P-220 - A Morte Sideral - Clark Darlton

  • November 2019
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  • Words: 30,212
  • Pages: 63
(P-220)

A MORTE SIDERAL Autor

CLARK DARLTON

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão

SKIRO

Há 10.000 anos, quando na Terra ainda não existia uma civilização propriamente dita, os arcônidas travaram uma luta encarniçada com os metanitas. Foi uma guerra que abalou os alicerces do Império Arcônida e teria causado a destruição total de Árcon, se os seres que na época dominavam a Galáxia não tivessem criado, no momento decisivo, uma arma especial contra os metanitas. Os seres que respiram hidrogênio acabaram derrotados, e os arcônidas, em cuja frota Atlan combatia como jovem comandante, acreditaram que o perigo representado por aquelas inteligências não-humanóides tivesse sido eliminado para todo o sempre. Agora, cerca de dez milênios depois desses acontecimentos, quando há tempo o Império Solar governado por Perry Rhodan assumiu a herança dos arcônidas, surge uma surpresa: o poder dos metanitas ainda não foi quebrado. O aparecimento de sua gigantesca fortaleza espacial, que representava uma ameaça para o centro de controle do transmissor de Kahalo, e que só pôde ser “quebrado” de dentro, pela ação de três teleportadores, parece provar que os metanitas são mais poderosos que nunca e representam um perigo tremendo para a civilização galáctica da Humanidade. É bem verdade que os três teleportadores chamados Ras Tschubai, Tako Kakuta e Gucky conseguiram repelir a primeira investida dos metanitas, trazendo a morte para os ocupantes da Fortaleza, mas agora eles mesmos encaram A Morte Sideral

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Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — O Administrador-Geral que não está disposto a suspender as buscas dos teleportadores desaparecidos. Atlan — Alguém pisa nos pés do arcônida. Gucky — Rato-castor que sua para libertar-se. Tako Kakuta e Ras Tschubai — Dois teleportadores atrás das grades. Artosos — Comandante de um grupo de naves da frota dos aconenses. Zech-Mellard — Um astrônomo-chefe que é um fenômeno.

1 — Nunca serei capaz de acreditar que eles morreram! — O rosto de Rhodan estava rígido e imóvel; parecia esculpido em pedra. Estava hipnotizado pelas telas de imagem e de rastreamento da Crest, que mostravam a profusão de estrelas do centro da Via Láctea. — Se estivessem mortos, nada mais faria sentido. Nós os teríamos matado! Ninguém mais senão nós! A culpa seria nossa! Atlan, que estivera caminhando de um lado para outro ha sala de comando da gigantesca nave-capitânia, parou atrás de Rhodan e colocou a mão em seu ombro. — Nenhum de nós realmente acredita que tenham encontrado a morte, Perry. Afinal, estão usando trajes espaciais e dispõem de oxigênio e mantimentos para dez dias. Certamente colocaram-se em segurança antes que a fortaleza espacial dos maahks fosse destruída. Foram eles que colocaram a bomba arcônida e dessa forma sabiam quando a mesma detonaria. Também não sei por que não teleportaram de volta para junto de nós, mas certamente tiveram seus motivos. Talvez se encontrem em uma das cinco naves-lápis que conseguiram fugir. — Se os encontrássemos, saberíamos. O imediato da Crest, Tenente Brent Huise, acabara de revezar o comandante, Coronel Cart Rudo. Estava sentado na poltrona de comando e dirigia a operação de busca dos desaparecidos. Quando ouviu as palavras de Rhodan, seu rosto cheio de cicatrizes continuou indiferente. Uma pessoa mais sensível que ele talvez tivesse ouvido uma recriminação nas palavras de Rhodan, mas com Brent Huise isso não acontecia. — Nós os encontraremos — disse em tom seco. — Só não sei quando. — Tomara que não demore. — Rhodan não virou a cabeça para ele. — Só têm oxigênio para mais um dia. Faz nove dias que estamos à procura deles. Se quisermos encontrá-los vivos, teremos que descobri-los o mais tardar até amanhã. Atlan sentou na poltrona ao lado de Rhodan. — Não devemos encarar este prazo como uma coisa absoluta — disse com a voz calma. Se os metanitas os levaram em uma das cinco naves que escaparam à destruição... — Os metanitas respiram hidrogênio — interrompeu Rhodan. — Mas estão em condições de criar uma atmosfera de oxigênio, por menor que seja a nave em que estejam viajando. Se capturaram os mutantes, farão com que continuem vivos. Rhodan não respondeu. Sentiu-se satisfeito porque os outros também resolveram ficar quietos. O silêncio deu-lhe oportunidade para fazer uma ligeira reconstituição dos acontecimentos de que resultara a perda provisória de seus mutantes mais preciosos. Certo dia apareceram os inimigos; os temíveis maahks. Foram eles que há 10.000 anos quase chegaram a destruir o poderoso Império de Árcon. Passaram a ser considerados inexistentes. Mas atacaram as Frotas Terranas com uma nave inimaginável, que constituía um verdadeiro planeta artificial. Foi só graças à ação corajosa dos três mutantes que a maior de todas as naves jamais vista pôde ser destruída. Gucky, o rato-castor, o africano Ras Tschubai e o japonês Tako Kakuta teleportaram para o interior da fortaleza dos metanitas. Levavam trajes blindados de feitio especial e uma bomba de Árcon. A Fortaleza acabou explodindo, e os três mutantes não voltaram para bordo da Crest.

As naves dos metanitas que conseguiram sair da Fortaleza — tratava-se de veículos cilíndricos, negros e delgados, de mil metros de comprimento e cem de diâmetro, foram destruídas, com exceção de cinco. Estas cinco naves desapareceram no espaço. Gucky, Ras e Tako também tinham desaparecido. — Se ainda estivessem por perto, nós os teríamos descoberto — disse Atlan rompendo o silêncio que reinava na sala de comando. — Por isso é de supor que tenham sido presos e ainda estejam vivos. — Podem ter sido atomicamente destruídos, se bem que não acredito nisso. — Pela primeira vez Rhodan olhou para Atlan. — Ou melhor, não quero acreditar — acrescentou em tom seco. — Nós os encontraremos — repetiu o Coronel Huise. Rhodan ficou calado por algum tempo. Finalmente dirigiu uma pergunta a Atlan. — Seja franco. Você realmente acha que as cinco naves dos metanitas que conseguiram fugir são tão importantes? Vamos deixar de lado a possibilidade de os mutantes estarem em uma delas. Atlan confirmou com um gesto. — Em minha opinião são muito importantes, Perry. Pelo que sabemos, os maahks vieram à Via Láctea somente com sua fortaleza espacial. Provavelmente saíram da nebulosa de Andrômeda. Nenhum deles escapou, além de oito prisioneiros e dos ocupantes das cinco naves que fugiram. Mas sabemos que os metanitas pertencentes ao povo dos maahks são muito férteis. Reproduzem-se com uma rapidez tremenda. Se encontrarem um planeta apropriado, o perigo voltará a estar presente dentro de alguns anos. Não se esqueça de que possuem o segredo do canhão conversor. São inimigos terríveis. Temos de encontrar as cinco naves. — Receio que você se deixe levar por seus velhos preconceitos — disse Rhodan. — Os arcônidas já travaram uma guerra obstinada e terrível contra os metanitas, e você ainda traz na medula dos ossos a lembrança dessa guerra. — Você teve oportunidade de conhecer os metanitas; sabe como eles combatem — respondeu Atlan em tom sério. — Não os subestime. — Não vou fazer isso, mas também não se deve superestimá-los. Se saio à procura das cinco naves, faço-o principalmente para encontrar Gucky, Ras e Tako. Você sabe o que eles significam para mim, Atlan. — Sei, sim. — O arcônida acenou com a cabeça. — São seus amigos; principalmente Gucky. A idéia de que ele possa estar morto é tão inconcebível que jamais poderei aceitá-la. Mas apesar de tudo não devemos negar que a situação é pelo menos extremamente grave. Se não conseguirmos salvá-los logo... Ficou calado. Rhodan confirmou com um gesto. — O Coronel Rudo já transmitiu minhas instruções. Cinco mii unidades da Frota receberam ordem de procurar as cinco naves que fugiram. São mil contra uma. — No caso isso não significa nada. Uma única nave poderia conseguir a mesma coisa, desde que fosse favorecida pela sorte. Rhodan mordeu o lábio. — Por que você sempre faz questão de ser um pessimista, Atlan? Por que não quer que eu tenha a esperança de que da forma que estão as coisas nossas chances são maiores? Atlan mostrou um sorriso ligeiro e apontou para as telas.

— Sou um realista; é só isto. No fundo você também é, Perry, mas agarra-se a uma esperança louca. De que serve nossa técnica, se estamos procurando um grão de areia no deserto? Há mais de cem mil sóis num raio de cem anos-luz. Quase todos estes sóis possuem planetas. As cinco naves que estamos procurando podem ter descido em qualquer desses planetas, juntamente com os desaparecidos, caso os mesmos estejam a bordo de uma dessas naves. Vamos vasculhar todos estes planetas? E, quanto à nossa técnica — de que servirá um carro moderno com esteiras e provisões de mantimentos em pleno deserto, se o grão de areia que você estiver procurando não cair diretamente nos seus olhos? — A comparação que você acaba de fazer é bastante animadora — respondeu Rhodan em tom sarcástico. — Só nos resta fazer votos de que Gucky caia nos nossos olhos. O Tenente Huise, que acabara de receber um bilhete do navegador, disse em meio à pausa: — Senhor, acabamos de receber uma informação dos comandantes dos diversos grupos de naves. Todas as unidades ocuparam as posições iniciais e estão à espera de novas instruções sobre a rota e a distância em que devem ser realizadas as buscas. Rhodan pegou os mapas siderais e examinou-os. Atlan. olhou por cima de seu ombro. — Temos de concentrar as buscas a partir daqui, em direção ao centro, embora não tenhamos certeza de que os metanitas mantiveram sua rota. Nove dias são um tempo muito longo. Talvez devêssemos ter começado mais cedo. — Iniciamos as buscas no momento exato, mas demorou até que conseguíssemos reunir as naves que deverão participar das buscas. Só agora estamos em condições de realizar uma operação bem planejada. Sou de opinião que devemos considerar nossa posição atual como o centro da operação, estendendo a mesma em todas as direções, em forma esférica. Dessa forma fatalmente acabaremos dando com uma pista. A concentração de energia existente no centro galáctico impede as comunicações pelo rádio. Assim que as mesmas forem interrompidas, teremos de usar naves-correio. Poderão ser gazelas ou cruzadores ligeiros. — Fez algumas anotações no bilhete e entregou-o a Huise. — Faça o cálculo das rotas dos diversos grupos e transmita os dados aos outros. A operação será iniciada dentro de dez minutos. Tudo isso naturalmente não significava que nesses nove dias não tivesse sido feita nenhuma tentativa de encontrar os desaparecidos. Pelo contrário, mais de mil unidades da Frota Terrana vasculhavam as imediações do lugar em que a Fortaleza destruída se encontrara por último. A própria Crest descrevera uma curva enorme, que a fizera percorrer vários anos-luz, mantendo ininterruptamente ligados os rastreadores especiais e os campos de busca destinados a localizar os desaparecidos. Mas fora tudo em vão. As cinco naves continuavam desaparecidas. Neste meio tempo a maior parte da Frota, uma vez concluída a operação, voltara a ficar livre e estava à disposição de Rhodan para a operação de busca que estava para ser realizada. — Instruções acabam de ser transmitidas — anunciou Huise dali a alguns minutos. Rhodan respirou aliviado. — Agora só nos resta fazer votos de que dê certo — disse. — É o que estamos fazendo há nove dias — observou Atlan. ***

Tako Kakuta estava de sentinela. A manutenção de uma escala de vigilância poderia parecer inútil, mas os três seres mais solitários que havia no Universo tinham resolvido que um deles sempre ficaria acordado, para que não perdessem nenhuma chance de serem salvos. Tako, um japonês magro de rosto juvenil e às vezes sorridente, estava ligado com uma corda fina a Ras Tschubai e Gucky. Era impossível que alguém se perdesse do grupo. Estavam flutuando no espaço vazio, entre os sóis do centro da Via Láctea. O suprimento de oxigênio seria suficiente por mais vinte e quatro horas no máximo. As provisões de água e alimentos existentes nos pesados trajes espaciais davam para mais tempo, mas na situação em que se encontravam isso não adiantava muito. Tako girou lentamente em torno do próprio eixo. Na parte dianteira do capacete estava acesa a tela acoplada com um rastreador. Qualquer objeto que ficasse ao alcance dos raios de rastreamento desencadearia automaticamente o alarme e apareceria na tela. Parecia fazer uma eternidade que o raio conversor do cruzador terrano tinha atingido a nave negra dos metanitas e destruído a mesma. Os três conseguiram pôr-se a salvo por meio de um salto desesperado para a incerteza. Rematerializaram no espaço infinito. Em tomo deles só havia o nada, o vazio pavoroso do espaço e as inúmeras estrelas. — Não é tão ruim assim — dissera Gucky há nove dias. Mas cinco dias depois passara a usar uma linguagem diferente. Nesses dias praticamente haviam esgotado suas faculdades de teleportadores. Conseguiram saltar juntos para perto de um sol desconhecido, mas o único planeta que esse sol possuía era um oceano de rocha liquefeito. O mesmo não possuía atmosfera e de forma alguma se prestava à manutenção da vida. Tiveram de fazer um grande esforço para escapar aos campos eletromagnéticos do sol, para voltar a flutuar no espaço vazio, esperando. Não estavam em condições de usar o rádio. Os aparelhos que traziam consigo mal e mal permitiam que se comunicassem entre si. Fora disso os receptores permaneceram mudos. Muitas vezes as tempestades cósmicas e os redemoinhos energéticos tornavam impossíveis até mesmo as comunicações entre os três solitários, que nestas oportunidades só podiam conversar por meio de sinais. Mas de repente tudo voltava a ficar quieto, e os três permaneciam quase imóveis no espaço. Tako lançou um olhar preocupado para Gucky. Via perfeitamente o rosto do ratocastor atrás da grossa lâmina de vidro. Gucky estava dormindo. A marca do esgotamento total estava impressa em seu rosto. A pequena figura estava flacidamente encolhida no interior do traje espacial blindado, que exercia as funções de uma pequena nave equipada com aparelhagem atômica de regeneração de oxigênio e depósitos de água e mantimentos. Havia até uma pequena eclusa de ar que permitia o lançamento dos dejetos. Havia armas e outros equipamentos numa gaveta interna. Ainda bem que Gucky estava dormindo, pois assim consumiria menos oxigênio. A capacidade de regeneração também tinha seus limites. No dia seguinte não haveria mais nada que pudesse ser regenerado. Ras também estava dormindo. O africano estava com o rosto cinzento e encovado. Os saltos inúteis de teleportação a grande distância, a decepção que tinha sofrido ao atingir o planeta de fogo e o encontro exaustivo com as tempestades gravitacionais surgidas de repente deixaram-no completamente esgotado. Além de tudo isso já tinha perdido as esperanças de ser salvo.

Na verdade, nenhum deles tinha qualquer esperança, e isso era o pior. Enquanto havia esperanças, estavam dispostos a lutar. Quando parassem de lutar, estariam irremediavelmente perdidos. Tako controlou o movimento giratório por meio de uma pressão ligeira sobre o mecanismo de direção de seu traje espacial. O movimento tornou-se mais lento e acabou parando de vez. Tako estava olhando na direção do centro propriamente dito da Via Láctea. Naquele lugar os sóis estavam tão próximos uns aos outros que parecia não haver nenhum espaço entre eles. Naturalmente isso não passava de uma ilusão ótica, pois todo mundo sabia que, por mais densas que fossem as concentrações solares, sempre havia uma distância de alguns meses-luz entre as diversas estrelas. Acontece que a separação entre o lugar em que se encontrava Tako e o centro propriamente dito da Via Láctea ainda era de 50 ou 100 anos-luz. Os teleportadores nunca seriam capazes de percorrer essa distância, mesmo que não existissem os campos energéticos que interferiam na teleportação e o cansaço físico. Uma mancha escura foi penetrando no campo da tela do rastreador. Tako ficou olhando para a mesma por alguns segundos, sem compreender o que estava acontecendo, mas quando o pio de alarme soou em seu receptor, ele se sobressaltou. Um objeto! Uma porção de matéria! De repente sua ação passou a ser calma e refletida, quase automática, mas não acordou os outros dois teleportadores. Primeiro queria descobrir que objeto era este que os rastreadores acabavam de localizar. Fosse o que fosse, o mesmo sempre representava uma pequenina esperança. Talvez pudesse ser uma nave... A distância era de duzentos mil quilômetros. O objeto era muito grande para ser uma nave. Seria um planeta? Um planeta escuro, que atravessava o Universo sem estar acompanhado de um sol? Nesse caso dificilmente possuiria atmosfera, ao menos uma atmosfera gasosa. Mas até mesmo o oxigênio congelado poderia representar a salvação. Ras fez um movimento dentro de seu traje espacial e abriu os olhos. Estava com o rádio ligado. E com a tela do rastreador. Assim que acordou, viu o que Tako já tinha descoberto há algum tempo. — O que é isso, Tako? Por que não me acordou? — Quis verificar primeiro o que é. Não valia a pena acordá-lo por causa de uma falsa esperança, Ras. — Você tem razão. Mas o que é mesmo? — Um planeta escuro. Não sei se podemos ter alguma esperança. Precisamos acordar Gucky. Ras olhou na direção em que estava o rato-castor, que continuava dormindo. Flutuava a alguns metros de distância e somente uma corda fina o ligava aos dois companheiros. — Está exausto. Acho que devemos poupá-lo. Talvez não perceba nada, desde que não usemos a teleportação e tentemos atingir o planeta com o mecanismo de direção de nossos trajes. Já teve tempo para calcular os dados? — Estou fazendo o cálculo. Mas já tenho certeza de que o diâmetro do objeto não é superior de dois mil quilômetros. — Já é um bocado de matéria. Pensei que fosse um asteróide menor. Pelo que pude ver, a velocidade do objeto em relação a nós é muito reduzida. Não será difícil alcançá-lo. — Ras pigarreou. — Não acredito que iremos encontrar aquilo que mais precisamos.

— Oxigênio? — Tako não interrompeu seus cálculos. — Se encontrarmos algum composto de oxigênio, poderemos reabastecer-nos com ar respirável. Se fosse assim, não abandonaria a esperança tão depressa. Ras não respondeu. Os dois homens continuaram a trabalhar em silêncio e obstinadamente, enquanto o rato-castor dormia. Ligaram os pequenos jatos-propulsores que conferiam a seus trajes a direção desejada e uma aceleração não muito elevada. Levaram apenas alguns minutos para constatar que se aproximavam rapidamente do pequeno planeta escuro. Mais duas horas se passaram, e o planeta desconhecido começou a encobrir as estrelas que ficavam atrás do mesmo. Aumentava a cada minuto que passava, e não demorou que Ras e Tako se vissem obrigados a ligar os freios dos jatos. Parecia que estavam caindo para dentro de um buraco negro. Havia inúmeros sóis em torno deles. Sua luz era insuportável, o que levou os homens a colocar as lâminas anti-ofuscantes à frente dos capacetes. Aos poucos seus olhos foram se acostumando à luz mortiça que reinava na superfície. Já se distinguiam alguns contornos. Era totalmente impossível que nesse mundo frio e solitário existisse alguma forma de vida. O planeta não passava de um gigantesco bloco de pedra, que percorria sua trajetória no nada. — Estamos descendo muito depressa — disse Ras depois de lançar um olhar para os instrumentos de seu traje espacial. — Acho que deveríamos ligar o dispositivo antigravitacional. — A gravitação do planeta é muito reduzida. Não ultrapassa zero vírgula um, ou seja, um décimo da gravitação terrestre. Pode frear, Ras. Gucky começou a mexer-se. Abriu os olhos e olhou para os lados. Levou algum tempo para compreender o que estava acontecendo. — Será que vocês querem pousar ali? — perguntou com a voz apagada. Notava-se que cada palavra que pronunciava lhe custava um grande esforço. — Para quê? Tako explicou. — Não podemos desprezar nenhuma chance, Gucky — concluiu. — Nem mesmo a de encontrar oxigênio congelado. A aparelhagem de que dispomos permitirá desprendê-lo e introduzi-lo nos conversores. Cada um terá de ajudar os outros. Se conseguirmos encher novamente os reservatórios, teremos mais dez dias de prazo. — Quanto tempo dormi? — Quase vinte e quatro horas. Resolvemos não acordá-lo, porque você é o mais fraco. Gucky fez movimentos de remador com os braços e as pernas. — Está certo. Posso estar um pouco cansado, mas não pensem que vou entregar os pontos. Não há meio de teleportar, se aparecem constantemente essas tempestades gravitacionais que atrapalham tudo. Aliás, por aqui não existem tempestades gravitacionais. Por que não teleportamos para a superfície? Dessa forma economizaríamos tempo e combustível. — Não queríamos acordá-lo — repetiu Tako em tom paciente. — Se quiser, podemos saltar. Ras, desligue os propulsores. Aproximaram-se o suficiente para tocar um no outro. O contato dos trajes espaciais era suficiente para garantir um salto de teleportação em conjunto. Tako assumiu o comando. Já se sentia relativamente descansado e podia arriscar-se a levar os companheiros. Se houvesse necessidade de outro salto, este poderia ser realizado por Ras.

Estavam suspensos a apenas cem quilômetros de altura sobre o planeta desolado, cuja superfície estava coberta de montanhas rochosas, ribanceiras íngremes e precipícios sem fim. O quadro oferecido pelo mundo morto poderia ser tudo, menos animador. — Olhem! — disse Ras de repente e apontou para baixo. — Vejo uma coisa branca brilhante nos topos das montanhas. Devem ser porções da atmosfera congelada. — É o que estou vendo. — Tako fez a mirada ótica do alvo. — Pousaremos bem perto dali. Desmaterializaram. Depois da rematerialização, viram-se num platô rochoso, que se estendia até a linha do horizonte não muito distante. A superfície não era tão plana como parecera lá de cima. Havia desfiladeiros profundos, depressões rasas e elevações íngremes. Os campos antigravitacionais estavam desligados, mas os três sentiram-se muito leves. Podiam percorrer centenas de metros num salto, como se estivessem num pequeno asteróide. — Densidade pequena — constatou Ras. — É por isso que não existe atmosfera. Está vendo a neve? São apenas alguns vestígios, mas talvez bastem. As manchas brancas tinham o aspecto de restos de neve nas montanhas, durante a primavera. Mas continuavam brancos. Não havia poeira que pudesse depositar-se nas mesmas. Ras saiu caminhando na direção do campo de neve mais próximo e parou junto ao mesmo. — Isto deve estar aqui há milênios. Ninguém tocou ou tirou alguma coisa. Se este planeta já possuiu uma atmosfera, a mesma deve ter escapado quase toda para o espaço. A gravidade é muito reduzida. O resto depositou-se na superfície. Não é muito, mas para o que precisamos é o suficiente. — Se é que isso contém oxigênio — observou Tako, advertindo para que não se entregassem a um otimismo prematuro. — Nesta altura estou disposto a respirar qualquer coisa, desde que seja gasosa — disse Gucky em tom zangado. Reduzira seu suprimento de oxigênio a tal ponto que os pulmões só recebiam o estritamente necessário. Sentia-se cansado. A gravitação reduzida ajudava-o a permanecer de pé. Mais algumas horas, e seria o fim, se não aparecesse alguém para salvá-los. Para salvá-los...? De onde? Levantou os olhos para o céu estrelado. Eram milhares de sóis que talvez possuíssem planetas com uma atmosfera de oxigênio. Mas estes sóis estavam tão próximos uns aos outros que havia a superposição dos campos gravitacionais, do que resultavam perigosos torvelinhos que transformavam qualquer salto de teleportação numa experiência que punha em risco a vida. O espaço estava repleto de correntes de energia que fluíam de um sol para outro, provocando interferências na quinta dimensão, cujos efeitos mal podiam ser imaginados. Gucky suspirou. Não, dali não poderia vir a salvação. Mesmo que Rhodan resolvesse vasculhar o centro da Via Láctea com dez mil naves, nunca encontraria os desaparecidos. Pelo menos por acaso. Mas o oxigênio lhes daria novas forças. Talvez pudessem voltar a teleportar, os três em conjunto. Poderiam percorrer distâncias enormes, para fora do centro, em direção às regiões em que as estrelas eram mais escassas. Naqueles lados as interferências energéticas não eram tão intensas. Talvez encontrassem um mundo apropriado... Ras abaixou-se e recolheu uma amostra da neve. Examinou atentamente os cristais brancos, mas a olho nu não conseguia ver nada.

