Sérgio Linares Filho
BREVE INTRODUÇÃO AOS LOCAIS DE CRIME Com fundamento no novo protocolo de Minnesota e nas melhores práticas para o processamento de locais de crime.
E T E R M IN NOVO! D
AÇÃO E
C R IM E ENA DO C A D S O ÚCLE DO(S) N A N Á L IS E
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DOWNLO
Numa cena de crime,de todas as coisas, a mais importante é saber duvidar daquilo que nos é apresentado.
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Para a pequena Melissa, estas primeiras luzes das Ciências Forenses.
Sumário Carta do autor
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APENAS PENSE!6
Simplesmente começar...
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Cena ou local de crime?
9
O que eu vou encontrar?
10
O time de perícia entra em ação!
11
Locais de crime
11
Os integrantes da equipe
12
Crime, autor e vítima
13
Os micro fragmentos13 A transferência de vestígios de Locard
Isolamento e preservação Relevância e procedimentos
Classificação dos locais de crime
14
16 16
18
Quanto à região da ocorrência
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Quanto à preservação
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Quanto à área
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Quanto à natureza
21
Quanto ao(s) núcleo(s)
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Próximos passos
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Carta do autor APENAS PENSE!
Sérgio Linares Filho É Perito Criminal na Polícia Científica de São Paulo; Mestre em Engenharia de Computação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) e Especialista em Cybersecurity pela Universidade de Maryland/USA. Além disso, também cursou Física, Ciência da Computação e Direito.
Eu me lembro do primeiro local de crime que atendi. Um homicídio. Quando cheguei à cena, pela manhã, numa estrada de terra que passava por entre sítios de veraneio, me deparei com o corpo da vítima e uma bicicleta tombada ao seu lado. Levei cerca de três horas e, ao final dos exames, havia coletado dezenas de vestígios, feito inúmeras medições e elaborado três hipóteses. Levaria tudo aquilo para a bancada e, com absoluta certeza, alcançaria resultados que pudessem apoiar as investigações, afinal, aquele era o meu trabalho! Desde então, locais de crime passaram a me fascinar. Era como se falassem comigo e me dissessem o que havia acontecido. E é exatamente isso: eles sempre têm todas as respostas. Mas você precisa saber perguntar! Nas próximas páginas, nós falaremos um pouco sobre esse tema. Vocês iniciarão a maior e mais importante jornada pelo mundo da investigação criminal e muito em breve, eu tenho certeza, também serão capazes de conversar com os locais de crime.
Página intencionalmente em branco.
Sérgio Linares Filho
Parte 1
Simplesmente começar... Como em qualquer atividade, aqui, no campo das Ciências Forenses e da Criminalística, você precisa simplesmente começar! Isso mesmo... começar! E esse e-Book vai auxiliá-lo nos primeiros passos!
Cena ou local de crime?
A
maioria dos estudantes e mesmo alguns profissionais experientes têm dúvidas quanto a esses termos. Vamos resolver isso! No Brasil, é mais comum dizer local de crime, contudo nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos da América, se diz crime scene, cena do crime em português. Bem, você precisa se acostumar com as duas formas mas pode usar a que melhor lhe convier. Ao longo desse texto nós utilizaremos ambas as formas, indiscriminadamente. Lembre-se: quando ler local de crime ou cena do crime, compreenda da mesma forma. No nosso contexto, são termos sinônimos que se referem à área onde ocorreu um delito e onde serão realizados os exames periciais.
Qual a origem dos locais de crime?
