Os Estudiosos e a Wicca (Charlotte Allen) Tradução: Claudio Crow Quintino © 2001. Nos últimos anos, dois respeitados estudiosos apresentaram teorias essencialmente idênticas sobre as origens da Wicca. Em 1998, Philip G. Davis, professor de Religião na Universidade da Ilha Prince Edward, publicou "Goddess Unmasked: The Rise of Neopagan Feminist Spirituality," ("A Deusa Desmascarada: a Ascensão da Espiritualidade Neopagã Feminina", n. do T.), argumentando que a Wicca é a criação de um funcionário público inglês e antropólogo amador chamado Gerald B. Gardner (1884-1964). Davis escreve que as origens do movimento da Deusa tiveram como base o interesse dos Românticos alemães e franceses - em sua maioria homens - nas forças naturais, especialmente as associadas às mulheres. Gardner admirava os Românticos e pertencia a uma sociedade Rosa-Cruz chamada Fellowship of Crotona (Companhia de Crotona, n. do T.) - um grupo influenciado por vários outros grupos ocultistas do final do século XIX, os quais por sua vez eram influenciados pela Maçonaria. Nos anos 50, Gardner apresentou uma religião à qual chamou (nesta grafia) Wica. Apesar de Gardner afirmar ter recebido os conhecimentos Wiccanos de um centenário coven de bruxos também integrantes da Companhia de Crotona, Davis escreve que ninguém conseguiu localizar esse coven e que Gardner inventou os ritos que anunciava, emprestando elementos de rituais anteriormente criados no século XX pelo famigerado ocultista inglês Aleister Crowley, entre outras fontes. Os Wiccanos, hoje, adaptaram e embelezaram livremente os ritos de Gardner. Em 1999, Ronald Hutton, um renomado historiador das religiões pagãs britânicas que leciona na Universidade de Bristol, publicou "The Triumph of the Moon" ("O Triunfo da Lua", n. do T.). Hutton conduziu detalhadas pesquisas sobre as práticas pagãs pré-históricas conhecidas, leu os manuscritos não publicados de Gardner e entrevistou diversos contemporâneos de Gardner ainda vivos. Hutton, assim como Davis, não conseguiu encontrar provas conclusivas acerca da existência do coven de quem Gardner teria aprendido a Arte, e afirma que a religião "ancestral" que Gardner afirmava Ter descoberto não passava de uma mistura de materiais oriundos de fontes relativamente recentes. Aparentemente, Gardner baseou-se nas obras de duas pessoas: Charles Godfrey Leland, um folclorista amador americano que afirmava ter encontrado um culto à Deusa Diana sobrevivendo na Toscana, e Margaret Alice Murray, uma egiptóloga britânica que também se embasava nas idéias de Leland e, iniciando nos anos 20, criou um sistema detalhado de rituais e crenças. Baseado em sua própria experiência, Gardner incluiu elementos maçônicos tais como vendar o iniciado, as iniciações, o segredo e "graus" de sacerdócio. Ele incorporou uma parafernália associada ao Tarot, como bastões, cálices e a estrela de cinco pontas rodeada por um círculo, o equivalente wiccano da Cruz. Gardner também incluiu algumas idiossincrasias pessoais. Uma delas era uma predileção por linguagem arcaica: "thee", "thy", "'tis", "Ye Book of Ye Art Magical" (exemplos de inglês elizabetano, há séculos abandonado, n. do T.). Outra era sua apreciação pelo nudismo. Gardner pertenceu a uma colônia nudista nos anos 30, e ele afirmava que muitos rituais Wiccanos deviam ser praticados "vestidos de vento". Trata-se de uma raridade, mesmo entre os ocultistas: não se conhece, nem se cogitava na época de Gardner, uma religião pagã que exigisse regularmente que seus rituais fossem praticados sem roupas. Algumas inovações de Gardner possuem tonalidades sexuais e até mesmo de dominação e disciplina. O Sexo Ritual, ao qual Gardner chamava de Grande Rito, e que também era desconhecido na antigüidade, era parte da liturgia do Beltaine e de outros festivais (apesar de que a maioria dos praticantes simulava o ato com um punhal - outro brinquedinho de Gardner - e um cálice). Outros rituais exigiam que os iniciados fossem amarrados e açoitados, além do "beijo quíntuplo: aplicado aos pés, joelhos, "ventre" (segundo um Wiccano com quem eu falei, um ponto relativamente singelo acima do osso púbico), seios e lábios. Hutton é bem sucedido ao derrubar a noção, mantida por muitos Wiccanos e outros, que os antigos costumes pagãos sobreviveram ocultos nas práticas cristãs medievais. Suas pesquisas revelam que, fora algumas poucas tradições, como decorar a casa com plantas verdes no Yule e celebrar o Mayday com flores, nenhuma prática pagã - e menos ainda a veneração de deuses pagãos - sobreviveu desde a antigüidade. Hutton descobriu que todas os passatempos rurais ancestrais anteriormente vistos pelos folcloristas como antiquíssimos rituais de fertilidade, incluindo a dança do Maypole, na verdade tiveram origem na Idade Média ou até mesmo no século XVIII. Hoje existe um consenso entre os historiadores, os quais afirmam que o Catolicismo permeava completamente a mentalidade da Europa medieval, introduzindo uma
