O Mistério do Calendário por Marcelo Sávio Versão 4.6 – Abril/2009
Eis aqui um bom assunto para impressionar os amigos em papos de botequim. No calendário dos computadores que rodam os sistemas operacionais Windows NT, Windows 2000, UNIX ou Linux existe uma particularidade em relação ao mês de setembro de 1752, no qual após o dia 2 de setembro de 1752 vem o dia 14, provocando um salto de 11 dias. OBS: Isso não acontece nos DOS, Windows 95/98/XP porque nesses sistemas o calendário começa no ano de 1980 (um ano antes do lançamento do IBM PC original, que se deu em 12/08/1981)
Para conferir esse fato, abra o calendário do Windows NT/2000 e retroceda até esse mês/ano ou no caso dos sistemas UNIX/Linux, use o comando cal 9 1752 , o qual produzirá o seguinte resultado:
- Por que será nesse mês de setembro de 1752 “sumiram” com 11 dias? A resposta está na matemática dos anos bissextos, a seguir.
Começando do começo... Em nosso calendário, chamado Gregoriano, os anos comuns têm 365 dias e os anos bissextos têm um dia a mais, totalizando 366 dias. Esta informação praticamente todo mundo sabe, mas o entendimento sobre o funcionamento exato dos anos bissextos ainda é recheado de dúvidas na cabeça de muita gente. Muitas “regras populares” foram criadas para calcular anos bissextos, do tipo: “Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam múltiplos de 100 (terminem em 00) são bissextos”. Mas será que isto está correto? E o ano 2000, que foi bissexto e contrariou a regra acima? Bom, neste caso é necessário adicionar uma “exceção” à regra, ficando assim: “Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam múltiplos de 100, com exceção daqueles que são múltiplos de 400, são bissextos”. Ah, agora sim! Mas por quê? Quem inventou essa regra? Por qual motivo? Com base em quê foi criada?
A origem do ano bissexto Em 238 a.C., em Alexandria no Egito, durante a monarquia helenística de Ptolomeu III1 (246-222 a.C.), foi decretada a adição de 1 dia a cada 4 anos para compensar a diferença que existia entre o ano do calendário, com duração de 365 dias e o ano solar (em astronomia chamado de ano astronômico sazonal) com duração aproximada de 365,25 dias, ou seja, de aproximadamente 365 dias + 6 horas. Com este excesso anual de 6 horas, que após 4 anos completa 24 horas, 1 dia extra deveria ser acrescentado ao calendário oficial, a cada 4 anos, para evitar os deslocamentos das datas que marcavam o início das estações. A programação das épocas de semeaduras e colheitas eram baseadas no calendário das estações. Qualquer discrepância neste calendário afetava a agricultura, que era base da economia dos povos antigos. Lamentavelmente, esta tentativa de reformulação do calendário não teve a aceitação necessária e as discrepâncias permaneceram na contagem dos dias. Quase 200 anos depois, em 46 a.C. (que naquela época era chamado ano 708 da fundação de Roma), o imperador romano Júlio César (102-44 a.C.), retomando as idéias helenísticas, resolveu intervir no sistema de contagem do calendário, para corrigir mais de 3 meses de desvios acumulados até então e criou o “Calendário Juliano” que evitaria novos erros. Para elaborar esta tarefa, trouxe de Alexandria o astrônomo grego Sosígenes (90-?? a.C.) para auxiliá-lo e, entre outras modificações, decretou que:
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O ano de 46 a.C teria 445 dias de duração, para corrigir os desvios acumulados até então.
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Os anos teriam 365 dias e haveria 1 ano bissexto a cada 4 anos a partir de 45 a.C (que também seria bissexto)
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Seria deslocado o início do ano romano de 1o. de Março para 1o. de Janeiro, a partir de 45 a.C.
Em função destas modificações, o ano de 46 a.C. ficou conhecido como o “Ano da Confusão” e apesar dos esforços, os anos bissextos que se seguiram não foram aplicados corretamente até o ano de 8 d.C, quando então finalmente passaram a ser regularmente contabilizados de 4 em 4 anos em todos os calendários. E assim permaneceu por mais de 1500 anos.
Então, para o calendário Juliano, o ano possui: 365 + 1/4 = 365,25 dias
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A dinastia dos Ptolomeus, que governou o Egito de 332 a.C até 30 d.C., foi estabelecida pelo general Ptolomeu, subordinado a Alexandre Magno, e desapareceu com a morte da famosa rainha Cleópatra, que foi vencida pelas tropas do Império Romano.
