcar. Não gosta de lavar a cuia; raspa bem a erva usada com uma colher, embrulha-a numa folha de jornal e joga fora. Quando a chaleira chia, segura-a pela alça, pressionando para baixo com a palma da mão, os dedos um pouco curvados, o que ele diz que é para a água não ferver. É meio assustador assisti-lo fazendo tudo isso no escuro, com a luz meio fantasmagórica vinda da chama azul da boca do fogão. Esse instrumento, o fogão a gás, o velho só aprendeu a usar por causa de um bendito copo de café. Antes, a cozinha era quente o ano todo. O fogão a lenha estava sempre aceso, e não é um exagero dizer sempre, porque, pela manhã, o pai costumava acender os cavacos nas brasas que sobravam da noite anterior. A água para o mate estava sempre aquecida.

Eu cresci à volta desse fogão. A mãe, evocando a sabedoria popular, dizia que “criança que brinca com fogo acaba mijando na cama”. Mas era para mim a coisa mais interessante do mundo até certa idade ver as coisas sendo consumidas naquele fogo. Bem mais interessante era o que se cozinhava sobre aquela chapa de ferro. Não há como descrever o feijão feito assim, cozido muito lentamente. É certo que a mãe descobriu a panela de pressão, mas ainda assim, parece-me que não existe, e talvez não exista mesmo, coisa melhor do que comida feita devagar.

A mãe tinha uma resistência ao sono de causar espanto, um tanto naturalmente, outro tanto devido ao hábito de tomar café. Ela gostava de passá-lo diretamente num copo de metal esmaltado. Tinha um coador que cabia perfeitamente nele, e não se adaptava à boca de nenhum bule. A marca de café que ela gostava muito, hoje nem vendem mais. Era diferente o sabor daquele café. O esmalte do copo já havia descascado em algumas partes, e era muito perceptível um gosto ferroso no meio do gosto do café.

Era engraçado, e nessa época eu tinha tempo para observar essas coiEternamente ao lado sas, que algumas vezes a desse fogão existia uma mãe ia se deitar alguns cadeira de vime, coberminutos antes da hora do ta com um pelego. Essa velho levantar. Fosse hoje, cadeira era, de modo geral, o lugar onde a mãe eu teria entendido que o permanecia a maior parte pai, dia após dia, tentava encontrá-la ainda acordas horas do dia. Aprendeu tarde a bordar, e des- dada. Ela reconhecia cada rangido da cama, como cobriu nisso um prazer eu também conhecia, inconcebível. Acompae quando ele virava-se nhava, bordando sentada para a direita, sentava-se naquela cadeira, o vagaroso cozimento das coisas na cama em busca das que não exigiam mais de chinelas, a mãe já estava sua atenção que o olfato. deitada. Tinha uma alegria pecuUma noite eu consegui liar quando concluía seus acordar antes do velho, trabalhos. Permanecia e encontrar a mãe ainda absorta, tocando com as em sua cadeira de vime, pontas dos dedos lentacom o copo de café no mente as figuras bordacanto da chapa. A codas, como se revisasse os zinha era iluminada só pontos um a um. pela luz do fogo vindo da

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portinhola do fogão. Até aquele momento, eu achei aquilo tudo muito, muito engraçado: era a primeira vez que tinha visto a mãe cochilando. Havia na cozinha um cheiro de café fervido, e quando cheguei mais perto dela, pé-porpé, vi que o conteúdo do copo estava fervendo. Como a mãe sempre teve uns sentidos felinos, assim que uma das tábuas do soalho rangeu, num rompante, assustou-se e deu um pulo da cadeira. Com o solavanco, o copo de café fervente saltou da chapa do fogão por cima das pernas da mãe. Eu só lembro de eu pedindo desculpas, e a mãe gritando como eu nunca tinha ouvido, e o pai vindo pelo corredor fazendo tanto barulho que fiquei ainda mais assustado. Depois, eu lembro de muito pouca coisa além das cintadas que o pai desferia em mim, e de a mãe, chorando e mandando que ele parasse. Não foi nada de muito grave com as pernas dela. Levantaram umas bolhas vermelhas, mas a minha avó recomendou lavar com sálvia e vinagre para que não arrebentassem. As cintadas que eu levei passaram, e no outro dia nem lembrava mais delas. Estava mais preocupado que a mãe fosse ficar doente, ou morrer.

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Na manhã seguinte, o velho apareceu em casa com o fogão a gás. Deitou o machado na cadeira de vime, pôs o pelego do lado de fora da porta, para onde se mudou uns dias depois uma gata que nos adotou, e demos o nome de Baia. No copo esmaltado o velho plantou uma muda de comigo-ninguém-pode. Daquele dia em diante, o café ficou proibido em casa. E até o dia em que a mãe morreu, e isso levou uns bons trinta anos, os dois – juntos – iam para a cama no mesmo horário, e acordavam – juntos – antes do sol nascer para tomar chimarrão. A velha se foi e fiquei eu. Não tem mais fogão a lenha – e isso nem caberia aqui em casa. Acordo todo dia cedinho pra tomar mate com o velho. Mas, uma vez ou outra, não livre de algum sentimento de culpa, uma sensação de que estou fazendo algo errado, tiro de seu esconderijo o copo esmaltado, que salvei de ser vaso de planta assim que o pai esqueceu-se dele. E o café, além do gosto de ferro, mesmo depois de tanto tempo, parece que guardou um pouquinho do gosto de terra.

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Contos

Sem abrigo Joaquim Bispo

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O dia começou-me mal. Não ouvi o despertador e cheguei atrasado ao emprego. Isto numa sexta-feira, o dia em que saio mais cedo para ir à consulta do psicanalista a Lisboa. Parti de Castelo Branco às quatro da tarde e às seis já estava a chegar ao Aeroporto mas, a partir daí, o trânsito estava complicado. Perto das sete, a hora da consulta, telefonei do Campo Grande ao Dr. a pedir desculpa pelo atraso. Às sete e vinte, já desvairado, encostei o carro como pude, a meio da 5 de Outubro, e apressei o passo para o consultório, que é junto ao Saldanha. A consulta foi pouco produtiva. Não consegui soltar-me e verbalizar todas as queixas que tenho da vida desde que a Noémia me deixou. Quando ia para pagar, dei-me conta que tinha deixado a carteira no compartimento da porta do carro, onde a meti ao pagar a portagem. Fiquei a dever a consulta. Voltei ao carro mas não o encontrei. No café em frente, confirmaram-me que tinha sido rebocado. Na pressa, tinha-o posto num espaço reservado a deficientes. De repente, vi-me numa situação

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muito desconfortável: só tinha um porta-moedas com 4 euros e 40, eram nove da noite, estava a duzentos quilómetros de casa e não tinha onde dormir. Enquanto pensava o que havia de fazer, comi uma sandes de queijo com uma imperial e um café. Fiquei com 1 euro e 70. Lembrei-me dum amigo da tropa, o Marques, que, quando me encontra, insiste para o ir visitar a Campo de Ourique. Liguei-lhe, mas, assim que começou a chamar, acabou-se a bateria do telemóvel. Numa lista telefónica, por exclusão de partes, encontrei a morada. Meti-me no Metro até ao Rato e depois fui a pé. Quando dei com a rua Tomás da Anunciação, eram já quase onze da noite. Toquei, toquei à campainha, mas ninguém respondeu. Se calhar tinham saído de fim-desemana. Voltei para trás, meio acabrunhado. Sem saber para onde ir, segui a linha do eléctrico por S. Bento até ao Chiado. Já não cirandava pela cidade desde os tempos de tropa, há uns vinte e tal anos. Aqui e ali, vi pessoas a dormir enroladas em cobertores e metidas

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em caixas de cartão. Um indivíduo de barba hirsuta veio pedir-me «uma ajuda». Apeteceu-me dizer-lhe «hoje não pode ser», mas acabei por lhe dar vinte e cinco cêntimos. Deambulei pela Baixa a ver as iluminações de Natal. Era minha intenção continuar a andar até que amanhecesse mas, ao contrário do que esperava, comecei a sentir-me cansado. Subi a Almirante Reis e toquei em três pensões. Uma estava cheia e as outras duas não me aceitaram sem identificação ou sem pagar adiantado. Pela primeira vez, não tinha onde dormir. Para piorar as coisas, começou a chuviscar. Estive um bocado debaixo do toldo duma montra de móveis. Depois, encostado às paredes, meti por uma transversal da Morais Soares e entrei na porta dum prédio que estava encostada. Fiquei parado na penumbra, atento a todos os ruídos. Do alto das escadas ouvia-se, de vez em quando, um ruído indefinido. Cheirava a mofo. Sentei-me nos degraus de madeira e aos poucos a fadiga invadiu-me. Estive ali muito tempo de pernas encolhidas, dobrado

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sobre os joelhos, com o rosto apoiado nas mãos abertas, enquanto o frio se espalhava por todo o corpo. Apesar de estar cheio de sono, só conseguia adormecer por curtos períodos, devido ao frio e à posição. Apetecia esticar-me. A meio da noite, reclinei-me de lado nos degraus, mas as arestas magoavam. Fui mudando amiúde de posição. Tiritava. Os pés estavam gelados. Ansiava pela manhã. De repente, meio estremunhado, ouvi ruídos de passos a descer as escadas. Em poucos segundos, estava confrontado com um cão grande a ladrar furiosamente e a fazer avanços para me morder. O que me valeu foi o dono e a trela com que o segurava. Envergonhado, saí. Tinha parado de chover. Subi a rua até ao alto da Penha de França. O casario acinzentado começava a ganhar cor. Do lado de Xabregas, o céu tingia-se de fortes tons de vermelho. Em breve, a enorme bola solar fez a sua entrada triunfal. Há quanto tempo não via um nascer de sol! Fiquei um bocado a saborear essa extraordinária visão e a sentir o corpo a delei-

tar-se com o pouco calor que o sol transmitia. Depois, comecei a encaminhar-me para o parque de carros rebocados de Sete Rios. Na Duque de Ávila, encontrei um café aberto. Perguntei quanto custava um galão. – Oitenta! – E se for setenta? – murmurei eu, de portamoedas aberto. O homem mirou-me e começou a preparar o galão. Deve ter reparado na barba por fazer, nos olhos remelados, na roupa amarrotada e empoeirada de roçar nas escadas. Fui à casa de banho, aliviei a bexiga, lavei os olhos e passei as mãos molhadas pelo cabelo. Daí a pouco, com o calor do galão a inundar-me o estômago, sentia-me pronto para outra. Salvo seja! Espero que nunca mais volte a não ter onde dormir. Nem imagino pelo que passa quem vive anos sem abrigo. Ao resgatar o carro, fiquei a saber que passei uma noite desagradável sem necessidade: afinal, o parque de rebocados só fecha à meia-noite.

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Contos

A Biblioteca de Livros Esquecidos

Henry Alfred Bugalho [email protected]

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perada do autor em narrar cada instante, cada detalhe da vida daquelas criaturas. Recoloquei-o em seu lugar e apanhei o livro adjacente. Também não o havia lido, mas teve sobre mim o mesmo efeito. Vislumbrei a trama, a vida dum homem predestinado, mas imerso num mundo que não o compreendia. Apanhei uma terceira obra. Foi então que compreendi onde realmente estava. Aquele era o acervo de todos os livros que já concebi; que tentei escrever; que me venceram; que comecei, mas não conclui; que rascunhei; para os quais elaborei projetos; para os quais imaginei personagens; que seriam obras revolucionárias da Literatura mundial e que, justamente por isto, estavam muito além da minha capacidade; porque eram idéias geniais, mas que no papel se revelaram pobres; que não me cativaram; para as quais eu ainda não estava preparado. Uma infinidade deles: milhares, centenas de milhares.

Num ato de fúria, arranquei-os de suas estantes, chutei-os, pisoteei-os, virei as mesas e as cadeiras do salão, gritei e me deliciei com os ecos da minha violência. Por fim, exaurido, deixei-me cair entre os livros abertos e páginas rasgadas e chorei, oprimido por minha inaptidão. A cada escolha que fiz, várias outras tive de abandonar. Para cada livro que consegui pôr um pontofinal, que me consumiu meses ou anos, outros vários deixaram de ser escritos. E remoí o temor de ter feito as escolhas erradas, de haver gastado minhas energias num projeto fracassado, de ter trilhado os caminhos que levaram a lugares nenhuns. Ateei fogo aos livros e incendiei o templo que os sepultava, porque o que não foi, jamais será. Antes de dormir, senteime e escrevi este desabafo, que, se não substitui os livros que deixei de escrever, pelo menos os justifica, que os mantêm vivos como o nada que são. http://www.flickr.com/photos/hidden_treasure/2474163220/sizes/l/

Cruzei o umbral e soltei um espirro. O cheiro de mofo estava por todo lado, a poeira recobria cada centímetro, cada mesa, cada prateleira. Há quantos anos? Há quantas décadas ninguém entrava ali? O salão de leitura era ovalado, circunscrito pelas prateleiras e por seus incontáveis exemplares. Um feixe de luz atravessava a clarabóia, banhando apenas um segmento do salão. E foi para esta ala iluminada que me dirigi. Corri os dedos por sobre as lombadas de couro dos livros e, aleatoriamente, retirei um deles da prateleira. Detive-me com ele em mãos, tomado por um receio sem propósito. Acariciei-o, cuidei seu formato e espessura. Abri o volume e li o título. E mesmo que eu nunca o houvesse lido, todo seu enredo e estrutura surgiram em minha mente. A vintena de personagens que vivia em suas quinhentas e tantas páginas, a tentativa deses-

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Contos

Sentir

Guilherme Rodrigues

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O lugar onde

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– Bom dia, dorminhoco! Vim buscá-lo para irmos ao parque. Está um lindo dia e não podemos perder.

