Délcio Carvalho por João Ayres Introdução Necessária. Uma biografia aponta costumeiramente para a idéia de um relato. Um relato, seja ele qual for, aponta para uma relação clara entre o sujeito e o objeto a ser pesquisado. O sujeito deve interagir radicalmente com o seu objeto de pesquisa, pois é fundamental que uma relação de afeto seja estabelecida entre os dois. Cabe ao escritor tornar este relato o mais interessante possível. Deve haver portanto franqueza, humildade e sinceridade entre as partes. A confiança mútua foi o fator determinante na execução desta obra. A franqueza de Délcio muito me impressionou e sua fala pausada mostrou-me muito acerca do que seja viver intensamente cada momento que nos é legado. Várias inquietações surgiram durante a feitura deste trabalho que se propõe assaz abrangente. Um primeiro obstáculo diz respeito ao modo de apresentação deste texto. Pensei que uma linguagem extremamente formal inibiria de pronto o leitor. Devo dizer ainda que minha intenção inicial era alcançar o maior número de pessoas. Procurei encontrar um tom agradável entre o rigor das datas e dos eventos e as passagens pitorescas narradas pelo próprio Délcio e por seus amigos e parceiros de longa data. Encontrar uma maneira de relatar a vida de alguém de forma agradável não é e nunca foi tarefa fácil. A palavra biografia diz deste relato acerca de uma existência qualquer. Diz de um contar algo a alguém e se torna extremamente instigante por isto, pois o que ocorreu faz parte de um passado, de algo que se foi. A função mais nobre de um biógrafo é aquela que diz respeito a uma idéia de resgate Este resgate por sua vez remete a uma instância de consórcio entre o passado e o presente. A pesquisa detalhada de tudo o que diz respeito a esta legenda viva do samba me impulsionava para o terreno do historiador. Por outro lado, o lirismo e molecagem me deixavam mais à vontade para que as coisas corressem ao sabor da pena.
Este conflito acabou por se tornar o móvel desta biografia que tem como função precípua preencher a lacuna de todos estes anos vividos por este extraordinário artista. Fato é que há muito pouca coisa acerca da vida de Délcio Carvalho. Podemos acessar sites na internet e baixar suas músicas, mas não encontramos muita informação no tocante a sua vida. Dispenso os eufemismos neste sentido e quero reiterar aqui que considero tal negligência no mínimo lamentável. É mister que a mídia não cometa mais um grave engano ao não abrir mais espaço para esta jóia rara da produção nacional. Não levando em consideração as inúmeras vezes nas quais foi foi citado em matérias de jornais de grande circulação, as entrevistas em estações de rádio significativas e a aparições escassas em programas de televisão, não sabemos quase nada acerca da infância, da adolescência, da vida adulta, da precocidade e da vivência que definitvamente contribuiram sobremaneira para sua formação artística. É notável a a força arrebatadora que dominou o menino Délcio desde dos primeiros anos da infância. Uma mescla notável de sensibidade e profunda autoconfiança faziam parte daquela alma desde então. Se observarmos detalhadamente este relato, se realmente prestarmos atenção ao discurso de Délcio, veremos facilmente que algo muito poderoso já o envolvia. As atitudes que tomava em relação aos rumos que daria a sua vida, a inteligência nitidamente emocional no sentido de saber interagir com as pessoas de forma ao mesmo tempo delicada e eficaz, a capacidade de concentração no sentido daquilo que almejava, todos este aspectos transformam este compositor numa pessoa muito especial. Como disse anteriormente, a sequência cronológica considerando-se a natureza deste trabalho, não foi jamais ignorada, mas há aqui a intenção explícita de chacoalhar a mesma entremeando-a com fotos e tiradas sensacionais no depoimento de Délcio e de seus amigos e parceiros. Todas estas mudanças súbitas de planos e cenários guardam o firme propósito de tornar esta leitura a mais suave possível. De certa forma, devo dizer que procurei evitar a frieza determinista que vigora por vezes em alguns trabalhos que pretendem apresentar ou estimular uma neutralidade jamais possível. Este relato começa em terceira pessoa e evidentemente faço inúmeras intervenções apresentando comentários analíticos acerca do que foi dito.