M
uitos responderiam imediatamente: ora, o próprio crime! Mas não é bem isso, há uma peculiaridade que você precisa conhecer. Do ponto de vista da perícia, locais de crime nem sempre são locais onde ocorreram crimes. Como pode ser isso?! Ora, é simples, não é incomum que se conclua, logo após os exames, que o fato ou o evento sob investigação, não decorreu de um crime. O suicídio é o exemplo mais emblemático dessa situação, pois todos sabemos que suicídio não é crime, contudo, a perícia sempre é requisitada para o atendimento aos locais de suicídio. E isso é importante (você já deve estar entendendo) porque pode não ter sido um suicídio e sim um homicídio. E é a perícia que deve constatar essa situação. Então, respondendo à questão, a origem dos locais de crime, além dos próprios crimes, também encerram os fatos potencialmente criminosos.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
O que eu vou encontrar? À primeira vista, tudo parece desagradável e desorganizado numa cena de crime. Mas depois de alguns minutos de observação, essa sensação começa a se dissipar. O que parecia desorganizado e incompreensível, como que por encanto, passa fazer mais e mais sentido, até que a lógica passa a imperar, absoluta. Nesse momento, aquele sentimento ruim do início, dá lugar a uma inigualável sensação de dever cumprido. Mas o que exatamente você vai encontrar num local de crime? Bem, eu já respondi, mas vou dizer novamente: em regra você vai encontrar desarrumação e desordem (o crime é naturalmente entrópico)! Coisas fora do lugar que deveriam estar, muitos objetos quebrados, muita sujeira, manchas de sangue pelo chão, enfim, o caos! Mas não se assuste, quando estiver numa cena de crime, você será o perito, e peritos, nós veremos, são treinados para encontrar padrões. Mesmo no caos absoluto.
„É um erro capital começar a teorizar antes de possuir dados. Começa-se a alterar os fatos para adequá-los às terorias, em lugar de buscar as terorias que se adequam aos fatos” Sherlock Homes
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Parte 2
O time de perícia entra em ação! Nas séries de TV os especialistas estão sempre à disposição. Independente da questão demandada, sempre há um expert de plantão para entender e resolver o caso. Bem, na vida real, não é exatamente assim...
Antes da perícia...
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a maioria dos casos, os primeiros a chegarem à cena do crime, são os policiais militares. Inicialmente, eles identificam a área de interesse policial, a delimitam e então a isolam fisicamente. Depois disso, passam a preservar o local até a chegada da equipe de perícias. nformado quanto à ocorrência do delito, a autoridade policial, o delegado de polícia no caso, deve comparecer ao local e, ao constatar a existência de vestígios da ação delituosa, deve requisitar exames periciais. A requisição de exames periciais deve ser endereçada ao Diretor do Instituto de Criminalística que, então, designará um perito criminal para a consecução dos trabalhos. Além disso, a requisição também deve conter o endereço do local, a natureza do delito e os objetivos do exame requisitado. inalmente, de posse da requisição, o perito e sua equipe partem para local dos exames.
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F
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Passos fundamentais...
1. O crime é descoberto. É importante que a primeira pessoa a tomar ciência do crime o comunique às autoridades competentes. 2. Os primeiros agentes públicos a chegarem ao local devem: (a) confirmar a ocorrência do delito, (b) isolar a área e (c) preservar a cena até a chegada dos peritos (no caso de haver requisição). 3. A autoridade policial, o delegado de polícia, responsável pela investigação do delito, deve comparecer ao local e requisitar a perícia caso constate que a infração deixou vestígios. 4. O perito receberá a requisição onde constarão, entre outras coisas, os objetivos da perícias formulados pelo requisitante.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
Integrantes do time... Os integrantes do time podem variar conforme a situação. Evidente. Uma equipe de atendimento de locais de crime, durante um plantão pericial, possui, em regra, dois integrantes: o perito criminal e o fotógrafo técnico pericial que, na maioria das vezes, também é o condutor da viatura. A equipe atende todos os casos apresentados durante o plantão, que normalmente é de doze horas. Contudo, podem surgir situações (e normalmente surgem) onde outros especialistas, além do próprio perito e do fotógrafo, precisam reforçar o time. O desenhista técnico pericial, deve comparecer aos locais onde é necessário desenvolver croquis e esquemas gráficos da cena, num local de reprodução simulada de crime, por exemplo. Embora o perito esteja apto para a pesquisa e a coleta de impressões digitais, em muitas situações, em face do volume ou da complexidade do caso, o papiloscopista policial também precisa integrar o time de perícia. Por fim, pode haver situações onde outros membros também precisem compor o time, contudo, na maioria das vezes esses membros são peritos criminais especialistas em determinadas áreas demandas pelo caso concreto. Especialmente para a coleta de vestígios de natureza específica. Por exemplo, o perito especialista em marcas de ferramentas (toolmark examiner), que é capaz de registrar a marca e identificar a ferramenta que a originou; o entomologista forense, que é capaz de identificar e coletar, se for necessário, os insetos constatados na cena e relevantes para o caso; o especialista em antropologia forense, caso no local haja restos de esqueletos humanos para serem analisados e coletados; entre muitos outros. Como se pode ver, o time é bastante versátil e pode se adequar às necessidades do caso concreto. Contudo, a grande dificuldade, sem nenhuma dúvida, é o imenso volume requisições que diariamente chegam aos Institutos de Criminalística de todo Brasil. A condição, muitas vezes, impede que os exames sejam realizados por aqueles especialistas que mencionamos.
