P-076 - Sob As Estrelas De Druufon - Clark Darlton

  • November 2019
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  • Words: 24,719
  • Pages: 58
(P-076)

SOB AS ESTRELAS DE DRUUFON Everton Autor

CLARK DARLTON

Tradução

MARIA MADALENA WÜRTH TEIXEIRA

Onot, o espírito amigo, ignora por quê — mas auxilia os terranos!

Não foi totalmente por acaso que Perry Rhodan encontrou pela primeira vez o misterioso desconhecido de outra dimensão temporal. Desse encontro resultou uma situação quase fatal para ele próprio, para Atlan, o arcônida, e para Fellmer Lloyd, o mutante. Só mesmo a intervenção inesperada do amigo ainda desconhecido permitiu-lhes salvarem-se. Para Perry Rhodan, toda ajuda é preciosa, principalmente agora que planeja um confronto entre o robôregente de Árcon e os druufs. As duas poderosas frotas espaciais inimigas já lutam encarniçadamente na linha de encontro das duas dimensões temporais... E Perry Rhodan precisa resguardar o Império Solar do aniquilamento ou da escravização. De retorno à base em Fera Cinzenta, Perry Rhodan lembra o ser misterioso que há muitos decênios já prestara auxílio aos terranos. O administrador do Império Solar transmite um convite a este ser: acompanhe-me em meu novo empreendimento Sob as Estrelas de Druufon.

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Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — Administrador do Império Solar. Reginald Bell — Amigo inseparável de Rhodan. Gucky — Rato-castor mutante. Atlan — O arcônida imortal. Tommy — Ser de Druufon; corpo quadrangular. Harno — O televisor vivo; ser em forma de bola. Onot — Um espírito...

1 Sete planetas contornavam Tatlira, a estrela número 221, a 1.012 anos-luz da Terra. Fazia mais de sessenta anos que nenhuma nave terrana visitava aquele sistema. Porém, em sua primeira incursão, ajudaram os nativos de seu segundo mundo, o planeta Goszul, a sacudir o jugo dos mercadores galácticos. Impossível saber se, depois de todo esse tempo, Tatlira conservava todos seus planetas, ou se também ali algum cataclismo cósmico varrera os habitantes do sistema solar da dimensão temporal vigente. Sobre a mesa de navegação da super-nave de guerra Kublai Khan encontravam-se os dados referentes a Tatlira; bem diante dos controles do pequeno cérebro positrônico encarregado de fazer os cálculos para os hipersaltos, um homem ocupava o assento. Vestia o uniforme verde-pálido do Império Solar, com divisas de coronel. Sobre o peito, um distintivo bordado a ouro identificava-o como comandante da nave. Esta, com seu diâmetro de quilômetro e meio, era uma das potentes unidades da classe Império. O cérebro positrônico zumbia baixinho. Estava iminente o último salto para o sistema quase esquecido. Dentro de dez minutos... Então seria verificado o que havia de verdadeiro na velha história. Não bem uma história, a rigor. Pois a expedição fora devidamente documentada em som e imagem por um filme rodado em 1.983. O comandante Marcus Everson guardava nitidamente na memória o momento em que fora chamado à presença de Perry Rhodan. Com a face carregada de preocupação, o administrador do Império Solar falara, deprimido: — Diante de situações difíceis e quase insolúveis, os amigos são os primeiros lembrados, coronel. A luta contra os druufs exige todos os nossos recursos e esforços; mesmo assim, o inimigo parece ser superior a nós. Sei de um sistema solar onde alguém aguarda a oportunidade de nos prestar um favor. Se bem que isso se deu há sessenta anos atrás... Sorrindo, o coronel replicou: — Um bocado de tempo, Sir. Sei lá se nestas seis décadas alguém teria a paciência de... — Este amigo teria, caso Harnahan falasse a verdade! — respondera Rhodan, sorrindo igualmente. — Vou exibir-lhe um filme feito na época, enquanto retornamos na Stardust-III de Tatlira para a Terra. Com segundas intenções, evidentemente, coronel. Pois vou encarregá-lo de ir buscar o tal amigo. — Posso saber de quem se trata, Sir? Rhodan continuava sorridente. Everson tinha a impressão de viver novamente toda a cena. — Um momento! Com alguns gestos, Rhodan escureceu a pequena peça que lhe servia de escritório durante a estadia em Mirta VII. Um projetor começou a zumbir. Uma das paredes serviu de tela. — As cenas foram tomadas na central de comando da Stardust, com a presença do sargento Harnahan, de Reginald Bell e eu próprio. Bell só aparece depois. Pronto? Marcus Everson confirmou, expectante.

A parede adquiriu vida, trazendo o passado para o presente. Perry Rhodan fitava um homem de traços rudes, porém simpáticos, de pé à sua frente. — Fale, sargento! O que foi que encontrou no quarto planeta? — Numa lua do quarto planeta, Sir — retificou o sargento. — Uma bola, Sir, com meio metro de diâmetro. Estava ao sopé de um morro, e me chamou, sim, ela me chamou para perto. Telepaticamente, conforme já falei. Fiquei sabendo que era um ser vivo, nutrindo-se de energia. Além disso, a bola era capaz de ver a distâncias ilimitadas, e projetar em sua superfície o que via. Portanto, a bola poderia servir de receptor de televisão... não se acharia melhor por aí. — Se ela quiser — comentou Rhodan, cético. — Mostrou-se amistosa — afirmou Harnahan, convicto. — Senti isso quando falou comigo, por telepatia, naturalmente. Além disso, ela me salvou quando fui atacado pela nave dos saltadores. Basta olhar para a tela, Sir. Lá está o quarto planeta... A projeção tridimensional mostrou a tela. Um ponto luminoso atravessou-a lentamente e mergulhou nas profundezas do espaço. — Sua bola...? — indagou Rhodan. — Qual era mesmo o alcance telepático dela? — Duzentos anos-luz. Pelo menos foi o que ela me disse. — Curioso. Sempre se considerou ilimitado o alcance da capacidade telepática. Porém não é o que se tem verificado na prática. Nem mesmo Marshall pode comunicar-se daqui com a Terra. Imaginem... duzentos anos-luz! Neste momento, a imagem projetada ficou fixa. Em escrita arcônida, via-se a explicação: “Transcrição da mensagem telepática do ser-bola!” O texto dizia: Acredita agora, Perry Rhodan? Harnahan não mentiu! Ele lhe disse que estou à sua espera? Mas retorne à Terra primeiro, isso é mais importante. Porém não me esqueça, Perry Rhodan, apesar de ser imortal. Espero por você. Espero durante uma pequena eternidade se for preciso. — Quem é você? — perguntou Rhodan, em voz alta e clara. Novamente surgiu um texto escrito. Vocês homens são curiosos. E a curiosidade é a mola mestra do progresso de sua civilização. Creio, portanto, que será a curiosidade a causa de sua volta algum dia. Até lá! Passe bem! O Coronel Everson suspirou. O documentário do passado durara mais de uma hora, e ele já não se lembrava de todos os pormenores. Perry Rhodan preencheu as lacunas com alguns comentários. Ele fez questão de repetir só um trecho do filme. O sargento Harnahan explicava justamente que de maneira alguma o ser-bola poderia ser considerado perigoso. Ao que Rhodan respondera, pensativo: — Também me parece. E, não representando perigo, o ser-bola talvez nos possa ser útil algum dia. E o sargento Harnahan, o único amigo humano do misterioso ser, explicara: — Prometeu-nos ajuda quando quer que necessitássemos: hoje ou só daqui a cem anos. Lembre-se disso, Sir, caso a situação apertar.

Finda a projeção, e restabelecida a iluminação, Rhodan dissera, pensativo: — O sargento Harnahan está morto. Já não pode nos levar até a lua desconhecida do quarto planeta de Tatlira. Você é que irá, Everson, para achar a bola! Mantenha o pensamento concentrado em Harnahan até o ser se manifestar. Depois cumpra sua missão. Esclarecimentos adicionais estão à sua disposição. Faça suas perguntas. Entre perguntas e respostas, tudo ficou esclarecido. — Hei de achá-la — prometeu o coronel, por fim. — Acharei o misterioso amigo de Harnahan, mesmo que tenha de virar todo o sistema pelo avesso! Pode confiar em mim, Sir! Rhodan limitou-se a sorrir. — Claro que confio, coronel...! *** Marcus Everson lançou apenas um breve olhar à tira de papel ejetada pelo cérebro de navegação, passando-a a um oficial que aguardava ordens em silêncio. — Transição em dez minutos, Tenente Gropp! Encarregue-se da navegação da Kublai Khan. Sabe como proceder. — Entendido, coronel! Acenando-lhe brevemente, Everson aprofundou-se nas instruções escritas recebidas de Rhodan. A lua na qual a bola se abrigara há sessenta anos tinha o diâmetro aproximado de 80 quilômetros. Sem recursos para calcular com maior precisão, Harnahan dera uma estimativa. Porém o quarto planeta de Tatlira possuía cerca de cinqüenta luas, que contornavam o mundo desabitado, nas órbitas mais desordenadas. Como é que ele, Everson, ia poder encontrar justamente a lua apropriada? Além disso, talvez a bola nem estivesse mais na mesma lua, já que revelara a Harnahan sua intenção de buscar um mundo mais próximo do sol, a fim de reabastecer-se de energia. Possibilidade que dificultava a tarefa a cumprir. Mas a bola era um telepata ativo e, portanto, de certa forma, um hipno. Poderia transmitir seus pensamentos até a um não-telepata. Rhodan mostrara-se certo de que ela se manifestaria assim que percebesse as intenções de Everson. Os derradeiros preparativos foram tomados. A transição decorreu segundo a programação feita. Quando a aguda dor da rematerialização começou a ceder paulatinamente, o Coronel Marcus Everson dirigiu sua atenção para as telas. O sol Tatlira flutuava a poucos minutos-luz de distância. No primeiro momento foi difícil distinguir os planetas, mas com a ajuda da seção astronômica da Kublai Khan a dificuldade foi rapidamente superada. O quarto planeta se encontrava por trás do sol. — Continuamos à velocidade da luz, Gropp — decidiu Everson, por fim. — Passe próximo ao planeta dois e rume para o quatro. Depois darei novas ordens. Quando a gigantesca nave de guerra singrava ao longo do planeta Goszul, a central radiofônica captou algumas frases, indício seguro de que a pequena base terrestre ainda existia. Portanto o sistema ainda não fora engolfado pela outra dimensão temporal. Depois o planeta habitado tornou a mergulhar nas profundezas do espaço. O sol se aproximou, deslizou para o lado da tela e sumiu. À frente, surgiu uma estrela de luz clara. Crescendo rapidamente, tomou a forma de um globo de brilho opaco: Tatlira-4, o planeta desabitado.

— Reduzir velocidade! — ordenou Everson. O Tenente Gropp, agora ocupando o lugar de piloto, efetuou a manobra. A Kublai Khan diminuiu a marcha. Tudo correspondia ao relato outrora feito por Harnahan. O planeta estava cercado por uma “multidão” de luas; de pequenas a diminutas, traçavam órbitas irregulares em torno dele. Colisões não provocariam o menor dano à nave, mas mesmo assim Everson mandou diminuir ainda mais a velocidade. Receava pulverizar casualmente alguma que servisse de paradeiro para a bola. Prova evidente de quanto menosprezava o misterioso e incompreensível ser. A Kublai Khan atravessou o pequeno cinturão de asteróides a mil quilômetros por segundo, até avistar uma lua maior. Sua superfície acidentada e irregular mostrava extensas cordilheiras e profundos vales; neles jamais penetrava a luz do sol distante, e nem mesmo seus raios debilmente refletidos pelo planeta. Everson avaliou o diâmetro em cerca de oitenta quilômetros. Devia tratar-se da lua mencionada por Harnahan. Everson determinou uma órbita em torno dela. Depois começou a concentrar-se. — Estamos à sua procura, ser de energia! Somos amigos de Harnahan e Perry Rhodan, lembra? Há sessenta anos, na nossa contagem de tempo, Harnahan o encontrou nesta lua. Você o socorreu contra os saltadores, e Rhodan lhe deu energia! Caso ainda esteja aqui, esperando, manifeste-se! Por diversas vezes Everson repetiu suas tentativas de concentração, porém não recebia resposta. Conhecedor da missão, o Tenente Gropp mantinha silenciosa expectativa junto aos controles. Sem tirar os olhos da tela, perscrutava incessantemente a superfície acidentada da lua que ia passando à sua frente. Em lugar algum viu uma bola. Everson continuou a pensar: — Caso se encontre neste sistema, e esteja recebendo minha mensagem, manifestese! Corremos sério perigo, e necessitamos de sua ajuda! Recorda ainda seu 20 primeiro amigo humano, Harnahan? Ele já está morto há bastante tempo, mas trago-lhe uma mensagem dele... Foi com um choque que Everson sentiu a pressão inicialmente leve, e depois mais forte, sobre o cérebro. Parecia que uma mão imaterial e invisível o pressionava suavemente. E depois a voz muda e inorgânica lhe disse: — Recebi sua mensagem, Everson! Procura-me no lugar errado. Espero-o aqui no primeiro planeta. A proximidade do sol me forneceu energia. Mas é quente demais para vocês. Pousem na lua que estão circundando. Estarei lá quando descerem. Atônito, Everson não conseguiu formular resposta imediata. No íntimo, nutria a certeza de que as esperanças de Rhodan eram infundadas... e eis que o incrível sucedia. — Aterrisse naquela lua, ali na planície! — ordenou a Gropp, que executou a ordem em silêncio. Não queria perturbar seu superior. — Como pretende vir para cá? — pensou Everson, intensamente. Porém, desta vez, ficou sem resposta. A gigantesca nave esférica desceu para a superfície da lua, aterrissando com suavidade no solo relativamente plano da vasta planície, que se estendia até o horizonte 21 próximo. Do outro lado a visão era barrada por montes abruptos e escarpadas cordilheiras. Everson ergueu-se.

— Vou lá para fora — disse, com um olhar indeciso para o armário embutido onde eram guardadas as armas portáteis. Depois meneou a cabeça e saiu da central sem dizer mais palavra. O elevador deixou-o numa das numerosas comportas de ar, onde enfiou às pressas um traje espacial. Este possuía jatos retro-propulsores, podendo funcionar como uma espécie de mininave autônoma até no espaço desprovido de gravidade. A força gravitacional da pequena lua era mínima. De pé na borda da escotilha, Everson examinou o chão, uns trinta metros abaixo. Apesar de ser ainda dia, reinava pouca claridade. O sol estava afastado demais para fornecer muita luz. Sorrindo de leve, Everson soltou-se e flutuou para baixo com a suavidade de uma pluma. Pelo relatório de Harnahan, sabia que este procedera de maneira idêntica. Poderia dar saltos de até cento e cinqüenta metros de altura ali, se quisesse. Portanto os jatos do traje espacial eram supérfluos. Estava debaixo da imensa esfera, que se erguia acima de sua cabeça como uma gigantesca montanha de aço arcônida. Alguns poucos saltos deixaram-no a céu descoberto; sem obstáculo atmosférico, as estrelas cintilavam livremente sobre o mundo morto. E, no entanto, repentinamente se deu o impossível! Uma estrela cadente flamejou no horizonte, aproximando-se com alucinante rapidez. Depois sua velocidade diminuiu perceptivelmente, e ela descreveu um amplo arco na direção de Everson. O coronel assustou-se. “Em primeiro lugar, em espaço desprovido de ar não pode haver meteoros incandescentes”, pensou automaticamente. “Além disso, meteoros jamais voam em curvas. E ele é rápido demais também!” Porém suas considerações foram abruptamente interrompidas. O meteoro em brasa se precipitou para perto, freou instantaneamente e pousou sobre as pedras da planície, a escassos dez metros de Everson. Era a bola! Não media mais de um metro, e brilhava em tom negro-azulado à luz das estrelas distantes. Na superfície polida não se viam emendas, mas a luz refletida parecia pulsar. Everson não teve muito tempo para pensar no fenômeno. — Que aconteceu a Harnahan? — vibrou a pergunta em seu cérebro. O coronel tomou consciência da irrealidade da situação. Encontrava-se numa lua morta e selvagem. Diante dele estava uma bola que lhe falava. Percebeu repentinamente que Harnahan devia ter tido os nervos em perfeitas condições. Qualquer outro sofreria provavelmente um acesso de loucura. — Foi envolvido com sua nave por uma tempestade cósmica, nos limites da Via Láctea, vinte anos após aquele encontro. Jamais se soube de detalhes sobre sua morte, pois não houve sobreviventes. Por consenso geral, supõe-se ter ocorrido falta de energia, o que levou a nave a perder-se no vácuo existente entre as vias lácteas, totalmente desarvoradas. Nunca mais houve sinal de vida dele. Sem refletir, Everson falara em voz alta. Com a vantagem de poder ser ouvido por Gropp na central, deixando-o a par do que ocorria. Naturalmente Gropp não escutava as respostas da bola. — Então Harnahan está morto! Quem sabe eu encontre a nave dele algum dia! Não teria acontecido, caso eu estivesse atento.

Seguiu-se breve pausa, durante a qual Everson se pôs a calcular a provável distância do primeiro planeta daquele sistema. Quando chegou a um resultado aproximado, novos impulsos partiram da bola: — Quer dizer que os homens não me esqueceram? Perry Rhodan se lembrou de mim? Ele precisa de ajuda? — Sim — disse Everson, absorto. Preocupava-se com uma questão intrigante. — Como é que você veio para cá? O primeiro planeta fica a três anos-luz. Você pode saltar pelo hiperespaço como nossas naves? Sentiu algo semelhante a risadas invadir-lhe o cérebro. — Não salto pelo hiperespaço, Everson; vôo através dele. A diferença é enorme. Mas agora diga-me por que veio? Porque a Terra precisa de ajuda? Everson retardou a resposta. Fitava a superfície da bola, porém não via nada parecido com as afirmações de Harnahan. Não passava de uma superfície escura, que parecia absorver toda a luz. Não, agora ela refletia novamente. As pulsações eram irregulares, como se a bola respirasse. “Será que respira luz?”, pensou. Novamente ecoaram risadas na cabeça de Everson. — Você é ainda mais curioso do que Harnahan, Everson. Gostaria de conhecer, algum dia, um homem que não fosse curioso. Mas, provavelmente, isto me causaria tremenda decepção. Um homem desprovido de curiosidade, desinteressado da busca à verdade, e indiferente à razão de ser das coisas... será que tal homem existe mesmo? Everson despertou de seu estado de transe. Ignorou a pergunta feita. — Tenho uma mensagem de Perry Rhodan para lhe transmitir. Refere-se à promessa feita a Harnahan. Rhodan pede-lhe que vá até ele. Necessita de sua ajuda, senão o Universo estará perdido. Os druufs atacam. — Quem são os druufs? — Não sabemos propriamente quem são eles, apesar de já os termos encontrado. Vivem em outra dimensão temporal, que se prepara justamente para “raptar” a nossa. Existem zonas de superposição em vários pontos, pelas quais é possível passar de uma dimensão à outra sem empecilhos, e sem apelar para recursos técnicos. Os druufs valeram-se desta circunstância, e lançaram enormes frotas de guerra para nosso Universo, que planejam conquistar. Revidamos, porém o inimigo é superior. Depois de uma pausa, a bola emitiu o pensamento: — Repousei longamente, e ignoro o que tem acontecido. Porém tenho a impressão de saber quem são os que chama de druufs. Bem, sigo-o a fim de ajudar Rhodan. Onde está ele? Everson suspirou de alívio. — Não aqui nesta nave, porém no sétimo planeta de um sistema solar bem distante, que denominamos Mirta. Como... como conseguirá entrar na nave conosco? — Ora, até que eu poderia fazer o trajeto todo sozinho, mas isso me custaria muita energia, que levaria tempo para tornar a armazenar. Portanto, viajarei na nave junto com vocês. A fim de não pô-los em perigo, precisam me tratar como um objeto. Não me locomovo pelos próprios meios, quando pode ser evitado. Vou contrair-me também, para ocupar menos espaço. Retorne à nave, que eu o seguirei. Logo depois se passou algo que até aos olhos de Everson, mais do que habituado a presenciar cenas estranhas, pareceu milagre.

