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Ouvir com os olhos: como promover a inclusão de alunos surdos em sala de aula1 Natally Nobre Guimarães2

Resumo: A Educação Inclusiva é uma demanda do reconhecimento dos direitos dos portadores de necessidades como cidadãos. O título deste artigo, Ouvir com os olhos, reflete a realidade de um desses grupos, o dos portadores de deficiência auditiva. O que é falado na prática pedagógica pode muito bem ser também explicado de forma visual ou tátil. Ler lábios ou se comunicar por LIBRAS ainda é um privilégio de poucos portadores dessa deficiência. A História do estabelecimento da Educação para surdos e portadores de outras deficiências é um panorama de descaso e exclusão que vem recentemente sendo combatido. A legislação sobre o direito dos portadores de necessidades especiais ao ensino regular e ao convívio em sociedade é clara. Há casos em que as escolas e seus profissionais ainda não estão preparados para recebê-los, mesmo sendo lei, e há casos em que essa inclusão já funciona de forma plena. São necessárias novas metodologias e práticas didáticas para realizar de fato a inclusão, e não é de surpreender que tais metodologias estejam aumentando também o rendimento dos demais. Ao comparar as experiências de duas escolas com alunos surdos em suas salas de aula, propõem-se soluções didáticas para realizar atividades e auxiliar no processo de ensinoaprendizagem desses alunos. Palavras-chave: Inclusão; Deficiência Auditiva; Multisensorialismo.

1

Artigo de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão, sob orientação da Profa. Beatriz Pazini Ferreira (Faculdade Eficaz de Maringá/PR). 2 Pós-graduação em Educação Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão (Faculdade Eficaz de Maringá/PR). Contato: [email protected].

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Introdução Este artigo foi produzido em meados de 2014 como TCC de Pós Graduação em Educação Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão. À época, a bibliografia sobre educação inclusiva no Brasil era bem menos volumosa. Novas pesquisas apontam outras questões e rumos sobre o assunto, que, apesar de o texto estar sendo posteriormente publicado, não convinha que fossem agregados, por conta da temporalidade da pesquisa feita. Educação Inclusiva não é um debate teórico do campo da Pedagogia; é luta social que já conquistou o seu espaço no aparato legal e agora começa a ser debatida e aplicada nas escolas brasileiras. Tomado como marco para discutir-se esse atual modelo de inclusão dos indivíduos no espaço escolar. Uma discussão da história da Educação no Brasil apresenta o quão excludente nosso sistema tem sido, e as mudanças que vêm sendo realizadas no transcorrer do desenvolvimento do país. Como norte dessa discussão tomou-se especificamente a análise da situação da educação para Surdos no Brasil. Lutas, Legislação e resistência marcam a realidade da Educação do grupo. As escolas não estão, em sua maioria, equipadas para receber os alunos; muito menos o corpo docente. A comparação entre as realidades de duas escolas distintas, uma onde simplesmente os surdos foram matriculados, e outra onde a estrutura física e pessoal foi preparada para 161 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

atendê-los, mostra as contradições do sistema educacional público em relação à Legislação Federal e ao respeito a este grupo. O modelo do questionário aplicado aos professores destes alunos é simples e direto, e mostra que eles próprios buscaram se aperfeiçoar para estar preparados para atender um público de alunos que é diverso por si só, não apenas pela inclusão dos portadores de necessidades especiais. Os professores não ficaram esperando que um dia aparecessem os alunos com necessidades especiais para pensar no que fazer com eles, já haviam buscado se capacitar para isso. Os problemas da inclusão vão além do preconceito que se tem com o diferente, para incluir também a preguiça de alguns profissionais. Uma aula dinâmica não atende apenas o aluno com necessidades especiais, ela afeta a todos os alunos, simplesmente por ser mais atrativa. Segue também alguns dos materiais utilizados por estes professores como apoio para essas aulas diferenciadas.

