MESTRADO EM SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
“O Professor e o Currículo, em 2009”
Disciplina: Desenvolvimento
Curricular
Docente: Sandra Carina Guimarães
Carlos Alberto Maricoto Silva
Covilhã Junho / 2009
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Pretende-se com o presente trabalho proceder a uma reflexão, ainda que breve, sobre o papel do professor no desenvolvimento do currículo. Iniciaremos a reflexão com a conceptualização actual do “currículo”. Seguidamente procuraremos enquadrar o papel do professor no desenvolvimento do currículo, quanto à autonomia e função de agente curricular e, por último, perspectivar os desafios que se colocam no âmbito da gestão curricular.
Conceito de currículo O conceito de currículo tem variado muito, consoante as épocas, os contextos ou os modelos teóricos donde se parte. Gimeno (1989), divide o currículo em: •
Currículo prescrito, que é ditado pelos órgãos político-administrativos e tem um papel de prescrição ou orientação relativamente ao conteúdo do currículo. Funciona como referência básica relativamente à elaboração de materiais curriculares e serve de controlo ao sistema.
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Currículo apresentado aos professores, que chega aos professores através dos meios ou materiais curriculares. Estes materiais colocam à disposição dos professores uma interpretação do currículo.
•
Currículo moldado pelos professores, que resulta da interpretação do professor, seja a partir do currículo prescrito ou dos materiais curriculares. O professor é um tradutor que intervém na configuração do significado das propostas curriculares, nomeadamente quando realiza o trabalho de planificação.
Pacheco (2000), apresenta o currículo como deliberação, e não como produto trabalhado pela administração, e situa a decisão curricular em diferentes contextos a que correspondem competências de actores diversos: •
Contexto político-administrativo (currículo oficial).
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Contexto da gestão (currículo da escola).
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Contexto da realização (currículo do professor).
A população em geral associa – o a programas e disciplinas, e o que é visível é o que os alunos estudam na escola. Ao termo currículo, associam – se sempre dois significados: aquilo que passa – a passagem de alguma coisa a alguém – e aquilo por onde se passa – o percurso, e a unidade que o constrói e que ele constrói no sujeito, de modo que a passagem, efectivamente ocorra (Roldão, 2002). Ainda segundo Roldão (2002), currículo é o conjunto de aprendizagens que socialmente se pretende e
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se espera que a escola promova e garanta a todos os cidadãos. Enquanto área do saber educativo, o currículo, discute as questões que dizem respeito à concepção, finalidades, conteúdos e procedimentos que concretizam o processo educativo em todas as suas dimensões. A escola deixou de “servir” uma parte da sociedade (elites) que se preparava para o ensino superior. Converteu-se numa instituição que sofreu uma grande mudança estrutural devido à massificação do ensino com alunos provenientes de todos os tecidos sociais. Os alunos que à escola cabe educar, constituem-se em públicos diversificados, multiculturais, de tendência urbana, em que os saberes e a circulação de informação deixou de ser monopólio das disciplinas escolares, sendo hoje mais vastos, de mutação rápida e acessíveis por múltiplas vias. A função educativa da escola hoje integra um processo global de formação que deve conjugar o conhecimento, a socialização e a integração social. O currículo não é portanto a soma das disciplinas, embora sejam imprescindíveis, mas que sejam repensadas em termos de finalidades como sejam a criação de quadros de referência cultural e científica, a integração significativa dos conhecimentos, o domínio de capacidades e a construção de competências que viabilizem processos realistas de formação ao longo da vida.
O Professor e o desenvolvimento do currículo O papel do professor é determinante no processo de ensino e aprendizagem, fazendo da escola um espaço de decisão curricular. Uma vez que depende deles, em grande parte, os modelos como se idealizam e concretizam os processos educativos, tem uma grande responsabilidade no papel que desempenha no processo de desenvolvimento curricular. Autonomia curricular do professor O professor pode ser “um actor curricular que tem a tarefa da implementação e da execução de decisões prescritas”, mas também, “goza de uma autonomia funcional que lhe advém da existência ou inexistência de ineficazes instrumentos de controlo curricular” (Pacheco, 2001). O professor é portanto promotor da decisão curricular, podendo adaptar, em contexto de realização, o currículo prescrito, apresentado, programado e planificado. O professor participa activamente no processo de desenvolvimento curricular ao nível da programação, articulando o currículo prescrito (oficial e formal), com as necessidades educativas próprias da escola e dos alunos. Executa este processo de uma forma contextualizada que passa pela gestão dos planos curriculares, programas e/ou conteúdos programáticos, actividades didácticas,
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produção de materiais curriculares, definição dos critérios de avaliação, orientação e acompanhamento dos alunos (Pacheco, 2001). A autonomia curricular do professor pode observar-se através de uma análise aos diferentes elementos de operacionalização do currículo consubstanciados nas suas práticas curriculares. Segundo Pacheco (2001), essa autonomia incide sobre os seguintes elementos:
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Formulação de objectivos de aprendizagem (autonomia colegial).
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Selecção e organização de conteúdos.
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Gestão de actividades e recursos didácticos.
•
Utilização dos manuais escolares (na escolha tem uma autonomia partilhada).
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Avaliação do rendimento dos alunos.