forte cultura popular com santuários de santos, devoções e até mesmo encantamentos e sortilégios. A noção de que os rebeldes medievais eram originalmente pagãos é herança da Reforma Protestante. Hutton também aponta para uma falta de provas de que os antigos Celtas ou qualquer outra cultura pagã celebravam os "oito festivais da Roda", tão importantes à liturgia Wiccana. "Os equinócios aparentemente não possuem festivais pagãos nativos por trás deles e se tornaram importantes apenas para os ocultistas do século XIX", contou-me Hutton. "Ainda não existem provas que atestem a existência de um ritual pagão ancestral à Páscoa" - um festival que os pagãos modernos celebram como Ostara, o equinócio de Primavera. Os historiadores também derrubaram outra crença básica da Wicca: a de que o grupo possua uma história de perseguições superior à dos judeus. Os números citados por Starhawk - nove milhões executados ao longo de quatro séculos - derivam de um historiador alemão do final do século XVIII. Foi coletado e disseminado cem anos depois por uma feminista chamada Matilda Gage e logo entraram para o evangelho Wiccano (o próprio Gardner foi responsável pela criação da expressão "burning times" (era das fogueiras", n. do T.)). A maioria dos historiadores atualmente crê que o número real de execuções avizinha-se dos 40.000. O mais completo estudo recente da bruxaria histórica é "Witches and Nighbors" ("Bruxas e Vizinhos", n. do T.), (1996), de autoria de Robin Briggs, historiador na Universidade de Oxford. Briggs vasculhou os documentos dos julgamentos dos bruxos europeus e concluiu que a maioria deles ocorreu durante um período relativamente curto, de 1550 a 1630, e estavam restritos a uma área englobando partes da atual França, Suíça e Alemanha, já então envolvidas pelo tumulto religioso e político da Reforma. Os acusados, longe de incluírem um grande número de mulheres independentes, eram em sua maioria pobres e pouco populares. Seus acusadores eram geralmente cidadãos comuns (quase sempre outras mulheres), e não autoridades eclesiásticas ou seculares. Na verdade, as autoridades geralmente não gostavam de conduzir julgamentos de bruxaria e absolveram mais da metade dos acusados. Briggs também descobriu que nenhum dos bruxos acusados, condenados e executados haviam sido acusados por praticar religiões pagãs. Se podemos nos basear nos chatrooms da Internet, muitos Wiccanos se agarram com toda força à idéia de que eles próprios são vítimas institucionais em grande escala. De modo geral, contudo, os Wiccanos parecem estar se acomodando com as muitas evidências acerca de seus antecedentes: por exemplo, eles estão passando a ver suas origens ancestrais como uma lenda inspiradora ao invés de uma história verídica. No final dos anos 90, com o lançamento dos livros de Davis e Hutton, muitos Wiccanos passaram a se referir à sua estória como um mito de origem, e não como uma história de sobrevivência. "Nós não fazemos o que as bruxas faziam há cem ou há quinhentos anos," disse-me Starhawk. "Não somos uma tradição ininterrupta como a dos índios norte americanos". Na verdade, muitos Wiccanos atualmente descrevem aqueles que levam ao pé da letra os elementos da narrativa do movimento como "Fundamentalistas Wiccanos". "Diotima Mantineia," 48 anos, é a editora associada do site "The Witches' Voice" ("A Voz das Bruxas", n. do T.) Ela não revela seu nome real, em parte porque mora numa cidade sulista que, ela crê, é hostil aos neo-pagãos. Ela resumiu seus sentimentos sobre a desmistificação da narrativa Wiccana oficial da seguinte forma: "Não me importa o quão velha é a Wicca, pois quando me conecto à Deidade na forma da Senhora e do Senhor, creio que estou me ligando a algo muito maior e vasto do que jamais poderei compreender. O(A) Criador(a) deste universo vem se manifestando a nós por todo o tempo, na forma dos deuses e deusas com os quais nos relacionamos. Para mim, a Wicca serve para facilitar essa conexão, e é isso o que realmente importa." Voltar para Textos & Dicas
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