— O analisador — lembrou Tako. — Ele nos dará a resposta. Ras confirmou com um gesto. Virou-se um pouco para o lado, a fim de introduzir a amostra de neve pela pequena eclusa de ar de seu traje espacial. Uma vez feito isso, colocou-a no analisador. Antes de introduzir a neve no conversor, era necessário saber de que elementos era composta a mesma. Dez minutos se passaram. As luzes de controle do capacete do africano iluminaramse. Tako estava bem a seu lado, à espera da palavra salvadora. Mas Ras não disse nada. Limitava-se a observar as escalas luminosas nas quais se viam símbolos químicos. Eram duas. — O que houve, Ras? Diga alguma coisa! Ras sacudiu a cabeça. — Isto aqui é amoníaco. Amoníaco puro. Nitrogênio e hidrogênio. Nem sinal de oxigênio. — Talvez encontremos em outro lugar... — Não vamos nos iludir — interrompeu Ras. — Se por aqui só existe amoníaco, não há razão para que em outro lugar seja encontrado oxigênio. Os componentes químicos da atmosfera estavam uniformemente distribuídos quando se depositaram na superfície e congelaram. — Olhou na direção em que algumas rochas ásperas ocultavam parte do horizonte. — Por aqui não existe oxigênio. Pelo menos na neve. Tako olhou na mesma direção que Ras. — Você acha que deveríamos tentar com a rocha? — Não temos alternativa. Gucky estava sentado numa pedra. Não interveio na conversa. Via-se que a decepção que acabara de sofrer o deixava bastante abalado. Nunca em sua longa vida o rato-castor se vira numa situação tão desesperadora, tão próximo da morte. Simplesmente não havia mais saída. Estavam num planeta escuro, em algum lugar do centro da Via Láctea, a anos-luz de uma possível salvação, e só dispunham de oxigênio para mais vinte horas. — Quer esperar aqui? — perguntou Tako, dirigindo-se ao rato-castor. Gucky foi-se levantando bem devagar. — Aonde vão? Estou tão preguiçoso que nem leio mais seus pensamentos. — Vamos para aquelas rochas. Por ali há algumas pedras soltas, que poderão ser analisadas sem dificuldade. Talvez tenhamos sorte... — Acho que vocês não deveriam confiar muito na sorte, Tako. Para mim acabou. E olhe que sempre desejei morrer na cama. De velhice... Isso demoraria mais alguns séculos, e nesse tempo talvez ainda visse nascer um filho ou uma filha. Que azar! O destino não quis que fosse assim... — Vamos! — disse Ras em tom impaciente. Em sua opinião cada palavra que dissessem era uma perda de tempo. Cada segundo era precioso e, conforme as circunstâncias, poderia trazer a decisão sobre a vida ou a morte. — Não é longe. Em dois ou três saltos estaremos lá. Empurraram-se com os pés e foram deslizando sobre desfiladeiros e precipícios. Regularam a velocidade e a direção do vôo com os jatos de direção. Acabaram pousando suavemente junto às rochas altas, que em certos lugares se erguiam a cem metros. No interior de uma depressão encontraram algumas pedras suficientemente pequenas para serem analisadas.

Tako e Gucky sentaram para recuperar-se do cansaço. Ras era incansável. Parecia possuir reservas de energia de que nem ele mesmo desconfiara. Recolheu três pedras menores e as colocou no interior de seu traje. O aparelho fez a análise, uma após a outra. As duas primeiras foram negativas. As pedras não apresentavam o menor vestígio de oxigênio. Mas na terceira amostra foram encontrados traços do elemento vital. — Então? — perguntou Tako, ansioso. Ras fez um resumo do resultado do exame: — É pouco, muito pouco. Se usarmos nossos três conversores, talvez consigamos produzir justamente a quantidade de oxigênio de que precisamos para continuar vivos. Mas nesse caso não poderíamos fazer outra coisa senão recolher amostras e colocá-las no conversor. E ainda teríamos de prestar muita atenção para encontrar as pedras certas. Se quiserem saber minha opinião, não é a melhor solução. — Mas sempre é uma solução! — resmungou Gucky. — Como devem ser as pedras? — Isso não importa, pois é impossível distingui-las pelo aspecto exterior. Precisamos de sorte; é tudo. Temos ar para mais vinte horas. Sugiro que procuremos um lugar em que haja mais pedras soltas. Se ficarmos aqui, dentro de algumas horas não saberemos mais o que pegar. Se descobríssemos uma espécie de pedreira, e se as pedras encontradas por lá forem do tipo certo, talvez consigamos produzir certa reserva de oxigênio. Viu-se que Gucky quase não se importava com mais nada. Praticamente não tinha mais nenhuma vontade de viver. Estava conformado com o destino. Se não entregava os pontos, isso acontecia porque não queria tornar-se pesado aos dois amigos. Ras e Tako seguraram-no cada um de um lado. Empurraram-se com o pé e saíram do platô, subindo lentamente. Ligaram os jatos de direção e voaram a pequena altura, paralelamente à superfície. Seus olhos estavam acostumados à penumbra; enxergavam muito bem. Os anteparos protetores tinham sido retirados há muito tempo. As numerosas estrelas irradiavam uma quantidade de luz tão grande que as rochas lançavam sombras. A claridade era igual à de uma noite de lua cheia no planeta Terra. Mas em comparação as sombras eram muito fracas, pois a luz vinha quase uniformemente de todos os lados, o que neutralizava em grande parte as sombras. Havia uma luminosidade branca nos desfiladeiros. Deviam ser depósitos de neve — neve de amoníaco. Pelo menos havia quantidades suficientes de hidrogênio e de nitrogênio, mas sem o oxigênio estes elementos não valiam nada. Quando tinham percorrido uns quinhentos quilômetros, Ras disse de repente: — Lá embaixo, perto daquela serra comprida. Se por ali não houver pedras soltas, não as encontraremos em parte alguma. Desligaram os jatos-propulsores e foram descendo lentamente. Tocaram suavemente o chão perto da encosta íngreme e olharam para os lados. Havia muitas pedras soltas. Fragmentos de todos os tamanhos estavam espalhados pelo chão. Bastava levantá-los. Alguns deles tinham um brilho amarelado. — É ouro — resmungou Tako em tom de desprezo. — É a primeira vez que sinto verdadeiramente que ele não tem nenhum valor. — Se fosse ferro enferrujado, talvez tivéssemos uma chance de encontrar oxigênio. — Ras fungou, zangado. — Droga! Ouro... Gucky, que estava cochilando, acordou. — Ouro...? — perguntou. — Já houve tempo em que o ouro comprava tudo. Até mesmo o ar.

Soltaram as cordas que os prendiam uns aos outros e saíram à procura de pedras apropriadas, que não fossem muito grandes para os analisadores e, os conversores. Tako pediu a Gucky que sentasse, para não desperdiçar as forças. Mas Gucky recusou-se obstinadamente a permitir que seus companheiros trabalhassem por ele. Os três puseram mãos à obra. Não demoraram a recolher material suficiente para poder fazer uma pausa. O resto do trabalho seria feito pelo regenerador. Encheram as câmaras dos conversores e sentaram para recuperar as forças. Aproveitaram a oportunidade para ingerir alguns tabletes de alimento. Gucky voltou a adormecer. — Está bem cansado — observou Ras, preocupado. — Nunca pensei que fosse tão fraco. — Seu traje é menor que o nosso, e seu suprimento de ar também. Teve de fazer mais economia que nós. Além disso foi ele quem fez as teleportações nos primeiros dias. Levou-nos, porque ainda é o melhor teleportador. Tudo isso o deixou esgotado. Ras levantou os olhos para o céu. — Será que vamos conseguir? — perguntou. Tako olhou, na mesma direção. Perry estava em algum lugar, entre as miríades de estrelas. Certamente ainda não mandara suspender as buscas. Nunca os abandonaria, mesmo que pudesse haver problemas que parecessem muito mais importantes. A idéia de que Rhodan estava à sua procura fez com que Tako recuperasse a coragem. Examinou os controles dos conversores. O oxigênio já estava sendo produzido e conduzido para o tanque. O ponteiro subia muito devagar. Tako estava gastando menos oxigênio do que era produzido. A mesma coisa estava acontecendo com Ras e Gucky, embora as quantidades variassem um pouco. Dentro de cinco horas suas reservas de ar subiram de vinte para trinta horas. — Tudo bem — concluiu Ras, depois de terem comparado os resultados. Nós agüentaríamos por muito tempo, se as reservas de mantimentos não estivessem quase no fim. É lento demais. Se conseguíssemos encher os tanques dentro de algumas horas, poderíamos arriscar mais um avanço no espaço. Mas deste jeito... — A pausa nos está fazendo muito bem, Ras. Gucky já se recuperou um pouco. Também me sinto melhor. Se ficarmos aqui um dia, poderemos reunir forças para fazer novos planos. Gucky abriu os olhos. Não estivera dormindo. — Planos? Para quê? Será que vocês pretendem simplesmente teleportar pelo espaço? Aqui pelo menos temos oxigênio. Posso respirar quanto quero. Lá fora... — apontou para o céu — ...lá fora não se sabe o que acontecerá. — Estamos em cima de um grande corpo escuro — disse Ras. — É maior que qualquer nave. Rhodan está à nossa procura, quanto a isso não existe nenhuma dúvida. Os rastreadores não deixarão de notar a presença deste planeta. Concordo com Gucky. Aqui as chances de sermos encontrados são bem maiores. — Muito bem. Vamos conciliar as posições — disse Tako. — Ficaremos aqui até que apareça um motivo que nos obrigue a teleportar para o espaço. Este motivo poderia consistir em alguma coisa que aparecesse nas telas dos nossos rastreadores — uma nave, por exemplo. Se a mesma não vier para cá, teremos de ir para lá. Ras levantou-se.

— Farei uma pequena excursão. Deve haver pedras que contêm mais oxigênio. Talvez encontremos ferro ou outros minérios que se tenham ligado ao oxigênio. Neste caso o rendimento seria bem melhor. — Gucky e eu ficaremos aqui — disse Tako. — Fique com o rádio sempre ligado. Devemos manter contato. — Vou mantê-los sempre informados sobre o que eu descobrir. Tako e Gucky ficaram sentados. Ras empurrou-se com os pés e subiu obliquamente. Seus jatos-propulsores iluminaram-se por um instante, mas logo desapareceu na escuridão da noite eterna. *** Ras não disse muita coisa. Nunca fora um homem loquaz, e em situações como esta ele o era menos ainda. De vez em quando anunciava sua posição e comunicava que estava tudo em ordem. Dentro do subconsciente acompanhou a conversa entre Tako e Gucky, até que o ruído da respiração profunda lhe mostrou que os dois estavam dormindo calmamente. Talvez fosse a melhor solução para eles. As montanhas ficavam embaixo de Ras. Do alto o horizonte parecia muito curto e apresentava uma queda acentuada. As estrelas cobriam tudo. Ras examinou o indicador de oxigênio. Tinha ar para pouco menos de trinta horas. Se economizasse muito, talvez poderia chegar a trinta e cinco, mas não seria mais que isso. Se... Ras parou de pensar nisso. Era inútil e só consumia energias que podiam ser economizadas. Precisaria de muita energia e autocontrole para abrir o capacete espacial antes que o ar respirável se esgotasse de vez. Ras esteve a ponto de mudar de direção, quando viu uma coisa cintilante. Havia alguma coisa no fundo de um desfiladeiro de trezentos metros de profundidade que refletia a luz, e refletia bastante. Não podiam ser rochas, pois estas absorviam quase oitenta por cento da luz que incidia nelas. Ras reduziu a velocidade e regulou o vôo de forma a permanecer suspenso sobre o desfiladeiro. Foi descendo lentamente, sob a ação da gravidade. O brilho já era bem mais nítido. Era uma mancha alongada, com o formato aproximado de um fuso. Era mais grossa atrás que na frente; talvez fosse o contrário. Pelos cálculos de Ras o objeto — se é que realmente era um objeto — devia ter uns cinqüenta metros de comprimento. Não tinha mais de dez metros de largura, no centro. De repente Ras teve a impressão de que estava sofrendo uma descarga elétrica. Essa forma...! Os paredões erguiam-se de ambos os lados, enquanto Ras continuava descendo. A mancha parecia maior. Encontrava-se no fundo do desfiladeiro, em posição ligeiramente oblíqua e um pouco inclinada. Se aquilo era uma espaçonave, a mesma não tinha descido ali voluntariamente. Quando Ras ainda se encontrava a cinqüenta metros de distância, já não havia a menor dúvida de que realmente acabara de encontrar uma espaçonave muito pequena — pequena em comparação com as gigantescas naves esféricas da Frota Terrana. Se tentasse aproximar-se do veículo espacial sozinho para procurar um contato com a tripulação, estaria violando todas as regras. — Alô, Tako. Você me ouve? O alto-falante transmitiu um grunhido aborrecido, seguido de uma exclamação de surpresa.

— Ras? Que houve? Acho que dormi um pouco... — Era o que eu imaginava. Descobri uma nave. Venham. — Uma nave? — houve uma pausa de ansiedade. — Uma nave...? — Só pode ser uma nave; provavelmente está destroçada. Parece que realizou um pouso de emergência. Pegou minha posição? — Ras deu uma olhada nos instrumentos. — Voei duzentos e quatro quilômetros, exatamente na direção oeste. — Não faça nada enquanto não tivermos chegado. Levarei Gucky. — Andem depressa! — disse Ras e preparou-se para o impacto suave no chão, que se verificou dentro de três segundos. Estava parado sobre o casco da nave estranha. Se esta nave possuísse tripulantes, os mesmos não teriam deixado de ouvir o baque surdo. Mas não houve nenhum movimento. Ras saiu caminhando cautelosamente na direção da proa. Devia haver escotilhas ou eclusas, mas Ras não descobriu nada que se parecesse com o que estava procurando. Alguns bastões de prata muito finos vibravam sob o efeito de seus passos. Era só. Ao menos para o lado da proa. Ras fez meia-volta e foi andando em direção à popa. Quando já tinha passado da metade da nave encontrou a eclusa nas proximidades de uma pequena aleta. Estava fechada. Ras não descobriu qualquer botão ou alavanca. Ficou parado, indeciso, e pôs-se a refletir sobre como abrir a eclusa. Não deveria tentar enquanto estivesse só. Precisava esperar a chegada dos companheiros. — Onde estão? — perguntou. — Faltam cinqüenta quilômetros — respondeu Tako. — Tomara que cheguemos em tempo. — Por aqui não está acontecendo nada. Encontrei uma entrada, mas a mesma está fechada. Ras foi até a popa e pôs-se a examinar os propulsores. Não havia dúvida de que a pequena nave era impelida por jatos-propulsores instalados na popa, mas Ras não conseguiu descobrir qual era o sistema de propulsão. Devia ser um sistema que permitia o deslocamento a velocidades superiores à da luz, ou então aquilo era apenas uma nave salva-vidas. — Acho que já estamos perto de você — disse Tako. — Há um desfiladeiro lá embaixo. No horizonte vejo uma cadeia de montanhas parecidas com pirâmides... — É isso! Qual é a altitude? — Duzentos. — Desçam mais um pouco. Em certo lugar o desfiladeiro descreve uma curva fechada para o sul. Quando chegarem lá, sigam mais um quilômetro. Ali verão uma coisa brilhante no fundo dele. — Que desfiladeiro! — criticou Gucky. — Tem pelo menos um quilômetro de largura. Dali a cinco minutos Ras avistou os dois. Quando desceram mais, seus trajes espaciais refletiram a luz das estrelas. Tako já descobrira a nave, e pousou sobre a mesma, são e salvo, em companhia de Gucky. — É bem pequena — disse. — Deve ser uma nave salva-vidas. A nave-mãe certamente sofreu um acidente. Os sobreviventes encontraram este planeta. Não foram muito felizes.

— Não somos mais felizes que eles. — Tako apontou para a escotilha. — Está fechada. Os náufragos devem ter abandonado a nave, ou então faleceram no interior da mesma. Como faremos para descobrir? — Teremos de abrir a escotilha, se necessário à força. — Com o maçarico plasmático? — Acho que é o meio mais rápido. Mas antes disso vamos dar sinais, batendo no casco. Se ainda houver alguém lá dentro, não é bom que ele pense que somos piratas. Não obtiveram resposta. Ras teve muito trabalho para tirar o aparelho de dentro do traje. Pôs-se a trabalhar na escotilha. Enquanto isso Tako examinou o local de pouso e suas imediações. Tinha esperança de encontrar algum sinal dos tripulantes. Gucky sentou nas aletas e adormeceu. Não agüentaria por muito tempo. Estava próximo à exaustão total. Quando se encontrava a cerca de cem metros da nave, Tako encontrou uma coisa. Levantou-a e entregou-a a Ras. — O que será isto? O africano pegou o objeto metálico e pesou-o na mão. Tinha a forma de um martelo encurvado, com pontas em ambas as extremidades. O metal apresentava uma coloração azulada. — Parece uma pequena picareta, mas não consigo imaginar que uma coisa destas possa servir para muita coisa. Se bem que parece bem dura... Enquanto estava falando, abaixou-se e bateu levemente com o martelo pontudo na escotilha, que continuava fechada. A ponta azul penetrou no metal como se este fosse feito de manteiga. Ras fitou a ferramenta que trazia na mão. Estava perplexo, com os olhos arregalados. Suas mãos tremeram. — Não... — balbuciou. — Não é possível! Tako abaixou-se e contemplou o milagre. — A ponta deste martelo, ou seja lá o que for, deve ser tão dura que afasta as moléculas do metal quase sem encontrar resistência. Se não se pode cortar metal com uma face de madeira, a mesma atravessa a manteiga. O metal, por sua vez, corta a madeira. É isso aí... — apontou para o martelo — ...corta o metal. Pode parecer estranho, mas não tem nada de sobrenatural. Use isto para abrir a escotilha, Ras. Pode guardar o maçarico. De repente o metal parecia tão mole que tinha-se a impressão de que se tornara incandescente. Ras levou apenas alguns minutos para abrir a escotilha. Atrás da mesma havia uma pequena câmara, quase quadrada, cujas paredes estavam cheias de instrumentos. Os mesmos não tinham nenhuma semelhança com os instrumentos que Ras e Tako estavam acostumados a ver nas naves terranas e arcônidas, e por enquanto seu funcionamento ficaria envolto em mistério. Teriam de encontrar um meio de entrar na nave sem os instrumentos. Mais uma vez o martelo pontudo que tinham encontrado abriu-lhes caminho. Enquanto Gucky estava dormindo do lado de fora, Ras e Tako entraram na nave desconhecida. Havia um corredor estreito, com portas de ambos os lados. Atrás dessas portas havia camarotes muito pequenos com camas-beliches, que não dariam para acomodar uma criança. — Os ocupantes desta nave não eram humanóides — constatou Tako. — Se eram, não devem ter sido muito grandes. Caso tenham morrido, nunca saberemos quem eram ou como eram.

— Talvez encontremos uma indicação na sala de comando. Não encontraram. A sala de comando era um pequeno recinto semicircular com assentos em forma de concha. Gucky poderia sentar nos mesmos, sem traje espacial. Havia telas para o lado em que ficava a proa; quanto a isso não existia a menor dúvida. Com seu brilho negro e vazio, pareciam olhos mortos. Não era difícil adivinhar as funções dos outros instrumentos, embora sua disposição não fosse a mesma das naves terranas. — Precisamos encontrar os tanques de oxigênio. — Ras examinou os controles embutidos em seu capacete. — No interior da nave não existe nenhuma atmosfera; só o vácuo. Tako não respondeu. Agiu sistematicamente e teve o cuidado de não tocar em nada. Isso dificultava bastante sua tarefa, pois não tinha a possibilidade de verificar as hipóteses que ia formulando. — Não adianta. Temos de dar uma olhada na popa. Se houver tanques, os mesmos estão instalados nessa área. Aqui na frente não haveria lugar para eles. — O que estão procurando? — perguntou Gucky, que acabara de acordar. — Posso ajudar? — Acho que não, Gucky — disse Ras. — Fique aí fora e vigie a área. Ligue seu rastreador. O fato de termos encontrado esta nave não é motivo para descuidarmos da vigilância; nossa única chance continua a ser a de que alguém nos encontre. A porta que dava para a sala de máquinas da nave estava fechada. Só pôde ser aberta com o estranho martelo. Se os tripulantes da nave ainda estivessem vivos, teriam uma surpresa bastante desagradável ao voltar. Ras fazia votos ardentes de que não voltassem. A primeira vista o sistema de propulsão parecia um tanto antiquado. Havia recipientes alongados presos às paredes, uns acima dos outros, ligados por tubos finos. Os blocos das máquinas enchiam o espaço disponível no chão. Os controles tinham sido instalados embaixo do teto, o que provocou um gesto de incredulidade em Tako. — Embaixo do teto...! Onde já se viu! — Isso não tem explicação — acrescentou Ras. — Talvez fossem seres voadores. Nesse caso seria indiferente em que lugar ficassem os controles. — Nestes tanques está guardado o combustível, e talvez o ar. Precisamos descobrir sem perder muito tempo antes de fazermos a análise. — Vamos perfurar um dos tubos em vez do tanque — sugeriu Ras. Com o martelo pontudo isso não era nenhum problema. Uma abertura insignificante surgiu num tubo, e dela saiu um líquido amarelento e viscoso, que imediatamente começou a volatilizar-se no vácuo. Tako teve de usar uma sonda para colher uma amostra e introduzi-la no analisador. Enquanto isso Ras vedou o buraco que acabara de abrir no tubo com o material que trazia na gaveta de ferramentas de seu traje espacial. — Enxofre, nitrogênio, um elemento desconhecido e traços de hidrogênio — informou Tako em tom decepcionado. — Não compreendo que uma coisa dessas possa ser usada como combustível. Talvez usassem isso para produzir o ar que respiram. — Bom apetite — disse Gucky, que continuava do lado de fora. — Qual não deve ser a composição de seu sangue, se eles respiram uma coisa dessas? Tako mostrou um sorriso ligeiro. — Minha teoria relativa ao ar que respiram foi um tanto apressada. Por que haveriam de abandonar a nave se ainda havia bastante ar? A finalidade disso deve ter sido outra. Ou então não tinham mais mantimentos.

