Hipóteses Hipócritas

  • Uploaded by: Zisco Hares Fongaro
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  • May 2020
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Hipóteses Hipócritas? Sempre ouço falar do fim do mundo, e sei que a cada dia que passa ele inexoravelmente se aproxima, nunca levei isso muito a sério, Adoraria assistir ao fim do mundo na primeira fila, com vista para o mar e água de coco bem gelada. Outro dia fiz a mesma brincadeira com meus filhos durante o almoço, e cada um deles à sua maneira teve uma reação, nada que não fosse de se esperar de crianças, eu porém, comecei a tecer várias considerações. Decidi encarar como um evento que se aproxima. Por que não enfrentar com naturalidade o inevitável? A cada desgraça que acontece, ou a cada nova moda inventada, ou barbaridade praticada, todos são categóricos ao afirmar, “ISSO É O FIM DO MUNDO”, talvez seja mesmo, mas é quase certo que ainda não, mesmo assim ainda quero aquele meu lugar na primeira fila com vista para o mar e com a água de coco bem gelada. Guerras, destruição, exploração. Provas de nossa incapacidade de viver em harmonia com o nosso planeta. Talvez fosse a última e mais mórbida diversão a ser apresentada para a humanidade, acho que até mereceríamos todos ingressos vip para assistirmos a derrocada final do homem, e o triunfo das baratas. Neste dia do juízo final, em que inspiraríamos nossos últimos litros de ar pútrido, teríamos todos a certeza que não mais viveríamos para contar nossa história, ou para dar aquela trepada com quem tanto sonhamos, ou ainda comprar qualquer coisa, ou mesmo roubar o que por tanto tempo desejamos, não poderíamos perder tempo buscando nossos inimigos para mata-los, talvez já estivessem mortos. Neste último e fatídico dia da humanidade sobre a terra de nada adiantaria pedir perdão, ou perdoar, ser bondoso, ou perverso, Deus talvez nem estivesse prestando atenção no que estaria ocorrendo, talvez estivesse ocupado com coisas muito mais interessantes, talvez nunca tivesse estado em qualquer lugar. O que eu poderia fazer nesse dia, se realmente estivesse presente? O que eu poderia fazer no fatídico dia? Ir à praia, dar uma trepada, reunir-me com a família? Não sei se faria algo especial, neste dia em que finalmente todos nós haveríamos de inspirar nossos últimos litros de poluição, deixando todo o planeta à mercê das baratas, e de toda sorte de insetos, e vermes. Uma só coisa me preocupava nessa minha viagem a este dia caso ele fosse realmente acontecer tão brevemente, isto não seria fácil de ser explicado às crianças caso ainda estivessem comigo à mesa, mas também não seria necessário, mesmo porque nós não teríamos mais um minuto de vida sequer, eu seria poupado pela impiedosa intervenção do destino comum a todos, acho que seria inútil explicar o que não precisaria mais de qualquer explicação, a realidade seria mais forte que minhas palavras, ela sempre é. Gostaria, no entanto de saber com seria o mundo das baratas e vermes que fatalmente tomariam conta de toda a terra, vida haveria, e quem sabe inteligência também, não sei se seria capaz de compreender sua nova ordem, sua lógica extremamente peculiar. Imagino ainda que restaria muito lixo sobre a terra, muita sucata a se degradar com o tempo, máquinas que ainda estariam inteiras e aptas a funcionar se houvesse energia e alguém para comandar. Imagino como seria o fim do legado humano. Um mundo entregue aos vermes. Museus com obras de arte, sem olhos para contemplá-las; música para não ser mais ouvida;

poesia não declamada. Vozes em gravações, imagens que um dia foram importantes para alguém, palavras escritas sem mais nenhum significado. O Tempo também desapareceria, ninguém mais se incomodaria em perceber sua passagem nem registra-la com relógios e calendários, talvez sobrassem vozes, registradas em gravações, imagens daquilo que um dia esteve por lá, palavras escritas, ou faladas, mas não significariam mais nada. Ainda assim o tempo passaria como sempre passou, indiferente à consciência de quem quer que fosse um dia nota-lo passar, e quem sabe até alguém notasse à medida que ele fosse passando. Eu decidi então encarar o fim do mundo como um evento que se aproxima a cada dia, e coloquei meu plano de reserva de lugares em ação, mesmo porque jamais me perdoaria se não tivesse aquele meu lugar de frente para o mar, e aquela água de coco gelada nas mãos. Tenho como objetivo aproveitar o máximo de minha vida, enquanto o Fim, ou o meu fim, não chega. O homem brinca de Deus. Não creio que encontrarei esse Deus de quem falam. Pode ser diferente do descrito pelas religiões ou talvez não encontre ninguém, nada, não sei se devo esperar me encontrar com esse Deus que todos falam, ele pode ser bem diferente disso tudo, posso tomar um grande susto. Sei que isso que tem dentro de mim e que me faz escrever tudo o que escrevo permanecerá vivo após o final de tudo, este meu “Eu Interior”, resistirá assim como as baratas, e talvez se desprendendo do tempo possa testemunhar uma história de um novo mundo a ser criado. Não chega a ser uma obra de ficção, é apenas um pouco de maquiagem literária jogada sobre aquilo que já está acontecendo. Nosso planeta se aquece a cada dia devido à utilização de combustíveis fósseis, mas nossa mente pode nos levar imaginar quadros tenebrosos, não custa nada tentar. Imaginem que daqui a alguns anos vamos nos dar conta que tanto consumo de energia só pode nos levar mais rapidamente ao abismo, ainda que tenhamos muito que queimar, e temos de sobra. A cidade de São Paulo é uma das maiores consumidoras de energia do planeta, e muitas vezes consome muito além do que necessita, imagine que um governante resolva fazer um esforço para deter este consumo desenfreado. Aparelhos de ar condicionado seriam desativados em repartições públicas, lâmpadas seriam substituídas por outras mais eficientes, e até mesmo os hospitais seriam incluídos neste esforço, mesmo porque jamais poderia faltar energia nos grandes hospitais da cidade de São Paulo. Tanto esforço só nos daria mais algum tempo de sobrevida, o aquecimento global ainda assim continuaria em curso, mesmo depois de algumas décadas de esforço dedicado de governantes, cidadãos e da comunidade científica, os grandes hospitais da São Paulo tomariam medidas conjuntas de controle de consumo de energia, alas que não precisassem de ar condicionado, passariam a não tê-lo, algumas outras seriam transferidas para tendas onde haveria mais ventilação e o controle de contaminação por agentes biológicos seria mais rigoroso, salas de cirurgia ainda ocupariam prédios de concreto e aço, mas salas de parto seriam mudadas para os ambientes tenda, onde seria mais fácil respirar, e ainda assim se garantir um controle de infecção hospitalar quase excelente.

Esta solução arriscada, mas plena de êxito criaria um novo paradigma a ser buscado, mesmo assim ainda estaríamos morrendo lentamente sufocados, a cada dia, e chegaria com certeza o dia em que esta solução não poderia mais ser aplicada, o ar seria tão poluído que os recém – nascidos correriam grave risco de intoxicação, e chegaria ainda o dia que ao dar seu primeiro grito para a vida uma criança haveria de consumir os últimos centímetros cúbicos de ar respirável, e morreria em seguida, juntamente com os trilhões de pessoas sobre a terra. A maior de todas as catástrofes é o aquecimento global, pois ainda morreremos todos sem nenhum tiro ou explosão, mas pela nossa avidez de consumir qualquer coisa que esteja à nossa disposição.

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