P-281 - Luta No Fundo Do Mar - H. G

  • November 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View P-281 - Luta No Fundo Do Mar - H. G as PDF for free.

More details

  • Words: 30,998
  • Pages: 65
(P-281)

LUTA NO FUNDO DO MAR Everton Autor

H. G. EWERS Tradução

AYRES CARLOS DE SOUZA

Com os novos impulsores que o tender Dino-3 continha, a Crest conseguiu, por caminhos sinuosos, deixar a galáxia, voando para a Nebulosa de Andrômeda, de onde foi organizado o salto de cinqüenta mil anos. Preparadores do caminho desse ousado empreendimento foram nove sujos “vagabundos espaciais” e o rato-castor Gucky, que pousaram, em missão secreta, na Nova Lemúria. Os supostos vagabundos espaciais conquistaram o tempo — e a Crest conseguiu voltar para o ano 2.404. A odisséia do tempo de Perry Rhodan, deste modo, chega ao fim. Entretanto ainda não chegou a um fim o conflito entre o Império Solar e os senhores da galáxia. Estes resolvem usar novos métodos para dominar o Império da Humanidade. A “moeda fria” do Império Solar, uma moeda altamente apreciada em toda a galáxia, de repente começa a mostrar sinais de fraqueza. Dinheiro falso, que nem mesmo pode ser descoberto com os mais modernos meios de exames e testes, inunda os mundos povoados por seres humanos, num derrame de bilhões. Uma crise econômica de grande envergadura é a conseqüência imediata da invasão de dinheiro falso. Em especial os terranos das colônias começam a desconfiar do governo — e duvidar do trabalho até então desenvolvido por Perry Rhodan, como Administrador-Geral. Mas Perry Rhodan ainda tem muitos homens que continuam garantindo-lhe sua irrestrita fidelidade. Entre eles também está Jean-Pierre Marat, apelidado o “Jaguar Negro”. Ele age de modo decisivo, na Luta no Fundo do Mar.

=======

Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Homer G. Adams — O Ministro das Finanças do Império Solar comporta-se de modo estranho. Jean-Pierre Marat e Roger McKay — Os detetives cósmicos são caçadores e caça a um só tempo. Reginald Bell — O Marechal-de-Estado passa a usar a força bruta. Atlan — Lorde-Almirante e Chefe da USO. Alchinon — Um tefrodense, que muda de opinião sobre os homens da Terra.

1 Quando Homer G. Adams terminou o seu relatório, Perry Rhodan levantou-se e começou a andar, rapidamente, de um lado para o outro, no seu birô. Adams ficou observando o Administrador-Geral com uma expressão intrigada no rosto. O chefe da General Cosmic Company, o conglomerado comercial, industrial e financeiro, praticamente todo-poderoso, que era, de longe, o mais importante esteio do Império Solar, tinha colocado a sua cabeça enorme entre as mãos estreitas, de dedos longos e finos, e parecia estar meditando. Estacando repentinamente, Rhodan parou diante da mesa em forma de rim. Os seus olhos demonstravam uma raiva incontida, e com um gesto irritado ele apanhou a pilha de laminados de escrita eletrônica que estava diante de Adams, e jogou-a novamente sobre a mesa, com violência. — O senhor me decepciona, Adams! — disse ele, baixinho, mas com uma nuance perigosa na voz. — Eu sempre vi no senhor o gênio financeiro da galáxia, o homem cuja previsão intuitiva não era superada por nenhum outro. E agora o senhor me oferece este plano superficialmente alinhavado, e sem sentido...! Homer G. Adams ergueu os olhos. Parecia que os mesmos estavam mendigando um perdão, como um cachorro que levou um pontapé. — Sir, eu... Rhodan fez um gesto enérgico. A sua raiva ainda não se dissipara, mas já não era mais tão visível. — O senhor, pelo menos, dá-se conta de que, no momento, não é possível retirar o dinheiro duplicado de circulação — e que seria politicamente bastante perigoso desvalorizá-lo inteiramente...? Adams encolheu os ombros. Conseguiu recuperar parte do seu autocontrole e retrucou com a voz firme: — Somente uma cura radical ainda poderá nos ajudar, sir. A desvalorização absoluta do dinheiro e a emissão de uma nova moeda... Na testa de Rhodan, apareceram novamente os sinais de irritação. — ...Trariam, além do caos econômico, a catástrofe política! — interveio ele, cortando-lhe a palavra, com dureza. — Acha que devemos anunciar com clarins a declaração de nossa bancarrota para toda a galáxia? Devemos dizer aos saltadores, arcônidas, acônidas e pos-bis, que seus créditos em solares, em nossos bancos, de repente não valem nem mais um mísero sóli? E finalmente, devemos arruinar a indústria privada do Império? Sem levar em conta que uma desvalorização da moeda, na forma sugerida pelo senhor, acarretaria um empobrecimento total dos cidadãos...? Adams, os mundos do Império se declarariam desligados da Terra, e tomariam créditos onde estes lhes fossem oferecidos. E com isso começaria a liquidação da Humanidade a outras raças. — Mande tropas contra aqueles mundos que querem se desligar, sir! — retrucou Adams. Perry Rhodan olhou o seu Ministro de Finanças, incrédulo. Não sabia mais o que poderia dizer a Adams. Até agora ele lhe fora o mais fiel e melhor conselheiro. Isso fez com que ele se forçasse a tratá-lo com moderação.

— Adams, eu acho que o senhor está totalmente estafado. Os seus nervos já não são os mesmos. Caso contrário, o senhor jamais me daria um conselho semelhante. Como é que eu poderia mandar a frota, criada para a proteção dos mundos do Império e seus habitantes, justamente contra esses planetas? Está querendo me aconselhar, com esta sua encenação, uma guerra fratricida? Ele jogou-se numa poltrona vazia. — E agora ouça-me muito bem, pois eu percebo que este assunto terá que ser resolvido pessoalmente, por mim — ele ligou o gravador diretamente ao computador central, para armazenar o que diria, e cruzou os braços sobre o peito. — Alguém derramou, nas últimas semanas, bilhões de solares no fluxo de dinheiro, bilhões que não existiam antes. Enquanto o mercado monetário somente estiver submetido à sua auto-regularização, como até agora, jamais vamos poder verificar, em números, as somas de dinheiro falso existentes. Também não é possível controlar, nos bancos, quem deposita dinheiro falso ou original, uma vez que até mesmo nossos melhores aparelhos detectores não são capazes de diferenciar entre as células de dinheiro original e as falsificadas. “Só nos resta uma única possibilidade. “Precisamos, em primeira linha, nos preocupar para que o dinheiro ganho legitimamente por funcionários públicos, operários e os industriais, seja garantido. Para isto teremos que abrir, o mais rapidamente possível, contas controladas pelo Estado, nos bancos do Império. O uso de todos os computadores positrônicos dos bancos deveria tornar isso possível, dentro de um só dia. Todos os rendimentos serão transferidos para estas contas controladas ou por cheque ou lançados diretamente. As contas, antes de mais nada, deverão ficar congeladas, passando a inconvertíveis, até uma cobertura necessária a um mínimo para despesas vitais, para garantir as necessidades mínimas de cada cidadão. Deste modo, alcançaremos que os cidadãos trabalhadores do Império não tenham prejuízos financeiros. Logo depois de emitirmos as novas cédulas, os donos das contas controladas poderão dispor da totalidade das importâncias creditadas nas mesmas. “Infelizmente, as coisas são diferentes com os bilhões desconhecidos que estão já girando por aí. Dificilmente poderemos provar junto aos respectivos proprietários, se eles ganharam o dinheiro legalmente, ou se o conseguiram de modo ilegal. Mas eu tenho esperanças de que o influxo de dinheiro falso logo poderá ser estancado em sua fonte.” A cabeça de Adams arriou pesadamente sobre o tempo da mesa. Os dedos de suas mãos tateavam a mesma, nervosos e trêmulos. Rhodan pôs uma de suas mãos sobre o ombro de Adams. — Levante a cabeça, Adams! Todo homem acaba cometendo um erro algum dia, e eu provavelmente não levei em conta a sobrecarga emocional à qual o senhor ultimamente vem sendo exposto. O chefe da GCC lentamente ergueu a cabeça. Nos seus olhos havia estrias vermelhas, e o seu olhar tinha algo de acossado. Perry Rhodan viu que Adams tremia no corpo todo. — Vou chamar um médico — disse ele, condoído. Adams sacudiu a cabeça. — Por favor, não, sir. Mas... eu acho mesmo que preciso relaxar por alguns dias. Não vou realizar nada, se ficar, nas minhas atuais condições, ocupando o meu cargo. Eu acabaria trazendo mais prejuízo que lucro. Rhodan anuiu, concordando.

— Ok. Eu também acho isso certo. Mas, já que vai descansar, eu acho que devia submeter-se a um máximo de relaxamento e psicoterapia. O que acha do Sanatório de Guam? Os olhos de Homer G. Adams pareceram adquirir nova vida. A Rhodan pareceu quase que a expressão no rosto do seu Ministro das Finanças demonstrava algo como um júbilo secreto. Mas isso, certamente, era um engano. Aparentemente, Adams sofria ainda mais dos nervos do que ele mesmo queria admitir. — Sim, eu acho que isto seria o melhor, sir — retrucou Adams. — E eu vou partir hoje mesmo. O senhor poderia dar-me uma licença, oficialmente, sir? Eu gostaria que tudo fosse feito dentro da mais perfeita ordem. Rhodan riu. — Mas, meu caro Adams! Isso, naturalmente, é indiscutível. O senhor, no passado, trabalhou tanto para o Império, que certamente tem direito a, pelo menos, alguns anos de férias. E eu acho que, até agora, nunca teve um só dia de descanso. — N... não, sir — respondeu Adams. — Ótimo! — Rhodan levantou-se ao mesmo tempo que o seu Ministro das Finanças. — Informe o seu substituto, e depois parta imediatamente. Está de férias até seu completo restabelecimento. Isso está claro? E não me volte antes deles terem lhe restituído inteiramente a saúde física e mental! — acrescentou ele, brincando. Adams sacudiu a cabeça, distraidamente. — E leve consigo Marat e McKay! — Os dois xeretas privados? — retrucou Adams, indignado. — Faço questão disso! — disse Rhodan, firme. — Marat e McKay são homens excelentes, ex-oficiais da Contra-Espionagem, que tiveram que deixar o serviço da CEG devido a ferimentos severos recebidos. Se alguém é capaz de evitar que o senhor seja seqüestrado, e trocado por uma duplicata, estes dois são os indicados. Aliás, onde é que eles estão agora? — Estão esperando no vestíbulo, sir — retrucou Adams, de mau humor. — Eu vou ter uma conversinha com eles, para que o senhor seja perturbado o mínimo possível, Adams. Perry Rhodan ligou o intercomunicador para o seu vestíbulo. — Por favor, Miss Stapleton, mande entrar os dois “sombras” que estão aí fora. *** Jean-Pierre Marat e Roger McKay entraram no birô de Rhodan, pisando macio. O Administrador-Geral teve que pensar, instintivamente, no apelido que a Agência de Investigações Interestelares recebera, extra-oficialmente: Jaguar Negro. Sem dúvida alguma, Perry Rhodan teve que verificar, a agência devia o seu apelido à aparência externa de Marat. O franco-terrano parecia, com seu cabelo preto, as sobrancelhas grossas, em forma de V e o rosto marcante, como um feixe de força concentrada e um temperamento adestrado. Roger McKay, ao contrário, poderia talvez ser comparado a um urso grisly, cinzento. O seu andar era levemente oscilante, e o que mais se destacava nele eram os longos membros e as mãos e pés de tamanhos excepcionais. A face direita de McKay dava a impressão de um tanto estarrecida. Isso vinha do malar de metalplástico que usava. Rhodan sorriu francamente para os detetives. Ele tinha plena confiança nos dois e sabia que o seu Ministro das Finanças não poderia ter melhores guardiões.

Entrementes, eleja conhecia os hábitos de McKay. Mandou servir uma garrafa de scotch antigo e ofereceu cigarros. Depois olhou Marat de frente. — Eu acabo de dar umas férias a Mister Adams. O homem está completamente estafado, com os nervos destroçados, e por isso não me pode ajudar mais em nada, muito ao contrário... Marat sorriu disfarçadamente. — Sim, o que foi...? — perguntou Rhodan. — Posso falar-lhe com toda a franqueza, senhor Administrador; Geral? — É claro, faço até questão disso. — Muito bem — Jean-Pierre Marat pôs o seu cigarro no cinzeiro. — O senhor sabe que o meu sócio e eu fomos oficiais da CEG, sir. O treinamento ali, e nossa experiência, deu-nos uma visão acurada para determinadas coisas. Mister Adams, em minha opinião, não está somente psiquicamente no fim de suas forças, mas também fisicamente completamente enfraquecido. Ele está me parecendo um homem que ficou durante uma década em sonoterapia, e agora foi acordado, repentinamente, e colocado novamente diante dos seus problemas para resolvê-los imediatamente. O que eu quero expressar com isso é o seguinte: Mister Adams não pode estar tão abalado somente devido à crise da moeda. Há muito tempo, ele já deve estar trazendo, dentro de si, a semente de uma decadência total. Talvez esteja sofrendo de alguma doença orgânica, que ainda não foi diagnosticada. Rhodan anuiu, um pouco distraidamente. Depois ele estremeceu repentinamente. — O senhor tem razão. Ele realmente dá essa impressão. Mas isso simplesmente não existe, Marat! O senhor certamente sabe que Adams é portador de um ativador de células...? Marat fez que sim. — Eu também porto um ativador celular — continuou Rhodan. — E desde que o possuo, nunca mais fiquei doente, nem física nem psiquicamente. Os possuidores restantes de ativadores de células também não. Adams, na realidade, nem pode ter uma doença orgânica — uma psíquica, eu ainda poderia admitir, porém jamais uma puramente física. O senhor simplesmente deve ter-se enganado, Marat. Jean-Pierre Marat ergueu os ombros. — Essa é uma possibilidade que sempre existe, sir... — aquilo não soava muito convincente e Marat nem se deu ao trabalho de esconder as suas dúvidas. Perry Rhodan sorriu, compreensivo. — Eu compreendo a sua desconfiança, Marat. Mas, não crie cabelos brancos por isso. Adams segue ainda hoje para o Sanatório Oceânico de Guam. Talvez o senhor conheça este estabelecimento especializado. Ali existem especialistas em neurocirurgia psicovegetativa, ou seja, todo o corpo poderá ser tratado e curado ali, pois o tratamento inclui uma influência global. Caso Adams, portanto, também estiver sofrendo de alguma doença orgânica, isso certamente não deixará de ser verificado pelos especialistas de lá. Ele pigarreou. — Gostaria de pedir aos senhores — aos dois — que continuem mantendo Mister Adams sob sua vigilância. Por favor, nunca o deixem longe de suas vistas. Justamente na clínica existem muitas possibilidades de uma troca. Naturalmente, além do mais, eu mandarei investigar todos os médicos. Marat fez uma careta. — O senhor tem certeza, sir, de que Adams estará de acordo com estas disposições?

— Não — retrucou Rhodan, francamente. — Isso o desgosta inteiramente. Mas, algum dia, ele vai verificar que nós podemos agir apenas deste modo, e não de outro qualquer. Por favor nunca deixem que ele se livre dos senhores. Ele conhece muitos truques para isso, mas infelizmente ele se acha infalível, e por isso é tentado a não dar importância à sua segurança. Os senhores têm cobertura total de minha parte, e, além do mais, carta branca para todas as medidas que tomarem. Em casos de emergência, entrem em contato comigo, com Mercant, Bell ou Atlan, através do telecomunicador. Isso está claro? Marat ergueu-se. — Claro, sir. Ele deu uma cotovelada no seu sócio. McKay depôs o seu copo e olhou, chateado, a garrafa de uísque, ainda até a metade. Depois sacudiu a mão do Administrador-Geral e seguiu Marat para fora do recinto. Adams já os esperava, impaciente, na ante-sala. — Eu já encomendei uma nave para as Marianas, meus senhores! — disse ele de maus modos. — Portanto, apressem-se! *** A nave era um jato de oito lugares, com impulsores energéticos e antigravitacionais. Ela pertencia ao parque de veículos da Administração-Geral e tinha sido cedida para o Ministro das Finanças e seus dois acompanhantes. Mesmo assim, a partida deu-se sem grandes cerimônias. Dois funcionários da segurança do espaçoporto examinaram a bagagem, com detectores muito sensíveis, aos quais não escaparia uma bomba, nem qualquer outro objeto perigoso. Depois disso, a sentinela-robô deu um passo para o lado e deixou Adams e seus acompanhantes embarcar. O piloto do aparelho cumprimentou seus passageiros, mencionando a existência de diversos aparelhos automáticos de serviço a bordo. McKay experimentou imediatamente o autômato de bebidas, enquanto Adams se deitou na poltrona anatômica e fechou os olhos. Cinco minutos mais tarde aconteceu a partida. Um suporte energético de lançamento levou o jato para cima na vertical, até chegar a uma altura de dez quilômetros. Depois disso a propulsão energética engrenou levando o veículo até os limites superiores da exosfera. A 340 quilômetros de altura, o jato acelerou para 18.000 quilômetros horários. A primeira estação do vôo foi nas Marianas. O jato aterrissou na Ilha de Guam. Um planador da Frota de Vigilância ali estacionada levou Adams, Marat e McKay, em dez minutos, ao porto civil de submarinos da ilha. Com isto, os três homens passaram aos cuidados do serviço normal de clientes. Durante o tempo de espera, de duas horas, Adams e os dois detetives ficaram sentados na torre de vidro do hotel do porto. O Ministro das Finanças mastigava, nervoso, um toco de charuto apagado, e tomava, de vez em quando, um gole de suco de frutas. Ele parecia totalmente absorto. A belíssima vista que tinha-se, daqui, das ondas cinzaesverdeadas do Oceano Pacífico, não o interessava. Marat, ao contrário, absorvia a paisagem do mar, como um sedento. O mar sempre o havia atraído, e sempre que ele tinha um tempo disponível procurava passá-lo ali, onde toda a vida sobre a Terra tivera o seu início. Os grandes petroleiros antigravitacionais e os gigantes de passageiros hiper-rápidos não eram suficientes para estragar o quadro. O céu

e a terra dominavam. Os molhes do porto se estendiam, como suaves teias mar a dentro, desaparecendo em parte sob a espuma das ondas. De algum lugar no alto, aproximou-se um canto de vozes claras. Um grupo de objetos metálicos faiscantes logo depois precipitou-se para baixo, como falcões, desaparecendo sob a superfície das águas. Isso era uma visão quase diária na Terra. As forças de defesa e combate da Terra eram treinadas regularmente. Os grandes computadores positrônicos estavam sempre encontrando novas versões de ataques inimigos. Entre as quais encontravam-se, naturalmente, também invasões bem-sucedidas. Num destes casos, tanto sabia Marat, não se faria nenhuma batalha oficial contra o mundo central, densamente povoado, da humanidade. Formações secretas estacionadas nos oceanos contra-atacariam com a velocidade do raio, carregando contra o inimigo, por tanto tempo, até desmoralizá-lo. Marat repuxou os lábios num sorriso amargo, como sempre que lhe vinham essas idéias. Ele sabia que as tropas secretas poderiam colocar todo o invasor na Terra na defensiva, mas sempre existia o perigo de que, por isso, estes se vingassem na população civil, indefesa. De repente surgiu um corpo, em forma de baleia, brilhando num verde-fosco no fim de um dos piers: o submarino de passageiros, que deveria levá-los, junto com os outros pacientes, para o Sanatório Oceânico, no fundo do mar. No mesmo instante, alto-falantes anunciavam a chegada do barco. Os hóspedes do hotel do porto começaram a sair. Uma dúzia de elevadores antigravitacionais levaram-nos para o local de despacho. Um pavilhão abobadado recebeu todos eles. Depois do último sinal, os autômatos liberaram a larga esteira transportadora. Os passageiros foram levados em direção a uma enorme eclusa, de duas portas. Quando esta se abriu, Marat pôde ver o túnel muito iluminado, que ia dar no ancoradouro dos submarinos. Cinco minutos mais tarde, os passageiros davam entrada, sobre a esteira transportadora, na eclusa da proa do submarino. Comissárias corteses estavam ali para acolhê-los, indicando-lhes seus lugares. Adams, Marat e McKay acabaram numa das cabines de luxo. Telas de imagem em três paredes davam-lhes a impressão de que estavam nadando bem no meio do oceano. Um observador ingênuo poderia pensar que o mar em torno devia estar iluminado por holofotes poderosos, tão nítidos se viam os incontáveis peixes. Na realidade, entretanto, os transmutadores de imagens simplesmente transformavam imagens captadas energeticamente em impressões óticas. As antenas energéticas trabalhavam de acordo com o princípio reflexo de uma combinação de ondas, através das quais até mesmo diminutos ramos de sagarços eram colhidos em sua forma natural de tamanho e cor. — De certo modo, nós nos encontramos sobre uma área histórica — começou McKay, de repente, transformado em professor. — Debaixo de nós fica a área terrestre do continente submerso da Lemúria. — Como é que sabe disso? — perguntou Adams, desconfiado. McKay sorriu. — Talvez eu seja um agente dos tefrodenses, Mister Adams. Como tal, eu naturalmente deveria saber como o mundo de meus antepassados se apresentava em outros tempos... O rosto do Ministro das Finanças, que já parecia bastante pálido, chegou a ficar esverdeado. Os seus membros tremiam tanto, que os saltos dos seus sapatos chegavam a bater como um tambor no chão. Marat lançou um olhar desaprovador ao seu sócio.

— Queira desculpar, Mister Adams — voltou-se ele depois ao seu protegido — mas o meu sócio gosta de piadas macabras. Naturalmente o que sabemos foi-nos ensinado legalmente. O Administrador-Geral já havia contado algumas de suas aventuras durante a sessão do Parlamento no Solar -Hall de Terrânia, e do Marechal Solar Mercant ficamos sabendo o resto. O senhor não precisa recear termos sido “trocados” por duplos. — Coisa que eu, aliás, nunca imaginei — retrucou Adams, na sua vozinha estridente. Roger McKay sorriu, irônico, e tomou o seu copo de uísque, de um só trago. E não se importava absolutamente com o olhar de censura de Marat. De um alto-falante da parede saiu a voz de lata de um autômato. — Atenção todos os passageiros do Geraldine. O submarino agora está por cima da fossa de Guam. Dentro de meio minuto, as células de mergulho serão inundadas. Cerca de meia hora mais tarde o barco atinge uma profundidade de aproximadamente nove mil metros e depois prosseguirá viagem bem perto do fundo. Chamamos sua atenção para o fato de que o trecho que virá a seguir é uma das paisagens mais interessantes do planeta. Caso alguém tenha interesse no filme, que está sendo rodado, desta viagem, poderá solicitá-lo através do robô-de-serviço, após a sua chegada ao Sanatório de Guam. O custo será debitado em sua conta, pela direção do sanatório. Desligo. Um leve bramir passou por todo o corpo do barco. Jean-Pierre Marat fechou os olhos, parecendo ouvir as massas de água que agora jorravam para dentro das células de mergulho do submarino. Ao mesmo tempo ele pôde sentir a pequena deslocação de peso, que somente um centésimo de segundo mais tarde foi compensada pelo automático de equilíbrio. O Geraldine baixou a proa num ângulo quase vertical, acelerando o seu mergulho com propulsores vigorosos de popa. “No fundo”, pensou Marat, “a manobra de mergulho, em princípio, não se diferencia da manobra de mergulho de uma nave espacial na atmosfera, somente a resistência da água é significativamente maior — e naturalmente também a pressão da mesma.” Submarinos do século vinte jamais poderiam ter ousado descer a essas profundidades do mar. A pressão da água os teria comprimido, transformando-os em estreitas lâminas de metal. Somente a utilização de aço-terconite de campo reforçado para o corpo de pressão havia tornado isso possível. Depois de vinte minutos surgiram as primeiras formações bizarras de rochas, nas paredes panorâmicas. Aparentemente cardumes inteiros de peixes-lanterna, parecendo torpedos, passavam diretamente diante das paredes panorâmicas. Marat sabia quanto esta impressão era irreal. Aquilo, de certo modo, fazia parte do serviço aos clientes, pois era interessante trazer para perto objetos que valiam a pena, e ampliá-los lindamente. Adams chegou a estremecer ligeiramente, quando um peixe-víbora, com uma barbatana cor de sangue e uma cabeça com uma espécie de toucado, ficou praticamente parado diante da parede panorâmica. Depois aquele animal mais parecendo uma enguia saiu serpenteando elegantemente até sumir. “Naturalmente”, pensou Marat, é uma leviandade muito grande, na situação atual do Ministro das Finanças do Império Solar, transportá-lo num submarino normal de passageiros, através do fundo do oceano. Caso os senhores da galáxia quisessem acabar com ele, teriam para isso a melhor oportunidade, aqui, onde havia milhões de esconderijos. Porém poucos minutos mais tarde ele teve que revisar sua opinião. Três sombras, que mais pareciam golfinhos, passaram rapidamente e em silêncio, pelo Geraldine. A maioria dos passageiros certamente os tomaria, devido a rapidez da impressão, por peixes do fundo do oceano. Porém Marat conhecia os barcos de patrulha da Marinha Terrana

muito bem. Estes veículos de apenas dezoito metros de comprimento e quatro de envergadura eram aparelhados com os mais modernos micro kalups. Eles tinham possibilidade de se movimentar dentro do espaço linear artificialmente criado, com velocidade ultraluz, e o seu hiper-rastreamento encontrava praticamente todo e qualquer corpo estranho, que poderia esconder-se nas valas suboceânicas. Allan D. Mercant portanto tinha tomado todas as providências para garantir a segurança de Adams. Uma hora depois do começo da manobra de mergulho, a vala abria-se, alargando-se bastante. Uma cúpula gigantesca surgiu bem em frente. — Atenção! — anunciou novamente aquela voz automática. — Diante de nós, temos agora a cúpula principal do Sanatório Oceânico de Guam. A mesma tem um diâmetro de dois e meio quilômetros e uma altura de 1.250 metros. Há ainda trinta e quatro cúpulas menores, que são ligadas à cúpula principal através de túneis subterrâneos. Dentro de dez minutos iniciaremos a manobra de entrada na eclusa do sanatório. Por favor, fiquem atentos para novos avisos. Desligo. — Ótimo, já chegamos! — observou McKay, satisfeito. — E já não é sem tempo. Meu estômago já está roncando tão alto, que está ficando indecente. Marat sorriu, irônico. — Pois eu acho que, com o uísque que você tomou, devia ter tomado calorias suficientes, sócio. Mas, seja como for, eu também fico contente por chegarmos ao nosso destino. Pelo menos, agora, não poderá acontecer mais nenhum incidente. Este, aliás, era um engano, conforme logo se verificaria.