— Vamos experimentar outro tanque. Nos outros recipientes havia vários líquidos e gases, mas nem sinal de oxigênio. Até parecia que os desconhecidos que viajavam nessa nave não sabiam o que era oxigênio. Dessa forma a conversão do combustível em energia devia processar-se numa base diferente da que Ras e Tako estavam acostumados a ver nas máquinas de combustão que conheciam. Era bem possível que a conversão fosse levada a efeito por meio de reatores atômicos. Ras sentou em uma das máquinas. — Nada, Tako. E olhe que eu tinha tanta esperança nesta nave! — levantou os olhos e fitou Tako. — Não sei mais o que fazer. O japonês muito magro também parecia desorientado. — Tem de haver oxigênio a bordo desta nave destroçada, Ras! Para dizer a verdade, quase chego a desejar que a tripulação estivesse viva e voltasse. Nossa situação dificilmente poderia ficar pior do que está. Talvez conseguíssemos comunicar-nos com eles, e recebêssemos ajuda. — Dificilmente. Não fomos muito amistosos com sua nave. — Também não deixa de ser verdade. — Tako pôs-se a refletir. — E o metal? Será que não contém mais oxigênio que as rochas deste planeta? Com o martelo pontudo você poderia arrancar pedaços de tamanho apropriado. Ras acenou com a cabeça. Não parecia muito entusiasmado. — Não custa tentar. Não foi difícil, mas a decepção amarga não se fez esperar. O metal também não continha oxigênio. — Parece incrível — disse Ras, amargurado. — Estes seres devem ter vindo de um mundo em que o oxigênio é desconhecido. Deve ser um elemento inexistente por lá. Se contarmos, ninguém acreditará. — Dificilmente teremos oportunidade de contar a alguém — observou Tako e enfiou o martelo pontudo cautelosamente num dos bolsos externos de seu traje espacial. — Sugiro que abandonemos a nave destroçada. Vamos subir no cume mais elevado das montanhas mais altas para fazer operações de rastreamento. Enquanto isso poderemos pegar mais algumas pedras para extrair o oxigênio das mesmas, até que nossas provisões dêem para cinqüenta horas. Depois... — Depois o quê? — Depois tentaremos um último avanço na direção da periferia da Via Láctea. Se controlarmos nossas forças, deveremos ser capazes de percorrer pelo menos alguns anosluz. — Tako tem toda razão — disse Gucky. — Não adianta ficarmos sentados aqui. Ou vocês acham que conseguirão fazer decolar esta nave? — Isto não adiantaria nada — disse Ras. — Os propulsores não passam de um sistema de emergência. Com eles dificilmente se atingirá a velocidade da luz. Com os trajes espaciais não seremos menos velozes. Saíram da nave e ficaram parados mais alguns instantes em cima da mesma. O desfiladeiro estendia-se a perder de vista para o sul. No norte havia uma curva. Os paredões de rocha eram íngremes e tinha-se a impressão de que haviam sido lixados. O céu estrelado cobria o quadro. Com Gucky no meio, ligaram os propulsores. Foram subindo lentamente, até atingir a borda do platô. Prosseguiram para o oeste. Dentro de duas horas sobrevoaram uma cadeia de montanhas cujos cumes mais elevados se erguiam a doze quilômetros.

Desceram no topo da montanha mais alta. O pequeno platô estava coberto de pedras soltas. A visão estava desimpedida para todos os lados. — Ficaremos aqui dez horas — sugeriu Tako. — Acho que basta para aumentar as provisões de oxigênio para cinqüenta horas de consumo e descansar. Gucky, você vai dormir. Encheremos seu conversor. Não se preocupe com isso. Ras e eu ficaremos de sentinela. Gucky quis protestar, mas antes que pudesse formular sua exposição estava dormindo. Ras recolheu alguns blocos de pedra e minerais, abriu a eclusa de Gucky e colocou o material no conversor do mesmo. Com um simples movimento pôs em funcionamento o sistema de conversão. Só depois disso cuidou de si mesmo. Quando terminou, sentou ao lado de Tako, que já estava revistando o setor visível do firmamento com seus rastreadores. — Descanse um pouco, Ras. Vou acordá-lo daqui a três horas. Depois que os dois companheiros estavam dormindo calmamente no interior de seus trajes espaciais, Tako pôde ocupar-se intensamente com sua tarefa. O alcance dos rastreadores era praticamente ilimitado, pois funcionavam a velocidade superior à da luz. Mas os raios eram fortemente enfeixados, não apresentando quase nenhuma disseminação, e por isso tinham de atingir de forma precisa o alvo hipotético para produzir um reflexo nas telas. Esse reflexo era instantâneo. O fator tempo era praticamente inexistente. Dali a duas horas Tako teve certeza de que não havia nenhum asteróide ou nave num raio de 2 anos-luz. Renovou o suprimento de seu conversor e ficou sentado quieto, contemplando a tela do rastreador. Mais tarde foi revezado por Ras. — Nada, Ras. É bem verdade que daqui só enxergamos cerca de sessenta por cento do firmamento. Só mesmo por acaso... — Dependemos de um acaso — interrompeu Ras. — Vá descansar, Tako. Você está acordado há muito tempo. Tako levou apenas alguns minutos para adormecer. Ras deu início às buscas.

2 Os aconenses nunca esqueceram a derrota que os terranos lhes tinham infligido em tempos passados. Quando o grande império dos arcônidas desmoronou, foram eles que assumiram a herança desse povo. Dali em diante passaram a travar uma guerra comercial traiçoeira e não declarada contra a Terra e o Império Solar. Era uma guerra que eles não poderiam ganhar, pois Rhodan estava mais forte que nunca. Por isso não era de admirar que os aconenses se contentavam com golpes menores que infligiam a naves terranas isoladas. Os aconenses procuravam em toda parte aliados para sua luta. Os saltadores, que eram um povo inteligente, mantinham a neutralidade, mas havia raças que estavam plenamente dispostas a ajudá-los em seus empreendimentos. Foi quando aconteceu a coisa com os seres que respiravam metano, os maahks. Cinco naves escaparam à destruição, e nelas os maahks viajavam como sardinha em lata. Avançaram na direção do centrei da Via Láctea, para procurar aquilo de que tanto precisavam: um planeta apropriado com uma elevação elevada e uma atmosfera de metano. Artosos era comandante de um pequeno grupo de naves da frota aconense. Sua formação estava fortemente concentrada na periferia das concentrações de estrelas, e mantinha contato ininterrupto com outras unidades que tinham sido incumbidas da mesma tarefa. Estavam todas observando a movimentação da frota dos terranos e tiravam suas conclusões. Artosos era um pensador e um calculista frio. Não havia nada que pudesse deixar os aconenses mais satisfeitos do que ver aparecer de repente os belicosos seres que respiravam metano, e que eram inimigos mortais dos terranos. Artosos ficara verdadeiramente sentido ao registrar a destruição da fortaleza voadora, mas em compensação ficou muito alegre ao saber que cinco naves dos maahks tinham escapado. Não entrou imediatamente em contato com as mesmas; preferiu manter-se a uma distância em que estivesse seguro. Sentia um respeito tremendo pelos metanitas, que se haviam arriscado a entrar em luta aberta com os terranos. Era seu dever prestar-lhes ajuda se precisassem. Naturalmente essa ajuda teria suas compensações. Dois dias depois da destruição da Fortaleza os metanitas encontraram o planeta que estavam procurando. Estava desabitado e era o único mundo que girava em torno de um sol vermelho-escuro. Sua gravitação era de dois vírgula quatro gravos, o que era exatamente o valor adequado aos metanitas. O planeta ficava do lado leste da concentração galáctica e era desconhecido. Só mais tarde os terranos lhe dariam o nome de Meta. As cinco naves dos maahks pousaram sem incidentes. Ali, a mais de 800 anos-luz do transmissor solar, tinham certeza de não serem descobertos. Levariam apenas alguns decênios para aumentar o que restava de sua raça a tal ponto que surgiria um novo poder, com o qual poderiam vingar a ignomínia que tinham sofrido. Uma nova civilização se formaria. Quando as reflexões dos maahks tinham chegado a esse ponto, Artosos apareceu sobre o planeta, com seu poder infinitamente superior. Pousou pessoalmente com sua nave-capitânia para servir de interlocutor.

Quando viu os maahks pela primeira vez, levou um susto. Só tinham uma semelhança muito ligeira com os humanóides. Sua altura chegava a dois metros e vinte e tinham quase um metro e meio de largura. Sua figura parecia forte e robusta. A pele cinza-pálida estava coberta de pequenas escamas. As grossas pernas terminavam em pés com quatro dedos. Os braços, que eram móveis em todas as partes, chegavam aos joelhos e tinham certa semelhança com tentáculos. As mãos possuíam seis dedos, dois dos quais desempenhavam as funções de polegar. A cabeça fazia parte do tronco e estava fortemente ligada ao mesmo. Parecia uma protuberância em meia-lua, que se estendia de um ombro a outro. Os quatro olhos garantiam a visão simultânea para todos os lados. A boca era reconhecível, mas não se via sinal do nariz ou das orelhas. Como os metanitas possuíam uma linguagem acústica, a comunicação podia ser feita por meio das máquinas tradutoras. Mas havia uma coisa que Artosos não sabia. Os metanitas eram seres inteligentes bissexuais, que punham ovos, mas amamentavam os filhotes. Era esse fenômeno que dava causa à tremenda fecundidade dessa raça. Cada maahk gerava até nove descendentes por ano. Artosos teve uma recepção fria e solene. No começo houve algumas dificuldades de comunicação, mas esta logo começou a desenvolver-se sem problemas. O aconense teve inteligência suficiente para começar com um elogio, antes de apresentar suas exigências. — Acompanhamos sua luta heróica, mas infelizmente não pudemos interferir na mesma, em virtude da superioridade dos terranos. Quando recebemos reforços, que neste momento estão estacionados no espaço, já era tarde. Mas sentimo-nos felizes por vocês terem escapado à destruição. Os metanitas — era impossível distinguir um do outro — receberam os elogios e a manifestação de simpatia sem a menor emoção. Não tinham sentimentos, e sabiam que atrás de cada elogio existe uma intenção bem definida. — Este planeta — prosseguiu Artosos — pertence ao Império dos aconenses. Vocês pousaram sem permissão, mas estou autorizado a conceder esta autorização. É bem verdade que há uma condição. — No momento não queremos saber de guerra, nem com vocês, nem com os terranos — disse um dos metanitas. — Quais são suas condições? — Há várias décadas travamos uma luta encarniçada com os terranos, que também são seus inimigos. Eles nos superam em número e armas, e por isso surgiu uma espécie de guerrilha nas profundezas da Galáxia. Nossas patrulhas cruzam a amplidão do cosmos, e sempre que encontram alguma nave terrana isolada, esta é destruída. Nossa condição é somente que vocês nos apóiem na luta contra os terranos. A voz do maahk parecia inalterada ao responder. — Concordamos, mas precisamos de algum tempo para recuperar-nos do golpe que acabamos de sofrer. Levaremos apenas alguns dias para instalar nossas posições de defesa, que nos permitirão rechaçar prontamente qualquer ataque vindo do espaço. Em nossas naves existe tudo de que precisamos para construir essas posições. Também estamos em condições de levantar nossas residências. Mas sentimos falta de armas e equipamentos bélicos. — Vocês as receberão. — Muito bem. Faremos uma lista. A primeira conversa travada entre aconenses e maahks chegou ao fim. Os metanitas tinham encontrado um novo mundo em que podiam fixar-se na Via Láctea, e os aconenses acabavam de conquistar um novo aliado na luta contra o Império de Rhodan.

Artosos decolou e voltou para junto de seu grupo de naves, que se mantivera à espera. Uma nave-correio voou para o Sistema Azul, que era o mundo aconense, para levar a notícia animadora. Dali a dois dias as primeiras naves de suprimentos chegaram a Meta. A construção de uma nova célula-máter dos seres que respiravam hidrogênio teve início. Artosos voltou a fazer seus vôos de patrulhamento. Contornou o centro da Via Láctea em círculos bem amplos, cada vez mais próximos, atravessou o mesmo e voltou a afastar-se lentamente com suas unidades. Certa vez encontraram-se com algumas naves esféricas dos terranos. A evidente superioridade do inimigo levou Artosos a transmitir uma mensagem pelo rádio para explicar sua presença nesse setor da Galáxia. O comandante dos terranos deu-se por satisfeito com a explicação. Perguntou se os aconenses tinham visto cinco espaçonaves negras de construção desconhecida. Artosos respondeu que lamentava e tentou descobrir mais alguma coisa, mas só captou o sinal de despedida. Os terranos mudaram de rumo e desapareceram entre as estrelas. — Vocês se cansarão de procurar — disse Artosos. Resolveu permanecer nessa área, para acompanhar os acontecimentos. Sua nave-capitânia, que era um couraçado aconense, tinha o formato de uma esfera achatada. Os propulsores instalados na protuberância equatorial eram mais salientes que as dos couraçados arcônidas e terranos. Mas quem a visse ao longe seria capaz de confundi-la. E foi o que aconteceu. Quem primeiro viu o eco projetado na tela do rastreador foi Ras. Estava de sentinela. Era o segundo turno desde que se encontravam no topo da montanha. Tako e Gucky estavam dormindo. O suprimento de oxigênio já fora aumentado para quarenta horas de consumo. Era pouco para arriscar um avanço no espaço. De repente Ras viu o eco projetado na tela. O mesmo caminhava rapidamente. Estava a mais de cem mil quilômetros. Houve alguns reflexos menores, mas os mesmos desapareceram assim que mudaram de rota. O reflexo maior continuou na tela. Seu formato era aproximadamente esférico. Era uma nave esférica. Uma unidade terrana. Ras levantou-se de um salto e sacudiu o traje de Tako até que o mesmo acordou. Gucky também ouviu o barulho que Ras estava fazendo e sentou. — O que houve? — perguntou em tom zangado, pois não entendia uma palavra do que Ras estava berrando. — Poupe suas energias. — Uma nave! Tratem de compreender: é uma nave. Precisamos alcançá-la. Vamos colocar os rádios para longo alcance, Tako. Tente estabelecer contato. Cuidarei para que não percamos a nave. Meu Deus! Esta é nossa chance... Agiram de forma rápida e precisa. Levaram apenas alguns segundos para ligar-se novamente por meio das cordas finas. Feito isso. teleportaram espaço a fora. Quando rematerializaram, Ras já não tinha a nave na tela do rastreador. O planeta escuro estava a cinqüenta quilômetros de distância. — Quase não agüento mais — disse Gucky com um gemido. — Nunca imaginava que pudesse chegar o momento em que não conseguisse teleportar. E olhem que tenho bastante ar.

— Não é somente por causa do ar — observou Tako, enquanto Ras girava desesperadamente os controles de seu rastreador. — A carga psíquica é bem pior que a falta de oxigênio. Nunca ninguém esteve tão entregue ao acaso como nós. Mas acabamos de descobrir uma nave, Gucky. Isso nos dá novas esperanças. Você terá de usar todas as forças de que dispõe, para que possamos teleportar de novo. Sem você não conseguiremos percorrer distâncias tão grandes. — Confiem em mim — resmungou Gucky um tanto sem jeito. Estava zangado consigo mesmo, por causa da perplexidade que acaba de manifestar. — Vocês verão. Quando as coisas esquentarem, mostrarei quanto valho. Tako tinha suas dúvidas, mas preferiu não manifestá-las. Também se pôs a manipular seu rastreador, à procura da nave desaparecida. A mesma voava a velocidade inferior à da luz, o que era sinal evidente de que se tratava de uma nave de patrulhamento que estava à procura de alguma coisa. Talvez fossem os três desaparecidos. — O planeta escuro fica na direção do centro galáctico — constatou Ras, enquanto fazia um giro em torno do próprio eixo. — A nave estava voando paralelamente ao mesmo. A distância e a velocidade são conhecidas. No momento só pode estar no setor BH-60-JH. Vamos arriscar mais um salto? Percorreram outros cinqüenta mil quilômetros. Ao que tudo indicava, deviam encontrar-se no lugar em que estivera a nave no momento em que Ras a tinha descoberto. Ligaram seus propulsores e seguiram a mesma rota. Os rastreadores estavam funcionando a plena potência. — Se não usarmos a teleportação, nunca a alcançaremos — disse Tako depois de algum tempo, lançando um olhar preocupado para os instrumentos. Desenvolve a mesma velocidade que nós. — Vamos dar saltos a pequena distância, senão acabaremos perdendo a nave — sugeriu Ras. — Está pronto, Gucky? Gucky não respondeu. Estava inconsciente. — Vamos levá-lo nos nossos saltos. — Ras olhava em vão para a tela de seu rastreador. A nave não aparecia mais. — A cada salto que dermos faremos uma ligeira mudança de direção. Dez mil quilômetros no máximo. Não compreendo como fomos perder a nave. — Há algo de errado nisso. Parece que o alcance dos rastreadores não é ilimitado conforme se costuma dizer — conjeturou Tako. Além disso não devemos esquecer a interferência dos campos energéticos, que perturba até mesmo as comunicações pelo rádio. Não devemos desistir. Teleportaram. Depois de terem dado alguns saltos, Ras disse: — Chega, Tako. Estou gastando as últimas reservas de energia. Quando descobrirmos a nave, não teremos mais forças para saltar. Vamos poupar os esforços para o salto decisivo. Continuaremos a procurar com os rastreadores. Algumas horas se passaram. Deviam ser pelo menos três. Muitas vezes as telas dos rastreadores mostravam manchas e torvelinhos, causados pelas interferências energéticas. Desapareciam tão depressa como vinham. Qualquer projeção de matéria sólida teria permanecido na tela. De repente a tela mostrou uma mancha escura, quase esférica. — Tako! Olhe! — Onde?

— Bem à nossa frente. Uma nave esférica. A imagem está um pouco distorcida, mas o rastreador já não funciona muito bem. Desenvolve a mesma velocidade que nós. Precisamos teleportar. — Com a mirada ótica em condições normais isso não seria nenhum problema. Infelizmente as condições não são normais. Dera um salto de oitenta mil quilômetros, o que numa situação normal teria sido uma coisa insignificante. Mas Gucky que estava dormindo representava um peso morto. Além disso Ras e Tako estavam completamente exaustos. Tiveram de usar suas últimas reservas de energia. Desmaterializaram e percorreram na quinta dimensão o trajeto indicado por seu cérebro. Não houve interferências, chegaram ao destino e rematerializaram. Ras e Tako ainda chegaram a sentir chão firme sob os pés. Sabiam que estavam no interior de uma nave. Logo se descontraíram. Mergulharam num estado de profunda inconsciência. *** O alarme soou na nave-capitânia de Artosos. Os campos defensivos tinham desmoronado por uma fração de segundo. Alguma coisa os atravessara, mas o casco da nave não ficara avariado. Era uma coisa fora do comum. Mas o que era ainda mais surpreendente era o fato de a massa da nave ter crescido em cerca de quatrocentos quilogramas. Artosos fitou os respectivos controles com uma expressão de perplexidade e pôs-se a refletir sobre como era possível que o peso de sua nave sofresse um aumento de quatrocentos quilos de um instante para outro. O casco não fora danificado. Portanto, o objeto que acabara de penetrar na nave exercera uma influência sobre os campos defensivos situados na quinta dimensão, mas não afetara a matéria. Só havia uma explicação. O corpo estranho pertencia à quinta dimensão — ou ao menos pertencera ao penetrar na nave. Os comandos de busca encontraram Ras, Tako e Gucky em seus trajes espaciais. Os dois humanóides e o ser menor estavam inconscientes. Artosos foi informado imediatamente. Correu para o depósito e viu-se diante do estranho achado. O cientista Kentares estava estudando os desconhecidos através dos capacetes. Levantou-se. — Dois deles são terranos — disse. — Quanto a isso não existe a menor dúvida. Não consigo identificar o terceiro. É menor que os outros. — Terranos? — os olhos de Artosos iluminaram-se. — Excelente. Como vieram parar nesta nave? O senhor tem alguma explicação? — Só existe uma explicação: a teleportação. A tela do intercomunicador iluminou-se. O imediato apareceu na mesma. — Comandante, não há nenhuma nave num raio de 2 anos-luz. — Obrigado. Continue a procurar, Lotor. A tela escureceu. Artosos olhou fixamente para Kentares. — Teleportação? Tem certeza? — Tenho certeza absoluta, comandante. É a única possibilidade. O desmoronamento ligeiro dos campos energéticos que funcionam na quinta dimensão, o fato de o casco não ter sido afetado, o súbito aparecimento dos três seres nesta nave — a única explicação é a teleportação. Sabemos que alguns terranos possuem essa capacidade,

além desse extraterreno. — Apontou para o traje espacial menor. — É o rato-castor, Artosos. Costumam chamá-lo de Gucky. — Gucky? — o rosto de Artosos parecia assustado. — Quer dizer que este aqui é o rato-castor Gucky? Se for assim, hoje é nosso dia de sorte, pois foi exatamente este Gucky que nos causou alguns contratempos. Os três estão inconscientes? — Estão. Deve ser estafa. Teríamos de examiná-los... — Quer que eles saltem de novo? Nada de experiências, Kentares. Eles não devem escapar. Qual é sua sugestão? — Antes de mais nada teremos de colocá-los num estado narcótico profundo, para que não acordem. Depois teremos de cuidar do ar que respiram. Acredito que a estafa em que se encontram tenha sido causada pela falta de oxigênio. Enquanto estiverem inconscientes, não poderão fugir. Talvez os seres que respiram hidrogênio nos possam dar um conselho. Têm experiência no setor, pois o transmissor solar funciona na quinta dimensão. Vamos falar com eles, Artosos. Artosos estava de acordo. — Vamos seguir em direção ao planeta dos maahks. Enquanto isso o senhor tomará as providências necessárias para evitar que os prisioneiros acordem. Também providencie a alimentação artificial e um suprimento abundante de ar respirável. Será que convém tirar seus trajes espaciais? — Acho que não devemos fazer isso. A única coisa que teremos de fazer é providenciar para que não haja nenhuma reserva nos tanques de ar. Dessa forma seria inútil tentar a fuga, pois não saberiam para onde saltar. — De onde vieram? Kentares não conhecia a resposta a esta pergunta. Artosos voltou à sala de comando e informou as outras naves. Houve a mudança de rota, e o pequeno grupo de naves voltou a atravessar a concentração de estrelas, seguindo em direção a Meta, um planeta com atmosfera venenosa e novos habitantes, que estavam dispostos a construir uma nova civilização. Kentares colocou Ras, Tako e Gucky em estado narcótico profundo e pôs-se a examiná-los. Constatou que os terranos e o rato-castor estavam totalmente exaustos. A única coisa de que precisavam para recuperar-se era descanso. Não descobriu como tinham parado no centro da Via Láctea sem uma nave. Depois de algumas horas de vôo pelo semi-espaço o planeta Meta foi avistado. A primeira coisa que apareceu na tela do cruzador aconense foi o sol vermelho-escuro. Os maahks provaram que não tinham se mantido inativos nos últimos oito dias. Quando ainda se encontrava a alguns minutos-luz de distância, Artosos captou um sinal de advertência. Identificou-se e imediatamente obteve permissão de pousar. Como temia os metanitas por natureza e só os reconhecia como aliados por uma questão de necessidade, mandou que suas naves ficassem de prontidão. Se houvesse qualquer sinal de perigo, as mesmas atacariam Meta com todas as armas de que dispunham. Artoso pousou com sua nave. No início não tinha a menor intenção de entregar seus preciosos prisioneiros aos maahks. Só queria que estes lhe dessem um conselho de como impedir a fuga de um teleportador. A narcose profunda era um meio pouco seguro, que só agia por pouco tempo. Se quisesse que os prisioneiros lhe revelassem alguma coisa, os mesmos não poderiam ser mantidos para todo o sempre em estado de inconsciência. Artosos só queria que os maahks lhe dessem um conselho.

