Paradoxos - Galeano

  • Uploaded by: Eliana Giannella Simonetti
  • 0
  • 0
  • May 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Paradoxos - Galeano as PDF for free.

More details

  • Words: 3,133
  • Pages: 6
A metade dos brasileiros � pobre ou muito pobre, por�m o pa�s de Lula � o segundo mercado mundial das canetas Montblanc e o nono comprador de carros Ferrari, e as lojas Armani de S�o Paulo vendem mais que as de Nova York. Pinochet, o verdugo de Allende, rendia homenagem � sua v�tima cada vez que falava do "milagre chileno". Ele nunca o confessou, tampouco o disseram os governantes democr�ticos que vieram depois, quando o "milagre" se converteu em "modelo": o que seria do Chile se o cobre n�o fosse chileno, a viga-mestra da economia, que Allende nacionalizou e que nunca foi privatizado? Foi na Am�rica onde nasceram, e n�o na �ndia, os nossos �ndios. Tamb�m o peru e o milho nasceram na Am�rica, e n�o na Turquia, por�m a l�ngua inglesa chama de �turkey� o peru e a l�ngua italiana chama de �granturco� o milho. O Banco Mundial elogia a privatiza��o da sa�de p�blica na Z�mbia: "� um modelo para a �frica. J� n�o h� filas nos hospitais". O di�rio The Zambian Post completa a id�ia: "J� n�o h� mais filas nos hospitais, porque as pessoas morrem em casa". H� quatro anos, o jornalista Richard Swift chegou aos campos do oeste de Gana, onde se produz cacau barato para a Su��a. Na mochila, o jornalista levava umas barras de chocolate. Os cultivadores de cacau nunca tinham experimentado o chocolate. Ficaram encantados. Os pa�ses ricos, que subsidiam sua agricultura a um ritmo de um bilh�o de d�lares por dia, proibem os subs�dios � agricultura nos pa�ses pobres. Colheita recorde nas margens do rio Mississippi: o algod�o estadunidense inunda o mercado mundial e derruba o pre�o. Colheira recorde no rio N�ger: o algod�o africano paga t�o pouco que nem vale a pena colh�-lo. As vacas do norte ganham o dobro do que os camponeses do sul. Os subs�dios que recebe cada vaca na Europa e nos Estados Unidos s�o o dobro da quantidade de dinheiro que ganha, na m�dia, por um ano inteiro de trabalho, cada agropecuarista dos pa�ses pobres. Os produtores do sul acodem, desunidos, o mercado mundial. Os compradores do norte imp�em pre�os de monop�lio. Desde que, em 1989, morreu a Organiza��o Internacional do Caf�, e acabou o sistema de quotas de produ��o, o pre�o do caf� anda rastejando. Nesses �ltimos tempos, pior do que nunca: na Am�rica Central, quem semeia o caf�, colhe a fome. Por�m, n�o foi rebaixado, nem um pouquinho, que eu saiba, o que se paga para beb�-lo. Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto.. Joshua Slocum, o primeiro homem que deu a volta ao mundo navegando solit�rio, n�o sabia nadar. Exitem no mundo tantos famintos quanto gordos. Os famintos comem lixo nas lixeiras; os gordos comem lixo no McDonald�s. O progresso infla. Rarotonga � a mais pr�spera das ilhas Cook, no Pac�fico sul, com assustadores �ndices de crescimento econ�mico. Por�m o mais assustador � o crescimento da obesidade entre seus homens jovens. 40 anos atr�s, 11 de cada 100 eram gordos. Hoje, s�o gordos todos. Desde que a China se abriu para essa coisa que chamam de "economia de mercado", o menu tradicional de arroz com verduras foi velozmente substitu�do por hamb�rgueres. O governo chin�s n�o teve outro rem�dio que declarar a guerra contra a obesidade, convertida em epidemia nacional. A campanha de propaganda difunde o