– Você está animada hoje. Que beleza de café da manhã. – Eu também não tomei café e achei que deveria preparar – disse sorrindo. Tomamos o café e saímos. – Você tem ótimos livros. Fiquei fascinada.

– Que surpresa – disse ainda sonolento –, não esperava por isso. Por favor, entre e fique à vontade. Vou tomar banho, me despertar para irmos – parecia que falava automaticamente embriagado de sono.

– A arte me dá uma outra forma de ver o mundo. Uma percepção mais aguçada. Apalpar com mais suavidade e destreza isso me completa e me faz crescer. E a cultura brasileira é fantástica!

Fiquei na sala. Era a primeira vez que vinha na casa dele. Um ambiente peculiar e muito interessante: poucos móveis, uma pequena e antiga televisão que nem devia funcionar, e no canto uma estante, não muito grande, com bastantes livros. Tinha os grandes filósofos alemães Nietzsche, Schoppenhauer, Marx. Uma porção de escritores brasileiros: José de Alencar, Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Monteiro Lobato, Cecília Meireles e muitos outros. Uns CDs de música erudita e clássicos da MPB espalhados pelo chão em um canto.

Puxa, nunca tinha visto ninguém sintetizar tão bem o que é a arte e reconhecer com tanta vivacidade o que é nosso. A cultura brasileira é fantástica!

Fui para a cozinha e tive vontade de fazer um café e pãezinhos com manteiga

a boa Literatura é fabricada

na sanduicheira. Terminado tudo, apareceu ele.

Caminhamos em silêncio pelo parque. Andamos pelo gramado. Inalamos o aroma fresquinho da natureza. Demo-nos as mãos e sentíamos um no outro. Um só ser. Nos Beijamos. Este texto teve início na SAMIZDAT de outubro de 2008 com o primeiro capítulo intitulado “Reencontro” e não tem fim previsto. Aguardem na próxima edição!

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Era sábado de manhã e resolvi fazer uma surpresa a Fernando e fui até o apartamento dele. Depois de uns dez minutos de ter chegado, ele me atendeu com cara amassada de sono e cabelo mais revolto do que antes.

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Contos

da Capa

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A Filha Zulmar Lopes

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— Gerusa, você viu esta pouca vergonha?

— E quem pagou por isto?

— Benza Deus! Olha como nossa filhinha ficou bonita na revista!

— O padrinho dela. Um senhor que ajuda ela na carreira. Ele é o empresário.

— Bonita? Ela está peladona da Silva! Meu Deus, que vergonha! A gente cria uma filha com tanto carinho para ela acabar assim, como veio ao mundo em uma revista de tarados? Eu virei motivo de chacota lá no ponto de táxi, todos os colegas me apontaram. Apontavam para esta revista, para mim e diziam: “Olhem como a filha do Adalberto é gostosa”. Tinham a safadeza no timbre da voz. — Deixa de besteira, homem. Nossa filha agora é famosa. — Eu imagino a fama dela. Sabia que quando ela veio com esta história de que iria morar fora pra ter “o seu espaço” era nisso que ia acabar. — Acabar em quê? — Nossa filha é uma perdida Gerusa! Será que você não percebeu? — Ninguém se perde mais homem. Ela se achou, isto sim, achou uma carreira. — Nossa Senhora! Ela quando saiu daqui de casa não tinha estes peitões! — Silicone, Adalberto.

— Nunca mais boto minha cara na rua... — Relaxe, Adalberto. São só umas fotinhas. Hoje os tempos são outros. — Sou do tempo em que uma costa nua já provocava um escândalo. Não isto aqui. A gente quase consegue ver o interior da... eu vou sair Gerusa! Vou comprar todas as revista da cidade! Não quero meu nome emporcalhado por uma safadeza destas! — Vai comprar todas as revistas do Rio de Janeiro? — E esta tatuagem indecente no traseiro? “Made In Brazil”. Quem iria tatuar um “Made in Brazil” nas ancas se não estivesse à venda? — Você é muito careta, Adalberto. Estou tão orgulhosa da nossa filhinha... — Jesus! E este “R” aqui na perseguida? — Foi ideia minha. — Sua? Quer dizer que você sabia? Traído dentro de minha própria casa...

— E desde quando você entende marketing, mulher? — Desde que vejo programa de fofocas na TV. Ela precisava depilar a... a perseguida para as fotos. Então eu sugeri que ela fizesse um “R” lá para, se perguntassem, ela dissesse que era uma homenagem ao namorado. — E quem é este otário que está namorando esta aprendiz de Messalina? — Bonito este nome, Adalberto. Nossa filha podia usar como nome artístico. Não tem namorado, seu bocó. Fica o mistério de quem seria o “R”. Tem muito jogador de futebol que começa com a letra “R”. — Não quero ouvir mais nada... Aliás, não quero também ver mais nada! Joga esta revista pecaminosa no lixo, Gerusa! — Isto nunca. Vou guardar de recordação. Minha filha agora é uma artista! Já vejo os próximos passos. Ela vai para o Bigue Bródi e depois, capa da Prei bói! Adalberto... Adalberto, você tá bem? Meu Deus, você tá ficando roxo! Vou ligar para o seu cardiologista! Adalberto! Fala comigo, Adalberto!

— Deixa eu te explicar, homem. Foi uma jogada de marketing.

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Pedro Faria

O Grande Salão

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Contos

Parte 1 – Na Trilha da Marmota Vitor acordou com a cabeça doendo. Sua primeira sensação foi a de fome, uma fome que nunca sentira antes. Rolou um pouco até acordar de verdade, e ao fazer isso, ouviu barulhos estranhos. Sentando-se ereto, olhou ao redor e viu que os barulhos tinham sido feitos por folhas sendo amassadas por seu corpo. Vitor ficou sem palavras ao notar que estava no meio de um bosque, tão denso que não dava para ver o céu. Estava pronto para gritar, quando viu um animal, uns dois metros à sua frente, lhe observando calmamente. Vitor, apesar de ser novo, sabia que aquilo era um furão. Esse olhava para Vitor com o que parecia ser o maior dos interesses. - Bom dia –, disse Vitor, mas depois se arrependeu. Sua garganta estava seca, e falar a fizera doer. Além disso, sua dor de cabeça havia piorado. - Mas que “bom dia” coisa nenhuma! -, exclamou o furão, com uma voz comicamente grave, que lembrou a Vitor a voz do Darth Vader, só que sem a máscara. Talvez fosse melhor dizer

que lembrava a voz de James Earl Jones, porém Vitor tinha apenas 12 anos, e isso ele não sabia. Assustado com a aparente irritação do Furão (e era assim que Vitor pensava nele agora, com um “F” maiúsculo), Vitor engatinhou timidamente até o animal.

- Ah sim. Você tem alguma comida aí? - Espere até chegarmos ao Grande Salão, lá terá muita comida para você. Isso era mentira. Por algum motivo, Vitor soube disso na hora, mas não se importou. Não sabia por quê.

- Atrasado para o quê? -, perguntou ele. - Ora bolas, para a sua festa, no Grande Salão. Ainda confuso, além de faminto, Vitor não protestou. Sua cabeça doía, sua garganta ardia e seu estômago implorava por comida. Ele simplesmente se levantou. “Vamos então”, disse ele. O Furão assentiu e apontou para um espaço entre duas árvores, marcado com uma pedra. - Vamos lá. Vitor seguiu o Furão pela trilha. - Que lugar é esse? -, perguntou Vitor, após alguns minutos de caminhada. - É a Trilha da Marmota -, respondeu a voz de Darth Vader sem a máscara. - Certo. E por que chamam de “Trilha da Marmota”? - Ora, por que um dia uma marmota passou por aqui. Que pergunta!

Continuou seguindo a Trilha da Marmota, atrás do Darth Furão. E com fome. Parte 2 – A Folha Que Fala Depois de algum tempo de caminhada (Vitor achou que foram horas, mas poderiam ter sido dias que ele não saberia, sem ver o céu), o Furão parou e correu para a lateral da Trilha. Vitor o viu pegar uma folha no meio de um aglomerado de outras folhas após algum tempo de procura. Vitor também o viu bradar uma exclamação de triunfo ao encontrar aquela folha em especial (que para Vitor parecia como todas as outras folhas do bosque), a qual ele olhava fixamente. - Furão -, chamou Vitor depois de alguns minutos. O Furão nada fez. - Furão! – Daquela vez tinha sido um grito.

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O Furão saiu de seu transe, aparentemente alarmado.

Vitor batia como ondas em seu estômago, sua voz rouca pela sede.

Parte 4 – O Urso. O ­riacho.

- Temos que ir, temos que ir – disse ele, a voz ligeiramente mais aguda.

O Furão parou, ofegando. - É um bom lugar. Sim, acho que essa é uma boa descrição. É um bom lugar, e quanto mais rápido você se apressar, mais cedo chegaremos lá. Além do mais, não estamos seguros.

O Urso surgiu à frente deles, rugindo um som que Vitor nunca havia escutado na vida. Ele deveria ter uns três metros e meio de altura, e era negro. Seus dentes pareciam lâminas. O Furão o encarou com uma expressão séria.

E continuaram pela Trilha.

- Você não deveria estar aqui.

“Não estamos seguros”. Aquilo havia ficado na mente de Vitor. Uma frase pequena, porém suficiente para dar-lhe forças para se apressar.

A isso, o Urso respondeu rugindo mais alto e mais próximo do Furão, fazendo os pêlos desse último se arrepiar.

- Ok. Mas era você quem estava nos fazendo perder tempo olhando para aquela folha. O Furão, que já tinha recomeçado a andar, parou. - Não era apenas uma folha, era uma Folha que Fala, e ela nos disse para nos apressarmos. Espantado, Vitor disse ao Furão que não ouvira nada. - Mas é claro que não ouviu, estava tentando não ouvir. Existem muitas Folhas que Falam pelos bosques, mas por algum motivo as pessoas não querem ouvi-las. Acho que é por que as pessoas em geral são burras. Vitor o olhou, sem entender muito. E com isso, continuaram. Parte 3 – Mais um pouco sobre o Grande Salão. O alerta do Furão. - Como é esse Grande Salão? Tinham andado mais uns vinte minutos depois de terem encontrado a Folha que Fala. A fome de

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Suando, Vitor perguntou ao Furão o que ele quis dizer com “não estamos seguros”. - Espero que não tenhamos que descobrir – respondeu o Furão, sem parar nem se virar para trás. - O que isso quer... -, começou Vitor, quando um barulho tão alto que parecia vir de todas as direções o fez parar. - Bem, mas que droga -, disse o Furão, fazendo um movimento cômico com as patas dianteiras. O barulho ecoou novamente e pela primeira vez desde que acordara, Vitor ficou verdadeiramente apavorado.

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- Vamos, garoto, vamos embora. E caminhou, passando ao lado do Urso, e parando às suas costas. Vitor estava congelado. Olhou para o Urso, e tremeu. - Eu... eu não posso. -, gaguejou ele. - Sim garoto, você pode. Venha até mim, devagar. E não encoste nele, por tudo que você considera sagrado, não encoste nele! Cansado, com medo e faminto, Vitor fechou os olhos e pôs-se a andar. Lágrimas caíam de seus olhos quando ele passou pelo Urso, e nos anos que se seguiram, brotaram do lugar onde elas caíram duas Árvores, que espa-

lhariam muitas Folhas que Falam por todo aquele bosque. - Isso, bom garoto. Siga minha voz. Ao passar pelo Urso, que agora rugia para o espaço vazio onde estava segundos atrás, Vitor abriu os olhos e correu para o Furão, que assentiu com a cabeça e começou a correr também. O Urso, como que se acordasse de um transe, soltou o maior de seus rugidos, se virou, e os seguiu. - Vamos garoto, corra! Vitor correu, como nunca havia corrido. Os passos do Urso ecoavam de trás deles, e seu rugido praticamente os cercava. Correndo de olhos fechados, Vitor quase trombou com o Furão, parado diante de um riacho. Sobre as águas, o céu era visível, e Vitor viu que era noite. Os sons do Urso se aproximaram. - Corra, e pule ali! -, disse o Furão, apontando para um arbusto, próximo à margem do riacho. - Mas, e você? - Vá, que eu te encontrarei. Vitor correu na direção do arbusto. Antes de pular, olhou para trás, e viu o Furão frente a fren-

te com o Urso. - Vamos lá então. E pulou no arbusto, para dentro da escuridão. Parte 5 – Do Lado de Fora A mulher chorando olhou para a gaveta aberta pelo médico. - Sim, é ele. – E explodiu num choro, menos decoroso do que estava chorando antes. O médico a encarou, e a seu marido, um homem sério, de terno preto, que tentava conter seus sentimentos. - Ele... sofreu? -, perguntou o homem. - Eu não sei dizer, senhor. Aquilo, claro, era mentira. O garoto tinha sido encontrado sob um arbusto. O resgate o havia encontrado depois de quatro dias perdido naquele bosque. Ele havia morrido de fome, e foi uma sorte que isso tenha acontecido próximo ao riacho, já que o bosque é muito denso, e existia a chance de nunca o encontrarem. Então sim, ele havia sofrido. Um psicólogo acompanhou o casal até uma sala ao lado do necrotério.