Expôs sua pretensão ao comandante da nova colônia. Ficou surpreso ao notar que os maahks não se mostraram nem um pouco espantados com a existência dos teleportadores. — Os terranos são humanóides, da mesma forma que nossos inimigos tradicionais, os arcônidas. Sempre houve teleportadores entre eles, mas é provável que antigamente não reconhecessem seu talento ou não soubessem usá-lo. Não sabemos, mas acreditamos que tenha sido assim. Neste meio-tempo, além das mercadorias prometidas, o Sistema Azul nos enviou dados históricos, que permitiram um estudo da evolução dos terranos. Ficamos sabendo que os mesmos mantêm há alguns séculos um exército de mutantes. Estes seres são considerados imortais. Entre eles existem teleportadores. Se quisessem dar-nos a oportunidade de examinar os três prisioneiros, nós lhes ficaríamos muito gratos. — Tive a intenção de levá-los ao meu sistema de origem, para... — O senhor nunca conseguirá. Apesar do estado narcótico em que foram colocados, seus prisioneiros acabariam fugindo. Não se esqueça de que qualquer vôo a velocidade superiores à da luz é realizado na quinta dimensão. Os teleportadores acabarão acordando e fugirão. — Durante a viagem para cá não acordaram. — Foi por causa da estafa. Assim que se recuperarem um pouco, até mesmo a narcose será inútil. Só existem duas maneiras de impedir sua fuga. O senhor poderá voar ao seu sistema à velocidade da luz, ou então deixa os prisioneiros entregues aos nossos cuidados. Artosos pediu tempo para refletir e voltou à sua nave, onde discutiu o assunto com Rentares. — O maahk tem razão, Artosos — disse o cientista. — Posso imaginar perfeitamente que uma narcose que se torna eficaz em nosso conjunto espácio-temporal seja neutralizada se os teleportadores forem colocados num meio diferente, com o qual estejam mais familiarizados que nós. Se ainda não fugiram, devemos isso exclusivamente ao fato de se encontrarem num estado de inconsciência natural. — Quer dizer que não nos resta outra alternativa senão entregar os prisioneiros aos maahks? — Seria o único meio de evitar sua fuga, isso se os maahks estiverem em condições de segurá-los. — Era o que eu desejava saber. Queria que o senhor me dissesse se realmente não temos outra alternativa. — Não temos. Artosos voltou a sair da nave. Viu com seus próprios olhos as modificações que tinha havido no planeta vazio e sem vida. Usinas gigantescas tinham surgido à luz do sol vermelho, cúpulas enormes e edifícios de um só andar. Os geradores que iriam alimentar os campos defensivos estavam em construção. Tal qual acontecia no Sistema Azul, também aqui o planeta ficaria envolto num campo energético, que impediria o pouso de qualquer visitante indesejável. Para o maahk a decisão que Artosos lhe comunicou parecia perfeitamente natural. — Faremos o possível para descobrir tudo a respeito dos teleportadores e de sua missão secreta. A propósito. As pesquisas que realizamos mostraram que a destruição da Fortaleza que era nosso mundo artificial só pode ter sido obra de um teleportador. Por isso ficamos-lhes imensamente gratos pela entrega dos prisioneiros. Artosos compreendeu. De repente estava compreendendo tudo.

Odiava os terranos até o fundo da alma, mas começou a ter pena de Ras, Tako e também do rato-castor. Se não estivesse pensando na conservação de sua raça, até poderia sentir-se tentado a recusar a entrega dos prisioneiros. Mas na situação em que se encontrava resolveu apenas retardar a entrega. — O que vai fazer com eles? — perguntou. A informação foi dada prontamente. — Possuímos aparelhos que emitem campos de interferência na quinta dimensão. Todas as faculdades parapsíquicas processam-se nesta dimensão. Elas são neutralizadas assim que os indivíduos ficam submetidos à influência dos campos de interferência. A neutralização das faculdades persiste, mesmo que eles estejam plenamente conscientes. Nós não somos afetados por estes campos. Artosos digeriu a informação e fez outra pergunta. — Será que um dia vocês estarão em condições de comunicar-nos o segredo sobre a produção desses campos de interferência? Travamos uma luta eterna com os terranos e os mutantes. Se pudéssemos pôr estes fora de ação, talvez fosse possível encerrar a luta com um resultado favorável a vocês e a nós. A resposta do maahk foi bastante cautelosa. — Não cabe a mim decidir isso, mas tenho certeza de que nosso Conselho Supremo poderia mostrar-se disposto a dar-lhes todo o apoio. Artosos teve de contentar-se com esta resposta. Os três prisioneiros foram entregues aos maahks antes que recuperassem os sentidos. Artosos partiu novamente para o espaço. Sentiu certa aflição ao lançar mais um olhar para as novas instalações dos maahks. Se eles tinham feito tudo isso numa semana, do que não seriam capazes num ano? Fazia votos de que agira acertadamente ao ajudar os desconhecidos.

3 Por estranho que pudesse parecer, Gucky foi o primeiro a acordar. A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi que estava sem o traje espacial. Estava deitado numa cama larga e olhava para um teto abaulado de metal brilhante. O mesmo tinha cerca de trinta metros de diâmetro e descia até três metros acima do chão. A parede redonda era transparente, e o chão também era de metal. Gucky ergueu o corpo. Ras e Tako estavam deitados em outras camas. Continuavam inconscientes. Também estavam sem os trajes espaciais. O ar no interior do recinto abobadado era puro e fresco, sem ser frio demais. Era perfeitamente respirável. Olhando através da parede redonda, Gucky viu a superfície de um planeta habitado. Instalações gigantescas dominavam o panorama. Viam-se figuras que andavam apressadamente de um lado para outro. Eram mais altas e compactas que as dos humanos. Gucky não demorou a reconhecê-las. Eram metanitas. Tinham caído nas mãos dos metanitas. A idéia foi tão apavorante que Gucky voltou a cair na cama. Teve de fazer um grande esforço para reprimir o tremor que começava a sacudir seu corpo. Sentiu-se dominado pelo pânico. Sem dúvida os maahks sabiam quem lhes tinha infligido a derrota decisiva, e naquele momento tinham a possibilidade de vingar-se dos mesmos. Se não acontecesse um milagre, ele, Ras e Tako estariam irremediavelmente perdidos. Tão perdidos como estariam na superfície do planeta escuro. Não tinham feito uma boa troca. Ras fez um movimento e abriu os olhos. Olhou em torno, estupefato, até encontrar o olhar de Gucky. Ergueu-se na cama. — Onde estamos? — assustou-se. — Ficamos sem o traje espacial. A atmosfera é de oxigênio. Meu Deus, Gucky...! Estamos salvos? Gucky sacudiu lentamente a cabeça. — Prepare-se para sofrer um choque, Ras. Dê uma olhada lá fora. Somos prisioneiros dos maahks. Tako também acordou. Só depois de se recuperarem do primeiro choque notaram a estranha transformação que tinha havido com eles. De tão nervosos que estavam, nem haviam percebido. Não usavam trajes espaciais ou capacetes, mas em compensação carregavam outra coisa. Suas cabeças estavam cobertas por grades finas, que lembravam gaiolas de pássaros. As extremidades das grades estavam firmemente ligadas à pele do crânio, mais ou menos na altura das sobrancelhas. Cobriam completamente os cabelos. Gucky tentou remover a grade, cuja finalidade começava a imaginar. Não conseguiu. O adesivo bioquímico era perfeito. O metal ligara-se tão fortemente à pele que só poderia ser afastado por meios cirúrgicos. — O que é isto? — perguntou Tako, apavorado. — Será que você ainda não descobriu? — Gucky olhou para fora. — Dê uma olhada nos maahks. Você acha que eles se deixariam enganar? Sabem muito bem em quem conseguiram pôr as mãos. E tomaram as providências necessárias para que não possamos fugir. Mesmo que não fossem estas grades que cercam nossa cabeça, seria impossível. A atmosfera existente lá fora não deve ser de oxigênio. Se fosse, os maahks

usariam trajes espaciais. Não temos mais os nossos trajes. Se teleportássemos para qualquer lugar que fosse, morreríamos asfixiados. — Se é assim, por que colocaram as grades em nossa cabeça? — Eles não querem assumir nenhum risco, Tako. Afinal, eu os poderia incomodar com a telecinesia. Só me admiro de que não nos tenham matado assim que nos reconheceram. Devem saber que fomos nós que destruímos sua fortaleza. — Devem ter seus motivos. — Aproximou-se da parede de vidro. Um maahk acabara de aproximar-se da mesma e estava olhando para eles. Fez alguns movimentos com os braços tentaculares e saiu correndo. — Daqui a pouco teremos visita. Gucky voltou a sentar. Voltou a passar as mãos pela grade que cobria sua cabeça e soltou um suspiro. — Sinto-me forte e descansado. Pelo menos não nos deixam passar fome. — Vocês não acham que deveríamos verificar se estas malditas grades têm mais alguma finalidade, além de neutralizar nossas capacidades? Gucky cruzou os braços sobre o peito. — Poupem o trabalho, meus caros. Já tentei. — Suspirou. — Nada de teleportação, nada de telecinesia, nada de telepatia. Acabou! Fiquei burro como um coelho. Qualquer animalzinho conseguiria fugir de mim, pois pelo menos sabe correr em ziguezague. Não há nenhuma saída! Pelo menos eu não vejo. — Não vamos morrer asfixiados, o que já é alguma coisa — consolou Tako e também voltou a sentar, depois de ter feito uma caminhada pelo recinto abobadado para examinar as instalações do mesmo. — Também não morreremos de fome. Há conservas nestes armários. São conservas de verdade! Também dispomos de água, e além disso existe um dispositivo de arejamento com regenerador. Sinto-me como se estivesse num zôo. Daqui a pouco os maahks virão aos montes para admirar os animais expostos. — Que venham — resmungou Gucky e virou-se de maneira a ficar com a parte traseira do corpo virada para a parede transparente. — Bom divertimento. Tako e Ras estavam sentados à sua frente. Para eles tornava-se mais difícil conformar-se com a situação. — Devem ser os ocupantes das naves que fugiram e conseguiram escapar à destruição. De acordo com uma mensagem que captamos trata-se de cinco naves. — Tako olhou para fora. — É impossível que os maahks vindos nestas cinco naves tenham construído num tempo tão curto um conjunto tão formidável. Vejo fábricas, gigantescas usinas geradoras e extensos bairros residenciais. Afinal, eles não são feiticeiros. Dê uma olhada no gerador que fica ao lado da abóbada oval. Não está notando nada? Ras olhou na direção indicada. Estreitou os olhos. — Já vi coisa parecida, mas não me lembro bem... — Vou ajudar um pouco, Ras. Há cerca de dois meses aprisionamos um cruzador de patrulhamento, cujos tripulantes conseguiram fugir nas naves salva-vidas. Pudemos examinar o interior de uma delas e encontramos... — Os aconenses! — Ras acenou com a cabeça. — Trata-se de um reator aconense, que de fora difere um pouco dos reatores arcônidas. — Fitou Tako. — Você acha que os aconenses...? Tako fez que sim. — Tenho certeza. Os maahks e os aconenses se juntaram, pois têm um inimigo comum, que somos nós.

— É verdade — confirmou Gucky. — Pelo menos já sei por que Ras acreditava que tivesse encontrado uma das nossas naves. Confundiu o ovo com uma esfera. Os aconenses nos aprisionaram e nos entregaram aos maahks. — Por que fariam uma coisa dessas? — perguntou Tako em tom de incredulidade. — Não faço a menor idéia, mas certamente tiveram seus motivos. Acho que não demoraremos a descobrir. — Gostaria de saber onde estamos — disse Ras. — Que planeta será este? Há um sol vermelho e as estrelas são tantas que continuam visíveis mesmo à luz do dia. Sem dúvida estamos no centro da Galáxia. — Nunca nos interessamos muito pelos mundos de metano. Talvez fosse um erro. — Tako olhou para fora. —Aposto que este planeta não consta nos nossos mapas. Os maahks que fugiram só o podem ter descoberto por um acaso incrível. Talvez os aconenses tenham ajudado. Dali a meia hora viram confirmadas suas suposições. Da cúpula em cujo interior se encontravam viam parte do porto espacial não muito distante. Quatro cargueiros aconenses pesados pousaram no mesmo. Guindastes aproximaram-se dos mesmos, e produziam campos antigravitacionais que facilitavam as operações de descarga. O trabalho era executado por robôs disformes de origem desconhecida. Os maahks limitavam-se a dar ordens e controlar a operação. — São principalmente máquinas — comentou Ras. — Os aconenses estão fornecendo tudo de que os metanitas precisam. Devem ter feito um tratado com eles. — Por que não? Certamente já sabem o que aconteceu e consideram os maahks aliados valiosos na luta contra nós. Ajudam-nos na dificuldade e em compensação exigirão ajuda militar. O potencial de reprodução dos maahks é tão elevado que dentro de algumas décadas surgirá por aqui uma civilização que poderá representar um perigo para nós. Temos de avisar Rhodan. — Como? — gritou Gucky com um gemido. — Como avisá-lo, se ainda não sabemos o que fazer para sair vivos daqui? — Certamente encontraremos um meio. — Ras continuava otimista. — Talvez consigamos fugir, roubando uma das suas naves. — Aqui estamos tão seguros como se estivéssemos numa campânula de escafandro, mil metros abaixo da superfície do oceano — asseverou Tako. — Estamos cercados de todos os lados por uma atmosfera venenosa e não temos trajes espaciais. Se ao menos soubéssemos onde estão os que eles nos tiraram. Gucky espreguiçou-se. — Querem ouvir um conselho de um velho rato-castor? — olhou para eles e viu nos seus rostos um interesse misturado de bondade, ao qual se juntava um pouco de ironia bonachona. — Vamos comer alguma coisa e dormir um pouco. Quando acordarmos, havemos de encontrar um caminho. Tako, dê uma olhada para ver se eles não esqueceram as cenouras. — Quer saber mesmo? Eles deixaram conservas. Afinal, você não pode exigir que eles peçam cenouras da Terra somente para satisfazer você. — Exigir eu posso — disse Gucky em tom compenetrado, para acrescentar com a voz tímida: — Mas eles não tomarão conhecimento da minha exigência. Abriram algumas das excelentes conservas, parte das quais até vinha da Terra. Era um produto terrano de alta qualidade. Comeram com um apetite devorador, beberam a água fresca e deitaram nas camas. No momento em que fechavam os olhos para dar um cochilo, a porta que até então permanecera invisível abriu-se e dois maahks entraram na

sala abobadada. Usavam máscaras de respiração e carregavam uma máquina tradutora de fabricação aconense. — Caramba! — cochichou Gucky, apavorado, embora não fosse a primeira vez que estava vendo um maahk de perto. Que monstros! Deles não podemos esperar nada de bom. Ras e Tako levantaram. Ficaram de pé, aguardando calmamente os gigantescos metanitas. Gucky juntou-se a eles; parecia indignado porque nem permitiam que fizesse a sesta em paz. Os maahks colocaram a tradutora no chão e manipularam a mesma. A máscara encobria quase totalmente sua cabeça. Movimentavam-se com uma estranha leveza, que nem homens na Lua. Só então os três prisioneiros notaram que a gravitação reinante no interior da cúpula era igual à do planeta Terra. O campo de gravitação do planeta devia ser pelo menos duas vezes mais forte. A tradutora transmitiu sons incompreensíveis, antes que as primeiras palavras se fizessem ouvir. — ...entendam, dêem um sinal, para ajustarmos o tráfego em ambos os sentidos em linguagem acústica. Estamos esperando... Ras olhou para Tako e adiantou-se um passo. — Compreendemos o que dizem. O que pretendem fazer conosco? A resposta demorou um pouco. — A comunicação é boa. Qual de você é o mutante que destruiu nossa fortaleza? — Não sabemos nada a respeito de uma fortaleza — mentiu Ras. Não tinha vontade de ser condenado como criminoso de guerra por esses seres estranhos. Nem sabemos como viemos parar aqui. — Vamos colocá-los na frente do aconense Artosos para descobrir a verdade. O aconense os encontrou dentro de sua nave. Vocês teleportaram para lá. Não é verdade? — E se fosse? Isso teria alguma coisa a ver com a fortaleza de vocês? — A Fortaleza foi atacada e destruída por teleportadores. Será que entre os terranos existem tantos teleportadores? Quem é este pequeno ser de cauda achatada e com um dente vegetariano? — Dente vegetariano? — Gucky fitou os metanitas com uma expressão de perplexidade. — Que é isso? Será que vocês não gostam de meu dente? — Estamos apenas fazendo uma constatação. O dente sem par é um sinal de que o ser que o possui só costuma mastigar plantas. Não é verdade? — É verdade, sim! Seria muita gentileza sua se no futuro quisesse considerar este fato. Sou muito especial no que diz respeito à alimentação. O que posso fazer com coxas de camundongos de Deneb IV em molho branco? Um maço de pontas de aspargos ou de cenouras tenras seria... — Quem destruiu a Fortaleza? — perguntou a voz fria da tradutora. — Precisamos saber para que no futuro incidentes desse tipo não aconteçam mais. Sua civilização fora quase completamente destruída, e eles diziam que era um incidente! Tako começou a admirar a vitalidade dos metanitas. Já tivera oportunidade de espantar-se com sua belicosidade. Os maahks eram uma raça notável — e muito perigosa. Fez um sinal para que Gucky procurasse manter-se em silêncio. — Não podemos contar como e por quem foi destruída a Fortaleza — disse. — Certamente foi um ato de legítima defesa, que vocês também deveriam encarar dessa forma. Quando saberemos o que pretendem fazer conosco e por que nos mantêm presos? — Vocês são teleportadores, não são? Não adiantava negar isso.

— É verdade — confessou Tako, na esperança de melhorar sua situação. Não imaginava que os maahks praticamente não conheciam sentimentos, inclusive o da gratidão. Só conheciam seus objetivos e os atos que conduziam aos mesmos. — Somos teleportadores, mas vocês fizeram com que não fôssemos mais. — Nossa tecnologia só abrange o espaço de três dimensões e o fator tempo. Mas às vezes, quando achamos adequado, também pensamos em termos de cinco dimensões. Vocês estão reduzidos à impotência. Se não fossem os aconenses, talvez estariam mortos. “É isso mesmo”, pensou Tako. — Quem sabe — disse em voz alta. — Antes de respondermos a qualquer pergunta, queremos saber o que pretendem fazer conosco. Além disso estamos interessados em saber o que estão fazendo neste planeta, que há pouco ainda era desabitado. — Este planeta pertence ao império dos aconenses, que nos concederam asilo. Não podemos voltar ao lugar do qual viemos. Saímos à procura de um mundo novo, e sentimo-nos felizes por tê-lo encontrado. Os aconenses são bastante generosos para ajudar-nos. A cúpula em cujo interior vocês se encontram também é um produto de sua tecnologia. Um dia fará parte de uma instalação gigantesca, destinada a modificar o clima deste planeta. O sol está perdendo a força. Temos de providenciar alguma coisa para substituí-lo antes que seja tarde. Mais tarde — vocês podem saber disso, pois não estarão em condições de fazer nada com esse conhecimento — lançaremos daqui o golpe mortal contra sua raça. — É o que vocês pensam! — cochichou Gucky em voz tão baixa que suas palavras não foram captadas e transmitidas pela tradutora. — Vamos entornar seu caldo. — Fique quieto, Gucky — advertiu Tako. Voltou a dirigir-se aos maahks, cuja franqueza os deixava estupefatos. — O que pretendem fazer conosco? — Poderíamos matá-los, mas isso não tem pressa. Sempre nos interessamos pelas faculdades de certas raças, especialmente pelas dos mutantes. Soubemos que vocês pertencem ao Exército de Mutantes dos terranos. Vamos descobrir se não há um meio de adquirirmos esta capacidade. “Quer dizer que serviremos de cobaias”, pensou Tako que apesar de tudo se sentiu aliviado. Antes isso que serem mortos imediatamente. — Que gente grossa! Quer dizer que querem desmontar-nos? Que belas perspectivas. Havia uma ruga vertical na testa de Ras. — Que coisa estranha! Vieram para pedir que respondêssemos a algumas perguntas. Vocês não notaram que depois de algum tempo não nos perguntaram nada? De repente tiveram muita pressa em deixar-nos sós. Será que descobriram aquilo que queriam saber sem que déssemos respostas às suas perguntas? — Você acha que são telepatas? — Gucky sacudiu a cabeça. — Sinto muito, mas tenho que decepcioná-lo. Descobri logo que não são telepatas. Também não sei por que foram embora. Mas de qualquer maneira fico satisfeito com isso. Alguns maahks apareceram do lado de fora, perto da cúpula. Aproximaram-se e ficaram parados junto às paredes transparentes. Olhavam com uma expressão de curiosidade para os prisioneiros. — Está começando — disse Tako. — São os cientistas que começam a estudar-nos. Pois que se divirtam. — Deitou na cama. — Vou dormir e não permitirei que nada me perturbe. Que olhem enquanto tiverem vontade. Logo se acostumaram aos expectadores e ignoraram sua presença.

Mas Gucky não pôde deixar de mostrar-lhes a língua. Isso provocou uma discussão violenta entre os metanitas, que pareciam interessados em descobrir o sentido desse gesto estranho. Ao que parecia, estava havendo fortes divergências entre eles. Dali a pouco esqueceram os prisioneiros e saíram andando, absortos em suas palestras. Ras, Tako e Gucky já tinham adormecido. Lá fora o sol descia para a linha do horizonte e mergulhou num oceano vermelho formado pelos gases venenosos de metano e amoníaco que compunha a atmosfera do planeta. Era a noite que estava começando.