exemplo do jovem Lian Shun, que emagreceu 115 quilos no ano passado. A frase mais famosa atribu�da a Don Quixote ("Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos") n�o aparece na novela de Cervantes; e Humphrey Bogart n�o diz a frase mais atribu�da ao filme Casablanca (Play it again, Sam). Ao contr�rio do que se cr�, Ali Bab� n�o era o chefe dos 40 ladr�es, mas seu inimigo; e Frankestein n�o era o monstro, mas seu involunt�rio inventor. � primeira vista, parece incompreens�vel, e � segunda vista, tamb�m: onde mais progride o progresso, mais horas as pessoas trabalham. A enfermidade por excesso de trabalho conduz � morte. Em japon�s, chama-se karoshi. Agora, os japoneses est�o incorporando outra palavra ao dicion�rio da civiliza��o tecnol�gica: karojsatsu � o nome dos suic�dios por hiper-atividade, cada vez mais frequentes. Em maio de 1998, a Fran�a reduziu a semana de trabalho de 39 para 35 horas. Essa lei n�o s� resultou eficaz contra a desocupa��o, como tamb�m deu um exemplo de rara sanidade, neste mundo que perdeu um parafuso, ou v�rios, ou todos: para que servem as m�quinas, se n�o reduzem o tempo humano de trabalho? Por�m os socialistas perderam as elei��es e a Fran�a retornou � anormal normalidade de nosso tempo. J� se est� evaporando a lei que tinha sido ditada pelo sentido comum. A tecnologia produz melancias quadradas, frangos sem penas e m�o-de-obra sem carne nem osso. Em certo n�mero de hospitais dos Estados Unidos, os rob�s cumprem as tarefas de enfermaria. Segundo o di�rio The Washington Post, os rob�s trabalham 24 horas por dia, por�m, n�o podem tomar decis�es, porque carecem de sentido comum: um involunt�rio retrato do oper�rio exemplar no mundo que vem.. Segundo os evangelhos, Criso nasceu quando Herodes era rei. Como Herodes morreu quatro anos antes da era crist�, Cristo nasceu pelo menos quatro anos antes de Cristo. Com trov�es de guerra se celebra, em muitos pa�ses, a Noite Feliz. Noite de paz, noite de amor: os morteiros enlouquecem os cachorros e deixam surdos as mulheres e os homens de boa vontade. A cruz su�stica, que os nazistas identificaram com a guerra e a morte, tinha sido s�mbolo de vida na Mesopot�mia, na �ndia, e na Am�rica. Quando George W. Bush prop�s abater as florestas para acabar com os inc�ndios florestais, n�o foi compreendido. O presidente parecia mais incoerente do que de costume. Por�m ele estava sendo consequente com suas id�ias. S�o seus santos rem�dios: para acabar com a dor de cabe�a, deve ser decapitado o sofredor; para salvar o povo do Iraque, vamos bombarde�-lo at� fazer dele um pur�. O mundo � um grande paradoxo que gira no universo. Neste passo, daqui a pouco os propriet�rios do planeta proibir�o a fome e a sede, para que n�o faltem nem p�o nem �gua.

Paradoxes by Eduardo Galeano rebelion.org [Translated by Francisco Gonzalez]

Half of the population of Brazil lives in poverty or in extreme poverty, yet Lula's country is the world's second market for Montblanc fountain pens, and the ninth largest buyer of Ferraris. Armani shops in Sao Paulo sell more than in New York. Allende's executioner, Pinochet, paid homage to his victim every time he spoke of the "Chilean miracle." Pinochet never confessed it, nor has it been mentioned by the democratic rulers who came after him, when the "miracle" became the "model"-but what would happen to Chile if its copper were not Chilean? The copper industry--the central roof beam of the Chilean economy--was nationalized by Allende, never to be privatized again. Our Indians were born in the American continent, not in India. Turkeys and corn are also American, despite the name the English language has given this bird, and the fact that corn is called "Turkish grain" [granoturco] in Italian. The World Bank praises the privatization of public health in Zambia: "It is a model for the rest of Africa. There are no more waiting lines at hospitals." The Zambian Post daily completes the idea: "There are no more waiting lines at hospitals because now people die at home." Four years ago, journalist Richard Swift arrived in the fields of western Ghana, were cheap cocoa is harvested to be shipped to Switzerland. The journalist carried some chocolate bars in his backpack. The native harvesters had never tasted chocolate before. They loved it. Rich countries, which subsidize their agriculture at the tune of millions of dollars per day, forbid agricultural subsidies in the poor countries. A record harvest by the Mississippi river floods the world cotton markets and causes prices to collapse. A similar harvest near the Niger river pays so little the corn is not even worth picking. The cows of the North earn twice as much as the peasants of the South. The subsidies received by each cow in Europe and the United States double the average salary earned by peasants in the poor countries for a whole year of work. Producers from the South go to the world markets in disunity, while sellers from the North impose monopoly prices. Since the World Coffee Organization disappeared, ending production quotas, the price of coffee has hit rock bottom, and lately it's been worse than ever: in Central America, those who sow coffee reap hunger. But the price one pays for drinking it hasn't dropped at all. Charlemagne, founder of the first great European library, was illiterate. Joshua Slocum, the first man to sail solo around the globe, did not know how to swim. The world contains as many hungry people as obese. The hungry eat garbage from garbage cans; the obese eat garbage from McDonald's. Progress causes bloating. Rarotonga is the most prosperous of the Cook islands, in the South Pacific. It has amazing economic growth rates. But even more amazing is the growth of obesity among its youth. Forty years ago, eleven out of 100 of them were fat. Now all of them are fat. Ever since China opened up to the so called "market economy," its traditional menu of rice and vegetables has been speedily overtaken by hamburgers. The Chinese