Educação inclusiva A Educação Inclusiva é um projeto governamental, buscado pela sociedade e amparado na Lei. São inúmeros os tipos de necessidades especiais das crianças e jovens: físicos, sociais, mentais, intelectuais. Incluir não significa apenas colocar junto, mas fazer com que o indivíduo se torne parte de um dado grupo social. São inúmeros os casos de sucessos e insucessos na inclusão de portadores de cada 162 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

especificidade humana. Para tratar desta questão de “inclusão” se tomará o exemplo dos estudantes surdos. Eles ouvem, digo, identificam o que se está querendo dizer com o som de outras formas. Ouvem com os olhos, com as mãos, com o nariz, com a língua; utilizam os demais sentidos para tentar suprir a falta da audição. Trabalhar em sala de aula com alunos com deficiência auditiva para alguns é uma tarefa hercúlea e onerosa, que não deveria ser passada para os professores do Ensino Regular. Há ainda os que defendem sua permanência nas escolas especiais, esquecendo que isto os isola da sociedade. A inclusão, em tese, não deveria ser um programa para “largar” crianças portadoras de necessidades especiais no espaço das escolas regulares e economizar recursos. A escola tradicional não tem espaço para diferenças, sejam elas físicas ou intelectuais. Sua matriz curricular é engessada, pautada em

conteúdos mínimos de aprendizagem, em ensino sequencial, em ordenação e hierarquização dos objetivos educacionais, fragmentação disciplinar e outras mazelas da velha escola. A repetência, pela deficiência, por problemas comportamentais e por outras razões provenientes de quadros educacionais excludentes passam a ser possíveis, aceitáveis e até justificadas (MEC, 2009, 12).

A contraproposta a essa realidade é a da escola inclusiva, a escola das diferenças: 163 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

A diferença, na visão educacional inclusiva, é originária do múltiplo e não redutível ao idêntico, para que não se caia nas armadilhas em que se envolvem as escolas conservadoras. Estas se utilizam das diferenças para justificar a impossibilidade de alguns alunos nelas permanecerem, por não se enquadrarem em um padrão normal e arbitrariamente definido. A diferença precisa ser entendida como enriquecimento, possibilidade, processo de construção, que é próprio dos seres humanos (MEC, 2009, 11).

Em uma época em que se discute sobre alteridades e vive-se a era das campanhas publicitárias da diversidade, a educação inclusiva deixa de aparecer como apenas uma exigência governamental para atender uma minoria que “não faz diferença” para se configurar como uma estratégia de respeitar as diferenças individuais e coletivas na formação do cidadão. Mas a educação inclusiva ainda se encontra em construção e, no que tange aos portadores de deficiência auditiva, ainda esbarra em questões burocráticas. O Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, estabelece que alunos com deficiência auditiva tenham o direito a uma educação bilíngue nas classes regulares. Isso significa que eles precisam aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e a Língua Portuguesa em sua modalidade escrita como segunda língua. Por isso, a 164 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

Língua Brasileira de Sinais deve ser adquirida pelas crianças surdas o mais cedo possível - o que, em geral, acontece na escola - preferencialmente na interlocução com outros surdos ou com usuários de Libras. Entre 2006 e 2009, o Ministério da Educação (MEC) certificou pouco mais de 5 mil intérpretes pelo Prolibras - o Programa Nacional para Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais - e, embora mais de 7,6 mil cursos superiores de Pedagogia, Fonoaudiologia e Letras ofereçam a disciplina de Libras, ter o número de intérpretes necessário para atender a demanda das escolas ainda é uma realidade distante (NADAL, 2014).

O direito à educação no ensino regular é garantido por lei; tendo em vista isto, ao comparar experiências de duas escolas públicas e a bibliografia sobre a inclusão de surdos nas escolas regulares, pretende-se mostrar como é possível atendê-los sem prejudicar os demais, apresentando sugestões de atividades e de apresentação dos conteúdos de forma diferenciada. A experiência apresentada sobre as experiências de professores da rede pública com alunos de inclusão portadores de deficiência auditiva, tem-se por um lado o relato de despreparo profissional para atendê-los, repassando aos demais alunos a tarefa de tentar ajudar o “surdinho”, e por outro o de profissionais que adaptaram a metodologia utilizada nas turmas com alunos surdos, de forma a trabalhar com todos os alunos os conteúdos de uma forma mais visual e prática; aumentando o interesse de todos, não apenas dos 165 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