4 No meio da noite Gucky foi despertado por um ruído. Ficou deitado, imóvel, enquanto seus olhos tentavam romper a escuridão. Levou menos de um minuto para descobrir que não estava tão escuro assim. A luz das estrelas era tão forte que se reconheciam os detalhes dos objetos no interior da cúpula. Além disso o porto espacial estava iluminado. Alguma coisa parecia arrastar-se baixinho. Gucky não soube explicar a origem do ruído. Até parecia alguém tentando serrar as grades de uma prisão. Talvez fosse alguém que quisesse penetrar no recinto em que se encontravam. Gucky ergueu-se cautelosamente. O ruído cessou. Houve um movimento na cama de Tako. — Tako, você está acordado? Gucky cochichou estas palavras, pois não queria assustar o provável intruso nem levá-lo a desistir de sua intenção. Tako suspirou. — Você tem um sono leve, pequenino. — Você ouviu o ruído, Tako? Tako voltou a suspirar. — Fui eu. Durma sossegado. — Você? — Gucky escorregou para o chão e foi para perto de Tako. — Quero uma explicação. — Sente. Eu quis tentar sozinho. Se não conseguir, pelo menos ninguém mais sofrerá uma decepção. Descobri minha lima de unhas no bolso de meu conjuntouniforme. Certamente os maahks não a viram, ou então não lhe atribuem nenhuma importância. Há uma hora tento serrar as travessas que seguram a grade. — Ah — fez Gucky e acenou com a cabeça. — Foi o que eu imaginei. Já conseguiu alguma coisa? — Pouca coisa, Gucky. O material é duro como diamante. Com esta lima nunca conseguirei. Quem dera que tivéssemos conosco o martelo pontudo que encontramos no planeta escuro. Com ele seria fácil. Gucky pôs instintivamente a mão na grade que cobria sua cabeça. Estava bem firme. A idéia de tirá-la com uma lima não era nada má. Mas faltava o instrumento apropriado. — Nem sequer ficou arranhada — cochichou Tako, que passou a ponta dos dedos pela grade, para verificar o resultado de seu trabalho. — E olhe que já estou limando há uma hora. — Desse jeito não conseguiremos nada. Deve haver outra possibilidade. — Teríamos de encontrar um meio de sair desta cúpula. Gucky apontou para a porta, que ficava no único lugar da parede em que em vez de vidro havia metal. — Ali há uma eclusa. Aposto que nem está trancada. Por que haveria de estar? Sem o traje espacial não podemos fazer nada. Basta respirar uma única vez, inalando o hidrogênio, o amoníaco e o metano, e estaremos liquidados. — Onde será que eles levaram nossos trajes?

— Mesmo que soubéssemos, isso não adiantaria nada enquanto não pudéssemos teleportar. Sem teleportar não conseguiríamos aproximar-nos dos trajes. Como vê, estamos num círculo vicioso que não tem começo nem fim. Tako voltou a deitar na cama. — Está fazendo calor. Seria bom se a gente pudesse ao menos abrir uma janela. — Eu gostaria de ter seu senso de humor — resmungou Gucky, contrariado. — Abra uma janela — e pronto! Meus pulmões não apreciam o metano e o amoníaco. Ras, que continuava deitado na cama ao lado, fez um movimento. — O que estão fazendo? Por que acordaram? — Estamos contando piadas — respondeu Gucky em tom sarcástico. — Será que você tem uma guardada? — Você conhece a história do canguru que perdeu o filhote e enfiou um rato-castor na bolsa, para... — Gostaria de saber por que os homens vivem contando essas piadas estúpidas de rato-castor e ainda conseguem rir das mesmas — interrompeu Gucky, zangado, pois já conhecia a piada. — As piadas sobre os terranos são muito mais engraçadas. — Por enquanto não acho nada engraçado — observou Tako. — Não consigo compreender como conseguem esquecer a situação em que nos encontramos, por um instante que seja. Estou quebrando a cabeça para encontrar um meio de livrar vocês... Não dá para compreender! — Tirar a grade? — repetiu Ras, espantado. Explicaram as tentativas que Tako acabara de fazer. Ras pôs a mão na cabeça. — Tenho a impressão de que as travessas que prendem a grade foram soldadas nos ossos do crânio. Nunca mais conseguiremos livrar-nos delas. — Pois eu não tenho ossos desse lado do crânio — disse Gucky de repente e sentou na cama. O tom de sua voz exprimia surpresa e alegria ao mesmo tempo. — Pelo que dizem os médicos de vocês, nem possuo propriamente um esqueleto no crânio, apenas algumas cartilagens. Será que isso faz alguma diferença? — Hum — fez Ras e olhou para Gucky como se o visse pela primeira vez. — Quer dizer que você tem cartilagens! É claro que isso faz uma diferença, mas não vejo que relação isso pode ter com as grades colocadas sobre nossas cabeças. Será que você acha...? — Por enquanto não acho nada. Você diz que tem a impressão de que as travessas que seguram a grade foram soldadas aos ossos de seu crânio. Diante disso fiz uma constatação: não possuo ossos. Fiquem quietos um instante, pois preciso combinar os fatos. — Não sei o que há para combinar — observou Ras. Gucky não deu resposta. Segurou cautelosamente a grade e tentou movê-la. E a grade realmente se moveu, dando a impressão de que não estava bem firme. Há pouco não se movera. Gucky tentou de novo e começou a transpirar de tão nervoso que ficou. Grossos pingos de suor desciam por sua testa e cobriam o rosto. — O suor! — cochichou Gucky em tom nervoso. — Só pode ser isto. O suor! Solta os suportes. Processo bioquímico uma ova! Não se lembraram de que às vezes suamos. Ras e Tako também tentaram, mas a grade não se moveu. — Quer dizer que isto tem mesmo alguma ligação com as cartilagens — Conjeturou Gucky, sem dar maior realce à satisfação que isso lhe provocava. — Vivo dizendo que me sinto muito satisfeito por não ser um terrano.

Ras abandonou as tentativas vãs que estivera fazendo. — Sei perfeitamente que existem certas diferenças anatômicas entre um rato-castor e um ser humano. Os maahks não se lembraram desse detalhe. Talvez tiveram de apressar-se para concluir a operação antes que acordássemos. Que houve, Gucky? Não consegue tirar a grade? — Calma, Ras. O que é bom demora. — Quem lhe ensinou isso foi Bell! — gemeu Ras. — Ele sempre tem um montão de provérbios em estoque. Tako também tentara novamente mover sua grade, mas acabou desistindo. O argumento ligado à cartilagem que Gucky acabara de expor parecia bastante convincente. Se o rato-castor realmente encontrasse um meio de tirar a grade, isso representaria um progresso com o qual não contavam. Talvez até representasse a salvação. Gucky apalpou com seus dedos sensíveis os lugares da cabeça em que fora colocado adesivo. Sentiu que as pontas espessas das travessas começavam a soltar-se. Não entravam embaixo da pele, mas pareciam fortemente ligadas à superfície. Ao menos até alguns minutos atrás. O suor — foi a única explicação que Gucky encontrou — dissolveu o elemento bioquímico de ligação. Mas por que isso acontecia somente com ele, e não com Ras e Tako? Mais tarde teria tempo para refletir sobre isso. O que importava no momento era que podia afastar a grade e recuperar suas faculdades. A grade soltou-se primeiro na têmpora esquerda. Depois na direita. Ras e Tako ajudaram-no a soltar os dois pontos de solda na parte posterior do crânio. Depois tiraram cautelosamente a grade. O que ficou para trás foram algumas manchas vermelhas na pele de Gucky, que lembravam certas partes do corpo dos babuínos. — Como é? — perguntou Ras em tom impaciente. — Você é capaz de teleportar ou ler pensamentos? Recuperou suas faculdades? Gucky fitou Ras e sorriu. — Não seja tão desconfiado. Ora veja! Está pensando naquele martelo pontudo. E neste momento acha que não é nada bom a gente não poder pensar o que quer sem que um danado de um telepata descubra tudo. Como vêem, a coisa está funcionando de novo. — Excelente! — disse Tako em tom alegre, enquanto Ras parecia perplexo. — Quer dizer que a teleportação também funciona? Gucky sacudiu a cabeça. — Devagar, Tako. Não vamos precipitar as coisas. Se os maahks perceberem que suas grades não adiantam talvez nos matem para não assumir nenhum risco. Coloquem minha grade. Procurem firmá-la provisoriamente. Deve haver um meio. Houve um meio. Gucky seria obrigado a só fazer movimentos lentos e manter a cabeça reta e bem quieta para evitar que a grade escorregasse, mas quem não olhasse muito bem pensaria que tudo continuava como antes. Só agora o rato-castor parecia tranqüilo. Depois que se recuperara dos dias terríveis passados no espaço, sua autoconfiança voltara a subir. — Talvez fosse conveniente aproveitar a noite — sugeriu Tako. — Também acho — confirmou Ras. Os dois homens estavam deitados novamente em suas camas. Já haviam abandonado as tentativas inúteis de soltar as grades. Também estavam suando, mas nem por isso conseguiram soltar as grades. Estavam tão firmes que parecia que tinham sido soldadas à pele e aos ossos.

— Parece que a vigilância não é muito rigorosa — disse Gucky. — Mas para onde poderia teleportar se estou sem traje espacial? Onde quer que rematerializasse, não encontraria ar respirável e morreria asfixiado. — Prenda a respiração — sugeriu Ras. — Por quanto tempo você consegue prender a respiração? — perguntou Tako, que não se lembrou de uma solução melhor. — É possível que alguns segundos bastem para que você possa orientar-se. Você soltaria de volta para cá, voltaria a abastecer seus pulmões de ar e daria um salto bem orientado. Depois de algum tempo seria capaz de encontrar o lugar que desejasse. Se conseguisse descobrir um único traje espacial, teríamos avançado um bom pedaço. — Como devem saber, sou um mergulhador famoso — disse Gucky em tom orgulhoso. — No ano passado encerrei a competição dos ratos-castores no lago de Goshun. Fiquei tanto tempo embaixo da água que todos pensaram que tivesse morrido afogado. Acho que agüentei dois minutos. — Dois minutos são um bom tempo — reconheceu Ras em tom de elogio, esforçando-se para disfarçar as dúvidas que lhe vieram à mente. Mas ele se esquecera de que Gucky recuperara a capacidade de ler pensamentos. — Seu cabeça de repolho! — gritou o rato-castor. — Se não preciso fazer nenhum movimento, até agüento três minutos. Acontece que a teleportação é cansativa. Diria que sou capaz de agüentar um minuto. — É quanto basta — disse Tako em tom otimista. — Em um minuto você consegue muita coisa, muita coisa mesmo. — E a gravitação? — observou Gucky. — Ela poderá causar-me problemas. — Não custa experimentar. Mas tenha cuidado! — Tako sentou na cama. — Garanto-lhe que eu seria o primeiro a retê-lo aqui e nunca permitiria que você enfrentasse um perigo destes, se não fosse a única possibilidade de salvação. Não existe outro meio. Se ficarmos inativos, acabaremos sendo mortos pelos maahks. São nossos inimigos mortais e sabem que fomos nós que destruímos sua fortaleza. Se perceberem que você soltou a grade estaremos todos perdidos, Gucky. — Terei cuidado — prometeu Gucky. Levantou-se e ficou caminhando de um lado para outro no interior da cúpula, dando a impressão de que queria criar coragem. — Só fico me perguntando para onde deverei saltar. Um lugar é tão bom quanto o outro. O que farei se for descoberto por um maahk? — Isso não deve acontecer! — Tako levantou o dedo num gesto de advertência. — Você não pode encontrar-se com ninguém. Entendido? Nossos trajes só podem estar guardados em um dos seus laboratórios de pesquisas. Certamente serão examinados. — Tako dirigiu-se à parede transparente. — Está vendo aquele edifício baixo perto do porto espacial? Há grades nas janelas. As caixas que estão empilhadas junto à entrada vieram de Ácon. Conheço este tipo de embalagem. Digo mais. Sinto-me inclinado a afirmar que vêm de centros de pesquisas aconenses. Se fosse você, Gucky, daria primeiro uma olhada nesse edifício baixo. — É indiferente onde começo. O que importa é que consiga agüentar a respiração. — Tenha cuidado — voltou a advertir Tako. Gucky acenou com a cabeça e aproximou-se da parede. Do lado de fora era claro como uma noite de lua cheia, um pouco mais claro que no planeta escuro em que tinham estado. Além disso havia os holofotes que iluminavam o campo de pouso. Anda havia quatro naves cargueiras estacionadas no mesmo. Bem ao lado das mesmas Gucky viu uma das naves negras nas quais os maahks tinham fugido do incêndio atômico que estava

devorando a Fortaleza. Não estavam trabalhando no porto espacial. Alguns robôs faziam o patrulhamento entre os edifícios abandonados. Não se via nenhum maahk. Gucky concentrou-se no ponto de destino, respirou profundamente, segurou o ar nos pulmões — e desmaterializou. No mesmo instante teve a impressão de que uma mão invisível queria esmagá-lo e expelia o ar dos pulmões. Sem querer, caiu de joelhos e apoiou-se sobre as mãos. Olhou em torno, para examinar o ambiente. Conseguiu, pois havia uma lâmpada acesa no teto. Estava numa sala enorme, repleta de instrumentos de todos os tipos. Havia prateleiras junto às paredes e viam-se objetos desconhecidos sobre as mesas baixas. Caixas fechadas impediam a passagem. Tudo isso transmitia a impressão de uma confusão tremenda, como numa mudança. Gucky só teve cinco segundos. Não agüentou mais. Teleportou de volta para a segurança da cúpula. Ras fitou-o com uma expressão de espanto e olhou para o relógio. — Cinco segundos, meu chapa. Você não disse que agüentaria dois minutos? Gucky aspirou gulosamente o ar e deixou-se cair na cama. — Foi a gravitação. Dois gravos e meio. Quase me esmagou. Da próxima vez tentarei neutralizá-la por meio da telecinesia, ao menos em parte. Assim agüentarei por mais tempo. Você tem razão, Tako. Aquilo deve ser uma coisa ligada às ciências. Mas está tudo numa confusão tremenda. Como poderei encontrar alguma coisa no meio daquilo? Além disso não tenho a impressão de que nossos trajes estejam lá. — Em algum lugar devem estar. Não podemos esperar encontrá-los na primeira tentativa. Gucky voltou a concentrar-se e saltou. Já estava prevenido. Assim que rematerializou no ambiente estranho, usou suas forças telecinéticas para compensar a gravitação. Desprendeu-se ligeiramente do solo — foi demais. Reduziu a ação um pouco até ficar novamente sobre os pés. A única coisa que continuava a incomodá-lo era a pressão do ar muito elevada. Viu a cúpula em sua mente. Poderia saltar de volta para lá a qualquer momento, sem que tivesse de concentrar-se. Passou por cima de caixas e peças de máquinas e chegou a outra sala. Por ali as coisas não eram muito melhores que na primeira sala, mas ao menos podia-se reconhecer a finalidade das instalações. Tratava-se de um centro de distribuição de energia. Gucky ainda conseguiu fazer uma inspeção ligeira da terceira sala antes que a falta de ar o obrigasse a voltar à cúpula. — Já melhorou um pouco — disse Ras em tom de elogio. Naquele momento não tinha mais nem um pouco de sono. — Falar é fácil — fungou Gucky, indignado. — Fica deitado sem fazer nada e critica a gente. Tire essa gaiola da cabeça e dê uma mão. Ras mostrou um sorriso bonachão. — Então? — perguntou Tako. Gucky sentou. — Não vi muita coisa. Parece que isso aí é uma usina energética, mas pouco importa. Estamos tão impotentes como estávamos há algumas horas. O principal é que ninguém descubra. Basta que nos fechem o ar, e será o fim. Isso ainda acabará me deixando louco. Há dias vivemos dizendo uma coisa: Ar. Quando tiver voltado à Terra, lembrarei toda vez que respirar como o ar é importante. — Você pelo menos poderia levar um de nós — sugeriu Tako.

— Não adianta, por causa da gravitação. Nada feito, amigos. Sou o mais competente de nós três. Tomara que você não demore a reconhecer isto, Ras! — Naturalmente — resmungou o africano em tom generoso. — Você é o maior, tal qual foi o bendito Mohamed Ali! — Do ponto de vista espiritual, sim — disse Gucky, satisfeito. — Bem, já estou recuperado. Lá vou eu! Com quatro teleportações examinou a parte inferior do edifício. Realmente agüentava nada menos de dois minutos sem enfrentar dificuldades. Os andares de cima estavam vazios. O próximo alvo foi um edifício redondo, cuja cobertura abobadada brilhante lembrava a prisão em que se encontravam. Materializou no centro de um grande pavilhão. Percebeu à primeira vista que aquilo devia ser uma espécie de depósito. Caixas gigantescas cobriam as paredes quase até o teto. O letreiro das caixas era aconense. Gucky teve de fazer um grande esforço para decifrar a designação de alguns tipos de máquinas, que certamente seriam empregadas em pesquisas. Algumas peças que já tinham sido retiradas das caixas confirmaram esta hipótese. Na construção em cujo interior se encontrava surgiria o centro de pesquisas dos maahks. Deu mais um salto e encontrou algumas salas secundárias situadas na mesma altura. Algumas delas já tinham sido instaladas. Descobriu um laboratório químico, um centro de pesquisas físicas e uma divisão biológica. Um dos trajes espaciais estava pendurado numa parede da seção de física. Gucky saltou para junto de Ras e Tako para respirar. Voltou ao laboratório físico sem responder às perguntas dos mesmos. O traje espacial estava inutilizado. Fora desmontado, para estudo das diversas peças. O tecido fora cortado e a blindagem metálica extremamente fina tinha sido aberta a maçarico. Os tanques de oxigênio tinham sido desmanchados, da mesma forma que o regenerador. Mas os equipamentos e as armas estavam intactos, guardados numa mesa. A primeira coisa que Gucky viu foi o estranho martelo pontudo. Sem dúvida os metanitas tinham quebrado a cabeça para descobrir como os terranos conseguiram pôr as mãos num material tão estranho. Certamente pretendiam analisar o material. “Que azar”, pensou Gucky, e teleportou de volta para a cúpula com o martelo pontudo em uma das mãos e uma pequena pistola energética na outra. — Vi o traje de Tako — informou, enquanto sentava na cama, exausto. Mas só consegui recuperar isto. Não é muita coisa, mas deve dar para vocês se livrarem das grades. Se necessário, a pistola energética servirá para matar um maahk. Ficarei com ela. — Vai sair de novo? — a voz de Tako parecia preocupada. — Acho que já conseguimos bastante para um dia. — É possível que amanhã não haja mais tempo. — Gucky dirigiu-se à parede transparente e olhou para o céu estrelado. — Daqui a pouco vai amanhecer, e então voltarão para cuidar de nós. — Mesmo que você encontrasse os outros trajes, isso não adiantaria nada. Um de nós teria de ficar aqui, pois ficaria sem ar respirável. Gucky fez um gesto de pouco caso. — Por enquanto não estou preocupado com isso. Bem que eu gostaria de encontrar os outros trajes. Enquanto isso vocês poderão livrar-se das grades que cobrem suas cabeças. Depois disso verifiquem o suprimento de oxigênio da abóbada em que nos encontramos. Se encontrar os trajes, quero encher os tanques. Preparem água e alimentos. Pode ser que tenhamos de sair de uma hora para outra deste lugar hospitaleiro.

— Para onde iremos? — perguntou Ras em tom de curiosidade. Ras não obteve resposta, pois Gucky já tinha desaparecido. Desta vez tentou sua sorte nas outras salas da construção abobadada que servia de centro de pesquisa. Quando materializou, encontrava-se a menos de três metros de um maahk que estava de costas para ele. Ficou tão assustado que no início não esboçou nenhuma reação. Prendeu a respiração e ficou parado. Seu coraçãozinho quase saltou pela boca quando viu o corpo enorme do ser medonho, cujos antepassados quase tinham chegado a conquistar a Galáxia 10.000 anos atrás. O ser que respirava metano virou-se lentamente, como se desconfiasse que havia um perigo atrás das suas costas. Gucky não sabia muito bem o que o monstro estava fazendo ali. Até então não se encontrara com nenhum maahk. Parecia que dormiam de noite, deixando o serviço de vigilância a cargo de seus robôs. Talvez fosse um cientista que estava trabalhando num projeto importante. Gucky não conseguiu identificar qualquer expressão no rosto em meia-lua, mas o movimento que o maahk fez com a mão não dava margem a dúvidas. Gucky viu o maahk mover a mão para o lado, para o lugar em que havia um bastão prateado guardado num recipiente estreito. Gucky não teve alternativa. Teria de fazer aquilo que deveria ter feito desde o início. Teria de matar o maahk. Não poderia haver testemunhas do fato de que os prisioneiros tinham recuperado a capacidade de teleportar. Se isso acontecesse, estariam perdidos. Era o maahk ou eles...! A escolha não foi difícil, ainda mais quando o metanita pôs a mão na arma. Gucky deu um salto para trás, levantou a pistola energética e fez pontaria. Um raio muito fino saiu do cano da arma e encontrou o alvo. O ser que respirava hidrogênio caiu ao chão e permaneceu imóvel. Gucky gostaria de respirar aliviado, mas infelizmente isso não era possível. Só tinha ar para mais um minuto, que pretendia aproveitar muito bem. A primeira coisa que fez foi pegar o bastão prateado do maahk. Depois correu para a sala vizinha, mas não encontrou os trajes que estava procurando. Se ao menos encontrasse esses trajes teria maior liberdade de movimentos e poderia procurar calmamente um caminho de fogo. Teleportou de volta para a cúpula. Tako estava trabalhando com o martelo pontudo na grade que Ras trazia na cabeça. Não parecia muito satisfeito, e tinha seus motivos para isso. O martelo pontudo, que cortara o metal duro do casco de uma espaçonave como se fosse manteiga, teve de entregar os pontos diante da liga desconhecida de que era feita a grade. Não era de admirar que a lima de unhas de Tako nem conseguira arranhar o mesmo. — Então? — perguntou Gucky em tom impaciente. — Nada — respondeu Tako em tom de desânimo. — Este material é muito duro; mais duro que o martelo. Pelo menos tem o mesmo grau de dureza. Tako voltou ao seu lugar. — Alguma novidade, Gucky? — Um maahk atravessou-se no meu caminho. Tive de matá-lo. Não havia outra alternativa.