„Perícia é atividade especializada. Deve, consequentemente, ser desenvolvida por especialistas. Caso contrário, haverá problemas. Sempre. ”
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Parte 3
Crime, autor e vítima Autor e vítima estão relacionados através do crime. Evidente, dessa forma, que os três elementos representam a chave para o êxito de qualquer investigação. Devem ser analisados por todos os ângulos. Individualmente e em conjunto. Nós veremos a seguir que os micro fragmentos e o princípio da transferência de vestígios, são essenciais para essa análise.
Os micro fragmentos
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icro fragmentos são elementos diminutos e mesmo microscópicos, constatados na cena do crime. O fato de terem pequeníssimas dimensões, ao contrário do que se possa imaginar, é o que os torna especialmente importantes e efetivos numa investigação, pois assim, dificilmente são modificados, afinal, autor e vítima, sequer têm consciência de sua existência. Além disso, também pelo fato de suas dimensões, podem migrar do autor para o local e do local para o autor, tornando-se dessa forma, importantes elementos de rastreabilidade, pois, por menor que eles sejam, sempre possuem características que permitem a determinação de sua origem. Podem ser pequenos fragmentos de pele, diminutas porções de sangue, pelos, fibras de tecido, entre muitas outras possibilidades.
Na cena do crime... • Estão distribuídos por toda a área • Devem ser coletados e acondicionados de acordo com sua natureza • Muitas vezes, requerem especialistas, como é o caso, por exemplo, das impressões digitais
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Pesquisar e constatar micro fragmentos
Registrar e coletar micro fragmentos
Acondicionar os micro fragmentos
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Breve Introdução aos Locais de Crime
A transferência de vestígios de Locard
A
grande maioria das atividades criminosas deixa vestígios que podem ser constatados pela polícia. Nas cenas de crime, a interação entre a vítima, o local e o autor, podem ser corporificadas pelo princípio da transferência de vestígios ou Princípio de Locard: em locais de crime ocorre sempre a troca de vestígios entre os agentes delituosos e o ambiente. Geralmente, o criminoso deixa algo seu no local e leva algo do local consigo.
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m face desse princípio, a criminalística desenvolve técnicas para a coleta de ves- tígios e para a determinação de sua relação com os suspeitos. Nesse sentido, uma das principais tarefas dos peritos na cena do crime, consiste na análise, na determinação e na coleta de vestígios. Esses vestígios são fontes objetivas de informação, pois serão analisados segundo princípios científicos estabelecidos e independentes de simples interpretações, na maioria das vezes, subjetivas. Posteriormente, podem, inclusive, se tornar provas do crime. Existem casos em que parte dos vestígios pode (e deve) ser armazenada para uso posterior como contraprova. Em locais de crime contra a pessoa Sempre haverá micro fragmentos do autor na cena crime, independentemente de sua vontade e do cuidado que o mesmo tenha durante a ação delituosa. Pelos, pequenos pedaços de pele, impressões digitais ou palmares, entre muitas outras possibilidades. Contudo, em especial nos crimes contra a pessoa, é importante estar atento aos elementos relacionados às agressões, tais como eventuais armas constatadas, lesões no corpo da vítima, sangue, entre outros. Em locais de crime contra o patrimônio Em locais de crime contra o patrimônio os vestígios, na maioria dos casos, estão distribuídos por toda a cena, e não convergem para elementos específicos . Nesse caso, a
densidade dos vestígios será praticamente a mesma por toda a área dos exames. Nesse tipo de crime é importante estar atento para o que convencionamos chamar de sinais de presença. Esses sinais são pegadas, impressões digitais, fragmentos de pele, porções de sangue, etc. Em locais de crime cibernético Os crimes cibernéticos normalmente não acontecem em locais físicos, mas sim virtuais. Esses locais podem ser a memória local de um desktop (HD, pendrives e outros discos), a memória compartilhada de uma rede local ou até mesmo o cyberspace. Cyberspace? Bem, antes de continuarmos, eu tenho uma questão: você sabe o que é o cyberscpace? Ora, eu imagino que tenha
