O Convite

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O CONVITE Marcos Alexandre Dornelles da Silva

Dramatis Personae Abelardo – Um menino de quinze anos Gêmeo Dita Gêmeo Lento Guinga – Um mendigo Valério – Um pivete Profeta Jarbas – Um senhor com longa barba. Daila – Uma prostituta de 30 anos. Dr. Alonso – Um empresário falido de 50 anos. Maíra – Jovem de quinze anos. Mãe – Voz e off. Bombeiro Bombeira Neném Cenário 1: Uma casa com duas árvores gigantescas ao seu lado Cenário 2: Rua CENA 1 Voz em off – (Mat 22) A parábola dos convidados para as bodas: “Então Jesus tornou a falar-lhes por parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas, e estes não quiseram vir. Depois enviou outros servos, ordenando: Dizei aos convidados: Eis que tenho o meu jantar preparado; os meus bois e cevados já estão mortos, e tudo está pronto; vinde às bodas. Eles, porém, não fazendo caso, foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio; e os outros, apoderando-se dos servos, os ultrajaram e mataram. Mas o rei encolerizou-se; e enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua cidade. Então disse aos seus servos: As bodas, na verdade, estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, pelas encruzilhadas dos caminhos, e a quantos encontrardes, convidai-os para as bodas. E saíram aqueles servos pelos caminhos, e ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e encheu-se de convivas a sala nupcial“. Abelardo está em casa com sua mãe (voz em off). Esta trava com o filho uma discussão sobre o fato de Abelardo poder trazer os amigos para a festa de Natal. A População de rua posicionada perto do público. Abelardo – Hoje é Natal, mãe! Mãe (voz em off) – E daí, Abelardo? Abelardo – Lembra que a Senhora disse que eu poderia convidar os meus amigos do colégio que não tem onde passar o Natal? Mãe – Lembro, mas o seu pai bebeu de novo e está terrível. Ele não vai gostar nem um pouco de ver um monte de garoto aqui dentro! Ainda mais no natal!

Abelardo – Ah, mãe. Você sempre dá um jeito de colocar o meu pai para dormir, quando ele está agressivo, com aquele chá misterioso. Será que a senhora não podia fazer o mesmo hoje, já que eu chamei a rapaziada lá do colégio para passar o Natal comigo. Mãe –Você observa tudo, hein, Abelardo?! Toda a ‘população da rua’, em uma só voz: População da Rua – Observe, mas não procure entender! Abelardo – Tudo bem, mãe! Não precisa dar o chazinho dorminhoco! Mas deixa eu trazer os moleques! Os cara são maneiro! Profeta – Hoje, tudo para essa geração é maneiro! Tudo! Se ao menos soubessem o que significa essa expressão, não diriam que tudo é maneiro! Mãe – Cambada de baderneiro! Já falei que não! Esse pessoal que tu anda, meu filho, não vai ser nada na vida! Gêmeo Dita – Meu irmãozinho! Tô sentindo que o próximo ano vai ser o nosso ano! Gêmeo Lento – Também estou sentindo cheiro de sucesso no ar! Vamos aproveitar o máximo a rua, pois... Gêmeo Dita e Lento – O sucesso nos prepara lugar! Abelardo – Mas pelo menos os caras são amigos um dos outros! E o mais importante: eles são meus amigos. Guinga(mendigo) – Não sei o que tu fica me olhando tanto, Valério! Valério(pivete) – Pô meu irmão! E tem outra coisa para olhar que não seja para você aqui nessa rua deserta? Mãe – Bota uma coisa na sua cabeça, meu filho! Nesse mundo, não existe amigo não! Daila – (a Alonso) Fica assim não meu lindinho! Existem várias formas de amor! Dr. Alonso – Ué?! Será que existem várias formas de amor? Daila – Será? Profeta – (com tom engajado) Será? Guinga (mendigo) – Será? Gêmeos Dita Lento – (cantarolando, arrastando todos os outros personagens para fora de cena com sua cantoria) Será? Será? Será? Será? Abelardo – Será que não, mãe! Será que eles não são meus amigos? Você nem viu ainda os garotos para falar assim! Você