— Ninguém o está acusando por isso. Tomara que os outros não pensem que possamos ter sido nós. Deixou alguma pista? — Acho que não. Voltarei a colocar em caráter provisório a grade na cabeça, para que não desconfiem. Daqui a pouco vai nascer o sol. Façamos votos de que os maahks ainda estejam bastante ocupados para nos deixarem em paz. Amanhã veremos o resto. Tako não parecia muito confiante. — Se é que amanhã ainda teremos oportunidade para isso. De qualquer maneira, você tem razão. Sozinho não pode fazer muito. Ainda mais se não tivermos tempo. Vamos esperar para ver o que nos trará o dia que está para nascer. Deitaram nas camas. *** Lá fora estava nascendo o sol vermelho. Algumas horas mais tarde, quando o sol já ia alto no céu, Tako, que já tinha levantado e estava parado junto à parede de vidro, informou que várias espaçonaves tinham pousado. Ras também estava acordado. Levantou sem fazer barulho, para não acordar Gucky, e foi para perto de Tako, que estava parado no lugar em que a visão para o campo de pouso era melhor. — São aconenses — disse Ras. — Tenho certeza de que não se trata de naves cargueiras. — São naves de guerra! — observou Tako. — Se não estou muito enganado. — É uma visita amistosa que os aconenses fazem ao novo planeta dos maahks — confirmou Ras. — Que surpresa! — Não deve ser uma surpresa muito grande. Não fale tão alto, Ras. Gucky precisa dormir para estar em forma hoje de noite. Não tenho dúvida de que a visita dos aconenses não trará nada de bom para nós. Três naves de guerra pesadas tinham descido na extremidade do campo de pouso. As escotilhas estavam bem abertas, e os robôs-operários começaram imediatamente a tirar a carga que as naves tinham trazido. Ras e Tako perceberam à primeira vista que a mesma consistia principalmente em armas. Veículos de carga baixos recolheram torpedos espaciais e foram saindo com os mesmos. Os canhões energéticos desmontados foram montados no local e transportados a outro lugar. Bombas de todos os tipos e calibres foram empilhadas embaixo de coberturas construídas às pressas. — O que será que há nestas caixas? — perguntou Tako. — Aposto que são armas portáteis — conjeturou Ras. — Quer dizer que os aconenses não tem nenhuma dúvida em armar os maahks. Finalmente deixam cair a máscara e mostram seu verdadeiro rosto. No futuro não precisaremos ter mais nenhuma consideração com eles. — Teria sido bom que Rhodan nunca tivesse tido contemplação — disse Ras. Ouviram um ruído vindo de trás. Era Gucky. Estava bocejando. Espreguiçou-se e sentou na cama. — O que há para ver? — perguntou. Levantou-se e chegou perto dos companheiros. — Ora vejam! Naves aconenses! Uma porção delas. Estão com pressa de ajudar seus novos amigos. — Estão trazendo armas e munições — informou Tako. — Quase se poderia ser levado a acreditar que os aconenses e os maahks fizeram uma aliança oficial para lutar contra nós.

— A coisa não é tão oficial assim — disse Gucky e esfregou os olhos. — Afinal, nem contamos mais. Pouco importa que vejamos isso ou não. Para eles estamos praticamente mortos. — Sorriu e exibiu o dente-roedor, num gesto esperançoso. — Acontece que estão muito enganados. Se hoje formos deixados em paz, na próxima noite a coisa será decidida. — Você tem certeza? — parecia que Tako não tinha. — Mesmo que encontre os trajes... — Primeiro, nós conhecemos as naves dos aconenses tão bem quanto as nossas — respondeu Gucky sem deixar que as palavras do companheiro perturbassem seu otimismo. — Além disso eles respiram oxigênio. Portanto, não temos necessidade de procurar os trajes espaciais. Deu para entender? Deu, sim. — É uma excelente idéia. — Tako acenou com a cabeça e sorriu. — Vamos apoderar-nos de uma das naves dos aconenses para fugir na mesma. Tomara que você tenha forças para teleportar conosco. — Quanto a isso não tenha a menor dúvida — garantiu Gucky e ofereceu-lhe o braço direito. — Veja meus músculos. — Infelizmente eles não servem para teleportar — observou Tako para abafar o entusiasmo do companheiro. — Mas acredito que conseguiremos. O mais importante é que ninguém perceba antes da hora que você pode tirar sua grade. Gucky acenou com a cabeça; parecia preocupado. — Para evitar isso, devemos estar preparados para qualquer eventualidade. Vamos discutir nossos planos. — Gucky lançou um olhar pensativo para o porto espacial. — Os maahks estão bastante ocupados. Acho que por enquanto nos deixarão em paz. Nossa vez só chegará quando estiverem convenientemente instalados. Isso poderá demorar alguns dias. De qualquer maneira é melhor prevenir que remediar. — Quando já estavam sentados, Gucky prosseguiu. — Vamos continuar nossa vida como se nada tivesse acontecido. Assim os metanitas não desconfiarão de nada. Certamente quebrarão a cabeça para descobrir quem matou seu companheiro, mas dificilmente as suspeitas recairão em nós. Se isso acontecer e eles resolverem examinar-nos, teleportarei. Diretamente para dentro da nave dos aconenses. Saberei lidar com ela, se não for muito grande. Decolarei imediatamente e pousarei junto a esta cúpula. Vocês saem correndo pela eclusa, e eu os recolho. Depois é só acelerar ao máximo, e lá vamos nós. Ras sacudiu a cabeça. — É fácil, fácil demais, Gucky. É tão fácil que não pode dar certo. — Você tem uma sugestão melhor? — perguntou Gucky. Como Ras não tinha, Tako apresentou uma. — Acho que devemos entrar em ação antes que os maahks desconfiem de qualquer coisa. Dessa forma teremos tempo para preparar-nos. A idéia de usar a nave dos aconenses não é nada má. Eles respiram oxigênio como nós, e o ar respirável ainda é nosso problema mais urgente. Se não tivermos uma nave aconense, nunca conseguiremos sair daqui. Mas quem deve escolher o momento da fuga somos nós, não os maahks. — Você tem toda razão — reconheceu Gucky. — Sem dúvida seria bem melhor que nós tivéssemos a iniciativa. A sugestão que acabo de fazer só se aplica a um caso de emergência. Se nada acontecer durante o dia, agiremos na próxima noite. Acho que de dia é muito arriscado. Ras ergueu-se ligeiramente para enxergar melhor.

— Dois maahks. Vêm em nossa direção. Tomara que não pretendam fazer-nos uma visita. — Receio que sim — disse Gucky e enfiou-se na cama. Cobriu-se e fechou os olhos. — Para todos os efeitos estou dormindo. Ras e Tako ficaram sentados. Em sua opinião não adiantava esconder a cabeça à maneira da avestruz. As armas trazidas por Gucky estavam guardadas em seus bolsos. Os dois metanitas trouxeram a tradutora automática. Colocaram-na no chão e depois de algum tempo um deles perguntou. — Seus nomes são Ras Tschubai, Tako Kakuta e Gucky. Vocês pertencem ao Exército de Mutantes do planeta Terra? Tako confirmou com um gesto. No seu íntimo admirou-se de que os maahks já tivessem descoberto sua identidade. Não esperou muito para saber como. — As informações nos foram fornecidas pelos aconenses. Muitas naves terranas estão à sua procura. Vocês devem ser muito valiosos para eles. Além disso já temos a confirmação de que foram vocês que destruíram nossa fortaleza. — Um dos maahks apontou para Gucky. — O que houve com ele? — Está dormindo; ficou muito cansado — respondeu Tako prontamente. — É pequeno e fraco. — Ouviu-se um grunhido de desaprovação da direção em que estava Gucky. — Se não se cuidar, não passará de hoje. — Mandaremos um dos nossos melhores médicos. As suas vidas não devem correr nenhum perigo. Ainda precisaremos de vocês. — Isso não é necessário — disse Tako, assustado. Se havia uma coisa que eles não queriam era um exame médico. — O pequeno precisa dormir; o sono é o melhor remédio. Um médico não poderia fazer nada por ele. Amanhã poderão falar com ele. — São vocês que sabem. Então não mandaremos o médico. — Seu braço de serpente apontou na direção do porto espacial. — Já viram as naves de nossos aliados? Sabem o que significa isso? — Isso não nos interessa. Somos seus prisioneiros. Vocês fizeram com que não pudéssemos teleportar mais. O que vai acontecer daqui em diante não depende de nós. Mesmo que digam que nossa vida vale muito, um dia nos matarão. Para vocês somos muito perigosos. — É verdade — reconheceu um dos maahks. — Mas antes de morrer vocês nos transmitirão todos os segredos da Terra. Depois disso estaremos em condições de construir uma nova civilização, com o apoio dos aconenses. Dentro de cem ou duzentos anos seremos os donos da Galáxia. Depois disso nem os terranos nem os aconenses representarão um obstáculo para nós. Vamos embora. Voltaremos antes do pôr do sol. Assim que os dois desapareceram, Gucky abriu os olhos. — Devem achar que sou um sujeito fraco — queixou-se. — Será que isso é uma desvantagem? — Ras aproximou-se e sentou na cama. — Isso melhora nossa posição inicial, pois o inimigo nos subestimará. Não achará necessário submeter-nos a uma vigilância especial. Poderemos movimentar-nos mais à vontade, o que será muito importante, especialmente na próxima noite. Você se importa mesmo que os maahks achem que você é fraco se nossa vida depende disso? — Tudo bem — resmungou Gucky, mais tranqüilo. — Não foi isso que eu quis dizer. Abriram algumas conservas e comeram. Depois ficaram conversando, enquanto as naves aconenses continuavam chegando, trazendo mais armas. O dia foi passando numa expectativa martirizante.

A inspeção que fora anunciada terminou e Gucky respirou aliviado. Mais três naves aconenses pousaram no porto espacial. Tratava-se de uma gigantesca nave esférica e de dois veículos espaciais menores. — Já começam a nos fazer concorrência — disse Tako, preocupado. — Esta nave tem quase oitocentos metros de diâmetro, de pólo a pólo. Deve ser um couraçado ou um cargueiro moderno. — Acho mais provável que seja uma nave cargueira — disse Ras. — Pelos meus cálculos deve estar cheia de munição até em cima. Certamente os robôs hoje terão de fazer horas extras. Isso não o perturbará, Gucky? — Dificilmente, Ras. Tomarei cuidado para que ninguém me veja. Saberei lidar com um robô, da mesma forma que soube lidar com um maahk. Dê-me a arma, Tako. O japonês entregou-lhe a pistola energética. — Só a use se for realmente necessário — recomendou. A pequenina arma desapareceu no bolso de Gucky. — Tomara que escureça logo — limitou-se este a dizer.

5 Gucky mantinha-se suspenso, imóvel, dois quilômetros acima do porto espacial do planeta Meta. Fazia muito frio e o rato-castor teve de fazer um grande esforço para prender a respiração. Mas precisava orientar-se antes de escolher um alvo. O número das naves aconenses pousadas no porto espacial era muito maior que as que eles tinham visto da cúpula. Mais trinta naves cargueiras tinham chegado há trinta minutos, e a descarga das mesmas foi iniciada imediatamente. Os comandos de trabalho só se mantiveram afastados da nave de oitocentos metros de diâmetro e dos veículos espaciais menores que tinham vindo em sua companhia. Certamente as mesmas não traziam mercadorias, ou então estas só seriam retiradas no dia seguinte. Talvez fosse um simples acaso, mas era possível que houvesse uma intenção bem definida atrás disso. O terreno estava fortemente iluminado. Em toda parte havia holofotes, que desmanchavam qualquer sombra. Gucky dificilmente poderia deslocar-se entre as naves sem que sua presença fosse notada imediatamente. Saltou de volta para a cúpula. — O que devo fazer? — perguntou depois de respirar fortemente algumas vezes. — Sinto-me tentado pela grande nave esférica. — Nunca conseguiremos pilotar a mesma; é muito grande — objetou Tako. — Ainda não estou pensando em fugir, Tako. Mas certamente há trajes espaciais aconenses nessa nave, e estes poderiam ajudar-nos bastante. Ras sacudiu os punhos. — Sinto-me tão impotente — queixou-se, furioso. — Fico sentado aqui e não posso fazer nada. Um traje espacial seria uma coisa boa, muito boa mesmo! Faça o que lhe parecer mais acertado, Gucky. Não tentarei impedi-lo. Desta vez Gucky materializou no interior da grande espaçonave. Era a primeira vez desde que se encontrava em Meta que podia respirar direito fora da cúpula em que tinham sido presos. O ar no interior da nave aconense era semelhante ao encontrado nas naves terranas. Um corredor largo estendia-se à sua frente. Estava vazio e escassamente iluminado. Gucky tinha tempo; não precisava apressar-se. Poderia ter certeza de não ser descoberto, a não ser que os maahks aparecessem na cúpula. Não temia os aconenses. Desapareceria antes que eles piscassem os olhos. Examinou várias salas. Finalmente descobriu o depósito situado embaixo do centro de artilharia. Era o arsenal! Na verdade, era mais que isso. Os pêlos da nuca de Gucky se eriçaram quando viu a quantidade enorme de bombas atômicas empilhadas nesse depósito. Se fossem detonadas ao mesmo tempo, arrebentariam um planeta. Pelo menos se fossem colocadas numa profundidade suficiente embaixo da crosta superficial. Será que os aconenses pretendiam entregar esse tipo de armamento aos maahks? Só se estivessem doidos, pois deviam ver o perigo que isso representava para eles mesmos. Deviam...

Gucky não conseguiu prosseguir em suas reflexões. Sentiu impulsos mentais. Eram bem nítidos e vinham de um lugar muito próximo. Eram dois aconenses conversando. Deviam encontrar-se no centro de artilharia, pouco acima do lugar em que estava Gucky. Gucky teleportou com todo cuidado. A conversa era tão interessante que precisava ver os dois aconenses. Talvez descobrisse coisas que ainda poderiam revelar-se extremamente importantes. Abaixou-se atrás do suporte de um gerador e reconheceu as sombras de dois homens que estavam parados à frente de uma tela acesa. A superfície abaulada não mostrava nada além de um modelo abstrato de cores. — ...e a posse desta arma representaria a superioridade absoluta sobre os terranos. Por isso a entrega das bombas justifica-se plenamente. Dessa forma os maahks nem precisariam de nosso auxílio. Por que solicitaram o mesmo? — Devem ter seus motivos — disse o outro aconense. — Isso mesmo. Têm seus motivos. Querem que nos sintamos seguros. É isso. — Mas estão dispostos a revelar o segredo do canhão conversor. Gucky quase perdeu o fôlego. O canhão conversor, a arma mais terrível dos seres que respiravam metano. O que havia com esta arma? — Pois então. O canhão conversor. Em compensação receberão nossas bombas. É um negócio limpo. Mas parece ser tão favorável a nós que deve haver algum galho. Gucky teleportou de volta para a cúpula. Já ouvira bastante. — O canhão conversor... — disse Ras assim que Gucky concluiu seu relato. — Seu valor é semelhante ao de um canhão de transformação. Se os maahks realmente entregarem esta arma aos aconenses, teremos muitos aborrecimentos. Precisamos impedir que isso aconteça, custe o que custar. — Como? — perguntou Tako. Parecia chocado. — Acho que tenho um meio — revelou Gucky como quem tem um grande segredo. — Mas para isso preciso do meu traje espacial. Ainda há uma minibomba com mecanismo-relógio no bolso do mesmo. Se pudesse pôr as mãos na mesma, os maahks e os aconenses teriam uma surpresa bem quente antes de darmos o fora daqui. — No fim isso não mudaria quase nada, Gucky. Sempre haverá sobreviventes entre os maahks, que poderão entregar aos aconenses os planos de construção do canhão transformador. De repente Ras parecia bastante animado. — Quer dizer que você pretende fazer o porto espacial ir pelos ares? — Pelos ares não, mas para o metano — retificou Gucky. — Se fizermos explodir a nave grande com as bombas, nada ficará inteiro aqui por perto. Até me sinto inclinado a dizer que não haverá sobreviventes. Reconheço que se trata de uma ação cruel, mas será que alguém tem uma idéia melhor? Ras e Tako entreolharam-se. Preferiram ficar calados. — Pois então! — disse Gucky em tom triunfante. — Ninguém tem! Pois vou sair por aí à procura do meu traje. Estejam preparados. É possível que tenhamos de fugir às pressas. Peguem algumas conservas. Quem sabe lá o que encontraremos na cozinha dos aconenses. Durante o sétimo salto Gucky encontrou os dois trajes espaciais que faltavam. Tirou a microbomba que estava no seu, guardou as duas armas energéticas e teleportou de volta para a cúpula quando o ar guardado nos pulmões já tinha chegado ao fim.

Espalhou os tesouros à frente de Ras e Tako. — E agora? O que dizem? Não acham que nossa situação melhorou bastante? — Você deveria ter trazido meu traje espacial, Gucky. — Para que, Ras? Seria difícil escondê-lo por aqui. Se aparecesse alguém, ele nos trairia. As armas estão em segurança dentro das camas. E daqui a pouco não precisaremos mais do traje espacial. Vou escolher uma nave para nós. Não deve ser muito grande. Estou gostando das pequenas naves auxiliares. Estão equipadas com sistemas de propulsão linear. — O mais importante é a tripulação. Teremos de pô-la fora de ação, e por isso não deve ser muito numerosa. — Tako apontou para as pistolas energéticas. — Com isto estamos em condições de enfrentá-los. — Também acho — reconheceu Gucky e desmaterializou. Não levara a microbomba ou qualquer arma, com exceção da pistola energética. Não queria colocar em andamento certas coisas que mais tarde não pudessem ser detidas. A bomba só deveria ser colocada e o mecanismo de tempo regulado depois que o caminho de fuga estivesse garantido. Quando isso fosse feito, não haveria mais como evitar a detonação. *** A nave auxiliar dos aconenses tinha a forma de uma esfera achatada e não tinha mais de vinte metros de diâmetro na altura do equador. Gucky não sabia por que tinha saído da nave maior. Mas isso não importava. O importante era que a tripulação aconense era muito pequena. Na sala de comando um oficial sonolento estava sentado numa confortável poltrona, sem levar muito a sério sua missão de vigilância. Por que haveria de levar? Nada poderia acontecer. Afinal, os maahks eram aliados dos aconenses e além disso só possuíam cinco espaçonaves. Gucky refletiu por um instante se deveria pôr o oficial fora de ação nesse mesmo instante, mas resolveu que não. Em hipótese alguma deveria precipitar as coisas. Cada passo tinha de ser cuidadosamente planejado. Antes de mais nada teria de verificar se a nave auxiliar realmente representava a melhor possibilidade de fuga, ou se havia outra melhor. Desmaterializou em silêncio e saltou para o corredor estreito que levava para os outros recintos. Não se encontrou com nenhum aconense, o que não era de admirar, já que a nave era dirigida exclusivamente a partir do centro de comando. Quem se apoderasse da mesma controlaria toda a nave. O resto da tripulação estava dormindo em dois camarotes. Era formada por cinco oficiais e tripulantes. Ao menos usavam os respectivos distintivos, com os quais Gucky estava perfeitamente familiarizado. Os três triângulos entrelaçados que se viam na gola do uniforme provavam que a tripulação da nave auxiliar era formada exclusivamente por cientistas. Seria uma delegação cuja tarefa consistia em examinar o canhão transformador no local? Era possível e além disso parecia lógico. Gucky sorriu para si mesmo e prosseguiu em sua ronda de inspeção. Entrara na canoa certa. Sem a cobertura dos cientistas os aconenses não teriam nenhuma possibilidade de compreender o funcionamento da terrível arma. Tão depressa não se familiarizariam com a mesma. Além disso...

— Além disso as coisas nem chegarão a este ponto! — cochichou Gucky, concluindo seu raciocínio. Estava decidido a terminar com isso de uma vez por todas. A raiva que sentia dos aconenses não era menor que a que lhe causavam os maahks. Do ponto de vista puramente psicológico compreendia o procedimento destes últimos. Queriam vingar-se. Mas os aconenses não tinham nenhum motivo para rebelar-se contra a Terra. Pelo contrário. Quando o Grande Império ainda existia, os aconenses se incluíam entre aqueles que mais proveito tinham tirado da colaboração de todas as raças. Havia mantimentos a bordo. Os arsenais estavam repletos de armas portáteis de todos os tipos. O sistema de regeneração de ar estava funcionando perfeitamente. Não havia motivo para escolher outra nave. Teleportou de volta para a cúpula. Assim que o ambiente familiar surgiu do nada e Gucky voltou a enxergar, viu Ras e Tako encostados à parede de vidro, com as mãos levantadas. As camas tinham sido remexidas. Dois maahks os ameaçavam com os bastões prateados, que pareciam muito perigosos. O martelo pontudo e as outras armas estavam espalhadas no chão. Gucky não teve tempo para refletir. Sua reação foi imediata. Não havia tempo para tirar a arma energética do bolso. Gucky recorreu à telecinesia. Antes que os dois maahks soubessem o que estava acontecendo, uma força invisível os atingiu e os arremessou com tamanha violência contra a parede metálica da eclusa de ar que a porta, que certamente era bem robusta, ficou entortada. Gucky soltou os dois. Os monstros caíram de uma altura de dois metros e foram bater no chão duro. Os bastões prateados escaparam-lhes das mãos. Ras e Tako abaixaram-se e pegaram suas armas. Correram em auxílio de Gucky. Um dos maahks achou que ainda não chegava. Ergueu-se sobre os braços e estendeu a mão em direção à arma que acabara de cair-lhe da mão. Ras não teve nenhuma contemplação. O outro maahk estava inconsciente. — Como foi acontecer isso? — perguntou Gucky, continuando de pé. Tako foi até a eclusa e certificou-se de que estava perfeitamente vedada. — Entraram de repente — informou Ras. — De surpresa. Naturalmente não estávamos na cama. Ficamos de pé junto à parede de vidro, observando o movimento do porto espacial. Não os ouvimos chegar; de repente estavam na cúpula. Não trouxeram tradutora e por isso não sabíamos o que queriam. Viram-nos e deram pela sua falta. Como não o encontraram, apontaram suas armas para nós. Mas as coisas talvez não teriam ficado tão ruins se não tivessem encontrado a grade serrada em sua cama. — Isso não lhes serve para mais nada — disse Gucky, apontando para as duas figuras imóveis. — Você matou um deles, enquanto o equipamento de respiração do outro se parece ter quebrado. Morreu sufocado em nossa atmosfera. — Temos de sair daqui — disse Tako, que acabara de voltar da eclusa. — Logo sentirão a falta dos dois e virão para cá. Não poderemos defender-nos por muito tempo. A única coisa que eles têm de fazer é desligar nosso suprimento de ar. — Encontrei um refúgio admirável — revelou Gucky e informou-os sobre a pequena nave auxiliar. — Só há seis aconenses. Saberemos enfrentá-los sem que ninguém perceba. A propósito. Onde está minha bomba? — No lugar em que estão guardados os mantimentos. Lá eles não olharam. — Excelente! — Gucky dirigiu-se ao armário e enfiou no bolso a bomba com um mecanismo de tempo, que não era maior que um punho humano. — Com isto lhes proporcionaremos um fogo de artifício que nem os maahks nem os aconenses viram igual. Pelo menos para muitos deles será uma novidade.