A bola começou a encolher visivelmente. Tornou-se menor e mais negra. Por fim reduziu-se ao tamanho de uma bola de tênis, porém continuava deitada no chão pedregoso. Seria impossível adivinhar onde fora parar a massa anterior, mas se estivesse concentrada naquele diminuto volume, o objeto devia ter-se tornado incrivelmente pesado. Conclusão evidentemente errônea, pois a bola subiu de repente, como se não tivesse peso algum. Alçando-se vagarosamente, parou na altura da face de Everson. — Processo rotineiro — avisou ela telepaticamente, como de costume. — E meu peso não aumentou. Energia e tempo são imponderáveis. Que esperamos ainda? Everson não deu resposta. Deu um passo atrás, e olhou para cima. Com um pulo oblíquo alcançaria a escotilha de embarque. Caso falhasse, teria que pular de novo. Acenou para a bola e tomou impulso. O cálculo fora quase exato — falhou por pouco. Antes de chegar à escotilha, tornou a afundar para o chão. Olhou ao redor. A bola preta se alçava lentamente e emparelhou com ele. Continuou a ascensão... e Everson a seguiu! Como se uma mão invisível o puxasse para a escotilha, depositando-o no umbral. E logo, por efeito do campo gravitacional artificial da nave, ele readquiriu o peso natural. A bola já entrara na câmara de pressão. Suspensa no meio da peça, emitia reflexos escuros, mas de cores cambiantes. Everson apertou um botão, fechando a escotilha externa. A câmara foi invadida por ar, até equilibrar a pressão. Só então a escotilha interna se abriria. Desembaraçando-se do pesado traje pressurizado, o coronel falou: — Daqui à central existe uma série de passagens e elevadores. Acha que pode seguir-me sem perigo? — Segure-me em sua mão, Everson! O oficial hesitou. Confiava no estranho e inexplicável ser, certo de que não faria nada que o prejudicasse. Não obstante, intimidava-se um pouco diante da perspectiva de segurar na mão nua uma porção de energia ou tempo. Estendeu o braço com certa relutância, e abriu a mão. A bola “rolou” no ar e pousou suavemente na palma da mão de Everson. Ele teve a sensação de tocar algo frio e leve. — Isso é tudo — emitiu a bola, divertida. Everson cerrou os dedos sobre a pequena esfera e saiu para o corredor. Percorreu as passagens da nave como num sonho, acabando por atingir a central. O Tenente Gropp suspirou aliviado ao ver entrar o superior. — Graças aos céus, coronel! Achou a bola? — Está aqui na minha mão — replicou Everson, estendendo o braço na direção do tenente. A bola repousava calmamente no côncavo da mão. — É esta a bola de Harnahan. Gropp fitou-a, aturdido. — Isto... isto é... — Rhodan espera! — ecoou o pensamento urgente nos cérebros dos dois homens. — Não devemos tardar mais, já se desperdiçou tempo em demasia. Não sei se minha ajuda será decisiva, mas quero tentar, pelo menos. Caindo em si, o Tenente Gropp voltou a ocupar-se com o cérebro positrônico, a fim de calcular os dados para a transição. Everson disse à bola:

— Será que é capaz de ajudar? Rhodan conta firmemente com isso... — Talvez eu devesse ter dito que espero que aceitem minha ajuda — veio a resposta meio misteriosa.

2 Há vários milhares de anos-luz da Terra, existia uma brecha no Universo. Brecha de bilhões de quilômetros de comprimento e largura, oscilando entre meio e pouco mais de um ano-luz. Resultara da superposição parcial das duas dimensões temporais e mantinhase, surpreendentemente, em total estabilidade. Bordejava apenas a Via Láctea, progredindo com a velocidade relativamente reduzida de cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo. Tratava-se de uma chamada zona de descarga no Universo einsteiniano, e permitia tanto o acesso quanto o retorno do Universo dos druufs, sem recorrer a artifícios técnicos. Porém os druufs se mantinham alertas. Diante da brecha postara-se uma poderosa frota bélica do robô-regente de Árcon, que compreendera finalmente o perigo que ameaçava seu império. Eram mais de cinqüenta mil naves, tripuladas em sua maioria por robôs; atacavam ferozmente as unidades invasoras dos druufs, procurando aniquilá-las. Venciam às vezes, porém também se viam naves-robôs espalhar-se desarvoradas espaço afora. Neste embate de dimensões galácticas, era Rhodan que desempenhava o papel de observador oculto. Tornava-se um terceiro partido, por enquanto ainda neutro. Com o grosso de sua frota de batalha terrana, tomara posição no sistema Mirta, a vinte e dois anos-luz do cenário da gigantesca batalha. No sétimo planeta, Fera Cinzenta, existia uma base terrana muito bem camuflada. Era ali que Perry Rhodan recebia as informações enviadas por suas naves de observação. O quadro ia se completando. O cruzador ligeiro Líbano comunicou: — Unidades dos druufs avançam para o nosso espaço, sendo engajadas em violenta luta com a frota do regente de Árcon. Baixas de ambas as partes. Comunicado do girino K-28: — As dimensões temporais não sofreram maior aproximação. A diferença se mantém constante. Os druufs se movem com metade de nossa velocidade. Bell recebia os comunicados com ar aborrecido. Junto com Perry Rhodan e alguns oficiais, ocupava a central de comando subterrânea em Mirta VII. No recinto brilhantemente iluminado, destacavam-se as inúmeras telas e instrumentos que recobriam as paredes. Rhodan, pelo contrário, irradiava atividade. Apertou vivamente um botão abaixo de uma das telas, sobre a qual acabara de acender-se uma luz vermelha. O rosto de um oficial apareceu. Nova mensagem do cruzador ligeiro Líbano. — Calculadas em dez mil as unidades arcônidas concentradas num mesmo ponto. Planejam aparentemente avançar para a dimensão dos druufs. Continuamos em nosso posto de observação, a 1,5 anos-luz da brecha. — Pronto! — exclamou Bell, com os cabelos ruivos nervosamente eriçados. — Passaram-nos à frente! Sorrindo, Rhodan replicou:

— Pouparam-nos parte do trabalho, no máximo. Não se afobe, Bell, dificilmente conseguirão arrasar o sistema pátrio dos druufs. Este é grande e poderoso demais para isso. Mas talvez os druufs consigam capturar e examinar algumas das naves do regente... — E que proveito espera disso? — quis saber Bell. — Um bocado, meu caro. Os druufs constatarão, por exemplo, que não lutam contra viventes normais, porém contra robôs. Fato que abre perspectivas inteiramente novas para nós. A curiosidade de Bell se inflamou. Estava certo de que iria conhecer agora a solução do segredo que Rhodan deixara entrever, porém para sua decepção Rhodan disse: — Acho que os velhos provérbios continuam válidos. Devia memorizar alguns deles, Bell. Sem se importar com a fisionomia desiludida do amigo, atendeu a próxima chamada da central radiofônica, e estabeleceu a comunicação desejada. Na tela surgiu um rosto conhecido. — Comunicado da Kublai Khan, Coronel Everson: Missão no sistema Tatlira cumprida com êxito. Aterrissamos dentro da meia hora necessária para o vôo regular de aproximação. — Obrigado — replicou Rhodan, evidenciando seu alívio. — Aguardamos sua presença na central de comando de Mirta VII. A tela escureceu. Os homens se entreolharam em silêncio. Rhodan disse: — Agora resta verificar se a herança do sargento Harnahan tem algum valor ou não. — Eu não esperaria demais — opinou Bell. — Afinal, trata-se apenas de um espírito. E um espírito do passado, ainda por cima. Uma “bola” que vive da luz das estrelas! Que que há!? Rhodan permaneceu sério. — Eu não falaria assim, Bell. A bola pode estar escutando, e tentar vingar-se. Com um choque elétrico, quem sabe? Visivelmente encabulado, nem por isso Bell reprimiu uma observação zombeteira: — Prefiro contar com as armas energéticas, e com os mutantes. Sabe lá o que é que o tal Harnahan andou imaginando naquela ocasião? — Não ouviu Everson confirmar o êxito da missão? E dei-lhe a incumbência de trazer a bola... Bell recolheu-se ao silêncio. Um dos oficiais levantou a mão. — Atenção, Sir, uma mensagem! Rhodan calcou o botão. Um homem com o distintivo de cientista surgiu na tela. Integrava o grupo de sábios que desempenhava importante papel naquela gigantesca briga pelo poder no Universo. — Sir, submeti ao cérebro positrônico as perguntas apresentadas. Posso dar-lhe as respostas agora? Rhodan compreendeu a hesitação do homem. Não sabia se todos os presentes na central de comando deveriam ser iniciados. — Fale à vontade — instruiu Rhodan. — Não temos segredos para com nossos oficiais-dirigentes. Com um aceno, o cientista começou a ler uma fita. — Para melhor compreensão, repetirei as perguntas feitas originalmente — explicou. — Primeira pergunta: que teria acontecido caso o regente de Árcon e sua frota não tivessem descoberto a brecha para o Universo dos druufs? Resposta à primeira pergunta: o regente prosseguiria em suas tentativas de encontrar a posição galáctica da Terra, a fim de atacar o Império Solar, e submetê-lo à sua soberania.

“Segunda pergunta: existe possibilidade de Árcon derrotar os druufs? Resposta à segunda pergunta: as possibilidades são escassas. Não há base para tal suposição. “Terceira pergunta: existe possibilidade de os druufs derrotarem a frota de Árcon? Resposta à terceira pergunta: as possibilidades são mínimas. Novamente, não há base para a suposição. “Quarta e última pergunta: o regente emite incessantes pedidos de socorro a Perry Rhodan. Por que requisita auxílio contra os druufs, se se acha suficientemente poderoso para vencer o adversário? Resposta à quarta e última pergunta: a tomada de contato com a Terra visa unicamente determinar a posição deste planeta. A ajuda contra os druufs não passa de um meio para um fim. Fator de probabilidade cerca de 98,7964 por cento.” Fez-se um silêncio expectante na central de comando. Por fim, Perry Rhodan disse: — Obrigado, Henderson. Tenho mais perguntas para processamento, mas não são urgentes. A tela escureceu. Bell remexeu-se, inquieto. — Quer dizer que o cérebro-robô continua querendo encontrar-nos! — constatou. Sua voz sem expressão não revelava nada. — Dir-se-ia que se entrementes ele tivesse percebido que... — Espera do cérebro positrônico, do maior cérebro positrônico da Galáxia, algo como percepção? — perguntou Rhodan, admirado. — Engano seu, Bell. O regente do império dos arcônidas só se guia pela lógica. E justamente a lógica lhe diz que representamos um perigo. Logo, o perigo precisa ser afastado. Assim é que ele foi programado há milênios. E mantém tal linha de conduta, pelo menos enquanto não passar por uma reprogramação. — Ele não nos garantiu sua amizade? — Amizade! — Rhodan colocou na voz todo o desprezo que sentia. — Pode imaginar uma máquina sentindo amizade? O regente conhece apenas objetivo e finalidade, mas não sentimentos. Precisamos pensar de maneira idêntica, caso quisermos sobrepujá-lo. Este é o truque! — Bem, de momento, o regente tem outras preocupações. Os druufs estão lhe dando tanto trabalho quanto a nós. — Portanto os druufs vêm a ser inimigos comuns do regente e da Terra — concluiu acertadamente um dos oficiais presentes. Com ar matreiro, Rhodan respondeu, sorrindo: — Conforme já comentei com Reginald Bell, os velhos provérbios continuam válidos. Refiro-me ao conhecido “onde dois brigam, o terceiro tira proveito”. Reflita, general! Afirmou que o regente e nós possuímos um inimigo comum nos druufs. Isto significa que deveríamos aliar-nos a Árcon. — Apenas aparentemente, é claro! — apressou-se a assegurar Deringhouse. Sentia certo constrangimento por ter dado ocasião ao surgimento de um mal-entendido. Rhodan continuava a sorrir. — Que acha de nos aliarmos, aparentemente, é claro, com os druufs contra Árcon? O profundo silêncio que se seguiu foi quebrado pelas risadas de Bell. O general parecia chocado, porém não disse palavra. Talvez por esta mesma razão. — Com os druufs contra Árcon! — Bell não conseguia acalmar-se. — Genial, Perry! Verdadeiramente genial! — após uma pausa, ele acrescentou de repente: — Mas como assim? Que significa isso tudo?

— Muito simples. Teríamos contato com os druufs, e oportunidade para conhecer na maior calma a terra natal deles. Nossa breve estadia lá, de caráter meramente acidental, não nos deixou ver grande coisa. Desta vez percorreríamos Siamed como visitantes oficiais. Siamed era um sistema de estrela dupla, situado além da barreira de tempo. No 13o planeta já existia uma base secreta de Rhodan. Já o berço natal dos druufs media o dobro da Terra e possuía gravidade duas vezes mais forte. — E como imagina fazer isso? — perguntou Bell, a quem evidentemente não agradava nem um pouco aquela idéia de ir procurar os druufs. — Acha que esses hipopótamos inchados esperam justamente por nós? — Não exatamente. Mas sem dúvida surgirá alguma oportunidade de demonstrarlhes nossas intenções amistosas. Isto os poria intrigados e curiosos. Bell mergulhou em profundas cogitações. Rhodan olhou para os oficiais. — Podem retornar a suas naves, senhores. O estado de alarma continua em vigor. Aguardem novas instruções. Sozinho com Bell, ele disse: — As próximas horas trarão momentos decisivos. Ao contrário de você, espero que a bola outrora encontrada por Harnahan nos seja útil. Desconheço a natureza dela, mas estou certo de que não é nossa inimiga. Ela própria me afirmou isso. O Coronel Everson deve aterrissar a qualquer momento. Vá recebê-lo. Eu aguardo aqui, e aviso John Marshall e os demais mutantes na Califórnia. Gostaria de tê-los presentes por ocasião da chegada de nossa hóspede. Levantando, Bell encaminhou-se para a porta. — Hóspede! — exclamou, zangado. — Quem diria! A decepção será tanto maior depois! Rhodan viu-o sair, com um sorriso nos lábios. Com toda a sua inteligência, Bell ainda não conseguira habituar-se totalmente a raciocinar em termos cósmicos, conforme se fazia necessário na era das viagens espaciais. Vitalmente necessário! *** Ao penetrar na sala iluminada, o Coronel Everson viu-se diante de uma série de fisionomias ansiosas. À esquerda, sob as telas, sentavam-se Perry Rhodan e Bell; logo em seguida, John Marshall, Fellmer Lloyd, Wuriu Sengu e Ralf Marten. Um pouco distante, Atlan estava de pé, com um sorriso ligeiramente desdenhoso nos lábios. Bem à frente, o rato-castor Gucky acocorava-se nas patas traseiras, apoiando-se na grossa cauda de castor; suas orelhas estavam empinadas, e não se via sinal do dente roedor. Everson tomou posição de sentido. — Apresento-me de volta da missão, Sir — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Ordens cumpridas. — Obrigado — falou o administrador do Império Solar. — Por favor, tome lugar e relate o que aconteceu. Everson sentou-se com estranha cautela, como se levasse ovos frescos no bolso. Depois contou laconicamente e em poucas palavras suas experiências no sistema Tatlira. Quando terminou, Rhodan acenou com a cabeça.

Everson pôs a mão no bolso. Ao estendê-la para diante, via-se nela uma bolinha negra com mais ou menos seis centímetros de diâmetro. Ficaria oculta num punho cerrado. A superfície era lisa e inteiriça, e parecia pulsar levemente. — Isto — declarou Everson calmamente — é nosso velho amigo Harno, e tem cinco milhões de anos. É assim que ele deseja ser chamado, em memória de seu primeiro amigo humano, Harnahan. Os homens fitavam a bola, espantados. Rhodan ergueu-se lentamente, encaminhando-se para Everson. Seus olhos descansaram pensativos e interessados sobre a bola preta. Estacou diante do coronel. — Não é a aparência, e sim as ações e intenções que determinam o valor de um amigo — falou, acentuando significativamente as palavras. — Harnahan dizia em seu relato que a bola media meio metro de lado a lado. Além disso, ela falou com ele, e comigo. Ainda é capaz disso? Não apenas Rhodan, porém todos os presentes compreenderam a resposta muda que lhes invadiu repentinamente o cérebro: — Tem razão, Perry Rhodan! Não é a aparência que determina o valor. Mas se sabe disso, não precisaria ter-se preocupado com o fato de me ver tão pequena hoje. Bolinhas não são mais fáceis de transportar do que bolas grandes? — Perdoe-me — replicou Rhodan, inclinando-se ligeiramente diante da bola. — Alegro-me por encontrá-lo, Harno. Conhece os motivos... — Conheço-os — veio a resposta muda, antes que Rhodan pudesse completar a frase. — Necessita de ajuda contra os druufs, como vocês os chamam. A mensagem telepática cessou bruscamente. A bola se alçou devagarinho das mãos de Everson, e ficou suspensa diante da face de Bell, que a fitava de olhos esbugalhados. — Que é um ventríloquo? Bell foi alvo de todos os olhares. Com os cabelos eriçados como cerdas rubras, o lugar-tenente de Rhodan sentia-se imensamente constrangido por se ver centro das atenções. Rhodan tirou-o do embaraço. — Precisa perdoá-lo, Harno, ele se enganou. Julgou que um de nós estivesse se divertindo com ventriloquia telepática. Ou seja, ele ainda não acredita plenamente em você. Mas mudará de idéia. A bola recuou e subiu até as proximidades do teto. Sua cor mudou de repente, e começou a crescer visivelmente, até alcançar meio metro. Reluzia agora em tom esbranquiçado. E depois surgiu na curvatura externa uma imagem colorida. Confusa de início, ajustou-se até adquirir nitidez, como se alguém tivesse regulado a televisão. Com um grito, Bell apontou para a bola. — Não...! Não é possível! Todos viram o quadro, que, no entanto, não justificava tamanha excitação. Afinal, muita gente tinha em casa, como animais de estimação, os graciosos possoncais de Vênus. Facilmente domesticáveis, mantinham-se escrupulosamente limpos, e obedeciam à risca. Estirado num sofá, o possoncal dormia, com uma fita vermelha atada ao pescoço. Distinguia-se claramente o nome, gravado a ouro.

— Mas é Wutzi! — exclamou Bell, cheio de assombro. — Céus! Como é que Wutzi foi parar, em tamanho quase natural, naquela bola lá em cima? Claro que se trata de Wutzi! Então não vou reconhecer meu quarto em Terrânia? Ninguém se manifestou. Só aos poucos os presentes foram tomando consciência da significação do que viam. A bola suspensa no teto mostrava algo que se encontrava presentemente a 6.562 anos-luz dali. Harno, o misterioso ser-bola, aceitara o desafio de Bell e provara sua capacidade. — E então? — piou alguém, com mal-disfarçado sarcasmo. — Que diz agora, gorducho? Era Gucky, o rato-castor. Careteando, exibia agora seu dente roedor. o que demonstrava excelente disposição. Atitude, aliás, adotada costumeiramente sempre que via seu amigo do peito Bell em maus lençóis. Rhodan olhou para cima. — Está bem, Harno. Creio que agora também meu amigo Bell reconhece seu valor. Preciso falar com você. A imagem desapareceu da bola. Porém ela manteve o mesmo tamanho ao flutuar lentamente para baixo, detendo-se diante de Rhodan. Continuava alva e opaca como uma das telas na parede. — Da mesma forma poderia mostrar-lhes o fim do Universo — veio o já conhecido impulso de pensamento. — Basta um dos presentes concentrar o pensamento nisso. O tema foi bruscamente trocado. — Sou-lhe grato por não ter me esquecido, Rhodan. Apesar de poder praticar uma série de proezas que lhe pareceriam misteriosas, e me fariam parecer onipotente aos seus olhos, também a mim a natureza fixou limites. Juntos talvez possamos sobrepujálos. Pelo menos, os que não são proibidos. — Proibidos? — perguntou Rhodan, estremecendo como se uma corrente de ar gelado tivesse soprado pelo recinto. — Proibidos por quem? Não se surpreendeu demais com a ausência de resposta. De repente, a voz de Atlan se fez ouvir no silêncio reinante. — Harno, nós já nos encontramos alguma vez? — Conheço-o, almirante dos antigos arcônidas — dizia a voz telepática. — Na última vez que nos vimos, sua farda ainda era autêntica. Assombrado, Atlan percorreu com olhos seu vistoso uniforme de almirante, fielmente copiado por profissionais terranos. Desistiu de fazer novas perguntas. Gucky careteou mais uma vez. Parecia estar se divertindo à grande. Rhodan foi direto ao assunto. — Creio que as apresentações estão feitas, Harno. Sabe por que mandei buscá-lo Necessito de seus conselhos e ajuda para luta contra os druufs. Conhece-os? — Sim, conheço-os, Rhodan. A aparência deles é diversa da de vocês, apesar de o parentesco ter sido maior há um milhão de anos. Naquela época, a dimensão temporal deles era independente, e era difícil encontrá-los. Nos últimos milhares de anos, as superposições vêm representando sério perigo; mas não vai se prolongar por mais muito tempo. No entanto, ocorrerá ainda uma justaposição de tempo; porém esta não facilitará a invasão mútua. Algo como encontro de dois imensos enxames de estrelas cujas bordas se roçassem por um momento, para prosseguir cada qual e seu rumo. Haveria colisões entre alguma estrelas, mas depois a calma retornaria, e nenhum dos grupos seria afetado pelo outro. Entendeu a imagem formulada pelo meu pensamento, Rhodan?