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uma idéia. Claro. Mas apenas para igualar o conhecimento, eu vou deixar uma definição bem simples. Ela possibilitará que continuemos com o nosso raciocínio acerca do princípio de Locard. Cyberspace é o conjunto de dispositivos, físicos e lógicos, que compõem a estrutura que dá origem internet. Ora! Então, evidentemente, além dos locais virtuais que mencionamos, os crimes cibernéticos também podem acontecer na internet. Os vestígios, nesse caso, podem ser log do sistema operacional do desktop, os IPs da rede local e o IP utilizado para a realização do crime no cyberspace. Claro que no caso desses crimes existem outros
vestígios contudo, falaremos deles numa outra publicação. Em locais onde não houve crime O suicídio não é um crime, contudo, em regra, a perícia criminal é requisitada para examinar locais de suicídio. Você deve estar pensando: claro! É preciso confirmar que de fato foi um suicídio e não um homicídio! E você está certo. É exatamente isso, no entanto, o que nos permite ter certeza é o princípio da transferência de vestígios: num local onde não houve crime, não pode haver sinais do criminoso e, ainda que haja sinais de um agente externo, tal qual um criminoso, sua dinâmica deve ser de tal forma que evidencie que o mesmo não praticou ou concorreu para o resultado.
Em locais de crime, ocorre sempre a troca de vestígios entre os agentes delituosos e o ambiente. Os criminosos, geralmente, deixam algo na cena, mas também levam algo da cena consigo.
1. Locard dedicou toda sua vida profissional à investigação criminal e é considerado um dos principais protagonistas nesse campo. 2. Através do princípio da transferência de vestígios, Locard contribuiu para a solução de inúmeros casos. Entre eles destaca-se o caso do assassinato de Marie Latelle (veja no Canal de Perícia). 3. Locard também contribuiu intensamente para o desenvolvimento da papiloscopia. 4. Ao lado, uma foto de Edmond Locard em 1965.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
Parte 4
Isolamento e preservação Antes de tudo é imprescindível reconhecer o local de crime. Somente depois disso, haverá a possibilidade de isolá-lo e preservá-lo adequadamente para a atividade pericial. São procedimentos simples, contudo, a razão da preservação e as consequências da não preservação devem estar absolutamente claras.
O
primeiro passo consiste em garantir que ninguém penetre ou interfira na cena: é o isolamento. Depois, assegurar que seus elementos constituintes não sejam modificados: é a preservação. Isolar a cena, nesse caso, envolve o estabelecimento de fronteiras. Evidentemente, para evitar perdas, os agentes devem superestimar a área de interesse pericial. Para a preservação é importante que os agentes mantenham vigilância constante sobre toda a fronteira da cena até a chegada dos peritos criminais.
Relevância e procedimentos 1
2
3
Isolamento da área de interesse pericial
Preservação da área de interesse
Análise do isolamento e da preservação da área
• O isolamento deve superestimar
• Os agentes devem manter
• A legislação estabelece que o
a área de interesse pericial.
vigilância visual sobre as fronte-
perito deve discutir o isolamento
iras estabelecidas no processo de
e a preservação da cena do crime.
isolamento.
Deve estabelecer o quanto foi mo-
• O isolamento deve ser visual. Preferencialmente com faixas ama-
dificado em relação ao momento
relas contendo inscrições indicati-
• Se houver vítimas no interior da
vas de que se trata de um local de
cena, é importante que os agen-
crime e que o acesso é proibido.
tes tomem as precauções para a
• O perito deve apresentar suas
manutenção dos elementos.
conclusões no laudo pericial.
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final do delito.
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O artigo 169 do Código de Processo Penal disciplina o isolamento da cena do crime: Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. (Vide Lei nº 5.970, de 1973) Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos. Os peritos podem considerar o local preservado, parcialmente preservado ou prejudicado para a realização dos exames periciais. Nesse último caso também é usual dizer que o local é inidôneo. Locais inidôneos podem não possuir os elementos que viabilizem a realização dos exames periciais. Nessa situação, de acordo com a requisição de exames periciais, pode optar-se pela perícia indireta.
(...) é importante que os agentes responsáveis pela preservação mantenham vigilância visual sobre a área isolada.
