O Menino E As Estrelas

  • June 2020
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  • Words: 2,004
  • Pages: 8
1 O Menino e as Estrelas Em um vale onde o rio curvava-se várias vezes por entre colinas, existia uma antiga fazenda. Ela era formada por um celeiro, uma grande casa, alguns cavalos e Joana D’arc, a vaquinha leiteira. Seu Hans, o proprietário da fazenda, tinha um filho, um menino que todos os dias olhava para o céu noturno, pensando que lá iria conseguir todas as respostas para suas perguntas. Com tempo nublado ou chuvoso, ele analisava as gotas d’água escorrerem pelas folhas das árvores, as nuvens passando lentamente e se espalhando por tufos que muitas vezes seguiam o caminho contrário. Era um menino muito reflexivo. Em um certo dia, ou melhor, noite, o menino observava a constelação de Órion. Analisou-a de uma ponta a outra, e ficou com uma dúvida que deixara doente sua mente. Assim concluiu que a melhor forma de tirar aquilo da cabeça era perguntando. Como a constelação ficava muito longe do planeta, ele encheu os pulmões, e deu o maior berro de sua vida para que Órion pudesse escutar. — ÓRION! TENHO PERGUNTAS A LHE FAZER. — DIGA-ME O QUE QUERES SABER, PEQUENO HOMEM! — respondeu quase de imediato uma voz grossa e alta, vinda da constelação em questão. — Porque tantas estrelas o compõem? — perguntou o garoto, agora com voz mais baixa. — PARA PODEREM ME VISUALIZAR MELHOR! PORQUE PERGUNTA? O menino coçou a cabeça com o indicador e falou: — Fiquei analisando tua estrutura, e notei que, apesar de ser grande constelação, sem as pequenas estrelas você não é nada! Órion mexeu as sobrancelhas de um lado para o outro da testa, olhando o menino com ar de desprezo e braveza misturados em uma poção ruim.

2 — QUE INSULTO! SABES POR QUE ESTOU AQUI? — perguntou e logo respondeu — FUI UM MITO EM TEMPOS PASSADOS; O MAIOR CAÇADOR DO UNIVERSO! MINHAS ESTRELAS SÃO AS MAIORES DE TODA A GALÁXIA. VEJA — apontou para o ombro direito — ESTA É BETELGEUSE, MUITA VEZES MAIOR QUE O SEU SOL. E VEJA ESTA — indicou o pé esquerdo — É RIGEL, UMA DAS MAIS BELAS E BRILHANTES ESTRELAS DO FIRMAMENTO. Após o gigante caçador falar, Mintaka, Alnitak e Alnilam começaram a cochichar. Elas eram mais conhecidas como as “TRÊS MARIAS”, e formavam o cinto do grande caçador. — Tu falas assim gigante ingrato, mas se não fosse nós ficarias nu em frente a todo universo. Nos deve muito por segurar seu saiote por tanto tempo — falaram enciumadas e ao mesmo tempo. O guerreiro ficou um pouco envergonhado, corando as bochechas. Ele olhou o seu cinto, e elas o olharam com ar de exigirem uma resposta rapidamente. “Ingratas, os deuses fizeram-lhes uma bondade de as colocarem como meu cinto e é assim que agradecem”, pensou Órion, ainda olhando para as três. — Vamos — intimaram as três estrelas — nos dê uma resposta deste fato que nos aborrece. — BOM... — resmungou — ESTÃO COM TODA A RAZÃO! VOCÊS FORAM TÃO ÚTEIS QUANTO ESTAS — apontou para Betelgeuse e Rigel. — Eu, meu caro Órion, sou muito mais importante do que todos os simples pontos brilhantes que o formam — falou Betelgeuse arrogante, ignorando todas as outras estrelas. — Deve seu charme a mim! Meu tom amarelado me transformou em uma das mais conhecidas estrelas. Então, Órion, agradeça aos deuses por me colocar junto a você.