Government had no choice but to declare war on obesity, which is now a national epidemic. The advertising campaign publicizes the example of Liang Shun, a young man who lost 115 kg (253 lbs) last year. The best-known line attributed to Don Quixote ("They are barking, Sancho; it's a sign that we are moving") does not appear at all in Cervantes' novel. Humphrey Bogart does not say the most famous line ("Play it again, Sam") attributed to him in the movie Casablanca. Contrary to what is commonly believed, Ali Baba was not the leader of the 40 thieves, but their enemy; and Frankenstein was not the monster, but its inventor. On first thought it seems incomprehensible, and on second thought as well: in the places where progress has progressed the most, people work the longest hours. The illness caused by too much work leads to death. It is called karoshi in Japanese. Now the Japanese are adding yet another word to the dictionary of technological civilization: karojsatsu is the name given to suicides caused by hyperactivity, an increasingly frequent occurrence. In May of 1998, France reduced the work week from 39 to 35 hours. Not only did such a measure prove effective against unemployment, but it also provided a rare instance of sanity in a world that has got a screw loose--or several, or all of them. For what is the use of machines if they can't reduce the amount of time humans spend at work? But the Socialists lost the elections and things in France went back to normal, so a law that had been dictated by common sense is already on its way out. Technology produces cubic-shaped watermelons, featherless chickens, and a lifeless labor force. In a few hospitals in the United States robots already take on some nursing tasks. According to the Washington Post, robots work 24 hours a day, but they cannot make decisions because they lack common sense--an unwitting portrait of the ideal worker in the world to come. According to the Gospel, Christ was born during the reign of king Herod. Since Herod died in 4 BC, Christ was born at least four years before himself. Christmas Eve is celebrated in many countries with thundering salvos. Silent night; holy night! The sound of the fireworks drives dogs insane and deafens women and men of good will. The swastika, which the Nazis identified with war and death, had been a symbol of life in Mesopotamia, India and America. When George W. Bush suggested that forests be cut down in order to end forest fires, he was misunderstood. The President seemed a bit more incoherent than usual, but he was being consistent with his ideas. These are his holy remedies: to cure a headache, we shall behead the sufferer; to save the people of Iraq, we will bomb it to a pulp. Our world is a great paradox that turns around in the universe. At the rate we are going, the owners of the planet will soon outlaw hunger and thirst in order to forestall shortages of food and water. 20 de octubre de 2002

Paradojas

Eduardo Galeano La Jornada La mitad de los brasile�os es pobre o muy pobre, pero el pa�s de Lula es el segundo mercado mundial de las lapiceras Montblanc y el noveno comprador de autos Ferrari, y las tiendas Armani de Sao Paulo venden m�s que las de Nueva York. Pinochet, el verdugo de Allende, rend�a homenaje a su v�ctima cada vez que hablaba del "milagro chileno". El nunca lo confes�, ni tampoco lo han dicho los gobernantes democr�ticos que vinieron despu�s, cuando el "milagro" se convirti� en "modelo": �qu� ser�a de Chile si no fuera chileno el cobre, la viga maestra de la econom�a, que Allende nacionaliz� y que nunca fue privatizado? En Am�rica nacieron, no en la India, nuestros indios. Tambi�n el pavo y el ma�z nacieron en Am�rica, y no en Turqu�a, pero la lengua inglesa llama turkey al pavo y la lengua italiana llama granturco al ma�z. El Banco Mundial elogia la privatizaci�n de la salud p�blica en Zambia: "Es un modelo para el Africa. Ya no hay colas en los hospitales". El diario The Zambian Post completa la idea: "Ya no hay colas en los hospitales, porque la gente se muere en la casa". Hace cuatro a�os, el periodista Richard Swift lleg� a los campos del oeste de Ghana, donde se produce cacao barato para Suiza. En la mochila, el periodista llevaba unas barras de chocolate. Los cultivadores de cacao nunca hab�an probado el chocolate. Les encant�. Los pa�ses ricos, que subsidian su agricultura a un ritmo de mil millones de d�lares por d�a, proh�ben los subsidios a la agricultura en los pa�ses pobres. Cosecha r�cord a orillas del r�o Mississippi: el algod�n estadunidense inunda el mercado mundial y derrumba el precio. Cosecha r�cord a orillas del r�o N�ger: el algod�n africano paga tan poco que ni vale la pena recogerlo. Las vacas del norte ganan el doble que los campesinos del sur. Los subsidios que recibe cada vaca en Europa y en Estados Unidos duplican la cantidad de dinero que en promedio gana, por un a�o entero de trabajo, cada granjero de los pa�ses pobres. Los productores del sur acuden desunidos al mercado mundial. Los compradores del norte imponen precios de monopolio. Desde que en 1989 muri� la Organizaci�n Internacional del Caf� y se acab� el sistema de cuotas de producci�n, el precio del caf� anda por los suelos. En estos �ltimos tiempos, peor que nunca: en Am�rica Central, quien siembra caf� cosecha hambre. Pero no se ha rebajado ni un poquito, que yo sepa, lo que uno paga por beberlo. Carlomagno, creador de la primera gran biblioteca de Europa, era analfabeto. Joshua Slocum, el primer hombre que dio la vuelta al mundo navegando en solitario, no sab�a nadar. Hay en el mundo tantos hambrientos como gordos. Los hambrientos comen basura en los basurales; los gordos comen basura en McDonald's. El progreso infla. Rarotonga es la m�s pr�spera de las islas Cook, en el Pac�fico sur, con asombrosos �ndices de crecimiento econ�mico. Pero m�s asombroso es el crecimiento de la obesidad entre sus hombres j�venes. Hace 40 a�os eran gordos 11