De repente Tako, que se encontrava perto da janela, gritou: — Estão chegando. São doze maahks, todos eles fortemente armados. Estão correndo em nossa direção. Parece que estes dois... — apontou para os metanitas mortos que estavam perto da eclusa — ...tinham rádios consigo. Temos que dar o fora, senão estamos perdidos. Gucky segurou a mão de Tako e Ras. — Que pena! Isto aqui até que era bom. Toda vez que a gente começa a sentir-se à vontade acontece alguma coisa. Segurem-se bem, meus chapas. Gostaria de ver a cara deles quando entrarem aqui e não nos encontrarem mais. Infelizmente não temos mais tempo. Rematerializaram no corredor da nave auxiliar. — Psiu...! — cochichou Gucky e soltou a mão dos amigos. — Não faz mal que os maahks saibam que fugimos, mas não devem descobrir em que direção fomos e que distância percorremos. Logo suspeitarão de que estamos nas naves aconenses, pois é o único lugar ao qual poderíamos ir sem trajes espaciais num mundo como este, que tem uma atmosfera de hidrogênio. Acontece que há mais de cem naves aconenses no porto espacial. Quando terminarem de revistar as mesmas, já teremos concluído nossos preparativos. A sala de comando fica ali adiante. Há um oficial de sentinela; deve ser o piloto. Os cinco tripulantes são todos cientistas. — Onde dormem os cientistas? — perguntou Tako em voz baixa. — Nos dois camarotes. Mas acho que deveríamos cuidar primeiro do oficial que está de vigia... O que houve? Só nesse instante Gucky percebeu que Ras e Tako tinham sentado violentamente no chão. Foram-se levantando bem devagar, ajudando com as mãos. — O que houve? Esta nave está equipada com um neutralizador de gravitação, e o mesmo está ligado. — Mas a gravitação ainda é de pelo menos um gravo e meio — gemeu Tako, cambaleando de uma forma suspeita. — Devo reconhecer que não é muito, mas estamos um pouco destreinados com estas coisas. Passamos a maior parte do tempo na cama, dormindo. Antes disso ficamos quase dez dias no espaço, onde não pesávamos nada. — Já estamos ficando bons — disse Ras. — É só habituar-se ao fato de a gente estar pesando um pouco mais. Lá fora em Meta as coisas são bem piores. — Quanto a isso não tenha a menor dúvida! — confirmou Gucky com o rosto zangado, lembrando-se do primeiro salto de teleportação que dera para fora da cúpula. — A sala de comando fica lá adiante. Tomara que o aconense que está lá não tenha ouvido nada! Não tinha ouvido nada, e ficou tão surpreso quando os três mutantes apareceram de repente à sua frente que não se atreveu a fazer qualquer movimento. Não ofereceu nenhuma resistência ao ser desarmado, nem quando Ras lhe amarrou as mãos. Para isso usaram fios sobressalentes que tinham encontrado na pequena sala de rádio. Tako sentou na poltrona do piloto. Pôs-se a estudar calmamente os controles e depois de algum tempo acenou com a cabeça. — Não são muito diferentes dos nossos. Acho que não teremos problemas. — Ligue as telas de imagem, para que possamos saber o que está acontecendo lá fora — sugeriu Ras. Enquanto isso cuidarei do equipamento de rádio. — Ora veja — disse Gucky, sacudindo a pistola energética. — Quer dizer que os cinco cientistas ficarão por minha conta? Até parece que não tenho mais nada a fazer. — Pôs a mão sobre o bolso. — Vocês se esqueceram da bomba?

Nesse instante as telas iluminaram-se. No mesmo instante foram ligados os microfones externos. Uma sereia uivava ininterruptamente na noite iluminada pelas estrelas e pelos holofotes. Eram os maahks que estavam dando o alarme. — Você tem razão — disse Ras, saindo da sala de rádio. — Não temos tempo. Tako preparará a decolagem, para que possamos dar o fora assim que você voltar, Gucky. Enquanto isso eu ponho para dormir os cientistas. Boa sorte. O “pequeno” fez uma cara zangada, enfiou a pistola energética no bolso e tirou a bomba. Examinou o mecanismo de tempo e pôs-se a girar os botões. Depois de algum tempo ouviu-se um clique. — Pronto — disse Gucky. — A sorte está lançada, se é que podemos falar assim. A bomba explodirá exatamente dentro de uma hora. Até lá teremos de estar num lugar seguro. Conheço estas bombas com mecanismo-relógio. Não existe nenhuma possibilidade de deter o mesmo. Se for descoberta antes da hora, os maahks terão de levála ao espaço. Seria sua única chance. Bem, é possível que as montanhas ou o mar servissem, já que não se trata de uma bomba de Árcon. Até logo mais, amigos. Dito isso, Gucky desapareceu. Ras empertigou-se, regulou a arma para o efeito paralisante e retirou-se. Dali a dez minutos os seis prisioneiros estavam inconscientes e muito bem amarrados no compartimento de carga da nave auxiliar. Tako, que estava sentado junto aos controles, não tirava os olhos das telas. Lá fora reinava uma confusão tremenda. As operações de busca que visavam à captura dos fugitivos tinham sido iniciadas. *** Gucky voltou a aceitar o frio tremendo e a falta de ar respirável para conseguir uma visão de conjunto da situação. Ficou suspenso um quilômetro acima da nave de que se tinham apoderado e olhava atentamente para baixo. A fuga dos três mutantes assustara tanto os maahks que os mesmos resolveram dar o alarme geral. Os aconenses também estavam de pé e fizeram sair vários comandos que participavam das buscas. Como os prisioneiros não possuíam trajes espaciais, era natural concluir que se tivessem refugiado numa nave em cujo interior houvesse uma atmosfera de oxigênio. Por isso não seria de admirar que fosse dada a ordem de revistar todas as naves. Gucky teleportou para a nave de guerra pesada que conhecia da primeira visita, depois de ter agüentado um minuto sem ar. Na nave não estava reinando a mesma calma de uma hora atrás. Robôs e aconenses corriam pelos corredores e salas. Estavam fortemente armados e pareciam decididos a atirar assim que descobrissem um dos mutantes que tinham fugido. Isso facilitava bastante o trabalho de Gucky. Ele não gostava de usar a força. Geralmente recorria à astúcia e à habilidade para alcançar o que queria, mas desta vez não via outra saída. Não eram só ele, Ras e Tako que estavam em jogo. Se os aconenses conseguissem o segredo do canhão transformador, dezenas de milhares de seres humanos teriam de morrer. E se os maahks realmente conseguissem construir uma nova situação nesse planeta, o perigo se tornaria ainda maior. Não havia outra possibilidade. Tinha de eliminar o perigo no nascedouro, de uma vez por todas.

Deu mais um salto e foi parar no arsenal de bombas. Enfiou-se num canto, pois havia pelo menos meia dúzia de aconenses vasculhando de arma em punho a gigantesca sala, repleta de bombas dos tipos mais perigosos até o teto. Tratava-se quase exclusivamente de explosivos atômicos e bombas-robô providas de um sistema de autodireção. As microbombas atômicas, que apesar de serem do tamanho de um punho humano eram extremamente eficientes, estavam bem guardadas em caixas, à prova de trepidação. A reserva de explosivos existente naquela nave de guerra bastaria para despovoar um planeta. Dois aconenses passaram bem perto de Gucky, mas não o viram deitado embaixo de uma prateleira. Foram andando, verificando os cantos, e acabaram saindo do arsenal juntamente com os outros. Deviam estar convencidos de que os prisioneiros fugidos não tinham se refugiado nesse lugar e transmitiriam essa informação aos chefes. Gucky respirou aliviado. Saiu do esconderijo e passou a ocupar-se com uma das caixas. A mesma estava fechada e não havia possibilidade de abrir a fechadura. Mais atrás entre as prateleiras, encontrou uma caixa já aberta, que continha microbombas. — Isto deve chegar — disse em tom decidido e colocou a bomba com mecanismo de tempo entre os artefatos explosivos altamente sensíveis. — Se estas bombas detonarem, toda a nave explodirá. O efeito será semelhante ao de uma reação em cadeia. A pressão do ar deslocado será tamanha que as bombas e os torpedos espaciais guardados nas outras naves também explodirão, isto sem falar no material guardado nas proximidades do porto espacial. Colocou a tampa da caixa metálica. A bomba iria explodir dentro de quarenta e cinco minutos. Naquele momento deveria ter saltado imediatamente para a nave auxiliar. Não tinha tempo para perder. Mas. alguma coisa o reteve no lugar. Saiu caminhando devagar pelos corredores estreitos do arsenal. Quando atingiu a porta de saída, parou e olhou para trás. Não teve nenhum pressentimento. Ouviu um ruído, mas já era tarde. Alguém que se encontrava atrás dele enfiou-lhe violentamente a grade sobre a cabeça. Pego de surpresa e incapaz de teleportar, Gucky não pôde impedir que o prendessem.

6 — Receio que não haja mais nenhuma esperança, senhor. O Coronel Cart Rudo, comandante do supercouraçado Crest, não demonstrou a menor emoção ao proferir estas palavras. Até parecia que estava simplesmente constatando um fato sem importância. As mensagens expedidas pelas outras unidades empenhadas na busca empilhavam-se à sua frente, sobre a mesa de controle. O texto sempre era o mesmo. “Nenhum sinal dos desaparecidos.” — Nunca perderei a esperança de encontrá-los — disse Perry Rhodan em tom decidido. — Não devem estar mortos — não podem estar! O arcônida imortal, que tinha 11.000 anos, acenou com a cabeça. — Concordo com você, Perry. Continuaremos a procurar, e um dia haveremos de encontrá-los. Gucky não se deixa matar tão depressa. Nem Ras e Tako. Sem dúvida o tempo passou e não têm mais oxigênio, se dependerem de seus trajes espaciais. Mas quem pode afirmar que ainda estão vagando no espaço? Quem sabe se não estão numa nave dos maahks, o que também seria fatal para eles? Talvez conseguiram encontrar um planeta que possua atmosfera respirável; neste caso certamente estão esperando o momento de serem descobertos. As possibilidades de sobrevivência são inúmeras, ainda mais para um teleportador. — Obrigado — limitou-se a dizer Rhodan e voltou a olhar para Rudo. — A rota e a velocidade continuarão inalteradas. De meia em meia hora reduziremos para velocidades inferiores à da luz. Recolher as informações transmitidas pelas outras unidades e compará-las. Quero ser informado assim que alguém observar algo de extraordinário. — Sim senhor. Rhodan lançou mais um olhar para as telas cintilantes, e retirou-se da sala de comando da Crest. Atlan acompanhou-o. Quando já se encontravam no corredor, o arcônida disse: — As concentrações de estrelas deste setor da Via Láctea interferem nas comunicações pelo rádio. É perfeitamente possível que não recebamos todas as notícias. Talvez uma delas fosse no sentido de que Gucky e seus companheiros foram encontrados. Rhodan foi andando lentamente. — Isso é um consolo muito fraco. Quer acompanhar-me à cúpula de observação? — Mercant é de opinião que já está na hora de aparecermos em Terrânia — prosseguiu Atlan no mesmo tom de voz. Não é que haja problemas. Quanto a isso você pode ficar tranqüilo, Perry. Mas não se consegue evitar os boatos. Estivemos fora por muito tempo. Rhodan não respondeu. Pôs-se a observar a multidão de estrelas, que brilhavam em todas as cores do arco-íris. Dezenas de milhares de sóis podiam ser vistos a olho nu, e qualquer um deles poderia possuir planetas nos quais os mutantes podiam estar — se ainda estivessem vivos. — Não precisam de nós para encontrar Gucky e seus companheiros — prosseguiu Atlan. — Peço-lhe que não me considere um ingrato ou um sujeito insensível, mas vejo a situação com mais realismo que você. Sei que gosta de Gucky. Todos gostamos. Acha que só você pode salvá-lo, mas isso é um engano. Cinco mil naves estão empenhadas nas

buscas. É um contingente enorme. Nunca se usou uma frota desse tamanho para salvar a vida de três pessoas. Será que faz alguma diferença que a Crest participe das buscas ou não. Rhodan acenou com a cabeça. — Faz uma diferença enorme, Atlan. Se não estivermos por perto quando os três mutantes forem encontrados, eles tirarão suas conclusões, especialmente Gucky. Quero evitar que isso aconteça. Se desistirmos antes da hora, muitos dos nossos amigos mais fiéis se perguntarão se merecemos sua confiança. Nenhum deles arriscará a vida por nós se não pusermos de lado os problemas secundários e fizermos tudo por eles. Eu fico, Atlan. E a Crest também fica. Atlan foi para perto dos telescópios. — Respeito sua decisão. Até concordo com ela. Mas acho conveniente fixar um prazo. Digamos oito dias. Depois disso voltaríamos para a Terra e deixaríamos um grupo menor, que prosseguiria nas buscas. Não se esqueça do que está em jogo. Andrômeda... os senhores da Galáxia... — Pois eu me preocupo mais com os maahks — confessou Rhodan sem responder à sugestão de Atlan. — Se realmente escaparam cinco das suas naves, e se eles encontraram um mundo apropriado. Não concluiu a frase. Atlan já sabia o que Rhodan queria dizer. Sentou numa das poltronas destinadas à observação astronômica e esteve a ponto de girar as rodas que regulavam sua posição, quando o alto-falante começou a berrar. Era o Coronel Rudo. — Comandante chamando Administrador! Responda, senhor! Rhodan comprimiu o botão que ficava embaixo da tela e o rosto enorme de Rudo apareceu na mesma. — Estou no observatório. O que houve, coronel? — Não sabemos se realmente é importante, senhor. Os rastreadores energéticos e de matéria do couraçado Fedoria II mostraram alguma coisa. Provavelmente trata-se de uma nova na direção OH-80-GY, a 4 anos-luz de distância. É bem verdade que a energia gerada foi atípica, pois situa-se no espaço de três dimensões. — Isso nos leva a concluir que se trata de uma explosão cuja origem é atômica — disse Rhodan em tom pensativo. — A respectiva estrela é conhecida? — Infelizmente não, senhor. Não existem mapas precisos da área do centro galáctico e... — Tudo bem, coronel. Já sei. Qual é sua sugestão? — Acho que devemos dar uma olhada. Convém enviar algumas naves. Atlan levantou-se e aproximou-se de Rhodan. Apontou para ele e para si mesmo e acenou com a cabeça. Rhodan compreendeu. — Iremos nós mesmos, coronel. Avise as outras unidades. A Fedoria deverá acompanhar-nos, com mais dez naves de vários tipos. Acelere sua nave. Daqui a pouco estaremos ai. Rhodan desligou o intercomunicador e fitou Atlan como quem quer perguntar alguma coisa. — Então? — É possível que realmente não seja nada — disse Atlan. — Mas seria uma leviandade se deixássemos de seguir qualquer pista, por leve que fosse. De qualquer maneira não se trata de uma nova, mas de uma explosão atômica. Sempre que um sol explode, observa-se a propagação de energia pela quinta dimensão. E, como se trata de

uma estrela ou planeta que não conhecemos, a coisa torna-se mais interessante, mesmo que não alcancemos o objetivo de encontrar os desaparecidos. Vamos andando. Quando pretendiam abrir a porta de correr, alguém adiantou-se a eles. Era o astrônomo-chefe Zech-Mellard, que se precipitou para dentro do observatório como se as fúrias do inferno estivessem atrás dele, pisando com toda força no pé de Atlan. Nem pediu desculpas. Correu diretamente para junto dos telescópios especiais e acomodou-se numa poltrona. — Isso é um fenômeno... um grande fenômeno! — exclamou, entusiasmado, e começou imediatamente a ajustar o instrumento. Nem tomou conhecimento da presença de dois expectadores, embora quase os tivesse derrubado na entrada. Atlan moveu os dedos dos pés, para verificar se ainda estavam inteiros. Calçava as sandálias usadas a bordo, que eram muito leves e não estavam preparadas para receber investidas como estas. Rhodan aproximou-se de Zech-Mellard. — Qual é o fenômeno? — perguntou. Conhecia o cientista e sabia que o mesmo era um homem competente, que não se exaltava nem perdia as estribeiras por qualquer ninharia. Zech-Mellard nem levantou os olhos. Estava ajustando o telescópio para determinado ponto. — Um fenômeno — disse em tom professoral, como se Rhodan fosse um estudante — é um acontecimento verificado da natureza que, segundo se deveria supor, nem deveria ter ocorrido. A palavra fenômeno designa as coisas para as quais não temos explicação. A palavra vem do grego e significa... — Zech-Mellard! — Rhodan falou em tom calmo, mas com uma ligeira advertência na voz. — Quero saber qual é o fenômeno que o senhor pretende observar. Vamos! Procure acordar! O astrônomo levantou os olhos e reconheceu Rhodan. — Ora veja! É o senhor? Doeu? — O que pode ter doído? — Nada. — O astrônomo fez um gesto de pouco caso. — Pensei que tivesse pisado nos seus pés. — Pois pisou nos meus! — observou Atlan em tom furioso. — Vamos! Explique logo o que aconteceu. Finalmente Zech-Mellard conseguiu ajustar o telescópio. Olhou através da objetiva eletrônica. Suas mãos tremiam de tão nervoso que estava. — Um sol vermelho...! Era mais ou menos o que eu imaginava. Deve ter um planeta, pois de outra forma não se consegue explicar a explosão. O sol não apresenta nenhuma modificação. Logo, não se pode ter transformado numa nova. Rhodan e Atlan começaram a compreender que Zech-Mellard estava aludindo a estrela na direção da qual se tinha verificado a gigantesca descarga energética. Talvez fosse preferível continuar no observatório em vez de dirigir-se à sala de comando. Afinal, o intercomunicador garantia a comunicação com o comandante. — Onde está o fenômeno? — perguntou Atlan em tom amável, ligando com um simples movimento as telas ligadas ao telescópio. — Faça o favor de mostrar, professor. Por um instante Zech-Mellard parecia atordoado e fitou Atlan com uma expressão de espanto. De repente sacudiu os braços. — Pois é justamente isto! Sem dúvida uma nova é um fenômeno da natureza. Lá adiante, a 4 anos-luz daqui, houve uma descarga atômica de proporções gigantescas, do

tipo que geralmente só é observado na explosão de um sol. Se isto não é um fenômeno, meus senhores... — Se não me engano o senhor disse que... — É verdade. O senhor tem toda razão. Justamente porque não houve um verdadeiro fenômeno, acho isso fenomenal. Atlan sacudiu a cabeça, desesperado, e olhou para Rhodan como quem já não sabe o que fazer. Um sorriso ligeiro apareceu no rosto de Rhodan. Conhecia Zech-Mellard. Em vez de dizer numa simples frase o que queria comunicar a alguém, maltratava a língua, complicando até mesmo as coisas mais simples. — Quer que eu faça a tradução, Atlan? O que Zech-Mellard quer dizer é que está havendo um milagre, já que os rastreadores registram praticamente as mesmas quantidades de energia que surgem na formação de uma nova, enquanto a estrela não sofre nenhuma alteração. — Isso mesmo — disse o astrônomo. — É claro que também se pode exprimir a coisa por essa forma. — É mais simples — resmungou em tom de desprezo. O sol vermelho apareceu nas telas, e logo em seguida o planeta. Finalmente o quadro foi ampliado, de forma a mostrar os detalhes. A voz do Coronel Rudo saiu do intercomunicador. — A distância ainda é de 1 ano-luz. Dentro de alguns minutos sairemos do semiespaço. Depois disso ainda estaremos a dois minutos-luz do planeta. Solicito novas instruções. Rhodan contemplou as telas ligadas ao telescópio. — É uma explosão atômica. Quanto a isso não existe dúvida. Deve ser um planeta habitado. — É um fenômeno! — constatou Zech-Mellard em tom enfático. Atlan segurou Rhodan pela manga do casaco. — Vamos à sala de comando. Depressa. É possível que tenhamos de pousar. Precisamos verificar a causa da explosão. O que aconteceu? A Crest abandonou o semi-espaço e retomou ao Universo normal. As telas mostravam o planeta do sol vermelho. Não havia sinal de vida ou da existência de uma civilização na superfície do planeta. Num único lugar abria-se uma cratera incandescente de vários quilômetros de diâmetro. Na borda da mesma viam-se os destroços dos edifícios derretidos e das naves deformadas. — São naves aconenses; conheço o tipo. — A voz de Atlan revelava alguma surpresa. — Talvez seja uma de suas inúmeras bases. Quem será que atacou e destruiu a mesma? A Crest mantinha-se suspensa a pequena altura sobre o local do desastre. As outras onze naves mantinham-se à espera numa distância maior. O laboratório informou a presença de radiações e de uma atmosfera de hidrogênio e amoníaco contaminada pela radioatividade. Uma sombra apareceu, vinda da face desabitada do planeta. Destacava-se nitidamente contra o fundo formado pelas estrelas, pois a camuflagem negra só se tornava eficiente nos lugares em que havia poucas estrelas, como no grande abismo que separava a Via Láctea da nebulosa de Andrômeda. — É uma nave dos maahks! — exclamou o Coronel Rudo. — Será que foram eles que atacaram o planeta?

— Talvez seja justamente o contrário — disse Rhodan sem tirar os olhos da nave negra. — Nesse caso escaparam ao ataque. Coronel, intime os maahks a se renderem e pousarem pacificamente numa área não contaminada. Ocuparemos sua nave. Rudo transmitiu a ordem aos respectivos postos de comando. — Não adianta — profetizou Atlan. — Um maahk nunca se entrega. Prefere morrer. Será que devemos assumir este risco? — Devemos — respondeu Rhodan com um aceno de cabeça. Os maahks certamente receberam e traduziram a mensagem, mas reagiram pela forma que Atlan tinha previsto. Não atacaram a Crest, mas tentaram fugir para o espaço. Rhodan, que gostaria de saber o que tinha acontecido no planeta desconhecido, mandou que a nave negra fosse perseguida. A mesma já tinha sido cercada pelas onze unidades que se mantinham em posição de espera. Um cruzador ligeiro desmanchou-se no fogo de um canhão transformador. Isso fez com que Rhodan desistisse da intenção de aprisionar a nave maahk. — Rudo, vamos usar os canhões conversores. Foi a sentença de morte dos maahks. Quando não tinham mais nenhuma saída, os maahks sabiam morrer com a mesma indiferença com que viviam e lutavam. — Que pena! — disse Atlan depois que tudo tinha passado. — Nunca descobriremos o que aconteceu por aqui. Talvez fosse bem importante que soubéssemos. Além disso sou de opinião... — Perdão, senhor — interrompeu o oficial de navegação, que estava sentado na mesa ao lado. — Minha divisão de busca acaba de descobrir uma coisa importante. A cinco minutos-luz de distância. Direção BQ-19-0B. Trata-se de uma nave desconhecida. Suas dimensões reduzidas me levam a concluir que é uma nave salva-vidas. Rhodan correu para perto das telas dos rastreadores. Viam-se perfeitamente os contornos da nave. — Uma esfera achatada — uma nave de construção aconense. Talvez sejam sobreviventes da catástrofe. Tentaremos pegá-los vivos. Ainda bem que os aconenses não têm tanta vocação para o suicídio como os maahks. Apresse-se, coronel. Estabeleça contato pelo rádio. A Crest e as dez naves restantes correram na direção em que estava o objeto desconhecido, desenvolvendo a velocidade da luz. O Major Cero Wiffert estava no centro de artilharia, aguardando as ordens decisivas. Bastaria apertar um botão, e a pequena nave deixaria de existir. *** Quatro aconenses estavam segurando Gucky. Espantou-se ao notar que a grade colocada sobre sua cabeça não era a mesma que carregara antes. Os maahks tinham sido bastante inteligentes para fabricar várias grades desse tipo e distribuí-las entre os aconenses. Quando tiraram a pistola energética de seu bolso, Gucky não fez nenhum movimento. Mais um aconense aproximou-se. Tratava-se de um oficial que falava fluentemente o intercosmo. — Você é o mutante que eles chamam de Gucky? — perguntou, mas parecia antes que estava constatando um fato que o deixava muito feliz. — Onde estão os outros?