precisa conhecer para falar mau! Mãe – Ta legal, garoto! Vai chamar esses moleques! Não precisa ficar me dando lição de moral não! Só me faltava essa, ficar recebendo lição de moral de um garoto de quinze anos! Vai, vai, que estou ocupada e, pelo jeito, vou ficar mais ocupada ainda... CENA 2 Abelardo sai da casa. Abelardo – Eu e meus amigos vamos dar uma lição de amizade no meu pai e na minha mãe! Depois desse Natal, eles vão até mesmo passar a se relacionarem melhor. Maíra, de mochila, encontra com seu amigo Abelardo. Abelardo – Fala Maíra! Maíra – E aí, Abelardo! Tranqüilo?! Abelardo – Beleza! Tá sabendo que minha mãe deixou a galera passar o Natal lá em casa! Maíra – Pôxa... Você demorou muito para falar se sua mãe ia deixar ou não! Abelardo – Claro que falei que ela iria deixar, Maíra! Só disse que o tempo todo eu tenho que ficar lembrando a ela da promessa feita por ela! É que um dia ela diz que deixa, outro ela diz que não deixa. Mas que no final ela iria deixar! Maíra – Abelardo, muita incerteza! Muita incerteza! Aí, a galera decidiu viajar! Todo

mundo que não tem casa tranqüila para passar o Natal vai! Abelardo – Para minha casa? Maíra – Não, Abelardo! Vai viajar! Viajar para outro lugar! Abelardo – Pôxa, Maíra! Vocês me deram a palavra de vocês. Maíra – Só lamento, Abelardo! Você demorou muito para deixar o pessoal tranqüilo sobre a decisão da sua mãe! Abelardo – Que vacilo! Maíra – É a vida. Maíra sai de cena. Abelardo fica em cena, chateado e refletindo. Ao fundo escuta um cantarolar diferente. Ele se sente atraído por esse canto e vai atrás dos cantores. São os gêmeos Dita e Lento. Abelardo se aproxima dos dois. Dita – Márcio, tu não tá cantando direito! Lento – Já falei para você ter paciência comigo! Dita – Paciência?! Márcio, o tempo urge! Eu nunca vi um início de carreira tão lento como o nosso! Lento – Já falei para você que o sucesso é questão de tempo. Apressar um início de carreira pode ser fatal para a própria! Dita – Nada disso, Marcos. Melhora logo essa sua performance, harmonia, afinação, impostação de voz, noção de ritmo... Lento – Caramba, Marcos, então eu tenho que melhorar tudo, né? Dita e Lento reparam a chegada de Abelardo. Dita – Olha! Chegou o nosso público. Prepara a canção! Lento – Calma, Marcos! Vamos esperar o menino solicitar a nossa performance! Dita – Que calma nada! Nos palcos das ruas, qualquer um que passa é público! Vai lá, um, dois, três... Dita e Lento começam a cantarolar a música de apresentação. Ao terminarem de cantar, o menino fica satisfeito com o que ouviu, embora não tenha sido uma apresentação, aos olhos dos homens, de fato boa. Abelardo – Que maneiro! Muito boa apresentação de vocês. Dita – Nós somos os gêmeos Dita e Lento! Abelardo – De Talento?! Dita – É isso aí! Eu sou o Dita, e ele é o Lento! Lento – Ele que resolveu me chamar de Lento! Estamos aí, morando na rua por causa dele, que acredita nessa ilusão de virar artista, e que o começo de carreira se dá nas ruas, e eu é que sou o Lento! Dita – Ai, ai! Como você viu, garoto, além de Lento, ele é o resmunguento! Lento – E você sabe porque ele se chama Dita? Porque ele é um Ditador! Dita –Não dê atenção para a reclamação dele, meu público! Você sabia que nós somos versáteis! Fazemos peça teatral, malabarismo, pintamos e bordamos. Abelardo – Que máximo! Então façam outras coisas aí para eu ver! Dita – Na verdade, estamos direcionando agora o nosso talento apenas para a área musical! O próximo ano será o ano musical dos irmãos... Dita e Lento - ...Dita e Lento. Lento – Bom, se você quiser saber a verdade verdadeira, é a seguinte: em 2002, tentamos ser atores e não conseguimos. Em 2003, tentamos ser malabaristas e não conseguimos. Em 2004, mesmo fracasso, só que na área da pintura. E em 2005, foi a vez do fiasco da bordadura.