2 A Luna-Orb III era uma estação de rastreamento que trabalhava de modo totalmente automático, da antiquada série Halcyon. Há exatamente oitenta anos ela orbitava, brava e fielmente, a Lua terrana, a uma distância de cem mil quilômetros. Devia o seu nome a um funcionário pouco engenhoso, que simplesmente foi buscar esse nome no século vinte, quando as primeiras tentativas com orbitadores lunares tiveram sucesso. Mesmo assim, a Luna-Orb III trabalhava com a precisão que era de se esperar de uma estação inteiramente automática. Também no dia 11 de dezembro de 2.404, tempo terrano. Em espaços de poucos segundos, a Luna-Orb III recebeu os impulsos de transporte de quinta dimensão de transmissores de matéria, que conduziam cargas da Terra para a Lua ou da Lua para a Terra. Este meio de transporte preponderava sobre todos os outros. Somente em casos muito excepcionais ainda trafegavam, entre a Terra e o seu satélite, naves espaciais de carga. Aliás, o que poderiam fazer naves cósmicas com propulsão ultraluz numa rota cuja extensão não chegava sequer a meio milhão de quilômetros? Esta, no melhor dos casos, era uma distância para naves espaciais de brinquedo! Desde a sua instalação, a Luna-Orb III tinha captado ininterruptamente impulsos de transporte, identificando-os e comparando-os com dados que lhe eram passados diariamente de estações transmissoras da Lua e da Terra. Nem uma única vez, durante todo este tempo, surgira uma discrepância. E agora, no dia 11.12.2404, às 17 horas, tempo-padrão, a computação de controle automático registrava um impulso de interferência. O transporte TM LT-KK-KL-15008 estava conduzindo quarenta mil toneladas de matéria da Lua para a Terra. A distância e a massa determinavam a amplitude do impulso pentadimensional tão exatamente, que o impulso estranho, por trás dele, se destacava nitidamente. A avaliação automática, efetuada pelo cérebro positrônico da Luna-Orb III notou, com probabilidade máxima, que o impulso de interferência não vinha nem de um transmissor de matéria da Lua nem de um da Terra. De conformidade com uma programação, um setor periférico do cérebro positrônico Nathan recebeu a informação ainda dentro do mesmo segundo em que a interferência foi captada. Nathan, por sua parte, confirmou a avaliação inicial da Luna-Orb III, ampliando-a e informando que “ele” verificara que o transmissor de matéria em questão encontrava-se, pelo menos, a algumas centenas de anos-luz fora do Sistema Solar — e que o receptor, entretanto, estava na Terra. Dois segundos depois do ocorrido, o homem responsável pela Contra-Espionagem Galáctica fora informado, e dois segundos mais tarde, o próprio Allan D. Mercant sabia do acontecido. O chefe do Serviço de Contra-Espionagem do Império mandou examinar todos os dados positronicamente, mandando inclusive testar o rastreamento energético de LunaOrb III. Depois que ele sabia com cem por cento de certeza que, em nenhuma parte, se insinuara um erro, comunicou o fato ao Administrador-Geral, Perry Rhodan. Perry Rhodan desligou o telecomunicador e voltou-se para Reginald Bell.

— Com isso, temos a prova de nossa suposição. Agora já sabemos que os senhores da galáxia têm uma base de apoio na Terra, onde têm agentes estacionados — ele sorriu, amargo. — Aliás, não era de se esperar algo diferente, não é mesmo? — Não! — retrucou Bell. — Realmente não podíamos esperar outra coisa. Os tefrodenses, afinal de contas, são nossos antepassados diretos, o que facilita a análise de sua psique. E os senhores da galáxia não costumam deixar coisas pela metade — ele franziu a testa, sacudindo a cabeça, refletindo. — Mas, ainda não temos qualquer noção em que escaninho desta Terra eles estão escondendo os seus agentes, Perry — ele riu secamente. — Isso parece inacreditável, não? Um planeta que é tão civilizado como nossa boa velha Terra, na qual não há um só metro quadrado de terreno desconhecido — e mesmo assim existe no mesmo uma base de apoio inimiga, com estação transmissora, multiduplicador e sabe-se lá o que mais. — Ou sobre a Terra — ou por baixo dela... — Rhodan disse, lentamente. — Ou... hum! — Como disse? — perguntou Bell. Rhodan sorriu. — Ora, nada, gordão. Eu apenas estava pensando em como conhecemos pouco a nossa Terra. Ele levantou-se. — Talvez nós não ficamos no passado o tempo suficiente, Bell... — Mas eu nem sequer estive por lá...! — quis protestar o Marechal-de-Estado. Mas um gesto rápido do amigo fê-lo calar-se. — Ora, deixemos disso! O que é que você me aconselha? Que medidas deveríamos tomar, para chegarmos a este ponto de apoio de agentes inimigos? Reginald Bell sorriu. — Se eu não conhecesse você muito bem, certamente tomaria a sua pergunta como um simples gesto de amizade. Talvez, você esteja apenas querendo verificar o meu aparelho pensante sobre a sua prontidão de funcionamento? — Exatamente! — retrucou Rhodan, com cinismo. — Portanto, agite o seu espírito. Por que, nos anais da História, somente o meu nome sempre deveria ser mencionado? Bell riu, em silêncio, quase para si mesmo. — Está bem, Perry. Você quer ouvir minha opinião. Só que depois não quero que você se queixe de que a mesma não combina com a sua. Eu sou de opinião que não devíamos fazer absolutamente nada. Sobretudo, não devemos deixar que o nosso inimigo invisível fique sabendo que conseguimos captar a sua ligação por transmissor. Só então podemos ter a esperança de apanhar o inimigo, quando ele cometer alguma imprudência, e assim ficaremos sabendo onde se encontra esta base de apoio. Perry Rhodan anuiu. — Excelente. Entrementes, você e Mercant poderiam organizar uma tropa para entrar em ação, que possa intervir a qualquer momento. Você certamente está entendendo o que quero dizer com isso? Bell anuiu, sério. — Você pode confiar em mim. Logo que conhecermos o caminho da toca do leão, nós atacaremos. Eu só gostaria que você abandonasse, pelo menos desta vez, as suas considerações morais, dando-me carta branca para agir. Deste modo, eu providenciaria para que nenhum desses agentes nos escapasse. Rhodan sacudiu a cabeça.

— Isso seria assassinato, gordão. Com isso não quero dizer que nós, só por consideração a preceitos morais, podemos deixar que o sucesso do empreendimento possa ser questionado, mas também nossos inimigos são gente, e nunca se deve tirar a vida de um ser humano, sem uma razão que nos force a isso. O rosto de Bell tingiu-se de vermelho. Aquele homem enorme, temperamental, deu um passo na direção do amigo, pegando-o, com ambas as mãos, pelas lapelas do uniforme. — Ora, ora, ora! — disse alguém, vindo da porta. Reginald Bell soltou Rhodan e virou-se. Respirou aliviado, quando reconheceu o Lorde-Almirante Atlan. Seria desagradável para Bell se algum outro homem tivesse visto esse seu chegar “às vias de fato”. Pois, apesar disso ter sido uma coisa entre camaradas, gente de fora poderia duvidar de sua razão. Somente pouca gente sabia o quanto ele e Perry, na realidade, eram amigos, quase irmãos. Atlan esperou até que a porta fechou-se atrás dele, sem fazer ruído, depois ameaçou, brincando, com o dedo. — O senhor está minando a autoridade do senhor Administrador-Geral, senhor Marechal-de-Estado...! — Não faço porcaria nenhuma! — resmungou Bell. — Eu apenas estava querendo tentar conseguir aquilo que o senhor não conseguiu nestes últimos séculos: Acabar com o sentimentalismo de um amigo. Sabe o que ele está pedindo de mim? Que eu devo poupar os agentes dos senhores da galáxia, apesar deles já terem tentado assassiná-lo. O senhor mesmo estava presente, quando, no Solar-Hall, atiraram nele, não é? O lorde-almirante suspirou, resignado. — Receio que jamais vamos conseguir arrancar dele as suas opiniões sobre sua sacrossanta ética, ainda que vivamos dez milhões de anos! — Vocês terminaram? — perguntou Rhodan, sarcástico. — Nesse caso, sentem-se e ouçam-me bem. Eu estive pensando sobre as últimas ações dos senhores da galáxia, e gostaria de sugerir o seguinte, como um contra-ataque de nossa parte... *** Jean-Pierre Marat olhava, fascinado, os olhos estranhamente imóveis, brilhantes como metal polido, de um opistoproctus soleatus. Aquele habitante do mar profundo, praticamente trapezóide, movimentava preguiçosamente a bocarra e abanava as barbatanas. Alguns outros exemplares de sua espécie nadaram bem para perto também. Mas no instante seguinte haviam sumido, como um pesadelo ao acordar. Em seu lugar, um peixe-víbora lançava sua luz azulada. Quando ele abriu a bocarra, apareceram duas fileiras de dentes afiados como agulhas. — Horrível! — alguém disse junto ao ouvido direito de Marat. O detetive virou-se e sorriu para a garota, sua vizinha de mesa, procurando tranqüilizá-la. — As aparências enganam, Miss O’Neill. Este peixe-víbora, por exemplo, tem apenas trinta centímetros de comprimento, enquanto o opistoproctus soleatus nem chega a ter, em média, mais de cinco centímetros. Miss O’Neill transformou sua carinha linda numa careta. — Mas o peixe-víbora toma quase toda a parede do nicho...! Marat anuiu, sério. — Certamente, assim parece. Mas, devo confessar-lhe que, ainda há pouco, eu liguei o campo de lupa — para aumentar a imagem.

Ele colocou a mão embaixo da mesa. O quadro mudou sem transição. Miss Sarah O’Neill curvou-se bastante para a frente, olhando o nicho da forte parede de plastiblindagem. Somente depois de alguns segundos ela conseguiu reencontrar o peixe-víbora, em meio aos restantes peixes coloridos e luminosos. — Ó! — disse ela, espantada. — Realmente fantástico, Mister Marat! Marat sorriu, confirmando, e erguendo o seu copo. — A saúde das fantásticas possibilidades de nossa técnica — e aos produtos ainda mais fantásticos da natureza, Miss O’Neill! Ela enrubesceu sob o seu olhar, e compensou o seu embaraço, batendo as pálpebras, coquete. Jean-Pierre Marat tomou o vinho, saboreando-o. Era vinho importado das videiras que cresciam nas encostas das montanhas do planeta Ferrol, de Vega, e era possível sentir o sol azul de Vega, sob o qual as uvas haviam amadurecido. Ele ofereceu um cigarro a Miss O’Neill, e olhou-a, furtivamente. Miss O’Neill havia chegado somente ontem, com o Geraldine, ao Sanatório de Guam. Marat, que tomara a si a tarefa de investigar todos os pacientes e empregados do sanatório, imediatamente tivera sua atenção despertada para esta mulher esguia, nem muito alta, nem baixa, com carinha de boneca e olhos que denunciavam inteligência. Sua suposição tivera confirmação, quando ele dirigiu-se a um médico-assistente: a Professora Dra. Sarah O’Neill era a nova médica-chefe do Centro de Reabilitação de Feridos Cerebrais, depois que a atual chefe do centro não tinha demonstrado interesse em continuar, após o término do seu contrato. Uma pessoa tão importante naturalmente tinha que ser investigada, antes de mais nada, por ser nova no sanatório. Uma oportunidade para travar conhecimento com Miss O’ Neill surgirá bem mais rapidamente do que Marat ousara esperar. Ela surgira, logo na primeira noite, no salão de mapas, no qual Marat e seu sócio se informavam a respeito dos arredores próximos e afastados do sanatório. A aparência inusitada de McKay despertara o interesse dela. Depois que McKay, entretanto, tivera que reconhecer que o interesse da médica nele era do tipo, por exemplo, que uma psicoanalista tinha por alguém de crescimento anormal, ele deixara, de livre e espontânea vontade, o campo livre para o seu amigo. Marat e Miss O’Neill rapidamente haviam se tornado mutuamente cordiais — tinham engrenado — como se costuma dizer. Mesmo assim, mantinham, ambos, um certo distanciamento. De qualquer modo, constatou Marat, eles estavam sentados, já na segunda noite após se conhecerem, num nicho de parede, pouco iluminado, de um bar e brindavam com aquele vinho cor de rubi, de Ferrol. — Qual é, se posso perguntar, sua profissão, Mister Marat? Marat teve dificuldade de não demonstrar um estremecimento. A voz da médica parecia inofensiva, e a sua pergunta feita por simples curiosidade — mas, ainda assim, havia alguma coisa naquela voz que o inquietava, instintivamente. Mesmo assim conseguiu abrir-se num largo sorriso. — Sou conselheiro industrial, Miss O’Neill — isso nem sequer era uma mentira, pensava ele. A sua agência realmente se ocupava com o acontecimento se grandes firmas, que, sem a sua ajuda, não tinham possibilidade de investigar novos associados de negócios, quanto à sua liquidez. Em meio àquilo, também havia, naturalmente, encargos muito delicados, mas normalmente Marat declinava de aceitar esclarecer casos claramente criminais. Para isso, em sua opinião, havia a polícia. Puro acaso o tinha

levado, em Ojun, à pista de uma organização que derramava dinheiro falso. E também por acaso, ele e McKay haviam sido encarregados por Perry Rhodan a dar proteção ao Ministro das Finanças do Império. Naturalmente Marat podia ter recusado este serviço. Mas, afinal de contas, ele não trabalhava apenas pelo dinheiro... — E o que é que o traz ao Sanatório de Guam? — Miss O’Neill pigarreou. — Aliás, o senhor pode chamar-me simplesmente de Sarah, Jean-Pierre. Marat sorriu, disfarçadamente. Ele esperara pela pergunta. Naturalmente a médica devia estar surpresa, já que ele se encontrava no sanatório, sem estar em tratamento. Mas que ela já viesse com esta pergunta agora, demonstrava claramente que já se informara sobre ele. — Muito obrigado, Sarah. Bem... meus amigos não me chamam de Jean-Pierre — o nome é um pouco grande demais — eles me chamam... de... Jaguar! Ele viu, secretamente divertido, como ela estremeceu. Sob o apelido de “Jaguar” ele era conhecido somente em determinados círculos, que já tinham tido algum problema mais sério com ele. Pareceu-lhe bastante elucidativo que Sarah conhecesse esse nome. Mas ele nada demonstrou. — Okay, Jaguar! — disse Sarah, com um sorriso que parecia forçado. — O nome parece-me um tanto bárbaro, mas eu acho que ele lhe assenta muito bem! — Aha! — fez Marat. — Quer dizer que eu sou um bárbaro! Sarah riu. — Não, não! Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer que o nome “Jaguar”, em relação ao senhor, tem uma conotação inteiramente diferente. O senhor é um gentleman da cabeça aos pés... — Também um jaguar é um belo animal! — sorriu Marat, manhoso. Sarah O’Neill sentiu um calafrio. Os seus olhos se obscureceram. Ela curvou-se por cima da mesa, e murmurou: — Quando é que o jaguar agarra a sua caça...? Marat olhou-a com as pálpebras semicerradas. Depois ele ergueu o copo e bebeu à sua saúde. Respirando fundo, Sarah recostou-se na sua cadeira. Do salão na cúpula vinha o som de ritmos acelerados. Numa das telas de observação podia ver-se o conjunto musical, de seis homens, e diante deles, A’rhay’ha, a bailarina de strip-tease das Plêiades. Perdido em seus pensamentos, Marat acendeu outro cigarro. De repente sentiu necessidade de fechar os olhos, e deixar que aquela música lhe penetrasse no cérebro, e relaxar totalmente... Um grito estridente, de muitas gargantas, arrancou-o repentinamente daquele estado de semitorpor, brutal e dolorosamente. Com os olhos muito abertos ele viu A’rhay’ha cair sobre o tablado de danças, de vidro. As mãos de bailarina moviam-se, espasmodicamente, de um lado para o outro. Depois ela curvou o corpo violentamente — e não se mexeu mais. Marat ficou estarrecido, mas somente por um fragmento de segundo. Depois ergueu-se de um salto e saiu correndo pela rampa antigravitacional, em forma de espiral, abaixo. *** Com os cotovelos, Marat abriu caminho através do círculo de gente assustada e curiosa, que rodeava a pista de danças.

Ele curvou-se por cima da bailarina de strip-tease, olhou nos seus olhos apagados, viu o fino fio de saliva que lhe saía do canto esquerdo da boca, escorrendo pelo queixo redondo. E então ele descobriu aquele pontinho minúsculo, vermelho, no pescoço. Tirou a sua jaqueta e cobriu a parte superior do corpo da bailarina. Quando ergueuse novamente, sentiu alguém agarrá-lo, brutalmente, no braço direito, e ouviu uma voz, raivosa, dizer: — O que é que o senhor perdeu aqui? Por favor, dê o fora daí! Marat levantou-se inteiramente e olhou calmamente no rosto daquele homem. Depois segurou o pulso deste, como quem não quer nada. O homem repuxou a boca num gemido de dor, e soltou-lhe o braço imediatamente. Marat limpou, de passagem, o seu braço. — Não gosto que me agarrem desse jeito. Quem é o senhor? O outro já se controlara novamente. Os seus olhos faiscavam, ameaçadores, mas ele não ousou aproximar-se novamente de Marat. — Isto é uma coisa que eu devia perguntar-lhe, mister. Eu sou o detetive da casa, e mais uma vez exijo-lhe que... Mas ele emudeceu quando Marat o olhou, novamente, de modo penetrante. — Muito bem, então o senhor é o detetive da casa. Neste caso, por favor, trate de arranjar para que Miss A’rhay’ha seja levada a um ambulatório e chame um toxicólogo! — O que aconteceu? — trovejou a voz de um homem de guarda-pó branco, que surgiu, trazendo uma maça antigravitacional, acompanhado de dois assistentes. Marat tomou o médico de lado e explicou-lhe o que ele devia saber no momento. O médico anuiu e verificou que as informações de Marat estavam corretas, e que a bailarina realmente estava morta. Depois ele ordenou a remoção do cadáver, e pediu ao detetive da casa que tratasse de acalmar as pessoas que estavam por ali, inquietas. Antes de seguir os atendentes, Marat olhou em volta do salão. Ele presumiu que A’rhay’ha tinha morrido atingida por um projétil-agulha venenoso. O tiro devia ter sido disparado de frente, e o assassino, portanto, devia estar colocado próximo da entrada, ou então se conservara escondido num dos dois nichos da parede, que lhe ficavam por cima. Naturalmente seria uma tolice querer encontrá-lo agora. O crime ocorrera numa hora em que o bar e o salão de danças da cúpula estavam superlotados. O criminoso fugira imediatamente depois de cometer o crime. Marat ia dirigir-se à saída, quando Miss O’Neill pôs-se no seu caminho. A expressão no seu bonito rosto demonstrava um sincero horror pelo que havia visto, e Marat acreditou nela. — O que há com ela? — perguntou. — Morta! — retrucou Marat, fazendo questão de não demonstrar sua emoção. — Alguém a matou com uma pistola de agulha envenenada. Como parte do pessoal médico, certamente nada dirá sobre isso — acrescentou ele, sorrindo-lhe. — Naturalmente, Jaguar. Mas por que A’rhay’ha foi assassinada? Que sentido terá isso? Ele encolheu os ombros. Ele mesmo já se fizera esta mesma pergunta. Quem quer que fosse que tivesse assassinado a bailarina, tinha agido de modo pouco inteligente, pelo menos para determinados círculos. Agora, não só a polícia logo apareceria no Sanatório de Guam, mas, além disso, a Contra-Espionagem Galática. Pois A’rhay’ha fora uma agente da organização de Mercant...

— Eu agora vou voltar para o meu quarto — disse ele. — Já não tenho mais a menor vontade de continuar tomando vinho de Ferrol. Sarah anuiu com a cabeça. — O senhor poderia fazer-me a gentileza de levar-me, antes disso, ao meu apartamento, Jaguar? Eu tenho um medo horrível de andar sozinha por esses muitos corredores vazios. Este era um pedido que ele, como gentleman, dificilmente poderia recusar. Por dentro, ele a amaldiçoou, porque não lhe deixara nenhuma escapatória. — É claro, Sarah. Ele ofereceu-lhe o braço, e eles deixaram a cúpula. Ela continuou falando ininterruptamente, procurando descobrir dele, o que mais ele ainda sabia sobre a morte da bailarina. Mas Marat não estava disposto a conversar. Além disso, não gostava do assunto. E fez perguntas cautelosas sobre a profissão de Sarah. Porém, com isso, ela logo tornou-se monossilábica. Diante da porta do seu apartamento, ela sorriu-lhe, convidativamente. — Eu ainda tenho uma garrafa de um maravilhoso scotch envelhecido. Não gostaria de tomar um copinho comigo, Jaguar? Ele sacudiu a cabeça. — Sinto muito, Sarah. De uma outra vez, com muito gosto, mas esta noite eu só quero uma coisa: cair na cama e dormir. De repente ela estava apertada contra o seu peito. Suavemente Marat afastou-a de si, tocou carinhosamente no seu rosto e murmurou: — Se quiser, podemos encontrar-nos, amanhã de noite, no Twilight Bar. Ali existem maravilhosas esferas antigravitacionais, com as quais se pode fazer viagens através dos mais escuros desfiladeiros das profundezas — naturalmente tudo não passa de uma excelente ilusão, mas não existe nada de mais bonito no sanatório. — Para que, afinal, o senhor está aqui? — perguntou Sarah. — Só para se divertir? — Adivinhou — retrucou Marat, e saiu andando rapidamente. Ele não queria permanecer por ali mais tempo. Já era hora de falar com McKay. Além disso, ele tinha que render o seu colega dentro de uma hora. Adams não podia ficar sem vigilância nem por um segundo sequer. Ele encontrou o Ministro das Finanças do Império no grande solário, sob o teto da cúpula principal. Adams estava deitado ao comprido, num leito anatômico, deixando-se bronzear pelo sol artificial. Marat olhou em volta, como procurando alguém. De McKay nem sinal. Talvez ele estivesse vigiando o seu protegido de um nicho que ficava à sombra. Porém, quando também ali ele não conseguiu descobri-lo, Marat ficou inquieto. Havia sido combinado que, quem estivesse vigiando, jamais se afastaria do seu posto. Para casos de emergência, havia os telecomunicadores de pulso, com os quais eles podiam se entender. Marat entrou na sombra de um nicho e ligou o telecomunicador na chamada. Como, porém, McKay ainda não havia dado sinal de si, nem depois de dois minutos, não podia haver mais nenhuma dúvida de que devia ter acontecido alguma coisa com ele!