— Nossos cientistas imaginaram algo semelhante — confirmou Rhodan. — Só ignorávamos que o perigo decresce. — Decresce, sim, de modo relativo. Por que quer atacar os druufs? Rhodan hesitou. — Estão penetrando em nosso Universo, e tentam valer-se das zonas de superposição para seus próprios fins. Despovoaram, intencionalmente ou não, mundos inteiros. Ameaçam nossa existência. — Prometi a Harnahan ajudá-los se alguma vez necessitassem de auxílio, terrano. Mantenho a promessa feita. O segundo adversário de vocês é o cérebro-robô de Árcon. A luta contra ele é mais importante do que bater os druufs. Só quando o cérebro for posto fora de combate é que os dois poderosos reinos estelares poderão ser unidos. — Está se adiantando à evolução dos latos — disse Rhodan, em tom acusador. — Tratemos dos druufs primeiro. É nosso problema mais premente. Acabou de dar-nos prova de sua capacidade, Harno. Podemos contar com você para ver o que se passa à distância? Mais não lhe peço. — Eu sou Harno, o televisor. A seguir, o incompreensível ser se manteve mudo. Mas Rhodan tinha a inabalável certeza de que podia confiar em Harno. — Há meia hora esbocei diante de Bell um plano que gostaria de executar o mais depressa possível — começou ele, dirigindo-se aos mutantes. O Coronel Everson e Atlan manifestaram seu assentimento; compreendiam que por ora era melhor ignorar Harno. — Os inimigos de vocês são também nossos inimigos, portanto somos amigos. Esta frase antiga ainda é válida hoje. O regente de Árcon é nosso inimigo tradicional; os druufs lutam contra ele. Portanto, vamos aliar-nos aos druufs. O Coronel Everson aprontou-se para falar, mas depois preferiu ficar calado. Atlan sorriu significativamente. Os mutantes olharam para Rhodan espantados. Nem mesmo John Marshall, dirigente e melhor telepata do corpo de mutantes, entendeu. Rhodan “blindara” seus pensamentos. — Aparentemente apenas, claro — explicou Rhodan, desistindo de atormentar por mais tempo seu pessoal. — Não faltará oportunidade para lhes demonstrarmos nossa inimizade. Durante as negociações; com os druufs, fortalecemos nossa base no sistema deles. O 13o planeta de seu sol, a qual demos o nome de Hades, fica em posição favorável. Escavamos uma montanha, onde instalamos, entre outros instrumentos, um transmissor fictício. Via de remessa para os reforços... Coronel Everson! Encarregue-se de pôr a Drusus, a Kublai Khan e o cruzador ligeiro espacial Califórnia em condições de decolagem. Receberá instruções mais detalhadas posteriormente. John Marshall e os mutantes irão comigo. Assim como Atlan, Bell e... — ...Gucky! — interrompeu o rato-castor. — ...e Harno — continuou Rhodan, impassível. Só depois se voltou para o ratocastor. — Não faz parte dos mutantes, por acaso, Gucky? Uma alegre careta mostrou que este não se sentia ofendido. — Quase esqueci que sempre costumam me incluir erroneamente entre os humanos — comentou ele, piscando para Bell. — Formaremos uma boa turma! Vai ser divertido! — Eu não me mostraria assim tão otimista — recomendou Rhodan, gravemente. — O que nos espera não é nenhuma excursão recreativa. Conforme se diz tão apropriadamente, vamos nos meter na cova do leão.

— E daí? — piou Gucky, com ar de pouco caso, bamboleando em direção à porta. Pouco se lhe dava o que acontecia, desde que houvesse novidades. *** O Coronel Sikermann passara novamente o comando do cruzador leve especial a Mareei Rous, já promovido a capitão; retornou à Drusus, nomeada nau capitania do empreendimento. A bordo encontravam-se Rhodan, Atlan, Harno e os mutantes. A Kublai Khan, sob as ordens do Coronel Everson, completava o grupo. Quando as duas supernaves de guerra, com seus diâmetros de quilômetro e meio, dispararam sem aparente esforço para o alto, a Califórnia, de cem metros de largura, parecia uma mera bolinha diante delas. Muito abaixo, na superfície de Mirta VII a camuflagem tornou a deslizar sobre a base subterrânea, deixando ver apenas uma área plana com vegetação rala. Nem o mais desconfiado observador poderia suspeitar que ela ocultava uma das mais poderosas bases militares dos terranos. À medida que as naves ganhavam velocidade, o planeta ia mergulhando nas profundezas do espaço. O salto iminente através do hiperespaço, cobrindo vinte e dois anos-luz, não poderia ser detectado por sensor estrutural algum; todas as naves terrestres estavam equipadas atualmente com os novos neutralizadores de freqüência, que absorviam qualquer abalo tempo-espacial. Cada qual possuía também instalações de transmissão de matéria, que lhes permitiam enviar gente e materiais a grandes distâncias, desde que no local de destino houvesse estação correspondente, devidamente sintonizada. Sentado diante dos controles da gigantesca Drusus, Sikermann mantinha contato radiofônico permanente com a Kublai Khan e com a Califórnia. Rhodan, Bell e Atlan encontravam-se igualmente na central da Drusus, pois evidentemente as frotas do regente não tardariam a dar por sua presença nas vizinhanças da zona de descarga. Junto ao teto, pequenino e insignificante, flutuava Harno. Os mutantes tinham se instalado com John Marshall na cantina menor, e matavam o tempo com xadrez tridimensional. Jogo tremendamente complexo, se comparado com o xadrez tradicional. Em vez de bidimensional, o tabuleiro era cúbico. Os 64 quadrados, alinhados oito a oito, multiplicavam-se por oito. Desprovido de peso por efeito de um radiador antigravitacional, o cubo flutuava no ar. As peças obedeciam a impulsos teleguiados. Quem visse pela primeira vez o novo jogo, ficaria confuso diante da multiplicidade de figuras encerradas no cubo transparente. Do ponto de vista matemático, a diferença entre o xadrez tradicional e o tridimensional não consistia simplesmente em multiplicar por oito a dificuldade da partida. Com a passagem de um plano a outro, as variações iam ao infinito. Unicamente jogadores excepcionalmente hábeis conseguiam chegar ao fim de uma partida, levando horas, ou até dias. Por outro lado, a maioria dos mutantes era telepata. Mesmo jogando contra parceiros de mente bloqueada, o adversário acabava achando jeito de dar uma espiada nos pensamentos do rival, adivinhando-lhe as intenções. No entanto, tal espionagem mental em nada facilitava o jogo, nem influía no resultado final. A estrutura era complexa demais para beneficiar-se de dicas tão insignificantes. Depois de acompanhar a partida por algum tempo, Gucky bocejou, lutando contra a sonolência que o invadia. Ainda faltava meia hora para as naves alcançarem a velocidade necessária à transição.

Saiu da cantina e andou um pouco pelo corredor. Depois teleportou-se com um curto salto para uma parte afastada da nave, onde achou uma cabina desocupada. Pulou para o leito, planejando tirar um cochilozinho naquele recanto sossegado. Enrodilhou-se e fechou os olhos. No entanto, caso quisesse realmente dormir, precisava bloquear a mente contra os pensamentos da tripulação. Seu cérebro zumbia como uma colméia. Sua consciência captava todo e qualquer impulso mental de cada ser inteligente a bordo e... Gucky era dotado de generosidade suficiente para incluir os homens entre os seres inteligentes. “O pensamento desse pessoal atrapalha meu sono”, pensou. Era uma mistura infernal. Mas, como cada “transmissor” possuía “freqüência” individual, bastava sintonizar de maneira adequada o “receptor”. Desta forma, era fácil isolar com clareza e nitidez cada impulso. Mais ou menos como num aparelho de rádio. Gucky viu que, afinal, não estava tão cansado quanto supunha. Começou a achar graça na seleção dos diversos impulsos mentais. — ...se, pelo menos, eu não tivesse tratado Betty tão... Gucky gemeu, desalentado. Poxa, será que os homens só sabiam pensar em mulheres? Ainda mais ali, a seis mil anos-luz da Terra! Como se não existisse outro assunto... Mudou a “freqüência”, e continuou a escutar. — ...maravilhosas, as mulheres de Terrânia... Era o rotundo cozinheiro da Drusus! Devia estar pairando com algum de seus ajudantes. E falavam de quê? Suspirando, Gucky continuou na escuta. — ...quero se mico de circo se a tal bola nos vai servir para alguma coisa! Gucky não gemeu nem suspirou. Endireitou-se no leito como se algo o tivesse mordido. Era Bell! O rato-castor captara casualmente o “comprimento de onda” do lugartenente de Rhodan. E, como de hábito, Bell pensava em Harno, de cuja capacidade não parecia muito convencido. “Injustamente, aliás”, refletiu Gucky. “Harno não provou justamente àquele ruivo suas qualidades? E de maneira bastante conclusiva...” Rindo, Gucky recordou a expressão apalermada de Bell ao ver refletido na superfície abaulada de Harno justamente Wutzi, seu possoncal domesticado. E continuava duvidando! Gucky perdeu a vontade de rir. Recostando-se na parede, concentrou o pensamento: — Harno, pode me entender? Dê um sinal, caso estiver me ouvindo. Harno! Sou eu, Gucky! Sem contar com resposta imediata, surpreendeu-se ao sentir os fortes impulsos mentais: — Sim, Gucky, ouço e vejo você. Por que fecha os olhos para falar comigo? O rato-castor olhou em torno, sobres-saltado. Não havia ninguém na cabina além dele próprio. Nem sinal da bola. — Para mim, é mais fácil fazer contatos telepáticos com os olhos fechados. Talvez não possa compreender isso, Harno, pois não possui olhos. Aliás, como é que enxerga sem olhos? Harno riu. O incrível ser era realmente capaz de rir, se bem que as risadas fossem apenas uma impressão na consciência do interlocutor.

— Existem numerosos seres que enxergam sem olhos, falam sem boca, e escutam sem ouvidos. O Universo está repleto de maravilhas, basta saber descobri-las. Gosto de você, Gucky! Onde fica sua pátria? Gucky se engasgou, encabulado. Depois falou em voz alta e comovida: — Quer ser meu amigo? — Com prazer, Gucky. Mas já não somos amigos? — Pode vir para onde estou? — Lamentavelmente não posso teleportar-me. Matéria sólida representa obstáculo para mim; não posso atravessá-la sem causar destruição. Mas você pode vir me buscar. — É pra já! — replicou Gucky, satisfeito por constatar as limitações de Harno. Concentrou-se e saltou. Ficou meio chateado por ninguém se assustar quando rematerializou-se na cabina de comando. Bell levantou o olhar e riu. — Bem que você poderia vir a pé uma vez, como qualquer pessoa normal. Gucky sorriu maliciosamente. — Em primeiro lugar, não sou gente; em segundo, não se meta na minha vida, mico de circo! Bell deixou cair o queixo, ficando com um ar cômico. — Que... foi... que... disse? — gaguejou, com evidente perturbação. Sem lhe conceder a menor atenção, Gucky voltou-se para o teto, onde a pequena bola continuava flutuando, em total imobilidade. — Não tenho razão, Harno? Concorda comigo que de ora em diante o gorducho só deve ser chamado de mico de circo? Foi ele mesmo que quis... Bell perdeu a compostura. — Esse bicho é um espião mental! Não se pode mais nem pensar em paz... Desviando o olhar da tela, Rhodan captou de relance o olhar divertido de Atlan, e levantou ameaçadoramente o indicador. — Atenção, pessoal! Transição dentro de vinte minutos... Não sabem senão brigar? Gucky apontou para Bell. — Foi ele que começou! Por que formula mentalmente coisas tão tolas? Essas coisas a gente não diz nem para si mesmo... — Com voz melosa, continuou: — Vamos indo, Harno? O rato-castor estendeu a pata, e a bola desceu suavemente do teto, pousando na “mãozinha” aberta. — Espero que a desmaterialização não o afete — disse Gucky. — Estou verdadeiramente curioso por verificar — falou a voz telepática, ouvida por todos os presentes. — Salte! — Até logo mais! — disse Gucky, concentrando-se. — Até logo, mico de circo! — depois teleportou. A última imagem visível do rato-castor foi um brilhante e sorridente dente incisivo. O hipersalto decorreu perfeito e sem complicações. Quando o Universo e as estrelas reapareceram, os rastreadores estruturais entraram em ação automaticamente. Valendo-se do hiper-rádio, funcionavam à velocidade da luz. Os avisos de posição começaram a chegar. — Esquadrilha numerosa 25° à nossa direita. Rumam em sentido oposto, obliquamente. Não há perigo de colisão. Zona de descarga a 0,2 anos-luz de distância. Naves isoladas à frente, em rumos diversos. Devem aparecer nas telas agora. Sikermann hesitou, até receber sinal de Rhodan.

Entendendo imediatamente, o comandante ligou o telecomunicador. — Aviso à tripulação! Postos de combate, atenção! À Kublai Khan e à Califórnia: prontidão para combate! Vieram as confirmações. Em questão de segundos, as três naves se transformaram em fortalezas inexpugnáveis, cujo poder de fogo seria capaz de arrasar sistemas solares. Harno ocupava novamente seu lugar junto ao teto. Estivera em companhia de Gucky por vinte minutos, e ninguém sabia o que haviam conversado. Bell sentiu um friozinho na boca do estômago ao pensar nisso, porém logo afastou deliberadamente a lembrança incômoda. Afinal, tudo não passara de brincadeira... A grande tela panorâmica mostrava agora alguns pontinhos, arrastando-se lentamente pela superfície curva. Deviam ser as naves do regente de Árcon, bloqueando a entrada para a outra dimensão temporal. Nada indicava luta iminente entre os dois adversários. Tudo parecia calmo e tranqüilo. Evidentemente, a tentativa de invasão dos druufs tinha sido repelida. Rhodan disse a Atlan: — Tudo seria bem diferente se Árcon estivesse sendo governado por arcônidas autênticos, e não por um traiçoeiro cérebro-robô. Unidos a Árcon, afastaríamos rapidamente a ameaça dos druufs. O grotesco da situação é que nós, os terranos, nos vemos forçados a lutar contra e a favor de ambas as partes! O terceiro poder, por assim dizer... Atlan concordou. — Do ponto de vista do Império, os druufs são o maior perigo. Se eu fosse imperador de Árcon, aliar-me-ia aos terranos para aniquilar os druufs. — O cérebro-robô chegou a conclusão idêntica, só que não cumprirá o acordo quando o perigo for afastado. Não hesitaria em jogar suas frotas contra a Terra, assim que descobrisse nossa posição. Atlan assentiu, acenando com a cabeça. — Enquanto o Império for governado por uma máquina, os arcônidas não poderão inteirar-se da localização do setor da Via Láctea no qual se encontra a Terra. Por mais digna de confiança que seja, uma máquina jamais altera seu modo de pensar, justamente por ser digna de confiança. Quer governar, e não conhece amizade. Apenas o objetivo a atingir. Julgo, portanto, que agimos acertadamente. Voltando-se, Rhodan fitou Atlan. — Analisa a situação sob o ponto de vista terrano, almirante...? Atlan confirmou. — Que mais poderia fazer, bárbaro? Como Crest, sou praticamente terrano. Situação que só pode mudar quando a ordem for restabelecida em Árcon, com um arcônida autêntico no poder. Até lá, porém... A frase ficou incompleta, mas todos compreenderam o que Atlan queria dizer. Sikermann falou: — Três naves à frente. Aproximam-se de nós, com metade da velocidade da luz. Devo alterar o curso? — Pode identificá-las? A resposta veio da central radiofônica: — Duas naves arcônidas atacam uma nave menor dos druufs. Vão destruí-la. A decisão de Rhodan foi instantânea — Aproxime-se mais, Sikermann! A tela mostrou maiores detalhes. Não havia dúvida de que as duas naves do regente eram tripuladas exclusivamente por robôs. O tipo lhes era familiar por encontros

anteriores: torpedos de arconite, em forma de fuso, com duzentos metros de comprimento, de funcionamento inteiramente automático. A nave dos druufs era menor, com o habitual formato cilíndrico, de proa e popa arredondadas. Disparava incessantemente contra o inimigo mais forte, cujos anteparos energéticos desviavam a radiação recebida. — A nave dos druufs tem pouca chance — observou Atlan. — Excelente! — fez-se ouvir a voz de Rhodan. Viu a nave dos druufs mudar de rumo e lançar-se em direção da zona de descarga. Os robôs perseguiram-na. Iniciava-se a feroz caçada. — Mantenha-se o mais perto possível, Sikermann. Voavam a pouca distância das três naves. Era de supor que os comandantes das naves fusiformes tomassem os três cruzadores esféricos de Rhodan por unidades arcônidas. Atitude facilmente compreensível, visto que as unidades terranas haviam sido construídas segundo os modelos de Árcon. Um fulminante jato energético emergiu da proa de um cruzador-robô, rompendo o anteparo da nave dos druufs. Devia ter aproveitado, puramente por acaso, o breve instante em que os aparelhamentos do adversário reabasteciam o armamento. Chamas ergueramse da popa da nave dos druufs. No entanto, os seres da outra dimensão temporal não entregaram os pontos tão depressa. Retribuindo o fogo, continuaram a precipitar-se velozmente para a brecha salvadora. Fugindo do universo relativista, tentavam retornar ao próprio mundo. Rhodan não perdeu tempo. — Sikermann — ordenou. — Avise a Kublai Khan! Abrir fogo imediatamente contra a nave-robô da esquerda! Nós atacaremos a da direita. Com cautela... Nada de destruí-la de vez. Tem que ser aos poucos. Ainda não quero revelar aos druufs a excelência de nossas armas. Em menos de dez segundos, os dois cruzadores espaciais abriram fogo. Fizeram uso apenas da artilharia mais leve, mas mesmo os raios mortíferos desta foram suficientes para romper os anteparos energéticos das duas naves-robôs. Ao mesmo tempo, rasgavam enormes rombos nos cascos. A voz calma e objetiva da central de rastreamento anunciou: — Novas unidades-robôs em aproximação. Estamos sendo atacados por um esquadrão. Rhodan tomou uma decisão-relâmpago: — Ordem para Everson e Sikermann: Destruir as duas naves-robôs! Imediatamente! A nave dos druufs avariada não aumentara a velocidade. Continuava a precipitar-se para a zona de descarga, sem mudar de curso. Restava-lhes vencer menos de uma horaluz. No entanto, voando com metade da velocidade da luz, ainda estavam distantes da salvação. Porém o comandante da nave dos druufs parecia ter percebido que ganhara um aliado. Cessou o fogo. O desfecho foi rápido! O fogo destruidor da Drusus e da Kublai Khan abateu-se sobre as naves oblongas de Árcon. A reação atômica instantaneamente desencadeada transformou a matéria em sóis radiativos, que se afastaram em velocidade inalterada. Depois fundiram-se num só, e a nuvem incandescente se expandiu gradualmente. Aos poucos decresceu, ficou mais rala e sumiu. Rhodan declarou, friamente:

— Estou curioso por saber se os druufs conhecem algo como gratidão. Seja como for, já é bastante significativo que o sujeito aí na frente ainda não nos tenha alvejado. Aproxime-se, Sikermann! Com toda a cautela e prontos para disparar, avançaram lentamente para perto da nave salva. Alguns quilômetros apenas as separavam. Pouco restava da popa da nave dos druufs; no entanto, havia ainda alguns jatos, ou o que quer que fosse, funcionando. A nave não se transformara propriamente num destroço, e tinha condições para chegar à sua base pelos próprios meios. Novamente informações da central de rastreamento: — Nave do regente se aproximando. Distância... Rhodan acenou. — Parece que vamos ter oportunidade de salvar mais uma vez o druuf avariado. Ótimo, “nó duplo segura duas vezes melhor”! A espera foi breve. Menos de uma hora. Sete unidades menores emergiram de repente, do vazio lateral, e atacaram sem o menor aviso. Pela tática, depreendia-se que não eram pilotadas exclusivamente por robôs. Ao menos o comandante devia ser arcônida ou saltador, o que era mais provável. — Pelo visto, já suspeitaram que não somos arcônidas — opinou Bell. — Talvez tenham captado mensagens radiofônicas das naves-robôs abatidas. Rhodan não respondeu. Preocupava-se em iniciar o contra-ataque. O druuf alterou ligeiramente o curso, dando a nítida impressão de que viria em auxílio do salvador desconhecido; porém logo retomou o rumo inicial, buscando célere a própria segurança. A luta foi breve. Seis dos agressores incendiaram-se por trás dos anteparos energéticos rompidos. Apenas o sétimo recebeu um tiro de raspão, e desviou. Rhodan poupara intencionalmente a nave na qual se encontrava um homem. O que lhe proporcionava ainda uma “vantagem” adicional: o regente seria informado acerca do novo aliado dos druufs. Uma hora após, romperam junto com o druuf o cerco dos arcônidas e mergulharam sem empecilhos no Universo estranho. Por trás deles, a brecha tremeluzia, ocultando as estrelas. Outras surgiram no lugar delas. As estrelas dos druufs!