alunos portadores de deficiência auditiva, pelo conteúdo, por este ser passado de uma forma mais dinâmica e lúdica. Ao longo da História da educação no Brasil muitas mudanças foram vistas no trato com os “deficientes”. Em artigo sobre a Educação Inclusiva no Brasil, Vieira apresenta um breve retrospecto do descaso e exclusão que marcaram os séculos XVII e XVIII, pela rejeição dos considerados deficientes pelas famílias, escolas e sociedade, sendo depositados em instituições como orfanatos e manicômios. A partir do século XIX, os indivíduos portadores de deficiência passam a ser educados em casa, longe dos olhos e do preconceito do restante da sociedade. O século XX, marcado por intensa agitação social, contempla também as lutas pelos direitos dos portadores de deficiências (VIEIRA, 2013). Lutas estas que culminam na Declaração de Salamanca, em 1994: as escolas se devem ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluirse crianças com deficiência ou sobredotados, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. (UNESCO, 1994).

A educação é um direito de todos, e é obrigação das instituições adequar-se para receber todos os tipos de educandos, suprir 166 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

suas necessidades de aprender e na formação do caráter enquanto cidadãos; conscientes do seu espaço, limitações, direitos e deveres (LDB 9394/96). Tendo em vista estes dados, é fácil imaginar as dificuldades que os professores das escolas regulares enfrentam em sala de aula com seus alunos. O MEC disponibiliza materiais de apoio e recursos didáticos para as escolas, que podem ajudar os professores nãointérpretes a flexibilizar as atividades para melhor atender aos alunos com deficiência auditiva (NADAL, 2014).

Ouvir com os olhos: como promover a inclusão de alunos surdos em sala de aula Os indivíduos com deficiência auditiva, seja ela parcial ou integral, historicamente foram construindo suas próprias estratégias de inserção e comunicação, entre elas a leitura labial e as línguas de sinais, no Brasil a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). A capacidade de adaptação é natural a todos os seres humanos: óculos escuros para a sensibilidade daqueles que nasceram com olhos claros, protetor solar para os com pigmentação muito clara e assim por diante. Não ouvir demanda a adaptação da pessoa ao meio, e da comunidade à sua volta a esta realidade. Os espaços de socialização tendem também a adaptar-se às necessidades individuais, como rampas de acesso para cadeirantes e calçadas com marcações em alto-relevo 167 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

para orientar o percurso dos portadores de limitações visuais, respeitando o seu direito de ir e vir. Hoje em dia ninguém critica o uso de lentes transition ou de protetor solar, e há um grande mercado produtor e consumidor destes artigos. Neste caso, o produto em discussão é a linguagem a ser utilizada para a comunicação não sonora. durante toda a história da moderna educação do surdo, a partir de Ponce de Leon, no século XVI, a disputa do oralismo e do gestualismo esteve presente. Isto é, muitos dos educadores de surdos foram ferrenhos defensores do sinal e conseguiram impô-lo de forma generalizada, quer seja no Instituto de Paris, durante a maior parte do século XIX, quer seja entre os americanos, tal como nos relata E. Gallaudet. (BUENO, 1996).

A LIBRAS não é um recurso conhecido e utilizado universalmente por pessoas que não costumam ter contato com deficientes auditivos, o que trava a comunicação entre uma pessoa que se comunique pela língua de sinais e outra que desconheça o significado destes. Dentro deste panorama, se tornou comum a chamada oralização, a leitura labial. O deficiente auditivo aprende a reconhecer nos movimentos dos lábios do seu interlocutor os fonemas que escreve, e assim faz a leitura das palavras pelos movimentos labiais. A leitura labial (ler a posição dos lábios) não é uma habilidade natural do surdo. Ela precisa ser ensinada, como se ensina a leitura, a escrita, etc. Poucas pessoas surdas fazem uma boa leitura labial, 168 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

especialmente porque a pessoa ouvinte, ao se comunicar com um surdo, esquece-se da deficiência, vira-se para os lados, usa bigode, e isso atrapalha a visualização da boca falante. Isso produz alguns problemas na comunicação. Uma minoria não consegue fazer nenhuma dessas leituras e só se comunica através de sinais aprendidos no decorrer de sua história de vida familiar e social, ou mesmo através da Língua Brasileira de Sinais. Assim, não é verdadeiro afirmar que a leitura labial seja uma capacidade inata. (SILVA, 2014).