O médico deu uma última olhada para o pequeno Vitor, deitado em sua gaveta. - Pobre garoto -, disse ele, e fechou a gaveta. Epílogo – O Grande Salão Ele acordou no meio de uma escuridão total. Estava assustado - Não tenha medo -, disse o Furão, que agora não era mais o Furão. Chorando, ele pergunta o que tinha acontecido com o Urso. - Ele era mau, mas não vai mais nos incomodar -, respondeu o Ser iluminado, que era como um farol naquela escuridão. Ele assentiu. O Ser apontou para um ponto brilhante, mais brilhante que si mesmo, um pouco distante deles. - Preparado para a sua festa? Ele disse que sim. E naquele momento, não tinha mais fome. - Então vamos lá. E foram juntos, em direção a luz, para o Grande Salão. Rio de Janeiro Janeiro de 2008

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Contos

Fissuras íntimas Léo Borges

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Necessária e suficiente. Pensava no que Verônica havia significado enquanto admirava o mar, tão precioso para mim quanto o que ela fora. Ainda que da clarabóia quebrada do corredor do edifício eu só conseguisse enxergar uma pequena parte da praia, aquela visão criava vibrações gostosas, conforto que eu precisava e que me bastava. Percebia a água oscilando ao longe, desafiando a inércia do céu e a estagnação dos sentimentos. Mas aquilo me deixava intrigado: como o mar poderia ser tão alegre se tudo ao redor era quietude? Naquele período de convalescença física e emocional essa brecha marota era meu refúgio visual, segredo íntimo criado por alguém que, sem saber, provou gostar muito de mim. Como das janelas do meu apartamento só era possível visualizar o emaranhado de sacadas interpostas, salpicadas por condicionadores de ar, por ali eu podia contemplar algum azul e ainda ter acesso à brisa fresca que driblava os labirintos de concreto de Copacabana. Enquanto

as rachaduras não fossem sanadas – vidro, fêmur e coração – meus instantes de contemplação através daquele oráculo ainda teriam boa sobrevida. Era interessante como a paisagem praiana ganhava contornos distintos, variando conforme o estado de espírito de cada admirador. Mas sob qualquer desses ângulos sua fidelidade era integral. No sereno da noite eu, vez por outra, percebia vultos solitários perambulando pela areia fria, talvez tentando se livrar de lembranças tristes como a minha, feridas que eram suturadas pela parceria entre a lua e seu brilho prateado no mar. E aquele mesmo mar era também o confidente dos casais enamorados que desfilavam molhando seus pés enquanto juravam um amor eterno sabidamente impossível. Impossível? O sol matinal vinha me desmentir. Sua força majestosa me fazia crer que a felicidade não está na continuidade e sim nos ciclos, nas intermitências, como uma noite gélida que num truque honesto se trans-

forma num amanhecer dourado. Notei que aquela vista estava agora muito mais real, distante de um sonho apaixonado. Resolvi contrariar a sugestão médica de repouso e decidi que iria abastecer meu corpo com a energia litorânea. No elevador sóbrio encontrei no espelho um homem compreensivo com sua angústia, disposto a buscar novos portos onde alguma alegria pudesse estar ancorada. A praia é um caso raro de amor perfeito, sem engano, diferente dos nossos, que são meramente imprevisíveis. Nestes, a traição caminha próxima às declarações de amor infinito, as mesmas cujo inocente mar é cúmplice todas as noites. Verônica confirmou essa teoria. Num blefe ocasional de verão, furtivo como uma miragem na areia, acreditou que nada seria percebido e que tudo continuaria como sempre foi. Bem que Helena, amiga e vizinha do oitocentos e dois, alertara num argumento que, se não era de ciúme, margeava o interesse: “não entre nessa com tudo”. Uma pena que nos relacionamentos

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o nada e o tudo sejam tão semelhantes, como o sempre e o nunca e suas extremidades incoerentes. De fato, Verônica agiu com a incoerência que é pertinente a nós, seres racionais. Atitude avulsa que para ela foi necessária e para mim o bastante; premissa nefasta, mas não menos lógica que meu flerte com a praia e seus atributos singulares. Se essa incoerência era universal, o sofrimento resultante era só meu, legítimo! Passando pela portaria, cumprimentei o seu Belarmino, que comentou sobre o dia límpido. Por pouco não sugeriu um mergulho, sem levar em conta minha perna direita fartamente envolta por material imobilizador. - Acho que vou entrar na água mesmo. O mar pra mim é um apoio melhor que essa muleta – rimos enquanto eu fazia graça com o objeto. - Léo, sabe aquela clarabóia quebrada lá do seu andar? Pois é, vai ser consertada semana que vem. O novo síndico chegou querendo mostrar serviço, não é uma boa notícia?

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Balancei a cabeça positivamente com um semblante opaco. Coisa covarde e traiçoeira essa benfeitoria! Sem aquele buraco feito por algum mestre visionário eu estaria fadado a sentir apenas a claridade disforme do sol e os ruídos dos carros, tão afoitos quanto indiferentes. Será que os condôminos não entendiam que mofo e infiltração eram, na verdade, prejuízos menores que a clausura e a solidão? A vida é isso, mera inversão de valores, e eu reclamando que meu egoísmo estava sendo violado. Mas, nem a violência urbana inibia a opulência da Siqueira Campos, que pulsava sua vocação cosmopolita, típica de Princesinha do Mar, com um sem número de pessoas desfilando a elegância que o bairro exige. A perna tentou doer quando atravessei a Avenida Atlântica, mas a eloqüência do cenário já suprimia qualquer sensação lúgubre. Aliviado, pude vislumbrar de perto o mosaico multicor sobre a areia disputando a cena com o gigante anil que servia como pátio para os

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surfistas sangrarem suas ondas. Por certo um banho ali finalizaria todas as dores, entretanto o que me restava era invejar a ave caçadora flechando o horizonte. Aqueles seres tinham não só uma visão panorâmica do paraíso como sabiam usufruí-lo com grande sagacidade. Agilidade e beleza presentes também em Helena que, de súbito, surgiu fagueira por trás de um quiosque. Num diálogo frugal sua voz doce acabou contando uma novidade inesperada, a revelação do segredo que se tornaria nosso código de união. - E não é que o novo síndico disse que eu vou ter que ressarcir a clarabóia lá do nosso andar? Aquela que quebrei no maior descuido com meu guarda-sol... A confissão gerou risos incontidos e evidenciou desejos claros como a manhã naquela praia. Praia em que fui procurar acalanto, mas que foi onde encontrei recomeço.

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Contos

Crônicas Íntimas I:

Bolhas

Marcia Szajnbok

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O dia era cinzento e a menina estava emburrada. Chuvisco e vento frio eram sinônimos de não ir à praia. Os adultos, entretidos consigo mesmos, não davam atenção àquele amuo sentado junto à terraça, os olhinhos lacrimosos postos no mar, lá em baixo. A avó, sempre sutil em seus movimentos, chegou perto, de mansinho. Trazia na mão uma caneca com estranho conteúdo aquoso. Com duas páginas arrancadas de uma revista antiga, produziu em instantes dois canudos improvisados, um para si própria, o outro para a pequena. Passou o canudo pela caneca e assoprou, lançando no ar uma constelação de pequenas bolhas coloridas. A menina sorriu. A avó repetiu o gesto, a menina o fez também. Minutos depois, estavam as duas ali, rindo, suas almas voando, livres como as bolhas de sabão, que ganhavam o espaço indiferentes á garoa, ao frio e aos demais adultos

cinzentos.

A GUI

Henry Alfred Bugalho

Nova York

*** Muitos anos mais tarde...

para Mãos-de-VAca

Uma mulher está só, triste e cinza como o dia que atravessou décadas. A avó, em matéria, já não há. Mas vive - tão querida! - no coração de menina que, dentro do peito, a mulher carrega. Num desses momentos em que a vida parece que está prestes a se desfazer em pequenas partículas de nada, a memória lhe traz de presente a cena de infância. Sem medo do ridículo, pois quem está só não corre o risco dos julgamentos, providencia o aparelhinho de soprar água e sabão. Vista de longe, seria difícil dizerlhe a idade. A menina grande lança ao ar as bolhas coloridas em plena avenida da cidade pardacenta. A solidão resta, mas a tristeza atenua na mesma medida em que, brilhantes, as pequenas esferas se espalham, sem rumo nem limite.

O Guia do Viajante Inteligente www.maosdevaca.com

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Contos

O sacana

Giselle Natsu Sato

- Escrever sobre sexo é difícil. - Concordo. - O trivial fica parecendo receita de bolo. E se dou uma valorizada, dizem que está mirabolante. Surreal. - Tudo bem, pior é escutar que são ‘’pornô -chic’’. - E isto existe ou foi inventado? - Sei lá, ando cansado

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de martelar as teclas e não escrever nada diferente. - Que eu saiba: mão ali, boca aqui, língua, gemido, gozos desenfreados... É tudo igual, só mudam os adereços. - Não seja debochado. O pior são os nomes. Eu fico pensando; Algumas vezes, um nome mal colocado mata a credibilidade. - Esta é boa! Um nome de

quê? - Do órgão. Oras! Que mania de colocar apelidos.

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Confesso. Até esta frase, vinha conseguindo controlar o riso. A questão eram os nomes dos ditos cujos. Agenor é escritor das antigas e gosta de tudo sugerido. Meus amigos são engraçadíssimos, mas este é especial: Escreve contos eróticos, mas segue regras severas. Vale a pena escutar a explicação para suas composições: - Tem que colocar moral na coisa, senão deslancha para o pornô baixo-nível. Nada entre familiares, menores, estupros, violência e algumas taras nojentas. Meus contos primam pelo bom gosto. - Tudo bem. Mas criatura, e se a revista pede um conto ‘’sado’’ leve? - Não faço. Eu não estou aqui para incitar maluco. - Mas voltando para os nomes, o que está te aborrecendo? Ele ficou meio desconfiado. Achou que era sacanagem e amarrou a cara. Acertou em cheio! Sou um descarado nato. Nasci assim: Safado, sacana e

pinguço. Aquela conversa e o chope geladíssimo, estavam o fino!. Sem contar, que tínhamos acabado de participar de uma reunião chatíssima:

uma revista masculina. Pagou muito bem.

- Vamos fazer uma parceria. Temos estilos diferentes, precisamos encontrar uma forma de fazer o trabalho.

- É a bebida, rapaz. Acabamos de sair da editora. Querem um erótico perfumado, sem as suas baixarias e sem minhas firulas. No jeito, entendeu?

- Claro, o que sugere? - O que acha de: xana, xavasca, rachinha, gorduchinha... - Onde anda buscando estas inspirações? Nem a minha avó fala assim! - A nomenclatura correta soa pedante: ‘’ ele introduziu o pênis rijo na vagina úmida....” - Mais dois na pressão!!! Criatura, escreva “buceta”. Não é o que todo mundo diz por aí? - É vulgar, não assino conto com este termo. - Agenor, meu velho. O que escolher está bom. Abro mão das minhas bucetinhas. - E ainda tem o masculino. - Sinceramente: “aríete em riste”, monumento ereto, membro túrgido... - Vai começar a implicar? Era um conto para

- Então qual o motivo do drama? Aliás, porque esta discussão começou? Esqueci...

- Não sei, não. Vou beber mais cinco, depois resolvo. - Olha só, batizaram os ‘’chopinhos’’: tem mulata, morena, lourinha... Pegou a idéia? - Quer chamar as femininas de mulatinha, moreninha e por aí vai... Olhei para a cara do Agenor e fiquei imaginando: “O homem pelado e de meias pretas, a barriguinha de cerveja bem redondinha e a carinha de pidão. A mulher, uma puta daquelas! Estilo cais do porto. Agenor, todo tímido pedindo: “- Vai filha, abre a lourinha pro papai.’’... Não sei se ele intuiu ou teve algum surto inspirador. Quando consegui parar de rir, estava sozinho na mesa e o malandro nem rachou a conta. A única coisa que tenho certeza: Perdi o contrato!