Dita – Não estrague o ponto de vista positivo e otimista do menino, Lento. Lento – Ah, Marcos... Dita – Não me chame pelo o meu nome verdadeiro na frente do meu público! Meu nome artístico é Dita! Dita! Bom, meu público, você quer ouvir mais uma música? Abelardo – Cara, quero sim! Mas...Olha só! O que vocês acham de fazer, digamos, o primeiro show de vocês lá em casa? Hoje é noite da Natal e um dueto tão engraçado como o de vocês ia animar a noite da minha família que, como o lento, também é resmunguenta! Lento – Está bem, quanto você vai pagar a gente? Dita – Lento! Você é lento para tantas outras coisas, e para isso você quer ser rápido?! Lembre-se do que nós combinamos! Lento – Acho que eu estou lento para lembrar das coisas! Dá para você refrescar minha memória! Falta de alimentação dá nisso! Dita – (suspira) Nós combinamos que não iríamos cobrar nada do nosso primeiro contratante. E esse menino é o primeiro e, olhando bem para ele, vemos que ele não tem condições de pagar um preço tão alto, compatível com o nosso talento! Lento – É mesmo. Eu tinha me esquecido disso. Abelardo – E vocês também nem tem a carteira da Ordem de Músicos para ficarem fazendo shows por aí e ganhando por isso. Dita – É mesmo! Mas vamos tirar, né Lento! Lento – Sem pressa! Pausa. Um gêmeo olha para o outro gêmeo e ambos comemoram. Dita e Lento – O primeiro show dos gêmeos Dita e Lento! Dita, Lento e Abelardo vão caminhando cantarolando a música de “trabalho” dos gêmeos, quando se deparam com uma cena de violência. Valério ameaçando Guinga com uma arma na cabeça dele. CENA 3 Valério – Eu sei que você tem dinheiro! Eu sei! Guinga – Eu não tenho nada! Abelardo – Ai meu Deus, o que é isso?! Lento – O Valério está ameaçando o Guinga com uma arma! Dita – Mas eles sempre se deram bem morando debaixo do viaduto. Abelardo – Eles se conhecem? Dita e Lento fazem sinal de positivo. Valério – Eu sei que tu tem dinheiro, Guinga! Me dá logo essa grana! Guinga – Mas tu tá cansado de saber que eu sou mendigo! Valério – O mendigo que mais pediu esmola por aqui! Cadê essa grana rapá?! Abelardo – Não entendo! O cara é mendigo e está sendo assaltado?! Dita – Ih, menino! Diz a lenda que o Guinga tem muita grana! Eu não acredito. Lento – Muita gente diz isso! Já até viram ele entrar em carro. Abelardo – Então esse que tá assaltando o mendigo é outro infeliz que acredita em lenda. Dita – É, mas se a lenda tiver certa, ele vai ser o único que vai se dar bem, justamente por acreditar! Valério – Vou contar até cinco, Guinga! Um, dois, três, quatro... Abelardo – Posso falar com você, moço? Valério – Quem é você, moleque? Guinga – Vai embora, menino. O Valério tá doidão! Daqui a pouco passa o efeito da droga,

ele volta ao normal. Abelardo – Queria fazer uma pergunta para o senhor. Porque o senhor acha que ele tem dinheiro? Valério – Porque todo mundo fala! O que todo mundo fala eu acredito. Abelardo – Mas todo mundo já falava que ele tem dinheiro há muito mais tempo. Porque você não deu um tiro há mais tempo nele? Valério – Não sei, menino! E vai embora logo, antes que eu também te dê um tiro. Abelardo – Mas eu sei o porquê! Tchau! Vamos embora, Dita e Lento! Valério – Não... Não... Valério solta Guinga e fica perto de Abelardo. Valério – Não vai embora não! Me diz logo, porque eu sofro de curiosidade aguda! Abelardo – Só vou contar se você me der essa arma. Valério – Que te dar a arma o quê? Como é que vou obrigar o Guinga a me dar a grana sem a arma? Já viu o tamanho dele? Abelardo – Então não conto! Valério – Tá bem, tá bem! Toma! Ai, ai! Tchau, Língua de fogo! (dá um beijinho na arma) Guinga – O Valério tá doidão mesmo! Abelardo – Toma, Dita! Some com isso, pois o meu pai, apesar de ser um bêbado, votou a favor do desarmamento. Dita joga a arma fora. Valério – Agora fala, rapá! Fala o que você sabe. Abelardo – Simples! Você não precisa mais do Guinga do teu lado! Você deve ter arrumado outra pessoa para dividir o viaduto. O Guinga para você só tinha valor quando ele lhe