3 No Universo dos druufs, o compasso temporal era diferente do terrano. A adaptação reduzira gradualmente a diferença. Enquanto a princípio toda a vida neste Universo decorria 72 mil vezes mais devagar, atualmente a relação era apenas de um para dois. Em outras palavras: um druuf vivia e andava com a metade da rapidez despendida por entes do Universo relativista. No meio da tela frontal cintilava uma estranha estrela dupla. Sua luz era avermelhada, com ocasionais reflexos verdes. Era o sistema natal dos druufs, conforme Rhodan sabia. Antes de procurar entrar em contato com os donos desse Universo, Rhodan pôs em execução seu plano original. A base secreta em Siamed-13 — o planeta Hades — necessitava de reforços. O diâmetro de Hades correspondia à metade do terrestre, sua gravidade era de apenas 0,35G, e voltava sempre a mesma face à estrela-mãe. Devido à libração excepcionalmente elevada, a largura da faixa crepuscular media 80 quilômetros. Enquanto a temperatura chegava a 168 graus na face iluminada, reinava frio insuportável no lado perpetuamente mergulhado nas trevas. Apenas na zona crepuscular a vida se tornava possível por períodos mais prolongados. A compensação das massas contrastantes de ar ocasionava tempestades de inaudita violência. Mais uma razão para instalar a base debaixo do solo. A caverna na Cordilheira da Esperança — nome escolhido por Rhodan — era uma bandeira terrana no seio do reino dos druufs. O Tenente Stepan Potkin fez-se anunciar na central da Drusus. — Mandou chamar-me, Sir? — Chegou a hora, tenente — informou Rhodan. — Seu pessoal está pronto? — Tudo preparado para a decolagem, Sir! — Bem — corrigiu Rhodan. — Não se trata de uma decolagem na acepção usual da palavra. Vocês serão transferidos para Hades por meio dos transmissores fictícios. A estação na Cordilheira da Esperança foi notificada, e já se encontra sintonizada em recepção. Da Kublai Khan e da Califórnia está sendo remetido o material. Você e seus homens irão por último. Desejo-lhe boa sorte, tenente. Pela primeira vez Potkin também sorriu. — Acha que vamos precisar dela, Sir!? — Com toda a probabilidade, Tenente Potkin. Sem sorte, não seríamos o que somos hoje. Apenas poder e conhecimentos não nos levariam tão longe. O Tenente Potkin perfilou-se, fez continência e saiu. Atlan seguiu-o com olhar pensativo. — Homem valente! — elogiou. — Não é qualquer um que pisa num transmissor fictício, sem piscar olho, sabendo que vai ser “desarticulado” em átomos. Dizem que já houve casos com resultados bem surpreendentes na extremidade oposta... Quando imagino que posso entrar na cabina como Atlan, e sair mais além como Bell... — Você é insubstituível, Atlan — disse Rhodan, acentuando peculiarmente as palavras. — Mas quando imagino a possibilidade de ter dois Bells ao meu lado... a idéia é verdadeiramente sedutora.

Atlan ficou perplexo. Por trás dele, Bell comentou, satisfeito: — Taí, viram? — Não se preocupe, porém — continuou Rhodan. — Acidentes desta espécie podem ter ocorrido no início; hoje são praticamente impossíveis. Não vou dizer que tenham acontecido transformações totais de identidade, porém mutilações sim. No entanto, jamais soube de fato concreto sobre isso. Quando achamos os transmissores no sistema Vega, já funcionavam com perfeição. — Ainda bem! — exclamou Atlan, numa débil tentativa de curar a vaidade ferida. — Quando imagino viver o resto da vida sob a forma de Bell... — Transmissor pronto para funcionar! — anunciou a voz indiferente no intercomunicador. Rhodan deu novas instruções. — Enviar continuamente a seguinte mensagem radiofônica, não codificada, e em idioma arcônida: “Aos druufs! Pedimos oportunidade para parlamentar! O adversário de vocês é também o nosso! Podíamos unir-nos para derrotá-lo. Caso possam me compreender, respondam no mesmo comprimento de onda.” Quando a tela escureceu, e o grande jogo começou, Rhodan sentiu-se assaltado pela dúvida. Não que duvidasse do êxito de seu plano, no qual acreditava firmemente. Mas, se os druufs fossem mais desconfiados do que imaginava? Bem que poderiam atraí-lo a uma bem arquitetada cilada. Mesmo o caso da nave salva podia deixar de produzir o efeito esperado. “Que farei então?”, indagou-se mentalmente. Decidiu relegar esta pergunta ao momento em que se tornasse necessária. No entanto, podia-se tentar obter mais esclarecimentos desde já. Enquanto o transmissor de matéria trabalhava a plena capacidade, lotando a caverna com armas, gêneros e gente, Rhodan determinou vigilância radiofônica em torno da nave avariada, mas ainda capaz de manobrar. Mensagem alguma partiria dela sem ser interceptada pela central de rádio da Drusus. E mais um fator trabalhava a favor de Rhodan. A própria natureza! O ritmo de vida dos druufs correspondia à metade do terrano. E suas naves eram duas vezes mais vagarosas enquanto se mantinham abaixo da velocidade da luz. Também as ondas de rádio levavam o dobro do tempo. Porém o rádio da Drusus comunicava-se com Hades à velocidade normal da luz. Portanto, a mensagem de Rhodan chegaria primeiro à pátria dos druufs. Bem, talvez isso não representasse vantagem, afinal. Dependia do que o comandante da nave atacada, e depois salva por Rhodan, contasse aos seus superiores. Saberiam em breve. O intercomunicador zumbiu. Rhodan atendeu. Era o radioperador. — Sir, a nave dos druufs chama! Em arcônida! Rhodan não se surpreendeu. — Eles aprendem depressa — constatou. — Que é que querem? — Agradeceram, Sir — continuou o operador. Sua voz revelava surpresa e incredulidade. — Agradeceram segundo o figurino, assegurando o envio de um relatório elogioso aos seus superiores. Seguiu-se uma mensagem mais longa, num código desconhecido. Provavelmente o relatório anunciado.

— Obrigado — disse Rhodan, desligando. Fitando Atlan e Bell, perguntou: — Então, que acham disso? Atlan foi cauteloso na resposta. — Pode tratar-se de um truque, para conquistar nossa confiança. Eles pressupõem, naturalmente, que os sigamos. Talvez sejam bastante espertos para adivinhar nosso jogo... — Duvido — replicou Rhodan. — Nenhum ser inteligente pode ser tão desconfiado. Prestamos-lhes um favor... — E daí? — Atlan continuava cético. — Podiam, pelo menos, demonstrar certa cautela, e estudar-nos de perto, antes de cair nessa de que agimos desinteressadamente. — Quem foi que falou em desinteresse? — perguntou Rhodan, admirado. — Em minha mensagem aos druufs, acentuo que os inimigos deles são também nossos inimigos. De onde se conclui, obviamente, que agimos por necessidade, e não por amizade. Argumento que os convencerá. — Hum, é possível... — concordou Atlan, o eterno suspeitoso. Bell, até então calado, opinou: — Nessa eles caem! Rhodan lhe acenou, sem dar resposta. Olhava pensativo para a tela. A nave voava próximo à Drusus. Apesar de faltar metade da popa, os estragos não pareciam ser graves. Mais atrás vinha a possante Kublai Khan, e, diante dela, a Califórnia. Externamente, não se percebia o menor sinal de atividade; porém lá dentro os transmissores funcionavam sem parar, transportando armamento e mercadorias de vital importância para Hades. — A propósito, que nome daremos a Siamed-16, a pátria dos druufs? — perguntou Bell, de repente. — Afinal, batizamos Siamed-13, não foi? Que tal Terra-Dois? Afinal, ali tudo tem o dobro do tamanho habitual em nosso mundo. O diâmetro, a gravidade, e até os habitantes, os druufs... — Mas também é só isso que o planeta apresenta em comum com a nossa Terra. Apesar de o conhecermos só subterraneamente, a superfície não deve ser mais bela. A breve visita, devida à superposição de área com um transmissor estranho, me bastou. Se soubesse ao menos quem foi que nos socorreu na ocasião... Rhodan entregou-se às recordações. Relembrou em resumo o episódio. Haviam penetrado na cabina energética do transmissor em Hades, com a intenção de retornar para a Drusus, e haviam ido parar na central de calculação subterrânea dos druufs, em Siamed16. Um desconhecido entrara em contato telepático com eles, orientando-os na fuga. Ninguém sabia de quem se tratava. Algum prisioneiro dos druufs? Mas quem? Um telepata? — Bem, deixem pra lá — falou Bell, emburrado, vendo sua sugestão rejeitada. Rhodan despertou como de um sonho. — Ora, simplifiquemos... Podia chamar-se simplesmente Druufon. — Druufon? — repetiu Bell, entusiasmando-se logo. — Mas claro, sua sugestão é bem melhor do que a minha — confessou generosamente. — Batizemo-lo de Druufon. — Nada a opor — comentou Atlan, indiferente a nomes de batismo. Afinal, nos catálogos a designação oficial continuaria sendo Siamed-16. — Se lhes parece mais simples... A estrela dupla se aproximara, permitindo diferenciar a olho nu os dois sóis. A rubra estrela-mãe era contornada por outra menor, de cor verde. Em órbitas regulares, 62 planetas se esforçavam para equilibrar a complexa atração gravitacional. Muitos deles, a

rigor a totalidade dos planetas, possuíam luas, que por sua vez tinham satélites menores. Um sistema gigantesco, até então oculto por trás da muralha invisível de tempo. — Mais algumas horas — disse Atlan, aproximando-se de Rhodan, e fitando a tela — e saberemos se nosso plano deu certo. — Talvez venhamos a saber antes — disse Bell, expressando suas esperanças. Semi-estirado em sua confortável poltrona, espreguiçou-se. — Por mim, eu iria dormir um pouco. Sob o teto, a bola Harno alterou lentamente o volume. Cresceu e flutuou para baixo. — Posso mostrar-lhes Druufon, se quiserem. Rhodan voltou-se bruscamente, com a surpresa estampada na face. — Quase esqueci de você, Harno — confessou, respondendo desta forma à fala telepática do novo aliado. — Pode mostrar-nos o mundo dos druufs? Claro, eu gostaria bastante de saber como é. — Então olhem para mim. Vou mostrar-lhes Druufon... *** Nas cavernas da Cordilheira da Esperança, o transmissor de matéria parecia transbordar. Remessas incessantes chegavam das três naves de Rhodan; a tripulação da base cuidava do descarregamento e arrumação. A chegada do Tenente Potkin, acompanhado por cem homens e 500 swoons, foi saudada com enorme alarido. Claro que a comoção não era causada pelos homens, e sim pelos swoons. Os diminutos seres, de estatura inferior a meio metro, e parecidos com pepinos, vinham a ser os mais capazes microtécnicos do Universo. Trabalhavam para o Império Arcônida, porém Rhodan conseguira conquistar a amizade de grande número deles, levando-os para a Terra. O grupo de swoons do Tenente Potkin recebera o encargo de inventar e construir, com a máxima urgência, um neutralizador das vibrações inevitavelmente resultantes da operação dos transmissores de matéria. De modo algum a base de Hades podia ser detectada ou descoberta pelos druufs. Quase no mesmo momento em que as derradeiras remessas chegavam a Hades, e os transmissores eram desligados, apagou-se também a imagem na face do televisor vivo Harno. Rhodan recostou-se para trás, e esperou que Harno tornasse a murchar, até ficar do tamanho de uma maçã. Atlan, Sikermann e Bell voltaram aos respectivos lugares. — Fantástico! — disse Rhodan, sem esclarecer se falava da capacidade de Harno, ou das cenas que acabara de ver. — Verdadeiramente fantástico! Bell concordou: — Druufon se parece mais com a Terra do que eu supunha. Até a vegetação apresenta paralelos. As cidades dos druufs são formações maciças de metal e concreto. E tão “maciços” como suas moradias são também os druufs. Preciso reconhecer que ergueram uma impressionante civilização. — O que nos seria totalmente indiferente, desde que nos deixassem em paz! — observou Atlan, amargamente. — E quando imagino que estamos às voltas com os mesmos druufs outrora implicados na destruição da Atlântida... justamente porque para

eles se passaram apenas alguns meses, enquanto no nosso Universo a Terra viu passar dez mil anos... Vocês têm razão... é realmente fantástico! — Mas que são dez mil anos...? — começou Rhodan, mas foi interrompido pelo zumbido do intercomunicador. Era o radioperador. — Ligação dos druufs — anunciou, excitado. — Captamos uma mensagem dirigida a nós. No entanto, não procede da nave avariada, e sim do planeta dos druufs. Rhodan pôs-se de pé num salto. — Continua ligado? Na tela via-se agora o sistema Siamed. Num dos cantos, o sol duplo vermelhoesverdeado exibia seu vivo colorido. Redondo, imenso, e recebendo em cheio a luz refletida por suas 21 luas, Druufon assemelhava-se a uma Terra ampliada. Apenas os contornos dos mares e continentes apresentavam traçado diverso. O planeta ainda ficava a cinco segundos-luz. — Ligação mantida — replicou o operador. — Espere! — gritou Rhodan. — Vou falar com eles pessoalmente. O radioperador de plantão se chamava David Stern. Apontou para a tela, onde se viam apenas padrões coloridos em movimentos vagarosos, enrolando-se em esquisitas espirais. — Lamento, porém não consigo captar imagem alguma; talvez as freqüências sejam diferentes demais. — A causa deve ser mais a diferença de tempo — replicou Rhodan. — O raciocínio lógico conduz qualquer raça inteligente a conclusões idênticas, e todas usam métodos semelhantes para alcançar objetivos de igual caráter. Só me admira podermos receber normalmente a língua deles... David Stern sorriu de leve ao explicar: — Intercalamos um regulador, Sir. Comprime para a metade as emissões oriundas de Siamed-16; e, em operações inversas, dobra a duração de nossas falas para lá. Rhodan expressou palavras de louvor. — Vamos lá, então! Estou curioso por saber o que eles têm a dizer. Stern regulou o aparelho, e logo os alto-falantes diziam alta e nitidamente: — ...repetimos. Aos desconhecidos do outro Universo. Recebemos sua mensagem, assim como o relatório de nosso comandante que salvaram da morte certa. Estamos interessados em parlamentar. Apresentem suas condições. Fim. Rhodan acenou para Stern. — Câmbio. Vou tentar. Depois falou ao microfone: — Aos druufs, é assim que chamamos vocês! Mensagem recebida. Desejamos permissão para pousar em seu planeta, e garantia de poder decolar quando quisermos. Gostaríamos de escolta protetora para a aterrissagem. Fim. A resposta veio em vinte segundos. — Concedido. Enviaremos uma esquadrilha ao encontro de vocês. Fim. Daí por diante, o rádio ficou mudo. David Stern olhou interrogativamente para Rhodan. Este acenou. — Continue na escuta, tenente. Porém não creio que tornem a se manifestar, pelo menos em nosso benefício. Entre si, devem usar um idioma desconhecido para nós. E ainda não sei como funcionarão nossas máquinas tradutoras. Depois retornou à central de comando, onde informou Sikermann, Atlan e Bell.

A espera durou menos de meia hora. Neste intervalo, as naves reduziram drasticamente a velocidade, passando a avançar apenas poucos quilômetros por segundo. A nave druufiniana avariada desaparecera de vista há bastante tempo, e já devia ter aterrissado. Por fim, surgiu ao longe a esquadrilha anunciada, formada por uma centena das unidades cilíndricas. Vinham em formação cerrada, e envolveram as três naves terranas. Em velocidade uniforme a frota desceu para o planeta Druufon e preparou-se para a aterrissagem. Revelava-se agora bastante proveitosa a visão do planeta que Harno lhes proporcionara. Além disso, as capacidades peculiares do ser-bola permitiam-lhe agora bisbilhotar pelo interior das naves que os escoltavam. Constataram que não eram pilotadas, como de costume, por povos subjugados, e muito menos por robôs, mas exclusivamente por druufs. Prova concludente de que se aproximavam do centro nervoso principal dos druufs. Ali os escravos não eram admitidos. E, pelo visto, não confiavam nem nos robôs. — A maneira deles pensar rege-se pela lógica — disse Rhodan. Ainda se passariam dez minutos até o pouso. — Perceberam claramente que além da brecha da zona de descarga uma grande potência os tocaia. E precisam afastar esta potência caso desejem penetrar em nosso Universo. Nossa oferta chegou no instante adequado, mais do que bem-vinda. Atlan continuava cético. — Não lhe dei aviso algum até agora — falou com gravidade. — Claro que suas considerações táticas são corretas, e concordo plenamente com a fingida aliança com os druufs; será uma boa lição para o cérebro-robô de Árcon. Mas não se esqueça de uma coisa, Rhodan: se o cérebro-robô sofrer uma derrota decisiva nas mãos dos druufs, também o Império Solar estará perdido. Os druufs se espalharão por toda a Galáxia, e seremos subjugados. Impressionado, Rhodan respondeu: — As coisas não chegarão a tal ponto, Atlan. No momento propício estaremos prontos para mudar de bandeira. Não que seja uma atitude muito honrosa, mas é a única solução racional. E então, unidos ao regente derrotado, bateremos os druufs. Vamos deixá-los tão enfraquecidos que nunca mais se lembrarão de nos enfrentar. — De fato, desta forma poderia dar certo — concordou Atlan. No entanto, ainda não parecia totalmente convencido. — Pode deixar que me encarrego de lhe refrescar a memória quando o momento chegar, a fim de que não os deixemos fugir. Rhodan envolveu-se em silêncio. Observava a superfície do enorme planeta, que se aproximava lentamente. Algumas das naves da escolta já aterrissavam. — Vá buscar os telepatas, Bell. Tenho uma idéia. Da porta, Bell comentou: — Sendo telepatas, já poderiam estar aqui. Se eu pudesse ler pensamentos... — ...ninguém estaria a salvo de sua xereteação! — concluiu Rhodan por ele. — Ninguém poderia mais sonhar sem que você se intrometesse! Que nada, não quero saber de gente curiosa telepateando por aí, e... As palavras lhe ficaram presas na garganta. O ar tremeluziu no meio do recinto, e Gucky materializou-se. O dente roedor exposto traduzia um sorriso. — Desculpem, mas captei, por puro acaso, o pensamento...