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Contos

Temporada de caça Maristela Scheuer Deves

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Tudo começou certo dia quando, durante o momento cívico, o professor hasteava a bandeira e uma vespa picou-lhe a cabeça. Indignado com a audácia do inseto, o mestre declarou guerra a esses pequenos “bandidos”. – A partir de hoje, pago um cruzeiro a quem me trouxer 100 vespas, abelhas ou marimbondos mortos – declarou aos alunos, fazendo a alegria da garotada.

http://www.flickr.com/photos/chausinho/1490690947/sizes/o/

Querendo incluir na lista outros animais que considerava peçonhentos, o mestre decidiu que pelo mesmo valor compraria também 10 aranhas ou um rabo de cobra venenosa. Foi um alvoroço na escola da pequena comunidade rural de Rincão Vermelho! Daquele dia em diante, os meninos das redondezas começaram a passar todo o tempo livre à cata dos “produtos”. Se alguém destruía um ninho de vespas, lá estavam os pequenos, contando os 100 insetos para montar mais um pacotinho e levar ao professor, que pagava por eles e enterrava no quintal da escola. – Já ganhei 10 cruzeiros

– vangloriava-se Luizinho, contando as moedas comercializadas com a venda dos bichinhos. – E eu, 12 – completava Adão, que não podia ficar para trás. A concorrência era grande, e foi se tornando cada vez mais acirrada. Com o tempo, as crianças foram ficando mais espertas – e malandrinhas, também. Percebendo que o mestre não contava as vespas ou abelhas ao recebê-las, começaram a juntar apenas 80 ou 90 em cada pacote, pois assim rendia mais. As aranhas também eram muito procuradas, e os alunos desenvolveram até mesmo uma técnica especial para pega-las: colocavam uma bolinha de cera na ponta de um barbante e a desciam nos buracos do quintal, como isca. Deu até briga quando Adão descobriu que Carlinhos, outro colega da terceira série, havia “pescado” umas aranhas atrás de uma mata da propriedade do seu pai. – Se foi no terreno do meu pai, as aranhas são minhas – defendia Adão, mostrando os punhos. – Eu é que as peguei,

então elas são minhas – defendia-se Carlinhos. O professor teve de apartar a briga, e, como já tinha pagado pelos insetos e não iria pagar duas vezes, apenas aconselhou Carlinhos a não caçar mais nas terras da família do outro menino. Adão não gostou, mas conformou-se. A temporada de caça seguiu aberta por várias semanas. Numa segundafeira, Luizinho ia para a escola quando, no caminho, levou um susto: quase pisou numa cobra. Acabou vendo que não era venenosa – os meninos maiores é que a tinham matado e colocado no meio da estrada, para assustar as meninas. Aproveitando a “sorte” de ela já estar morta, Luizinho cortou o rabinho do réptil, vendendo-o ao mestre como se fosse animal peçonhento. Tendo visto o que o colega fizera, outros o delataram. Foi a gota d’água, e o professor decidiu encerrar sua guerra aos insetos e animais peçonhentos. Até porque, provavelmente, boa parte do seu salário devia estar sendo comprometida com a aquisição dos “troféus”...

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Autor Convidado

Menina de família Mariana Valle

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Meiga, inteligente, delicada. Boa amiga, filha zelosa, dedicada. Mas naquele dia, em plena festa, estava com o diabo no corpo. E conhecer Gustavo veio a calhar. Após trocarem meia dúzia de palavras, já se atracavam na varanda. Beijos na boca, no pescoço, nos seios... Sussurros no ouvido, mãos na cintura, nos quadris, por toda a parte. Juliana estava quase pegando fogo. Gustavo não acreditava: “Hoje vou me dar bem”.

Quase tiraram a roupa ali mesmo, na varanda, mas ao perceberem os olhos curiosos a observálos, resolveram procurar um lugar mais reservado. Foram parar na escada do prédio dele. Ali pertinho.

cobrar nada pelo serviço não, sua vadia? E levou um baita susto ao perceber a reação de Juliana, que respondeu, entre maliciosos sorrisos: - Hoje é de graça. Mas eu quero bis.

O sexo foi forte, animal. Ágil, instintivo. E o orgasmo de Gustavo não tardou a chegar. Uma vez já saciado, finalmente falou aquilo que estava com vontade de dizer desde que botara as mãos naquele corpo. Só não tinha dito por medo de afastar a menina antes de conseguir o que queria. - Prostituta! Não vai

Mariana Valle Escrevendo desde os 12 anos, essa carioca frequentou oficina literária e traduziu sua adolescência em poesia, mas, ao entrar no mercado de trabalho, abandonou a escrita. Foi apenas em 2007, aos 33 anos, quando largou o emprego como jornalista da TV Globo, que Mariana se reencontrou com a literatura e lançou o blog www. marianavalle.com, com seus poemas, contos, artigos e crônicas, como a irônica série “Sorria, você está na Barra”, que dá nome a seu primeiro livro, lançado em 2008.

http://www.flickr.com/photos/hidden_treasure/2474163220/sizes/l/

Juliana é a típica menina de família.

http://www.flickr.com/photos/jfa/22124067/sizes/l/

O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

ficina www.revistaamizdat.com

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Autor Convidado

Poemas

Renato Wegner de Souza

Por que dos versos?

Ah, não é ela!

Porque nos meus poemas

É ela! é ela! meu amor, minh’alma,

Se poetisa apenas

A Laura, a Beatriz que o céu revela...

Quem não é poesia.

É ela! é ela!. - murmurei tremendo,

Como o próprio poeta:

E o eco ao longe suspirou - é ela!

Bobo, burro e pateta.

(Álvares de Azevedo)

Me sorriu com doçura...

Hai-Kai do condicionamento

mas aqueles dentes Não eram dela!

Amar é bom, odiar é ruim Ter paz é bom, lutar é ruim

Seu cabelo ao vento...

Grana é bom, comunismo é ruim

porém aqueles fios Não eram dela! O rebolar das nádegas... que pena! elas também Não eram dela! Os seis durinhos e grandes... meudeus!! Não eram dela!

Renato Wegner de Souza nasceu em Curitiba-PR, morou em várias cidades do sul do Brasil e atualmente reside em Pelotas-RS. Para ele não existe nada além da poesia. Seus versos são carregados de otimismo mascarado e sua criação é um processo picaresco.

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Ah, mas quando olhei em seus olhos Pensei que poderia conquistar sua alma. Enganei-me! Porque a alma Não estava nela.

ficina No mês de novembro, foi lançado o A ­ udiobook com ­contos de membros da Oficina da E-TL. O CD foi produzido por Alian Moroz.

Conteúdo 1 - "Vovô Caneco", de Alian Moroz 2 - "O Menino Binário", de Carlos Barros 3 - "Coleção de Botões", de Giselle Sato 4 - "Noite Estrelada", de Guilherme Rodrigues 5 - "A Vingança de Bento Julião", de Henry ­Alfred B ­ ugalho 6 - "Os Ratos", de Joaquim Bispo 7 - "Esmeralda, Jade e Rubi", de José Espírito Santo 8 - "Fissuras Íntimas", de Leo Borges 9 - "A Palhinha", de Maria de Fátima Santos 10 - "A Última Revolta de Jesus Cristo", de ­Rogers Silva 11 - "Com Carinho, Isolda", de Volmar Camargo Junior

As faixas do audiobook podem ser baixadas ­gratuitamente no endereço abaixo: http://oficinaeditora.org/2008/11/29/audiobook-da-oficina/

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Tradução

Oscar Wilde tradução: Henry Alfred Bugalho

O Milionário Modelo 60 60

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Uma nota de admiração 1 A não ser que se seja rico, é inútil ser um sujeito encantador. Romance é privilégio do rico, não uma profissão do desempregado. O pobre deveria ser prático e prosaico. É melhor ter uma renda permanente do que ser fascinante. Todas estas são grandes verdades da vida moderna que Hughie Erskine nunca apercebeu. Pobre Hughie! Intelectualmente, devemos admitir, ele não era de muita importância. Ele nunca disse uma coisa brilhante, nem mesmo maliciosa, em sua vida. Mas, em compensação, ele era maravilhosamente bemapessoado, com cabelos castanhos aparados, perfil irreprochável e olhos acinzentados. Ele era popular entre os homens tanto quanto entre as mulheres, e tinha todas as qualidades com exceção daquela de ganhar dinheiro. Havia herdado de seu pai uma espada da cavalaria e a História da Guerra Peninsular em quinze volumes. Hughie dependurou a primeira sobre seu espelho, pôs a segunda numa prateleira entre o Guia do Ruff e a Magazine do Bailey, e vivia com os duzentos ao

ano que uma velha tia lhe dispunha. Ele havia tentado de tudo. Havia ido à Bolsa de Valores por seis meses; mas o que podia fazer uma borboleta entre touros e ursos? Ele havia sido um mercador de chá por um pouco mais de tempo, mas logo se cansou de pekoe e souchong. Então, ele tentou vender xerez seco. Isto não surtiu efeito; o xerez era um tanto seco demais. Por fim, ele se tornou nada, um jovem agradável, inútil, com um perfil perfeito e nenhuma profissão. Para piorar, ele estava apaixonado. A garota que ele amava era Laura Merton, a filha dum coronel da reserva que havia perdido a paciência e a digestão na Índia, e que nunca encontrou nenhum dos dois de novo. Laura adorava Hugh, e este estava pronto para beijar os cadarços dela. Eles eram o mais belo casal de Londres e não tinham um único centavo. O coronel gostava muito de Hughie, mas não podia sequer ouvir a palavra noivado. — Venha a mim, meu rapaz, quando você tiver suas dez mil libras, então, veremos — ele costumava dizer; e Hughie ficava muito chateado nestes dias e tinha de ir até Laura para consolo.

Uma manhã, ele estava em seu caminho ao Holland Park, onde os Mertons moravam, quando parou para ver um grande amigo, Alan Trevor, Trevor era um pintor. Na verdade, poucas pessoas fogem desta definição, hoje em dia. Mas ele também era um artista, e artistas são relativamente raros. Pessoalmente, ele era um estranho sujeito impetuoso, com rosto sardento e uma barba ruiva desgrenhada. Entretanto, quando pegava o pincel, ele era um mestre verdadeiro e seus quadros eram avidamente procurados. A princípio, devemos reconhecer, que ele havia se atraído inteiramente por conta do charme pessoal de Hughie. — As únicas pessoas que um pintor deve conhecer — ele costumava dizer — são pessoas que sejam estúpidas e belas, pessoas que são um prazer artístico para serem observadas e uma tranquilidade intelectual para se conversar. Homens que são dândis e mulheres que são dondocas dominam o mundo, pelo menos, deveriam. Contudo, depois que passou a conhecer melhor Hughie, ele gostou ainda mais dele pelo brilhante ânimo bon-vivant e sua descui-

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dada natureza generosa, e lhe concedeu entrée permanente a seu estúdio. 2 Quando Hughie entrou, encontrou Trevor dando os toques finais num maravilhoso retrato em tamanho real dum mendigo. O próprio mendigo estava de pé numa plataforma elevada num canto do ateliê. Ele era um velho homem enrugado, o rosto como um pergaminho envelhecido e com uma expressão de causar pena. Sobre seus ombros pendia um grosseiro casaco marrom, todo rasgado e em frangalhos; as espessas botas dele estavam remendadas e mal-costuradas, e ele se apoiava com uma das mãos num bastão rugoso, enquanto que, com a outra, ele segurava seu castigado chapéu para as esmolas. — Que modelo fantástico! — sussurrou Hughie, enquanto cumprimentava seu amigo. — Um modelo fantástico? — gritou Trevor, o mais alto que pôde — eu deveria pensar assim! Mendigos como ele não se encontram todos os dias. Un trouvaille, mort cher, um Velasquez vivo! Minha nossa! Que águaforte Rembrandt faria

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com ele!

fique quieto.

— Pobre coitado! — disse Hughie — que aparência miserável ele tem! Mas, acredito que, para vocês pintores, o rosto é a fortuna dele?

Depois de algum tempo, um servo entrou e disse a Trevor que o emoldurador queria falar com ele.

— Com certeza — respondeu Trevor — você não quer que o mendigo pareça estar feliz, quer? — Quanto um modelo ganha para posar? — perguntou Hughie, assim que ele se viu confortavelmente sentado num divã. — Um xelim por hora. — E quanto você ganha pela pintura, Alan? — Oh, por esta, ganho dois mil! — Libras? — Guinéus. Pintores, poetas e médicos sempre ganham guinéus. — Bem, penso que o modelo deveria ganhar um percentual — exclamou Hughie, rindo — eles trabalham tão duro quanto você. — Absurdo, absurdo! Pois, veja a dificuldade de aplicar a tinta e ficar o dia inteiro diante do cavalete. É muito fácil para você falar, Hughie, mas eu lhe asseguro que há momentos em que a arte quase alcança a dignidade do trabalho manual. Mas você não deve tagarelar; estou muito ocupado. Fume um cigarro e

