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Jornalista A memória já não é o que era, mas fiz o esforço possível para passar em revista todos os filmes de espionagem de que fosse capaz de me lembrar. Assim de repente, o enredo de Intriga Internacional , o filme que Alfred Hitchcock realizou em 1959, com Cary Grant no papel de Roger Tornhill, pareceu-me estranhamente familiar: Tornhill é um publicitário nova-iorquino que se vê perseguido pela polícia e por um grupo de espiões que o confundem com um agente secreto que, afinal, nem sequer existe.

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Salvas as devidas distâncias, a rocambolesca história de Roger Tornhill faz lembrar o mais recente sucesso da ficção portuguesa, esse delirante Intriga Nacional, ainda em exibição nos mais selectos auditórios do país. O enredo do filme é quase bom: o Assessor acompanha uma visita presidencial, senta-se onde não deve e é visto a conversar com jornalistas (duas actividades reconhecidamente malévolas e altamente suspeitas) e é, por isso, confundido pelos Homens do Presidente com um obscuro espião, enviado pelo asfixiante Primeiro-Ministro para desocultar os segredos do mais alto magistrado.

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O argumento inclui ainda encontros conspirativos em locais discretos, manobras de diversão, mentes paranóicas, digressões por ilhas mais ou menos tropicais, manchetes na imprensa, contra-espionagem e desvio de documentos pessoais, mas não se percebem, em momento algum, os motivos pelos quais o Presidente, sendo o mais alto magistrado, não recorre às instituições do Estado de Direito para pôr cobro à suposta espionagem e prefere, antes, levar o assunto para as páginas dos jornais, assim como quem lava roupa suja na praça pública.

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Acresce que o Assessor, tal como é interpretado por um indivíduo rechonchudo e muito entroncado, resulta pouco verosímil (ainda que muito queirosiano): não faz lembrar Roger Moore n" O Santo , nem nenhum dos Bond, nem Jason Bourne, nem o Andrew Osnard d" O Alfaiate do Panamá , nem o espião inglês de O Homem que Sabia Demais ou qualquer outros dos agentes secretos que fui capaz de recordar. Nem com Austin Powers o homem se assemelha. O Assessor, que se saiba, não bebe bebidas exóticas, não manuseia gadgets fabulosos, não seduz as belas madeirenses, nem é capaz de qualquer habilidade física notável. Ignora-se mesmo se consegue resistir a trinta metros de corrida ligeira sem ficar agarrado, sem fôlego, a uma parede. Apenas se senta e conversa. Presume-se que almoça e janta (muito). E que é inábil ao ponto de se fazer notado. É, convenhamos, muito pouco pretexto para tanta fita. A estrutura narrativa não é, portanto, brilhante, parecendo que o argumentista se viu obrigado a enchouriçar um script que dificilmente teria dado uma curta-metragem. Seja como for, o enredo tem alcançado certo sucesso e é invocado amiúde, alternando, nos discursos da época, com referências a outro filme pouco interessante e demasiado fantasioso, Sei o que fizeste no verão passado . Resumindo: não fosse pela exibição de Sacanas Sem Lei , o último Tarantino, a saison cinematográfica seria absolutamente lamentável.

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