3 Jean-Pierre Marat aproximou-se do leito de Adams. — Sir...! Adams abriu os olhos e repuxou a boca, irritado, quando viu Marat. — O que há? — Eu não encontro o meu sócio, sir. O senhor tem alguma idéia de para onde ele poderá ter ido? Adams fez uma careta irônica. — Afinal de contas, quem é que tem que cuidar de quem, Marat...? — Eu conheço McKay melhor que o senhor, sir — disse Marat, com uma irritação só controlada com muito empenho. — Ele jamais teria abandonado o seu posto, sem um motivo muito importante — e ele jamais teria se afastado de seu lado, sem antes se comunicar comigo — ele curvou-se bem para perto do ouvido de Adams. — Talvez o senhor me entenda melhor se eu lhe confiar que, há um quarto de hora atrás, a bailarina A’rhay’ha foi assassinada... O Ministro das Finanças estremeceu... — Assassinada? — ele levantou-se sobre os cotovelos. — Quem foi que fez isso? Pensativo, Marat olhou o faiscar no fundo dos olhos de Adams. Isso era medo? Mas como é que Adams sentia medo, porque uma pessoa foi assassinada, que ele nem sequer conhecia direito? — Quem foi que assassinou a bailarina? — repetiu Adams, mais energicamente. Marat encolheu os ombros. Depois ele decidiu-se a liberar parte do seu segredo. Afinal de contas, Adams era um homem absolutamente confiável. — A’rhay’ha na realidade chamava-se Dunia Schmidtowa e era agente especial da Contra-Espionagem Galática, sir...! Adams recebeu aquilo com surpreendente controle. — E o senhor acha que, porque a bailarina fazia parte da CEG, agentes inimigos estariam envolvidos? Não poderia j simplesmente tratar-se da ação de um sujeito ciumento ou maluco? — ele sorriu, agastado. — Afinal de contas, nós nos encontramos num sanatório para doenças mentais e nervosos. Esta pergunta Marat já fizera, a si mesmo, em silêncio. Mas o último resto de probabilidade se esvaíra, quando ele notou o desaparecimento de McKay. E disse isso mesmo para Adams. O homem acossado sacudiu a sua cabeça enorme. — Talvez McKay seja o assassino. O seu sócio consome grandes quantidades de álcool. Algum dia, isso acaba influindo. Marat sorriu, friamente. — Jamais, sir — ele raciocinou e encontrou a solução para o seu problema. — Por favor, sir, venha comigo. Eu preciso mostrar-lhe uma coisa. Ele esperara que Adams fosse suficientemente curioso, para insistir no assunto. Entretanto ele agora ficou surpreso com a boa vontade demonstrada pelo chefe da GCC, em segui-lo instantaneamente. De qualquer modo, isso facilitava a execução do seu plano, e por isso ele aceitou-o com certa satisfação.

Ele conduziu Adams ao elevador mais próximo. Depois de cinco minutos eles se deixaram pairar rapidamente para baixo, chegando a um andar do sanatório, no qual um departamento de psicoanálise fora instalado. Enquanto colocava o Ministro das Finanças, consigo, numa esteira rolante, ficou imaginando, o quanto era útil ter tantos colaboradores quase gratuitos, como ele. O Professor Nowroth há dez anos atrás ainda fora chefe do Serviço Psicológico da Contra-Espionagem Galática. Deste modo, Marat o conhecera. E quando fundou a sua agência, ele precisava, dentre outros, de um psicólogo, que pudesse avaliar-lhe os diagramas de testes. O Professor Nowroth não concordara em entrar para a agência de detetives. Porém, aceitara trabalhar, como free-lancer, contra o pagamento de um honorário apropriado, dando a necessária assistência à agência do seu amigo detetive. O que Marat agora pedia dele, era uma ajuda muito importante, mas perigosa. A mesma poderia custar a Nowroth o seu lugar no sanatório, e além disso ainda poderia trazer-lhe a cassação do seu registro profissional, para o resto de sua vida. Porém Marat convenceu-o, com poucas palavras, murmuradas, que, no momento, não havia outra possibilidade de garantir a segurança de Adams. Dois enfermeiros musculosos conduziram o Ministro das Finanças do Império Solar, perplexo, à cela de sonoterapia profunda, onde lhe foi aplicada a injeção TK, antes mesmo dele dar-se conta do que lhe estava acontecendo. Marat agradeceu a Nowroth e prometeu ao psicanalista que, logo que lhe fosse possível, viria novamente apanhar o famoso “hóspede”. Depois saiu à procura de McKay. *** Encontrou-o no seu apartamento comum. Roger McKay estava deitado, atravessado na cama, e roncava tanto que o grande espelho do guarda-roupa chegava a tinir levemente. Com poucos e grandes passos Marat estava junto do seu sócio. Agarrou-o pela gravata deslocada, puxou-o para cima, e deu-lhe duas enormes bofetadas, de mão espalmada. Depois deixou-o cair de volta sobre a cama. McKay abriu os olhos um pouco. Por alguns segundos ele olhou Marat fixamente, depois, de um salto, estava de pé. Cambaleando deu um passo para a frente, apoiou-se no ombro de Marat, e sacudiu a cabeça, entorpecido. — O que aconteceu, sócio? — uma nuvem de cheiro de álcool quase cortou a respiração a Marat. — O que é que você me pergunta? — retrucou ele. — Não seria melhor que você me explicasse por que deixou Adams sozinho? McKay estremeceu visivelmente. Depois a sua mão jogou-se para a esquerda, arrancou a sua jaqueta da poltrona e ficou pescando a sua pequena arma energética nos bolsos. Em seguida, enfiou o casaco e quis correr para a porta. — Pare! — gritou Marat. — Onde é que você pensa que vai? McKay virou-se e olhou-o sem entender. — Para onde está Adams, para onde mais? Você mesmo não disse que...? — Você acha que eu estaria aqui, se Adams não estivesse em segurança? — Áspero, ele acrescentou: — Sente-se, McKay! E agora informe como é que você chegou até aqui, em estado de completa embriaguez? Obediente, McKay deixou-se cair na poltrona. Passou a mão pela testa. Havia um vinco enorme bem no centro da mesma.

— Diabos! — gemeu ele. — Eu tenho certeza absoluta que não me embebedei. Ou você, alguma vez, já me viu bêbado? Marat sentou-se na beira da cama. Jogou um cigarro para McKay, acendendo um para si mesmo. Pensativo, olhava para o chão. — Pois é justamente isso que me deixa preocupado, grandalhão. Se eu realmente fosse de opinião que você tinha abandonado o Ministro das Finanças, para se embebedar, eu cancelaria imediatamente a nossa sociedade. Apesar disso, seria muito bom, se você me contasse tudo que fez no solário? McKay arremessou o seu cigarro, furioso, no chão, apagando-o com a ponta do sapato. Depois levantou-se, cambaleou até o banheiro, e abriu a torneira de água. Com o rosto molhado, voltou logo depois. — Muito bem, agora já me sinto um pouco melhor — ele sorriu, rapidamente. — Se você acha que eu poderia sair do lado de Adams, apenas por um segundo, é claro que está enganado. Eu fiquei sentado o tempo todo num nicho da parede, fumando, e me chateando tremendamente. Este Adams, do seu lado, estava preguiçosamente deitado num leito anatômico, bronzeando-se e dormindo o tempo todo. Ele puxou, nervoso, o lóbulo de sua orelha direita. — Uma vez entrou uma loura, de pernas bonitas, e tentou me cantar. Mas “em serviço não se brinca” — disse-me eu, ignorando solenemente a dita cuja — distraidamente ele cocou o peito cabeludo. — Ela vingou-se, mandando que o maitre me trouxesse um scotch duplo, provavelmente para expressar-me o seu desprezo. — E você tomou o uísque? — interveio Marat. McKay ergueu os olhos, espantado. — Mas é claro! E por que não? — Desculpe, por favor. Essa, naturalmente, foi uma pergunta tola. É claro que você tomou o copo todo. E depois...? McKay fez uma cara perplexa. — Depois...? Para o diabo com esse uísque! Naturalmente ele devia conter algum narcótico. Não tenho mais a menor lembrança do que aconteceu comigo depois. — Não creio em narcóticos — retrucou Marat. — Provavelmente foi alguma droga, que interrompe a resistência psíquica contra influências hipnossugestivas. Provavelmente a sua loura bonita lhe fez companhia, depois que você se tornou “cantável”. Depois disso, você deve ter deixado o solário por suas próprias pernas. E depois eles encheram você de uísque, para carregá-lo, no fim, aqui para o apartamento. — Hum! — resmungou McKay. — É possível que tenha sido assim. Só me pergunto por que encenaram todo esse teatro. Pois deveria ser impossível seqüestrar Adams daquele solário lotado de gente — sem levar em conta que entrementes... — ele olhou para o relógio — ...durante o tempo que se passou, nenhuma duplicata poderia ser confeccionada. Você, afinal, encontrou Adams, quando chegou ao solário, não é? Marat anuiu. — De qualquer modo, eles poderiam ter isso em mente. É que há um paralelo para o comportamento de sua “loura bonita”. Miss O’Neill tentou, há mais ou menos uma hora atrás, evitar que eu visitasse o solário, com demonstrações muito claras do que me oferecia. Se ela o tivesse conseguido... McKay repuxou os lábios num sorriso sem alegria. — Pelo que conheço de você, esse perigo certamente nunca existiu. Além disso, você provavelmente não teria passado o dia inteiro no apartamento de Miss O’Neill, e nós dois não somos tão ingênuos para acreditar que seja possível seqüestrar um homem, em poucas horas, tirar dele um clichê atômico, debaixo de um multiduplicador,

confeccionar uma duplicada, e levá-lo de volta. Ainda por cima com Adams sendo semimutante, já que dois paranormais só podem ser duplicados com imensas dificuldades. — Exatamente minha opinião, grandão. Mas agora, outra coisa! Marat informou o seu sócio do assassinato da bailarina de strip-tease, e como McKay estava informado a respeito de sua verdadeira identidade, ele imediatamente deuse conta da importância do incidente. — Em que ninho de vespas nós agora metemos o bedelho? — disse ele, preocupado. — Há anos trabalhamos para as grandes firmas da galáxia, sem, nem por uma única vez, nos vermos enredados num caso de assassinato. E agora... — Ele tomou os dedos para ajudar-lhe a contar: — Há menos de três semanas assassinam nosso agente de Ojun, seqüestraram você, mal botamos os pés no planeta, me assaltam, e quase nos explodem em mil pedaços. Depois, matam minha conhecida do bar do hotel, e quando eu a puxei para fora da água, descarregam sobre mim uma carga quase letal de veneno. Estranhos dão caça a você, ocasião em que muitos, civis inocentes são mortos — e agora, quando finalmente nos encontramos outra vez na Terra, a dança continua. Eu pergunto a você: o que foi que nós fizemos, para que constantemente ameacem nossas vidas? Marat riu baixinho. — Nós aceitamos a incumbência de proteger o homem mais importante da economia do Império Solar, contra as ações dos serventes dos senhores da galáxia. E por tudo que ouvimos dizer até agora a respeito dessa raça criminosa, uma vida humana não é nada para eles. A não ser que seja a deles mesmo. — Hum! — resmungou McKay, chateado. — Eu gostaria de encontrar um desses sujeitos no meu caminho. Certamente não teria oportunidade de fazê-lo uma segunda vez. Ele estacou e olhou para o seu sócio. — Espero que Adams realmente esteja bem guardado, velhão! Marat levantou-se. — Disso nós vamos nos convencer agora, grandão. *** O Professor Nowroth olhou para os dois detetives, preocupado. — Eu só espero que saiba o que está fazendo, Marat! O chefe da GCC e Ministro das Finanças do Império, afinal não é qualquer um. Se ele não se deixar apaziguar, o senhor e eu podemos fazer nossas malas, e nos colocarmos a disposição do Departamento de Colonização como artigos ‘experimentais, j Marat riu. — O senhor vê tudo negro demais, professor. Eu recebi minhas ordens direta e pessoalmente do Administrador-Geral, e Perry Rhodan deve ter possibilidades para nos proteger contra a vingança — justificada ou não, de Adams. Ele tornou-se sério novamente. — Uma pergunta, professor: O senhor examinou Adams? Nowroth fez que sim. — E...? — Está tudo em ordem, meu caro Marat. Ele porta o seu ativador celular, e as medidas das oscilações correspondem exatamente às oscilações naturais das células do Ministro das Finanças. Com isso, a sua identidade foi verificada da maneira mais segura que existe. Marat respirou fundo, aliviado.

— Ótimo! Isso é muito bom, Nowroth! Aliás, eu também não acredito que eles possam ter “trocado” Adams, durante a ausência de McKay, mas é muito confortador receber uma prova disso. Sim, se o senhor não se importa, poderá acordá-lo novamente. O Professor Nowroth sorriu, disfarçadamente. — Para isso eu já providenciei alguém que pode enfrentar melhor do que nós as primeiras vagas da ira do Ministro das Finanças... Ele apertou numa tecla do intercomunicador. — Irmã Luby! Por favor, venha até aqui! Um quarto de minuto mais tarde uma figura feminina entrou na sala. Ao vê-la, McKay não pôde deixar de expressar, audivelmente, a sua admiração. A Irmã Luby Teschkora tinha cerca de 1,60 metros de altura, cabelos pretos, e era esguia, menos naqueles lugares onde não o devia ser. Tinha o rosto oval, e toda a sua aparência era daquelas que não deixara nenhum homem de verdade frio. Até mesmo Jean-Pierre Marat, que sabia como controlar-se muito bem, não pôde impedir que aparecesse um brilho diferente nos seus olhos. — Meu Deus! Que varejão! — deixou ela escapar, ao ver McKay. McKay não se sentiu absolutamente ofendido. Ele abaixou-se para ela, sorrindo, e pegando-a pelo queixo. — É que eu sou um homem de verdade, minha filha — murmurou ele. Luby Teschkora livrou-se com um tapinha bem dado e depois sorriu, divertida, porque McKay massageava o polegar que ela lhe virará para trás. Nos cantos dos olhos de Nowroth apareceram sinais de irritação. — Na realidade eu a chamei aqui por outras razões, Irmã Luby. Mister Marat é de opinião que nós já podemos acordar o Ministro das Finanças. Acha que poderia impedir que ele acordasse com idéias de vingança? Antes que Luby pudesse responder, Marat interveio: — Receio que o seu plano contém um erro, professor. Pelo que ouvi dizer, Homer G. Adams não se interessa absolutamente, por mulheres. — Isso é uma coisa que se pode mudar — murmurou a Irmã Luby. McKay sorriu, irônico. — Você estaria perdendo o seu tempo com uma rocha, menina — resmungou ele. — Muitas mulheres já tentaram insinuar-se no coração do influente homem de Estado. Acho que seria mais fácil treinar uma minhoca para palhaço de opereta. Por que é que você não experimenta isso comigo? — Porque eu não costumo tratar com hipopótamos, sujeito presunçoso! — resmungou Luby. Sorrindo, ela voltou-se para o professor. — Muito bem, chefe, então eu já vou indo, está bem? — Faça o melhor que puder, Luby! — retrucou Nowroth. — Da senhorita depende muita coisa. Ele anuiu e dirigiu-se para a porta. — Se ele resolver avançar, você me chama, baby! — disse McKay. Mas a porta, então, já se fechara novamente. — Todas as suas irmãs são tão bonitas, professor? — perguntou McKay com um piscar de olhos maroto. Nowroth suspirou, fundo.

— O senhor provavelmente jamais vai mudar, McKay! Quando é que vai entender que o Universo não consiste apenas de álcool e mulheres, e que o mesmo não existe apenas para a sua pessoa? — O senhor jamais ficaria sabendo dessa minha mudança, eventual, de raciocínio, professor! — resmungou McKay. — Pois eu certamente só mudarei após a minha morte. Marat acendeu um cigarro. Ele conhecia o seu sócio bem demais, para meter o seu bedelho naquela discussão. Além disso ele sabia que McKay, na realidade, era bem diferente. Certo, ele não deixava escapar nenhuma oportunidade, mas todos os seus episódios se passavam apenas, por assim dizer, na periferia. Eles não o conseguiam deter do cumprimento dos seus deveres. Demorou quase quarenta minutos, antes que a Irmã Luby Teschkora voltasse. E olhou para o seu chefe com um rosto radiante. — Mister Adams agora está preparado para receber os dois “xeretas”! — ela enrubesceu. — A palavra é dele, não minha! — E...? — perguntou Nowroth. A irmã Luby fez que sim. — Mister Adams convidou-me para a Magic Lantern, amanhã de noite. — ela lançou um olhar interrogativo para McKay. — E então, o que é que o senhor me diz disso, seu monstro? McKay engoliu em seco. Jean-Pierre Marat arqueou as sobrancelhas. — Como? Ele realmente reagiu aos seus encantos, Miss Luby? Isso poderá ser a maior sensação deste milênio. Adams, com mulheres! — Ora, ele comportou-se de modo inteiramente correto — retrucou Luby. Mas com uma nuance de malícia ela acrescentou: — Assim, como é de se esperar de um homem de espírito. — De um gênio das finanças, sem o menor sentimento! — retrucou McKay, fazendo pouco-caso. Marat sorriu, divertido. — Parece que ele não é tão desprovido de sentimentos, sócio. Venha, vamos até lá! Vamos fazer aquilo que não podemos deixar de fazer. *** Homer G. Adams esperava por eles na sala de hóspedes do professor. Ele acabara de comer um bife saboroso, e agora se aprestava a tomar uma xícara de café. — Sentem-se! — ele fez um gesto, bem-humorado, para os detetives. Marat verificou que o tratamento dos nervos, feito até agora, fizera bem ao Ministro das Finanças. As suas mãos já tremiam muito menos. — Peço-lhe que me perdoe, sir! — Marat fez uma cara de culpado. — Mas eu não vi outra possibilidade, de procurar o meu sócio, e, ao mesmo tempo, garantir a sua segurança, do que mandar submetê-lo a uma sonoterapia profunda. Espero que não esteja muito zangado comigo, por isso. — E por que deveria estar zangado? — perguntou Adams, colocando uma série de cubinhos de açúcar no seu café. — Eu descansei maravilhosamente bem, e agora sintome fortalecido como nunca. Lentamente a monotonia do tratamento começa a me dar nos nervos — ele pigarreou e mudou de assunto, rapidamente, quando percebeu o olhar maroto de McKay. — Afinal, por onde é que andava o seu sócio, Marat?

— Ele estava em nosso apartamento, sir. Eles o hipnotizaram, e, em seguida, o encheram até as orelhas de uísque. Qualquer outro que não fosse McKay certamente teria morrido afogado em álcool. Mas, de qualquer modo, está provado que queriam roubarlhe a sua proteção. O senhor não notou nada de suspeito, sir? Homer G. Adams sacudiu a cabeça em silêncio, enquanto metia um pedaço de torta de creme na boca. — Por favor, tente lembrar-se! — pediu Marat. — Talvez ainda possa lembrar-se de alguma coisa... Adams anuiu, mastigando. — Aqui é possível conseguir-se alguma coisa para comer? — perguntou McKay, olhando, esperançoso, para o autômato de refeições na parede. — Por que não? — achou Marat. — Basta darmos o número de nosso apartamento ao autômato, para que ponha tudo em nossa conta. — Ok! — McKay levantou-se e foi até a máquina. Menos de meio minuto mais tarde abriu-se a portinhola de servir. Para fora veio uma tigela enorme com, pelo menos, uma dúzia de ovos estrelados, além de uma bandeja com um pão de quilo, garfos e facas, café e uma garrafa de uísque. Com o cheiro dos ovos e do bacon, Marat também sentiu apetite. Escolheu para si uma porção de fígado de galinha, salada variada e as batatas anãs grelhadas, tão prezadas nesse tempo, que, em conseqüência de uma mutação bem dirigida, tinham apenas o tamanho de ervilhas. Com isso, tomou cerveja preta sintética. Cerveja natural, dificilmente ainda era fabricada, já que a sintética era bem melhor. Marat ainda não tinha terminado a metade de sua refeição, quando McKay já começava uma segunda tigela cheia de ovos estrelados. O café ele “traçou” com uísque — é claro. Depois de ainda ter devorado um salmão de quilo e meio, esvaziando uma segunda garrafa de uísque, McKay achou que precisava fumar um cigarro digestivo. Marat sorriu, interiormente, ao olhar para a cara horrorizada do Ministro das Finanças. Depois de algum tempo, Marat olhou, ostensivamente, para o relógio e pigarreou. Adams entendeu imediatamente. Ele levantou-se e disse: — Eu agora tenho que ir novamente para o Departamento de Neurocirurgia, meus senhores. Quem dos senhores vai me acompanhar? Jean-Pierre Marat ficou pensando se devia pedir ao seu sócio, contrariamente aos seus planos, para ficar junto do Ministro das Finanças. Ele temia que, caso contrário, McKay apenas iria usar o seu tempo livre para fazer a corte a Miss Teschkora. E isso, eventualmente, poderia desgostar o chefe da GCC. Porém, depois ele decidiu-se a manter o plano de vigilância exatamente, em parte também porque, caso contrário, não teria a noite livre. McKay fez um gesto com sua mão enorme. — Então, boa sorte, velhão! Eu vou alugar um dos pequenos submarinos de esporte, para ir pescar um pouco. Marat respirou, aliviado. Como é que ele poderia saber que o seu sócio, com o que dissera, de certo modo dera a palavra-código para o começo de uma caçada humana como jamais se viu antes. *** A tarefa de proteger um paciente, que se submete a um tratamento neurocirúrgico com oito horas de duração, poderia levar um cidadão comum ao desespero. Qualquer

parlamentar, num caso desses, leva a melhor: ele simplesmente tira uma soneca, sem ser descoberto por uma câmara de televisão, pois, por motivos óbvios, na maioria destas “sessões” não permitem a entrada de câmaras de TV. Jean-Pierre Marat não podia dormir. Apesar do seu protegido encontrar-se sob a guarda de uma equipe médica de cinco especialistas — sem mencionar os controles automáticos — sempre existia o perigo de um ataque inesperado. E Marat temia que a parte contrária poderia decidir-se por um assassinato, uma vez que um seqüestro lhe fora tornado impossível. Por outro lado ele já estava tão acostumado a essas esperas pacientes, dos seus tempos de serviço na Contra-Espionagem Galáctica e também devido à sua profissão de detetive, que no correr dos anos ele desenvolveu uma tática que não lhe deixava ficar muito chateado. Ele jogava “Xadrez Mental”. O jogo de xadrez fazia parte dos hobbies de Marat. Além disso, ele colecionava cristais gravados com peças de concertos de famosas orquestras e escrevia histórias de ficção científica. Aos dois últimos hobbies, entretanto, ele só se dedicava a espaços muito grandes de tempo. A sua profissão mal lhe deixava o tempo necessário para relaxar. Porém xadrez, com um adversário imaginário, sempre era possível jogar, quando se era um ás como Marat. Porém uma vez também chega, até mesmo para o homem mais paciente, o momento em que sua ocupação solitária lhe dá náuseas. Com Marat isso aconteceu, depois de cinco horas. Por isso mesmo, não era de admirar que ele saudou alegremente a possibilidade de uma distração, na pessoa de Clinton Ferbyd, que se aproximava. Clinton Ferbyd era o chefe da Interstelar Trading Corporation, a companhia comercial e industrial que praticamente dominava todo o comércio interestelar. Marat, há dois anos, atrás, resolvera um caso muito delicado para Ferbyd. Era desse tempo que os dois homens se conheciam, e tinham simpatia um pelo outro. — Olá! — disse Ferbyd admirado. — O senhor também está sofrendo da nova doença dos managers, Marat? Jean-Pierre Marat sorriu, misterioso. Oficialmente o seu sócio e ele estavam no Sanatório de Guam para relaxar e para praticar caça submarina em mar profundo. A um homem como Clinton Ferbyd dificilmente eles poderiam tapar o sol com a peneira, pelo menos não por muito tempo. Entretanto Marat não podia revelar nada sobre a sua tarefa. Eles lhe haviam pedido o maior e mais severo sigilo. — Não diretamente — desviou-se ele. — McKay e eu estamos aqui para um tratamento profilático. De vez em quando é bom fazer alguma coisa para os seus nervos. E o senhor, Ferbyd? O homem de negócios ergueu os ombros. — Depende como a gente o encara. Há três meses atrás eu tive um severo colapso nervoso, e fiquei aqui, quase que por quatro semanas, em tratamento clínico severo. Desde então venho até aqui, regularmente, todos os meses, por dois ou três dias, para evitar uma recaída. Fico muito contente em encontrá-lo aqui. Que tal, uma caçada submarina, nessas valas profundas, nós dois juntos? — McKay já está lá fora, pelo que sei — retrucou Marat. — Pena, se o senhor tivesse chegado algumas horas antes... — E o senhor? Aqui não é o Departamento de Neurocirurgia? O que é que, afinal, está fazendo aqui, se só veio para uma profilaxia? — havia certa desconfiança no seu rosto.