Como trabalhar em sala de aula com a questão da deficiência auditiva? Quais as melhores estratégias para fazer com que o aluno com deficiência auditiva tome contato com os questionamentos dos colegas e não fique fechado apenas nas palavras do professor? Somente no momento em que nos debruçarmos sobre o fenômeno social da deficiência auditiva, levando em consideração as restrições efetivamente impostas por uma condição intrinsecamente adversa (a surdez), aliada às condições sociais das minorias culturais, determinadas por diferenças de classe, raça e gênero, estaremos avançando no sentido de contribuir efetivamente para o acesso à cidadania, acesso esse historicamente negado, quer pelos defensores do oralismo, quer pelos defensores da língua de sinais, na medida em que nenhum deles conseguiu, efetivamente, se desvincular das manifestações específicas geradas pela surdez. (BUENO, 1996).

A educação é direito de todos, independente de ser portador de alguma necessidade especial ou não. "A educação, direito de todos e 169 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." (BRASIL, 1988, Artigo 205). Quanto à educação para portadores de necessidades especiais, muitos ainda insistem que estes deveriam permanecer nas escolas especiais como as APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Como Tania Amara Felipe: O discurso atual é o de Inclusão: “Escolas especiais são segregadoras, excludentes!” Mas de que adianta colocar uma criança surda em uma sala de ouvintes se ela não conseguirá aprender e apreender tudo que está sendo ensinado em português? Por que não ensiná-la em LIBRAS, quando já se sabe que ela iria se desenvolver muito mais rapidamente e realmente iria compreender tudo que fosse ensinado. Por que não utilizar uma metodologia apropriada para ensino de português para surdos se até para estrangeiros já existem metodologias específicas? Precisa-se desvendar o que está por trás de um discurso que, através dos meios de comunicação, tem apregoado a volta de uma “integração” de “nossos amiguinhos deficientes”. Se a criança continua sendo verberada de deficiente é porque continua a crença de que ela é incapaz e, então, por que colocar esta “coitadinha” junto com os “eficientes”? Seria o verdadeiro motivo a contenção de verba, que tem transformado a maioria das escolas públicas em “escolas faz-de-conta”, onde crianças que não podem pagar ensino privado estudam? Há o perigo de se ter, subjacente a esta ideologia, uma intenção de extinguir, também, o 170 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

ensino público especial que representa recursos financeiros específicos. (FELIPE, 1997).

A autora defende que a educação em escolas especiais não é excludente, mas um direito, e que o discurso da inclusão é uma falácia. Esse tipo de opinião se reproduz comumente via senso comum e é grande gerador de preconceitos. Defender que o portador de necessidades especiais carece de atendimento especializado é uma luta da educação inclusiva. O que não se pode é confundir a exigência pela especialização dos profissionais da educação com a defesa do isolamento dos portadores de necessidades especiais em instituições fechadas, onde não possam causar desconforto aos olhos dos “normais”, ou negar-lhes o acesso a estas instituições limitando-os a um percurso escolar que pode tender ao fracasso, por falta de atendimento correto às necessidades de cada um. Quanto à educação inclusiva, o governo federal é muito claro: Art. 1o O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes: I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; II - aprendizado ao longo de toda a vida; III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; IV - garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades 171 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

individuais; V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena; VII - oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; (BRASIL, 2011, DECRETO nº 7.611).

A forma deste artigo é a mesma utilizada por Lorenzetti em A Inclusão do aluno surdo no ensino regular (LORENZETTI, 2014). Após análise da legislação existente e bibliografia disponível em uma escola regular onde haviam alunos com deficiência auditiva, a autora procurou ver como se deu na prática a realidade da inclusão. Seu artigo apresentou um panorama de desespero de professores despreparados para atender um aluno fora do “padrão”. Na realidade de uma escola sem a disponibilidade de um intérprete, como os professores fizeram para dar conta de ensinar um aluno surdo? Esse artigo é de 2003 e muito já se tem realizado para viabilizar a educação inclusiva. Neste artigo será apresentada a realidade de uma escola estadual do Paraná, em 2014, onde a realidade é exatamente o contrário da apresentada por Lorenzetti. Muito se tem falado sobre educação inclusiva e um novo formato de escola que possa atender universalmente os educandos. Essa escola inclusiva, na prática ainda em construção, é resultado de esforços 172 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