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— Não fuja, Hughie — ele disse, enquanto saía — voltarei num instante. O velho mendigo aproveitou da ausência de Trevor para descansar um pouco num banco de madeira que estava atrás dele. Ele parecia tão desgastado e miserável que Hughie não conseguiu evitar de sentir pena dele, e procurou em seus bolsos para ver quanto dinheiro tinha. Tudo que conseguiu encontrar foi um soberano e alguns trocados. — Pobre coitado — ele pensou consigo — ele quer isto mais do que eu, mas isto representa ficar sem coche por duas semanas — e ele atravessou o ateliê e deslizou o soberano para a mão do mendigo. 3 O velho homem se exaltou e um fugidio sorriso se delineou em seus lábios enrugados. — Obrigado, senhor — ele disse — obrigado. Então Trevor chegou e Hughie se foi, um pouco ruborizado por causa

do que havia feito. Ele passou o dia com Laura, recebeu dela uma encantadora reprimenda por sua extravagância e teve de ir a pé para casa. Naquela noite, ele adentrou o Palette Club por volta das onze horas, e encontrou Trevor sentado sozinho no fumatório bebendo hock e soda. — Bem, Alan, você conseguiu acabar bem a pintura? — ele disse, enquanto acendia seu cigarro. — Concluída e emoldurada, meu rapaz! — respondeu Trevor — e, falando no assunto, você conseguiu uma vitória. Aquele velho modelo que você viu o está idolatrando. Tive de contar a ele tudo sobre você — quem você é, onde vive, qual é sua renda, quais são suas pretensões... — Caro, Alan — exclamou Hughie — provavelmente, quando chegar em casa, eu o encontrarei esperando por mim. Mas é claro que você está apenas brincando. Pobre velho miserável! Eu gostaria de poder fazer algo por ele. Acho terrível que qualquer um possa ser tão miserável. Eu tenho pilhas de roupas velhas em casa — você acha que ele gostaria de algumas delas? Pois as roupas dele

estavam em frangalhos. — Mas ele fica esplêndido neles — disse Trevor — Eu não o pintaria num fraque por nada neste mundo. O que você chama de trapos, eu chamo de romance. O que lhe parece pobreza, para mim é pitoresco. Contudo, eu direi a ele sobre sua oferta. — Alan — Hughie disse com seriedade — vocês, pintores, são bastante desalmados. — O coração dum artista está na cabeça dele — retrucou Trevor — e, além disto, nosso trabalho é mostrar o mundo como o vemos, não mudá-lo como o conhecemos. A chacun son metier. E agora me diga como está Laura. O velho modelo estava bastante interessado nela. — Você não quer dizer que falou dela para ele? — disse Hughie. — Claro que sim. Ele sabe tudo sobre o incansável coronel, a adorável Laura e sobre as dez mil libras. — Você contou ao mendigo todos meus assuntos privados? — exclamou Hughie, muito inflamado e nervoso. — Meu caro rapaz — disse Trevor, sorrindo — aquele velho mendigo,

como você o chama, é um dos homens mais ricos da Europa. Ele poderia comprar Londres inteira amanhã sem entrar no vermelho no banco. Ele tem uma casa em cada capital, janta num prato de ouro e pode impedir a Rússia de ir à guerra quando quiser. 4 — O que diabos que você quer dizer? — exclamou Hughie. — O que estou dizendo — disse Trevor — O velho que você viu hoje no ateliê era o Barão Hausberg. Ele é um grande amigo meu, compra todas minhas pinturas e coisas do tipo, e me deu uma comissão um mês atrás para retratá-lo como um mendigo. Que voulezvous? La fantaisie d’un millionaire! E devo dizer que ele ficou uma figura magnífica em seus trapos, ou talvez, devo dizer, em meus trapos; eles são um velho traje que comprei na Espanha. — Barão Hausberg! — exclamou Hughie — Deus do Céu! Eu dei a ele um soberano! — e ele, a figura da decepção, afundou numa poltrona. — Deu a ele um soberano! — gritou Trevor, e explodiu numa sonora gargalhada.

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— Meu caro rapaz, você nunca mais o verá novamente. Son affaire c’est l’argent des autres.’ — Acho que você deveria ter me contado, Alan — disse Hughie, entristecido — e me impedido de fazer este papel de tolo. — Bem, para começar, Hughie — disse Trevor — nunca passou pela minha cabeça que você sairia distribuindo esmolas deste modo descuidado. Eu posso entender se você beijasse um belo modelo, mas dar um soberano para um feio — por Deus, não! Aliás, o fato é que eu não estava recebendo ninguém em casa hoje; e quando você chegou, eu não sabia se Hausberg gostaria que o nome dele fosse mencionado. Você sabe, ele não estava paramentado de acordo. — Ele deve achar que sou um desajeitado — disse Hughie. — De modo algum. Ele estava com um ótimo humor depois que você partiu; ficou rindo sozinho e esfregando as velhas mãos enrugadas. Eu não conseguia descobrir o porquê de ele estar tão interessado em saber tudo sobre você; mas agora eu entendo. Ele investirá seu soberano para você, Hughie, e lhe pagará juros a cada seis

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meses, e terá uma baita história para contar depois do jantar. — Sou um coitado sem sorte — resmungou Hughie — a melhor coisa que posso fazer é ir para a cama; e, meu caro Alan, você não deve contar isto para ninguém. Não ousarei em dar as caras no Row. — Absurdo! Isto representa o mais alto crédito em seu espírito filantrópico, Hughie. E não fuja. Fume outro cigarro e você pode falar sobre Laura quanto quiser. Contudo, Hughie não ficaria, mas caminhou para casa, sentindo-se muito infeliz e deixando Alan Trevor em meio a uma crise de riso. 5 Na manhã seguinte, enquanto ele tomava café-da-manhã, o servo trouxe-lhe um cartão, no qual estava escrito: Monsieur Gustave Naudin, de la part de M. le Baron Hausberg. — Suponho que ele tenha vindo para receber minhas desculpas — disse Hughie para si; e ele disse ao servo para trazer o visitante para cima. Um velho cavalheiro com pincenê de ouro e cabelo grisalho entrou

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na sala e disse, com um ligeiro sotaque francês: — Tenho a honra de me endereçar ao Monsieur Erskine? Hughie aquiesceu. — Venho da parte do Barão Hausberg — ele prosseguiu — o Barão... — Eu imploro, senhor, que você leve a ele as minhas mais sinceras desculpas — gaguejou Hughie. — O Barão — disse o velho cavalheiro, com um sorriso — incumbiu-me de trazer-lhe esta carta — e estendeu um envelope selado. Por fora, estava escrito: “Um presente de casamento para Hugh Erskine e Laura Merton, de um velho mendigo” e dentro havia um cheque de dez mil libras. Quando eles se casaram, Alan Trevor foi o padrinho e o Barão fez um discurso no café-damanhã do casamento. — Modelos milionários — comentou Alan — são bastante raros; mas, por Deus, milionários modelos ainda mais raros! fonte: http://www.eastoftheweb.com/short-stories/ UBooks/ModMil.shtml

Tradução

O Discípulo Oscar Wilde tradução: Henry Alfred Bugalho

Quando Narciso morreu, o lago de seu prazer, de um cálice de águas doces, transformou-se num cálice de lágrimas salgadas, e as Oreades vieram se lamentando, através da floresta, para que pudessem cantar para o lago e confortá-lo. E quando elas viram que o lago havia se transformado dum cálice de águas doces para um cálice de águas salgadas, elas soltaram as verdes tranças, choraram para o lago e disseram: — Não nos surpreende que você pranteie Narciso desta maneira, de tão belo que ele era.

— Quem saberia melhor do que você? — responderam as Oreades. Por nós ele sempre passou ao largo, mas por você ele procurava, e se debruçava às suas margens e fitava-o, e, no espelho de suas águas, ele espelhava a própria beleza. E o lago respondeu: — Mas eu amava Narciso porque, enquanto ele se debruçava às minhas margens e fitava-me, no espelho dos olhos dele eu via minha própria beleza espelhada. fonte: http://www.oscarwildecollection.com/

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http://www.junginla.org/pubprograms/Narcissus.jpg

— Mas Narciso era belo? — perguntou o lago.

Aforismos Um cínico é um homem que sabe o preço de

Oscar Wilde tradução: Henry Alfred Bugalho

tudo e o valor de nada.

Um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa; mas muito é absolutamente fatal. O rosto de um homem é sua autobiografia. O rosto de uma mulher é sua obra de ficção.

Não existe tal coisa como um livro moral ou imoral. Livros são bem escritos, ou mal escritos.

Um verdadeiro

amigo o apunhala pela frente.

Você realmente pensa que é fraqueza entregar-se à tentação? Eu lhe digo que há terríveis tentações que requerem força,

força

e coragem para se entregar a elas.

Mulheres foram feitas para serem amadas, não compreendidas.

Uma ideia que não é perigosa não merece ser chamada de ideia.

Perguntas nunca são indiscretas, as respostas, às vezes, o são.

Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós miram as

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estrelas.

público é incrivelmente tolerante. Perdoa tudo, excetuando um gênio.

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Quando eu era

jovem, pensava que dinheiro era a coisa mais importante

na vida; agora que sou

velho, eu sei que é.

Sempre perdoe seus inimigos – nada os irrita mais do que isto.

Algo não é necessariamente verdadeiro porque um homem morre por ele.

Posso resistir qualquer a coisa, ­exceto à tentação.

Experiência é apenas o nome que damos aos nossos erros. As crianças começam amando seus pais; depois de um ­tempo, elas os julgam; raramente, quiçá nunca, elas os perdoam.

Sou tão inteligente que, às vezes, não entendo uma única palavra do que digo. O homem pode acreditar no impossível, mas um homem jamais acredita no improvável.

A vida imita a

arte muito mais do que a arte imita a vida.

Escolho meus amigos pela boa aparência, meus c ­ onhecidos pelo bom caráter e meus inimigos pelo intelecto. Um homem não pode ser cuidadoso demais na escolha de seus

inimigos.

O velho acredita em tudo, o adulto ­suspeita de tudo, o jovem sabe de tudo. Há apenas uma única coisa pior na vida do que falarem de você, e isto é não falarem de você.

fonte: http://www.brainyquote.com/quotes/authors/o/oscar_wilde.html

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Oscar Wilde (Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde) nasceu em Dublin em 16 de outubro de 1854, filho de Sir William Wilde e Jane Wilde. A mãe de Oscar, Lady Jane Francesca Wilde (18201896), foi uma poetisa e jornalista bem-sucedida. Ela escreveu versos patrióticos à Irlanda sob o pseudônimo “Speranza”. O pai de Oscar, Sir William Wilde (18151879), foi um importante cirurgião de ouvidos e olhos, um renomado filantropista e dotado escritor que escreveu livros sobre arqueologia e folclore. Oscar tinha um irmão mais velho, Willie, e uma irmã mais nova, Isola Francesca, que morreu precocemente aos 10 anos. Oscar Wilde estudou na Portora Royal School, Enniskillen, Condado de Fermanagh (1864-71), Trinity College, Dublin (187174) e Magdalen College, Oxford (1874-78). Em Oxford, ele se envolveu no movimento estético e se tornou um defensor de “a Arte pela Arte” (L’art pour l’art). Em Magdalen, ele ganhou, em 1878, o Prêmio Newdigate por seu poema Ravenna. Depois que se graduou, ele se mudou para Chelsea, em Londres (1879), para estabelecer uma carreira literária. Em 1881, ele publicou sua primeira coletânea de poesia – “Poemas”, que recebeu críticas contraditórias. Ele trabalhou como crítico de arte (1881), palestrou nos Estados Unidos e Canadá (1882), e viveu em Paris (1883). Ele também palestrou na Inglaterra e Irlanda (1883-1884). Desde meados de 1880, ele contribuiu regularmente para a Pall Mall Gazette e a Dramatic View. Em 29 de maio de 1884, Oscar se casou com Constance Lloyd (falecida em 1898), filha de Horace

Lloyd, rico conselheiro da rainha. Eles tiveram dois filhos, Cyril (1885) e Vyvyan (1886). Para sustentar sua família, Oscar aceitou o emprego de editor da revista Woman’s World, onde ele trabalhou de 1887 a 1889. Em 1888, ele publicou “O Príncipe Feliz e outras histórias”, contos de fadas escritos para seus dois filhos. Seu primeiro e único romance, “O Retrato de Dorian Gray”, foi publicado em 1891 e foi recebido negativamente. Isto se deveu muito ao tom homo-erótico do romance, que causou comoção entre os críticos vitorianos. Em 1891, Wilde se envolveu com Lord Alfred Douglas, apelidado “Bosie”, que se tornou tanto o amor de sua vida quanto a causa de sua decadência. O casamento de Wilde acabou em 1893.

escreveu “The Ballad of Reading Gaol”, relevando sua preocupação com as condições subumanas da prisão. Ele passou o resto da vida vagando pela Europa, ficando com amigos e vivendo em hotéis baratos. Ele morreu de meningite cerebral em 30 de novembro de 1900, sem um tostão, num hotel barato em Paris.

fonte: http://www.wilde-online. info/oscar-wilde-biography.htm

O maior talento de Wilde era para a dramaturgia, sua primeira peça, “O Leque de Lady Windermere”, estreou em fevereiro de 1892. Ele produziu uma série de comédias extremamente populares, incluindo “Uma Mulher sem Importância” (1893), “Um Marido Ideal” (1895), e “A Importância de ser severo” (1895). Estas peças foram muito aclamadas e estabeleceram Oscar como um dramaturgo. Em abril de 1895, Oscar processou o pai de Bosie por difamação quando o Marquês de Queensberry o acusou de homossexualidade. O caso de Oscar foi mal-sucedido e ele próprio acabou preso e condenado por comportamento indecente. Foi condenado a dois anos de trabalho forçado pelo crime de sodomia. Durante este tempo na prisão, ele escreveu De Profundis, um monólogo dramático e autobiográfico, que foi endereçado a Bosie. Ao ser libertado em 1897, ele

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Tradução

A Página dos Contos Julio Cortázar tradução: Henry Alfred Bugalho

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SAMIZDAT março de 2009

Havia começado a ler o romance uns dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou a abri-lo quando regressava de trem à quinta; deixava-se interessar lentamente pela trama, pelo esboço dos personagens. Esta tarde, depois de escrever uma carta a seu mandatário e discutir com o mordomo uma questão de arrendamento, voltou ao livro na tranquilidade do estúdio, de frente ao parque dos carvalhos. Confortável em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o havia perturbado como uma irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma vez ou outra o terciopelo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca o venceu quase em seguida. Gozava do prazer quase perverso de se desgarrar, linha a linha, do que o rodeava e sentir, ao mesmo tempo, que sua cabeça descansava comodamente no terciopelo de alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que para mais além das vidraças dançava o ar do entardecer sobre os carvalhos. Palavra a palavra, absorto pela sórdida

disputa entre os heróis, deixando-se ir até as imagens que se combinavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro no casebre do monte. Primeiro, entrava a mulher, receosa; agora, chegava o amante, a cara castigada pelo açoite de um galho. Admiravelmente, ela estalava o sangue com seus beijos, mas ele rechaçava as carícias, não havia vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se amornava contra seu peito e dentro latia a liberdade encolhida. Um ávido diálogo corria pelas páginas como um regato de serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde sempre. Até estas carícias que enredavam o corpo do amante como querendo retê-lo e dissuadi-lo, desenhando abominavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: Álibis, azares, possíveis erros. A partir desta hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasse impiedoso se interrompia apenas para que uma mão acariciasse uma face. Começava a anoitecer.