interessava. Na verdade você não quer grana do Guinga, porque, no fundo no fundo, você sabe que o cara não tem dinheiro. Lento – É mesmo, Valério! E você sabe que quem espalhou essa lenda do Guinga ser rico? Foi o Profeta Jarbas! Ele se diz profeta mas é um garganta! Só parou de falar mentira quando deram um livro preto para ele. Valério – Tá bem! Tá bem! Eu confesso que ia passar o Guinga porque tava querendo trazer um pessoal pra cá! Mas eu não ia conseguir atirar não! Eu gosto dessa cara pra caraca. (abraça Guinga, chorando) Só que eu queria mesmo uma grana, em noite de Natal, essa rua fica vazia e não dá para assaltar ninguém! Lento – O Valério, você não sabe que em Natal é a única época do ano que as pessoas ficam boazinhas! Dita – É mesmo! Por exemplo, nós estamos indo para a casa desse menino fazer um show. (tom) Abelardo é o seu nome, né? (tom) Vem com a gente! O nosso público tem que ser maior. Você deixa, Abelardo? Abelardo – Claro, eu ia levar dez caras para passar o Natal lá! Os caras não vai mais! Logo, sobrou vaga para quem quiser ir! Vambora! Vem Guinga também! Guinga – Pô, vou sim! Valério – Olha só! Vamos apresentar esse menino pro Profeta Jarbas! O moleque é inteligente! O Profeta gosta de cara inteligente como ele! Guinga – Só que o Profeta usa a inteligência dele para ficar espalhando boato e lenda! O cara é maior fanfarrão! Valério – Ah, vamos lá! Quem sabe o Profeta deixa de ser esse “um sete um” que ele é quando conhecer o guri!

Dita – Só que ele não é mais mentiroso não! Depois que deram para ele o livro preto, o Jarbas deixou de falar mentira. Valério – É isso! Ô moleque, tu num falou que ainda tem vaga para passar o Natal lá na sua casa? De repente, o profeta vai nesse bonde! Dita – É isso aí! Vamos lá! Vai ser um show e tanto, hein, Lento! Lento – Só se a gente chegar a tempo! Todos vão no caminho da casa do Abelardo, mas antes vão passar no ponto onde fica Profeta Jarbas. No caminho, depara-se com duas pessoas. Uma mulher consola um homem. CENA 4 Guinga – Olha só! Estou vendo que eu não era o único triste no Natal! Valério – E você acha que eu não estava triste em ameaçar você?! Me dá um abraço de novo, Guinga! Os dois se abraçam rapidamente sendo interrompidos por Lento. Lento – Tá bom, gente! Chega dessa melação. Abelardo – Será que os dois são casados? Guinga e Valério – Ih, qual é?! (apartando-se um do outro) Abelardo – Não, eu estou falando deles dois ali. (aponta para Daila e Dr. Alonso) Dita – É o que parece. Mas ele, tão bem arrumado, de terno, e ela com uma roupa de prostituta. Lento – Ô Dita! Não tá vendo que é a Daila, a prostituta mais antiga aqui do bairro? Depois eu que sou o Lento... Dita – É mesmo! Abelardo – Então eles não são casados? Lento – Só se a Daila mudou de vida de ontem para hoje, pois até ontem, ela estava vivendo a mesma difícil vida de sempre, que muitos dizem que é vida fácil. Abelardo – Eu vou lá falar com ela. Valério – Vê se convida eles para o Show dos Gêmeos Dita e Lento! Dita – Ah, Valério! Pivete e Mendigo no meu show tudo bem. Agora, prostituta... Abelardo – Que olhar preconceituoso é esse, Dita?Esqueceu que eu sou criança? Comigo não tem essas coisas não. Se for para chamar ela, eu vou chamar! Abelardo se aproxima dos dois. Abelardo – Com licença. Daila – O que foi, garoto? Não vê que o coroa aqui quase tentou o suicídio. Abelardo – Ele quis se matar? Daila – Só não se matou porque eu cheguei na hora, peguei a arma dele e joguei a arma longe. Ela caiu perto do viaduto. Abelardo – (olha para Valério) Ah sei... Valério – Eu pensei que ela tinha caído do céu e que Deus votou contra o desarmamento. Abelardo – O que aconteceu com ele? Daila – Olha, eu não sei se ele vai falar não. Dr Alonso – Estou arrasado! Abelardo – O quê? Dr. Alonso – Estou falido! Arruinado! Daila – Garoto, ele era um empresário bem sucedido, e agora está na miséria, enrolado com um monte de credores! Você sabe o que é isso? Abelardo – Claro que sei! Essa raça é a que mais bate na minha porta. É, moça...