Marat notou que precisava dar uma dica a Ferbyd para que o empresário não o traísse sem querer. Ele apontou, com o polegar, para a porta. — Homer G. Adams está aí dentro. Estou esperando por ele, para que ele não se sinta muito solitário, logo que sair dali. Ferbyd sorriu, entendendo. — Quer dizer que a velha raposa também foi aceita no círculo dos seus clientes? Marat fez que sim. — Mas não revele nada a ninguém, Ferbyd. Adams dá muito valor à discrição. — Mas é claro, Marat! Eu serei mudo como um túmulo. Marat pensou, de passagem, que Ferbyd provavelmente estaria mais seguro num túmulo, se ele não silenciasse, e, deste modo, chamasse a atenção do inimigo para a sua pessoa. — Não se esqueça disso! — avisou ele, por isso. — Afinal, o que veio procurar por aqui? Ao que parece, também deveria estar no Departamento Profilático. — Exatamente! Mas eu conversei com uma jovem e bonita médica. E Miss O’Neill revelou-me que o senhor estava no sanatório, e que eu provavelmente poderia encontrá-lo aqui em cima. E, é claro, eu não queria perder a oportunidade de vê-lo. — Realmente — retrucou Marat, meio chateado, perguntando-se como Miss O’Neill podia saber do lugar onde ele se encontrava agora, pois ele nada lhe revelara de sua tarefa. — Toma um uísque comigo? — perguntou Ferbyd. Marat viu aquela centelha nos olhos do outro, e deu-se conta que Ferbyd queria apenas interrogá-lo. Ele riu, divertido. — É claro. Mas terá que mandar servi-lo aqui. Eu acho muito confortável ficar aqui, na sala de espera... — Está bem, está bem — resmungou Ferbyd, chateado. Tirou uma caixa do bolso do paletó, e deixou escorregar para a palma da mão um jogo de cartas brilhantes de Eyniwene. — Vamos fazer um joguinho? Para isso Marat estava mais que disposto. Enquanto ele descrevia os símbolos para o outro, observando ao mesmo tempo que as cartas “faladas” caíam das mãos de Ferbyd, ele teve que pensar nos eyniwenes, um povo muito antigo num planeta frio, anterior à galáxia, mais ou menos no trecho que ficava entre a periferia galáctica e o conglomerado estelar M-13. Os eyniwenes não tinham uma só nave espacial, apesar de sua técnica ser tão altamente desenvolvida, como uma técnica poderia ser. Porém eles apenas a utilizavam para manter um padrão de vida modesto, sem terem que trabalhar. Por outro lado, eles se ocupavam com a pesquisa do espírito. Cosmonautas terranos haviam aprendido com eles como se jogava com as cartas de Eyniwene, tendo trazido o jogo para a Terra. Era possível jogá-lo apenas com uma extrema concentração psíquica, já que os símbolos das cartas tinham que ser descritos minuciosamente, para torná-las prontas para o jogo. Tinha-se como provado que, nisto, processos parapsíquicos e parafísicos tinham um papel importante, porém mais do que isso nem mesmo os melhores parapsicólogos terranos tinham conseguido descobrir. Marat imaginava que isso era melhor, assim, para a Humanidade. É que se conhecesse o segredo das cartas, provavelmente qualquer pessoa poderia ser capaz de gerar, com a sua ajuda, fluxos psíquicos telecinéticos e teleportáveis, e talvez até ler os pensamentos de seus próximos. No grau de desenvolvimento atual, entretanto, isso levaria a uma catástrofe. Havia só poucas pessoas maduras para um poder desses, e isto não mudaria quase nada, nem mesmo nos próximos cem mil anos. Jogando o Eyniwene o tempo passou voando, e Marat ergueu os olhos, surpreso, quando Homer G. Adams passou novamente pela porta.

O Ministro das Finanças cumprimentou Clinton Ferbyd, agradavelmente surpreendido. Estes dois homens tinham muito em comum, apesar da posição de Ferbyd não poder ser comparada à de Adams. Para isso o tempo de vida de um mortal era demasiadamente curto. Juntos com Jean-Pierre Marat os dois empresários dirigiram-se para um dos muitos salões de estar. Pediram que lhes servissem um pequeno lanche, e jogaram Eyniwene até quase o meio-dia. Só então Adams disse que estava com vontade de deitar-se. O Ministro das Finanças, desde o princípio, ainda não se acostumara ao horário normal do dia. Porém no sanatório no fundo do mar, isso era regra: não havia nem aurora nem pôr do Sol, e quem quisesse dormir, simplesmente apagava a luz no seu apartamento. Marat ficou contente com a decisão de Adams. Ele sentia-se moído e dormiu, mal ligara o controle positrônico de segurança no apartamento de Adams, deitando-se na cama do seu apartamento, que ficava ao lado.

4 Marat acordou quando alguma coisa úmida e fria tocou-lhe o rosto. Com um pulo ele saltou da cama. Diante dele estava McKay, segurando na mão um bicho marinho, de carcaça dura. McKay riu. — Pensei que você iria passar a noite inteira dormindo, velhão. Isso é que eu chamo de um trabalhinho cômodo, no qual a gente pode rolar na cama à vontade. Marat limpou a umidade do rosto e bocejou. Não respondeu ao seu amigo, pois sabia o que ele estava querendo dizer. Em vez disso, olhou melhor aquele bicho. Ele tinha algum conhecimento da fauna do mar profundo, porém jamais vira aquilo que McKay segurava na mão. Parecia quase uma tartaruga de um metro de comprimento, porém a carapaça lisa brilhava numa lua azulada metálica, as pernas terminavam em patas pretas, do tamanho de pratos, e a cabeça era triangular como uma cunha. O animal ainda vivia, pois de vez em quando esperneava um pouco, e mexia o seu rabo comprido, parecendo um cano, violentamente de um lado para o outro. Ele sacudiu a cabeça. — Onde é que você pescou esse monstro, McKay? O seu sócio olhou-o com indignação fingida. — Diga-me uma coisa, você está sofrendo de amnésia? Afinal de contas eu lhe falei que ia fazer caça submarina. Marat fez um gesto irritado. — Você tem idéia da pressão que existe numa profundidade de água de 9.230 metros? Você sabe que pressão interna um ser vivente tem que desenvolver para não ser amassado num fragmento bidimensional? E você o traz aqui para dentro, onde existe exatamente um pouco mais de uma atmosfera de pressão — e o bicho continua vivo... — Hum! O bicho tem que agüentar exatamente mil e quarenta kp por centímetro quadrado. Em nossa atmosfera natural ele teria que estourar imediatamente, como um balão cheio de ar no vácuo. Mas, talvez ele tenha algum órgão para regular a sua pressão interna? Ele deixou cair aquele animal marinho. O mesmo saiu andando imediatamente, refugiando-se debaixo da cama de Marat. — Para que isso? — censurou Marat. — Eu acho que não é nada saudável dormir com um monstrengo desses num mesmo quarto. Leve-o ao Departamento de Investigações Marinhas. Lá eles poderão colocá-lo num aquário de alta pressão. — Na realidade eu estava querendo treiná-lo — retrucou McKay. Ele sorriu, maroto, e saiu, agachado, atas do animal. De repente ele reapareceu de baixo da cama, mais depressa do que sumira sob a mesma. — O bicho sumiu! Atravessou o chão! No instante seguinte Marat estava deitado, de bruços, debaixo de sua cama, olhando sem entender aquele buraco oval no chão. O bicho realmente passara tão facilmente por aquele revestimento de metalplástico, como se o mesmo fosse de manteiga. Ele esgueirou-se de volta, e olhou, perplexo, o seu sócio.

— Você já pensou, McKay, que esse negócio poderia ter cortado você em pedaços, com a mesma facilidade como o fez com o metalplástico? McKay ficou branco. — Por Júpiter! Nem tinha pensado nisso. Mas se realmente for assim, minha “Ludmilla” poderá ter atravessado a parede externa do sanatório com a mesma facilidade! Temos que recapturá-la imediatamente, antes que aconteça uma desgraça! Marat já estava na porta. Mas antes da mesma se abrir, ele virou-se mais uma vez. — Eu fico aqui, junto de Adams. Veja se você consegue recapturar a sua “Ludmilla”, sem causar pânico entre os outros pacientes. E diga ao pessoal de Departamento de Investigações Marinhas para que tranquem o monstro num recipiente de terconite, reforçado de moléculas. Um recipiente destes, até mesmo a “Ludmilla” não seria capaz de destruir. Acho eu... McKay desapareceu. Marat começou a andar de um lado para o outro, no quarto, inquieto. Ele reconhecera que mesmo o homem do século vinte e cinco ainda não conhecia completamente o seu mundo. Sobretudo as profundezas das valas marítimas aparentemente escondiam ainda maravilhas desconhecidas em quantidade. E algumas dessas podiam tornar-se realmente perigosas, até mesmo ao metalplástico dos tempos atuais. O maior milagre, reconheceu ele, no instante seguinte, era que “Ludmilla” não tinha escrúpulos em destruir material morto, mas que poupara McKay, apesar disso custar-lhe a liberdade. *** Marat naturalmente não esperara que a recaptura de “Ludmilla” causasse dificuldades incontornáveis, mas ficou perplexo, assim mesmo, quando McKay já voltava quinze minutos depois, anunciando que entregara o bicho aos cuidados do Departamento de Pesquisas Marinhas. Marat anuiu e disse, pensativo: — Da próxima vez, tenho certeza que você não vai pegar em alguma coisa que não conhece — ele sorriu. — E agora você pode me render. Eu agora vou tornar um banho, depois vou ao Twilight Bar — ele olhou o seu relógio. — Miss O’Neill já deverá estar esperando, mas isso não importa. McKay abriu os olhos e a boca. — Você vai deixá-la esperando? Você, que supostamente tem a melhor educação do Universo? — Às vezes é de utilidade esquecer a boa educação, grandão — Marat fez um gesto amistoso para o sócio e entrou no banheiro. Depois de uma ducha quente demorada, e depois que as turbinas de ar quente do secador antigravitacional tinham deixado a sua pele avermelhada, Jean-Pierre Marat vestiu-se. Para esta noite, ele escolheu um terno de corte meio futurista, de couro Helldor-Bodenroch violeta, um material que, apesar de sua resistência, era fino como seda natural, custando, por metro, praticamente dois mil solares. Uma teia impressa, em base vibratória, no couro, de fios semibiometálicos, superfinos, davam ao mesmo um brilho metálico — e adicionalmente dava ao portador proteção contra tiros energéticos ou projéteis, logo que ele ligasse o gerador de campo energético corporal que fazia parte do terno. As pontas da gola, trabalhadas, eram seguras entre si por uma larga corrente de terconite comprimida por moléculas, e nos largos punhos engomados, enfeitados com abotoaduras de brilhantes, escondiam-se, além de um telecomunicador e um aparelho de

escuta, ainda outros requisitos do moderno equipamento de um detetive. Os sapatos esporte pretos eram de couro de lagartos-voadores venusianos e completavam a figura do play-boy terrano, tal como o imaginavam os mais ingênuos. Marat escolhera este terno não sem um motivo. A jaqueta comprida oferecia a possibilidade de esconder, no seu corpo, além de uma arma chata, de choque, uma arma energética de maior calibre, sem que dessem na vista. O equipamento de armazenamento energético para o seu campo de proteção pessoal e o seu aparelho de vôo antigravitacional encontravam-se escondidos no seu largo cinturão. Se alguém perguntasse ao detetive sobre o motivo por que ele escolhera esse equipamento tão completo, certamente não estaria capacitado a dar uma resposta satisfatória. Era mais um velho hábito, que o fazia agir desse modo. Eram quase 21:00 horas, quando Marat entrou no Twilight Bar. Naturalmente esta hora, para a maioria dos bares, significava apenas o início de suas atividades, mas no Sanatório de Guam havia outros conceitos de tempo, e a direção fazia tudo para tornar tão confortável quanto possível a estada de seus clientes endinheirados. Por isso, todas as instalações de lazer trabalhavam ininterruptamente, em turnos, e podia acontecer que já os primeiros hóspedes um pouco “altos” eram levados cordialmente, mas com firmeza, de volta aos seus alojamentos, por robôs-serventes. Marat chegou justamente quando terminava um strip-tease bastante frívolo, e ele perguntou-se, sacudindo a cabeça, por que, neste mundo, esse tipo de “espetáculo” há milênios não havia mudado em nada. Seria de se esperar que no século vinte e cinco deveria haver divertimentos melhores ou, pelo menos, de um nível mais elevado. Ele suspirou, quando, depois das duas bailarinas terem sumido, apareceu no pódio uma orquestra de mulheres, vestindo roupas simulando as da Grécia Antiga, espalhandose pela pista de danças. Os peitilhos brilhantes e os capacetes empenachados destacavamse grotescamente, em relação aos trompetes de jazz, saxofones, flautas e pistões. Sua irritação entretanto durou apenas até que ele deu-se conta de que tudo aquilo representava apenas uma paródia da preferência dos militares — que não mudara em nada — por música de marcha, marcial, e perpassada de baixos instintos. Isso o reconciliou novamente com a parte anterior do programa. Enquanto o aplauso dos outros hóspedes abrandou, uma esfera brilhante de energia baixou bem junto dele. Houve uma abertura na esfera, e uma voz conhecida convidou-o a entrar. Com um sorriso radiante, Marat cumprimentou a especialista de doenças cerebrais. — Eu já estava pensando que o senhor se esquecera de nosso encontro marcado — disse Sarah, com uma ligeira censura. Marat beijou-lhe, galantemente, a mão. — Como é que um homem poderia esquecer um encontro marcado com você, Sarah? Sinto muito não poder ter vindo antes, mas existem coisas que precisam ser atendidas. Sarah O’Neill ligou novamente o programa de vôo da esfera. Ela sorriu e ameaçouo sacudindo o indicador. — Vocês homens são todos iguais. Ao mesmo tempo que estão declarando o seu amor, estão pensando nos seus negócios. Marat engoliu em seco. Como é que a médica podia pensar, mesmo de longe, que ele poderia fazer-lhe uma declaração de amor? Mas ele logo corrigiu-se: certamente Sarah não falara seriamente. A mulher tinha outra coisa em mente, bem diferente, do que engajá-lo numa aventura. Mas não deixou que ela notasse sua preocupação. Adams não

dormiria mais muito tempo, e Marat não se esquecera de que o Ministro das Finanças tinha marcado um encontro com a Irmã Luby. — Está gostando daqui, Sarah? — perguntou ele com uma nuance de aborrecimento na voz. — Não gostaria de ir comigo a um outro estabelecimento? Ela representava muito bem, pensou ele, quando Miss O’Neill enrubesceu. — Não estou falando do seu apartamento! — acrescentou ele meio brutalmente. — Mas dizem que o melhor programa é apresentado no Magic Lantern. Que tal irmos até lá? Sarah anuiu, concordando imediatamente. — Eu também já ouvi dizer isso, Jaguar. Mas... — ela estremeceu e Marat não pôde dizer se aquilo era fingido ou verdadeiro... — ali trabalham com efeitos parafísicos e parapsíquicos. Dizem que é uma coisa meio de dar medo. Marat riu. — Há muito tempo eu gostaria de assistir alguma coisa que me desse medo, Sarah. E então, vamos? Sarah O’Neill concordou com a sugestão dele, como ele, aliás, achara que ela o faria. Meia hora mais tarde, eles se encontravam no lugar mais alto da edificação principal, somente separados do mar profundo por uma parede transparente de plástico blindado. A primeira impressão poderia, em homens comuns, despertar, no primeiro instante, uma acentuada agorafobia, achou Marat, dando uma rápida olhada em volta. Holofotes de luz infravermelha iluminavam as profundezas do mar e ofereciam uma vista de até cerca de mil metros em redor. Seres viventes bizarros moviam-se junto da parede de metalplástico, de um lado para o outro. Eles eram atraídos pelos raios da luz infravermelha, como mariposas eram atraídas pela luz comum. Com as espécies comuns estes habitantes das profundezas do mar não tinham muita afinidade. A forma dos seus corpos era constituída pelas imensas condições de pressão aqui embaixo, nestas profundezas, e amoldada a uma luta pela vida num ambiente de escuridão e impiedoso. Bocarras gigantescas surgiam freqüentemente, dando a impressão que, por trás, havia um corpo igualmente gigantesco. Porém, com maior freqüência a bocarra era a parte maior do corpo, até poucas exceções, que consistiam, na sua maior parte, de estômagos inflados. Jean-Pierre Marat estava acostumado a formas de vida das mais bizarras. Por isso, ele observava os habitantes do mar profundo com pouco interesse. A ele interessava muito mais tudo aquilo que não se podia ver, uma vez que estava recoberto por muitas centenas de metros de sedimentos, que o escondia dos olhos: a superfície do continente submerso da Terra — a antiga Lemúria... Ele fechou os olhos, enquanto o recinto hemisférico de repente foi envolvido num campo antigravitacional e as frisas esféricas iluminadas e brilhantes começaram uma dança caótica e divertida. Sarah O’Neill apertou o seu braço. Ela olhou, medrosa, para o chão, quando este, imprevistamente, se transformara no teto e no segundo seguinte já recebia de volta a sua função original. Marat sorriu. — Não se preocupe, Sarah. Nós estamos sem peso, e nossas esferas também. Nestas circunstâncias o procedimento das frisas é compreensível. Preste atenção, por favor! Ele recostou-se, vivamente, na sua cadeira anatômica. Imediatamente a esfera girou para trás, e tinha-se a impressão de que paredes, teto e chão, passavam fantasmagóricos do lado de fora, em volta deles. A impressão tornou-se ainda mais forte, quando se olhava as paredes de rochas nuas da vala do fundo do mar, que ficavam justamente nos limites ainda da visibilidade. Aqui não havia crescimento de plantas, os vales e as planícies do

mar profundo pareciam, nisso, aos grandes desertos da superfície. Mas, há algum tempo já, o homem começara a influenciar a flora do fundo do mar. No âmbito visível dos raios infravermelhos, em toda a volta da cúpula principal do sanatório, plantas mutantes se haviam aclimatado em ambientes semelhantes aos da costa. Estes jardins de plantas artificiais naturalmente ainda não eram muito opulentos — pois, quase sempre novos tipos de plantas não se adaptavam e morriam, porque não conseguiam agüentar a pressão violenta da água — porém dentro de cinqüenta anos, talvez, isso aqui pareceria um paraíso. De repente, sem que ninguém o esperasse, foi ligada novamente toda a gravidade. Ao mesmo tempo também foi ativado o controle programado das esferas antigravitacionais, e o ambiente passou a ter novamente a sua aparência normal. Miss O’Neill, entretanto, fez como se não tivesse notado nada daquilo. Ela continuava agarradinha em Marat, apertando-o cada vez mais fortemente. Ele respirou fundo, quando encontrou um motivo para empurrá-la gentilmente para trás, sem ofendê-la. Uma das aberturas da parede, semelhante a uma cortina de lamelas, cuspiu uma nova frisa esférica para dentro do salão. Através daquele envoltório que mais parecia uma bexiga, os dois ocupantes podiam ser reconhecidos facilmente: Luby Teschkora e Homer G. Adams. Conforme era de se esperar, surgiu pela abertura ao lado uma segunda esfera, que ficou pairando por cima da do chefe da GCC. McKay estava a postos. E junto de McKay estava sentado o chefe da Interstelar Trading Coporation, Clinton Ferbyd. — Permite-me que eu tome a nossa esfera, por pouco tempo, em controle manual, Sarah? — perguntou Marat. — Lá do outro lado, está um amigo meu, e eu gostaria de falar com ele. Sarah O’Neill anuiu. Porém depois descobriu Roger McKay, e os seus olhos adquiriram uma expressão estranha. Jean-Pierre Marat estava satisfeito. Por algum tempo ele não seria perturbado por essa médica, cheia de alegria de viver, mas com a qual alguma coisa devia estar errada. *** Na manhã seguinte, Marat acordou com o zunido do videofone. Sonolento, ele apertou a tecla ativadora perto de sua cama. Porém, já no instante seguinte, estava inteiramente acordado. Da tela redonda de imagem sorriam-lhe os olhos vermelhos de albino de Atlan, ironicamente. — Desculpe-me, sir! — disse Marat, rápido. — Eu me visto rapidamente e... — Realmente não é preciso desculpar-se, Marat — retrucou o arcônida sorrindo. — Eu já fui informado da arbitrária divisão de tempo do dia existente aqui. Somente agora o detetive deu-se conta de que Atlan estava falando pelo videofone, o meio de comunicação utilizado internamente no sanatório. A camada de água de mais de nove mil metros, por cima do complexo da cúpula, exigia para uma ligação com o mundo exterior impulsos de telecomunicação através de laser ou então por um hipercomunicador que trabalhasse em velocidade ultraluz. Conseqüentemente, o lordealmirante só podia encontrar-se pessoalmente no sanatório. Este reconhecimento devia ter-se espelhado no rosto de Marat, pois o arcônida anuiu, confirmando. — O senhor já entendeu, meu caro Marat. A preocupação com o Ministro das Finanças do Império impeliu-me para cá. Como vai o nosso gênio?

Marat não conseguiu abafar inteiramente um sorriso sarcástico. Antes que Atlan, cujas sobrancelhas já se arqueavam, desconfiado, pudesse perguntar pela causa disso, o detetive respondeu rapidamente: — Ó, ele já está bem melhor, sir! — Em pensamento, ele acrescentou: Tão bem que, de repente, ele demonstra interesse pelas mulheres. — Por que o senhor não o visita, simplesmente? — O que é que o senhor tem contra mim? — perguntou Atlan, com um tremor suspeito nas pálpebras. — Por que deseja livrar-se de mim? Marat olhou o lorde-almirante, durante alguns segundos, perplexo, depois começou a rir. — Compreendo, sir! Está se referindo às medidas de segurança que eu tomei para proteger Mister Adams de visitas não convidadas! Não precisa ter medo disso. Naturalmente o senhor não conseguiria entrar no apartamento de Adams, mas não existem barreiras energéticas mortais. Nós detetives cósmicos temos métodos mais humanos para proteger nossos clientes. Mas, se desejar vir ao meu apartamento, antes disso, sir, venha que eu me visto rapidamente. Atlan anuiu. Um minuto mais tarde a campainha da porta tocou. Marat entrementes colocara um robe-de-chambre, e penteara os cabelos. Ele conduziu o chefe da United Stars Organization e amigo da Humanidade através do vestíbulo amplo, para uma sala de estar muito bem mobiliada e decorada com o maior luxo. Atlan sorriu quando Marat abriu a porta para o quarto e ouviu, vindo do banheiro, alguém cantando em voz alta. — McKay! — chamou Marat. O canto foi interrompido. Logo em seguida, Roger McKay surgiu, na porta aberta do banheiro. Fez um sinal com a mão, cumprimentando, quando notou a presença do lorde-almirante, e não parecia absolutamente desconcertado, por estar completamente nu. — Eu já vou! — Se o senhor permite, eu também gostaria de me vestir corretamente! — disse Marat. — Suponho que o senhor deseje conferenciar com Mister Adams na nossa presença. — Sim, por favor — retrucou Atlan. — Não se apresse, Marat. Eu também preciso, acho eu, de um pouco de descanso. Lá em cima, as coisas estão de cabeça para baixo. — Ele notou a pergunta estampada no rosto de Marat e acrescentou: — Mas disso falaremos mais tarde. Antes de mais nada pode ir vestir-se. Dentro de cinco minutos Jean-Pierre Marat estava pronto. Ele agora usava uma calça de plástico de veludo azul, e uma camisa branca caída por cima do cinturão, sem botões nem gola. O bronzeado de sua pele contrastava agradavelmente com a mesma. Roger McKay, ao contrário, usava uma bermuda de couro vermelho e um colete amarelo cravejado de plaquetas de metal. Ele sacudiu a mão do lorde-almirante. Depois cocou demoradamente o seu peito cabeludo, sorriu, desconcertado, e disse: — Posso oferecer-lhe um uísque, sir...? Atlan sacudiu a cabeça. — Suco de frutas, por favor. Durante o dia eu não bebo álcool. Mas se tem vontade de tomar uísque, por favor...? — Vontade...? — perguntou McKay, censurando. — Eu tenho é uma sede danada, sir. Atlan chegou quase a engasgar. — E contra isso, álcool de alta gradação é bom? — perguntou ele, duvidando.