Sem se encararem mais, atados rigidamente à tarefa que os aguardava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia seguir pela trilha que ia ao norte. Desde a trilha oposta, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu também, parapeitando-se nas árvores e cercas, até distinguir na bruma malva do crepúsculo a alameda que conduzia à casa. Os cachorros não deviam ladrar, e não ladraram. O mordomo não estaria a esta hora, e não estava. Subiu os três degraus do alpendre e entrou. Através do sangue galopando em seus ouvidos lhe chegavam as palavras da mulher: Primeiro, uma sala azul, depois, um corredor, uma escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e então o punhal em mãos. A luz das vidraças, e alto respaldo duma poltrona de terciopelo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance. Extraído da obra “Final de Juego”. fonte: http://www4. loscuentos.net/cuentos/ other/1/2/4/

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SAMIZDAT março de 2009

Julio Cortázar (Bruxelas, 1914 - Paris, 1984) Escritor argentino. Nascido em Bruxelas, filho de pais argentinos, aos quatro anos, Julio Cortázar se mudou com eles para a Argentina, para morar na província andina de Mendoza. Depois de completar seus estudos primários, cursou magistério e letras e durante cinco anos foi professor rural. Posteriormente, foi para Buenos Aires e, em 1951, viajou a Paris com uma bolsa. Ao término dela, seu trabalho como tradutor da Unesco o permitiu permanecer definitivamente na capital francesa.

http://www.archipelagobooks.org/archimages/julio%5B1%5D.jpg

Nesta época, Julio Cortázar já havia publicado em Buenos Aires o livro de poemas “Presencia” com o pseudônimo de Julio Denis, o poema dramático “Los reyes” e a primeira de suas narrativas breves, “Bestiário”, nas quais admite a profunda influência de Jorge Luis Borges. A literatura de Cortázar parte do questionamento essencial, aproximando-se de reflexões existencialistas, em obras de marcado caráter experimental, que o tornam um dos maiores inovadores da língua e da narrativa em língua castelhana. Como em Borges, suas narrativas mergulham no fantástico, mesmo sem abandonar de todo a referência à realidade cotidiana, fato que faz com que suas obras sempre tenham uma dívida em aberto com o surrealismo. Para Cortázar, a realidade imediata significa uma via de acesso a outros registros do real, onde a plenitude da vida alcança

múltiplas formulações. É assim que sua narrativa constitui um questionamento permanente da razão e dos esquemas convencionais de pensamento. O instinto, o azar, o gozo dos sentidos, o humor e o jogo terminam por se identificar com a escrita, que é, por sua vez, a formulação do existir no mundo. As rupturas de ordem cronológica e especial tiram o leitor de seu ponto de vista convencional, propondo-lhe diferentes possibilidades de participação, de modo que o ato de leitura é convocado a completar o universo narrativo. Tais propostas alcançaram suas mais perfeitas expressões nos romances, especialmente em “Jogo da Amarelinha”, considerada uma das obras fundamentais da literatura em castelhano, e em seus contos, entre eles “Casa tomada” e “A baba do diabo”, ambos adaptados ao cinema, e “O perseguidor”, cujo protagonista evoca a figura do saxofonista negro Charlie Parker. Rapidamente, Julio Cortázar se converteu numa das principais figuras do chamado “boom” da literatura hispano-americana e desfrutou de reconhecimento internacional. À sua sensibilidade artística somou-se sua preocupação social: identificou-se com os povos marginalizados e esteve muito próximo dos movimentos de esquerda. Neste sentido, a viagem a Cuba, em 1962, significou uma experiência decisiva em sua vida. Graças a sua conscientização política e social, em 1970 se deslocou ao Chile para assistir à

cerimônia de posse como presidente de Salvador Allende e, mais tarde, foi a Nicarágua para apoiar o movimento sandinista. Como personagem público, interveio com firmeza em defesa dos direitos humanos e foi um dos promotores e membros mais ativos do Tribunal Russell. Como parte deste compromisso, escreveu inúmeros artigos e livros, entre eles “Dossiê Chile: O livro negro”, sobre os excessos do regime do general Pinochet, e “Nicarágua, tão violentamente doce”, testemunho da luta sandinista contra a ditadura de Somoza, no qual está o conto “Apocalipse em Solentiname” e o poema “Notícia aos viajantes”. Três anos antes de morrer, adotou a nacionalidade francesa, mas sem renunciar a argentina.

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Teoria Literária

Os livros mais vendidos:

esperança e hegemonia Henry Alfred Bugalho [email protected]

http://www.flickr.com/photos/dmason/5368716/sizes/l/

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SAMIZDAT março de 2009

O motivo era óbvio: na lista constavam obras como o “Corão”, um guia sobre flores tropicais, um manual sobre construção de robôs e vários outros livros que, nem de longe, estavam presentes entre os mais vendidos do New York Times (1). Era atrás desta indecorosa listagem do Google que eu estava quando acabei caindo, acidentalmente, numa outra listagem, da enciclopédia virtual Wikipédia, que apresentava os livros mais vendidos da História (2). Quer dizer, não era apenas o que os internautas mais buscavam, mas sim os livros que mais haviam vendido em todos os tempos do mercado editorial! Por dias me deparei, assombrado, diante desta catalogação de livros. Os dois primeiros colocados, muito à frente dos demais livros, eram óbvios. A Bíblia, segundo esta

fonte, é o livro mais vendido de todos, entre 2,5 e 6 bilhões de cópias. Não é algo que surpreenda, ao levarmos em conta que existem bilhões de cristãos ao redor do mundo e que, numa única residência, há a possibilidade de haver uma ou mais Bíblias. Eu mesmo já tive uma meia dúzia. Em segundo lugar está o “Livro Vermelho” de Mao Tse-Tung, numa faixa de 800 milhões a 6,5 bilhões de exemplares vendidos. Outra estatística que não surpreende — o que surpreende é a incerteza entre o maior e menor valor — se considerarmos que apenas na China vivem mais de um bilhão de pessoas e que este livro certamente é leitura obrigatória no país, além de que também se tornou uma das referências clássicas do comunismo, ao lado de Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Trotsky e Lênin, ou seja, um livro que deve ter passado pelas mãos de praticamente todo mundo que vive num país comunista ou se interessa pelo assunto.

talmente desconhecidos no Ocidente, como “A Tripla Representatividade” do chinês Jiang Zenin ou “O Sonho da Câmara Vermelha” de Cao Xueqin, entre outros bastante conhecidos como o “Corão”, “Senhor dos Anéis” de Tolkien, “Um Conto de duas Cidades” de Dickens, entre outras obras menos conhecidas, todos com vendas superiores a 100 milhões de exemplares. E se prosseguirmos um pouco mais, para os livros entre 50 milhões e 100 milhões de exemplares vendidos, então ela se torna ainda mais confusa, com textos de Paulo Coelho, Salinger, Saint-Exupéry, Haggard, Dan Brown, entre outros autores que muitos de nós, brasileiros, jamais Estima-se que a Bíblia tenha vendido até 6,5 bilhões de exemplares, pondo-a em primeiro lugar dos livros mais vendidos

No entanto, o restante da lista me intrigou, pois nela havia livros quase to-

1 bilhão de cópias (estimativa) 1 - Bíblia

Visão tradicional judaico-cristã: revelação ou inspiração de Deus a vários autores

2 - Citações do Presidente Mao (O Livro Vermelho)

Citações de Mao TseChinês e 1964 De 800 milhões a Tung. Coletadas pelo 50 línguas 6.5 bilhões Diário do ESP, do Exército www.revistaamizdat.com 75 de Salvação Popular, e assinado por Lin Biao

Hebraico, grego koiné, aramaico

70 a.C – 105 d.C

De 2.5 a 6 bilhões

http://www.flickr.com/photos/buehlerphoto/156438669/sizes/l/

Quando o Google liberou para a Feira de Frankfurt, em 2006, uma listagem com os livros mais procurados pelos internautas, a reação das editoras não poderia ser pior.

ouvimos falar. Encontrar um princípio unificador, algo que nos permita determinar um elo entre tais livros e compreender o segredo destes sucessos absolutos parece nos escapar, transcender qualquer explicação. Pois qual é a semelhança entre Paulo Coelho e o Livro dos Mórmons? Ou de Tolkien e “Escotismo para rapazes” de Baden-Powell? Ou entre Dickens e Mao Tse-Tung? Temos livros de ficção e não-ficção, obras religiosas e laicas, textos políticos e

para crianças. Então nosso primeiro esforço é tentarmos perceber o que elas têm em comum. Antes de tudo, existem dois grandes grupos: 1 – obras escritas originalmente em inglês (Dickens, Baden-Powell, Tolkien, Joseph Smith, Agatha Christie); 2 – obras escritas originalmente em chinês (Mao Tse-Tung, o dicionário Xinhua, Zemin, Xueqin). As duas únicas exceções entre os 15 primeiros livros mais vendidos são a Bíblia e o Corão.

Mao Tse-Tung. Graças a uma combinação de poder e conjuntura histórica, tornou-se o indivíduo com as maiores marcas de vendas de todos os tempos.

Entre 100 milhões e 1 bilhão de cópias (estimativa) 3 - Xinhua Zidian (Dicionário Xinhua)

Editor-chefe: Wei Jiangong chinês

1957

400 milhões

4 - Poemas do Presidente Mao

Mao Tse-Tung

chinês

1966

400 milhões

5 - Seleção de artigos de Mao Tse-Tung

Mao Tse-Tung

chinês

1966

252.5 milhões

6 - O Corão

Visão tradicional islâÁrabe mica: revelação de Alá clássico através do anjo Gabriel a Maomé

Visão tradicional islâmica: ~610 - ~632

200 milhões

7 - Um Conto de Duas Cidades

Charles Dickens

Inglês

1859

200 milhões

8 - Escotismo para Rapazes

Robert Baden-Powell

Inglês

1908

150 milhões

9 - O Senhor dos Anéis

J. R. R. Tolkien

Inglês

1954–1955

150 milhões

10 - Livro de Mórmon

Visão tradicional dos Santos-dos-Últimos-Dias: compilação pelo profeta Mórmon, relevada a Joseph Smith Jr.