AÇÃO:
RESULTADO:
• Realizar o isolamento da cena do
• Estabelece a área de interesse
crime.
percial.
• Realizar o vigilância visual da
• Garante a preservação dos ele-
cena do crime.
mentos constituintes da cena.
• Precauções para o atendimento
• Evita distorções, garante a
de vítimas no interior da cena,
preservação e mesmo a cadeia de
antes da chegada dos peritos.
custódia de elementos alterados.
• Analisar o isolamento e a
• Garante a eficácia do exame.
preservação da área a ser pericia-
A confiabilidade dos resultados
da.
pode ser adequadamente avaliada.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
Parte 5
Classificação dos locais Classificar os locais de crime permite que outros especialistas, que não tiveram acesso à cena, compreendam suas características mais relevantes. Além disso, classificar os locais também é importante para estabelecer o modelo de abordagem, ou seja, a forma pela qual o local será periciado. Mas nós trataremos de abordagem em outro texto.
Quanto à região da ocorrência As áreas internas de um local de crime podem ser classificadas de acordo com a distribuição dos vestígios. A área que contém os vestígios é a imediata e a que a envolve externamente, é a mediata. Vejamos. Imediata: é a área onde os vestígios se concentram. É nesse ambiente que se procede ao exame pericial, presumindo-se, evidentemente, que o local tenha sido devidamente preservado. Mediata: compreende as adjacências do local onde ocorreu o fato, é, por assim dizer, a área intermediária entre a cena do crime e o grande ambiente exterior. As fronteiras estabelecidas no processo de isolamento da cena são, na realidade, as fronteiras da área mediata.
1. Os exames devem ficar adstritos à área imediata. Caso verifiquem-se vestígios na área mediata depois do início dos exames, a divisão entre as regiões deve ser refeita. 2. Somente a equipe de perícia deve ter acesso à área imediata. Outros policiais, em regra responsáveis pela segurança durante os exames, devem ficar limitados à área mediata. 3. Outras pessoas que estiverem pelas imediações, estranhas à atividade pericial, devem permanecer além das fronteiras da área mediata.
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Quanto à preservação Preservar significa manter as condições deixadas pelos delinquentes inalteradas até a chegada da equipe de perícias. Quanto à preservação, os locais de crime devem ser classificados como idôneos ou não violados e inidôneos ou violados. É importante ter em mente o intervalo de tempo entre o instante que os agentes criminosos deixam o local do crime e o que a equipe de perícias chega ao local. Vamos chamar esse período de tempo de latência. Nesse caso, locais idôneos são aqueles que não sofreram a influência de terceiros (pessoas não relacionadas à investigação) ao longo do tempo de latência. Esses locais, consequentemente, foram mantidos no estado em que foram abandonados pelos agentes criminosos. Assim, diz-se que foram preservados. Locais inidôneos, por outro lado, são aqueles onde houve modificações aleatórias e descontroladas durante o tempo de latência. Essas alterações podem ter sido produzidas por terceiros ou mesmo por agentes despreparados para a condução das atividades.
• Os exames possibilitam resultados conclusivos e precisos.
Local idôneo Não houve modificações ou influência de terceiros durante o tempo de latência.
• Elementos originários dos deliquentes podem ser constatados com relativa facilidade. • A aplicação do Princípio da Transferência de Locard ou de vestígios, independe de análises preliminares pormenorizadas • Probalidade de êxito nas invesrtigações é alta.
• Perito deve calcular a intensidade da alteração e inferir o grau de prejuizo para os exames.
Local inidôneo Houve modificações aleatórias durante o tempo de latência. Modificações controladas devem ser análisadas pelo perito.
• Elementos originários dos deliquentes estão misturados aos de terceiros. Tudo deve ser coletado e levado ao laboratório. • A aplicação do Princípio da Transferência de Locard dependerá, em regra, dos resultados dos exames laboratoriais.
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Os trajes dos peritos evitam que eles próprios, ao longo dos exames, contaminem a cena do crime.
