PROJETO DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA REAIS NO REINADO DE AFONSO III 1) INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA: talvez em toda a história de Portugal e mesmo da Cristandade medieval, nenhum homem tenha assumido a função real de forma tão dramática e incerta, marcada por uma crise política e familiar, quanto D. Afonso III. Quinto rei de Portugal e segundo filho de D. Afonso II, que ascendeu à coroa pela intervenção da Santa Sé, tendo o papa Inocêncio IV deposto Sancho II e ordenado a todos os vassalos que obedecessem ao infante. Este chegou da França, onde vivia, em 1246 a foi aclamado rei em 1248. Mas quais motivos levaram a um desfecho tão traumático para a Casa de Borgonha? Os seguidos conflitos entre o rei Sancho II e o papado chegaram ao apogeu em 1244, quando dignitários eclesiásticos portugueses se encontram em Roma, levando ao papa Inocêncio IV as queixas do clero lusitano, principalmente o arcebispo de Braga, contra o monarca: incompetência e inabilidade que faziam o país mergulhar na anarquia generalizada, conforme uma testemunha da época: “E começou de seer muy boo Rey e de justiça mais ouve maãos conselheiros e despois da alli em diante nom foi justiçosso...e os bispos e arcebispos e os abbades bentos e os príncipes e todollos outros prellados da Santa egreia ouveram conselho e acordarrommsse de enviar dizer esto ao Papa... e diserom no ao Papa que nom aviam yustiça nem huuma e que a nom fazia.” (Anais, Crônicas Breves e Memórias Avulsas de Santa Cruz de Coimbra, com introdução de António Cruz, p.146)1
Além disso, Sancho II continuou com a política dos seus antecessores de “esquecer” do pagamento do censo prometido por Afonso Henriques à Santa Sé, obrigação contraída para si e seus sucessores, quando da independência de Portugal. Para completar tal quadro, o rei havia se casado com Dona Mécia Lopes de Haro, sua parente em quarto grau de consangüinidade, sem que tenha havido pedido de dispensa antes ou mesmo depois do casamento. Contudo, não podemos esquecer que esses desentendimentos refletem a política de Sancho II de restringir os poderes do clero em Portugal, num momento em que o pensamento hierocrático e o poder papal ainda tinham vigor suficiente para enfrentar a monarquia portuguesa, ainda feudatária da Santa Sé, com os ecos do pontificado de Inocêncio III, do qual Inocêncio IV era um seguidor convicto. A inabilidade de Sancho II em compreender o quadro político geral e a disponibilidade do seu irmão em atiçar os problemas na Cúria Papal, mantendo o papa atualizado acerca dos deslizes de irmão reinante deu ao papa e aos opositores, marcadamente o alto clero lusitano, de Sancho II todos os elementos que assegurariam uma transição pacífica do poder, caso se chagasse à deposição do 1
MARQUES, Maria Alegria Fernandes. O Papado e Portugal no tempo de D. Afonso III (1245-1279). Coimbra, Centro de História da Sociedade Portuguesa. Fac. Letras, 1990 p.423.
monarca. Assim, a presença do conde Afonso de Bolonha entre os descontentes confere aos seus projetos a exeqüibilidade necessária, por ser o segundo na linha de sucessão. As consciências estão acalmadas e a legitimidade assegurada. Assim, em 1245 Inocêncio IV emite uma bula na qual ameaça com os castigos previstos nos cânones todos os que se opuserem a essa transferência de poder, embora isto não tenha evitado a guerra civil, encurtada na prática e nos debates jurídicos pela morte de Sancho II em 1248. Assim, apesar dos problemas, o governo de Afonso de Bolonha, agora rei Afonso III, inicia-se sob uma conjugação favorável: apoiado pelo papa e pela maioria do alto clero português. Ao firmar sua legitimidade definitivamente pela morte do irmão, Afonso III percebeu a necessidade de consolidar sua autoridade e passa a utilizar-se dos argumentos que fundaram a deposição do seu irmão: a desordem e a fraqueza do seu reinado, para ordenar uma série de revisões de privilégios, competências e jurisdições a fim de reorganizar o reino. Essas revisões passarão à História com o nome de Inquirições e se efetivarão em 1258 e 1259. É nesse contexto que se insere o nosso trabalho com as Ordenações do referido rei, buscando compreender a extensão e os limites da competência e da jurisdição da autoridade real, pois: “A ordem normativa é o reflexo da vida e simultaneamente procura discipliná-la em todos os aspectos, instrumento necessário de trabalho para quantos intentam reconstituir o nosso período medievo”.2 Sobre a posição relativa do Livro de Leis e Posturas e das Ordenações de D. Duarte, Herculano acentuou o maior valor destas por conterem “mais avultado número de monumentos legislativos, pela luz e ordem na seqüência das leis, reduzidas a um acervo indigesto no Livro das Leis e Posturas”.(introdução pág.VI). É, pois correta a idéia habitual de que as Ordenações, no geral, obedecem a um critério cronológico, base da sistematização. 