Quem sou eu, a esta hora da noite? Quem sou eu, a esta hora da noite, E há mais alguma coisa, A esta hora da noite? E os que dormem? Quem sou eu a esta hora da noite? Fumo um cigarro Dou-lhe uma passa E não olho o fumo a esta hora da noite Apenas sigo estas linhas Pela tinta azul da ponta desta caneta E penso que não penso Talvez só siga quem sou A esta hora da noite E poderia ter tido aventuras Contos acerca das montanhas E não poderia ser outra coisa Senão distracção Olho para mim? Como? Se não há nada para ver a esta hora da noite. Como me poderei conhecer? Como posso saber quem sou A esta hora da noite? Quem madrugou, A esta hora da noite? Agora não há nada para ver Talvez seguir o movimento desta mão Talvez não haja mais nada para pensar. Nem nada para agradar E porque haveria de agradar? Porque haveria de ouvir tantas vozes? Estar aqui e mais nada Sem outra coisa para fazer senão ser. Eis quem sou A ser neste lugar Palavra atrás de palavra. Linha atrás de linha.
E ponto? Qual ponto? Ponto final? Ponto de interrogação? Pontos mais pontos. Uns pontos atrás dos outros. A esta hora da noite não há nada para fazer Não há nada para ser A não ser estar aqui a pensar Que isto é para ti. E quem sou eu a esta hora da noite? De que maneira estar aqui? Quem me diz? Onde vou? Onde há para ir? E o que foi? O que há? O que vou ser, Quando fores grande? E o que há por aqui? Ou por ali E o que está por fazer? Que palavras existem? Daquelas que garantem Poesia, dos momentos. E porque não há essa palavras? Porque escrevo linhas sobre linhas? Para terem a forma de verso? Dantes, dantes, dantes. Tudo história. Tudo palavras de história, E o resto são arremedos. E o que são arremedos? Estas são as palavras que há As que querem sair, ou As que podem? Que fazer com esta hora da noite?
O que há a esta hora da noite Quem pode o quê a esta hora da noite? E como? Com quem? De que maneira? Vivo ao contrário de quem? Num tempo de marchas, em que tudo vai ao mesmo lado que já não existe. E os outros? Ah! Os outros!! Essa recursiva justificação! Ah os outros. Mesmo os que não há. Daqui em diante os mesmos outros Os que não há. Mesmo os que já não existem. A esta hora da noite Pergunto: quem sou eu? Quem está aqui nesta hora de silêncio Que palavras, Bem ditas? Todas elas o são. Marginais? Todas elas o são. E que há mais? A esta hora da noite Quem haverá acordado? A fazer estas mesmas linhas, A pensar com uma caneta na mão sem recurso à Ilusão? O que posso procurar em mim? Como poderei procurar no meu mais intimo ser? O que encontrarei? O que há para encontrar? E o que procuro? E o que há para procurar? E que farei com o que encontrar? Como poderei velejar? Isto que digo aqui poderia ser dito Noutro lado Em qualquer lado?
Em alguma outra parte? E o que haveria Em alguma outra parte? Que tratados de harmonia? E quê, de que se falaria? A esta hora tudo é vão Aquela não. A esta hora estou aqui E que mais há para fazer Senão estar aqui E haveria outro lugar senão este? De que palavras viveria. Porque haveria sempre palavras. Algumas. As que quer que fosse. E porque haverá sempre palavras? Se servem para dizer alguma coisa. O que quer que sirvam Para dizer isso das palavras. Ah, a alegria dos outros. Isso é que é importante. A alegria alheia. Parte de mim, esse alheamento. Parte de tanta outra coisa. Eis tanta coisa. Eis tantas palavras. Eis que tanto. E história, um pouco mais de século XIX. Quem sou eu a esta hora da noite? A minha favorita, a preferida hora da noite, Em que livros adormecidos despertam.