— Por acaso! — ironizou Bell, lançando olhares significativos para Rhodan. — Só mesmo rindo! Já vi que por aqui existe gente muito mais curiosa do que eu. Muito bem, vou buscar Marshall. Ele, pelo menos... Abriu a porta, e chocou-se com John Marshall, que se afastou com um sorriso amável, e entrou na central. Bell deu meia-volta. — Gucky me avisou — disse Marshall. Bell gemeu. — Grudados como queijo e marmelada, esses dois! — queixou-se. — Vê lá se uma pessoa normal pode concorrer com eles! — Voltando-se para Rhodan, concluiu: — Ordem executada, sem mover um dedo, Sir. Rhodan ia dizer alguma coisa, mas calou-se de repente. Seu cérebro foi invadido por impulsos estranhos, de tamanha força e intensidade que tudo o mais se apagava. Um olhar aos circunstantes provou-lhe que todos ouviam igualmente a mensagem. — Está me ouvindo, Perry Rhodan? Sou eu, o amigo que te socorreu na semana passada. Pense em mim, para que eu saiba que está me captando! Em benefício dos demais presentes, Rhodan respondeu em voz alta: — Ouço, amigo. Quem é você, e onde está? — Talvez nos encontremos em Druufon. Não é assim que chamam este mundo? Quem sou...? Nem eu sei, Perry Rhodan. Porém tenho a impressão de que já nos conhecemos há muito tempo. Aviso-lhe, volte antes que seja tarde demais! Não desça em Druufon! — Aconselha-me a não pousar em Druufon... e ao mesmo tempo manifesta esperança de nos encontrarmos lá. Que significa esta contradição? — Porque sei que não vai seguir meu conselho! — Como faço para encontrá-lo? — Conta com a colaboração de telepatas capazes, Perry Rhodan. Eles que me detectem, pois qualquer outra indicação de local deixaria você confuso. Rhodan ergueu os olhos para o teto, onde flutuava Harno. O ser-bola não precisou captar mensagem alguma a fim de compreender o que Rhodan queria. Desceu e aumentou de volume, até transformar sua superfície em tela. Imagens fugazes correram por ela, acabando por estabilizar-se. Surgiu um quadro nítido. Evidentemente uma central técnica, repleta de aparelhagem desconhecida e instrumentos irreconhecíveis. Diante de um enorme painel de controle via-se um druuf. Era dele que partiam as mensagens amistosas para Rhodan. — Claro que sou um druuf! Que mais poderia ser? Sou druuf desde que posso me lembrar. Podem ver-me?! Rhodan compreendeu que o momento não se prestava a mistificações. Estas só serviriam para irritar o prestativo amigo. — Um de nós é capaz de trazer-nos sua imagem até aqui, permitindo-nos vê-lo. Por que um druuf nos demonstra amizade? — Não sei! Aquilo já nem era mais estranho; chegava a ser absurdo! — Não sabe? — indagou Rhodan, intrigado. — Mas você deve ter alguma razão para nos oferecer ajuda! — É porque preciso, mas não sei por que me vejo obrigado a fazê-lo. Gucky disse de repente:

— Ele é o físico-chefe dos druufs! Imensas responsabilidades pesam sobre ele, e a soma de seus conhecimentos é verdadeiramente espantosa. É o maior gênio vivo dos druufs. Porém ignora de onde nos conhece. É o mais sábio dos druufs, mas não se conhece a si próprio. Rhodan fitou severamente o rato-castor. — E de onde é que você sabe disso? — Meu amigo Harno me contou, com o pedido de passar adiante a informação. Assim economiza energia. — Vocês se comunicam sem que percebamos os impulsos? — indagou Rhodan, cujo poder telepático era limitado. — Como? — Geralmente, não-telepatas nem sentem os impulsos telepáticos; para que percebam alguma coisa, o emitente precisa irradiar ao mesmo tempo um pouco de sugestão. Após demorada reflexão, Rhodan exigiu: — Procurem saber mais sobre o amigo desconhecido. Onde está ele? — Na central subterrânea dos druufs. Dá para reconhecer aproximadamente a direção em que fica... e agora o contato foi interrompido! Gucky parecia assustado. Os demais também haviam notado a interrupção. Os impulsos cessaram bruscamente, e não se repetiram. Na superfície de Harno, a imagem desaparecera, dando lugar a profundo negrume. Encolhendo, ele tornou a alçar-se para o teto, retornando à habitual imobilidade. No entanto, seu contato com Gucky parecia continuar, pois o rato-castor disse vagarosamente, como que repetindo o que o ser-bola lhe ditava: — O ajudante desconhecido é druuf, sem a menor dúvida. Rebusca a memória, em procura de algo que não consegue encontrar. Fato inexplicável, por ora. Precisamos aguardar o próximo contato, e até lá não podemos tomar qualquer iniciativa a respeito. Gucky calou-se. Rhodan olhava absorto para a tela panorâmica. Mostrava agora, claramente, o espaçoporto de Druufon, rodeado de gigantescas construções. Em torno do campo estacionavam centenas das esbeltas naves de guerra cilíndricas. No centro, uma extensa área estava sendo desimpedida. Rhodan ordenou a Sikermann: — Determine a aterrissagem da Kublai Khan e da Califórnia. Pousamos de maneira a flanquear o cruzador, a fim de garantir sua integridade com nossas armas, em caso de necessidade. Aguardou que Sikermann desse as instruções necessárias, e depois disse, dirigindose aos demais: — Mas duvido que seja necessário. Jamais os druufs precisaram tão desesperadamente de um aliado quanto hoje. — Esperemos que sim! — Atlan não abdicava de seu ceticismo. Depois observaram calados a capital dos druufs, estendida abaixo deles como um mapa aberto. Uma cidade na qual a vida decorria em ritmo duas vezes mais lento do que o da Terra.

4 O enorme espaçoporto parecia abandonado. Os druufs aguardavam, evidentemente, a reação dos desconhecidos. Não deram sinal de vida, nem tentaram novo contato radiofônico. Entretanto, o laboratório físico da Drusus trabalhava febrilmente, enviando para a central os dados obtidos. Rhodan recebeu as mensagens, e resumiu: — A atmosfera é respirável, mais ou menos semelhante à terrestre. Portanto, podemos desembarcar sem trajes protetores, nem aparelhos respiratórios. O dia dura exatamente 48,6 horas: o dobro de um dia terrano. Acho que não precisamos preocuparnos com o compasso de tempo dos druufs. A diferença agora é pequena, e mal vão perceber que caminhamos duas vezes mais depressa do que eles. Nossa estatura é menor, e mais delicada. Além disso, é provável que tenham consciência da diferença, pois já realizaram freqüentes incursões em nosso Universo. — Mas como é que vai ser? — perguntou Bell, impaciente. — Vamos esperar aqui até criar mofo? — Calma, eles acabarão aparecendo — afirmou Rhodan, procurando tranqüilizá-lo. — Afinal, são eles que precisam de aliados; pelo menos, é o que supõem. — As máquinas tradutoras estão preparadas? — indagou Atlan. — Não temos a menor idéia... — Vão funcionar — assegurou Rhodan, confiante. — Por outro lado, nem sabemos ainda se os druufs falam, o que, no entanto, não implica na inutilidade das máquinas. Acho que só devemos preocupar-nos com isso no momento apropriado. Sikermann, que estivera observando o espaçoporto, avisou: — Um druuf vem vindo. Está desacompanhado. O olhar de Rhodan se voltou para a tela. Pela segunda vez oferecia-se oportunidade de contemplar de perto um druuf, e na maior calma. O ser media no mínimo três metros de altura. O corpo era quadrangular e pesado. Não havia cabelos, mas reconhecia-se claramente a cor da pele coureácea; variava entre marrom e negro, talvez devido à estranha luz crepuscular da tarde. O corpo maciço repousava sobre duas informes pernas em formato de coluna. A cabeça redonda media meio metro de lado a lado. O mais surpreendente eram os quatro olhos. Dois ficavam sob a testa, e dois na região correspondente às têmporas dos humanos. Arranjo que ampliava grandemente seu campo de visão, apesar de não lhes permitir olhar diretamente para trás. Não possuíam orelhas nem nariz, mas havia boca, em formato de triângulo eqüilátero. Da extremidade dos braços roliços pendiam dedos delicados, estranhamente desproporcionais à massa corporal. A passos lentos e comedidos, o druuf se aproximou das três naves. Não trazia arma nem instrumento de espécie alguma. — Um parlamentar — supôs Rhodan. — Vamos dar a entender que o vimos. Bell, vá à escotilha de desembarque B-4 e desça a escada. — Mas é uma escotilha de carga... — E acha que aquele “monstro” passa pelas escadas previstas para gente? — Será que vai entrar de livre e espontânea vontade na nave...? — Claro, basta convidá-lo!

Bell pôs-se a caminho, visivelmente desalentado. Rhodan determinou as providências necessárias, e mandou cessar nas outras naves qualquer movimento que pudesse despertar as suspeitas dos druufs. Dez minutos depois o monstruoso ser pisava na central de comando da Drusus, escoltado por Bell. Não se poderia classificar de exíguas as portas, passagens e dependências da nave bélica, mas mesmo assim o druuf era obrigado a andar curvado, a fim de não bater com a cabeça no teto. Rhodan ofereceu-lhe um sofá. O emissário tomou lugar com extremo cuidado, preocupado em não causar dano algum. Teve lugar suficiente para sentar. Bell constatou, visivelmente contrafeito: — Ele me entendeu logo, mas não pronunciou palavra. Bem que gostaria de saber para que lhe serve essa boca triangular. — Para ingerir alimento, certamente — replicou Rhodan. — Eles se comunicam por meio de freqüência ultra-elevada, gerada por transmissores embutidos no próprio corpo, conforme Harno acaba de me explicar. Possuem igualmente um receptor, de sintonia adequada. Eles vêm a ser, portanto, uma espécie de estação radiofônica orgânica, porém seu alcance é reduzido. Não são telepatas, pois não captam pensamentos, pelo menos, até o presente não tivemos prova disso. — Entendem o que falamos? — perguntou Bell, preocupado. — Só através de nossas máquinas tradutoras, às quais temos que acrescentar ainda um acessório. Já vamos ver se funciona. Atlan ligou a máquina, de utilidade já comprovada em outros pontos do Universo, e aguardou que se acendesse a luz indicadora. Quando a viu pronta para funcionar, acenou para Rhodan. A tensão chegara ao auge, quando Rhodan disse: — Bem-vindo à nossa nave, druuf. É com satisfação que o recebemos. Pode ouvir e compreender-nos? A boca triangular não se moveu quando o alto-falante emitiu clara e nitidamente a resposta. Artificialmente produzida pela máquina, a voz tinha tom metálico. — Aceitamos o nome de druufs que nos deram. Como se chamam vocês? — Pode chamar-nos de terranos, druuf. Após curta pausa, o visitante foi direto ao assunto: — Dois Universos diversos se tocam, ocorrência rara. O choque de duas raças estranhas só pode resultar em luta. Defrontamo-nos com duas raças de temperamento bastante aguerrido. Uma avança presentemente para nosso Universo, e precisa ser derrotada, caso quisermos sobreviver. Possuem naves tripuladas por robôs. — E a outra? — perguntou Rhodan, ansioso, vendo o druuf calar. — Faz pouco tempo que encontramos a outra. Penetrou em nosso Universo valendose de recursos técnicos. Raptaram prisioneiros e escravos... — Prisioneiros? — Rhodan fingiu espanto. — Como é que vocês tinham prisioneiros, se esta raça foi a primeira a tomar contato com vocês? Houve uma pausa, durante a qual o druuf parecia refletir. Depois disse: — Nossos cientistas chegaram à conclusão de que seres orgânicos de outra dimensão temporal podem se adaptar à nossa. Não sou cientista, e não posso explicar o processo. — Quem é você? — perguntou Rhodan, incisivamente. — Eu sou... — do alto-falante saiu um ruído indefinido, meio arrastado — ...e, portanto, político.

Rhodan inclinou-se para a frente, e mexeu na máquina de traduzir. Por experiência anterior, sabia que existiam conceitos intraduzíveis. O serviço de colonização elaborara uma tabela comparativa para eles. O enquadramento se efetuava automaticamente. — Repita a frase, por favor. O druuf entendia depressa. Compreendeu logo o que Rhodan queria; ou, pelo menos, adivinhou o objetivo do pedido feito. — Eu sou Tommy, e, portanto, político. Rhodan recostou-se na poltrona, examinando o druuf com maior atenção. Segundo a tabela, “Tommy” significava alto dignitário e dirigente. Portanto, pertencia à classe governante. — Vou chamá-lo de Tommy-1. Eu sou Rhodan. O druuf mal tomou conhecimento disso, e falou: — Vocês nos oferecem ajuda? O comandante de nossa nave informou que destruíram oito naves inimigas. Por que fizeram isso? — A fim de ajudar vocês, e prejudicar nossos inimigos. Estamos em guerra com eles há decênios. — Quer dizer que também precisam de aliados? — Tanto quanto vocês! Novamente o druuf tirou tempo para pensar. Rhodan aproveitou a pausa para enviar uma mensagem mental a Harno: — Pode ler os pensamentos do druuf? A resposta veio imediata e perceptível: — Sim, posso. Os pensamentos dele conferem com o que diz. É isso que queria saber? Rhodan podia ter consultado igualmente Gucky ou John Marshall, seus dois telepatas, porém isso lhe custaria esforço maior. E não queria desviar desnecessariamente a atenção do druuf. Acenou em direção ao teto, onde Harno conservava discretamente sua posição. Finalmente o druuf Tommy-1 disse: — O Conselho dos Sessenta e Seis resolveu falar francamente com você. Tencionamos adaptar o outro Universo ao nosso. Nenhuma das partes sofrerá dano físico com o processo, e o resultado é indiferente. Sem pontos de referência, tanto faz o tempo passar depressa ou devagar. — Sem dúvida — concordou Rhodan, com aparente displicência. — Mas então por que desejam esta unificação? O druuf refletiu novamente. As pausas eram longas. Não que o “monstro” necessitasse de prazo mais dilatado para pensar; apenas, o tempo passava mais devagar para ele. — Queremos conquistar o reino dos nossos agressores — explicou, por fim. — São seus inimigos, também. Você quer ajudar-nos a destruí-los. Logo, fazemos um favor a vocês. — Realmente — disse Rhodan pensativo. — E depois, o que aconteceria? — Que quer dizer? — Muito simples: depois de derrotar em conjunto o inimigo, vocês prosseguiriam a guerra? Contra nós? Expressei-me com suficiente clareza? — Não, não faremos tal coisa! — afirmou o druuf, convicto. — Desta vez, ele mente! — avisou Harno.

Rhodan já sabia. Eles pretendiam conquistar o reino arcônida, e depois subjugar todas as raças inteligentes da Galáxia. E alcançariam seu objetivo, caso não fossem tomadas a tempo medidas para deter o avanço. Evidentemente, Rhodan não viera para Druufon com o objetivo de oferecer aliança aos druufs, e muito menos para lutar ao lado deles. A finalidade era, em primeiro lugar, pousar livre e desembaraçadamente no planeta a fim de localizar o amigo desconhecido. E se pudesse abalar internamente o reino dos druufs, muitos sacrifícios seriam poupados. — Talvez eu esteja disposto a lutar contra os arcônidas ao lado de vocês — replicou Rhodan. — Porém antes de firmar o acordo, gostaríamos de conhecer melhor sua raça. Espero que compreendam isso. — Nós compreendemos. Sentimos igual necessidade. Vocês nos falarão de seu planeta, a fim de esclarecer-nos. De acordo? — Falaremos, sim; em troca, queremos inteira liberdade de movimentos. Aceitam nossa sugestão? O druuf levantou-se com cuidado; ficou de pé, curvado. — Vou conferenciar com os outros Tommys a respeito. Até lá, preciso exigir que não deixem suas naves. Volto quando a decisão for tomada. Rhodan fez sinal para Bell, e manteve silêncio até ambos se retirarem da central. Depois perguntou: — Que pensava ele, Harno? Fale através de Gucky, para que todos possam ouvir a resposta em linguagem falada. Gucky concentrou-se por um momento, e disse: — Eles nem pensam em nos conceder a liberdade de movimentos exigida, mas ainda não sabem como nos convencer a lutar ao lado deles contra Árcon. Por isso pediram tempo para pensar. — Foi o que imaginei! — disse Rhodan. — Neste caso, é melhor aproveitar bem o tempo que nos resta. Aqui no espaçoporto estaremos seguros. Seremos apenas vigiados. Só que eles não sabem que temos Gucky! — E Harno! Ao erguer os olhos para o teto, Rhodan já sorria novamente. — Mas claro! E Harno! *** Nas três horas seguintes não houve sinal do retorno de Tommy-1 com o resultado da decisão dos Sessenta e Seis. Rhodan decidiu-se, então, pela ação. Gucky ocultou seu dente roedor, traduzindo simbolicamente sua opinião de que a situação se tornava séria. Pelo menos para ele. Ninguém seria capaz de adivinhar que atitude Harno tomaria em caso de perigo. Porém Gucky precisava de Harno, sem o qual nunca conseguiria localizar o alvo proposto — faltariam os impulsos mentais orientadores. O rato-castor estendeu a pata direita. Vagarosamente Harno desceu do teto, pousando na palma aberta. Os dedos de Gucky se cerraram em torno da bola do tamanho de uma noz. Rhodan desejou-lhes boa sorte.

— Não se esqueçam de nos dar notícias de vez em quando. Marshall e Lloyd, postados em locais diversos da nave, vão tentar estabelecer o paradeiro de vocês. Tentem encontrar nosso amigo! Só por um segundo viu-se brilhar o dente de Gucky, depois ele se desmaterializou. Junto com ele sumiu Harno. Gucky não saltou ao acaso. Adivinhou que na superfície da cidade veria apenas a paisagem permitida a estranhos. As instalações importantes dos druufs, assim como seus segredos, se encontravam escondidos sob o solo. Da mesma forma, o amigo desconhecido que precisava encontrar. Teleportou-se para o centro da cidade, e foi dar numa praça retangular, contornada por prédios maciços. O movimento era escasso. Lentos e pesados, alguns druufs percorriam as ruas quase desertas; nem prestaram atenção no diminuto rato-castor, que apressadamente meteu-se num recanto sombreado. Não se via veículo de espécie alguma. As paredes a pique abaulavam-se para fora à medida que subiam. Lá no alto havia outra via de trânsito. “Reservada aos automóveis, provavelmente”, pensou Gucky. “Esta aqui embaixo é só para pedestres.” Seu diálogo com Harno baseava-se exclusivamente na telepatia, porém era como se conversassem de viva voz. — Bela cidade, Harno. Estou curioso por saber onde fica o próximo bar. Harno transmitiu uma risada a Gucky. — Temos outras preocupações, amiguinho. Lá vem um druuf! Gucky olhou na direção indicada e sobressaltou-se. A menos de vinte metros de distância, um gigantesco druuf se aproximava a passadas largas e majestosas... e vinha direto para onde estavam. — Damos o fora caso a coisa aperte, Harno. Mas gostaria de ver que impressão lhe causo. Isso facilitará nossa tarefa. — Para mim é indiferente — replicou Harno. — Posso pôr-me a salvo a qualquer instante. — Eu também — disse Gucky, preparando-se para uma fuga imediata. Tinha plena certeza de poder escapulir sem maiores esforços a um druuf correndo atrás dele; se é que aqueles colossos eram capazes de correr. O druuf aproximou-se e estacou ao dar com Gucky. Seus quatro olhos detiveram-se no estranho ser tão inocentemente recostado contra a parede, observando-o. Jamais vira um animal daquela espécie! Seria mesmo um animal? Os druufs tinham subjugado uma série de outros povos. Havia no reino uma infinita variedade de seres, e ninguém poderia conhecer todos eles. O extraordinário era dar com um representante da classe escrava circulando livremente na capital. — Cuidado! — sinalizou Harno. — Ele pretende pegá-lo! Gucky reagiu de acordo com a situação. Preferiria, naturalmente, apelar para suas faculdades telecinéticas, e fazer o druuf voar pelo ar, mas aquilo chamaria demais a atenção. O mais conveniente era desaparecer. O druuf se julgaria vítima de uma ilusão de ótica, e esqueceria o incidente. Concentrou-se, e teleportou para o outro lado da rua.