3 — Não posso aceitar isso — disse Rigel. — Sou a estrela mais brilhante da constelação e mereço exclusividade... Logo Betelgeuse a interrompeu, provocando assim uma discussão que parecia interminável, entre as duas. As plêiades, que escutavam a discussão e não tinham nada a ver com a história, se intrometeram na conversa e começaram a falar das indelicadezas que outrora, Órion as fizera. — Ele não toma banho — disse uma. — E sua barba não é tosada há milênios — gritou outra. O menino, não acreditando na bagunça que ali estava, sentou-se no gramado de um modo confortável como se fosse assistir um longo e belo concerto, mas com instrumentos desafinados. A barulheira da conversa começou a ficar cada vez mais alta, ainda mais quando o Cão Maior começou a latir. Seu latido ecoava por todo o cosmo, estremecendo outras estrelas e constelações. Logo, Cão Menor, que tinha verdadeira admiração por Cão Maior, começou a imitar o que seu mestre fazia, latiu. O som era agudo, irritando todos do céu. A bagunça era geral. Gritos para um lado, latidos para outro. De repente, em uma atitude desesperada Betelgeuse falou: — Não agüento mais! Só existe lugar para uma estrela importante, por esse motivo estou indo embora para a constelação do Câncer. Lá o Caranguejo não fala, assim nunca vou ser desacatada. Além do mais, vou ser a estrela mais brilhante de toda a constelação, não tendo concorrentes. A idéia de Betelgeuse, como um passe de mágica, pegou em todas as estrelas oriônidas. Mintaka, Alnitak e Alnilam resolveram apoderar-se de um local na constelação de Eridanus. Antes, pensaram na constelação de Camaleão, pois iriam ter mais destaque lá,

4 onde nenhuma estrela era de luminosidade superior a elas. Porém, a viagem era muito longa, iriam atravessar toda a esfera celeste, preferindo (por preguiça) se alojar em Eridanus mesmo. Percebendo que corria perigo, Órion começou a suplicar desesperadamente: — ESTRELAS, NÃO FAÇAM ISSO. NÃO PODEM, POIS ASSIM VOU DESAPARECER! As estrelas, muito magoadas com a ingratidão do caçador, não atenderam ao pedido desesperado da constelação. Assim, a voz de Órion foi diminuindo a cada passo que as estrelas iriam se dirigindo as outras constelações. —

NÃO FAÇAM ISSO! POR FAVOR. EU IMPLORO. DESCULPEM-ME,

PROMETO QUE VOU AGRADECE-LAS TODOS OS DIAS. MENINO! AJUDE-ME... —falou sumindo dos céus. A voz do caçador já não mais se ouvia. Somente a estrela Rigel ficou em seu mesmo lugar, pois ela não admitia sair do “trono real”, assim demonstrava sua pura arrogância. Arrependido de ter começado a conversa que causara o maior transtorno, o menino assistiu uma forte constelação se transformar em um espaço negro onde somente se encontrava uma única estrela e uma nebulosa. “A constelação desapareceu. Que calamidade!”, pensou e logo se levantou. — Tenho que fazer algo! — disse encorajado. — CONSTELAÇÕES — gritou —, PEÇO AJUDA PARA FAZER COM QUE ÓRION VOLTE A BRILHAR NO FIRMAMENTO. COMO PODERIA FAZER ESTA PROEZA? Todas as constelações deram atenção ao pedido desesperado do menino. Muitas sentiram pena dele por estar tão triste (o que não é bom). Uma voz suave e que parecia de muito longe começou a ecoar pelos céus.

5 — Menino! Aconselho você a pedir ajuda para as sábias constelações! — Quem é você que fala tão baixo e de tão longe? — perguntou imaginando quem seria a constelação que falaria de tão longe. — Sou Perseu, filho de Teseu. Não apareço muito bem a seus olhos, pois sou pouco visível em seu hemisfério, assim não poderei ajudá-lo. — Obrigado pela sugestão, e boa noite! — agradeceu o menino. Sentou-se novamente e observou atentamente cada constelação. “Quais são as mais sábias constelações? Já sei!”, pensou. A maioria delas eram animais e objetos, sendo que somente as constelações do Escultor, do Pintor e de Gêmeos falavam. O Escultor era uma constelação ocupadíssima, tão ocupada que lançava suas obras diariamente. O Pintor retratava as mais belas paisagens do universo profundo, mas o que ele mais gostava de pintar eram as nebulosas e os aglomerados. Gêmeos, aos olhos do menino, não tinha nada de especial. — Escultor, pode me ajudar a trazer de volta todas as estrelas de Órion, o caçador? — NÃO GOSTO DE CAÇADORES — falou uma voz grave em alto som. — SÃO MUITO ARROGANTES E NÃO VÊEM A DELICADEZA NA ARTE. ACHAM QUE POR TRAZEREM ALIMENTO SÃO OS MAIS IMPORTANTES MEMBROS DOS REINOS. NÃO TENHO INTERESSE QUE ÓRION, O CAÇADOR, VOLTE. Primeira tentativa já foi um fracasso, e agora apostava nas duas outras constelações. Agradeceu o Escultor por ter permitido que o atrapalhasse em meio a uma obra para pedir-lhe ajuda. — Pintor, tu que és trabalhador de paisagens, ajude-me a trazer de volta uma das mais belas paisagens do firmamento — a constelação de Órion, o caçador!