2) DO TEMA(OBJETO) E DOS OBJETIVOS: Este trabalho pretende expor e analisar a visão de Afonso III sobre a competência e a jurisdição do poder real à sua época; como ele definia isso na teoria, se o fazia, e como executava na prática política cotidiana suas idéias; quais os seus propósitos; como ele se insere no conjunto da dinastia de Borgonha e na situação político-jurídica de Portugal nesse período. Enfim, identificar, organizar e sistematizar as leis acerca da organização jurídica e política e social do reino e demonstrar que implícita nesse corpus havia uma teoria de Estado. Importa, ainda, analisarmos as fontes que ele e a Cúria Regis utilizaram para a elaboração da legislação em questão. Especificamente este trabalho se propõe a: • Da organização sistematizada desse corpus, recolher e indicar a linguagem utilizada, as expressões específicas e a sua repetição, indicadoras das concepções reais acerca da sua competência jurídica e da jurisdição, bem como as fontes em que se baseiam. 2
ALBUQUERQUE, Martim e NUNES, Eduardo. Ordenações Del-Rei D. Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. Introdução, p.V
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Por intermédio dessa legislação, demonstrar os recursos que a realeza criou para estender e consolidar o seu poder e como transcorriam as relações de poder entre a monarquia e as Ordens do reino. Demonstrar a relevância e a permanência da obra legislativa de Afonso III. Desse corpus, indicar e analisar aspectos sociais, políticos e ideológicos tanto de interesse da administração do Estado quanto das Ordens.
3) DA NATUREZA DO PROJETO: trata-se de uma investigação dentro da linha de pesquisa denominada História, Memória e Imaginários Sociais, no âmbito da História Medieval Portuguesa, uma vez que concentraremos nossos esforços na análise da formação e difusão do discurso político-jurídico praticado pelo governo de Afonso III, através de fontes escritas. 4) CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: esquadrinhar as fontes produzidas por Afonso III sistematizadas nas suas Ordenações, privilegiando suas idéias acerca do “exemplo”: poder temporal, quais os conceitos que ele utiliza para definir suas idéias, como ele utilizou suas fontes, analisando e comentando sua produção sob o ângulo do tema escolhido. Este modelo de abordagem é conhecido como teoria hermenêutica, referida especificamente à análise do significado dos textos conforme o gênero literário do próprio autor. 5) CRONOGRAMA: uma vez revisado corrigido o projeto, início imediato das pesquisas para a redação do 1º capítulo e apresentação do mesmo junto com o projeto no ato da inscrição à seleção. Cumprimento dos créditos no decorrer de 2005, caso venha a ser aprovado na seleção deste ano, e dar prosseguimento à redação da dissertação. Apresentação para qualificação em meados de março de 2006 e defesa em meados de junho do mesmo ano. 6) BIBLIOGRAFIA: • • •
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SERRÃO, J. Veríssimo - Historiografia Portuguesa, 3 vols. Lisboa, 19721974. MARQUES, Maria Alegria Fernandes. O Papado e Portugal no tempo de D. Afonso III (1245-1279). Coimbra, Centro de História da Sociedade Portuguesa. Fac. Letras, 1990) MARIA JOÃO VIOLANTE BRANCO. Doutoramento em História Medieval na Universidade Aberta em 2000: Poder Real e Eclesiásticos: a evolução do conceito de soberania régia e a sua relação com a praxis política de Sancho I e Afonso II Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume I: Estado, Pátria e Nação (1080-1415), 2.ª ed., Lisboa, Verbo, 1978 FERREIRA, Leontina Domingos Ventura Duarte A nobreza da Corte de Afonso III. Coimbra, ed. aut., 1993. Especialidade: História da Idade Média
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Banza, Ana Paula, A linguagem dos documentos em português da Chancelaria de D. Afonso III, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1999. Santos, António Fernando Nabais dos, Os Trovadores e a corte de Afonso III. A dimensão social da sátira, Universidade do Minho, 1999.
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Cunha, Maria Cristina Almeida e, A Ordem Militar de Avis (das origens a 1329), Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989.
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Cunha, Mário Raul de Sousa, A Ordem Militar de Santiago: das origens a 1327, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1991.
7) FONTES: •
BRANDÃO, António (1584-1637) . Crónicas de D. Sancho II e D. Afonso III / António Brandão ; com uma intr. de A. de Magalhães Basto . - Ed. actualizada. - Porto: Livr. Civilização, 1945. - XCIII, 421 p. - (Biblioteca histórica de Portugal e Brasil; série régia).
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Crónicas de Rui de Pina: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D. Dinis, D. Afonso IV, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II. Introd. e rev. por M. Lopes de Almeida. Porto: Lello e Irmão, 1977 (Tesouros da Literatura e de História).
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ALBUQUERQUE, Martim e NUNES, Eduardo. Ordenações Del-Rei D. Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.