Nunca sequer vislumbrei a possibilidade de oferecer ao leitor um quadro ou perfil psicológico do compositor em questão. Trata-se aqui fundamentalmente do artista e da pessoa que, quer queiramos ou não, se fundem e ousam se mostrar nestas páginas. Os títulos seguem uma ordem aleatória. Foram criados a partir do relato de Délcio. Fiz questão de começar cada fragmento desta biografia com os nomes das pessoas de vital importância para Délcio. Por vezes optei por colocar nome de lugares ou de movimentos de mudança na vida deste compositor. Não quis trabalhar com sequência de capítulos por uma neurótica aversão à cronologia que tende a distanciar o leitor daquilo que tem em mãos.
#O resto da introdução está sendo revisado Mais uma duas folhas no mínimo. Vai ser bem maior do que esta. Nas duas ou três páginas a seguir Fotos atuais de Délcio, contrastanto com algumas fotos do passado. Estas páginas em branco teriam além das fotos, comentários e críticas retirados de jornais revistas e de outros lugares. Talvez duas páginas. É esta a idéia. Uma quebra sequencial mexendo com visualização do leitor. O que vocês acham?
#confirmar data de nascimento de Délcio. # conseguir fotos da cidade de campos no ano de 1939- discorrer um pouco acerca do contexto daquela época- não se estender muito. Pesquisa em andamento. O COMEÇO O intérprete e compositor Délcio Carvalho veio ao mundo no 29 de Março de 1939, na cidade de Campos de Goitacazes, filho de Agenor de Carvalho,operário, e de Benedita Carvalho, doméstica. / #inserir aqui o contexto histórico, a cidade de campos em 1939. A segunda guerra eclodira no dia 29 de Fevereiro, um mês antes da vinda do nosso artista ao mundo. A cidade de Campos nesta época..... Nascia o rebento na rua Leão e moraria durante alguns anos na casa do doutro Almeida Gusmão, latifundiário bem sucedido e, segundo depoimento do proprio Délcio, definitivamente ardiloso no que se refere a qualquer tipo de negócio. Naquele tempo as parteiras e os postos de saúde atendiam os segmentos populacionais menos abastados, e parece que tal não foi diferente no caso de Délcio. Consta em seu depoimento uma menção carinhosa ao médico Jamil Agno que de alguma forma deu uma certa acessoria à parturiente, mas isto jamais eliminou a importância crucial das parteiras.
Délcio alude prontamente à figura de Dona Etelvina de Almeida Lima que se casou com um tal Tibúrcio aos quarenta e nove anos. Chama-me a atenção o status conferido a esta pessoa que irá ocupar um lugar especial na vida do mesmo. A rigor este tratamento “Dona” evoca a noção de respeito profundo respeito e o compositor levanta sutilmente a voz num tom feliz ao dizer que foi ela quem o criou. A referência à figura da mãe é concisa até esta parte do depoimento. O mistério instiga o bioágrafo que prefere deixar esta zona de exploração para mais tarde. Dona Etelvina de Almeida Lima cuidava das velhas do doutor Gusmão, irmãs do mesmo ao que parece. Dona Etelvina tinha o apelido de Tia Zeca e era uma mucama#ver definição precisa do termo mucama- a quem Délcio considerava uma mãe. Há uma indicação clara acerca do isolamento social ao qual estavam destinados os membros dos segmentos menos favorecidos daquela época. O menino Délcio pôde sentir isto na pele desde o começo de seus dias, pois sua família não tinha acesso à parte da frente da casa do laudaz doutor Gusmão, ficando todos aboletados nos fundos da mesma. Não encontro tanto rancor na voz de Délcio quanto a isto. A sua fala pausada mostra antes uma resignação e uma consciência devastadora em relação ao fato de ser segregado. Talvez aqueles momentos difícieis tenham incutido uma força sem igual no espírito daquele menino ao mostrá-lo muito cedo crueldade das discrepâncias sociais. Aquele menino, já por volta dos três anos de idade, se confrontaria com seu destino artístico. Uma jaca cairia bem próxima a ele, causando naturalmente um susto sem igual. Uma criança de apenas três anos de idade sendo exposta ao perigo iminente de uma catástrofe.. Naquele instante, aquele susto já o mostrava o quão efêmera poderia ser a vida. Aos três anos de idade, o menino Délcio se via frente a frente com a sua vocação sem a menor consciência das coisas à sua volta. Para um artista que ainda não sabe que é o que é, tal coisa era mais do que uma simples manifestação de uma natureza reconhecidamente indomável. Sem querer entrar na esfera de psicologismos baratos, quero crer que este episódio, narrado com profundo interesse pelo próprio Délcio, adquire