6 — Menino, não posso te ajudar no momento, pelo menos enquanto estiver pintando. Quero agradecer-lhe por ter tirado as estrelas de lá, somente assim pude visualizar melhor a nebulosa de Órion, o meu mais novo trabalho. No que eu termine, prometo ajudar-lhe. — Obrigado por me oferecer ajuda, mas é uma emergência, não posso passar mais uma noite nesta situação. O menino imaginou a possibilidade dos habitantes do planeta perceberem que a constelação desapareceu. “Seria o caos”, pensou ele. Agradeceu mais uma vez o Pintor, e partiu para a última tentativa — Gêmeos. — Constelação de Gêmeos — falou para chamar a atenção. — Peço que me ajudem em uma missão: trazer a constelação de Órion, o caçador, novamente ao firmamento. Como diziam os mais sábios — “duas cabeças pensam melhor que uma”. A constelação gostou do que o menino disse. E o menino percebeu que pensou errado sobre Gêmeos. — Agradeço a você por pedir a nossa ajuda, nos sentimos honrados — falou o do lado direito. — Ao analisarmos toda a discussão que foi promovida, eu e meu irmão chagamos a uma conclusão — disse o da esquerda. — Como “uma andorinha não faz verão”, “uma estrela não faz constelação”. Sábios foram os homens que criaram o nome CONS-TE-LA-ÇÃO — a união de várias estrelas. — Sem meu irmão, não seríamos Gêmeos. Somos na verdade um só, e... Ao ouvirem o que Gêmeos falava, as estrelas que, outrora compunham Órion, começaram a refletir e na maior lentidão, voltar. Somente Betelgeuse não se importou com que a constelação falou. Percebendo isso, o menino resolveu tomar uma atitude.

7 — Grande estrela de brilho antigo, é maior que nosso Sol, mas veja, ele consegue manter a vida de bilhões de pessoas em um único planeta. Apesar de ser grande, tens essa capacidade? A estrela nunca imaginou o que o menino disse. Ela pensou, pensou, e concluiu. — Realmente — falou triste e arrependida — não tenho capacidade para fazer o que seu Sol faz... — Por outro lado — completou — ele não está agrupado com estrelas com quem pode refletir, pensar, conversar. Está fadado a praticar sempre a mesma tarefa: nos mostrar o dia e nos alimentar com seu calor. — Diz a verdade menino — respondeu —, és muito sábio. Agora vejo a minha responsabilidade e a de seu Sol. Tenho pena dele, pois não há descanso nesta árdua tarefa. Voltarei a minha posição para harmonia geral do firmamento. Novamente poderia se ver a constelação de Órion sobre a cabeça do menino. A discussão somente não terminara com Mintaka, Alnitak e Alnilam, que se empurravam para ver quem ficaria no meio de duas no cinto, mas nada que Órion mesmo não resolvesse. Feliz por voltar, Órion, o caçador, sentia-se em plena juventude. — Obrigado menino sabido — disse o caçador, não tendo muita prática em palavras corretas. — Aprendi que devo valorizar cada estrela de meu corpo. Assim poderei me manter por mais alguns bilhões de anos. Muito obrigado mesmo. Em um coro gigantesco, todas as constelações ali visíveis começaram a agradecer o menino pela lição que tiveram. Umas chorando, outras soluçando e fungando. Sem achar que tinha feito algo extraordinário, o menino agradeceu os elogios com uma simplicidade radiante.

8 Sem perceber, ele passara a noite toda no gramado de casa. Levantou-se e viu no horizonte os primeiros raios de Sol batendo em seus olhos. O ar matutino, puro e fresco enchia seus pulmões. A brisa mexia seus fios de cabelo encaracolados, dando alegria a ele pensar que existia a natureza. Agradeceu ao Sol por ele sempre existir e, ao escrever em seu diário, postou palavras simples, mas eternamente lembradas: “Agradeço por existir o tempo, o dia e a noite, o vento, a chuva, o Sol e as estrelas, que me fazem refletir com o cintilar de seu brilho”.

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