Durante dez segundos, o druuf ficou com os olhos cravados no lugar onde acabara de ver o estranho ser; depois seu cérebro se dispôs a analisar o caso. De maneira estritamente lógica, claro! Sim, devia ter sido uma ilusão... não havia outra explicação. Pessoa alguma seria capaz de dissolver-se no ar. Sacudindo a cabeçorra, prosseguiu seu caminho. De onde estava, Gucky via tudo claramente. — Não passam de seres semi-inteligentes — observou baixinho, mas Harno compreendeu assim mesmo. — Se fossem mais espertos... — Jamais se deve subestimar o adversário — acautelou Harno. — Captou o pensamento dele? — Não! Em que pensava? — Pensava nas três naves estranhas pousadas no espaçoporto. Por uma fração de segundo, julgou que você podia ter vindo de uma delas. Como vê, precisamos ser cautelosos. Já escurecia, porém nenhuma luz foi acesa. Tudo parecia indicar que os druufs se recolhiam muito cedo. — E nosso amigo? — perguntou Gucky. — Pode vê-lo? — Este local é inseguro demais, Gucky. Temos que achar algum canto onde não corramos risco de sermos descobertos. — Que tal as instalações subterrâneas? — sugeriu Gucky, fitando o chão. Harno não deu resposta. Cresceu de repente, pairando sobre o revestimento de pedra lisa da rua, à altura de Gucky. A superfície negra se tornou leitosa. Transformara-se novamente em tela de televisão. — Não percebo nenhum impulso do desconhecido. Gucky também não percebia. Ainda recostado na parede, fitou a bola em silêncio. À sua frente estendia-se a amplidão da praça deserta. Não se via mais um único druuf. Lá fora, na planície, o sol devia estar se aproximando da linha do horizonte. Harno mostrava laboratórios imaculadamente limpos, e imensas instalações técnicas, tudo efusivamente iluminado. Os corredores e ruas cobertos com tetos abobadados eram infindáveis. Luz em toda a parte, lançando sombras negras. Enquanto os druufs da superfície se entregavam ao sono, a atividade começava debaixo da terra. Ou talvez druuf algum se mantivesse na superfície durante a noite... Bruscamente a tela de Harno escureceu. Gucky estremeceu. O impulso foi fugaz, porém muito nítido: — Abandonem Druufon ou estarão perdidos! Os druufs pretendem atraiçoá-los! Farei novo contato, se puder... Antes que Gucky pudesse esboçar qualquer tentativa de contato, Harno disse: — Localizei-o, e sei onde encontrá-lo. Vou mostrar a direção... Em dez segundos Gucky teleportou-se. Harno se reduzira novamente ao tamanho primitivo, e foi assim que rematerializou. *** A luz poente do sol gêmeo coloria pitorescamente a pista espelhada do espaçoporto e os edifícios vizinhos, muitos deles em forma de colméia ou cúpula. Torres espiraladas lançavam sombras estranhas sobre as três naves terranas, como se pretendessem agredi-

las. De traçado amplo, vias curvas de trânsito cruzavam a cidade, interligando os subúrbios. A Drusus constituía ótimo posto de observação, visto que as câmaras fotográficas ficavam a quilômetro e meio do solo. Nada ali sobrepujava a Drusus em altura. Marshall concentrou-se, tentando entrar em contato com Gucky. Sacudiu a cabeça. — Ainda há pouco eles se achavam na superfície, e encontraram um druuf. Depois Gucky saltou, rematerializando-se poucos metros adiante. Houve ainda um terceiro salto, mas desde então não há pista. — Mas é impossível! — objetou Rhodan. — Gucky tem que estar pensando! Todo ser vivo pensa ininterruptamente! Os impulsos deviam chegar até aqui, e atingir seu cérebro. — No entanto, ele não registra nada — desculpou-se Marshall. — Não sei como explicar, mas Gucky emudeceu. — Mesmo supondo que Gucky esteja morto, ao menos Harno nos daria algum sinal. — Harno é capaz de pensar sem que seu corpo transmita impulsos — lembrou Marshall. — Porém não deixaria de manifestar-se, caso houvesse razão para preocupações. Portanto, só pode tratar-se de uma espécie de barreira, impermeável a impulsos telepáticos. — Sim, uma barreira — concordou Rhodan. — Bem possível... Resta saber se foi erigida artificialmente, ou se é de origem natural. Se pelo menos o amigo desconhecido desse sinal! Talvez pudesse nos dar a resposta do enigma. Sikermann entrou na central. Repousara durante algumas horas, e retornava a seu posto. Ocupando seu assento, perguntou: — Nunca sente necessidade de dormir, Sir? Rhodan ignorou a pergunta. — Gucky não responde mais. Encontra-se em missão na cidade. Sikermann mostrou-se preocupado. Estava a par do caso, naturalmente, porém julgava que o rato-castor já estivesse de volta. — Podem tê-lo agarrado. — Agarrar um teleportador, Sikermann? Mais do que improvável... Bell observou: — Não devíamos subestimar os druufs, Perry. Sabe lá que espécie de artifícios têm à mão. Afinal, já lutavam com os arcônidas há dez mil anos. — Dois meses, segundo a contagem de tempo deles! Não podem ter aprendido tanto assim neste curto prazo! — Mas antes disso já sabiam um bocado de coisas! — Bell silenciou por um instante, depois exclamou, com determinação: — Gostaria de ir à cidade, para verificar o que aconteceu! Rhodan sacudiu a cabeça. — Vá esquecendo essa idéia, velho! — Mas se Gucky... — Mesmo se Gucky...! De modo algum os druufs podem vir a saber que possuímos mutantes. Gucky saberá se safar sozinho, caso se tenha metido num aperto. Tudo que podemos fazer é esperar! Voltando-se para Marshall, continuou: — Fique atento para qualquer impulso telepático! Eles vão ter que se manifestar, mais cedo ou mais tarde. Ou pelo menos nosso amigo desconhecido, o misterioso druuf.

*** De início, Gucky julgou ter errado o pulo. Materializou-se num imenso recinto, com Harno firmemente seguro na mão. Além do teto abobadado, só se via uma perturbadora quantidade de máquinas e aparelhagem técnica. Pesados blocos de metal e geradores sussurrantes encobriam as paredes, além de bancadas de trabalho e painéis de controle. Estreitas passagens entremeavam aquela confusão. No ar pairava estranha vibração. Depois Gucky avistou o druuf. De pé diante de um imenso painel de instrumentos, o colosso contemplava “cantarolando” a dança dos ponteiros nas escalas. Mais além, uma série de telas brilhava opacamente. Luzes de cores diversas acendiam e apagavam em rápida sucessão. “É ele!”, pensou Gucky, e soltou Harno. A bola flutuou vagarosamente para o teto. Postou-se junto a um reluzente conduto que ia do painel de controle para o fundo da sala. — Estou captando os impulsos dele — avisou Harno. — Nada indica que é nosso amigo. Gucky foi obrigado a dar-lhe razão. O druuf junto ao painel ocupava-se com um problema científico totalmente incompreensível para Gucky. Algo relacionado com tempo. Aquele druuf vinha a ser um pesquisador, e procurava entender a natureza do tempo. Gucky vira o amigo desconhecido uma única vez. Mas quem seria capaz de diferenciar um daqueles seres de outro? Talvez se tratasse dele, talvez não... No entanto, o laboratório lhe pareceu familiar. Mas não poderia haver centenas do mesmo tipo? Tomando coragem, acercou-se do druuf pelas costas. Como se faria entender? Ele próprio captava e compreendia os pensamentos do “monstro”, porém estes não eram telepatas. A conversa — se é que ia haver conversa — acabaria sendo unilateral. De que jeito podia fazer-se ouvir por um druuf desprovido de orelhas? Gucky pigarreou e disse: — Olá, encouraçado! A gente não se conhece? O druuf não reagiu. Continuou a manipular seus instrumentos, e a examinar atentamente as escalas. Pouco depois, porém, virando um pouco a cabeça, deu com o visitante. Com inesperada agilidade, surpreendente naquele corpanzil, virou-se para o rato-castor de olhos arregalados. — Por todos os Sessenta e Seis! — disse clara e nitidamente um impulso mental a Gucky. — Mas o que vem a ser isso? Gucky respondeu, concentrando-se ao máximo: — Somos aqueles a quem deu aviso! Entende-me? A resposta provou conclusivamente que não havia a menor identidade com o ajudante desconhecido — este, pelo menos, era bom telepata. — ...nunca vi coisa igual! Será que tem relação com minhas experiências, ou tratase de um acaso? Gucky certificou-se de que aquele druuf não era telepata. Bamboleou para trás alguns passos, e preparou-se para sumir num salto teleportado. — Desça daí, Harno! Nós nos enganamos!

— Impossível! Detectei os impulsos mentais de nosso amigo lá da superfície. Só pode se tratar deste aqui! Gucky ficou desorientado. Aproveitou o intervalo para enviar notícias a Marshall na Drusus. Não recebendo resposta, ficou perplexo. Mas Marshall devia ter escutado! Por que se mantinha tão passivo? — Venha, Harno! — Espere um pouco! O druuf pensava sem parar, mas não fazia sentido para Gucky. Não havia a menor relação com o que pensara o desconhecido ajudante. Apesar de possuírem corpos semelhantes, os dois não eram idênticos. Mas depois a face do “monstro” começou a repuxar-se, como se sentisse dor. Os “delicados” dedos se contraíram nervosamente, fechando e abrindo de novo. Voltou-se lentamente. Erguendo com dificuldade os possantes braços, apertou uma chave para baixo. Tudo se passava em ritmo de câmara lenta, como se o druuf agisse em sonhos, ou fosse forçado a agir contra sua vontade. Resistia, mas acabou sendo dominado pela ordem de seu inconsciente. O sussurro das máquinas cessou abruptamente. Ao mesmo tempo, Gucky captou as palavras de alívio de Marshall: — Aí está você, Gucky! Que foi que aconteceu? Não conseguíamos detectar nem ouvi-lo! — Não perturbe agora! — replicou o rato-castor, apressadamente. — Tudo em ordem! Os impulsos de Marshall cessaram imediatamente. Tinha compreendido. Mas também Gucky compreendera. O desligamento das máquinas restabelecera o contato com a Drusus, permitindo a passagem das mensagens telepáticas. Mas como estas não haviam sofrido interrupção entre Harno e ele próprio, podia-se deduzir que o recinto subterrâneo era isolado do mundo exterior por uma espécie de campo energético. Nenhum impulso telepático passava através dele. Mas ainda não era tudo. Um nítido impulso mental penetrou no cérebro de Gucky e não procedia de Harno, que permanecia ainda imóvel sob o teto. — Vocês me acharam! Empreitada arrojada! Não sei como conseguiram, mas vocês correm sério perigo! Não posso ajudá-los no presente momento! Este druuf aqui não tardará a me “enxotar” de novo... Gucky fitou o druuf, que parecia estar petrificado no meio do movimento. Estava rígido, com uma das mãos ainda pousada sobre a chave que acabara de mover. — Você não é o druuf? Quem é então? Sem que o monstro executasse o menor movimento, partiu dele o pensamento: — Sou e não sou! Estou no corpo dele, e ele ignora. No entanto, a mente dele continua sendo mais forte quando tento agir contra sua vontade. — Quem é você? — repetiu Gucky, insistindo na pergunta não respondida anteriormente. — Por que quer ajudar-nos? Desta vez, o druuf levou alguns segundos para responder: — Não sei quem sou. Só sei que vivo neste corpo. Sem ele, eu seria um espírito simplesmente, uma sombra, um fantasma. Tem sido assim desde tempos imemoriais! — E... antes disso?

— Não sei se houve um antes — dizia a resposta. — Sempre vivi em corpos estranhos. Inteligências sempre diversas, quando eu tinha sorte. Às vezes meu espírito residia no cérebro de seres menos inteligentes, que eu aprendia a dominar logo. Porém não era interessante. — Mas você tem que saber por que nos oferece apoio contra os druufs! — Não, não sei! Mas conheço Perry Rhodan! Era o primeiro indício direto! — De onde, e há quanto tempo o conhece? Nova hesitação. A resposta veio muito lentamente: — Não sei... ah, se eu soubesse! Gucky sentiu os impulsos enfraquecerem, sobrepujados por outros mais fortes, que só podiam partir do druuf autêntico. — Não poderia apossar-se de outro corpo? A resposta ficou sem relação com a pergunta. — Vocês precisam desaparecer! Não consigo dominar o druuf por mais tempo. Aguardem novo comunicado. Ponham-se a salvo! Este druuf aqui é o físico-chefe deles, posição que conquistou graças a meus conhecimentos. Se eu o abandonar, ele fica tão ignorante como no dia de seu nascimento; ou então morre. Passem bem... Imediatamente o druuf recomeçou a se mover. O tempo não devia ter passado para ele, pois retomou o fio dos pensamentos no ponto antes interrompido pelo amigo desconhecido. — ...é, só pode ser acaso! Mesmo que eu crie artificialmente planos de tempo, e os sobreponha depois, nenhum ser poderia materializar-se aqui, vindo do passado ou do futuro. Vou agarrá-lo... Harno desceu apressadamente do teto, e aconchegou-se entre os “dedinhos” de Gucky, que se aprontou para a fuga. Antes que o druuf chegasse perto, o rato-castor desmaterializou-se com Harno. Para trás ficou apenas um druuf desconcertado, de olhos presos num recanto do teto onde nada mais havia para ver.

5 — A maior parte de seus nomes e ocupações são impronunciáveis — continuou a expor John Marshall. Passara a noite toda sondando as mentes dos druufs que circulavam pela cidade. Sem saber quem eram, nem onde se encontravam, colhia seus impulsos mentais, que enfeixava como as peças de um quebra-cabeça. Obteve assim uma série de informações bastante úteis, que permitiam traçar um panorama geral. — Temos uma tabela comparativa com nomes genéricos para isso; já me apareceu um “Tommy”. “Oscar” significa oficial ou cientista; e o druuf comum é classificado como “Mike”. Com estes três grupos esgota-se a estrutura social da civilização deles. Rhodan escutava atentamente. A luz do dia banhava novamente o espaçoporto e a cidade. A noite decorrera tranqüila e sem acidentes. De volta, Gucky e Harno relataram suas experiências. Não esclareceram o mistério que envolvia o desconhecido, mas levaram Rhodan a profundas cogitações quando se retirou mais tarde para sua cabina. A barreira mental erigida em torno de seu cérebro não pôde ser atravessada nem pelo bisbilhoteiro Gucky. — Os druufs conquistaram todos os mundos deste Universo, e são senhores absolutos em sua dimensão temporal. Portanto, não é de admirar que seus Tommys tenham decidido subjugar também nossa Galáxia. Suas armas são de natureza essencialmente destrutiva, mas até onde pude constatar, os arcônidas e nós possuímos armamento melhor, se bem que em quantidade insuficiente. Rhodan acenou. — Tem certeza disso, Marshall? — Sim! Sondei um alto oficial, preocupado com a ofensiva iminente contra Árcon. Pertence ao Conselho dos Sessenta e Seis, portanto deve estar bem informado. Tencionam aliar-se a nós, caso possamos comprovar a posse de uma frota poderosa. Em caso contrário, seremos aprisionados para que possam apoderar-se de nossas três naves. “Enquanto refletia sobre a luta por vir, o oficial passava em revista, mentalmente, as armas disponíveis. Eles não possuem nem a bomba gravitacional, nem a bomba arcônida. Seus canhões energéticos são mais fracos do que os nossos. Se os atacássemos com toda a nossa frota reunida, talvez fosse possível...” Marshall estacou de repente, fitando Rhodan. — E então...? — Talvez eu tenha me mostrado excessivamente confiante, Sir, pois por outro lado há aspectos que recomendam cautela. Os druufs têm armas que desconhecemos. O oficial pensou nelas apenas superficialmente, e não deu para saber maiores detalhes. Seja como for, eles são capazes de transferir um planeta inteiro para uma dimensão temporal onde o tempo fica parado. Qualquer tentativa de reação por parte dos habitantes deste planeta seria inócua. Passar-se-iam milhares de anos antes que conseguissem disparar um canhão. Rhodan escutava atentamente. — Mas isso seria espantoso, Marshall! Mal posso crer que disponham de tais recursos. Fazer uso do tempo... — Não pude determinar claramente se a arma era experimental, ou se já existe efetivamente. De qualquer forma, a hipótese é alucinante.

— Nosso amigo, o ajudante desconhecido, hospeda-se na pele de um pesquisador do tempo — lembrou Gucky, que repousava sobre um leito na central, ainda meio zonzo. Rhodan olhou para cima. — Existe alguma relação, Harno? — O amigo e Oscar-1 são uma mesma pessoa. — Idéia maluca — comentou Bell, que dormira um bom sono depois do regresso de Gucky, e parecia bem disposto. — Primeiro o cara nos ajuda, e depois inventa uma arma que pode acabar conosco a qualquer momento. Isso cheira a esquizofrenia no mais alto grau! — Será? — indagou Rhodan, ceticamente. — Harno, que faz nosso amigo no momento? Porém a resposta, dada por Gucky, foi decepcionante: — Provavelmente tornou a ligar seu campo de tempo artificial, a fim de prosseguir em suas experiências, pois pensamento algum chega até aqui. Harno também não consegue trazer a imagem dele. Rhodan aprontou-se para dizer qualquer coisa, mas Sikermann, de volta a seu posto, avisou: — O druuf está voltando, Sir! A tela mostrava nitidamente a cena: o mesmo druuf do dia anterior vinha na direção das naves, a passos lentos e ritmados. Mas também podia tratar-se de outro, pois era impossível diferenciar aqueles “monstros”. Só a máquina tradutora lhes daria a certeza. Mais uma vez Bell foi destacado para receber o emissário, e conduzi-lo à central. O tradutor estava ligado. A conferência podia ter início imediato. — Alegramo-nos com sua volta, Tommy-1 — começou Rhodan, abrindo a palestra cujo conteúdo todos já adivinhavam. — Que resolveu o Conselho dos Sessenta e Seis? O druuf acomodou-se no amplo sofá. Seus quatro olhos examinavam, atentos, os presentes, e depois correram perscrutadoramente a multiplicidade de controles da central. Olhou por muito tempo para a tela panorâmica, onde se viam os arredores do espaçoporto. Depois falou: — Resolvemos aceitar sua oferta. Unidos, infligiremos uma derrota arrasadora ao inimigo. Quando a guerra acabar, faremos novo acordo, apropriado às circunstâncias. Até lá, faremos troca de experiências. Se estiverem dispostos a aceitar, o comandante de vocês pode ir comigo até o Conselho dos Sessenta e Seis, a fim de assinar o tratado. — Não basta enviar um representante? — perguntou Rhodan. — Não, só o próprio comandante pode cuidar das negociações. Portanto, é o senhor que deve ir! Aquilo podia ser um truque, uma cilada! Uma vez de posse da figura principal, eles poderiam estabelecer as condições que bem entendessem. E contavam certamente com meios para transformar qualquer acordo em ligação indissolúvel para o parceiro. A natureza destes meios permanecia secreta, por enquanto. Harno transmitiu o mudo aviso: — Você vai ser aprisionado, Rhodan! E eles nomearão novo comandante, submisso às ordens deles. Chantagem... Rhodan ergueu-se. — Muito bem — disse ao druuf. — Não percamos mais tempo; vou comparecer logo diante do Conselho. Estou pronto a cumprir as condições apresentadas. Necessitamos de um aliado poderoso, caso contrário não conseguiremos derrotar o inimigo.

