“O Mundo” (1918)
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Terça-feira, 1 de Outubro de 1918
“A epidemia e o dezembrismo”
O grande estatuário Teixeira Lopes dirigiu ao Primeiro de Janeiro uma carta sobre a situação em que se encontra o povo de Riba-Tua, sua terra natal, em face da tremenda epidemia que está grassando assustadoramente no nosso país, sobretudo no norte. Nessa carta refere Teixeira Lopes que, tendo feito várias caminhadas até ao governo civil do Porto, a pedir socorros, ainda nada conseguiu não obstante as suplicas formuladas. E acrescenta: Não conseguimos um médico, um enfermeiro, uma triste saca de açúcar!... Quando chegarem os socorros oficiais à minha pobre aldeia, já muitos e muitos infelizes de nada precisarão… Pedi, supliquei, ao chefe de Estado que fosse vê-los, que os auxiliasse. Foi-me prometido que irai, que faria tudo o possível. Não foi nem até hoje se fez qualquer coisa em favor dos desgraçados. Devo dizer isto bem alto, acrescentando que vou perdendo as ilusões em tudo o que é oficial. Porque não? E o Primeiro de Janeiro comenta com toda a razão: «Ai fica na sua esmagadora singeleza, o brado de justa indignação que semelhante incúria, que tão reprovável indiferença naturalmente ocasiona. Para ele chamamos a atenção das autoridades a quem compete providenciar, sem demora, porque a epidemia não espera e ataca de preferência os abandonados que, por via de regra, são os pobres, os necessitados». Por nossa parte, apenas desejamos fazer notar que teria sido encarado o aterrador problema de uma maneira mais séria, mais eficaz e menos espalhafatosa se em vez de custosas viajatas em comboio especial – que não pode ter ficado por menos de cinco
contos – se empregasse o dinheiro tão escusado e teatralmente gasto no envio de socorros imediatos. Mas tudo está sendo aproveitado para uma ostentação totalmente incompatível com a desgraçada época que atravessamos, em que há miséria, fome, e doenças terrivelmente mortíferas e luzido estado maior que muito bem podia ter ficado por cá.
“A epidemia vai alastrando”
Alcoentre, 30 – Já aqui se propagou a influenza pneumónica, não havendo cá médico e constando acharem-se muitos doentes. Além disso estão se refugiando aqui pessoas atacadas da epidemia na Azambuja. Devem tomar-se a transmissão da doença, principalmente pelo isolamento dos atacados e mais medidas profiláticas.
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Quarta-feira, 2 de Outubro de 1918
“Ecos – A epidemia”
Efectuou-se a viagem de ostentação, com grande e aparatoso se quito, à província de Trás-os-Montes. O motivo invocado foi o desejo caridoso de acudir eficazmente as desgraçadas populações atingidas pela epidemia da gripe pneumónica. Mas a eficácia da custosa viagem ainda se não fez sentir, segundo as noticias que os jornais vêem publicando. Ainda ontem aludimos ao angustiado brado do eminente escultor Teixeira Lopes que amargamente se queixava ao Primeiro de Janeiro contra a falta de cumprimento das promessas que lhe foram feitas quando pediu imediatos socorros para o povo de Riba-Tua, um dos mais assolados pela pavorosa epidemia. Pois outro tanto está sucedendo a outras povoações igualmente vitimas da mesma olimptca indiferença perante a sua desgraça. De Vilar Formoso dizem não haver ali a que recorrer para o combate à mortífera doença; nem médicos, nem farmacêuticos. Em S. João de Pesqueira, um médico declara não poder atacar a doença por
absoluta falta de dieta, medicamentos, enfermagem e hospitalização. Em Ervedos os doentes, por falta de leitos estão aos quatro em uma só cama! Nem há uma gota de leite declara o mesmo médico, para alimento dos doentes. O Sr. Dr. Teófilo Bernardes – que é o medico a que nos referimos – diz que se lhe mandassem leite condensado, medicamentos, enfermeiros e dinheiro, para cuidar dos mais necessitados, a doença desaparecia, porque ainda não teve um caso mortal em doentes que pudessem tratar-se. No concelho de Sabugal são às dezenas as vitimas. Todos os dias o administrador do concelho tem continuado a pedir urgentes providências, que não teem sido dadas por dificuldades burocráticas. Semelhante indiferença tem alarmado a população. Num só dia falece cinco pessoas e há mais trezentos doentes. De Alijo dizem não terem chegado os socorros que com uma liberalidade toda platónica, foram prometidos aquele concelho. Ate quatro hospitais disseram a essa povoação, que dariam mas apenas tem… o que já tinha…
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Quarta-feira, 9 de Outubro de 1918
“A epidemia. Faltam médicos e previdenciais.”
Segundo informações de carácter oficioso a epidemia que grassa no país tem diminuindo, mas nem por esse facto o seu aspecto é menos grave. Há localidades como as Caldas da Rainha e Óbidos, onde não há um médico. Em outras localidades não há farmácias abertas porque os farmacêuticos se encontram gravemente enfermos. Leite para os doentes não existe. A procura de pão constitui um drama. Tudo isto se avoluma por uma forma extraordinária, sem que os doentes possam ter esperanças de socorro. A situação torna-se grave, principalmente pela falta de médicos, alguns dos quais se encontram mobilizados sem motivo algum.