A origem do nome bissexto Algumas pessoas pensam que o ano é bissexto porque tem dois números 6 na quantidade de dias (366), o que está errado. No antigo calendário romano, os dias tinham nomes com base no ciclo lunar e um mês dividia-se em três seções separadas por três dias fixos: Calendas (lua nova), Nonas (quartocrescente) e Idus (lua cheia). Os dias eram designados por números ordinais contados em ordem retrógrada em relação ao dia fixo subseqüente, algo como o costume que temos em dizer um horário de 14:45h com sendo “15 para as 3”. Assim o dia 3 de fevereiro, por exemplo chamava-se “antediem III Nonas Februarii”, ou seja “três dias antes da Nona de Fevereiro”. O dia 24 de fevereiro chamava-se “antediem VI Calendas Martii” ou “antediem sextum Calendas Martii”, ou seja “sexto dia antes da Calendas de Março”. Ao fazer a introdução de mais um dia no ano, Julio César escolheu o mês de fevereiro, e dentro deste mês escolheu por “fazer um bis” ou “duplicar” o dia 24, chamando-o de “antediem bis-sextum Calendas Martii”. Daí surgiu o nome “ bissexto”, que passou a designar o ano que tivesse este dia suplementar. Júlio César escolheu o mês de fevereiro para adicionar um dia porque, além de ser o mês mais curto do ano, com 28 dias, era também o último mês do anono calendário romano, e além disso fevereiro era considerado um mês nefasto. A escolha da duplicação do dia 24, ao invés de se introduzir o novo dia 29 (como fazemos hoje) se deu por motivos supersticiosos.
Por que a reforma Juliana do calendário não resolveu o problema em definitivo? Com o avanço dos instrumentos de medição, percebeu-se que, apesar da correção quadrienal, o ano Juliano não era preciso, uma vez que criava um excesso de 11 minutos e 14 segundos (ou seja 0,0078 dia) em relação ao ano solar. Essa diferença, com o passar do tempo, foi causando implicações no calendário das estações e nas datas de alguns ritos religiosos.
Como foi resolvida então a questão? Em fevereiro de 1582, o Papa Gregório XIII (1502-1585) introduziu uma reforma no calendário Juliano e criou o “Calendário Gregoriano”. Este calendário havia sido elaborado, durante vários anos, por uma comissão composta pelo próprio Papa e vários sábios, entre eles o astrônomo e médico italiano Aloisius Lilius (1510-1576) e o jesuíta e matemático alemão Cristophorus Clavius (1537-1612). Essa comissão decidiu o seguinte: Inicialmente descontariam 10 dias do mês de outubro de 1582 para corrigir o erro que vinha sendo acumulado até então (neste mês o calendário saltou do dia 4 para o dia 15) e para acertar o calendário e evitar os futuros erros, fizeram o seguinte:
Levando-se em conta que a discrepância de um 1 ano Juliano era de 0,0078 dia a mais que o ano solar, ao final de 1 século o excesso atingia 0,78 dia, ou seja, aproximadamente 3/4 de dia. Ao final de cada 400 anos haveria, então, uma diferença de aproximadamente 3 dias.
Considerando-se que estes dias excedentes seriam introduzidos pelos futuros anos bissextos, a solução do problema seria então eliminar 3 anos bissextos em cada 400, ou seja, a partir de 1582 somente poderiam existir 97 anos bissextos em cada 400 anos. A engenhosidade para resolver este problema ficou resolvida assim: Como os anos bissextos acontecem a cada 4 anos, temos 100 bissextos em cada 400 anos. Para termos 97, bastaria "eliminarmos" 3 anos bissextos. Escolheu-se então retirar, a cada 400 anos, aqueles que são divisíveis por 100 e manter o único ano que é divisível por 400, ou seja, em um período de 400 anos temos 4 anos divisíveis por 100 a serem retirados (os anos 100, 200, 300 e 400 deixariam de ser bissextos) e 1 ano divisível por 400 a ser reincluído na lista (no caso próprio ano 400 voltaria a ser bissexto). Então, para o Calendário Gregoriano, um ano possui: 365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 = 365 + 97/400 = 365,2425 dias E essa é regra do ano bissexto que permanece até hoje, sendo assim enunciada: “Será bissexto todo ano cujo número seja divisível por 4 e não divisível por 100, porém sendo também bissexto os anos divisíveis por 400”.