de cada 100. Ahora, son gordos todos. Desde que China se abri� a esta cosa que llaman "econom�a de mercado", el men� tradicional de arroz con verduras ha sido velozmente desplazado por las hamburguesas. El gobierno chino no ha tenido m�s remedio que declarar la guerra contra la obesidad, convertida en epidemia nacional. La campa�a de propaganda difunde el ejemplo del joven Liang Shun, que adelgaz� 115 kilos el a�o pasado. La frase m�s famosa atribuida a Don Quijote ("Ladran, Sancho, se�al que cabalgamos") no aparece en la novela de Cervantes; y Humphrey Bogart no dice la frase m�s famosa atribuida a la pel�cula Casablanca (Play it again, Sam). Contra lo que se cree, Al� Bab� no era el jefe de los 40 ladrones, sino su enemigo; y Frankenstein no era el monstruo, sino su involuntario inventor. A primera vista, parece incomprensible, y a segunda vista, tambi�n: donde m�s progresa el progreso, m�s horas trabaja la gente. La enfermedad por exceso de trabajo conduce a la muerte. En japon�s se llama karoshi. Ahora los japoneses est�n incorporando otra palabra al diccionario de la civilizaci�n tecnol�gica: karojsatsu es el nombre de los suicidios por hiperactividad, cada vez m�s frecuentes. En mayo de 1998, Francia redujo la semana laboral de 39 a 35 horas. Esa ley no s�lo result� eficaz contra la desocupaci�n, sino que adem�s dio un ejemplo de rara cordura en este mundo que ha perdido un tornillo, o varios, o todos: �para qu� sirven las m�quinas, si no reducen el tiempo humano de trabajo? Pero los socialistas perdieron las elecciones y Francia retorn� a la anormal normalidad de nuestro tiempo. Ya se est� evaporando la ley que hab�a sido dictada por el sentido com�n. La tecnolog�a produce sand�as cuadradas, pollos sin plumas y mano de obra sin carne ni hueso. En unos cuantos hospitales de Estados Unidos los robots cumplen tareas de enfermer�a. Seg�n el diario The Washington Post, los robots trabajan 24 horas por d�a, pero no pueden tomar decisiones, porque carecen de sentido com�n: un involuntario retrato del obrero ejemplar en el mundo que viene. Seg�n los evangelios, Cristo naci� cuando Herodes era rey. Como Herodes muri� cuatro a�os antes de la era cristiana, Cristo naci� por lo menos cuatro a�os antes de Cristo. Con truenos de guerra se celebra, en muchos pa�ses, la Nochebuena. Noche de paz, noche de amor: la coheter�a enloquece a los perros y deja sordos a las mujeres y los hombres de buena voluntad. La cruz esv�stica, que los nazis identificaron con la guerra y la muerte, hab�a sido un s�mbolo de la vida en la Mesopotamia, la India y Am�rica. Cuando George W. Bush propuso talar los bosques para acabar con los incendios forestales, no fue comprendido. El presidente parec�a un poco m�s incoherente que de costumbre. Pero �l estaba siendo consecuente con sus ideas. Son sus santos remedios: para acabar con el dolor de cabeza, hay que decapitar al sufriente; para salvar al pueblo de Irak, vamos a bombardearlo hasta hacerlo pur�. El mundo es una gran paradoja que gira en el universo. A este paso, de aqu� a poco los propietarios del planeta prohibir�n el hambre y la sed, para que no falten el pan ni el agua.

Related Documents


More Documents from "Alberto Christin"