— O fogo se combate melhor com fogo — retrucou McKay, solene. — Quando se é um homem de verdade... — ele estacou, e conseguiu até ficar vermelho. — Desculpe-me, sir. Eu não quis ofendê-lo. — E nem poderia — retrucou Atlan, com um sorriso amarelo. Marat sentou-se à sua frente, e colocou uma bandeja com café fumegante sobre a mesa. — Não se deixe irritar por esse rapaz, sir — disse ele, como pedindo desculpas. — McKay faz parte dessa gente que não se sente bem quando os seus próximos lhes estendem simpatia — com exceção das mulheres, naturalmente. Fora disso, entretanto... — ele convenceu-se de que o seu sócio não o ouvia — ...é o meu melhor homem. Quando as coisas ficam pretas, eu posso confiar nele cem por cento.

— Eu conheço esses tipos — disse Atlan, mais ou menos apaziguado. — Mas, fiquemos no nosso assunto, Marat. Relate-me, por favor, a respeito do progresso do estado de saúde de Adams. Depois que Marat terminou o seu relatório, o lorde-almirante parecia bem mais satisfeito. — Isso realmente me deixa muito contente. Porém esses incidentes dão o que pensar. O senhor pode ver algum sentido em que a agente camuflada da ContraEspionagem seja assassinada e em pôr o seu sócio fora de combate, por pouco tempo? Marat sacudiu a cabeça. — Eu gostaria de descobrir o sentido desses incidentes, sir. Quando penso nesta coisa, colocando-me do lado contrário, chego à conclusão que ambas estas ações somente poderiam fazer-me mal. Se alguém tem interesse em se apossar da pessoa de Adams, certamente esta pessoa não iria chamar a atenção para si, através de alguns incidentes amadorísticos.

O lorde-almirante silenciou por alguns minutos. O seu rosto estava sombrio, e ele olhava fixamente para o chão. Quando ergueu os olhos novamente, Marat achou ver uma desconfiança brotando dos olhos de Atlan. O detetive possuía bastante sensibilidade, para ter certeza disso. Mas a pergunta era: Atlan desconfiava de quem...? *** Meia hora mais tarde, o Ministro das Finanças apareceu no apartamento de Marat. Ele parecia estar de excelente humor. Deixou que Atlan o informasse do que se passava no Império Solar. As coisas não pareciam ir muito bem. No dia 11 de dezembro, em toda a parte, na Terra e nos outros mundos do Império, haviam sido instituídas contas controladas pelo Estado. Com isto, os simples cidadãos e os homens de negócio tinham a garantia de que os seus ganhos e lucros não seriam desvalorizados, mais tarde, quando fosse necessária uma desvalorização da moeda. Porém o problema crucial não fora solucionado com isso, nem de longe. O dinheiro falso continuava a entrar aos borbotões, através de canais impossíveis de encontrar, nas caixas. Um dinheiro falso que, basicamente, sob o ponto de vista de qualidade, era tão genuíno quanto as cédulas emitidas pelo Banco do Estado. Mesmo com os melhores métodos de exame, o mesmo não era possível de ser diferenciado do dinheiro verdadeiro. Apenas o controle das numerações de séries dava alguma idéia de que havia um derrame de dinheiro falso, bem como de sua quantidade. O intercâmbio comercial galáctico com o Império Solar havia caído para a escala de negócios de compensação, uma vez que nenhuma das raças estranhas estava disposta a aceitar cédulas de dinheiro terrano. De qualquer modo haviam conseguido evitar que a indústria solar entrasse em colapso. As fábricas, pelo menos, estavam em situação de poder pagar seus operários e funcionários, transferindo diretamente para as contas controladas pelo Estado e os seus salários, e das quais, então, era autorizada a retirada de uma soma preestabelecida e limitada. O Estado, entretanto, fizera dívidas por toda a parte, com fornecedores, nas fábricas de manufaturados, e até mesmo nos supermercados particulares, que somente ainda vendiam suas mercadorias, porque, como contra valor, lhes ofereciam coisas tão reais como ações do Estado e metais catalisados hipercomprimidos. Isso tudo naturalmente correspondia a uma total liquidação de todas as reservas do Estado, e depois de uma definitiva estabilização da moeda, certamente demoraria pelo menos todo um século até que o Estado tivesse novamente compensado os seus prejuízos. — As mais formidáveis batalhas materiais dos últimos séculos — concluiu Atlan — não sangraram, nem de longe, o Império tão fortemente como esta “invasão” de dinheiro falso — o seu rosto, de repente, parecia extremamente cansado e decaído. — Praticamente toda a nossa concepção político-militar anterior recebeu o seu golpe mortal. Ninguém mais, no futuro, acreditará que uma frota gigantesca e as mais terríveis armas de destruição, sozinhas, sejam capazes de proteger um império estelar. Jean-Pierre Marat anuiu, concordando. Ele conhecia o lorde-almirante bastante bem, para poder ter uma idéia de como ele devia estar se sentindo. O arcônida sempre defendera um poder militar forte. Ele representava uma época militarista reacionária, que via na guerra simplesmente um método mais duro de diplomacia e que se deixava arrebatar pelos números de naves espaciais inimigas destruídas, bases de apoio eliminadas e sistemas solares conquistados.

Esta época evidentemente terminara. Pelo menos assim parecia, como se a ofensiva de dinheiro falso dos senhores da galáxia tivesse obrigado as personalidades decisivas da Humanidade a pensar de modo diferente. Marat esperava apenas que a nova mentalidade também se mantivesse depois que a crise atual tivesse sido vencida. Homer G. Adams ficou escutando o relato do lorde-almirante com uma cara inexpressiva. Quando Atlan terminou, ele apoiou os cotovelos em cima da mesa e juntou as pontas dos dedos. — Os senhores gostariam de ver-me novamente no meu lugar, Atlan, não é? — perguntou ele. — Sem dúvida — retrucou Atlan — mas, por outro lado, também não nos interessa a volta de um Ministro das Finanças que não esteja inteiramente curado. Em outras palavras: eu queria me certificar se o senhor está a caminho da convalescença. — Acho que estou — disse Adams. — O mais famoso especialista em neurocirurgia psicovegetativa trata de mim, todos os dias, durante oito horas. A mim me parece que eles estão reconstruindo meu corpo e minha “alma” de dentro para fora, deixando-me inteiramente novo. Quando digo “de dentro para fora”, quero dizer a partir do cérebro. Cada célula nervosa é reativada isoladamente, e sistematicamente. O senhor vai ver, Atlan: logo que eu reassumir o meu cargo, vamos recuperar todos os prejuízos no prazo de meio ano. O Lorde-Almirante Atlan não disse nada. Ele não compartilhava absolutamente do otimismo de Adams. Uma catástrofe econômica e financeira das proporções da atual, deixava rastros, que não poderiam ser eliminados no decorrer de poucos anos. Ele levantou-se e estendeu a mão para Adams. — Mais tarde ainda nos veremos mais uma vez. Eu fico por aqui, durante todo este dia. Até lá, desejo-lhe uma rápida melhora. Depois que Atlan deixou o apartamento, Marat fez um sinal, discreto, para o seu sócio. Roger McKay sabia o que tinha que ser feito. Ele seguiu o chefe da USO tão discretamente, que depois de cinco minutos, foi tomado entre dois homens desconhecidos e arrastado a um apartamento vazio. Depois que eles se apresentaram mutuamente, McKay pôde ir embora outra vez. — Tudo em ordem — avisou ele, curto, ao seu chefe e sócio. — Atlan trouxe consigo alguns dos seus homens mais capazes da USO. Por pouco eu não acabei debaixo de um psicodetector. Não precisamos preocupar-nos com a segurança dele. Marat respirou, aliviado. Adams, ao contrário, ficou de cara azeda. O Ministro das Finanças parecia não gostar do fato de que o sanatório estava cheio, agora, dos mais diferentes agentes de segurança, de todos os lados. Ele ergueu-se, abruptamente. Por alguns segundos ele olhou para Marat, depois o seu rosto transformou-se, mostrando um sorriso cordial. — Hoje é novamente a sua vez de me proteger, não é mesmo? Marat confirmou. E ficou esperando, tensamente, que tipo de sugestão Adams lhe faria agora. — Então siga-me, por favor — declarou Adams. — Mostre-me um dos pequenos submarinos de caça. Eu também gostaria de fazer uma caçada submarina, como o seu sócio. Jean-Pierre Marat pesou os prós e os contras do propósito de Adams. E chegou à conclusão de que não poderia proibir ao poderoso chefe da GCC, de ocupar-se com uma

caça submarina. Sem contar que uma ocupação dessas costumava demonstrar-se saudável, no decurso de um tratamento de problemas neurovegetativos. — Concordo, sir — disse ele, calmo. — Por favor, siga-me. *** Atlan não viera somente por causa de Adams. Nestes últimos dias ele tinha mantido diversas conferências com os conselheiros econômicos e financeiros de Perry Rhodan, e se enfronhado, pela primeira vez, em assuntos de política econômica. E nisso sentiu a necessidade de conversar com um homem importante, que também se encontrava no Sanatório de Guam. Ele encontrou Clinton Ferbyd nos jardins de cúpulas submarinas. O chefe da ITC nadava junto com três moças numa das inúmeras piscinas, e era evidente que se divertia muito. Atlan deixou-se cair num dos bancos estofados junto da piscina e ficou escutando o canto dos pássaros, respirou fundo o aroma de grama molhada, iluminada pelo sol, que não sentia há tanto tempo, e nem sentiu que o cansaço tomou conta dele, deixando-o sonolento. Quando acordou, as três mocinhas da piscina estavam de pé, junto dele. Vestiam biquínis minguados e pareciam divertir-se muito. Somente depois de alguns segundos o lorde-almirante notou quem era a causa da alegria delas. — Se não estivesse vestido como um homem — riu a menor das três — poderia pensar-se que se trata de uma mulher. — Essa não — suspirou a segunda — esses cabelos compridos, e ainda por cima branqueados. E os seus olhos são tão vermelhos como os de um arcônida. — Antigamente havia os Beatles — disse a terceira. — Esses rapazes também usavam os seus cabelos compridos assim — ela sentou-se na borda do banco e meteu a mão, sem cerimônia, nos seus cabelos. — Você é um Beatle, garotão? Até este ponto, Atlan tinha se divertido com a ingenuidade das três beldades. Mas a palavra “garotão”, de repente, o deixou irritado. Desse jeito, nunca ninguém ainda havia ousado chamá-lo. Ele ergueu o braço, para derrubar aquela moça, tão indiscreta, do banco. Mas logo resolveu diferente. Pegou a garota, ergueu-a tranqüilamente no ar e correu com ela até a borda da piscina. Sem muito esforço ele devolveu-a novamente ao elemento molhado de onde ela saíra. — Força o garotão tem, isso não se pode negar — observou uma outra. Atlan voltou-se para ela. O seu rosto devia ter mostrado algo de sua irritação, pois as duas, de repente, empalideceram, e saíram correndo. Por trás da moça que havia mergulhado novamente na água, contra a sua vontade, apareceu a cabeça de Ferbyd. — Onde é que está o rapaz que jogou você...? Clinton Ferbyd estacou, estarrecido. Sua boca ficou aberta, e os olhos cada vez maiores. Aquela imagem levou o lorde-almirante a rir com tanta força, que sua irritação logo se esvaiu. — Saia daí, Ferbyd! — gritou ele. — Eu tenho medo que acabe criando raízes aí. Clinton Ferbyd despertou repentinamente para a vida. Empurrou a sua companheira de folguedos para o lado, de modo que ela caiu novamente na água, e depois saiu para fora da piscina. — Peço-lhe desculpas, sir — disse ele, rápido. — As meninas se comportaram mal com o senhor? Se este foi o caso eu vou dar-lhes uns tapas nos traseiros, pessoalmente.

— Dar uns tapas no...? — Atlan esforçou-se para não mostrar-se intolerante. Mesmo assim achou que era uma falta contra os bons costumes, que um homem como Ferbyd não se envergonhava, como homem casado que era, de flertar com três mocinhas, que se comportavam de modo pouco formal. Aparentemente sem motivo, um grande sorriso iluminou o rosto do chefe da ITC. — Minhas filhas Anyra, Mondy e Aplora, sir. O senhor tinha imaginado outra coisa? Agora foi a vez de Atlan ficar estarrecido como uma coluna. — Receio que agora eu terei que pedir-lhe desculpas — murmurou ele, desconcertado. — Eu tive uma séria desconfiança a seu respeito. Ferbyd sorriu. — Neste caso, estamos empatados, sir. Fico contente que seja assim. Eu sei que minhas filhas não se comportaram exatamente muito bem. Bem, mas quando se é jovem, tem-se outras concepções das convenções que na idade madura. Afinal, o que é que elas fizeram com o senhor? — Elas me chamaram de Beatle — devido aos meus cabelos compridos. Confesso que fiquei chocado. A esse tempo, quero dizer, na época em que os Beatles eram moda na Terra, eu não me encontrava em sono profundo. Portanto eu sei que tipo de idiotas... — Não seja precipitado, sir — disse Ferbyd, sério. — Os antigos Beatles o senhor não consegue entender porque era um homem já muito velho, naqueles tempos, no que se refere às suas experiências. Porém deixe-me que eu lhe diga que, pessoalmente, tenho muito respeito por jovens desse tipo. Eles, naqueles tempos, não reconheciam mais as tradições reacionárias, e com isso eles contribuíram, e muito, para unir os homens. Aliás, hoje existem paralelos disso. Eu gostaria apenas de mencionar “The Monsters”. Eles se chamam de monstros, porque, com isso, querem protestar contra a política militarista do Império, e as suas músicas e canções são tocadas e cantadas em todos os planetas habitados pela raça humana. Atlan arqueou as sobrancelhas, irritado. — E o senhor acha isso certo, Ferbyd? O senhor como empresário interestelar, afinal, devia saber que... Ele estacou. Lembrou-se novamente das conclusões que havia tirado da catástrofe econômica do Império. — Talvez haja mesmo alguma coisa de bom, nesses jovens. Eu só gostaria de lembrar-lhe que significaria o desaparecimento de todos nós, se os homens não estivessem prontos para lutar pela segurança do Império. — Eu acho que o senhor jamais precisa temer isso, de parte dos homens, sir — retrucou Ferbyd, sorrindo. — Os “Monsters” são pela expansão da Humanidade. Apenas não querem que se usem armas físicas, onde se poderia alcançar muito mais com armas do espírito — e isso é quase sempre o caso, em todos os conflitos. A voz de Ferbyd tornara-se dura. Atlan reconheceu que tinha diante de si, no chefe da ITC, um homem que poderia dar, algum dia, um rumo decisivo à política do Império — e, por mais estranho que poderia parecer — estava satisfeito com isso. — Aliás, eu queria falar sobre um outro assunto com o senhor — declarou ele. — Quando é que poderia dar-me algum tempo? Clinton Ferbyd olhou o relógio. — Eu agora, na realidade, precisaria, antes de mais nada, prosseguir no meu tratamento, sir. Se o senhor não tem nada contra, podemos encontrar-nos, mais ou menos às treze horas, no Restaurante China. Ali come-se muito bem e barato.

O lorde-almirante anuiu. — Muito bem, às treze horas, no Restaurante China!

5 A escotilha bateu ocamente no fechamento hermético. Das turbinas da parede saíram jatos de água, da grossura de um braço, causando, nas paredes do microssubmarino, ao baterem nas mesmas, um ruído ensurdecedor. Jean-Pierre Marat estava sentado na cadeira anatômica, macia e bem estofada, diante do console de comando, da central de controles. Explicava a Homer G. Adams, sentado a seu lado, o funcionamento da manobragem nada complicada. — Estes pequenos submarinos de dois lugares, praticamente não têm mais nada em comum com os submarinos de séculos atrás. Foram construídos especialmente para operação em bases no mar profundo e, em casos especiais, na caça oceânica, são até manobráveis por amadores. Ele apertou numa placa iluminada de vermelho. O vermelho transformou-se, de um momento para outro, num verde fortemente brilhante. — Enquanto a luz verde estiver acesa, nós não precisamos intervir nas manobras, de modo algum — explicou ele. — Um computador positrônico cuida para que a rota programada seja seguida de forma inteiramente automática. E o senhor nem sequer precisa programar a rota sozinho. O sanatório dispõe de mais de vinte mil lâminas programadas diversas. Ele sorriu, depreciativo, porque o que tinha para dizer agora, em sua opinião, ultrapassava os limites da decadência. — Caso o senhor pretenda atirar num determinado animal marinho, o senhor, por favor, aperta a tecla do animal correspondente, armazenando-o na memória do computador. Isto não é nada complicado, já que o teclado é parecido com o de uma máquina de escrever. Um quadro geral da vida animal oceânica, o senhor encontra no Catálogo de Caça Submarina. Ele ligou o catálogo, e ficou observando, junto com Adams, como os animais marinhos apareciam na tela de imagem, em projeções coloridas, tridimensionais. Ao mesmo tempo, aparecia na tela o nome do animal. — Eu agora vou datilografar o nome Lamprotoxus flagellibarba gigantea no setor de memória. Este é um bicho do qual, há até dois anos atrás, apenas se conhecia a espécie pequena. Ao contrário do Lamprotoxus flagellibarba comum, que atinge um tamanho de apenas vinte centímetros de comprimento, a espécie gigantea atinge um comprimento de até noventa metros. Com nosso microssubmarino nós podemos passar tranqüilamente pela bocarra gigantesca do animal. Marat datilografou rapidamente. Ele sabia como manipular esses aparelhos muito bem. Um zunido dado três vezes seguidas e um ponto verde junto da imagem do Lamprotoxus era o sinal do sucesso da programação. — Daqui para a frente — explicou Marat, enquanto as eclusas se abriam e o corpo da nave de doze metros de comprimento e quatro de diâmetro disparou para fora — o computador positrônico manobra o DU-J-OO9 autonomamente numa rota, que, por sua parte, leva a um dos lugares, no qual sondas de observação, que operam ininterruptamente, puderam descobrir, nestes últimos dias, um Lamprotoxus. Ali, então, começa a procura, com sonar, ultravioleta, rastreador de objetos e projetor luminoso de

atração. Logo que um Lamprotoxus seja rastreado, o DU-J-OO9 manobra automaticamente em direção à vítima, paralisando-a com uma arma narcótica, de construção dos pos-bis. O ‘valoroso’’ caçador suboceânico então poderá escolher, se deseja pegá-lo ou liquidá-lo com um arpão de choque, um minitorpedo ou uma rede de campo energético. — Por que tão sarcástico? — perguntou Adams. — Todas essas possibilidades, afinal de contas, servem apenas à segurança dos homens! — À segurança de açougueiros, o senhor certamente quis dizer, Mister Adams! — deixou escapar Marat, impulsivamente. — Eu, pessoalmente, sou de opinião que somente deviam permitir a caça submarina a pessoas que se disponham a fazer a sua caça de forma convencional. — Ok! — retrucou Adams. — Então, por favor, explique-me o que é que o senhor entende por caça convencional? O rosto de Marat iluminou-se. Ele desligou o controle automático e ativou os manuais. Entrementes o submarino já atingira mar aberto, encontrando-se a cerca de seiscentos metros afastado da base. Marat ligou o impulsor energético. Aquele corpo negro, com os lados abaulados, construído de aço-terconite moleculizado, atirou-se para a frente, e acelerou em menos de um minuto para duzentos e cinqüenta quilômetros por hora. Formações rochosas bizarras surgiram e desapareceram novamente do campo de imagens. Cardumes de peixes prateados brilhantes ou azulados luminosos, passavam por cima da tela de imagens, da pequena instalação panorâmica. De repente, um aparelho de sondagem começou a zunir. Numa tela circular formouse a silhueta de um corpo de peixe verde, amarelo e luminosamente vermelho. Uma bocarra gigantesca, com dentes parecendo punhais, apareceu. Atravessou no centro de um cardume de peixes-lanterna e engolia tudo que conseguia pegar. — Isso é...? — começou Adams, mas logo estacou. Marat riu, secamente. — Um Lamprotoxus gigante, é isso mesmo! — ele leu as medições. — Infelizmente ele não chega a ter o comprimento máximo, mas quarenta e cinco metros não são de se desprezar! Ele freou, quando a distância ainda era de meio quilômetro. Numa curva longa ele levou o submarino em volta da vítima. A imagem tomou-se mais clara. Claramente era possível ver-se as barbatanas da cabeça, de muitos metros de comprimento. Elas lembravam as pernas dianteiras, puxadas para trás, de leões-marinhos. A cerca de cem metros de distância do Lamprotoxus o submarino desceu silenciosamente para o fundo do mar, atolando numa nuvem de lama revolvida. Quando a lama se esvaiu, somente a torreta baixa ainda aparecia. — Ele está vindo para cá! — gemeu Adams, horrorizado. Marat anuiu, satisfeito. — Naturalmente, sir. O Lamprotoxus já nos viu. Como ele é muito maior do que nosso pequeno barco, e além disso agora apenas a torre emerge da lama, ele se sente superior a nós. Tenho que me apressar, caso contrário não consigo mais sair. Rapidamente Marat retirou a sua capa. Enfiou o traje de têxtil-plástico-elástico, e fechou o seu capacete de pressão. — Naturalmente este traje não evitaria que eu fosse literalmente esmagado, se ele não possuísse um microgerador de campo energético, que consegue construir uma barreira energética em torno. O problema na caça submarina a grandes profundidades é

apenas... — ele agarrou o grande arpão de eletrochoque — ...dirigir a propulsão, a esfera e a arma de tal modo que todos trabalhem em conjunto. Uma única ligação falha, e o arpão quebra em meio ao campo energético. E então eu estou sem arma. Ou então o peixe me atinge com um golpe tão violento com o seu rabo, que a esfera acaba sendo amassada. Num caso desses posso contar-me por feliz, se escapar apenas com alguns ossos quebrados. Muito bem, é só isso. Eu agora vou ir lá para fora, sir! Ele escorregou através do tubo da torre, para cima. Na câmara de disparo ele ativou a esfera energética, enquanto, paralelamente, a pressão dentro da câmara era elevada a uma gradação, que ficava cerca de dez atmosferas, pelo menos, acima da pressão da água ao redor. Depois ocorreu o disparo. Com uma velocidade inicial de cerca de cem quilômetros horários, Marat foi catapultado para fora. A imensa pressão da água, entretanto, rapidamente freou-o novamente. Quando finalmente parou, Marat encontrou-se a cerca de oitenta metros acima da cabeça do monstro submarino. O Lamprotoxus pairou bem perto acima da torreta do microssubmarino. Meneou suas barbatanas frontais, retirando, pouco a pouco, a lama do tombadilho. Depois ele esperou alguns minutos, sem se mexer. De repente a cabeça do peixe desceu com a violência de um bate-estacas para cima da torreta. Jean-Pierre Marat assustou-se, quando o submarino virou para bombordo. He não ensinara nada ao Ministro das Finanças sobre a manobragem manual. Se Adams, lá embaixo, na sala de comando, perdesse a cabeça, poderia acontecer uma grande desgraça. Marat não tinha, de fora, qualquer possibilidade de intervir. No fundo, ele não passava de um passageiro fora do barco, e sem o querer e poder de Adams, ele nem sequer poderia voltar ao submarino. Soltando um palavrão, manobrou a sua esfera mais para o fundo. O duto de saída do arpão saía através da abertura do campo energético, e apontava para a nuca do Lamprotoxus. O bicho estava atacando novamente a torreta do submarino. Marat viu quando uma sonda exterior se partiu — e ela era de aço-terconite! Justamente quando o detetive já estava com o indicador no gatilho da arma, o Lamprotoxus mudou de posição. Quase elegantemente, brincando, ele girou o seu corpo comprido, virando-o. O luminoso verde-amarelo da parte superior do seu corpo ficou mais intenso. Não menos elegante pareciam os movimentos da nadadeira do rabo. Marat sentiu como o suor do medo lhe escorria pela testa. O golpe com o rabo atingira a torreta, e quando a lama amainou, não se via mais nada das construções superiores do barco. E agora ele não podia esperar mais por uma oportunidade apropriada! Marat disparou uma salva de doze eletroprojéteis de choque. Procurou atingir os olhos, emoldurados de azul, do bicho, mas já não viu mais se o tinha conseguido. O Lamprotoxus girou, num movimento violento. As nadadeiras chicotearam novamente levantando mais lama. Depois, o animal fugiu e desapareceu no meio das pedras de uma caverna próxima. Rápido demais, Marat mergulhou naquela lama revolvida. Seus aparelhos de rastreamento procuraram pelo submarino — e não o encontraram. Nervoso, ele registrou esse fato. Ele receara encontrar um barco danificado, incapaz de ser manobrado, mas nunca um lugar vazio no fundo do mar!