de educadores, gestores, familiares e governo. A escola inclusiva se sustenta na concepção de identidade e diferenças, não na de "normalidade". Fundamenta-se na idéia de multiplicidade e do direito à diferença. Nesse modelo de escola de diferenças a educação inclusiva se concretiza a partir de mudanças, atualizações e novas práticas pedagógicas. Nesse sentido, programas como o Mais Educação trazem a vida e a cidadania para dentro da escola, reunindo as escolas com suas comunidades. Fazem girar a Mandala de Saberes, integrando conhecimentos para que professores e alunos explorem os matizes infinitos dos currículos e conteúdos em todos os tempos e civilizações e façam acontecer uma educação de qualidade, multicolorida, dinâmica e equilibrada (MEC, 2009, 11-12). Dentro desta ótica, o que se pretende apresentar são as estratégias que professores da rede pública do Paraná vêm utilizando para ensinar suas disciplinas a alunos portadores de deficiência auditiva.

A realidade na escola Para verificar como se dá a relação entre alunos com e sem necessidades especiais auditivas, professores e o processo de ensino/aprendizagem, foi escolhido o Colégio Estadual Moradias Monteiro Lobato, em Curitiba3. Nessa escola a intérprete de Libras

3 SEED/PR, 2009. Colégio Estadual Moradias Monteiro Lobato. Dia a dia Educação. Disponível em:

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atende alunos nos turnos da manhã (7:00hs às 11:00hs) e intermediário (11:00hs às 15:00hs). Os professores das turmas em que estes alunos se encontravam foram entrevistados seguindo o modelo do questionário em anexo. A situação dos portadores de necessidades especiais na maioria das escolas da rede pública é terrível, são desatendidos de todas as formas e sofrem bullying. Não é esta a realidade vivida pelos alunos assistidos no Colégio Monteiro Lobato. Os professores fizeram um esforço coletivo para adaptar suas aulas de forma a não desassistir os demais alunos privilegiando apenas os portadores de necessidades especiais; e nem o contrário, dando suas aulas tradicionais e deixando estes de lado. A relação das alunas portadoras de necessidades com os colegas era a normal para a faixa etária: amizades e paqueras, além do convívio escolar, como crianças e jovens “normais”, que é o que são. Um aluno que se dizia namorado de uma delas me disse assim: “todo mundo é diferente. O aaa gosta de rap, a bbb gosta de funk, eu sou bom de futebol e o ccc de vôlei. Ela só não escuta, não sei por que fazem tanta tempestade”. Quando um aluno entre 6º e 9º ano te dá uma resposta assim, o projeto da educação inclusiva parece estar caminhando muito bem, pois os portadores de deficiência vivenciam uma relação escolar e social . Acesso em: 23 maio 2014.

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sadia, em um ambiente onde não se ignoram as diferenças, mas promove-se o debate de todas elas igualmente. Tal Colégio representa o que se quer com a legislação federal em relação à Educação Inclusiva, mas não é esta a realidade da maioria das escolas brasileiras. Nem mesmo da própria região em que se localiza. Por estar equipado com materiais como datashows, televisores e telas interativas, e dispor de profissionais capacitados em Educação Especial, o Colégio se torna um referencial, não a ser imitado, mas para onde mandar essas crianças e jovens com “problemas”. A possibilidade da Educação Inclusiva na prática existe, mas resvala em vários discursos enraizados na sociedade, como se o pai do menino namoradinho da aluna surda sabe que o filho tem uma namorada surda; ou se os pais aceitarão que seus filhos dividam o lanche e pratiquem atividades com autistas e downs? A Rede Pública de Ensino não rejeita as matrículas das crianças; já as Redes Particulares: Uma criança portadora de autismo teve a matrícula recusada em ema escola particular de Caruaru, no Agreste de Pernambuco. De acordo com a mãe do menino, a diretora da escola teria informado que a criança não poderia estudar na escola, mas não explicou o motivo. (NE10, 2014).

Trecho e reportagem mostram a realidade da exclusão, que ainda está presente, infelizmente, na maioria das escolas brasileiras. 175 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021

Atividades e materiais Seguem abaixo algumas atividades realizadas pelos alunos e materiais utilizados pelos professores.

Atividade 1 História e Geografia Conteúdos de Primeira e Segunda Guerra mundiais em quadrinhos, com os mapas dos países como personagens da história.

Figura 1. Primeira Guerra Mundial em quadrinhos4.

