Ode Insidiosanovo Documento Do Microsoft Word (9)

  • October 2019
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  • Words: 665
  • Pages: 4
João Ayres Ode Insidiosa Há indícios de que morri Antes mesmo de abrir a boca O final dos tempos em mim pulsava Como um dia qualquer em companhia de ninguém Tão vazio ressurjo nas sombras Que tomam por completo a ausência do que digo Já não tenho vontade de não mais ser Bem mais próximo à mudez das palavras perdidas. O tempo a mim ludibria Como qualquer vendedor que circula por aí Uma bolsa não vale uma vida ordinária Entregue às traças como um resto de qualquer coisa resto Eu sei pesar como ninguém quando a alma sucumbe E não mais encontra refúgio no além Como o resto de qualquer coisa resto No estômago de um cachorro morto. O peixe de olhos esbugalhados Devassa minhas entranhas quando o toco Minhas mãos não guardam segredo algum Apenas vazios que me sobrevém quando escuto O marulhar das vagas em perene abandono Quando cavo um buraco para que não mais veja O lugar de minha alma no escuro. O lugar do lugar onde o onde não mais é Bem mais longe do que o longe para fora deste tempo

Não mais quero definhar como quem só tem sentidos Caminhando sempre inerte como se não mais houvesse amanhã Conheço a aspereza do chão que piso neste instante Que se vai sempre cruel como quem ignora uma barata indesejável Procuro a náusea e carência de vento no calor dos trópicos Algo que em mim sangre como um copo de vinho tinto. Palavras frias descrevem agora este nada Que toma rumos imprevistos para além do bem e do mal Eu não mais sei dizer o que digo como sempre Diluído numa vasilha como um tanto de qualquer coisa alguma Não tenho mais nome em tudo que assim se oculta Neste espelho quebrado esquecido no porão. Quero estar agora ao lado do que não vejo Como tudo que se faz em silêncio ao meu redor Há música nas palavras que surgem como se não fossem Nem mais e nem menos do que esta sombra distante Uma árvore tombada a meio caminho do escuro No lugar sem lugar onde os loucos se entreolham Para fora do sempre de que me falam os mortos Encontro o lugar impreciso de meu desterro Vejo o que não vejo tudo quando tudo assim brota Como a planta que se faz por si mesma Para longe do gosmento jeito dos doutos Não há mais nada além da escuridão Que tinge a existência com o caos nos nervos Que agora aqui desfalecem No torpor da língua do além. Há indícios de que não cheguei a ser Nem mesmo coisa alguma na frase esquecida na gaveta

Nem mesmo este lápis que caiu no chão Ou este tanto de comida no prato de hospital Já não era mais nada mesmo antes de ser cuspido Por um mal-estar qualquer do cosmos Para viver enviesado Como qualquer barra de qualquer coisa inútil Acho minha matéria na lata de lixo Nos frascos de garrafas descartáveis Com este jeito de urina de rato E com este jeito de fezes atiradas contra a parede Há indícios e mais indícios de que apodreço Como uma foto qualquer pisoteada por alguém Que desconheça o vão caminho Da náusea que devora os sentidos. Há indícios de que vivo Sempre à margem num beco escuro Distante dos homens que ignoro Por medo de me ver no interior de qualquer espelho Ao fazer a barba e encontrar a minha morte No instante ordinário que roça minha alma Nestes restos de café requentado na xícara de sempre Nestes restos de comida no prato qualquer. Peço apenas um pouco de ordem Para que me arraste por aí como se não fosse Devo abrir os olhos diariamente E conjugar verbos sujos quando abrir a janela Para então encontrar o inusitado Que faça com que a alma assim sucumba Numa palavra desconhecida que me arrebate E que me lance de encontro ao senão de meu desterro.

Preciso voltar a não ser o que não fui

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