Em seu desespero, ele lembrou-se do canal privativo, que os agentes da ContraEspionagem Galáctica e da USO costumavam usar, quando trabalhavam em missão conjunta. Atlan encontrava-se no Sanatório de Guam, e era de se esperar que pelo menos um de seus guarda-costas pessoais constantemente estava com este canal de comunicação aberto. Jean-Pierre Marat ajustou o seu telecomunicador e começou a chamar. *** Uma hora antes, o lorde-almirante e Clinton Ferbyd haviam se encontrado no Restaurante China do sanatório... Enquanto os dois homens esperavam pelos pratos e bebidas pedidos, Atlan informou, sucintamente, sobre as medidas que a Administração do Império desejava tomar rapidamente, para chegar a uma reestabilização da moeda. Ferbyd o escutava, interessado. Ele não ficou exatamente entusiasmado com o papel que a Administração lhe destinara, mas Clinton pertencia aos poucos grandes empresários de sucesso, que, junto com sua capacidade para os negócios, ainda conservavam um certo idealismo. E por esta razão ele concordou. Quando, então, a refeição foi servida, os dois homens comeram em silêncio. Ferbyd entregou-se a saborear as delícias da cozinha chinesa. Ele possuía a faculdade de se “desligar”. O lorde-almirante, ao contrário, ficou apenas mexendo com o talher no seu prato, parecendo ansioso para que a refeição terminasse. Finalmente Ferbyd enfiou as pontas dos dedos na tigela de água morna, deixando que um robô-servente lhe enxugasse as mãos. Uma eurasiana de beleza encantadora serviu saque morno e cigarros verdes que haviam sido embebidos num estimulante inofensivo. Mas, tanto Ferbyd como Atlan recusaram. Durante conversações de negócios eles não tinham uso para aquilo. Clinton Ferbyd sorriu, disfarçadamente, quando a eurasiana já se afastara. — Eu acho que Mister Adams freqüenta isto aqui, de vez em quando, e certamente não dispensa esses cigarros...! Atlan colocou a sua tigelinha de vinho de arroz sobre a mesa e ergueu os olhos. — Adams...? Por que o senhor diz isso? Ferbyd curvou-se por cima da mesa, de modo que seus lábios se aproximaram bastante do ouvido de Atlan, e murmurou, por trás de sua mão: — Confidencialmente, o Ministro das Finanças, ontem de noite, me chocou. Ele apareceu pairando, na companhia de uma bela enfermeira, através do salão mais ou menos escuro do Magic Lantern. Primeiro achei que era um acaso, pois afinal de contas, no meio que freqüento, não é segredo que Adams não se interessa, absolutamente, por mulheres. Porém Mister McKay, que tinha me convidado para o Magic Lantern, convenceu-me de que o velho folgazão realmente andava arrastando as asas para a enfermeira Luby Teschkora. Atlan empalideceu. Suas mãos seguraram-se com tanta força no tempo da mesa, que um pedaço do material plástico chegou a quebrar. Os seus olhos, de repente, estavam úmidos, o que era um sinal seguro de forte nervosismo, nos arcônidas. — O senhor não está enganado, Ferbyd? — sua voz parecia rouca. Clinton olhou o lorde-almirante, perplexo. — Não, é claro que não. Adams naturalmente faz todo o possível para esconder seus sentimentos atrás de uma máscara de amizade platônica, mas para alguém que conhece este assunto muito bem, o seu desejo está mais do que patente.

Atlan levantou-se. A garrafa de saque virou, e um robô veio correndo para juntá-la. Com passadas rápidas, o chefe da USO alcançou a cabine de videofone. Porém ele não digitou nenhum número, mas tirou um telecomunicador do bolso e ligou o aparelho de videocomunicação. Após poucos segundos, um dos seus homens respondeu. — Onde é que se encontra Adams? — perguntou Atlan. — Faz cerca de meia hora que ele dirigiu-se, na companhia de Marat, para uma das eclusas de barcos. Pelo que pude descobrir ali, os dois iam alugar um submarino de esporte, para fazer caça oceânica. Atlan não poderia ter recebido resposta mais alarmante. — Mande imediatamente deixar pronto, para mim, um segundo submarino! — ordenou ele. — Eu já vou descer até aí. Dez minutos mais tarde, o DU-J-008 nadava para dentro da eclusa de lançamento. Na sala de comando do submarino estavam sentados Atlan e um major da USO, em trajes civis. A perseguição foi mais fácil do que Atlan a imaginara. Todo submarino de esporte trazia, a bordo, um detector de rastreamentos, com a ajuda do qual a sua posição respectiva podia ser constatada com muita precisão, inclusive a do 009. O lorde-almirante manobrou sozinho. Com aceleração máxima, o submersível mergulhou nas escuras valas profundas do oceano, circundou barreiras rochosas, deslizou através de túneis naturais e logo depois navegava rapidamente por cima de uma camada de lama de uma planície deserta. De acordo com o rastreamento, o barco de Adams estava ainda a apenas doze quilômetros de distância. De repente o telecomunicador de bolso de Atlan deu sinal, num ritmo todo especial. O arcônida sentiu um calafrio. Este ritmo era do canal privativo dos agentes especiais da USO e significava um grau de alta urgência e segredo. Ele ligou o aparelho e no instante seguinte estava olhando o rosto de Marat. — Aqui fala Atlan. O que é que há, Marat? O senhor está no barco de Adams? — Não, não estou, sir — retrucou Marat. — Eu ia caçar um Lamprotoxus, e com isso acabei perdendo o rastreamento do barco. Espero que não tenha acontecido nada com Adams! — Nós o alcançaremos em cerca de quatro minutos — retrucou Atlan. — Entrementes, fique onde está. Por que, acha o senhor, pode ter acontecido alguma coisa com Adams? — O Lamprotoxus atacou o barco, sir. Este virou e acabou sumindo na lama. Afinal, ele não pode ter se enterrado mais de cem metros — não em menos de poucos segundos! — Quando o diabo quer, tudo é possível, Marat. Mas diga-me, por todos os deuses estelares de meus antepassados, o que é um Lamprotoxus e como é que ele, afinal, é capaz de virar um submarino? Marat explicou. Atlan sacudiu a cabeça. — Curiosas idéias tem o nosso Ministro das Finanças. Primeiro ele foge de sua jaula, auto-construída, de eunuco, para logo em seguida ir caçar monstros submarinos. Estou me perguntando o que vai acontecer em seguida! Ele disse isso muito irritado. Mas no segundo seguinte veio uma comunicação inesperada.

O barco de Adams ressurgira novamente e aproximava-se do sudeste da posição em que se encontrava o detetive. Adams já estava chamando Marat pelo telecomunicador e afirmava que, em conseqüência de alguns comandos errados, ele ficara à deriva e fora arrastado para longe dali. Neste instante, o chefe da USO transformou-se num frio e calculista caçador de homens. Ele sabia que, contra as afirmações de Adams, não havia provas. Ele tinha que engoli-las — ou então esperar por uma oportunidade melhor. Atlan demonstrou que sabia tomar decisões de grande importância, em poucos segundos. — Embarque novamente no seu barco, logo que ele surgir, Marat! — ordenou ele, rápido. — Não faça censuras a Adams, mas, ao contrário, peça-lhe desculpas. Ele deve pensar que o senhor acredita em tudo que ele diz. E... não mencione nada a respeito de nossa conversa pelo canal privativo, nem que eu vim atrás de vocês. Entendido? — Entendido, sir! — retrucou Marat. Ele naturalmente não compreendeu tudo, mas reconheceu em Atlan o tático inteligente ao qual devíamos seguir, mesmo que não entendêssemos exatamente o que pretendia. Enquanto Adams recebia a bordo novamente o seu protetor, Atlan deu meia-volta com o seu submarino, voltando com aceleração máxima ao ponto de partida. Ainda durante esta volta ele ajustou o minicomunicador que trazia no seu cinturão. O minicomunicador era um aparelho de hiper-rádio, miniaturizado, funcionando exatamente como qualquer hiper-comunicador grande. Correspondentemente o seu chamado de alerta alcançou o Comando de Prontidão da Contra-Espionagem, no mesmo instante em que foi transmitido. Uma rede, que vinha sendo preparada há muito tempo, foi lançada... *** Atlan já estava sendo esperado. Quando pôs os pés no campo de pouso de planadores, do porto de submarinos da ilha de Guam, nas Marianas, abriu-se o chão diante dele, e pela fração de um segundo o lorde-almirante pareceu olhar para dentro de um inferno. No planador-ambulância da Guarda Costeira ele voltou novamente a si. Precisou de alguns minutos para reunir novamente as suas forças. Durante este tempo, ele deixou que um dos seus acompanhantes o informasse sobre o que havia ocorrido. O que ele ouviu não o deixou mais otimista. Quatro homens, de sua guarda total de seis homens, haviam sido mortos pela explosão. Um deles estava deitado, ferido, ao lado dele, e o segundo sobrevivente estava sentado, com uma concussão cerebral, na carlinga do planador-ambulância. Até agora ninguém sabia como o adversário conseguira colocar explosivos convencionais por baixo do revestimento plástico do campo de pouso dos planadores. Como as medidas de segurança haviam sido aumentadas, devido à presença de Adams no Sanatório de Guam e a visita de Atlan, ninguém tivera chance de chegar, pelo alto, ao campo de pouso de planadores. Uma carga de explosivos somente poderia ter sido colocada por baixo! Quando o planador parou diante da clínica do porto, Atlan levantou-se. O médico da ambulância, que protestava fortemente, ele simplesmente empurrou para um lado. Sentiase suficientemente forte para retomar o seu trabalho imediatamente. O seu ativador celular, além disso, havia diminuído o tempo de restabelecimento para apenas um mínimo. Somente o cotovelo esquerdo, que fora ferido por um estilhaço de plástico, doíalhe ainda um pouco, e ele mal podia movimentar o braço.

— Melhoras! — disse ele aos feridos. Depois fez um sinal para o oficial da USO junto ao piloto do planador. — Providencie um veículo para nós. Temos que voltar para Terrânia o mais depressa possível. Dentro de seis minutos um planador estava pronto. Tratava-se do veículo particular do médico de plantão do hospital do porto. Atlan prometeu mandar o veículo de volta, do espaçoporto. Depois atirou-se no assento do co-piloto, ao lado do seu acompanhante e ordenou: — Vamos! Ele pôs os pés no aparelho, no segundo que havia sido planejado para a partida. Devido ao incidente no campo de planadores, houve um atraso total de meio minuto. Em comparação com o que o adversário planejara, uma bagatela. Durante o vôo, o lorde-almirante recebeu uma notícia da Comissão de Inquérito, que fora nomeada para esclarecer o atentado. O chefe anunciava que a carga explosiva fora colocada sob o revestimento do campo de pouco de planadores, com a ajuda de uma “toupeira” teleguiada. A perfuração feita num ângulo a pique, podia ser examinada até oitocentos metros de profundidade, depois disso os destroços de uma outra explosão fechavam o caminho para as sondas. Atlan riu, irritado. Sua suspeita, cada vez mais, se confirmava. Ele lembrou-se do que pensara, logo depois do atentado contra o Administrador-Geral. Os senhores da galáxia — ou os seus agentes tefrodenses — afinal de contas, deviam ter tomado providências, ainda antes de executar o seu plano de derrame de dinheiro falso, para que algumas das personalidades dirigentes do Império Solar fossem substituídas por duplos. Este pensamento pareceu confirmar-se pelos últimos acontecimentos. Mesmo assim, ainda restavam algumas dúvidas. O pouso do jato espacial da USO no espaçoporto da Administração aconteceu sob a proteção de algumas centenas de robôs de combate, plataformas de vigilância e planadores tripulados da Divisão de Vigilância “Tigre Azul”. Os “Tigres Azuis” eram soldados da elite do planeta Oxtorne, de um mundo com 4,8 gravos de gravidade, uma pressão atmosférica correspondente, e um clima que mudava constantemente de um extremo para o outro. Gente não somente podia permanecer em Oxtorne com um traje espacial, porém os oxtornenses, que nasceram depois da terceira geração, tinham se adaptado cem por cento ao seu mundo natal. Eles eram pessoas adaptadas ao seu mundo ambiente com um físico compacto. Desta gente, os recrutadores da USO haviam engajado cerca de quinhentos homens e cem mulheres. Trezentos homens formavam o cerne da elite da Divisão de Guarda “Tigre Azul”, que era utilizada sempre que era necessário dar proteção a personalidades importantes. E agora eles estavam em Terrânia, para proteger o seu chefe supremo contra novas tentativas de atentado. Quando o arcônida passou, dentro de um cano blindado, pelos veículos dos “Tigre Azuls”, ele teve a impressão de que era pequeno diante dos soldados oxtornenses, apesar dos mesmos não serem mais altos que ele próprio. Porém aqueles rostos impassíveis, como talhados em granito, os ombros largos, e as armas energéticas de noventa quilos nas mãos desses homens, realmente davam a impressão de que ali se encontravam os ciclopes da mais remota antigüidade. Atlan não pôde deixar de perceber os indícios do estado de emergência, enquanto se dirigia, pela Avenida Crest, para a gigantesca cúpula da Administração-Geral. Não havia um estado de emergência oficialmente declarado. Mas os comandos de prontidão que se

viam nas pontes, encruzilhadas e nas praças, denotavam claramente que o AdministradorGeral contava com um ataque vindo de dentro do próprio planeta. Ninguém sabia se os agentes dos tefrodenses não conseguiriam açular agitações, financiar demonstrações ou, com métodos parafísicos, levar alguma guarnição militar à rebelião. Era preciso ficar prevenido. Na atual situação da política financeira e do caos econômico, a revolta de um pequeno número de pessoas poderia provocar uma reação em cadeia em todo o Império, deslanchando uma avalanche, que não mais seria possível deter. O chefe da USO ficou satisfeito, quando pôs os pés no edifício com a grande cúpula, sem incidentes. No marchar retumbante dos robôs-vigilantes misturava-se o bater forte dos pés dos guardas oxtornenses. Na periferia da Praça do Sistema reunira-se uma multidão de cerca de mil pessoas. Isso não era muito para esta área, onde qualquer chegada de planadores escoltados logo reunia muita gente. Mesmo assim, uma cadeia de cerca de cem soldados da Divisão de Guarda, foi formada, para deter os mais curiosos. Contra a força dos adaptados ao meio ambiente não havia resistência. E então, dois e meio minutos mais tarde, depois de uma subida rapidíssima no elevador-expresso, deixando para trás quatrocentos andares, Atlan estava na Sala de Conferências, para onde Perry Rhodan o havia convocado. O seu olhar passou por todos os presentes, e um sorriso de confiança aflorou-lhe aos lábios. John Marshall, Tako Kakuta, Ras Tschubai, Betty Toufry, André Noir, Fellmer Lloyd, Wuriu Sengu, Son Okura, Kitai Ishibashi, Tama Yokida, Ralf Marten, Laury Marten e Ivan Goratschin — todos membros do Exército de Mutantes, estavam ali reunidos. O perigo em que se encontrava a Terra fora buscá-los de volta de Andrômeda e de outras partes do Universo, e agora eles esperavam para poderem infligir uma derrota ao adversário mais inteligente, poderoso e impiedoso da Humanidade. Além dos mutantes, também estava presente o rato-castor Gucky. Gucky naturalmente também era membro do Exército de Mutantes. Apesar de não ser um mutante no verdadeiro sentido da palavra. As faculdades paranormais daquele pequeno ser peludo faziam parte das faculdades mais ou menos características de toda a sua raça. Se elas apareceram através de uma mutação, a mesma ocorreu, ao contrário das capacidades de terranos paranormais, no decorrer de uma evolução natural. Perto de Gucky, Reginald Bell, Marechal-de-Estado do Império, amigo de Perry Rhodan e seu lugar-tenente, e melhor amigo de Gucky, estava de pé. Bell conversava animadamente com Mory Rhodan-Abro, esposa de Rhodan, e o Marechal Solar Julian Tifflor, um dos mais capazes oficiais da Frota. Atlan ergueu a mão, numa saudação. De repente sentiu falta de ar. Alguém falara muito perto dele — mas este alguém estava invisível! — Alô! — ouviu ele novamente aquela voz fininha. — Por favor dê uma olhada para o seu ombro direito, chefe. Mas cuidado! Eu não gostaria de ser derrubado ao chão. Sim, assim esta bem, sir. O especialista Lemy Danger apresenta-se ao serviço. How do you do? Isso é antigo inglês terrano. Eu o aprendi de Conrad Nosinsky. — Olá! — murmurou Atlan, alegremente, e pegou aquele homenzinho na palma de sua mão. — Que prazer em vê-lo novamente, especialista Danger. Realmente tenho um prazer enorme. Provavelmente terei uma missão especial para atribuir a alguém, e tenho certeza que o senhor será o único capaz de executá-la.

— Isso também me dá muito prazer — retrucou Danger, secamente. — Especialmente porque então o “elefante” Kasom vai arrebentar de inveja. Caso o senhor não se lembre mais: ele é aquele sujeito quadrado, mal-educado. O arcônida só teve que rir. Não lhe importava que alguns dos mutantes trocavam olhares significativos — já que não podiam ver aquele diminuto siganês na palma de sua mão, e naturalmente não tinham ouvido uma só palavra do que Danger dissera. Apenas John Marshall e Gucky tinham “ouvido” a conversa, telepaticamente. Marshall, por sua vez, chamou a atenção de Perry Rhodan para o fato, enviando-lhe um forte sinal telepático. O Administrador-Geral, cujas faculdades telepáticas, ao contrário do que se presumira antigamente, não se tinham desenvolvido mais que até um grau bastante primitivo, voltou-se, procurando, descobrindo Atlan, e encaminhando-se para ele, com passos largos. — Fico contente em ver que você escapou do atentado, sem um arranhão — disse ele cordialmente. Depois, sem transição, ele ficou sério. — Você, então, supõe que Homer G. Adams foi duplicado e “trocado”...? Atlan anuiu. — E também já tenho um plano de como podemos chegar à verdade — e alguma coisa mais. Rhodan pegou o amigo pelo braço e conduziu-o até o mapa desenhado tridimensionalmente, e projetado, ocupando toda a parede dos fundos do salão de conferências. — Veja aqui, as iniciativas que eu tomei, entrementes. Depois disso, poderemos falar sobre o seu plano. Ele ergueu a mão. Um contato invisível respondeu. O mapa pareceu adquirir vida, de dentro para fora. Ele mostrava toda a área do Império Solar, em escala fiel — inclusive quanto às distâncias. Atlan viu os sistemas solares povoados por colonos terranos, com suas marcações especiais. Desta vez, eles haviam sido marcados uma segunda vez: setores tracejados mostravam as posições de formações da frota terrana. O Lorde-Almirante Atlan verificou que cada um dos sistemas solares povoados do Império Solar se transformara numa armadilha, da qual só era possível sair ou na qual só se podia entrar com a autorização do comandante correspondente da frota...

6 O cruzador leve da classe Cidade chamava-se Ascot. O seu comandante era o major da Patrulha Espacial Terrana, Petrus Anagai. Petrus Anagai tinha recebido ordens para dirigir-se a um determinado cubo espacial nas franjas do conglomerado das Plêiades, e ali render o cruzador leve Peking. O Ascot acelerou imediatamente depois de sua partida da “Base Espacial Kennedy” em Plutão, com 700 km/s2 e alcançou o cinturão de bloqueio da frota natal terrana, já um quarto de hora mais tarde. Uma vez que já fora anunciado pelo Comando do Sistema Solar, ele não precisou parar, mas apenas submeter-se a um rápido controle de espaço interior, através de foto feita através do hipercomunicador. Meia hora mais tarde, o Ascot deslizava para dentro do espaço linear e dentro do mesmo, deixou para trás mais ou menos quinhentos anos-luz, em menos de quinze minutos. Quando o espaço normal apareceu novamente nas telas, ele desvendou a maravilha deslizante do aglomerado das Plêiades. O Comandante Anagai não tinha muito tempo para estas belezas. Estava em contato permanente e ininterrupto com o rastreamento e a central de rádio de sua nave, bem como com a avaliação do computador positrônico. Uma quantidade enorme de mostradores fazia do console de comando e controle, arqueado para dentro, diante de sua poltrona anatômica, um negócio desconcertante. Sem o censor-robô, um cérebro positrônico de classificação e decisão, ele não saberia que dados o deviam interessar naquele momento. Já poucos segundos depois do mergulho de volta ao espaço normal o comandante do Peking entrou em contato com a nave. Petrus Anagai pediu que lhe passassem o diário de bordo da Peking pelo hipercomunicador, transmitindo todos os dados recebidos ao grupo de estratégia e tática positrônica. Que os “cabeças de ovo” se virassem com aquilo, e depois lhe passassem um plano para como o Ascot deveria proceder dali em diante. Ele sorriu, depreciativamente, quando o plano, depois de dois minutos, lhe foi passado. Como o Peking não tinha feito nenhuma observação fora do comum, simplesmente foi inserida a lâmina-padrão trazida da base de Plutão, no piloto-robô. Todo o resto podia ficar, tranqüilamente, por conta do rastreamento dirigido positronicamente. O Major Anagai estava convencido de que tinha uma semana tranqüila diante de si. Porém Schiller já dizia que com os poderes do destino não se podia tecer uma união eterna. Petrus Anagai, que adorava Schiller, porque acreditava ter descoberto nele uma alma irmã, teve que pensar nisso, quando a observação automática, já no final da primeira hora, deu alerta de rastreamento. Anagai levou a mão à boca, e colocou o seu chiclete, com um gesto rápido, debaixo do console de comando. — Avaliação, por favor! — ordenou ele. Quase no mesmo instante, o transmissor de notícias cuspiu a lâmina original do computador positrônico de bordo. Anagai enfiou-a no decodificador e olhou, com pouco interesse, enquanto este mostrava, na tela de imagem, por escrito e em projeção em terceira dimensão o resultado da análise. Ao mesmo tempo, uma voz estridente de autômato fazia o seu comentário.