O druuf levantou-se com cuidado. — Vamos, então. — Vai mesmo com ele? — perguntou Harno, mudamente. Rhodan desligou a máquina tradutora, e colocou debaixo do braço o pequeno aparelho de metal prateado. — Claro que vou com ele, Harno. Gucky, não me perca de vista um só segundo! E vá buscar-me assim que eu der ordem. Entendeu? — Vou pular nas panças desses monstrengos de couro até que sua última refeição... — Marshall permanecerá em vigília com você — interrompeu Rhodan, seguindo o druuf que já ia saindo. — Bell! Substitua-me no comando das três naves enquanto eu estiver ausente. Todos os olhares o seguiram quando desapareceu na curva do corredor em companhia do druuf. *** Não que Rhodan esperasse algum proveito da entrevista com o Conselho, mas concordara em acompanhar o druuf unicamente com a intenção de tentar novo contato com seu estranho amigo. Além disso, estava curioso por ver a reação dos governantes druufs diante de suas propostas. Quando deixaram o espaçoporto e desceram os largos degraus para a rua de contorno, Rhodan ressentiu-se com a gravidade quase dobrada do planeta. Suportara-a melhor nos minutos iniciais. Uma onda de aborrecimento o invadiu por ter esquecido de vestir seu traje especial, que permitiria neutralizar a diferença. Numa via próxima do espaçoporto, um veículo os aguardava. Tinha forma de torpedo, e uma única porta. O druuf apertou um botão oculto, e ela abriu, revelando um amplo assento, suficiente para acomodar lado a lado pelo menos três druufs. Sentiu-se infinitamente pequeno e desamparado ao escorregar para o banco, que mal e mal cedeu ao peso de seu corpo. O estofamento estava habituado a suportar cargas bem maiores. O druuf embarcou e fechou a porta. Nova pressão num botão do painel, e o veículo se pôs em movimento. Era teleguiado, controlado certamente por alguma central técnica no coração da cidade. Tudo correspondia à descrição feita por Gucky. As ruas vazias, sem movimento. Muito raramente Rhodan avistava algum druuf, avançando a passos lerdos e pesados ao lado das paredes a pique, buscando algum rumo ignorado. O carro disparou em velocidade relativamente elevada pelas ruas desertas; depois subiu por um plano inclinado. Do alto, Rhodan contemplou o imenso complexo formado pelo espaçoporto. Centenas de naves estacionavam na orla, prontas para decolar. Pequenos tratores transportavam armas, munições e equipamento. Em algum ponto, à luz crepuscular do sol gêmeo, marchava uma coluna de druufs. Os movimentos lerdos e arrastados causavam impressão irreal e fantástica, como que projetados em câmara lenta. A cidade se distanciava cada vez mais, e o carro alcançou a via superior. Ali o trânsito era mais intenso, mas não chegava a atrapalhar. O telecontrole automático funcionava com perfeição. O veículo disparou velozmente em direção de um prédio em formato de cúpula, situado aproximadamente no centro da cidade. Um desvio da rua principal conduzia

direto para lá. Sem que se visse druuf algum, um largo portão se abriu, e o carro entrou. Imediatamente o portão voltou à posição inicial. A luz do dia não penetrava ali dentro. Porém, a cúpula inteira emitia radiante luminosidade. — Alô, Gucky, Marshall! Que tal o contato? — emitiu Rhodan. Caso tivesse ido parar, como Gucky anteriormente, dentro de um campo defensivo, a situação se tornaria crítica. Como é que Gucky o encontraria neste caso? Porém a resposta foi imediata: — Contato ótimo! Aguardamos a ordem! — Desnecessária por enquanto! — replicou Rhodan, voltando novamente a atenção para o que se passava a sua volta. O carro deteve-se no meio da arena circular, com cerca de cem metros de diâmetro. Um muro de três metros de altura cercava-a. Rhodan sentiu-se tal e qual um antigo gladiador romano, lutando pela vida no circo. As descomunais arquibancadas reforçavam essa impressão. Erguiam-se até o teto, a cinqüenta metros do chão. Com um gesto, o druuf mandou-o sair do veículo. Rhodan ligou a máquina tradutora e indagou: — Que significa isso? Julguei que seria apresentado ao Conselho, a fim de discutir o acordo. — Espere aqui até que o Conselho compareça. Encontra-se no grande salão do Conselho. “Outras terras, outras maneiras...”, pensou Rhodan, resignado, desembarcando. O druuf voltou a ocupar seu lugar, e o carro se afastou. Rhodan viu-se só e abandonado no meio da arena, como um lutador já vencido. — Já posso ir? — perguntou Gucky, que acompanhava tudo mentalmente. — Podíamos organizar um belo espetáculo circense, obrigando esses caras a executar alguns saltos-mortais! — Não há ninguém por aqui para executar saltos-mortais — respondeu Rhodan. — Fique onde está e aguarde meu chamado! A luz forte incomodava Rhodan. Ofuscado e irritado, olhou para cima, constatando que uma porta se abria junto ao teto, perto da última fila de arquibancadas. Deixou passar, um após outro, uma fila de compenetrados e vagarosos druufs, que se postaram em torno da arena. Evidentemente o povo era às vezes admitido às reuniões, mas hoje a sessão seria exclusivamente para o Conselho interno dos Sessenta e Seis. Os dirigentes druufinianos tomaram lugar na fila mais elevada. Ficavam pelo menos a setenta metros de Rhodan; semicego com a intensidade das luzes, este os via como que envoltos em sombras protetoras. Os olhos dos chefes druufs pousaram contemplativamente sobre o minúsculo terrano que ousava vir apresentar-lhes sugestões. Forçado a ficar de pé no meio daquela arena, e tendo que olhar para cima, Rhodan sentiu-se completamente desamparado. Diante do sistema de comunicação sem fio dos druufs, a distância era irrelevante. Além disso, os “Tommys” possuíam equipamento próprio de tradução, que foi ligado com o de Rhodan. Desta forma, a conversação não se tornava difícil. — Você é o terrano que comanda as três naves estranhas? — foi a primeira pergunta emitida pelo alto-falante dos tradutores. — Veio pedir-nos ajuda contra seu inimigo? Intimamente, Rhodan achou graça naquela maneira atrevida de formular a questão, e bem que gostaria de pôr as coisas nos devidos lugares. Porém precisava controlar-se. Por

enquanto, de certo modo, os druufs ainda eram mais poderosos do que os terranos. E mais poderosos do que as frotas de Árcon, talvez... — Unidos poderíamos derrotá-lo — respondeu. — De que armas você dispõe? A pergunta devia ter vindo de outro druuf, apesar de ser difícil perceber entonação diferente através da voz mecânica do tradutor. — Eu poderia fazer-vos a mesma pergunta. Por alguns segundos reinou silêncio. Em vão Rhodan tentou nova comunicação com o amigo desconhecido durante o intervalo. Não obteve resposta. — Você está em nosso poder, terrano! Mais primitivo era impossível... No íntimo, Rhodan esperara maneira de agir bem mais inteligente. Por que os druufs deixavam cair a máscara tão depressa? Faltar-lhes-ia tempo? Rhodan percebeu repentinamente que não poderia haver outra explicação para aquela maneira pouco diplomática de levar as conversações. Para os druufs, o tempo urgia. Cada segundo contava. Algo devia ter acontecido! Mas o quê? — Enganam-se, druufs! Não estou no poder de vocês! Indagaram acerca de nossas armas. Pois bem, vou exibir uma delas imediatamente. Sabem tornar a matéria invisível? — Não podemos nos desviar do assunto agora! — gritou um dos druufs. — Vamos aprisioná-lo e assim forçar seus homens a nos entregar as naves. Depois travaremos conhecimento com suas armas. Talvez se ache entre elas a “porta” para outra dimensão temporal. Bruscamente Rhodan percebeu o que eles queriam: o gerador de campo de refração. Deviam suspeitar que os terranos o possuíam. Mas teriam realmente certeza? Bem que gostariam de apossar-se do segredo da janela de tempo! — Perry Rhodan! É tarde demais! O impulso mental dominou claramente a mente de Rhodan, excluindo totalmente o som das palavras ditas pela máquina tradutora. E pouco importava naquele instante o que os druufs tinham a dizer. O contato com o ajudante desconhecido fora restabelecido. — Preciso falar com você! — emitiu Rhodan, intensamente. — Ponha-se a salvo junto com suas naves, caso ainda possa! As naves-robôs de Árcon atacam! Irromperam em quantidades inimagináveis através da grande brecha, e avançam para Druufon. Dentro de uma hora será desencadeada a mais gigantesca batalha espacial, e as naves dos druufs já estão levantando vôo... O impulso enfraqueceu aos poucos. — Posso levar você comigo, Oscar-1? Novos impulsos, vacilantes e débeis: — Chame-me de Onot, Perry! Esse é meu nome espiritual! Procure-me quando regressar! Depois a comunicação cessou definitivamente. O verdadeiro druuf devia ter reconquistado o domínio de sua mente. Rhodan sabia que seria inútil esperar novas mensagens. As derradeiras e inúteis palavras dos druufs ecoaram em seus ouvidos. Nem sabia o que tinham dito, porém constatou o efeito da fala.

Em torno dele abriram-se portas até então ocultas nas paredes da arena. Pelo menos vinte musculosos druufs avançaram em sua direção, levando nas mãos instrumentos de aparência ameaçadora. Pareciam armas e algemas de aço. “Então é assim que esses ‘monstros’ tratam seus aliados?”, pensou Perry. Agarrou nervosamente a máquina tradutora. — Gucky! O primeiro “monstro” estava apenas a dez passos quando Gucky materializou-se. O reluzente dente roedor denotava-lhe a evidente intenção: dar uma lição de mestre aos druufs. Porém Rhodan estragou a brincadeira. Não podiam desperdiçar um único segundo! — Fora daqui, Gucky! Imediatamente! Os sessenta e seis governantes da assustadora raça e os vinte carrascos postados na arena haviam visto o inexplicável aparecimento do pequenino ser. Mas antes que pudessem compreender o fato, viram o prisioneiro desaparecer diante de seus olhos. Os possantes holofotes iluminavam um ponto vazio na arena.

6 As forças invasoras de Árcon deviam ter surpreendido os druufs, pondo-os em pânico. Nem se preocuparam mais com as três naves de Rhodan. Precipitando-se para seus cruzadores cilíndricos, lançavam-se para o colorido céu de Druufon. Rhodan fez soar o alarme, e deu ordens para decolar. Refletindo melhor, enviou a Califórnia, sob o comando do Capitão Marcel Rous, para a provável zona de batalha. O cruzador ligeiro dispunha de incrível capacidade de aceleração quando se tratava de operar abaixo da velocidade da luz. Serviria de estação de relê, assegurando comunicação visual permanente com a Drusus. Dez segundos depois, a Califórnia desaparecia no céu, e nova tela entrou em funcionamento na central da Drusus. Rhodan suspirou, aliviado. — Também poderia ter requisitado os serviços de Harno, porém isso o distrairia. Quero que ele tente mais uma vez comunicar-se com Onot. É assim que se chama o físico-chefe dos druufs. Curioso, o nome dele é pronunciável. Fato insignificante na aparência, mas que poderia assumir eventualmente grande importância. Gucky acomodou-se no sofá e fechou os olhos. Sua tarefa era “fazer ligação” com os druufs do Conselho. — Eles planejam rechaçar a frota de Árcon e aniquilá-la, pois jamais terão oportunidade igual. O cérebro-robô deve ter enlouquecido, para arriscar metade de sua frota. Isto feito, será nossa vez! Rhodan comentou, sombriamente: — Admiro-me por nos deixarem à vontade. Afinal, devem supor que imitemos a Califórnia. — Não entendi bem, mas parece que pretendem segurar-nos. Onot já se encontra em ação. Um campo de tempo, ou coisa parecida... — falou Gucky. Rhodan encarou Sikermann. — Decole, coronel! A Kublai Khan também! E rápido! Gucky abriu languidamente os olhos, dizendo: — Logo vi que isso o interessaria! Aquele seu esquizofrênico amigo fantasma tem muitas caras! Primeiro nos ajuda, depois quer nos pregar no lugar. Até parece que se trata de uma mulher... Ninguém deu atenção à sábia observação do rato-castor, nem mesmo Rhodan. Enquanto Sikermann distribuía instruções, Atlan fitava a tela panorâmica, com a fisionomia contraída. Parecia esperar que lá fora tudo passasse a se mover em ritmo milhões de vezes mais acelerado, o que significaria que o campo de tempo de Onot entrara em funcionamento. Cada segundo dos druufs valeria então anos para eles. O tempo de inspirar uma vez, e o Universo teria envelhecido milhares de anos. E neste intervalo os druufs poderiam fazer deles o que bem entendessem. Tranqüilamente, sem medo de serem perturbados... Porém Rhodan se antecipara, pois compreendera tudo depressa demais! As duas naves se elevaram, ganhando altura rapidamente. Abaixo deles, na orla do espaçoporto, as frotas defensivas dos druufs continuavam a decolar. Rhodan percorreu com o olhar a cidade. Sabia que não seria a última vez que a via.

Depois voltou-se para a tela que mostrava as imagens da Califórnia. O cruzador ligeiro se mantinha nos limites do setor no qual a batalha seria provavelmente travada. Uma nuvem de cintilantes pontos prateados irrompia pela brecha, emergindo gradualmente da transição. Rhodan logo desistiu da tentativa de contá-los. O cérebro-robô atacava com milhares de naves. As unidades de Druufon avançavam contra elas. O planeta se reduzira a uma bola do tamanho de um punho quando a vanguarda da ofensiva arcônida cobriu de bombas atômicas o mundo principal dos druufs. Refulgentes raios energéticos traçavam riscos de fogo através das ruas da cidade, fundindo a superfície até expor as cavernas subterrâneas. Porém as reservas ainda disponíveis dos druufs revidaram. Travou-se um feroz combate, cujo desenlace Rhodan não chegou a ver, pois a distância era grande demais agora. Mas não havia dúvida de que os druufs repeliam as naves-robôs de Árcon. Atlan tornou a recomendar: — Vejo-me na obrigação de alertá-lo mais uma vez, Rhodan! Caso Árcon sofra sério revés nas mãos dos druufs, a Terra correrá grave perigo. Não podemos presenciar impassivelmente a inundação de nosso Universo por estes “monstros”. Rhodan sorriu. — Você deixa-se influir pelo passado, se não me engano. Não consegue esquecer que os druufs deram um trabalhão aos arcônidas há dez mil anos passados. Não, não me julgue mal. Não estou-lhe lançando acusações de tolo ou vingativo. Mas certamente os druufs lhe trazem amargas recordações. Entraremos em contato com o cérebro-robô a tempo de pôr um fim ao avanço dos druufs. Por outro lado, um pequeno revés não fará mal algum ao regente. E é exatamente o que ele vai sofrer agora, meu amigo. Atlan desistiu de dar resposta. Apesar de seu coração pertencer aos terranos, também continuava a bater por Árcon. Por uma vez a Drusus e a Kublai Khan viram-se entre o fogo de dois grupos combatentes. Apenas os super-reforçados anteparos energéticos impediram que ambas se transformassem em fogo e fumaça. Esquivaram-se assim que lhes foi possível, deixando para trás os ferrenhos litigantes. — Que curso devo tomar, Sir? — perguntou Sikermann, quando estavam a muitos minutos-luz de Druufon. — Mirta? — Ora, que idéia! — protestou Rhodan. — Ainda temos algumas coisinhas a resolver por aqui antes de ir embora. Rume para Hades. — Siamed-13? — certificou-se Sikermann, sem revelar sua surpresa. — Não chamaríamos a atenção, aterrissando lá? — Quem foi que falou em aterrissar? Quero apenas vistoriar a nova base, levando alguns homens. Quanto ao senhor, regresse para Fera Cinzenta com o Coronel Everson, e aguarde o desenrolar dos acontecimentos. Atlan levantou os olhos. — Vamos para Hades por meio do transmissor? Rhodan confirmou. Fitava atentamente a tela na qual surgiam as imagens retransmitidas pelo Capitão Rous. As duas frotas de guerra tinham se encontrado, travando uma luta encarniçada. O desfecho era previsível, pois das profundezas do sistema gêmeo emergiam sempre novas esquadrilhas de reforço. As naves do regente-robô foram rapidamente cercadas e bombardeadas com uma tempestade de raios energéticos.

— Pavoroso! — comentou Bell, até então calado. — De fato, é pavoroso, mas não havia maneira de evitar este conflito. Tinha que acontecer algum dia. E sempre é melhor ver os druufs destruir naves robotizadas não tripuladas do que as nossas. Além disso, eles sairão enfraquecidos desta luta, o que virá a representar inapreciável vantagem para nós. A Drusus acelerou, seguida pela Kublai Khan. Desviaram-se das esquadrilhas dos druufs atacantes, até não haver mais possibilidade de fuga. As esbeltas naves dos “monstros” se aproximavam de todos os lados. Que diferença entre o produto e seus criadores! Rhodan ia mandar abrir fogo, quando David Stern comunicou da central radiofônica: — Sir, uma mensagem dos druufs! — Pode dizer! O Tenente Stern leu: Ao comandante dos terranos! Vocês não respeitaram o acordo! Retornem imediatamente ao nosso planeta, ou serão destruídos! Tommy-1. Rhodan sorria friamente ao dizer: — Stern, ligue-me com os druufs. Tenho algo a lhes dizer. A ligação não tardou a ser feita. Rhodan falou ao microfone: — A Tommy-1! Aqui fala Rhodan, comandante dos terranos. Se alguém desrespeitou o acordo, foram vocês! Permitam-nos retirada livre, ou vamos aliar-nos ao adversário de vocês. Sabemos um bocado de coisas sobre vocês... inclusive o projeto desenvolvido por Onot! Campos de tempo não representam mais segredo para nós. Esperaram em vão por resposta. Porém as unidades dos druufs, desimpedindo o caminho e espalhando-se em todas as direções, sumiram em questão de segundos. — Nossa! — exclamou Bell, impressionado. — Que susto lhes pregou! — Sim, mas o que foi que os assustou? — indagou Rhodan, pensativo. *** A estação transmissora de matéria em Hades declarou-se em prontidão. Rhodan fez sinal para Atlan, Bell, Marshall, Lloyd e Marten. — Está na hora. Sengu permanecerá na Drusus. Gucky e Harno seguirão por conta própria; eles dispensam o transmissor fictício. Sikermann, siga seu curso assim que o transmissor for desligado e tivermos alcançado Hades sãos e salvos. — Entendido, Sir! — replicou Sikermann. Apesar de adivinhar que Rhodan não planejava só uma simples vistoria à base, absteve-se de perguntas. Os seis homens entraram pouco depois na cabina energética do transmissor. Estes aparelhos tinham sido aperfeiçoados através de dezenas de anos de trabalho desde as seis décadas decorridas de seu descobrimento no sistema Vega; sobretudo a capacidade fora grandemente ampliada. Atualmente um transmissor levava cargas que originalmente exigiriam dez destes aparelhos.

