QUEM TEM CAPA ESCAPA? A primeira Capa do Pasquim foi com a efígie de Ibrahim Sued. Ibrahim, pra quem não conhece a história remota do Brasil, foi o grande precursor do Lula. Defendia, com grande ignorância, a ignorância, e o vale-tudo, em sua coluna no jornal O Globo. Eruditamente analfabeto, conseguia escrever uma coluna diária no jornal, na verdade escrita por jornalistas depois notáveis, como Elio Gaspari e Ricardo Boechat. Ibrahim só entrava com o analfabetismo. Que fazia o mais extraordinário sucesso. Chegou a ter 84% de aprovação. Com a capa do Ibrahim dávamos início à nossa campanha pela contraincultura. Capa, como o nome indica (não indica nada, eu que estou indicando), serve pra proteger, embelezar ou esconder. As capas do Pasquim serviam apenas pra sacanear. Nisso, em muitas ocasiões, tivemos a ajuda alegre de capados e encapados. Como aconteceu com a reportagem, já registrada nos anais da Academia e inserida no Google, de Leila Diniz. Corajosamente publicávamos exatamente o que ela dizia: um escândalo. E vem a capa do Pitanguy, garotão lindo, todo deformado por uma plástica, Ipanema já saudada como abundante, a capa autocentrada "Quem comprar um Paulo Francis leva um Ziraldo de bonificação", a de Elke Maravilha, linda, então, gritando "Homem é uma delícia", bocona aberta prenunciando o boquete, unissex já muito apreciado mas ainda não institucionalizado. E vinha a capa do Silvio Santos, "o camelô que deu certo", o elogio ao jogging – que só no Brasil se chama Cooper –, o Pasquim elogiando o cooperfeito, Rogéria abrindo o escracho do escracho, e a capa que teve o mais gigantesco sucesso de vendas na pauliceia nem tão desvairada: "Todo paulista é bicha!".
Não, as capas, como o pessoal do Pasquim, como o uísque do Pasquim, não tinham ideologia. Isto é, tínhamos uma extraordinária, rara, pretensiosa ideologia, a do "Não estamos nem aí!". Não era conosco. Não tínhamos nada a ver com a solução dos problemas da pobreza, com a nojenta utilização que os ricos fazem do dinheiro, com a mulher fazendo indignados ataques aos homens e se apropriando indevidamente de termos como "Não me enche o saco!", não dávamos a menor pelota às ameaças do polícia (tremíamos apenas, necessariamente, quando a polícia batia na porta, utilizando a porta dos fundos como saída de incêndio). Mas estávamos em todas, gozando no mais amplo sentido. Na verdade influenciávamos o Brasil inteiro, porque não vivíamos no Brasil, vivíamos no Rio de Janeiro, ou melhor, em Ipanema.
Ipanema, ô meu? O Pasquim nunca foi de Ipanema. Nasceu na Rua Clarice índio do Brasil, em Botafogo. No auge da repressão mudou para a Avenida Copacabana, que, como o nome indica, fica em Copacabana. Como o auge de uma repressão é apenas o prenúncio de um auge maior, fugimos para a Rua Tasso Fragoso, no Jardim Botânico, e depois, no mais auge ainda, compramos a casa na Ladeira do Sacopã, hoje Milícia do Sacopã. No registro de imóveis, a última casa de Copacabana. Na verdade estávamos fugindo mais do fisco, da burocracia, do que do aparelho repressor armado. E o bar, o glorioso Flag, que se tornou um ponto de encontro superquente, cheio de mulheres lindas (vamos manter o mito e a inveja), ficava nos fundos do Othon. Copacabana. Tá bem, nenhum endereço era em Ipanema. Mas e aquela fogosa equipe? E a alegre rapaziada? Bem, Ziraldo, Tarso, Jaguar, Henfil, Sérgio Augusto, ninguém morava em Ipanema. E Sérgio Cabral, suburbano orgânico, morava do outro lado do canal da Visconde, Leblon. Privilegiado pela vista de Ipanema. E toda a patota era branca de doer, tinha horror a praia. O único que se sacrificava pelo bom nome do jornal, gastando todas as suas rendas (que nunca passaram de 20 000 dólares mensais) morando na Praia de Ipanema, e se matando de jogar frescobol nas areias escaldantes, era o orador que vos fala. O Millôr