O hiper-rastreador tinha captado uma nave espacial dos saltadores, que saíra do espaço linear a uma distância de apenas três minutos-luz. Tratava-se, como não era de se esperar diferente dos saltadores, de um cargueiro espacial. Era evidente que o destino da nave saltadora, calculado do ponto em que se encontrava atualmente, ficava nas franjas do aglomerado das Plêiades, para o sul. O Major Anagai deu ordens para uma aproximação ultra-rápida da nave saltadora, até meio minuto-luz e exigiu que o comandante estranho parasse a sua nave. Logo depois, aquela nave em forma cilíndrica aparecia na ampliação setorial da tela de imagem frontal. Anagai leu as medições: trezentos metros de comprimento, cem metros de diâmetro. Estas, para características de naves saltadores, já eram medidas bastante passáveis. — Dê-me uma ligação direta! — ordenou ele ao seu rádio-operador chefe. — Eu quero falar pessoalmente com o saltador. Quando aquele rosto largo, de barba vermelha, surgiu na tela de imagem, Petrus Anagai respirou fundo e disse: — Aqui fala o comandante do cruzador leve Ascot, Império Solar. Por favor ajuste a sua rota à nossa, e se identifique. Trata-se de uma vistoria, de acordo com o parágrafo setecentos e quarenta e três, da lei sobre o exercício do Direito de Soberania, nas áreas do Império. O saltadora riu, numa gargalhada enorme. Como isso, para os saltadores, era uma reação normal, típica, quanto à raiva sobre o tipo de vistoria que fora anunciada, Anagai não desconfiou de que o mercador galáctico quisesse escapar do controle. Somente quando o campo energético de proteção ativado da Ascot se iluminou numa chama violenta, sob o ataque de uma salva de pesados canhões energéticos, Petrus Anagai deu-se conta de que desta vez, as coisas não se passariam com facilidade. Só que um cruzador leve, da classe Cidade, em primeira linha era uma nave de patrulha e reconhecimento, e não uma nave de combate. Por isso, o seu campo energético de proteção era fraco, assim como as suas armas. O Ascot não dispunha sequer de um canhão conversor, uma vez que a velha nave, de qualquer modo, no decorrer do próximo ano de serviço, deveria ser levada à sucata. De qualquer modo, o Ascot possuía uma computação positrônica muito capaz, como também uma tripulação treinada para ações rápidas, de cento e cinqüenta homens. Isto, em conjunto, o tornava superior a qualquer cargueiro saltadora. Os conversores, no interior da nave, trovejaram ensurdecedoramente, quando foram colocados numa taxa máxima de energia. Com um salto literal, o Ascot foi atirado atrás da nave saltadora, que, entrementes, acelerava também ao máximo de sua capacidade. Petrus Anagai sorriu, com raiva. O comandante saltador devia saber melhor das coisas. Que ele, mesmo assim, ousava uma tentativa de fuga, dava a entender claramente que ele devia estar com a consciência suja. Dentro de um quarto de minuto, o Ascot ultrapassou o cargueiro, fez-lhe frente, colocando-se diretamente diante de sua proa. O saltador atirou com todas as armas disponíveis. De vez em quando a célula esférica do cruzador leve era silenciada, com o impacto forte dos raios energéticos recebidos. E então, o Ascot revidou o fogo. Oito canhões médios energéticos reuniram os seus raios de metro de grossura num determinado ponto do campo energético da nave inimiga. Com uma descarga com a força da luz o campo energético do saltador ruiu. — Cessar fogo! — gritou Anagai.

Sua ordem significou, para a tripulação do cargueiro, a salvação no último instante. A parte de propulsão da nave cilíndrica já estava queimando, soltando chispas, e algumas peças destacavam-se do costado. O Major Anagai apertou numa tecla do intercomunicador. — Comando de abordagem...? — Comando de abordagem pronto para entrar em ação! — veio a resposta pelo alto-falante gradeado. — Decorrer da operação de conformidade com o plano positrônico! — ordenou Anagai. Ele mesmo retirou os seus noventa quilos de peso da poltrona do comandante e passou o comando da Ascot ao seu primeiro oficial. Um minuto mais tarde o campo energético do cruzador tocou o costado da nave saltadora. Um chispar de descargas passou de um lado para o outro. O Major Petrus Anagai ficou observando o que acontecia na grande tela de imagem da observação externa, na eclusa de entrada. Ele riu, duro, quando o campo energético da nave saltadora, novamente erguido, acabou apagando-se definitivamente. Imediatamente o campo energético terrano foi desligado, para que novos danos fossem evitados — e para que o comando de abordagem não fosse impedido de exercer o seu dever. O Major Anagai não pensou em correr um risco. Cargas térmicas correram rapidamente, em segundos, através do costado da nave saltadora, conseguindo, desse modo, uma entrada, na qual, com certeza, não havia saltadores postados. Na frente do seu comando o afro-terrano alto penetrou no cargueiro. Certo do que fazia, dirigiu-se rapidamente para a sala de comando. Pouco antes disso, seis saltadores tentaram barrar a passagem dos soldados terranos. Receberam uma carga de choque. Depois, Petrus Anagai achou-se na sala de comando diante do comandante do cargueiro. Ele golpeou tão depressa que os olhos do saltador só se deram conta do movimento quando já era tarde demais. A sua mão espalmada bateu na cara barbada do comandante. Este cambaleou para trás. Pela fração de um segundo ele fixou o major, cheio de ódio, depois atirou-se para a frente. Anagai bateu-lhe com o cano de sua arma de choque no rosto. Os seus homens, entrementes, dominavam o restante da tripulação da sala de comando, colocando-os contra a parede. O saltador foi para o chão. — Muito bem, meu rapaz! — resmungou Anagai, cheio de raiva. — E agora você vai ficar sabendo o que significa atirar com canhões energéticos, dentro de uma área de soberania terrana, num cruzador de patrulha. Aparentemente você nem imagina que eu tinha o direito de transformar essa sua canoa numa nuvem de gás! Levou mais de uma hora até que o comando de abordagem tivesse revistado os depósitos de carga da nave saltadora. Durante o mesmo tempo o psicólogo a bordo do Ascot entregou ao Major Anagai um relatório extenso sobre os resultados do interrogatório ao qual fora submetido o comandante da nave saltadora. Os dois resultados levaram o major a passar um hipercomunicado ao Comando Geral da Frota do Império, bem como ao Quartel-General da Patrulha Espacial. *** — Interessante! — disse Perry Rhodan, e devolveu o hipergrama ao Marechal Solar Julian Tifflor.

— O que há de novo? — perguntou Atlan, que está agora ficara conversando com Lemy Danger, sobre a missão planejada. — Um cruzador de vigilância dos nossos rastreou uma nave cargueira dos saltadores, nas franjas do aglomerado das Plêiades. O comandante opôs resistência, e depois de ter sido dominado, foi submetido a um hipno-interrogatório. Ficou constatado que os conhecimentos de carga, em parte, eram falsificados. A carga encontrada não consiste absolutamente apenas de módulos de uma fábrica de robôs, mas, em sua maior parte, de peças não identificadas, que, de conformidade com os exames verificados, não são de manufatura nem terrana nem arcônida, nem de qualquer outra raça conhecida. Atlan chegou a assobiar para dentro. — E para onde ia essa carga tão estranha, Perry? Rhodan leu mais uma vez o comunicado correspondente, como se, da primeira vez, não o tivesse entendido muito bem. Depois disse, pensativo: — Ao terceiro planeta da estrela de Jago, no setor das Plêiades. Curioso! Ali só existem mundos primitivos — selvas impenetráveis — além de um campo de pouso primitivo, que consiste apenas de um ponto queimado dentro da selva, além de uma estação de rádio... — Eu mandaria examinar a carga da nave saltadora por especialistas, sir — interveio Tifflor. Rhodan anuiu. — Mais tarde, Tiff, mais tarde! Agora, antes de mais nada, vamos ver como tornar possível a nossa “Operação Pássaro-Negro”, o quanto antes possível. O tempo trabalha para o adversário. Depois de duas horas e meia, o plano para a “Operação Pássaro-Negro” estava pronto, até o menor detalhe. Dentro de três segundos ele foi enviado de Terrânia para o cérebro positrônico na Lua terrana, examinado e enviado de volta. Perry Rhodan entregou-o ao estado-maior de ação da Contra-Espionagem Galáctica para programação e permanente controle ativo. A partir desse segundo, as notícias chegadas do Sanatório de Guam precisavam apenas ser passadas ao computador positrônico, que imediatamente reagiria a estes comunicados, e entre milhares de medidas possíveis escolheria aquelas que prometiam um maior sucesso. Meia hora mais tarde, Atlan pousou novamente no espaçoporto da ilha de Guam nas Marianas. Com ele ia a maioria dos mutantes da corporação — inclusive Gucky, Lemy Danger e cem homens da Divisão de Guarda “Tigre Azul”. Estes, entretanto, ficaram para trás, na base da Marinha, em Guam. Por eles esperava uma tarefa muito especial. Um submarino de combate levou o chefe da USO e os mutantes para baixo, para o Sanatório de Guam. Porém somente Atlan e Tako Kakuta desembarcaram. O teleportador japonês fora “transformado”, por um especialista da Contra-Espionagem, num rico homem de negócios japonês. Atlan não acreditava que alguém descobrisse o disfarce de Tako. Até mesmo ele ainda tinha dificuldade de distinguir um japonês de outro. Imediatamente após colocarem os pés no sanatório, Atlan e Kakuta se separaram. O japonês dirigiu-se ao apartamento que fora reservado para ele, enquanto o lorde-almirante tomou lugar a uma mesa do Restaurante China. Não demorou muito e entrou Roger McKay. Ele passou lentamente por entre a fila de mesas, como se estivesse procurando um lugar melhor. De repente ele parou, e levantou a mão. — O senhor, sir? — gritou ele, com bem representada surpresa. — Mas que surpresa! Eu pensei que o senhor já tinha “subido” novamente há muito tempo!

O arcônida convidou o detetive, com um gesto da mão, a sentar-se à sua mesa. Ele esperava que alguém, do lado contrário, utilizasse um microfone direcional para escutar a conversa deles, logo que tivesse chamado sua atenção. — Como vê, eu ainda não viajei de volta, McKay. Eu aproveitei a oportunidade para fazer um tratamento profilático. E o senhor? Que mais o senhor andou fazendo? McKay sorriu, maroto. — Comer, beber... e dormir, sir. Deste modo seguiu a conversa por mais dez minutos. E então apareceu Homer G. Adams. Atlan perguntou-se se o Ministro das Finanças realmente procurava o Restaurante China apenas por acaso, conforme fazia parecer, ou se aquele espetáculo planejado o havia atraído. Naturalmente, o seu rosto não estampava nada disso. — Olá, Adams! — chamou ele, com uma alegria fingida com convicção. — Juntese a nós! Homer G. Adams voltou-se. No seu rosto espelhou-se a sua alegria por revê-los, que parecia tão genuína que Atlan chegou a duvidar novamente de sua teoria. — Fico contente em ainda encontrá-lo aqui embaixo, sir — disse Adams e sentouse. — Devagar a coisa está me aborrecendo. É sempre o mesmo trote: tratamento, comer, dormir, relaxar — e novamente tratamento. Por isso, fica-se agradecido por qualquer distração. Atlan fingiu confiança. — O primeiro sinal da convalescença, Adams. Eu acho que o senhor logo estará novamente com sua saúde. O Administrador-Geral ficará contente quando eu o informar sobre isso. — Ó! — disse Adams. — O senhor não está querendo nos deixar ainda hoje mesmo? “Agora você se traiu, duplo!” — passou na mente de Atlan. “Quer dizer que você gostaria de se livrar de mim! Pois isso não é difícil.” — Eu realmente sinto muitíssimo — retrucou ele, aborrecido. — Mas o senhor sabe o que se passa no Império. Eu ainda terei que voltar esta noite para Terrânia, e dali talvez para Quinto-Center — rindo ele bateu com a mão espalmada no ombro do falso Ministro das Finanças. — Continue se aborrecendo aqui, meu caro Adams! Assim poderá retomar o seu trabalho daqui a pouco tempo. Adams anuiu. Por alguns segundos ele parecia estar com seus pensamentos em outro lugar, mas depois logo se controlou novamente. — O senhor tem razão, sir. O dever nos chama a todos, a uns antes, a outros mais tarde. Talvez amanhã ou depois de amanhã eu também já estarei no ponto em que o médico-chefe possa dar-me alta. De qualquer modo, vou esforçar-me muito por isso. Ele riu e apertou numa tecla embaixo da mesa. Um robô-servente apareceu e anotou o pedido. Adams comeu pouco. Ele nunca fora um glutão. Também o lorde-almirante controlava o seu apetite. Somente Roger McKay pediu mais de três pratos. Ele comeu praticamente todo o cardápio, de cima até embaixo, e novamente para cima até o meio, de modo que quase todos os outros hóspedes tiveram sua atenção chamada para ele, e Atlan sentiu-se embaraçado por ter que ficar sentado junto de um homem como este. Ainda antes de McKay haver terminado, Adams levantou-se. Ele olhou o seu relógio. — Sinto muito, mas agora devo voltar ao meu tratamento. Mister Marat já deve estar esperando, impacientemente, diante da porta. Ele estava sem apetite — provavelmente algum problema estomacal — e por isso não quis entrar, depois que ele

descobriu o senhor, Mister McKay — ele riu baixinho. — Aliás, eu acho que logo vou poder prescindir de meus protetores... A última observação, achou Atlan, fora dita, conscientemente, com duplo sentido. Aparentemente o duplo de Adams era dessas pessoas que se vangloriavam com o seu descaramento. — Eu entendo como o senhor se sente — disse Atlan. — Espero que Marat e McKay não precisem mais permanecer guardando-o por muito tempo. Caso o senhor, agora, for para o seu tratamento normal de oito horas, Adams, eu gostaria de me despedir do senhor aqui mesmo, pois dentro de seis horas sai o meu barco. Eu lhe desejo melhoras — e um breve reencontro!... *** Jean-Pierre Marat teve dificuldade de não demonstrar sua inquietação. Homer G. Adams não tomava a iniciativa de convidá-lo para uma segunda viagem no submarinoesporte. Entretanto era certo que, da primeira vez, ele regressara, sem ter terminado o que pretendera fazer. Será que o falso Ministro das Finanças estaria querendo sair sozinho? Em pensamento Marat sacudiu a cabeça. Adams jamais ousaria isto. Ele conhecia a parte oficial da missão de Marat e sabia que o detetive usaria de todos os meios técnicos do Sanatório de Guam, para procurá-lo caso ele sumisse repentinamente. Ou ele teria modificado sua opinião? — Pensando, amigo? — disse Homer G. Adams, num tom condoído. — Está sofrendo de depressão? Marat sacudiu a cabeça e suspirou, de modo que esperou parecer suficientemente genuíno para convencer o chefe da GCC, escaldado como ele era. — Estou irritado comigo mesmo, sir. A pane com o Lamprotoxus não poderia ter acontecido. Quando me lembro de todas as coisas que poderiam ter-lhe acontecido ainda agora sinto um frio na espinha. Adams sorriu, ligeiramente. — Mas não aconteceu nada, Marat. E isto, naturalmente, é o que importa. Aliás, é verdade o que eu ouvi falar sobre vocês, apaixonados pelo caça submarina? Vocês não se dão por vencidos, até finalmente pegar o peixe em questão...? “Ah!”, pensou Marat. “Finalmente!” — Hum! — resmungou ele. — Bem... — disse Adams, lentamente — então dê um jeito para conseguir que tenha este monstro marinho diante do seu arpão, antes que um outro venha e o mate no seu lugar! Jean-Pierre Marat fez uma cara como se não estivesse entendendo nada. — Mas isso não é possível, sir! Eu tenho uma missão e também não posso pedir de meu sócio, assim, sem mais nem menos, que ele sacrifique o seu tempo livre, só para que eu possa ir à caça submarina. — E para que, afinal? — perguntou Adams. — Eu vou alugar o barco, e nós dois saímos para a pescaria. Marat sacudiu a cabeça novamente. — Eu não posso assumir essa responsabilidade, sir. O senhor sabe que eu tenho que abandonar o barco, para caçar o Lamprotoxus de forma convencional. E eu não gostaria de deixá-lo para trás novamente, sozinho. Isso nem sempre pode dar certo.

O Ministro das Finanças fez de conta que estava refletindo tensamente. — Sabe de uma coisa? — perguntou ele depois de alguns minutos. — O senhor me explica o controle manual da manobragem mais uma vez. Eu sempre fui conhecido por minha facilidade de aprender as coisas. Desta vez eu aprendo, com toda certeza, como manobrar o submarino sozinho. Marat sacudiu a cabeça. — Se o senhor acha...? — respondeu ele finalmente, mas ainda hesitante. Adams levantou-se sem maiores comentários. Dirigiu-se diretamente para a porta do apartamento. No corredor, escolheu o elevador antigravitacional que ia dar no “convés” inferior. Dez minutos mais tarde os dois homens estavam de pé diante do guichê de aluguel de submarinos-esporte. O robô-bilheteiro, correspondentemente programado por Roger McKay, entregou a Adams a chave para o bunker dos barcos, no qual estava o submarino com o qual eles haviam saído da primeira vez. Marat suspirou, aliviado, secretamente. Ele não sabia o que faria se um outro barco lhes fosse indicado. Para a segurança dos outros pacientes, McKay recebera permissão para preparar este barco especificamente para os seus fins especiais, e de um modo que o rastreamento automático não mais sinalizasse barcos de perseguição. Ele esperava apenas que também com Lemy Danger tudo acontecera sem incidentes. Atlan, enquanto Adams estava sendo tratado, o informara que o cruzadorexpresso estava a caminho de Quinto-Center, o quartel-general da USO, para ir apanhar o microssubmarino de Lemy Danger e trazê-lo para a base da Marinha na ilha de Guam. Diziam que o barco tinha apenas cinqüenta e oito centímetros de comprimento, tendo as formas externas de um peixe oceânico. O especialista de Siga, há muito tempo atrás, já usara este submarino-peixe numa missão contra a raça dos blues. E agora ele devia ser utilizado numa missão secreta contra uma base dos senhores da galáxia, no fundo do oceano da Terra. O único ponto fraco desse plano, conforme confessara o chefe da USO, era que o submarino de Lemy não se parecia a um peixe das profundezas do oceano terrano, e sim a um animal do fundo do mar do mundo dos blues. Mas Marat tinha esperanças de que nem Adams nem qualquer dos prováveis agentes inimigos daria atenção a uma particularidade como essa. Nem mesmo os zoólogos terranos conheciam todos os habitantes do fundo do mar da Terra. Somente quando o elegante submarino-esportivo de caça saiu de dentro da eclusa de pressão, Jean Marat acreditou que Adams estava em vias de entrar na armadilha que lhe fora armada. Não deixou que o mesmo notasse o que ele estava sentindo, enquanto colocava o barco na sua rota, que o levaria à última posição conhecida do Lamprotoxus de quarenta e cinco metros. *** Depois que Marat entrecruzara a área do “seu” Lamprotoxus de um lado para o outro, durante três quartos de hora, ele começou a duvidar do êxito de sua ação. Até agora o bicho não dera as caras, e, no fundo, não havia a menor garantia de que o Lamprotoxus ainda estivesse nas proximidades. Como, entretanto, Marat podia provocar o falso chefe da GCC a visitar a provisoriamente ainda hipotética base de apoio dos senhores da galáxia, se ele, o seu protetor, a sua “sombra”, não abandonasse o submarino...?

Mas, já no segundo seguinte, Marat deu-se conta de que subestimara a engenhosidade do seu “protegido”. De repente ele sentiu o olhar de Adams, fixando a sua pessoa, e observou o brilho de esperança nos olhos deste. Antes mesmo de poder interpretar aquilo, tudo começou a girar à sua volta. Jean-Pierre Marat tirou as mãos do controle manual e tentou segurar-se nos braços de sua cadeira anatômica. Ele sabia que Adams usara um gás nervino, para pô-lo fora de combate. Uma vez que o duplo — Marat agora estava totalmente certo de ter, diante de si, um duplo de Adams — não usava um capacete de pressão, ele certamente respirava através de um filtro nasal. Até aí Marat ainda chegou às suas conclusões. Depois, uma noite sem limites o envolveu. Quando voltou novamente a si, descobriu, nas telas de imagens da galeria panorâmica, formações rochosas, bizarras, íngremes. Ele sabia, de repente, para onde ia aquela viagem. Para uma das antigas cidades em ruínas, submersas, que, de acordo com o que contara o Administrador-Geral, eram dos tempos da Lemúria — de um passado distante. Os sedimentos dos últimos cinqüenta mil anos somente haviam tragado prédios mais baixos e ruínas. Os edifícios gigantescos, porém, haviam permanecido — ou, pelo menos, o que restava deles, pois a medonha pressão da água, nestas profundezas, amassara até mesmo as fortes paredes de metalplástico, pulverizando edificações menos fortes, levando-as a ruírem. Aquilo parecia fantasmagórico — deslizar em meio aos restos de outrora imponentes torres lemurenses... Rapidamente Marat fechou os olhos, quando notou que Adams se virava para ele. O duplo não precisava saber que o seu “prisioneiro” já tinha superado os efeitos do gás nervino. Adams naturalmente não podia imaginar que o seu ex-protetor fora aconselhado pelo maior computador positrônico da Contra-Espionagem, mesmo que só indiretamente — e que Marat, pouco antes de ficar inconsciente, modera uma cápsula contendo um antídoto. E Adams não devia saber disso tão rapidamente! A viagem prosseguiu por cerca de duas horas, através daquele campo imenso de ruínas. Depois o rastreamento reflexo mostrou, nas telas de imagens, um platô rochoso dependurado muito acima das ruínas. O submarino continuou a deslizar cada vez mais profundamente por baixo daquela saliência. De repente, uma luz forte surgiu como do nada. Marat descobriu a eclusa aberta, na qual penetrava toda aquela luz no pequeno submarino. “Só espero que Lemy Danger consiga seguir-nos!”, pensou Marat. Neste momento o barco entrou na eclusa. As portas fecharam-se com uma lentidão terrível. E depois de segundos, que pareceram horas a Marat, o espelho de água baixou dentro da eclusa. Este processo pareceu tão lógico e necessário a Marat, que ele mal deulhe atenção. Somente quando as bordas inferiores das portas da eclusa saíram do campo de observação do rastreamento panorâmico, é que ele se surpreendeu. A distância, que finalmente fora deixada para trás, na vertical, foi calculada pelo detetive em novecentos metros. O barco estava deitado, um pouco de lado, no fundo de uma espécie de tanque. Tenso, Jean-Pierre Marat esperou pelo que iria acontecer. E não precisou esperar muito tempo.

Um segundo par de portas de eclusa se abriu. Figuras vestidas de preto vieram correndo, rodeando o submarino de caça. O duplo Homer G. Adams levantou-se e deu um forte pontapé nas costelas do detetive, aparentemente ainda inconsciente. Marat contorceu-se. Porém essa reação provavelmente também seria normal num homem narcotizado, já que ninguém desconfiou de nada. Homens em macacões pretos falavam em voz alta na estreita central do barco, que parecia-se bastante com a sala de comando de uma espaçonave mirim. O falso Adams foi efusivamente cumprimentado. Marat conseguia entender todas as palavras, porque os estranhos usavam o tefroda, e ele já aprendera esse idioma de Andrômeda, há meio ano atrás, quando ainda nem imaginava onde estaria hoje. Os homens vestidos de preto, portanto, eram tefrodenses. Aliás, todas as outras características também indicavam que ele estava certo em suas conclusões. Dois tefrodenses colocaram Marat, sem muita cerimônia, numa maça antigravitacional. Deixou que fizessem tudo com ele, pois queria tentar ser útil de alguma maneira — e o efeito do gás nervino, teoricamente, ainda devia durar de seis até dez horas. Se ele se comportasse correspondentemente, havia a possibilidade de não despertar suspeitas. Pela conversa, Marat ficou sabendo que o falso Adams dentro de três horas pretendia deixar a base novamente. Depois disso fechou-se a parede traseira de um planador de transporte atrás dele, e ele estava cortado do mundo exterior. Depois de um quarto de hora, ele foi descarregado novamente. Conseguiu lançar um rápido olhar ao gigantesco pavilhão, no qual se encontrava. Aquela era uma base de apoio, altamente moderna, aparelhada com toda a melhor técnica submarina dos lemurenses! Marat não acreditava que os agentes tefrodenses tivessem construído esta base, somente na época do Império Solar. Isso jamais teria se dado sem uma descoberta. Aqui, milhões e mais milhões de toneladas de material deviam ter sido manipulados. Era muito mais fácil acreditar — e o detetive achou que esta era uma explicação mais coerente — que naqueles pavilhões já se encontrava uma base submarina nos tempos da Lemúria. Para isso também contribuía o poço que se encontrava muito abaixo do nível da cidade em ruínas. A fortaleza, portanto, já existira sempre sob a superfície do mar, ainda que não tão profundamente como agora. Marat fechou, por precaução, os olhos, quando um tefrodense vestido de vermelho aproximou-se dele. Porém no instante seguinte ele levou um susto que lhe deu um frio na espinha. — Eu acho que não vale a pena continuarmos com esse teatro — disse o tefrodense. A sua voz vinha cheia de sarcasmo. Marat perguntava-se, desesperado, como os agentes tinham descoberto o seu truque. Entretanto, continuou com os olhos fechados. Naturalmente havia a possibilidade de que apenas quisessem testá-lo. No segundo seguinte, um golpe violento atingiu-o na base do nariz. — E então...? — perguntou uma voz, zombeteira. — Vai demorar? Ou está gostando tanto de nosso tratamento, espião? Marat fez um esforço e abriu os olhos. Pôde ver, como através de um véu de névoa, um rosto com um sorriso sádico — e no instante seguinte sabia que o tefrodense tinha a intenção de matá-lo. E então, Jean-Pierre, Marat transformou-se no “Jaguar Negro”...