Quanto à área Quanto à área os locais devem ser classificados como internos, externos ou virtuais. Diz-se que é interna, quando é coberta. Confinada ou não por paredes. A garagem coberta de um estacionamento, ainda que não disponha de paredes nas laterais, é considerada uma área interna. Por outro lado, áreas externas não dispõem de cobertura, ainda que sejam integralmente confinadas por paredes. Uma edificação cuja laje desmoronou, por exemplo, é um local externo. Por fim, virtual é a área onde não existe relação direta entre determinado espaço físico e a presença dos vestígios a serem periciados. Em especial os locais de crime de internet são locais virtuais, considerando que, em grande parte, independem do espaço físico onde se localizam os servidores de dados.
Mas o cyberspace não é simplesmente virtual. Ou é?! De fato, não é. Pois ele também envolve os computadores que armazenam os dados além de toda a infraestrutura que permite que eles fluam. Cabos, fibras ópticas e roteadores são exemplos de equipamentos físicos que também compõem o cyberspace. A internet, sim, pode ser considerada uma área virtual • Atribui-se a William Gibson a invenção e a popularização do termo cyberspace, por tê-lo usado em seu romance de 1984, Neuromancer. • A internet, como a conhecemos, está contida no cyberspace.
„A classificação dos locais de crime, conforme a área que os contém, também é relevante para a abordagem.” D.P. Lyle, MD
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Externa vs. Interna. Que precauções são relevantes? Nas áreas externas, além de todos os cuidados relativos à preservação, de que falamos anteriormente, também é necessário considerar as modificações decorrentes do meio ambiente. O vento, a chuva, o frio e o calor intensos, podem prejudicar a cena do crime de forma irreversível. Existem protocolos para o processamento de locais de crime em áreas externas. É fundamental que eles sejam considerados. As áreas internas, por sua vez, em regra, contam com menos espaço para a realização das atividades periciais (armazenamento de vestígios coletados, por exemplo). Nesse caso, a abordagem deve ser definida criteriosamente, de forma que mitigue ao máximo as possibilidades de que os próprios peritos causem prejuízos à cena do crime. Por essa razão, é comum que exames internos demandem mais tempo.
Exame em área externa.
Quanto à natureza O local será classificado de acordo com o delito (o tipo penal) que o originou, podendo ser de morte violenta, de incêndio, de furto qualificado, de acidente de trânsito, de crime contra o meio ambiente, entre outros. Diferente das outras classificações, essa deve ser produzida pela própria autoridade requisitante a qual, por óbvio, tem conhecimento da infração penal praticada. Assim, na requisição de exames periciais, que é o documento que dá origem aos trabalhos da perícia, entre outras informações, deve constar a natureza do delito em questão, que é a própria classificação do local a ser periciado. Se, por exemplo, constar na requisição que a natureza do exame é homicídio, o local deve ser classificado como, de homicídio.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
As naturezas podem ser reunidas em grandes grupos, e isso facilita muito porque, naturezas pertencentes a um mesmo grupo, possuem algumas características em comum, o que remete a exames que também possuem procedimentos em comum. Aqui, apresentaremos especificamente os dois maiores grupos; o dos crimes contra o patrimônio e o dos crimes contra a pessoa. • Contra o patrimônio: entre os crimes contra o patrimônio destacam-se o furto qualificado, o roubo e o dano. Esses três, somados, representam a maior parte dos exames de local realizados pelos peritos criminais. • Contra a pessoa: entre os crimes contra a pessoa, os mais importantes são o homicídio e a lesão corporal. Nesse caso, é relevante enfatizar, em especial, que eles admitem a forma culposa, então, ainda que o perito não tenha que identificar a intenção do agente, certamente terá que realizar exames que apoiem a autoridade judiciária nessa direção.
„Todo homem, independente de qualquer circunstância, é atingido pelos próprios crimes.”
Qual a relevância da classificação segundo a natureza? Embora independentes, as classificações não são opcionais e nem devem ser utilizadas isoladamente. Nesse caso, cada local, cada cena de crime, tem de ser classificada segundo todos os critérios aqui estabelecidos. Somente depois disso, pode-se determinar o protocolo mais adequado para a abordagem da cena e realização dos exames. Então, como todas as demais classificações, a relativa à natureza tem importância específica porque auxilia o perito com informações que as demais não fornecem. Vejamos. 1. A partir da natureza do exame, pode-se estabelecer métodos, técnicas e mesmo equipamentos necessários para sua consecução. 2. Pode-se estabelecer as competências necessárias para a realização dos exames. Em ultima análise, a seleção do perito, decorre da natureza do exame. 3. A natureza do exame também permite estabelecer prioridades. 4. Por fim a natureza do exame é relevante para as estatísticas criminais.