E será que o problema da contagem do ano bissexto foi definitivamente resolvido? Infelizmente não, pois como citei anteriormente, apesar do calendário Gregoriano ter sido criado para resolver o problema dos acréscimos causados pelo calendário Juliano, o valor aproximado usado nos cálculos para este acréscimo (3/4 dia a cada 100 anos ou 0,0075 dia por ano) é diferente do valor real do acréscimo (0,78 dia a cada 100 anos ou 0,0078 dia por ano). Isso dá uma diferença de 0,0003 dia por ano, ou seja, a cada 3300 anos teremos, aproximadamente, 1 dia extra que deveria ser retirado. Dessa forma, um ano “moderno” passaria a ter 365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/3300 = 365, 2421969697 Mas não podemos esquecer que, para retirar este dia após 3300 anos, deveríamos fazê-lo a partir do ano de 1582, o que provocaria uma tremenda novidade para o ano de 4882, pois este não será um ano bissexto (não é divisível por 4) e ainda deveria “perder” um dia, ficando com 364 dias! Será? Creio que não... Na verdade diversas pessoas já propuseram, entre elas o astrônomo britânico John F. W. Herschel (1792-1871), uma regra diferente para anos bissextos, ao invés do termo 1/3300 proposto acima, dever-se-ia calcular a fórmula do ano com o termo 1/4000 (por ser múltiplo de 4). Dessa forma, a “fórmula” do ano o ano seria: 365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/4000 = 365 + 969/4000 = 365, 24225 Isso jogaria o famoso “erro” de 1 dia extra para daqui a mais de 20 mil anos! Mas na verdade esta regra nunca foi aceita e hoje não existe oficialmente nenhuma regra para ano bissextos além daquela que conhecemos e que foi instituída pelo calendário Gregoriano em 1582.
Por que não é possível termos um calendário perfeito? A busca por um calendário perfeito não terminará nunca, apesar da precisão dos instrumentos de medida aumentar constantemente, pois o máximo que poderemos calcular será sempre um valor médio, já que o período em que a Terra dá uma volta em torno do Sol não é constante. Em sua longa viagem pelo espaço em volta do Sol, o nosso planeta sofre pequenas alterações de velocidade, causadas pela influência das forças gravitacionais de outros corpos celestes. Essas pequenas variações, ao longo de muitos anos, sempre causarão erros em relação aos nossos calendários “fixos”.
Mas e o mistério no calendário dos computadores apresentados no início? Acontece que quando a Bula Papal decretou o uso do Calendário Gregoriano, este foi imediatamente respeitado na Itália, Polônia, Portugal e Espanha. Outros países católicos seguiram logo após, mas os países protestantes relutaram em mudar, e os países ortodoxos gregos não mudaram até o início do século XX. A reforma do calendário foi seguida pela Inglaterra e suas colônias (incluindo o que agora são os Estados Unidos) somente em 1752. Por essa razão, nesses países, foram retirados 11 dias de forma a compensar a diferença existente entre os calendários Juliano (até então vigente) e Gregoriano (que passou a vigorar). E como o UNIX e o Windows seguem o calendário gregoriano (afinal foram sistemas criados nos Estados Unidos, pela AT&T e Microsoft, respectivamente), implementaram o calendário da forma “oficial”. O Linux apesar de não ter sido criado nos Estados Unidos, foi baseado no UNIX e manteve essa característica.
Bibliografia [1] Artigo “Ano Bissexto”, de Vincenzo Bongiovanni, publicado na Revista do Professor de Matemática (RPM) nº 20, 1992 – Editada pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). [2] Nota científica sobre “Anos Bissextos”, publicada no livro “Anuário de Astronomia” de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, 1996 - Editora Bertrand Brasil. [3] Documento “Frequently Asked Questions about Calendars”, mantido por Claus Tøndering - Disponível na Internet em [http://www.tondering.dk/claus/calendar.html]. [4] Livro: “Fim de Milênio–Uma história dos calendários, profecias e catástrofes cósmicas”, por Betília Leite e Othon Winter – Ed. Jorge Zahar Editor, 1999. [5] Livro: “Calendário–A epopéia da humanidade para determinar um ano verdadeiro e exato”, por David Ewong Duncas – Ed. Ediouro, 1999.
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