7 O golpe seguinte, com o cano de uma arma energética, atingiu a maca antigravitacional. Marat rolara para um lado e se deixara cair. O tefrodense vestido de vermelho não chegou a digerir a sua surpresa. Um golpe de karatê do detetive derrubou-o. Depois, Marat atirou-se, qual um raio rodopiante negro, para cima dos cinco homens restantes, que estavam à sua volta. Ergueu uma das armas energéticas caídas e correu para a saída, que descobrira ainda há pouco na parede, à esquerda. Antes de poder atingi-la, raios energéticos caíam atrás dele. O revestimento do chão ficou cheio de bolhas, que arrebentavam como escarros feios. O cantar dos tiros de armas de choque misturou-se àquele concerto mortal. Marat atirou, enquanto corria, por cima do ombro. Conseguiu abater dois tefrodenses, que lhe vinham ao encontro, saindo da porta. Logo ele encontrou-se num vestíbulo, cujo princípio de construção lhe parecia familiar. Conseguiu ainda atirar-se ao solo, antes dos feixes energéticos do sistema defensivo automático passarem por cima dele. Rapidamente ele rolou em direção à saída. Imediatamente o fogo cessou. Mas do lado de fora agora aproximavam-se cerca de dez tefrodenses armados. Eles haviam formado um cordão de atiradores, e se adiantavam com armas energéticas e de choque erguidas e engatilhadas. Aparentemente eles não esperavam nenhuma resistência, e com um homem menos experiente do que Marat, certamente os cálculos deles estariam corretos. Nesse caso, agora só restariam os seus despojos queimados diante das bocas de fogo do automático de defesa. Perseguido, Marat olhou em volta. Procurava uma possibilidade de esconder-se. Se os tefrodenses colocassem os pés no vestíbulo, as armas de defesa automática se desligariam automaticamente. Nesse caso, ele poderia penetrar mais para o fundo da edificação. Mas não havia esconderijo. Marat tirou, de sob o seu traje, um objeto parecendo um lápis. Pela fração de um segundo ele pesou-o, indeciso, na palma da mão, depois apertou o polegar contra a sua ponta que brilhava vermelha, ergueu o braço e atirou a bomba o mais possível para fora, para o hall. Depois deixou-se cair, apertando-se firmemente contra o metalplástico da parede. Dois segundos mais tarde, o fluxo de calor intenso de uma forte explosão passou pela porta aberta. O trovejar, Marat já nem ouviu mais. Já estava inconsciente. Também não viu mais, quando uma figura alta, alguns minutos depois, saiu dos fundos do vestíbulo, aproximando-se dele... Quando acordou, sentiu uma dor latejante, como de queimaduras. Cerrou os dentes e lutou contra as ondas de uma dor quase insuportável que se apoderava dele. Depois de alguns minutos, ele sentiu-se suficientemente forte para abrir as pálpebras. Primeiramente todas as impressões óticas se esvaíram numa girândola de fogo. Porém, lentamente, os contornos das coisas começaram a destacar-se mais claramente. Uma parede panorâmica, uma mesa baixa, duas confortáveis poltronas anatômicas, um

armário embutido, uma porta estreita — e um rosto que parecida de veludo bronzeado, que se curvava para ele. — O senhor pode me entender, terrano? — murmurou uma voz rouca na língua tefrodense. Marat fez que sim com a cabeça, e mais uma vez uma dor insuportável castigou-lhe o corpo. — Sim — conseguiu ele dizer, num estertor. — O que... foi... que... — Acalme-se! — ordenou a voz estranha. Ela não soava muito agradavelmente aos ouvidos de Marat, mas, por outro lado, não era tão repelente quanto a do homem vestido de vermelho. Só agora voltou a Marat a lembrança da luta no vestíbulo, de sua fuga para uma ante-sala, com armas detectoras automáticas — e uma terrível explosão... Ele atirara a microbomba de fusão atômica! Não era de admirar que a sua pele queimava como fogo. A parede poderia ter resistido aos efeitos de um décimo de quilotonelada de TNT, porém o calor que se espalhou através da porta aberta certamente devia ter queimado o seu traje, transformando-o em cinzas. “Não!”, corrigiu-se ele em silêncio. Nesse caso, ele agora não poderia estar vivo! — Por que... eu... ainda estou... vivo? — ele conseguiu terminar a frase, em golfadas. — O senhor evidentemente esqueceu-se do automático de segurança, terrano — respondeu-lhe a voz do tefrodense. — Quando o calor do fogo surgiu, no mesmo instante fechou-se a eclusa blindada. — Eu... compreendo — retrucou Marat. Com muito custo ele ergueu-se um pouco. Dois braços fortes o ajudaram nisso. Mais uma vez tudo esvaiu-se diante dos seus olhos, mas depois a imagem clareou. Jean-Pierre Marat olhou o seu corpo. O traje estava enegrecido e em parte faltavamlhe pedaços. Através dos buracos via-se a pele fortemente avermelhada. Marat compreendeu que, mais uma vez, ele escapara com vida. Mas, por quanto tempo...? O tefrodense pareceu entender o que este terrano pensava. E sorriu. — Não se preocupe, terrano. Eu não vou entregá-lo. Todos acreditam que o senhor tenha parecido, junto com os soldados, naquela explosão. Mecanicamente, Marat pôs a mão no bolso externo de sua camisa, no qual mantinha seus cigarros. Os dedos atravessaram aquela fazenda enegrecida e queimada. O tefrodense viu a cara decepcionada de Marat, sorriu novamente e estendeu-lhe uma cigarreira chata, folheada de terconite puro. Marat aceitou-o, agradecido, ofereceu um cigarro ao tefrodense — e, quando este recusou — deixou que lhe desse fogo para um dos seus cigarros ainda inteiros. Soprou a fumaça para longe de si e inalou algumas vezes, profundamente. Depois disso, já se sentia bem melhor que antes. A sua pele ainda queimava terrivelmente, mas era possível agüentar, e Marat sabia que os seus ferimentos estariam sarados dentro de três dias, logo que fossem tratados corretamente. A questão era apenas se ele ainda iria ter essa chance algum dia. — Como é que o senhor me explica o fato — começou Marat, com cuidado — que o senhor me esconda de sua gente — a mim, um terrano? — lembrou-se de uma coisa, e apresentou-se. O tefrodense baixou a cabeça.

— Meu nome é Alchinon, Mister Marat — ele começou a andar, em passadas rápidas, de um lado para o outro, no recinto, depois parou, abruptamente. — Olhe, eu fui escolhido, entre cerca de duzentas pessoas testadas, para assumir uma missão de agente, missão que se dirigia contra a Terra. Naquela ocasião eu fiquei orgulhoso disso. Eu não tinha desejo mais forte do que demonstrar a vocês, “Bisnetos de Covardes e Desertores”, que não havia lugar para a sua raça no Universo. Minha missão era tomada muito a sério por mim, e me divertia até. Fui promovido, quando mal estava aqui há duas semanas, da contagem de tempo de vocês, nesta base de apoio. Sob o ponto de vista terrana sou um coronel. Todos os homens e mulheres estacionados aqui têm patentes militares bastantes altas. Ele passou a mão pelos olhos, como se quisesse espantar sombras imaginárias. — Eu fui um dos poucos que ficaram muitos dias na superfície da Terra, executando ali missões específicas. Foi quando conheci uma mulher — nenhuma que tivesse um cargo de chefia — mas que era apenas uma repórter sem muita importância, e que tinha que estar correndo atrás das notícias noite e dia, para não perder o seu emprego. Eu gosto muito de Claudine, talvez seja mesmo amor. Por isso eu sondei o seu modo de pensar, na esperança de que, após nossa vitória, eu pudesse levá-la comigo para Andrômeda. “Se Claudine imaginava ou não que eu era um inimigo da Humanidade de hoje, não sei. Porém ela levou-me a bibliotecas, parques, supermercados e bares e reuniu-me com outros seres humanos. De todas essas conversas cristalizou-se para mim uma nova imagem deste mundo. Eu já não conseguia mais desprezar vocês ou mesmo odiá-los, e dei-me conta de que nós tefrodenses na realidade somos os ‘desertores’ — e vocês os verdadeiros herdeiros do Universo...” Marat tentou digerir as palavras do agente. Depois olhou, interrogativamente, para o homem. — Isso tudo é muito bom e bonito, e eu certamente devo-lhe muitos agradecimentos, pessoalmente. Mas nem mesmo o melhor reconhecimento adianta nada, se não o traduzimos em fatos e ações. O que é que o senhor está pronto a fazer, para que esta base não possa mais causar danos aos terranos? Alchinon ergueu os ombros. — O que é que um homem, sozinho, pode fazer? Ou o senhor quer que eu mande a nossa base de apoio pelos ares? Uma palavra deixou Marat perplexo: a palavra “nossa”...! O detetive deu-se conta do quanto o tefrodense ainda estava longe de distanciar-se, espiritualmente, dos seus camaradas. Por isso, ele decidiu, pelo menos por enquanto, não revelar-lhe nada sobre a iminente ação da Contra-Espionagem Galáctica. Infelizmente, deste modo, ele cometeu um erro decisivo, pois poucos minutos depois dessa resolução, saíram, de um alto-falante escondido na parede, chamados tefrodenses. Alguém anunciava claramente, que tropas de choque terranas tinham invadido a base de apoio. *** Alchinon olhou fixamente para o detetive, decepcionado. Lentamente a sua decepção transformou-se em ira e desprezo. — Não me julgue antes de me ouvir! — pediu Marat. — Mesmo que nós já fôssemos amigos há muitos anos, eu não poderia ter-lhe revelado nada. O meu dever obrigava-me ao silêncio.

Alchinon olhou, sombriamente, para o chão. Ele parecia estar pesando de que lado ele, na realidade, se situava. Marat conhecia considerações desse tipo. Soldados de todas as épocas, de todos os povos e todas as raças, já se haviam encontrado diante de problema semelhante. É freqüentemente demais, falsas interpretações de consciência do dever ou de sentimento de honra, tinham levado a decisões erradas. O tefrodense acordou do seu estarrecimento, quando de algum lugar da base de apoio submarina chegaram, através do alto-falante, os ruídos de uma luta encarniçada. O rosto de Alchinon mostrou uma expressão de ingênua admiração. Ele parecia não conseguir entender como os soldados terranos tinham podido penetrar tão profundamente naquela fortaleza secreta. Marat, ao contrário, sabia de tudo. Ele imaginava que as primeiras tropas de choque tinham sido trazidas pelos teleportadores do Exército de Mutantes, e provavelmente o lorde-almirante, além disso, ainda usara, nesta missão, os seus “Tigre Azuls”. Como não podia estragar nada com isso, ele deu algumas explicações ao tefrodense. Alchinon apenas anuiu, perturbado. — Nós todos nem mais nos lembramos disso. Achávamos que os mutantes ainda se encontravam em Andrômeda. Bem, eu me enganei do mesmo modo que os meus camaradas. Um olhar estranho fixou-se em Marat. — Que pena, agora nós todos vamos morrer juntos, terranos e tefrodenses. Ainda antes que Alchinon chegasse ao fim de sua frase, Marat entendeu o que ele quis dizer com esta observação. Aliás, teria sido contrário a todos os costumes dos tefrodenses, se não houvesse, na base, uma carga de destruição. Eles provavelmente morreriam mais facilmente, sabendo que levavam os terranos consigo para a morte. Marat ergueu-se de um salto e agarrou o tefrodense pelos ombros, não ligando para as dores que imediatamente o acometeram outra vez. Alchinon assustou-se e agiu instintivamente. O seu punho fechado acertou Marat no rosto. O detetive bateu com a cabeça contra a parede em frente. O tefrodense, imediatamente, lançou-se sobre ele. O próximo golpe, Marat aparou com o seu braço artificial esquerdo. O canto de sua mão direita voou contra a garganta de Alchinon. No último instante, o detetive girou a mão. Deste modo, Alchinon apenas ficou atordoado. Marat respirava fundo e tossindo. A sua pele queimava como chumbo derretido por todo o corpo. Mesmo assim ele agarrou Alchinon pela gola e arrastou-o até o banheiro. Ali ele enfiou-o debaixo do chuveiro, e abriu a torneira de água fria. Alchinon rapidamente voltou a si. — Sinto muito, que nós nos desentendemos desse modo — disse Marat, esforçando-se para esconder o seu medo. — Mas o senhor simplesmente terá que me ajudar, se não quiser atraiçoar vergonhosamente tudo o que Claudine lhe ensinou. — Claudine...! — murmurou Alchinon. — Sim, Claudine! — gritou Jean-Pierre Marat. — Talvez entre os homens da tropa de choque esteja o pai de Claudine ou o irmão dela — e mesmo que não estejam, existem milhões de garotas como Claudine! Mas, sem levarmos em conta até mesmo que a explosão não matará simplesmente soldados, mas filhos de mães e pais, maridos de esposas, e pais de filhos, que sentido teria isso tudo? Quem lucrará com isso? Por acaso isso somente servirá para reparar um sentimento de honra ultrajado? — Por favor, pare com isso! — gemeu Alchinon.

Ele olhou o detetive pela fração de um segundo, com um olhar selvagem, que denunciava claramente o conflito de seus sentimentos e pensamentos. Depois passou as costas de sua mão nos lábios secos e murmurou, rouco: — Venha comigo, terrano. Talvez ainda possamos chegar em tempo! *** Eles estavam de pé, no começo de um corredor largo. Com as costas para eles, estavam ajoelhados três tefrodenses, sem cobertura, no corredor, atirando com suas armas energéticas. Bem mais para a frente ecoou um grito estridente. Já Marat quis estender a mão para a arma de Alchinon, para matar os três tefrodenses, mas então lembrou-se de que, com isto, certamente transformaria Alchinon em seu inimigo. Ele cutucou o tefrodense. — Adiante! Eles correram para o ramal dando para a esquerda. No duto pouco iluminado de um elevador antigravitacional eles deixaram-se pairar para baixo. — Agora vem a parte mais difícil! — murmurou Alchinon. — Logo que sairmos do elevador, teremos que atravessar diante de uma estação de controles — com um esforço interior, ele estendeu a sua arma para Marat. — Tome. Leve isso! Eu não posso atirar em minha própria gente. Mas o senhor terá que atirar, se quisermos passar! Agradecido, Marat, aceitou a arma. Porém nem precisou usá-la. Bem no meio da estação de controles estava, de pé, uma figura de ombros largos, colossal, segurando nas mãos uma arma que mais parecia um canhão energético. Marat reconheceu o escudo brilhante, em forma de meia-lua, no peito daquele homem, com a gravação de um tigre azul. Um oxtornense! O soldado virou-se rapidamente e apontou sua arma para os dois homens. — Parem onde estão! — a sua voz ressoava pela sala. Marat achou melhor deixar cair a sua arma e erguer as mãos. Alchinon seguiu o exemplo dele. Nos olhos do tefrodense espelhava-se o medo. Mais de uma dúzia de tefrodenses devia estar guardando a estação de controles. E agora já não restava mais muitos deles. Marat conseguiu convencer o oxtornense de sua verdadeira identidade. — Nós fomos informados, sir — retrucou o soldado. — Posso oferecer-lhe minha ajuda? Marat fez que sim. Este homem certamente podia ser a ajuda decisiva. Rapidamente ele explicou-lhe a respeito da carga de fusão atômica escondida. E então os três homens correram adiante. O oxtornense tomou a ponta e deixou que Alchinon o guiasse com seus gritos. Mais uma vez, a coisa ficou muito perigosa. Foi quando eles tiveram que atravessar um pavilhão cortado na rocha viva. Aqui, uma verdadeira batalha estava em andamento, entre blindados voadores dos tefrodenses e robôs de combate terranos. O ar estava cheio do gargarejar das armas energéticas, do rugir dos foguetes, e do trovejar de explosões. Destroços de aço, incandescentes, caíam incessantemente ao chão. Depois que eles atravessaram a porta camuflada na rocha, o ruído da luta ficou bem para trás. Aqui embaixo reinava o silêncio. O teto rochoso brilhava úmido. De vez em

quando, gotas de água caíam do teto. Havia poças de água no corredor, e as poucas lâmpadas do teto, forneciam muito pouca luz. Finalmente chegaram ao fim do corredor. O oxtornense voltou-se. — Onde é que está a carga explosiva? — perguntou ele, ameaçador. Alchinon apontou com a mão para o chão. O oxtornense procurou com as mãos e depois de poucos segundos encontrou um mecanismo de abertura, escondido, do tampão de um poço. Quando o tampão girou para um lado, o oxtornense iluminou com o seu holofote de peito, para o fundo. Lá estava ela, a bomba, que poderia levar à morte todos os tefrodenses e terranos na base. Sem hesitar, Marat e o oxtornense desceram. Trabalharam febrilmente, para descobrir o mecanismo de ignição e desativar a bomba. Nenhum deles deu atenção a Alchinon. Depois de um quarto de hora de trabalho duro, eles tinham terminado. Marat enxugou o suor da testa. Seus joelhos tremiam e só agora ele realmente teve consciência de que estivera separado da morte, por apenas poucos centímetros. Um grito assustado do oxtornense fez com que ele, rapidamente, subisse pela escada de ferro, embutida na rocha. Com o rosto pálido, em seguida viu-se adiante de Alchinon. O tefrodense olhava, com os olhos parados, o teto da gruta. Por baixo de suas costas formava-se uma poça de sangue. Marat virou aquele corpo pesado. E viu o orifício denteado entre as omoplatas. Um estilhaço de aço devia ter atingido o tefrodense quando eles tinham atravessado o pavilhão. Marat fechou-lhe os olhos. O oxtornense, silenciosamente, tirou o seu capacete. Depois de meio minuto, eles voltaram pelo mesmo caminho. Quando chegaram ao pavilhão, a luta terminara. Lutadores dos Tigres Azuis, robôs e os soldados de uniformes cinza, das forças navais terranas, povoavam o ex-campo de batalha. Marat pediu que o seu acompanhante oxtornense lhe desse o capacete de rádio. Com as forças que lhe restavam, ele passou a sua posição, e pediu para que viessem buscá-lo. Depois caiu por terra. *** — ...a fortaleza no fundo do mar dos tefrodenses foi destruída em seguida— anunciou o Administrador-Geral. Jean-Pierre Marat e Roger McKay estavam sentados numa enfermaria do hospital militar da ilha de Guam. Eles ficaram escutando o discurso do Administrador-Geral, que era transmitido pela Terravisão para todos os recantos do Império. — Nossas tropas ali encontraram além de um multiduplicador, dinheiro falso no valor de cem bilhões de solares, o qual foi confeccionado com a ajuda do multiduplicador, e apenas estava esperando para ser derramado nos canais financeiros do Império... Jean-Pierre Marat desligou o aparelho. — Acho melhor que você me conte como aconteceu toda essa ação, sócio. O que Rhodan está contando, aí na Terravisão, afinal de contas é só o que está destinado ao público. A mim, interessa-me aquilo que a Terravisão não pode transmitir.

McKay sorriu. — Lemy Danger ainda conseguira receber o seu micro-submarino em tempo. Ele seguiu o falso Adams e você até a entrada da fortaleza submarina. Enquanto ele esperava pelo regresso de Adams, fotografou e fez medições das redondezas, verificou a posição exata, e teve um trabalho danado para livrar-se dos grandes peixes predadores que queriam porque queriam comer o seu barco camuflado. “Adams voltou depois de transcorridas três horas, e regressou novamente para o sanatório. Disse ali que você tinha saído do submarino para caçar um Lamprotoxus, e de repente desapareceu. Disse que procurou por você, mas que não mais conseguiu encontrá-lo. “Apesar do duplo agora já estar inteiramente desmascarado, ainda o deixaram em paz. O Administrador-Geral receava que uma prisão dele poderia ativar alguns controles parapsíquicos. “Somente Gucky, Tschubai e Kakuta, antes de mais nada, tinham penetrado na fortaleza. Depois de terem descoberto os lugares mais favoráveis para uma invasão, saltaram de volta, e foram buscar os combatentes da Divisão “Tigre Azul”. Depois de erguerem três cabeças-de-ponte, os submarinos das forças de combate navais entraram em ação. Eles abriram caminho atirando, e desembarcaram comandos de desembarque com campos energéticos de proteção. “Infelizmente o desconhecido chefe da base conseguiu fugir através de um teletransmissor, de grande capacidade. Supõe-se que este homem era um dos senhores da galáxia.” Marat anuiu, pensativo. — Levando em conta a grande importância da ofensiva de dinheiro falso, eu estou mesmo convencido disso. Aliás, eu estou mesmo convencido de que os senhores da galáxia já instalaram toda esta fortaleza submersa, nos tempos em que Rhodan, com a Crest III, ainda se encontrava no passado da Terra. — Parece que todos têm esta mesma opinião, velhão. — retrucou McKay. — E Homer G. Adams...? — perguntou Marat, insistente. — Ele também, por acaso, escapou? — Sim e não! — retrucou McKay. — O duplo do Ministro das Finanças teve, quando foi preso, uma síncope e morreu. Ninguém sabe por quê. A autópsia do seu cadáver não encontrou nele nenhum receptor de estímulos conhecido. — Isso, aliás, já se teria notado antes — retrucou Marat. — E o ativador celular, provavelmente também foi uma falsificação, como o próprio Adams? McKay fez que sim. — Hum! — fez Marat. — Lentamente começo a entender por que aqueles incidentes parecendo estúpidos, no sanatório submerso, foram encenados. Os tefrodenses, com isso, queriam alcançar que nenhuma suspeita caísse sobre o duplo de Adams. Se ele ficasse completamente sem ser molestado, isso certamente nos teria causado suspeitas. — Sim — McKay anuiu, concordando. — Os senhores da galáxia e os tefrodenses geralmente não erram. Quando fazem alguma coisa, isso antes é planejado até o menor detalhe. — Bem... — retrucou Marat, lentamente — entre nós isso também corresponde, caso contrário não teríamos podido liquidar com a sua base submarina!

Ele ligou o videofone novamente e ainda chegou a ouvir a última parte do discurso de Rhodan. O Administrador-Geral anunciava mais um passo para a definitiva estabilização da moeda. Quando ele terminou, os dois detetives ficaram em silêncio. Somente depois de alguns minutos, Jean-Pierre Marat quebrou o silêncio. Ele olhou para aquele seu tanque corporal elástico, no qual estava enfiado do pescoço aos pés, e disse, chateado: — Idiotamente, eu não vou conseguir levar esta missão até o fim... — Como assim? — perguntou McKay, admirado. Marat sorriu, indulgente. — Você acha mesmo que, com minhas queimaduras, eu poderia sair à procura do verdadeiro Homer G. Adams...?

*** ** *

O duplo de Adams foi desmascarado, o seu jogo traiçoeiro interrompido. Medidas foram tomadas para restabelecer a estabilidade da moeda. Parece mesmo que o primeiro round da luta traiçoeira dos senhores da galáxia contra o Império Solar foi vencido por Perry Rhodan. Agora, entretanto, deve ser encontrada a pista dos maquinadores da calamidade econômica! Gucky tem um plano — e segue uma pista. A Pista Leva à Estrela de Jago! A Pista Leva a Jago — é o título do próximo número da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan: www.perry-rhodan.com.br

Related Documents