Crime contra a vida.
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Quanto ao(s) núcleo(s)
N O
úcleo do local ou da cena de um crime, da mesma forma que os demais elementos constatados, é um vestígio. O que o difere dos demais, é o fato de ser o mais importante e, além disso, para onde todos os outros convergem. s locais, quanto ao(s) núcleo(s), podem ser classificados de três formas: há os mononucleados, que possuem um único núcleo, portanto; os polinucleados, que possuem dois ou mais núcleos e os cujo núcleo está distribuído ao longo da cena, são os locais de núcleo difuso. A classificação dos locais de crime, segundo a quantidade de núcleos, deve ser feita de acordo com o caso concreto, no entanto, locais de crime contra a pessoa são majoritariamente mono ou polinucleados, enquanto que os contra o patrimônio, na maioria dos casos possuem núcleo difuso.
Mono e polinucleados...
Distribuído ou difuso.
Os homicídios O núcleo de um local de homicídio, na grande maioria das vezes, é o próprio corpo da vítima. Observe que, de acordo com a definição que apresentamos anteriormente, os outros vestígios existentes num local de homicídio, convergem necessariamente para o corpo vítima, ou seja, guardam relação direta com ele. Podem ser, por exemplo, a arma do crime, pegadas ou impressões digitais do criminoso, sinais de luta corporal, etc. Nos locais de homicídio, cada um dos corpos é um núcleo. Então, se houver dois ou mais corpos, o local será polinucleado. Os outros vestígios, além dos próprios corpos num local polinucleado, podem convergir para um núcleo ou para ambos os núcleos. Por exemplo, a mesma arma pode ter sido usada contra duas vítimas num local de duplo homicídio.
Furto... Nos locais de furto qualificado, onde o objetivo dos criminosos, em regra, é simplesmente subtrair os objetos de mais alto valor que encontrarem, não se pode definir vestígios mais ou menos importantes e, por essa razão, todos eles, combinados, compõem o núcleo da cena que, por isso é distribuído ou difuso.
Importância... A classificação segundo os núcleos é de grande relevância para a determinação da rota dos peritos ao longo da cena. Nos locais mono ou polinucleados, os peritos em regra devem seguir rotas em espiral ou espiral combinado, enquanto que nos locais de núcleo difuso, as rotas lineares são as mais indicadas.
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Breve Introdução aos Locais de Crime
Parte 6
Próximos passos! É evidente que ainda há muito o que aprender. Contudo, os conceitos que apresentamos serão importantes em toda a sua trajetória profissional. Independente da área pela qual se decidir. Entender locais de crime faz parte da vida do perito!
Se você, como eu, também é fascinado pelo mundo da investigação criminal, os próximos passos resumem-se ao aprendizado mais detalhado da atividade pericial. O estudo específico dos vestígios; o aprofundamento no Princípio de Locard e nas suas consequências; os aspectos jurídicos relevantes; tudo isso deve fazer parte dos seus próximos passos.
„O Perito é o guardião da verdade real.”
„Nós, os peritos, somos a última voz da vítima.”
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„Numa cena de crime, de todas as coisas, a mais importante é saber como duvidar daquilo que nos é apresentado.”
Anônimo
„Uma vez eliminado o impossível, o que resta, não importa. Deve ser a verdade.”
Edmond Locard
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Sherlock Holmes
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Sobre este e-Book Este texto apresenta uma visão preliminar da criminalística. Uma visão ao mesmo tempo simples e completa de aspectos essenciais dos locais de crime. Além disso, também apresenta conceitos e características que permitirão ao leitor, mesmo ao iniciante, reconhecer locais de crime e inferir os procedimentos gerais para o seu processamento. É destinado àqueles que desejem conhecer algo além do estritamente pragmático porque, processar locais de crime pode ser comparado a muitas coisas... como por exemplo montar quebra-cabeças ou mesmo com o trabalho dos arqueólogos, contudo, está muito, muito além do pragmático! A começar pelo fato de que não existem dois locais de crime iguais: cada local é único e por isso, apresenta dificuldades e desafios únicos!
Locais de crime apresentam dificuldades e desafios únicos. Mas ao final, também entregam recompensas únicas!
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