O livro do professor Yuval Noah Harari “Homo deus: uma breve história do amanhã”(Companhia das Letras; 448 páginas; 36 reais) descreve a trajetória do homo sapiens, a conquista do planeta e sua soberania no mundo animal. O avanço da ciência promete um novo mundo e novos rumos para a espécie humana. Através da biotecnologia, inteligência artificial e novos progressos científicos, acredita-se que a espécie humana será superada. Não há dúvidas que o homo sapiens é uma espécie bem sucedida. Em um curto espaço de tempo, estima-se que por volta de 100 mil anos, o sapiens começou sua escalada no mundo animal e à conquista da terra. O período que o ser humano provoca profundas mudanças no ecossistema é denominado antropoceno. A partir desse período, o ser humano altera o meio ambiente, não somente dominando e exterminando espécies, como construindo canais, alterando cursos de rios e derrubando florestas. O grande salto do sapiens viria com sua primeira e fundamental transformação: a revolução cognitiva. Essa revolução daria uma capacidade sem precedentes para o sapiens, que em alguns milhares de anos provocaria mais duas revoluções: a agrícola e a científica. Antes da revolução cognitiva, o homo sapiens era uma espécie sem brilho. Um bando fechado, não muito expressivo, e sem toda inteligência social que hoje é sua marca fundamental. A revolução cognitiva vai legar ao sapiens a capacidade de abstração, de criar mitos, histórias, ideologias, instituições, etc. O sapiens não dominou o planeta porque é mais esperto ou mais ágil que outros animais, e sim porque é a única espécie capaz de cooperação flexível e em grande escala. E essa cooperação flexível é resultado de uma estrutura intersubjetiva como a família, o bando, os clãs, o imperador, etc. A partir do momento que o sapiens pôde conviver com outros sapiens estranhos, por uma conexão intersubjetiva como leis, código moral, punições, etc, ele foi capaz de cooperar e criar junto. O poder do império faraônico não estava no indivíduo faraó. Este era um humano falível e mortal. O que conferia unidade e poderio era a crença generalizada que ele representava um deus, ele era uma deidade viva. Essa crença compartilhada permitia uma cooperação massiva entre os habitantes deste grupo. O faraó representava a ordem, segurança, fartura e paz. Sem a figura do faraó, não existe unidade, não há uma teia intersubjetiva que una as pessoas, e o resultado é o caos, a convulsão social. Com os modernos não é diferente. Hoje temos poderes institucionais, o estado, a nação soberana, as leis, o dinheiro e a propriedade privada. Nada disso é real em si mesmo. Todas essas coisas são convenções sociais, estabelecidas na confiança e na convicção que serão mantidas por um estado. Mas o estado também é uma intersubjetividade, ele não é real em si mesmo, ele só se torna real quando cremos nele e representantes desse mito trabalham para que esse organismo simbólico continue vivo. Um exemplo moderno e pertinente usado pelo autor é sobre Sousa Mendes, diplomata e cônsul português, que carimbou e permitiu a entrada de aproximadamente 30 mil refugiados dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial para Portugal. Depois de carimbado, nenhum burocrata ou oficial ousou recusar os vistos. Sousa Mendes foi exonerado pois descumpriu ordens de seus superiores, não era para ter concedido os vistos. Mas Sousa Mendes foi subversivo e se tornou um herói. Sua arma? Um carimbo. As ideologias sempre foram fundamentais para gerar coesão social. Sem crenças compartilhadas nós não conseguimos viver. A religião mais forte do