Daila – Meu nome de guerra é Daila. Abelardo – É...Dona Daila. Eu posso falar um minuto com ele? Daila – Fala, menino. Ai, essas crianças de hoje querem se meter em tudo! Parece até que não são mais crianças. Abelardo – (ao Dr. Alonso) Qual o nome do senhor? Dr. Alonso – Meu nome é Dr. Alonso. Filho, meu erro foi confiar no homem. Já ouvi alguém falar que ‘maldito o homem que confia no homem’. Pois é! Estou aqui, maldito e mal pago. Nunca pensei que o meu sócio ia passar a perna em mim. Abelardo – E se eu falasse que o senhor está em melhor situação do que outros empresários falidos, o senhor acreditaria em mim? Dr. Alonso – Como assim, filho? Abelardo – Estou vendo que o senhor não se entregou à bebida... Dr. Alonso – Mas estou humilhado da mesma forma. Quem tem que sustentar a minha casa, que sempre foi cheia de luxo, agora é a minha mulher, com um emprego para lá de humilde. Abelardo – Dr. Alonso, isso é bom. Vai ajudar o senhor a olhar para sua esposa com mais carinho! E agora é oportunidade de o senhor mostrar que é mais do que pai, mais também amigo das suas filhas, pois o senhor vai ter uma coisa que os empresários dizem que nunca têm: tempo! Por incrível que pareça, meu pai e minha mãe estão na mesma situação. Só que o caso do meu pai é diferente. Ele não tinha um emprego tão bom quanto o senhor, mas o que arruinou ele não foi a falência, foi o álcool. O senhor ainda pode se levantar de novo! Ele também, mas acho que vai demorar mais do que o senhor! Dr. Alonso – Ninguém sabe, meu filho (pausa) (levantando-se) É...mas vejo que o conselho de tanto uma mulher (levanta Daila)...e de uma criança (levanta Abelardo) serviram para me animar e dar valor ao que eu ainda tenho! Guinga – Vamos pro show, doutor! Dr. Alonso – Vai ter um show por aqui? Valério – Vai! Os gêmeos vão cantar lá na casa desse moleque! Vai ser legal! Vamos com agente! Dr. Alonso – Claro! Só que eu queria levar uma pessoa! Abelardo – Fique à vontade, Dr. Alonso! Dr. Alonso – Levar uma nova amiga. Está vendo como não é preciso usar os recursos da prostituição para satisfazer um homem? Vamos à festa de Natal na casa do menino, Daila? Daila – (rejeitando o convite, contudo, sendo gentil) Vai o senhor, Doutor. Minha vida é essa! E ela não é um show! É realidade. Abelardo – Que isso?! Vamos com a gente! Daila – Já falei que eu não vou, garoto. Me deixa em paz. Abelardo – Vamos! Vamos! Daila – Não! Daila foge de Abelardo, que corre atrás dela e machuca o tornozelo. Abelardo – Aiiiii! Dita – Que foi Abelardo? Abelardo – Eu acho que torci o tornozelo. Guinga – Deixa que eu carrego ele nos ombros! Guinga põe Abelardo nos ombros. Guinga – Agora, vou sempre servir o Abelardo, já que ele salvou a minha vida.