Inglês

1830

130 milhões

11 - A Verdade que leva à vida eterna

Testemunhas de Jeová Inglês (Sociedade Torre de Vigia de Nova York)

1968

107 milhões

12 - Sobre a Tripla Representatividade

Jiang Zemin

Chinês

2001

100 milhões

13 - O Caso dos Dez Negrinhos

Agatha Christie

Inglês

1939

100 milhões

Inglês

1937

100 milhões

Chinês

Século XVIII 100 milhões

14 - O Hobbit

J. R. R. Tolkien 76 SAMIZDAT março de 2009 Cao Xueqin 15 - O Sonho da Câmara 76 Vermelha

Imediatamente, vislumbramos o fio condutor para desvendarmos o segredo dos mais vendidos. No entanto, somente ao observarmos a listagem do décimo-sexto livro em diante que obtemos a certeza. Entre as posições 16 e 26, encontramos 8 obras em inglês (de Haggard, Salinger, Napoleon Hill, Dan Brown, dicionário Merriam-Webster, Dr. Benjamin Spock, Lucy Maud Montgomery e Anna Sewell) e apenas 3 em outros idiomas (de Antoine de Saint-Exupéry, Paulo Coelho e Johana Spyri, ou seja, francês, português e alemão). A listagem prossegue e não é difícil constatar que o idioma predominante é o inglês. A primeira conclusão que obtemos é que existe uma relação entre idioma e vendas. O inglês, pelo

próprio papel que a Inglaterra desempenhou durante a Revolução Industrial e dada a importância política e cultural dos Estados Unidos, acabou por se tornar a língua mais influente do mundo. É a terceira língua mais falada no mundo, se nos ativermos aos falantes nativos, apenas atrás do chinês e do espanhol; mas se contabilizarmos todos os falantes de inglês ao redor do planeta, incluindo os que a têm como segunda língua ou como língua estrangeira, podemos facilmente atingir a marca de 1,5 bilhões de falantes, logo atrás do chinês, com 1,51 bilhões.

globalmente é determinada pela importância política, cultural e/ou econômica do país no qual é falada. A venda de livros depende da hegemonia linguística. Isto explica porque as obras de Dickens e Mao Tse-Tung possuem margens de vendas tão assombrosas. No primeiro caso, supomos que Dickens seja leitura obrigatória

Portanto, esboçamos uma primeira explicação: o número de exemplares vendidos está relacionado diretamente ao número de falantes de determinado idioma. E, mais do que isto, a relevância de um idioma

Entre 50 milhões e 100 milhões de cópias (estimativa) 16 - She

H. Rider Haggard

17 - Le Petit Prince (O Pequeno Príncipe)

Inglês

1887

83 milhões

Antoine de Saint-Exupéry Francês

1943

80 milhões

18 - O Apanhador no Campo de Centeio

J. D. Salinger

Inglês

1951

65 milhões

19 - O Alquimista

Paulo Coelho

Português

1988

65 milhões

20 - Pense e enriqueça

Napoleon Hill

Inglês

1937

60 milhões

21 - O Código Da Vinci

Dan Brown

Inglês

2003

57 milhões

22 - Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary

Merriam-Webster

Inglês

1898

55 milhões

23 - Heidis Lehr- und Wanderjahre (Heidi)

Johanna Spyri

Alemão

1880

50 milhões

24 - Meu Filho Meu Tesouro

Dr. Benjamin Spock

Inglês

1946

50 milhões

25 - Anne de Frontões Verdes

Lucy Maud Montgomery

Inglês

1908

50 milhões

26 - Beleza Negra, memórias de um cavalo

Anna Sewell

Inglês www.revistaamizdat.com 1877 50 milhões 77

em escolas e universidades ao redor do mundo, dos EUA à Nova Zelândia, onde quer que haja um falante de inglês, e mais do que isto, através de suas inúmeras traduções. No segundo caso, temos uma profunda influência estatal, uma imposição feita pelo governo da República Popular da China. O livro de Mao Tse-Tung é quase um livro doutrinário, com os preceitos revolucionários duma nova China. Todo chinês pós-revolução tem o dever de lê-lo. Imponha uma obrigatoriedade de quase 50 anos sobre uma população imensa e podemos conceber porque “O Livro Vermelho” vendeu tanto. No entanto, esta explicação não esclarece o porquê de a Bíblia, o Corão, o Livro dos Mórmons, “O Pequeno Príncipe”, “O Alquimista” ou “O Diário de Anne Frank” também pertencerem a esta lista. Como dissemos anteriormente, a presença da Bíblia não surpreende, tampouco do Corão, se pensarmos que o islamismo é a religião que mais tem atraído novos seguidores nos últimos tempos. Mas não existem tantos mórmons no mundo (estima-se em torno de 13 milhões) para justificar os 130 milhões de exemplares vendidos do “Livro

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dos Mórmons”. Por outro lado, as semelhanças entre “O Pequeno Príncipe” e “O Alquimista” são gritantes, e Paulo Coelho é o primeiro a admitir que a obra de Saint-Exupéry foi uma de suas principais inspirações. Mas todas estas obras também possuem uma mensagem comum, todas elas transmitem uma centelha de esperança a seus leitores. As obras religiosas possuem esta função, por sua própria natureza espiritual. As religiões surgiram, originalmente, para tentar explicar os mistérios da existência e, mais do que tudo, dar um sentido e aplacar o medo da morte. As religiões proporcionam a esperança de que esta vida não será em vão e que haverá uma recompensa na vida após a morte. As obras de Paulo Coelho e Saint-Exupéry também parecem se encaminhar nesta direção. O pequeno príncipe é um menino que cruza o Universo e vem para a terra em busca por respostas, o protagonista do “O Alquimista” é alguém que mergulha no deserto atrás de respostas para sua vida. Há um quê de religiosidade em ambas as obras, em forma de um contato com

SAMIZDAT março de 2009

uma essência escondida e da procura por um sentido para nossa existência. Encontramos, então, o segundo elemento subjacente a esta listagem: as pessoas procuram obras que lhes dão esperança, que lhes revelem que a vida possui algum sentido, que a morte e as dificuldades não prevalecerão no final. É óbvio que seríamos muito simplórios em acreditar que se enquadrar numa destas duas classificações — obras escritas em línguas hegemônicas, ou que insuflam esperança — seria instantaneamente uma fórmula de sucesso literário. Isto não é verdade, pois algo como uma fórmula para vender bem inexiste. Quase todas estas obras foram concebidas e publicadas num contexto que as permitiram ser acolhidas por seu público e possuem uma mensagem que transcende a própria época, mesmo que esta transcendência seja fundada em equívocos. Além disto, não podemos menosprezar o crucial papel da Indústria Cultural neste processo, que através duma intrincada engrenagem de publicidade, merchandising, distribuição e expansão para outras mídias conseguem tornar em sucesso absolu-

to livros como “O Código Da Vinci”, “O Nome da Rosa” ou “Harry Potter”.

“O Nome da Rosa”, do semiólogo Umberto Eco, tornou-se um dos grandes romances italianos contemporâneos e foi adaptado para o cinema.

Por detrás desta listagem de obras mais vendidas da História, encontramos toda uma trajetória de poder, dominação, religiosidade e busca por sentido. Muitas destas obras já fazem parte do inconsciente coletivo, outras são fenômenos absolutos de cultura de massa, mas todas elas atingiram um patamar de sucesso e acei-

tação que se auto-alimenta, num círculo virtuoso que faz as pessoas desejarem os mais vendidos pelo simples fato de serem mais vendidos. Fontes: (1) InfoOnline: http:// info.abril.com.br/aberto/ news/102006/05102006-8. shl (2) Wikipédia: http:// en.wikipedia.org/wiki/List_ of_best-selling_books

Entre 30 milhões e 50 milhões de cópias (estimativa) 27 - Il Nome della Rosa (O Nome da Rosa)

Umberto Eco

Italiano

1980

50 milhões

28- Relatório Hite sobre sexualidade feminina

Shere Hite

Inglês

1976

48 milhões

29 - A Teia de Charlotte

E.B. White: ilustrada por Garth Williams

Inglês

1952

45 milhões

30 - The Tale of Peter Rabbit

Beatrix Potter

Inglês

1902

45 milhões

31 - Harry Potter e as Relíquias da Morte

J. K. Rowling

Inglês

2007

44 milhões

32 - Fernão Capelo Gaivota

Richard Bach

Inglês

1970

40 milhões

33 - Uma Carta para Garcia

Elbert Hubbard

Inglês

1899

40 milhões

34 - Roget’s Thesaurus

Peter Mark Roget

Inglês

1852

40 milhões

35 - Better Homes and Gardens New Cook Book

Vários autores

Inglês

1930

38 milhões

36 - Pode Curar a sua Vida

Louise Hay

Inglês

1984

35 milhões

37 - Het Achterhuis (O Diário de Anne Frank)

Anne Frank

Holandês

1947

30 milhões

38 - Em seus passos o que Jesus faria?

Charles M. Sheldon

Inglês

1896

30 milhões

39 - Oxford Advanced Learner’s Dictionary

A.S. Hornby

Inglês

1948

30 milhões

40 - O Sol é para Todos

Harper Lee

Inglês

1960

30 milhões

41 - Vale de Bonecas

Jacqueline Susann

Inglês

1966

30 milhões

42 - E o Vento Levou…

Margaret Mitchell

Inglês

1936

30 milhões

1967

30 milhões

43 - Cien Años de Soledad Gabriel García Márquez (Cem Anos de Solidão) 44 - Uma Vida com Propósitos

Rick Warren

Inglês

2002 30 milhões www.revistaamizdat.com 79

Teoria Literária

Enchendo Linguística:

O conto e a crônica Volmar Camargo Junior [email protected]

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Penso que há uma questão que diferencia o conto da crônica: o compromisso. O conto compromete-se com a ficção - e aí entra a verossimilhança, que aciona os nossos “mecanismos mentais” para crer como possível o que é contado. Já a crônica está vinculada à verdade - e, para dar-lhe credibilidade, calca-se na veracidade do que é dito. No conto, o que há é a criação; na crônica, a opinião.

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No conto quem fala é o narrador; na crônica, é o próprio autor. Ainda que no conto a voz do narrador seja indistinta da do autor, ele não tem compromisso em expressar suas opiniões. Muitas vezes, especialmente em bons autores, é possível que o narrador consiga expressar-se contrariamente ao que pensa o autor. Especialmente se o autor não deseja ser panfletário. Na crônica não há a entidade literária que narra; e, ainda que uma crônica expresse uma opinião contrária ao que já se conhece do autor (por exemplo, uma crô-

nica de Luís Fernando Veríssimo defendendo o machismo através de seu personagem O analista de Bagé), ele está sendo irônico. Não que não haja contos irônicos, ou que se queira fazer uma crítica a um fenômeno real. A diferença, talvez, seja o foco: na crônica, o fenômeno é tomado como fato - e o cronista corre o risco de cair em descrédito se abordar um fato sendo ou parcial demais, ou pior, criando fatos que não existem. A vantagem do autor de um conto, nesse quesito, é que sua “matériaprima” pode ser um fato, enquanto fenômeno do real, quanto é livre para distorcer, recriar, negar e até criar uma nova realidade, ainda que incrível. Tanto o conto quanto a crônica são formas de o autor se expressar, de se revelar e dar cabo ao seu modo de ver o mundo. A diferença entre os dois gêneros é que um está mais próximo dessa visão, e o outro, empenha-se em falseá-la tanto quanto possível.

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Teoria Literária Três, oito e o que não se mede em números:

sobre o poetrix e o indriso Volmar Camargo Junior [email protected]

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Há uns meses, numa dessas situações de que a gente nunca lembra exatamente como, conheci o poetrix. Trata-se de uma fôrma poética muito simples, e, por isso mesmo, dificultosa: são apenas três versos admitindo um máximo de trinta sílabas poéticas. Parece pouco – e é – para construir uma metáfora, empregar um ritmo e estabelecer um padrão de rimas, e ainda, modalizar a língua de modo a fazê-la dizer mais do que diz. Precisa braço para domar um poetrix, e paciência para domar a própria vontade de dizer: nesses três versos cabe uma gota, uma gotícula do Universo. Ainda quando tentava enviesar-me pelas três colunas do poetrix, e duma forma que lembro ainda menos que no primeiro caso, tive contato com o indriso. É um filho, um derivado, um fruto do soneto. Como o soneto, são quatro estrofes: dois tercetos e, um mistério, duas estrofes de um único verso. Com essas

quatro estrofes, é possível criar algumas variantes como 3-1-3-1 ou 1-3-3-1. Mais livre quanto ao que se chama linguagem poética (ritmo, rima...) que o seu ascendente, o indriso evidencia algo que muito me agrada em poesia: a dualidade, o conflito ou ainda a aproximação intrínseca entre coisas opostas.

Mas e os versos solitários? Bem, essa é uma oportunidade mais que interessante de condensar as ideias, de explorar no poema, nesses dois tercetos, o que não foi dito, ou ainda, tornar o indefinido ainda mais difuso. Dizer, teoricamente, se são estrofes ou versos, não dimensiona a riqueza desse recurso.

Não que isso seja uma determinação acadêmica dos criadores das duas fôrmas (os poetas Goulart Gomes e Isidro Iturat, pais do poetrix e do indriso, respectivamente) mas assim que me enveredei a fazer poesia com alguma seriedade, se isso é possível, percebi no indriso uma forma de poetrix estendido. Diferente do duplix, que é um conceito criado pelos próprios poetrixtas (sim, o termo existe), que é um par de poemas escrito por um par de poetas, os dois tercetos do indriso funcionam muito bem como um poetrix diante do espelho; ou ainda, dois deles dialogando.

Contudo, a poesia não se expressa pela quantidade de versos. Se há algum tipo de qualidade num poema, e se isso é mensurável, certamente não é pela quantidade de versos, de sílabas, de rigor ou constância no metro. Nem se a fôrma em que o poeta tenta se expressar tem nome. Se há algo mensurável, porque visível, é o trabalho. Poesia é trabalho de criação. Antes de mais nada, Isidro Iturat e Goulart Gomes, mais que poetas, são trabalhadores. E é gratificante saber que há quem trabalhe para, pela e através da poesia, ainda agora.