— Procurem-nos — disse Gucky em tom petulante. O soco que outro aconense lhe deu o fez cambalear. “Espere”, pensou, zangado. “Mais quarenta minutos, e você estará morto. — E eu também.” — Responda! — gritou o oficial. Não faço a menor idéia. Fugi. É só o que posso dizer. — O que estava fazendo no arsenal? Gucky não se apressou. Experimentou cautelosamente para ver se a grade que cobria sua cabeça estava bem firme. Não estava. E isso lhe deu nova esperança. Talvez pudesse escapar para baixo e libertar-se, desde que se abaixasse repentinamente. Mas não queria assumir nenhum risco. Primeiro tinha que fazer com que seus inimigos se sentissem seguros. Quando batiam nele não prestavam muita atenção à grade, embora certamente conhecessem a importância da mesma. — Pensei que fosse o refeitório. Infelizmente estava enganado. Desta vez não bateram nele. — Onde estão os outros? — voltou a perguntar o oficial. — Se soubesse, não contaria! — Gucky decidira irritar os aconenses para levá-los a descuidar-se. — Vocês são os tipos mais nojentos com que já me encontrei. Fazem uma aliança com os maahks, somente porque os mesmos são inimigos dos terranos. Será que vocês não sabem que um dia serão destruídos por eles? Quando chegar a hora, o canhão transformador não lhes adiantará nada. — O que é que você sabe a respeito disso? — o oficial parecia assustado. Segurou Gucky na gola do uniforme. Abaixou-se para ver melhor seu rosto. — O que você sabe a respeito do canhão transformador? — Muita coisa — mentiu Gucky e percebeu que os dois aconenses que seguravam a grade sobre sua cabeça endireitaram ligeiramente o corpo. Provavelmente os ossos lhes doíam de tanto ficarem abaixados. A pressão exercida sobre a cabeça de Gucky diminuiu um pouco. Se ele se deixasse cair nesse momento... — Vamos! Fale logo — disse o oficial. — Talvez pudéssemos desistir de entregá-lo aos maahks. Se continuar nessa teimosia, faremos com que o larguem nas montanhas sem traje espacial. Mais trinta minutos, e a bomba explodiria. Já estava quase na hora de Gucky colocar-se em segurança. Mas de outro lado ele, Ras e Tako não deveriam decolar antes da hora. Se fossem perseguidos pela frota aconense, e talvez também pela dos maahks, estariam novamente em perigo. Além disso a explosão atômica não atingiria sua finalidade. — Pois é — principiou Gucky como se tivesse um grande segredo para contar. O oficial fitou-o com uma expressão de curiosidade. Gucky esticou ligeiramente o corpo, para ampliar seu campo de ação. As mãos que seguravam a grade subiram um pouco. — Esta é a maior nave que vocês possuem, e é onde existem mais esconderijos. Foi por isso que viemos para cá. Na oportunidade ouvimos dois cientistas que conversavam sobre o canhão transformador. Aliás, vocês já ouviram falar na gravidade? — Como? O que é que a gravidade tem a ver com isto? — perguntou o oficial em tom de perplexidade. — A gravidade tem muita coisa a ver com o que vai acontecer daqui a pouco. Prestem muita atenção, aconenses! O que vou dizer é muito importante, pois mais tarde seus chefes certamente quererão saber exatamente o que e como aconteceu. É até possível que vocês sejam presos por terem sido tão idiotas...

Gucky simplesmente deixou-se cair. A grade continuou nas mãos dos dois aconenses, conforme esperara. Gucky atirou-se violentamente contra as pernas do oficial, que ficou meio agachado e mal conseguiu manter o equilíbrio. Concentrou-se na sala de comando da pequena nave auxiliar, viu-a bem à sua frente, segurou com ambas as mãos o oficial que se debatia violentamente — e teleportou. Ras, que estava parado junto à porta, sacou a pistola energética ao ver um aconense materializar ao lado de Gucky. — O que você está nos trazendo? Gucky tirou a arma do oficial. — Resolvi levá-lo, porque foi muito gentil comigo. Além disso parece que sabe de certas coisas que talvez possam interessar a Rhodan. — Olhou para o relógio. — Mais vinte minutos, e a bomba vai explodir. — Vamos dar o fora! — gritou Tako e pôs as mãos nos controles. — Espere um pouco, Tako! — Gucky apontou para o prisioneiro. — Leve-o para onde estão os outros, Ras. Mais tarde conversaremos com ele. — Voltou a dirigir-se a Tako. — Se decolarmos já, teremos um bando no nosso encalço. Precisamos esperar até o último instante. Dificilmente nos encontrarão até lá. O rádio está funcionando? — Tudo em ordem. O que houve mesmo? Você ficou fora muito tempo. Gucky contou. — Você teve sorte — constatou Tako. — Não compreendo a razão pela qual os aconenses não terem tido mais cuidado. Gucky sorriu; parecia alegre. — É sempre a mesma coisa. Os humanóides, ou seja, os seres com características humanas, têm o hábito de subestimar qualquer forma de vida que se assemelhe aos animais que os cercam. Os aconenses se enriqueceram com mais uma experiência, mas a mesma não lhes servirá de nada, pois daqui a quinze minutos estarão mortos. É uma pena. Ninguém ficará sabendo como consegui enganá-los. Como sou muito modesto, não costumo apregoar meus próprios feitos. — Fitou Tako com uma expressão de ingenuidade. — Simplesmente não gosto. Você compreende? Será que oportunamente você poderia...? O japonês mostrou um sorriso amável. — Não se preocupe; confie em mim. A Galáxia estremecerá quando tiver conhecimento de sua última façanha. Gucky foi para junto dele e deu uma palmadinha em seu ombro. — Obrigado — cochichou, emocionado. — Muito obrigado. Faça também o necessário para que Bell fique sabendo. Vou tomar todas as providências para que não nos surpreendam. Deixei entrever que estávamos escondidos no couraçado, mas não sei se eles acreditaram. O alto-falante transmitiu fragmentos de palavras incompreensíveis. Tratava-se de ordens transmitidas em código. Gucky não sabia onde estavam as decifradoras. Não deu atenção ao rádio. Preferiu confiar nas telas, pois assim poderia ao menos saber o que estava acontecendo do lado de fora. Os comandos de busca dos maahks iam de uma nave aconense para outra. Parecia haver divergências entre os maahks e os aconenses. Talvez tivessem desconfiado subitamente uns dos outros. Talvez os maahks acreditassem que os aconenses tinham capturado os três mutantes e queriam ficar com eles.

De qualquer maneira, só um maahk podia entrar em cada nave aconense. Isso deixou Gucky satisfeito, pois retardava a operação. Normalmente as naves poderiam ser revistadas muito mais depressa. Ras voltou. — Esse seu oficial aconense gosta de conversar — informou. — Prometeu-me céus e infernos se o soltasse. Expliquei-lhe que, se fizesse isso, ele mesmo entraria no inferno. De repente ficou bem quieto; não disse mais uma palavra. Os comandos de busca dividiram-se quando verificaram que só um maahk podia desenvolver sua atividade de cada vez. Dois maahks aproximaram-se da nave auxiliar em que estavam os mutantes. Tako não perdeu a calma. — Não se preocupem. A única coisa que tenho que fazer é empurrar a alavanca do acelerador, e decolaremos em alta velocidade. Ainda faltam dez minutos para a explosão. Temos que dar um jeito de arranjar mais cinco ou oito minutos. Gastarão dois minutos para iniciar a perseguição. A explosão os pegará no meio dos preparativos da decolagem. Os dois maahks ficaram parados perto da pequena nave auxiliar e tentaram comunicar-se por meio de gestos. Parecia que não compreendiam por que a escotilha estava fechada e nenhum tripulante estava aparecendo. Mas não levaram mais de dois minutos para desconfiar. Um deles falou para dentro de um aparelho muito pequeno que acabara de tirar do bolso. — Está transmitindo o resultado de suas observações — conjeturou Ras. Olhou para o relógio. — Daqui a cinco minutos poderemos decolar. Foram cinco minutos longos e tensos. No início não aconteceu nada, mas logo uma divisão de robôs aproximou-se da nave auxiliar. Alguns oficiais aconenses vieram atrás deles. Deviam achar estranho que os cientistas se tivessem trancado na nave que lhes fora destinada e não deixavam entrar ninguém, nem respondiam às mensagens transmitidas pelo rádio. — Você revistou o oficial aconense, Ras? — perguntou Tako sem virar a cabeça. — Por quê? Tiramos a arma dele e... — Talvez tenha um transmissor. Ras olhou para Gucky. O rato-castor acenou com a cabeça. Apontou para a tela que mostrava as imediações da nave. — Talvez tenha não; ele tem. Os robôs formaram um semi-círculo à frente da nave. Carregavam armas energéticas pesadas. Estavam erguendo as mesmas e as apontaram para a nave auxiliar. Ouviu-se uma voz de comando, e os robôs abriram fogo. Não poderiam fazer estrago, mas se o bombardeio demorasse algum tempo poderiam abrir um rombo no casco. Era a última coisa que Gucky, Ras e Tako podiam desejar. — Vamos decolar! — berrou Ras. Tako empurrou a alavanca do acelerador. Os alto-falantes instalados na sala de rádio que ficava ao lado silenciaram. O fogo dos robôs provavelmente tinha derretido as antenas externas. A nave muito pequena subiu com um solavanco, imediatamente absorvido pelos neutralizadores de pressão. O veículo espacial precipitou-se para o céu noturno de Meta. Demorou apenas alguns segundos até que o sol vermelho se tornasse visível.

— Faltam dois minutos para a explosão — disse Gucky — Tomara que não consigam decolar e iniciar a perseguição antes disso. Tako reduziu a aceleração. Afastaram-se de Meta, desenvolvendo apenas alguns quilômetros por segundo. Os detalhes foram-se apagando embaixo deles. A tela em que foi projetada a ampliação mostrou os comandos de busca que se reuniam às pressas e entravam nas naves. A primeira nave a decolar foi um dos veículos negros dos maahks. Teve uma grande dianteira sobre os aconenses, que levaram mais tempo para recuperarse da surpresa. Mais um minuto. Mais trinta segundos. Cinco naves aconenses decolaram do porto espacial e subiram para o espaço em alta velocidade. Não conseguiram afastar-se do planeta. De repente teve-se a impressão de que um vulcão acabara de entrar em atividade. O solo abriu-se e um precipício em chamas engoliu a frota dos aconenses, as naves dos maahks e a cidade semi-acabada. Em seguida o cogumelo atômico formado por milhares de explosões precipitou-se para o espaço, alcançando as cinco naves dos aconenses, que foram arrastadas para a superfície e se despedaçaram na borda da cratera. A nave negra dos maahks escapou à destruição geral, mas desistiu da perseguição. Foi retornando lentamente ao planeta Meta e deu início à busca dos sobreviventes. A construção de uma nova civilização seria muito mais demorada. Mas quando fosse concluída... Não houve nenhum mas. Dali a algumas horas apareceu a pequena frota de Rhodan, descobriu os únicos sobreviventes e tomou todas as providências para que o perigo que viera de repente do passado fosse eliminado. — O equipamento de rádio está na pior — constatou Gucky. — Nenhum pio. — Onde estão mesmo? — perguntou Tako, espantado. Gucky exibiu o denteroedor. — Trata-se de uma expressão criada por Bell. Significa que o equipamento está inutilizado. — Quer dizer que os rastreadores também não estão funcionando. Gostaria de saber como faremos para encontrar alguma coisa. Se alguém nos perseguir, nem perceberemos. Se percebermos, será tarde. — As telas estão funcionando. — Você sabe qual é seu alcance. É isso mesmo, meu chapa. Precisaremos de muita sorte. Qual é o armamento de que dispomos, Ras? — O que costuma ser encontrado numa nave auxiliar. Talvez devêssemos ter escolhido uma nave maior. — Pôs a mão na grade que cobria sua cabeça e sacudiu a mesma. — Isto já começa a me deixar nervoso. Daria qualquer coisa se conseguisse livrar-me logo desta coisa. — Vocês humanos têm o couro muito grosso, Ras — disse Gucky em tom arrogante. — Diria que são uns paquidermes. Além disso o suor de vocês não presta. Mas não se preocupe, Ras. O médico-chefe da Crest dará um jeito. Certa vez tive uma cicatriz nas costas e ele... Não chegaram a saber o que tinha acontecido com a cicatriz de Gucky, pois Tako exclamou de repente: — Naves! Estão nos perseguindo!

Nas telas viam-se perfeitamente onze pontos de diversos tamanhos, que se aproximavam em alta velocidade. Não se conseguia distinguir a forma dos objetos. *** — Diria que são esferas — observou Ras, estreitando os olhos. — Isso mesmo. São esferas, e não apresentam o achatamento característico das naves aconenses. Portanto, só podem ser naves terranas. — Bem, as naves esféricas geralmente são muito apreciadas — disse Gucky. — Você é um telepata ou não é? — lembrou Tako. Estava com a mão pousada na alavanca do acelerador. — Como poderemos responder às suas mensagens, se nem as recebemos? Gucky voltou para a poltrona. Fechou os olhos e concentrou-se. Depois de algum tempo disse: — Quando há milhares de indivíduos pensando ao mesmo tempo, temos uma bela salada telepática. Vocês nem imaginam como é difícil separar e isolar determinado impulso. Ainda bem que tenho minha experiência... Sim, são terranos. Não acelere, Tako. Alguém está pensando em atirar. Esses tipos não sabem pensar em outra coisa senão atirar. — Estão bem perto de nós — observou Tako. — Um supercouraçado. Será que é a Crest? — Sim, é a Crest! — exultou Gucky. — Só pode ser a Crest! Um instante; logo vou ter uma palavra com Rhodan. — Eles acham que somos aconenses — disse Ras. —Talvez estejam enviando uma mensagem pelo rádio para nos entregarmos. Não ouvimos nada e prosseguimos na mesma rota e de repente... Gucky levantou-se de um salto. — Ras tem razão. Infelizmente. Preciso andar depressa. Tako, reduza a velocidade, para mostrar que não queremos fugir. Espere minha volta. — Você vai...? — Não tenho alternativa. — Gucky mostrou um sorriso ligeiro. — Afinal, sou o único teleportador entre os teleportadores. Gucky desmaterializou. *** — Que é isso? — piou de repente uma voz inconfundível, vinda de trás de Rhodan. — Se fosse você, não faria isso. Já lhe ocorreu que um rádio pode falhar? Rhodan tirou o dedo do botão de comando de tiro e virou lentamente a cabeça. Seu rosto não mostrava nenhuma alegria ou surpresa. Um segundo bastara para que ele controlasse suas emoções. — Pois então — disse em tom indiferente. — É você? Bem que eu poderia ter imaginado. A nave aconense estava sendo pilotada por um principiante. Gucky leu os pensamentos de Rhodan, sorriu satisfeitos e saiu caminhando em sua direção. Estendeu-lhe as mãos. — Para mim você não precisa esconder suas emoções, Perry. Ninguém deve envergonhar-se de suas amizades; nem mesmo você. Obrigado por não ter interrompido as buscas. Vocês chegaram bem na hora. — As explosões...? Gucky fez que sim.

— Isso mesmo; fomos nós. Os aconenses resolveram armar os maahks, mas nós estragamos sua festa. Você ainda receberá informações detalhadas. Será que você poderia libertar Tako e Ras da incerteza? Dali a dez minutos os dois teleportadores psionicamente paralisados entraram na eclusa do hangar da Crest, onde foram recebidos imediatamente pela equipe médica. Os prisioneiros aconenses foram trancafiados. Mais tarde seriam interrogados. Depois disso Gucky fez um relato do começo ao fim. Rhodan e Atlan não o interromperam; seus rostos mostravam o quanto o relato de Gucky os deixava emocionados. Quando Gucky concluiu, houve um silêncio prolongado. Finalmente Rhodan disse: — Foi um perigo tremendo; quanto a isso não existe a menor dúvida. Com a ajuda dos aconenses, os maahks dentro de dois ou três séculos teriam criado uma grande potência militar. Teriam entregue o canhão transformador aos aconenses. Provavelmente ficaríamos numa situação muito difícil, se não fosse sua ação radical, Gucky. O que você fez não deve pesar em sua consciência, pois evitou uma guerra galáctica. Você não teve alternativa. Quando os aconenses forem interrogados, haverá a certeza de que foi a coisa mais acertada. — Será que o perigo foi eliminado para sempre? Não acredito que haja sobreviventes entre os maahks, uma vez que vocês destruíram a nave negra. Foi a única que conseguiu decolar. — Um perigo como o que os metanitas representam nunca é eliminado de vez — observou Atlan. — Eles nos deixaram em paz por mais de 10.000 anos, para de repente fazer sua reentrada em cena. Quem sabe quando será nosso próximo encontro com eles? Provavelmente em breve, quando estivermos a caminho de Andrômeda. O interrogatório realizado dali a pouco confirmou as suposições de Rhodan. Gucky parecia aliviado, mas sempre que podia evitava falar na operação que acabara de ser concluída. Deixou que Tako fizesse isso, e cuidava para que o japonês não regateasse elogios, mencionando sempre como Gucky conseguira soltar a grade colocada sobre sua cabeça. Quando se encontravam na cúpula-observatório, Rhodan e Atlan informaram Gucky sobre os detalhes das operações de busca que visavam sua localização e a de seus dois amigos. Ficou muito sensibilizado com os recursos que Rhodan utilizara na operação e agradeceu com pios carinhosos, que certamente teriam deixado Iltu encantada. Mas Iltu continuava em Marte onde, segundo Gucky, esperava um acontecimento muito alegre. E isso há várias décadas! Lá fora estavam as estrelas, lado a lado, quase não deixando nenhum espaço livre entre elas. Mas a eternidade ficava em outra direção, para o lado em que não havia mais estrelas. O abismo imenso e ainda insuperável que separava as galáxias chamadas de Via Láctea e Andrômeda: era isto a eternidade, o infinito, o grande desconhecido. Rhodan levantou a mão e apontou para o espaço. Abriu a mão para dizer alguma coisa, mas neste instante soou a campainha do intercomunicador. — Comandante chamando Administrador. Comandante... Rhodan apertou o botão. — Rhodan falando. Que houve, coronel? — Estão chamando do hospital de bordo, senhor. Querem que o senhor vá para lá. — Tudo bem — apressou-se Gucky em tranqüilizá-lo ao notar a preocupação de Rhodan. — Estão passando muito bem — acabo de fazer uma escuta nos pensamentos de Holfing. Se eu fosse um médico, diria que a operação foi bem sucedida.

Saíram da cúpula-observatório. Ao menos quiseram sair, mas mais uma vez alguém os deteve. Zech-Mallard, o astrônomo-chefe, literalmente caiu nos seus braços quando abriram a porta. Gesticulava furiosamente e pisou nos pés sensíveis de Gucky. O rato-castor deu um salto enorme para colocar-se em segurança. Rhodan e Atlan afastaram-se prontamente para dar passagem ao cientista. — É uma coisa fenomenal! — gemeu Zech-Mellard e correu para junto dos telescópios. — Fenomenal mesmo! Gucky saiu do seu canto e seguiu o astrônomo com os olhos. — Desde quando temos loucos a bordo? — perguntou, assustado. Rhodan sorriu. — Zech-Mellard pode ser tudo, menos louco, pequeno. Você se admiraria se soubesse como é inteligente; acontece que raramente se comporta como uma pessoa inteligente. Pode ser considerado um esquisitão. Permitimos que cada um conserve sua personalidade, desde que cumpra seu dever e realize alguma coisa. Vamos andando. — Um momento — disse Gucky. — Preciso dar uma olhada nele. — Gucky aproximou-se de Zech-Mellard vindo de trás. O astrônomo, que já estava sentado em sua poltrona giratória, fez girar o telescópio para um ponto determinado. Estava mexendo nos botões de ajuste. Gucky deu-lhe uma pancadinha no ombro. — O que é fenomenal? — Uma coisa é fenomenal quando... — Zech-Mellard virou-se e fitou Gucky com os olhos arregalados. Só agora parecia ter notado sua presença. Levantou-se de um salto. — Um clandestino! — gritou e saiu correndo para junto de Rhodan e Atlan. — Senhor, temos um clandestino a bordo! É um extraterreno. Faça alguma coisa! — O extraterreno é Gucky — explicou Atlan em tom calmo. — Será que o senhor não tem olhos para enxergar, professor? Zech-Mellard fez um gesto distraído, colocando a mão na cabeça. — Meu Deus, onde estão...? Há pouco eu ainda tinha... Não compreendo... — Isso é fenomenal! — comentou Gucky em tom alegre. Empertigou-se e bateu no ombro de Zech-Mellard. — Não se esquente, professor. Caso tenha guardado seus olhos em algum lugar de que não se lembre, ao menos não pode me ver. Zech-Mellard acenou com a cabeça. Parecia aliviado. — É verdade! Passe bem. Acho que já poderei dedicar-me ao fenômeno que pretendia observar. Provavelmente tratar-se de um campo energético entrelaçado da terceira dimensão que foi submetido à influência de um campo magnético da sexta dimensão. A conseqüência foi um torvelinho magnético, que avança em velocidade superior à da luz pelo hiperespaço, em direção... Atlan fechou a porta do lado de fora e respirou aliviado. — Este Zech-Mellard é mesmo um tipo estranho. — Mas não é bobo — repetiu Rhodan. — É um tipo fenomenal — resumiu Gucky. Ras e Tako estavam sentados sobre as camas. Já tinham acordado da anestesia. Em suas têmporas havia grossos cataplasmas curativos. As grades tiveram de ser retiradas cirurgicamente — disse Ras. — Não doeu nem um pouco — observou Tako. — Não perdemos nossas faculdades. Já fizemos a experiência. — Que coisa fenomenal! — disse Gucky em tom enfático. Rhodan olhou-o de lado.

— Você fala que nem o professor. O que é fenomenal? Gucky sentou na única cadeira que havia na sala. — Nada; gosto da palavra. Rhodan desistiu. Felicitou os dois mutantes pela operação bem sucedida, conversou um pouco com os médicos e voltou à sala de comando, para discutir a rota com o Coronel Rudo. Atlan ficou mais um pouco. Finalmente despediu-se de Ras e Tako. Virou a cabeça para Gucky, mas só viu a cadeira vazia. — Caramba! Não o vi sair. — Gucky teleportou — disse Ras. — Provavelmente está cansado e quer dormir. Afinal ele fez um bom trabalho e tem o direito de descansar. — Sem dúvida — confirmou Atlan e retirou-se. Ras e Tako encostaram a cabeça nos travesseiros. — Ainda bem que tudo passou — disse Ras. — Uma cama, uma boa nave, amigos, e todo o ar que queremos. — Eu sabia que o Chefe nos salvaria — limitou-se Tako a dizer. Fecharam os olhos e dentro de alguns minutos adormeceram. Na cúpula-observatório Gucky estava sentado na segunda poltrona, junto aos telescópios, e deixou que o professor Zech-Mellard lhe explicasse o que vinha a ser um campo magnético da sexta dimensão e uma estrutura espacial hipercavernosa temporalmente instável. Quando já estava falando meia hora sem obter resposta, o astrônomo tirou os olhos das telas e virou o rosto na direção de Gucky. O rato-castor estava dormindo com a boca aberta. O professor Zech-Mellard sacudiu a cabeça. — Fenomenal! — disse. *** ** *

Os mutantes tinham esperança de que Perry Rhodan não os abandonaria — e não se viram decepcionados. Mas havia alguém que quase não tinha nenhuma esperança Era o Major Halgor Sorlund e seus companheiros, que Allan D Mercant enviara na direção de Andrômeda para servirem de espiões. Estes homens tinham sido escolhidos para a missão especial somente porque já carregavam a morte dentro de si... Leia a história da operação realizada pelo grupo Sorlund no próximo volume da série Perry Rhodan. O romance palpitante traz o título Arrastados Para Andro-Alfa.

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