Lento – Ô Guinga! Tu também gosta de uma fábula, hein?! Dita – Chega de papo e vamos para a casa do Abelardo! Só falta essa! Eu e o Lento chegarmos atrasados no nosso primeiro show! Enquanto estão indo, cantarolando, encontram o Profeta Jarbas na esquina, profetizando em voz alta. CENA 5 Profeta Jarbas – Meus irmãos, preparem-se para saber o que irá acontecer nos próximos dias! Guinga – Olha gente! É o profeta Jarbas! Dita – E hoje ele está empolgado. Valério – Será que ele tá doidão?! Lento – Que nada! O profeta Jarbas nunca precisou de drogas não, Valério! Jarbas – Silêncio! (...) O fim não será em dilúvio, como muitos pensam, pelo menos de acordo com esse livro preto que me deram e que eu li até a metade! Guinga – Ih, deram um livro profético para o Jarbas. Dita – Agora ele vai pensar que é profeta mesmo! Jarbas – Shhhhh! (...) Mas haverá um menino! Um menino salvador! Um menino que nos levará para um lugar bom! Guinga – (com Abelardo nos ombros) Ih, Abelardo! Acho que ele está falando de você. Todos riem, exceto Jarbas. Jarbas – Cala boca, seu jumento. (...) Jumento? (Jarbas folheia o “livro preto” – Bíblia) Meu Deus! É ele! É ele o menino que esse livro preto fala! Tá aqui! Tá aqui, olha! “Vê! O teu rei virá montado num jumento, num jumentinho, filho de jumenta”! Ta aqui no profeta Zacarias desse livro preto. Guinga – Vai ficar xingando a minha mãe, ô Jarbas! Jarbas – Acabaram as minhas profecias! O menino chegou! Dita – Ô Jarbas? Não é melhor você ler esse livro preto até o fim, para você ver quem é o menino descrito nesse livro. Jarbas – Não precisa! Todos sabem que o Guinga é um jumento... Guinga – Eu vou bater nesse cara! (todo seguram Guinga) Guinga – Primeiro, o Jarbas espalhou o boato que eu era rico! Agora fala que eu sou um jumento. Jarbas – Shhhh! E agora, meus irmãos, vamos para a redenção, seguindo esse menino que...que...(a Abelardo) Qual é o seu nome mesmo? Abelardo – Abelardo. Jarbas – Que se chama Abelardo! Vamos cantar juntos! (na melodia de Aleluia de Haendel) Todos caminham em direção à casa de Abelardo, agora cantando o seu nome na melodia da musica “Aleluia” de Haendel. CENA 6 Abelardo, mancando, desce do ombro de Guinga. Abelardo – Pronto, gente! Chegamos! Agora vocês esperem um pouco, que eu vou falar com a minha mãe lá dentro, para vocês entrarem para o melhor show desse bairro. Todos comemoram, cada um ao seu jeito. De lá de dentro, ouve-se o diálogo de Abelardo com sua mãe.

Abelardo – Mãe, já trouxe o pessoal! Mãe – Que pessoal, Abelardo? Abelardo – Os meus amigos novos que eu trouxe para passar o Natal com a gente, já que os meus amigos do colégio preferiram viajar. Mãe – E quem são esses amigos novos? Abelardo – Umas pessoas super legais que eu conheci na rua. Mãe – Na rua?! Você trouxe gente de rua para passar o Natal com a gente? Abelardo – O que tem de mais nisso? Eles são artistas, bandidos arrependidos, pobres e até mesmo ricos! Sem contar com um profeta que disse que eu sou um menino escolhido! Mãe – Como assim escolhido. Abelardo – Ah, ele disse que eu sou um menino que vai salvar uns homens e que vim montado num jumento... Mãe – Ô seu jumento! Esse menino aí é Jesus! Abelardo – Jesus? Mãe – É, esse :Jesus que agente comemora o nascimento dele no Natal! Tu é um troxa mesmo, héin, Abelardo! Não notou que eles te chamaram de Jesus, ou menino escolhido, para se aproveitar e comer a nossa ceia de Natal! Abelardo – Isso não verdade, mãe, eles... Mãe – (interrompe-no) Chega Abelardo! Não quero ninguém aqui! Ninguém! Abelardo – Mas mãe... Mãe – Já falei! Todos lá fora, ouviram o diálogo e ficam tristes. Abelardo – Gente, tenho uma péssima notícia para vocês! Dita – Ouvimos tudo daqui de fora, Abelardo. Lento – Mas queremos agradecer pela oportunidade. Jarbas – É, tô vendo que vai demorar para eu encontrar esse menino escolhido para me levar para