A despeito dos elevados índices de segurança, pisar na cabina energética ainda causava um certo mal-estar. Afinal, o trajeto até a estação receptora seria feito, por assim dizer, sem fio. Toda matéria era transformada em hiperimpulsos imateriais, e desta forma transportada através da quinta dimensão. Não é do agrado de qualquer um deixar-se decompor em impulsos. Quando a grade foi fechada, e a lâmpada verde brilhou, Bell disse: — Chego a sentir náuseas quando penso no que está sendo feito conosco neste momento. Sorrindo displicentemente, Rhodan explicou de modo irônico: — Qual, não há razão para preocupar-se! Não acontece coisa alguma! Basta apertar este botão... assim... — acompanhou a palavra com o gesto, e recolheu lentamente a mão — ...e tudo já passou. Este botão já não é o mesmo que apertei. Um segundo atrás, ele ficava a meia hora-luz daqui. A lâmpada verde brilhava ainda, mas sabiam que se tratava agora da luz da estação receptora. Sem que o percebessem, tinham sido transferidos a uma distância de aproximadamente meio bilhão de quilômetros. E em tempo zero. *** A Drusus e a Kublai Khan já se encontravam em vôo de regresso para Fera Cinzenta. A cabina energética da Drusus estava vazia. *** Rhodan colocou a mão sobre determinado ponto da grade, e a porta abriu sozinha. O Tenente Stepan Potkin veio ao encontro de Rhodan, marcialmente perfilado. — Bem-vindo a Hades, Sir! Apesar de estar aqui há pouco tempo, posso garantir-lhe que se trata de um mundo verdadeiramente “infernal”. Espero que não pretenda passar suas férias nele. A fisionomia de Rhodan permaneceu séria. — Não é hora de pensar em férias, tenente. O sistema dos druufs está sendo cenário de uma tremenda batalha espacial. Árcon resolveu atacar os druufs em sua terra natal. — Desculpe, Sir, eu não sabia...! — disse Potkin, consternado. — Pois é por isso que estou lhe dizendo — replicou Rhodan. — Tem contato com a Califórnia? — Acaba de pedir permissão para aterrissar. Dei ordens de preparar a comporta de ar subterrânea. — Muito bem, tenente — olhou em torno, com ar interrogativo. — Aliás, Gucky já chegou? Potkin não conseguiu disfarçar o riso. — Sim, chegou, Sir! Mas parece ter errado surpreendentemente os cálculos para o salto; não desceu na central de comando da base, conforme era de esperar, e sim no depósito de gêneros, bem no meio das verduras frescas congeladas. — Comilão! — a expressão escapou involuntariamente da boca de Bell, que logo olhou em torno, receoso. Gucky detestava ser chamado de comilão. A vingança se manifestava, em geral, sob a forma de um involuntário giro aéreo, sustentado pela força telecinética do rato-castor.

Porém Gucky manifestou disposição pacífica. Limitou-se a materializar-se por trás de Bell, e espetar-lhe um dedo nas costas. — Melhor calar o bico, invejoso. Para mostrar que não sou mesquinho, tome uma pra você! E enfiou uma cenoura semi-roída na mão do atônito Bell. Harno aproximou-se flutuando, e aumentou rapidamente de volume. Sua superfície passava a ser mais uma vez uma tela branca e leitosa. — Chegou nova esquadrilha do regente-robô para entrar na luta. Rhodan contentou-se com um breve olhar à cena mostrada por Harno, e comentou calmamente: — O regente ainda constatará bastante cedo que subestimou o adversário. Quase incorremos no mesmo erro. Pois bem, que perca também estas naves. Creio que depois estará disposto a negociar. Mordiscando obedientemente sua cenoura, Bell disse, mastigando: — E não sem tempo! Os druufs começam a dar-me arrepios! Rhodan voltou-se para ele, dizendo: — Você, Gucky e Harno irão comigo. Faremos uma segunda incursão a Druufon, a bordo da Califórnia. Quero tentar resgatar Onot. Bell abriu a boca e fechou-a sem comentário algum. Gucky, pelo contrário, piou: — Oba, formidável! E mais não tinha a dizer sobre o assunto. *** A Califórnia pousou menos de uma hora depois. Neste tempo, Rhodan procedera a uma rápida vistoria da caverna agora ampliada, escavada por raios energéticos na rocha da Cordilheira da Esperança. Ali debaixo da superfície, o ambiente hostil do planeta era menos evidente. Havia instalações para fornecer luz e calor. Sensores postados na superfície transmitiam à central da base um quadro exato do que ocorria lá em cima. Mas por enquanto nada estava acontecendo. Rhodan reduziu a tripulação do cruzador ligeiro ao mínimo indispensável, a fim de arriscar o menor número de vidas possível. Sabia que aquela segunda viagem a Druufon equivaleria a um vôo para o inferno. Bell dava evidente demonstração de não se sentir nada à vontade. Gucky, ao contrário, assobiava estridentemente, e fora de tom, algumas melodias aprendidas ao acaso em Terrânia. Insistiu tanto que Bell perdeu a paciência e lhe passou uma descompostura. Para espanto de Rhodan, o rato-castor dispensou a habitual reação vingativa. Finalmente o momento chegou. O Capitão Marcel Rous comunicou que a Califórnia estava pronta para decolar. Dez minutos após, a esfera espacial emergia de uma abertura camuflada no chão, lançando-se em alucinante aceleração na direção do céu crepuscular de Hades. Harno desempenhava papel de tela universal, alertando-os ainda, com a devida antecedência, contra as naves das facções em luta. A incrível taxa de aceleração da Califórnia permitia-lhes escapar sempre de novo aos agressores, esquivando-se de escaramuças.

Druufon se aproximava rapidamente. E com isso crescia também o perigo de serem descobertos. — Consegue localizar Onot? — indagou Rhodan. Gucky lamentou sua incapacidade. Encolheu-se no assento, de olhos fechados. Até então tentara em vão fazer contato com o amigo desconhecido. Nem sequer o verdadeiro físico-chefe conseguira encontrar. Provavelmente estaria de novo entregue a suas experiências, e devia ter ligado o bloqueador de impulsos telepáticos. Ainda bem que Gucky sabia que este aparelho não impedia saltos telecinéticos. Rhodan foi intransigente: — Só quando estivermos suficientemente perto você poderá saltar. Gucky abriu os olhos, interessado, e deu com a expressão interrogativa de Rhodan. Bell contemplava-o de lado, meio receoso. Percebia-se que por nada no mundo queria estar na pele de Gucky. — Vou tentar — replicou o rato-castor, em voz estranhamente baixa. Não denotava o menor sinal do costumeiro entusiasmo. Seu gosto por aventuras parecia ter sumido de repente. — Saltar é o que é de menos, pois posso pôr-me a salvo a qualquer instante. Mas caso vocês sejam forçados a fugir de repente...! Que será de mim então? Levantando-se, Rhodan foi alisar carinhosamente o pêlo de Gucky, assegurando: — De maneira nenhuma ultrapassaremos o limite de segurança, enquanto você não voltar a bordo. Pode confiar em nós! Gucky escorregou do sofá. — Pois bem! Quando devo ir? Rhodan sorriu e recuou um passo. — Dentro de cinco minutos, mais ou menos, caso não consiga contato com Onot, até lá. A esperança não se concretizou. Onot continuava mudo. Como se jamais tivesse existido... Três... quatro minutos decorreram. Nem Harno conseguia ajudar. Até parecia bruxaria. Como se Onot tivesse desaparecido de repente. Por mais de uma vez Harno captou a imagem do laboratório do físico-chefe, mas do druuf não “via” o menor sinal. — O melhor mesmo é você ir até lá — decidiu Rhodan. Gucky acenou, olhou para o relógio e concentrou-se para o salto. Depois desapareceu.

7 Porém reapareceu imediatamente. Pelo menos na superfície leitosa e arredondada de Harno. O contato telepático entre o ser-bola e o rato-castor não se rompera, de modo que a detecção se fez sem dificuldade. E enquanto este contato não fosse interrompido, não havia perigo de se perder Gucky de vista. Gucky sabia que estava sendo observado. Sabia por meio de Harno, com o qual se mantinha em contato. Aterrissou direto no laboratório já conhecido. Painéis de controle e aparelhagem técnica jaziam abandonados na estação experimental subterrânea. Nem sinal de Onot. E localizá-lo no meio dos milhares de excitados impulsos mentais era querer um milagre, já que o verdadeiro Onot nem pensava em Gucky. — Não procure entender o funcionamento do congelador de tempo — veio o aviso mudo, porém eloqüente, de Harno. Sem se mover do lugar, Gucky fitou com profunda atenção a refulgente caixa de metal sobre a mesa, junto ao painel de controle principal. Recoberta de botões de vidro e alavancas coloridas; as luzes das escalas estavam apagadas. Diversos condutos levavam a geradores e outros aparelhos. “Congelador de tempo?”, pensou Gucky, admirado. Harno explicou: — A invenção na qual Onot trabalha. Não consegue localizá-lo? Gucky fez que não, e deu alguns passos na direção da mesa. Congelador de tempo? Então era esta a mais poderosa arma dos druufs, aguardando a vez de ser usada? Com ela poderiam reduzir mundos inteiros à imobilidade, e até conquistar o Universo. Bastaria desligar o tempo do adversário para fazer dele um mundo indefeso, exposto ao bel-prazer dos druufs. — Que invenção diabólica! — balbuciou o rato-castor. Mais ainda! Uma arma inimaginavelmente eficaz, contra a qual jamais haveria defesa. — Devo destruí-lo, Harno? Fez-se uma pausa, que Harno aproveitou para consultar Rhodan. Depois comunicou a Gucky: — Onot ainda não concluiu as experiências. Quem sabe se poderá prosseguir nelas quando o espírito de nosso amigo o deixar? Não é conveniente destruir a invenção, pois não se trata apenas de uma arma; é também um meio para decifrar o fenômeno tempo. Talvez necessitemos da invenção de Onot algum dia, para nossos próprios fins. Gucky respondeu que agiria de acordo. Pouco versado em tecnologia, era incapaz de entender o funcionamento do congelador de tempo. Ficando de pé, com a caixa de controle à altura da face, contemplou atentamente as inúmeras alavancas e chaves. “Será que posso fazer uma tentativa?”, pensou. Harno “escutara”. — Eu seria cauteloso, amiguinho! — Ora, deixe-me brincar um pouco, Harno!

Gucky virou com a pata a alavanca mais próxima, e algumas lâmpadas se acenderam. Um leve sussurro invadiu o recinto, agora cheio de vibrações. A caixa recebia agora corrente elétrica. Só então Gucky se lembrou de verificar onde iam dar os fios e condutos ligados à caixa. Alguns deles terminavam num objeto redondo, parecido com um holofote, preso ao teto. A superfície interna do enorme bocal parecia ser feita de inúmeros pedacinhos de metal prateado. Decididamente, o rato-castor mexeu em mais algumas alavancas. Foi então atingido por forte impulso mental, que se intensificava a cada segundo. Alguém se aproximava do laboratório, da direção oposta à de Gucky. Porém entre ele e a porta achava-se a área atingida pelo holofote; perfeitamente circular, e grande bastante para iluminar quem quer que entrasse. Seria Onot, de volta ao seu laboratório? Fosse quem fosse, Gucky estava firmemente decidido a verificar com os próprios olhos a eficácia do campo de tempo que fizera funcionar. A porta foi aberta. Um druuf penetrou no recinto. Seria Onot? O druuf não avistou de imediato o rato-castor. Fechando a porta atrás de si, estacou por um instante no limiar do pretenso círculo de tempo. Gucky procurou sondar-lhe a mente. Sua suposição foi confirmada. Era de fato Onot! Porém não pensava em Rhodan e na ajuda que poderia lhe dar; toda sua preocupação era levar a raça dos druufs a uma retumbante e decisiva vitória sobre o inimigo. Seu invento estava testado e aprovado. Bastava criar os necessários ampliadores e meios de transporte para empregá-lo na prática. E por enquanto, aquele era o único aparelho existente. Se fosse avariado, levaria anos para fabricar um substituto. — Pode ouvir-me, Onot? — emitiu Gucky com toda a força. Devia haver um jeito de comunicar-se com a mente do amigo metido no corpo de Onot. Ou os impulsos cerebrais do druuf se impunham a ponto de impedir o contato? Era bem provável, pois não houve resposta. Gucky suspendeu a respiração ao ver Onot movimentar-se novamente. Vinha diretamente em sua direção. Mais alguns passos, e seria descoberto. Por via das dúvidas, ficou pronto para teleportar repentinamente. Onot avistou-o precisamente no instante em que pisava no círculo indistintamente delineado do campo de congelamento. O efeito não foi imediato... funcionou um segundo após, quando o druuf chegou ao centro de projeção e recebeu em cheio a radiação. Onot teve apenas tempo de arregalar os olhos antes de imobilizar-se. Lembrava neste momento os seres outrora encontrados pelo Tenente Rous no planeta de cristal. Porém nele o ritmo de vida era apenas 72 mil vezes mais lento. O observador atento poderia verificar que as estátuas aparentemente rígidas se moviam com infinita lentidão. O caso presente era totalmente diverso. Parado no lugar, Gucky observava o druuf. Não se sentia tentado a ir parar pessoalmente sob a influência do campo de congelamento de tempo. Se bem que isso lhe permitisse uma pequena troca de cortesias com o druuf... Mas certamente passariam mil anos antes que chegassem a apertar-se as mãos. Nada se movia. As pálpebras do druuf — verdadeiros tampos de couro — estavam imóveis sobre os olhos mortiços. E o “monstro” também parecia ter deixado de respirar. Braços e pernas imobilizados em pleno movimento lembravam uma estátua inacabada.

— Funciona! — emitiu Gucky, triunfalmente, como se ele próprio tivesse sido o inventor da maravilha tecnológica. — Mas se eu quisesse atacar o druuf agora, mergulharia igualmente num sono de Bela Adormecida. De que adianta, então? — Já constatamos que a criação de campos de tempo ainda se encontra no estágio experimental — observou Harno. — Desligue-o, e tente trazer Onot para cá, Gucky acenou, pois sabia que Rhodan o observava na face de Harno. — Sim... apesar de eu ter certeza de que... Exatamente neste segundo aconteceu! *** Os impulsos de Gucky emudeceram tão bruscamente no cérebro de Rhodan que ele se assustou. De modo algum, o campo de tempo podia ser acusado pelo fato, pois a imagem de Harno provava que Gucky não saíra do lugar. Também o druuf continuava imóvel e rígido. Gucky, num gesto evidentemente mecânico e automático, inclinou-se para a frente e empurrou a alavanca da caixa de controle de volta à posição inicial. Depois voltou-se e encarou o druuf. Onot completou o movimento iniciado e “caminhou” em direção a Gucky. — Fuja! — aconselhou Rhodan, alarmado. — Como pôde cometer a leviandade de libertá-lo? Traga-o para cá, caso ainda seja possível! Porém novamente Gucky não deu resposta. Todos viram que o rato-castor aguardava o druuf. E repentinamente impulsos mentais estranhos atingiram o cérebro de Rhodan: — Fiquei livre quando Oscar-1 foi atingido pelo campo de tempo, permitindo-me dominá-lo. Mas seu espírito não tardará a reconquistar a superioridade. Dentro do círculo de retardamento de tempo, consegui abandonar até o corpo dele, e entrar no de Gucky. Foi sob a forma dele que desliguei o campo de tempo, pois agora sei o que pretendia! Talvez agora eu possa reencontrar meu corpo original, caso ainda exista! Gucky mexeu-se novamente, e recuou um pouco. Seus pensamentos voltaram imediatamente. E sua primeira reação, uma pergunta, provava concludentemente que o “espírito” falara a verdade. — Quem foi que desligou o campo de tempo? O próprio Onot respondeu: — Fui eu! E agora ponham-se em segurança, pois as naves robotizadas atacam nosso mundo. Precisam dar-me tempo, pois descobri algo. Graças a você, Gucky! Indicou-me o caminho, apesar de eu ainda não me recordar claramente de quem sou, e porque conheço você, Perry Rhodan... — Começo a adivinhar — replicou Rhodan. — Mas seria fantástico demais! Os impulsos de Onot cessaram abruptamente. O autêntico druuf avançou mais uns passos para Gucky. Os braços informes se estenderam na direção do rato-castor. Este nem esperou segunda ordem. Teleportou-se de volta à Califórnia. ***

Através uma barragem de fogo, a nave disparou à velocidade da luz, deixando para trás os espantados druufs e as esquadrilhas atacantes do regente-robô. Dentro de pouco, Druufon não passava mais de uma pequena estrela. Rhodan olhou para a tela. — Receio que não seja a última vez que vemos Druufon. Nossa tarefa está apenas começando. Instruiu o Capitão Rous: — Volte para Hades. Demoraremos lá algum tempo, e depois seguimos para Mirta VII. Gostaria de presenciar daqui o desenrolar da batalha. — E Onot? Que faremos com ele? — perguntou Bell. Rhodan respondeu, indeciso: — Viu-o dizer que fez uma descoberta, não foi? Talvez saiba agora, graças a Gucky, como dominar a mente do corpo em que se hospeda. Ainda não sei por que ele preferiu não vir conosco. Por consideração, talvez, pois neste caso teria que apossar-se do corpo de algum terrano. Bell observou, pensativo: — Dizem que possuo boa memória, Perry. Se isto é exato, permita-me retornar a uma observação que fez há pouco. — Ah, é? — fez Rhodan, sorrindo maliciosamente. — Ora, não me venha com evasivas — reclamou Bell. — Você deu a entender que adivinhava a verdadeira identidade do tal de Onot. Rhodan bloqueou instantaneamente os pensamentos, antes que Gucky ou Harno tivessem oportunidade de tomar conhecimento do enigma, que, afinal, talvez não fosse segredo algum. Sempre sorridente, replicou, ocultando o verdadeiro modo de pensar: — Ah, isso...! Esqueça, Bell. É uma hipótese maluca, sem relação alguma com o momento presente. Deixemos o passado em paz até que se transforme em presente. Bell sacudiu a cabeça. — Fala através de charadas, grande mestre! Quem é que pode entender? — Você, quem sabe...! — disse Rhodan, rindo. — Só que lhe falta imaginação para tirar determinadas conclusões, meu caro. E é o que não me falta! Voltou-se para a tela. O Capitão Rous desviou-se habilmente de um pequeno grupo de druufs, e realizou uma curta transição, que os levou até a proximidade de Hades. Até então, o 13o planeta do sistema tinha escapado à atenção dos druufs. Ninguém suspeitava que Rhodan construíra nele uma base que bem poderia vir a ser algum dia o ponto de partida de uma invasão em massa. A Califórnia entrou em contato radiofônico com Hades, recebendo a informação de que tudo estava preparado para o pouso. Rhodan não protestou quando Gucky teleportou-se para o planeta já próximo com Harno. O Capitão Rous veio arrancá-lo do devaneio. — Fera Cinzenta no hiper-rádio, Sir. Um comunicado. — Passe para cá. Rous estendeu a Rhodan a tira de plástico com a mensagem gravada. Rhodan leu em voz alta: Tenente Stern, Drusus, para Perry Rhodan! O cérebrorobô em Árcon emite incessantes pedidos de socorro. Segundo

as ordens recebidas, não respondemos. Árcon parece encontrar-se em sérias dificuldades. Aguardamos instruções a respeito. Fim. Rhodan colocou a tira vagarosamente sobre a mesa de comando. Viu que Bell quase estourava de curiosidade. — Hum! — fez, significativamente. Bell remexia-se inquieto no sofá. — Que hum, coisa nenhuma! Que tal sair com uma resposta? Acho que é mais do que tempo. Rhodan sacudiu a cabeça. — Deixemos o regente curtir sua preocupação por mais catorze dias. Penso em ficar em Hades durante este tempo. Até lá, muita coisa se esclarecerá; em parte, pelo menos. A batalha entre Árcon e Druufon pode durar dias, ou até semanas. Nós, meu caro Bell, temos tempo, pois ele trabalha a nosso favor. Bell perguntou, pensativo: — Tempo? Afinal, Perry, o que vem a ser tempo? Rhodan sorriu ironicamente. — Algum dia perguntaremos a Onot... acho que ele vai poder nos revelar. Após novo olhar às telas, acrescentou sonhadoramente: — Talvez...

*** ** *

Harno, conforme o ser-bola do sistema Tatlira queria ser chamado, em memória de seu primeiro amigo terrano, tornou-se íntimo de Perry Rhodan e Gucky. A renovada amizade entre Harno e os terranos já produziu os primeiros frutos... Em Nas Algemas da Eternidade, próximo volume da série Perry Rhodan, Harno desempenha importante papel!

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