O professor como agente curricular Os professores concebem a sua função como sendo eminentemente pedagógica, procurando uma certa autonomia curricular, devendo contudo aceitar o currículo prescrito, actuando muitas vezes mais como implementadores de decisões do que como decisores curriculares. O Ministério da Educação, a par da imposição de um currículo nacional, impõe limites à construção do currículo real na escola. Leite (2002), afirma que “o sistema educativo português, ao alinhar numa tendência centralista na implementação do currículo, desincentiva os professores em relação à configuração do mesmo e que não é sustentável a possibilidade de existir um currículo uniforme que se adeqúe a todo o espaço nacional, a todas as crianças e a todos os jovens”. Esta percepção de que uma tal estrutura de currículos uniforme reduz o espaço de decisão aos professores que os incrementam pode e deve a meu ver ser contrariada, pois não se pode olvidar que o professor se encontra numa situação privilegiada para a realização do processo curricular, pois é da sua competência tomar as decisões necessárias ao nível da escola e da sala de aula, de modo a adequar o currículo formal à realidade escolar e às características dos alunos. Morgado (2003), refere diferentes modelos de profissionalidade docente. Gimeno
(1995),
define
profissionalidade
docente
como
“um
conjunto
de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. Têm sido sinalizados três modelos de profissionalidade: •
Professor como técnico.
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•
Professor como profissional reflexivo.
•
Professor como intelectual crítico.
São os modelos de professor como profissional reflexivo e intelectual crítico que fazem sentido em 2009. O professor como técnico é limitativo, pois a prática é simplesmente reprodutiva, centrada nos objectivos a serem concretizados pelos estudantes. Pacheco (2001), define-o como “um executor de tarefas, análogo a um técnico com a função de transmitir fielmente um currículo planeado pela administração central,
e
divulgado
nos
manuais
escolares,
situando-se
num
modelo
de
desenvolvimento curricular centrado nos objectivos”. O professor reflexivo analisa o currículo como um projecto orientado para a resolução de problemas, moldado ao contexto escolar e partilhado pela administração central. O modelo de desenvolvimento curricular é centrado no processo, em que a resolução dos problemas curriculares são susceptíveis de uma solução prática. O professor intelectual crítico tem uma função na produção do currículo. O currículo é construído a partir dos problemas e atitudes dos alunos. Resulta do trabalho cooperativo dos professores ao nível da escola e de todos os intervenientes no processo educativo. O modelo de desenvolvimento curricular é centrado na situação, ou seja, o currículo é percebido não como um produto ou processo, mas como o resultado dos interesses dos professores, da administração, dos alunos e de toda a comunidade envolvida no processo educativo. A participação do professor no desenvolvimento do currículo vai do mero executor ao profissional crítico, consoante a autonomia permitida pelos vários níveis da administração assim como de algumas variáveis que não controla como o tipo e a personalidade dos alunos, os programas que executa, as condições físicas e material pedagógico disponível, entre outras.
Conclusão A universalidade, a obrigatoriedade de frequência e os consecutivos alargamentos em termos de idade de permanência na escola, trouxeram novos problemas e desafios para o professor. A universalidade procura assegurar a todos os cidadãos uma formação geral e a inserção num quadro de valores, atitudes e destrezas sociais. A obrigatoriedade é parte integrante de uma política social que visa uma formação mínima para os cidadãos, indispensável para a sua valorização e enquadramento social. Em 2009, o professor defronta-se com inúmeros problemas, desde a gestão de todo o processo de ensino e aprendizagem, dar resposta a uma
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grande variedade de interesses e necessidades dos alunos, a gestão disciplinar, o trabalho colaborativo entre pares e a comunidade educativa, nomeadamente os encarregados de educação. Quer o professor adopte uma posição mais conservadora (professor técnico), ou mais inovadora (professor reflexivo, crítico, investigador), este será sempre o principal responsável no desenvolvimento do currículo. Não se pode limitar a ser um mero executor do currículo, analisando-o como um simples conjunto de normativos legais aos quais se submete. O currículo deve ser visto como um conjunto de orientações passíveis de interpretação e adaptação de acordo com o tipo, personalidade e motivações dos seus alunos. Pacheco (1996), remete-nos para o professor “que se transforma num construtor, arquitecto e investigador prático do currículo”.
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Referências Bibliográficas GIMENO, J. (1989). El curriculum: una reflexión sobre la práctica. Madrid: Morata. GIMENO, J. (1995). Consciência da acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In A. Nóvoa (org.), Profissão Professor. Porto: Porto Editora. LEITE, C. (2002). O Currículo e o Multiculturalismo no Sistema Educativo Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. MORGADO, J. C. (2003). Processos e práticas de (re) construcção da autonomia curricular. Tese de Doutoramento. Braga: IEP/Universidade do Minho (policopiado). PACHECO, J. A. (1996). Teoria e Praxis. Porto: Porto Editora. PACHECO, J. A. (2000). Flexibilização Curricular: algumas interrogações. In José Augusto Pacheco (Org.), Políticas de Integração Curricular. Porto: Porto Editora. PACHECO, J. A. (2001). Currículo: Teoria e praxis. Porto: Porto Editora. ROLDÃO, M. C. (1998). Gestão curricular na área da história. In Emanoel Medeiros (Coord.) 2002), I Encontro de Didácticas nos Açores. Ponta Delgada: Universidade dos Açores.
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