o bem bom! Jarbas é o primeiro a ir embora. Guinga – Deixa o Jarbas para lá, Abelardo. Valério – É...esse é pior do que eu. Fica doidão sem drogas. Mas muito obrigado por me fazer pensar, Abelardo. Nunca mais boto uma droga na minha boca! Abelardo – Tive uma idéia. Nós podíamos fazer uma festa de Natal na rua! Eu pegava umas comidas escondidas da minha mãe e a gente montava uma mesa perto da esquina em que a Daila está, e aí a gente aproveita para chamar ela... Todos vão se retirando, meneando a cabeça. Dita é o único que fica. Abelardo – Esperem! Esperem! Esperem, por favor!(chora) Dita – Não fica assim não, Abelardo! Apesar de nós estarmos tristes, a gente sabe que você é um cara legal. Foi você que nos convidou para a festa, e não sua mãe! Abelardo – (chorando) Ô Dita, será que eu vou ter uma casa para receber quem eu quiser? Dita – (se abaixando próximo a Abelardo) Você vai ter a sua própria casa para receber quem você quiser! Só que, embora sua, nem você, nem sua mãe, nem ninguém daqui da Terra é o verdadeiro dono. O dono é aquele que é o dono de tudo! Pede a Ele! (pisca o olho) Tchau, Abelardo! E Feliz Natal! Abelardo, ainda chorando, olha para a casa, bem de frente. Vem uma tempestade, com vários trovões e raios. A chuva cai sobre Abelardo e sobre sua casa. Dois raios atingem as duas árvores ao lado da casa dele. Ao caírem sobre a casa, as árvores destroem-na.

Abelardo fica estático e apático, sem poder fazer nada. Somente olha o desastre. Os bombeiros vêm. É uma mulher e um homem. Eles sobem nos destroços. Verificam que todos morreram nela, exceto um neném. Voz feminina em off: “Acidente na casa da Rua Torres. Duas árvores desabam sobre a casa devido a força de um raio que atingiu as árvores. O casal que ali residia morreu na hora. Os únicos sobreviventes foram duas crianças”. Durante essa narração (notícia de rádio), a bombeira pega, no meio dos escombros, o neném sobrevivente. Ela se posiciona como Maria embalando o menino Jesus. O bombeiro se posiciona como José, observando feliz a cena. No “data show”, a imagem de um presépio. Um pouco depois da narração, o início da poesia. Voz em off - Nos destroços deixados pelo pecado na humanidade Um menino nos nasceu... A figura de presépio no “data show” é retirada. Os bombeiros entregam o neném para Abelardo segurar, que ainda chora. Há uma medalha no pescoço do neném. Abelardo olha a medalha. Está escrito “você está convidado para a minha festa” (essa frase será visível no “data show”, abaixo de uma figura que amplia o pescoço do neném trazendo a medalha). Abelardo, mesmo que ainda chorando, olha para o céu, sendo abraçado pelos bombeiros, que depois prosseguem seu trabalho nos destroços do acidente. Durante essa cena, a poesia que ficou interrompida por um tempo. Ela prossegue sendo recitada. Voz em off - ...as pedras já estão clamando Os fenômenos da natureza já estão anunciando os próximos acontecimentos E por incrível que pareça, pessoas que não são cristãs falam, entusiasticamente, do nome de Jesus. Eu sei que é duro, duro para o povo escolhido Ver hipócritas, pagãos e outros proclamando, mesmo que de maneira deturpada, o nome do Senhor. Privilégio que é do povo de Deus. Entretanto, nós mesmos estamos dispensando e rejeitando esse privilégio. Mas ainda há algo Que não é pedra clamando Fenômeno da natureza Ou outro sinal qualquer que nos alerte. Novos nascimentos Estes, além de nos alertarem, nos lembram Que ainda temos uma nova chance O Senhor Jesus também nasceu Que estejamos nascendo Não apenas uma vez, mas duas vezes. E na segunda vez, sem precisar voltar ao ventre materno Mas em espírito e em verdade, sentindo a única forma de amor existente O amor que vem do Senhor, que é puro como o olhar de uma criança. Só assim, entenderemos o verdadeiro sentido do Natal. Fim

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