4 Disponível em: .

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Figura 2. Segunda Guerra Mundial em quadrinhos5.

Atividade 2 Pintar com os alunos uma caixa com tinta preta, escolher os tamanhos das bolas de isopor que os alunos pintarão para fazer os planetas, e uma capa de massa de isopor para deixar mais visíveis as superfícies que não são uniformes.

5 Disponível em: .

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Figura 3. Sistema solar construído pelos alunos6

Considerações finais A Educação Inclusiva é um dilema da sociedade brasileira atual, é um modelo de escola em debate e construção. Em construção por diversos motivos: os profissionais da educação em geral não estão preparados para receber os alunos portadores de necessidades especiais.

6

Disponível em: .

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Aqueles que já buscaram especializar-se na Educação Especial vêm gradativamente conscientizando a totalidade dos educandos na realidade das diferenças, que algumas são mais acentuadas que outras, que em alguns casos geram necessidades especiais; mas que todos são indiscutivelmente diferentes e portadores dos mesmos direitos. Direitos

estes

oriundos,

inclusive,

de

lutas

pelo

reconhecimento da cidadania destes indivíduos. Para além do cumprimento da legislação que protege o direito universal de todos à educação, a escola inclusiva leva à formação de um cidadão mais consciente na sociedade, que, ao invés de reproduzir preconceitos, constrói o respeito à diversidade. Os desafios da sala de aula dependem muito do meio, da faixa etária e da preparação dos profissionais da educação. Os profissionais do Colégio citado deram conta do desafio porque buscaram se preparar para ele, ao invés de repetir o discurso de que os alunos com necessidades especiais deveriam ficar nas escolas especiais, porque é muito difícil atendê-los sem desassistir os demais. Há vários problemas na viabilização de Projetos para a Educação Inclusiva: a visão da sociedade civil, a visão dos próprios educadores e a falta de estruturas. A inclusão de alunos com deficiência auditiva na instituição citada, CEMML, de Curitiba, até a conclusão da pesquisa estava em pleno curso, com várias consequências positivas.

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Anexos

Questionário: •

Quais as principais dificuldades encontradas para trabalhar em

sala com alunos com dificuldades auditivas? •

Como é a relação entre os alunos portadores de deficiência

auditiva e os demais? •

Há diferenças do rendimento escolar entre eles?



Qual a metodologia utilizada para atender a todos os Alunos, se

é que é possível fazê-lo?

Respostas das Questões •

A Demora na contratação de um professor intérprete e o período

de adaptação das turmas a ter um professor permanente em sala de aula. A figura do intérprete causava alvoroço, os alunos não sabiam muito bem se o inseriam como um aluno ou um professor. •

Num primeiro momento, a situação era de timidez das alunas

portadoras de deficiência auditiva e estranhamento dos demais. Logo se tornou uma chuva de pedidos para aprender “a falar com as mãos” e poder conversar com elas sem os bilhetinhos. As alunas eram muito procuradas pelos colegas para fazer as atividades de matemática, disciplina em que tinham maior facilidade. Segundo a intérprete, entre os bilhetes vinham também pedidos de facebook e de namoro. 180 Revista Vernáculo n.° 39 – primeiro semestre /2017 ISSN 2317-4021



As diferenças de rendimento não eram perceptíveis; como todos

os alunos, elas apresentaram neste primeiro bimestre mais afinidade com algumas disciplinas do que outras; e nenhuma ficou com notas abaixo da média, nem necessitaram de avaliação diferenciada, visto que as metodologias aplicadas durante as aulas lhes proporcionaram um bom entendimento dos conteúdos. •

A linguagem visual e as atividades práticas imperaram em todas

as entrevistas. Aulas de história repletas de vídeos e versões dos conteúdos em quadrinhos. As formas geométricas maciças para explicar o volume e assim os cálculos. Aulas de ciências e geografia interativas com os mapas geopolíticos e planetários, com a produção dos mesmos por parte dos alunos. O maior problema era o alvoroço na hora dos questionamentos: todo mundo queria ao mesmo tempo ajudar a explicar suas perguntas para as alunas com deficiência auditiva e tentar traduzir a resposta do professor antes da intérprete, que lhes ensinou o alfabeto em Libras que existe fixado nas paredes das salas de aula. Acalmados os alunos, tudo segue normalmente.

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