mundo hoje, segundo o autor, é o humanismo. É a crença generalizada que temos direito à felicidade, à liberdade, ao amor próprio e ao consumo. Ninguém deve se meter nas escolhas alheias. Somos educados desde o berço com os slogans humanistas. Ouça a voz interior. Siga seu coração. Faça o que você gosta. Ame-se. Essa centralidade no Eu, o humanismo, gera uma consequência muito clara. Como o humanismo santifica a vida, nada mais lógico que estender a vida e potencializá-la. Este sem dúvida se tornou o objetivo do século. Cientistas estão envolvidos com pesquisas revolucionárias que prometem mudar o curso da espécie humana no planeta terra. Mas antes de entender essa transição do homo sapiens para uma espécie melhorada e superior, precisamos falar sobre a relação dos humanos com os animais. Os humanos sempre se enxergaram como o suprassumo da existência, o ápice da criação. O humano sempre se orgulhou de dizer que era o único animal a possuir alma e um lugar no cosmos. E assim foi relegado aos animais um papel coadjuvante, de meros servos e instrumentos para o sapiens alcançar seus objetivos. O distanciamento do animal humano para os outros animais criou um abuso sem precedentes. O autor prepara o leitor através dessa reflexão, da distância que existe entre o ser humano e os outros animais, para discutir a posição do homo sapiens em relação às novas espécies do futuro. Com o progresso da biotecnologia, acredita-se que será possível alterar DNA e programar super humanos. Memória, visão, raciocínio lógico, capacidades intelectivas, todas elas melhoradas. Esses novos humanos não vão partilhar o mesmo DNA do sapiens, será uma nova espécie. Capaz de novos feitos, distantes do seu irmão inferior, o homo sapiens. Seria então justo, que essa espécie superior, explore o sapiens, assim como ele fez ao longo da história com seus irmãos não humanos? Essa visão de que o ser humano é próximo dos animais tem sido explorada há um bom tempo pela ciência. No entanto, uma ideia mais recente, a dos algoritmos bioquímicos, têm nos aproximado ainda mais dos animais. Muitos estudos têm mostrado que nosso funcionamento é resultado de uma imensa série de algoritmos bioquímicos que reagem a diferentes estímulos, liberando fluidos, hormônios e outros reagentes. Um ser humano sob estresse, em um conflito físico, recebe uma carga de testosterona, adrenalina e cortisol. Um cachorro sob estresse, recebe uma carga de testosterona, adrenalina e cortisol. E não para por aí. Muitos outros animais têm gatilhos, algoritmos, semelhantes ao nosso. Eles são disparados em consequência à diferentes estímulos e dominam nossa reação. Essa visão tem nos aproximado cada vez mais dos animais, demonstrando que nosso juízo superior, de espécie elevada, não passa de um delírio ideológico. Para se ter uma ideia, boa parte dos remédios para depressão são testados em ratos. Aqueles que julgamos inferiores. Porém, o mesmo remédio que o paciente em profundas angústias pede para o psiquiatra, é o mesmo que o rato, sob profundo estresse foi medicado. Somos mais próximos dos animais do que pensamos. Essa preparação é importante para falar dos avanços da ciência e as novas possibilidades que se abrirão para a espécie humana. Chegamos nos dias de hoje, século XXI, em um período crítico de nossa história. O avanço da tecnologia tem ameaçado cada vez mais o emprego e a segurança de milhões de pessoas. A automação tem ganhado novos contornos e a
promessa é de que em poucos anos vamos ter caminhões, táxis e outros transportes sem nenhuma interferência humana. Os avanços na agropecuária também prometem melhores colheitas, com menos trabalhadores e menos recursos. Em toda história humana, as massas eram necessárias. Cada humano contava. Nos campos de batalha. Nas indústrias, nas linhas de produção. Mas com o progresso tecnológico, a automação e a inteligência artificial, o humano torna-se em grande medida inútil. Há pouco tempo, uma inteligência artificial foi capaz de acertar 90% das avaliações de câncer no pulmão, contra 50% de acerto da inteligência humana. Esse é somente um exemplo de muitos milhares deles que surgem a cada dia. Como os algoritmos estão tirando os humanos do mercado de trabalho, a riqueza e o poder se concentrarão nas mãos de uma minúscula elite proprietária desses algoritmos. Criando assim uma desigualdade social e política jamais vista. Essa lacuna que começa econômica, tenderá tornar-se também biológica. Com o progresso da tecnologia e o empobrecimento das massas, somente uma pequena parcela da população terá recursos para comprar super tratamentos que melhorará seu código genético e sua inteligência. Essa minoria, não compartilharia mais o mesmo DNA humano, esse já teria sido superado, dando vez ao HOMO DEUS.