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Crônica

O ano bissexto Joaquim Bispo

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O lugar onde De vez em quando, Fevereiro tem 29 dias, em vez dos habituais 28. É o resultado das repetidas tentativas que os Homens têm feito para adaptar o tamanho do ano à duração da translação da Terra, coisa nada fácil, porque esta dura 365,2422 dias. Muitos dos povos da Antiguidade – Mesopotâmicos, Egípcios, Persas –, usavam um ano de 360 dias ao qual, de uma forma ou outra, acrescentavam 5 dias. Os Babilónios, após os regulares 12x30 dias, entravam num tempo incerto de 5 dias, em que o mundo podia acabar. Era preciso o rei consumar um acto sexual ritual com a sacerdotisa principal, no alto da zigurate, a culminar uma cerimónia pública, para que o tempo se renovasse e um novo ano pudesse nascer. O calendário de Júlio César, que vigorou no Ocidente por séculos, estipulava um ano de 365 dias, excepto que, a cada 4 anos, se inseria um dia extra junto ao sexto dia das calendas de Março, isto é, 6 dias antes do dia 1 de Março. A cada 4 anos, havia, assim, a repetição de um sexto dia das calendas de Março (bissexto). De calendas derivou calendário. O rigor era razoável, mas, como se percebe, o ano médio de calendário (365,25 dias) era ligeira-

mente maior que o da duração real (365,2422 dias). Ao longo dos séculos, o desfasamento foi aumentando, tanto que, em 1582, quando, sob o Papa Gregório XIII, se adoptou o calendário actual – o gregoriano – houve que saltar 10 dias, para que o equinócio da Primavera coincidisse com o dia 21 de Março do calendário. O ajuste foi feito no Outono. As pessoas adormeceram no dia 4 de Outubro e acordaram no dia 15. Foram 10 dias que nunca existiram em Portugal, Espanha, Itália e Polónia. Os outros países foram, posteriormente, aderindo a este calendário. O que estipula o calendário gregoriano para o tamanho do ano?: – O ano tem 365 dias; – Se o ano for divisível por 4, e não for fim de século, acrescenta-se um dia ao mês de Fevereiro (ex. 1996 – ano bissexto); – Se o ano for fim de século (divisível por 100): se for divisível por 400 (ex. 2000), o ano é bissexto; caso contrário, mantém os 365 dias (ex. 1700, 1800, 1900, 2100). Assim, o tamanho médio do ano de calendário é igual a: [(300 x 365) + (96 x 366) + (3 x 365) + 366] / 400 = 365,2425. Mesmo com todo este «contorcionismo», ainda há que saltar um dia a cada 3000 (e tal) anos!

a boa Literatura é fabricada

ficina www.oficinaeditora.org 85

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Crônica

Livin’ in America

O futuro já chegou! Henry Alfred Bugalho

Sempre adorei cinema. Eu era do tipo que assistia de tudo e o tempo todo. Sabia os nomes dos atores, diretores e roteiristas, quem eram os indicados ao Oscar do ano e quem havia ganhado nas principais categorias nos anos anteriores. Já escrevi críticas de cinema (e fui muito xingado por causa delas). Gostava de cinema americano e estrangeiro,

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apesar de nunca entender esta divisão, já que americano é estrangeiro para nós brasileiros... Por isto, uma das primeiras coisas que fizemos assim que chegamos a Nova York foi procurar uma locadora de filmes, pois além de ser mais barato do que ir ao cinema, era uma maneira para ficar antenado no que estava acontecendo.

No entanto, esta primeira locadora acabou indo à falência, então mudamos para uma Blockbuster, que está espalhada por toda a cidade. Alugamos com eles por uns dois meses, mas todo mundo nos dizia: “Sai dessa! A Netflix é melhor!” Foi quando decidimos descobrir o que era este diabo de Netflix, e tivemos a primeira grande surpresa: esta locadora não possui lojas físicas, tudo é feito pela internet. Você entra no site deles (www.netflix.com, e não estamos sendo pagos pra fazer propaganda!), escolhe o filme que quer assistir dentre uma lista interminável, e você recebe o filme em casa, pelo correio. Quando você houver assistido ao filme, bastar pôr no correio de volta, que eles mandam o próximo da lista, ad infinitum. Ficamos tão empolgados que começamos a pôr um filme atrás do outro na fila. Hoje, deve haver uns 400 filmes em espera e, mesmo que eu reencarne umas 3 vezes, não conseguirei assistir a todos. E também já não sou mais o cinéfilo que era e me surpreendo muitas vezes ao ver um filme do qual não sei quem são os atores, ou quando chega a época do

Oscar e eu ainda não vi nenhum dos indicados nem sei do que tratam. Ou seja, na fila da Netflix vão se acumulando filmes essenciais, e simplesmente não haverá tempo hábil para assisti-los. Sou duma geração que conviveu com o advento dos primeiros videogames. Tive um Atari, um Nintendo, meus amigos tiveram um Master System e o Megadrive, depois da escola eu ia até uma locadora de jogos para jogar SuperNintendo (foi a época da febre do Street Fighter e a piazada se aglomerava diante da TV para ver o Dhalsim, o Guile, a Chun-Li, ou Blanka quebrando pau) e acompanhei o surgimento do Playstation. Depois, meio que entrei num limbo do que estava ocorrendo neste universo, até que, ano passado, minha esposa pediu para comprarmos um videogame para o aniversário dela. Fizemos uma pesquisa e optamos pelo X-Box 360. Os primeiros dias foram de euforia. Horas e mais horas jogando aqueles jogos incríveis! Compramos até a guitarrinha para o Guitar Hero III e um tapetinho de dança. Mas depois dum tempo, o videogame ficou encostado. Fazia alguns meses que nem o ligáva-

mos direito, quando, esta semana, ele foi ressuscitado. Então descobrimos a novidade: agora era possível assistir a filmes da Netflix através do videogame. Bastava que nós o ligássemos à internet que podíamos acessar parte do acervo desta locadora virtual, e o controle remoto era o joystick. Nesse momento, sentime quase como minha mãe, que não sabia como ligar o videocassete, ou que levou semanas para aprender a mandar um e-mail; passar o filme adiante ou pausar era um enigma. E assim como já não consigo mais acompanhar os filmes que passam no cinema, fiquei imaginando o dia em que não mais acompanharei as mudanças da tecnologia. Por enquanto, ainda consigo, capengando, lentamente, mas ainda me ponho a par das revoluções que a internet tem provocado. No entanto, sem dúvida, chegará um tempo em que eu terei de pedir a meus filhos (não os tenho, mas digo hipoteticamente) para me ensinarem algo que, para eles, é inacreditavelmente óbvio. O futuro já chegou e, aos poucos, nós vamos nos tornando parte do passado, obsoletos. Este é o ciclo da vida.

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Poesia

Laboratório Poético:

Soneto

Volmar Camargo Junior [email protected]

Origem ergui com tijolos vermelhos paredes duras e um telhado pintei-os inteiramente de branco com o resto da cal que me foi legado durante quarenta noites e dias choveu a chuva da poesia dessas que levam toda uma vida como essa mesma que levou a minha dissolveu as telhas e os tijolos quatro paredes, telhado, tudo tornou a ser um rubor embarrado viver ao léu agora é o que me resta contar com o dia que ela a mim dissolva acostumar-me à lama que me espera

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Marasmo galopa a superficie ainda ondeando de um ponto distante irrompe no branco da areia a espuma que na praia avança a trote o mar devora as dunas e aos poucos todo o continente e ainda mais pacientemente engole a neve das montanhas não existe mais praia nem rocha princípio nem fim, tudo inteiro um tudo mesmo interminável ocultos sob o infinito repousam em profundo marasmo um coração e um mundo vasto

Um bom andar Vi um passante com belo par De bons sapatos envernizados Passo macio, um bom andar Mal se notava que eram calçados Era o chão vago, subliminar Tal vão caminho pouco pisado Passo macio, um bom andar E esse passante despreocupado Já eu fiquei no meu lugar É-me bastante observar Aonde os passos têm levado Esse passante que é passado Quisera eu ter um belo par De bons sapatos envernizados

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Poesia

Brancura Caio Rudá de Oliveira

saltando do mar celeste, um navio que percorre suave um pirata que avista a torre em cima do monte, a proteger o jardim de flores da rainha distante no trono, mandante sem vontade, seu povo ao capricho do vento que esculpe com talento feições

ao crepúsculo, partiu o navio ao horizonte e com ele o pirata também a torre ruiu e lá se foi o império da rainha eram apenas nuvens.

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e canções

Poesia

Aguiar ConDor Dênis Moura

Uma Águia invadindo o céu de um Condor, Com dor não lhe querendo ver jamais, A guiar seu retorno à paz após a dor. Seu carinho entre nossas mãos que brincam, http://www.flickr.com/photos/wvs/2976729717/sizes/o/

Sua boca querendo errar meu rosto em minha boca, Olhos infindáveis de fraterno e não incestuoso amor. Condor a sonhar distante e forte corvo, Enlaça os braços na frágil e pura águia, Transferindo-lhe sua dor, desejos e mágoas. Depois a amizade e o coração transpirando, Os hormônios nossos corpos ricocheteando, Num beijo louco ao estrondar das águas. Mas nem aquela areia e brisa em nossa pele, Estrelas, lua e néons na praia de nossas poesias, Fez-me esquecer que eu só te quero amiga, E a distante amiga não consigo esquecer. Voa distante e perto, águia pequenina. Só entrega tua vida a quem vida te dá; Só ames o pássaro que te quer amar.

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O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

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ficina 92 92

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SA OS M IZ

SO BR E

A D S E R O T U A S O E SOBR

T A D Z I M SA

SOBRE OS AUT

ORES DA

Edição, diagramação e capa

SAMIZDAT SOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDAT Revisão Joaquim Bispo Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor amador, licenciado recente em História da Arte, experimenta agora o prazer da escrita, em Lisboa.

http://bonfireblaze.files.wordpress.com/2007/12/grafiti_wall.jpg

Henry Alfred Bugalho Formado em Filosofia pela UFP R, com ênfase em Estética. Especialista em Lite ratura e História. Autor de quatro romances e de duas coletâneas de contos. Editor da Revista SAM IZDAT e um dos fundadores da Oficina Editora. Autor do livro bestselling “Guia Nova York para Mã os-de-Vaca”. Mora, atualmente, em Nova York, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha. [email protected]

www.maosdevaca.com

ista

Coordenação de entrev

s erto Barro senhisCarlos Alb stinos, de e d r o n e d , , filho co formado Paulistano sta plásti i t mo r o a c , l e a r n p o em rofissi p a d i ta desde s v a u rasComeçou s deixou seu á j , escritor. o ã t n urais, , desde e ntros Cult e C e educador e s a l o agógiG’s, Esc icos e ped t s í t tro por ON r a s o ência trabalh forte influ m ê t através de e u q za riências te, organi cos – expe . Atualmen s o tuda t s i e r c , s s e a crianç a r a sobre seus p o ã ç a escreve ilustr da Arte e a i oficinas de r ó t s i H aduação em pós-grwww.revistaamizdat.com internet. 93 cações na i l b u p a r a p il.com ador@hotma carloseduc pot.com nome.blogs s e d / / : p t t h

Colaboração Volmar Camargo Junior é gaúcho. Formado em Letras pela Universidade de Cruz Alta, não leciona por sua própria vontade. Entrou na ECT em 2004, e desde então já morou em meia dúzia de “Pereirópolis” pelo Rio Grande. Atualmente vive com a esposa Natascha em Canela, na Serra Gaúcha. Dividem o apartamento com Marie, uma gata voluntariosa e cínica. [email protected] http://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj Marcia Szajnbok Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra e psi canalista. Apaixonada por literatura e líng uas estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de escrever de vez em quando. Paulistana convicta, vive desde sempre em São Paulo. [email protected]

Caio Rudá hoje mora Bahiano do interior, icologia na na capital. Estuda Ps da Bahia e esUniversidade Federal r o ser humapera um dia entende o acontece, vai no. Enquanto isso nã codificando escrevendo a vida, de cia. Não tem o enigma da existên io, reconhelivro publicado, prêm as décadas de cimento e sequer du olo, um potenvida. Mas como cons mãe. cial asseverado pela

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Dênis Moura é paulistano de pia, cearence de mar e poeta de amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberespaço, mais com bits de imaginação que com telescópios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social, com a democracia participativa eletrônica, onde o povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias sua primeira obra, um Romance de Ficção Científica, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É feito de bits, links e teia pra que desmaterialize, o clique, o blogue e o leia! SAMIZDAT março não de 2009

Giselle Sato Giselle Sato é autora de Meninas Malvadas, A pequena bailarina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine apenas como uma contadora de histórias carioca. Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente panorama da sociedade em que vivemos. [email protected]

Guilherme Rodrigues Estudante de Letras na Universidade do Sagrado Coração, em Bauru, onde sempre morou. Nutre grande paixão por Línguas, Literatura e Lingüística, áreas em que se dedica cada vez mais.

Léo Borges nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor público e amante da literatura. Formado em Comunicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas “Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.

Pedro Faria Estuda Matemática na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, músico amador e escritor quando dá na telha. Nascido e criado no Rio. [email protected] http://civilizadoselvagem.blogspot.com/

Maristela Scheuer Deves Gaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, começou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu a ler. Escreve, principalmente, contos nos gêneros mistério, suspense e terror, além de crônicas.

Zulmar Lopes Zulmar Lopes é carioca. Forma do em jornalismo pela Universidade Gama Filho, trabalha como assessor de imprensa. Alm a provinciana e coração suburbano, encontra-s e provisoriamente exilado na cosmopolita Copac abana, bairro fonte de inspiração de personage ns e situações que compõem seus contos. Esc reve para fugir www.revistaamizdat.com do marasmo.

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Também nesta edição, textos de

Caio Rudá

Léo Borges

Carlos Alberto Barros

Marcia Szajnbok

Dênis Moura

Maristela Scheuer Deves

Giselle Natsu Sato

Pedro Faria

Guilherme Rodrigues

Volmar Camargo Junior

Henry Alfred Bugalho

Zulmar Lopes

Joaquim Bispo

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