fundamental importância no que diz respeito aos alicerces de sua percepção artística. Ele refere-se a esta imagem que ficou gravada na sua memória até hoje. Em algum lugar, a partir do referido, o menino pressentiu sem entender absolutamente nada, que a possibilidade de risco seria a tônica de sua existência. Naturalmente esta idéia de risco poderia ser canalizada de diversas formas no decorrer do desenvolvimento da personalidade. Poderia ser reprimida em favor de uma futura vida estável. Poderia passar simplesmente e não representar absolutamente nada para o mesmo. Ele poderia não se tornar compositor e viver a tal vida comportada de qualquer cidadão ordinário. Aquela criança que viu a tal jaca cair bem próxima a ela, foi chacoalhada por aquela possibilidade de interrupção abrupta de um ciclo que se formava. Sua existência foi invadida pela efervescência de algo maior que ainda estava adormecido em seu âmago. Aquele primeiro assombro de alguma forma tomou a sua alma indo se manifestar mais tardiamente na sua adolescência. Aquela fruta ,espatifada bem à sua frente e vinda de não sei onde, estava a lhe dizer algo sem dizer absolutamente nada. Seu talento natural absorveu aquela imagem. Uma experiência imediata que explodia na força de uma imagem, na força daquele olhar que já roçava o encantamento de algo que ainda não havia acontecido. O assombro daquele menino seria tranformado num entusiasmo que ele carregaria para os restos de seus dias. Algumas pessoas têm a sorte de serem agraciadas com acontecimentos inusitados que podem ou não afetar as suas rotinas banais. Algumas pessoas seguem determinados rumos dialmetramente opostos ao que planejaram. Algumas pessoas se cansam de ser o que não querem ser e surtam ou se entregam à angústia e à depressão. Existe ainda um número bastante restrito de pessoas que perseguem um ideal e, mesmo que sigam caminhos diversos do que o pretendido no começo, acabam chegando lá. Sabe-se que o compositor Délcio fez de tudo um pouco. Sabe-se igualmente que ele acabou chegando aonde chegou pelo fato de acreditar na sua vocação artística. O menino lá estava a circular no quintal daquela casa em permanente contato com mulheres adultas infinitamente mais experientes do que ele.
Este lado malicioso aqui surge naturalmente na conversa com o compositor que alude de forma pitoresca ao fato de que era bolinado por aquelas mulheres atrás do bambuzal. As assim carinhosamente chamadas ¨pretinhas¨ por Délcio lá estavam a mexer com os brios do referido atrás de um tal bambuzal. Tanto erotismo na mais tenra idade certamente influenciaria na sua formação de compositor de samba. Podemos buscar uma das vertentes aí neste espaço misterioso onde tudo acontecia no balanço e sensualidade da vida naquela chácara. Tanta molequice só poderia dar no que deu. Segue a transcrição da fala de Délcio: Transcrição1
------------------------------------------------------------------------------------------Fica evidente o aspecto na sua fala mansa: .....Transcrição 2
.( ) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Vamos imaginar o que possa passar na cabeça de um menino de três ou quatro anos que já é assediado por aquelas damas. Tem-se a impressão de que ele foi brindado com estas combinações vitais entre sensibilidade extrema e molequice. Délcio ainda muito jovem circulava por entre pequenos universos repletos de delicadeza, sensualidade e sedução e mistério. Ele encontraria mais tarde a sua forma de expressão no samba. Nada mais recomendável do que tal.
A CASA DO TIO ROCHA Lá por volta dos cinco anos, Délcio passara a frequentar a casa do Tio Rocha e foi também lá que travou os primeiros contatos com a música. Observe-se aqui este deslocamente do garoto de apenas 5 anos. O menino já então ouvia os programas de Paulo Gracindo e conhece Paulo Barcelos. É precisamente neste espaço quase sagrado,é precisamente aí que o pequeno vai começar a se delicidar com o tal programa da rádio Tupi, ou como ele diz no depoimento, rádio sequência G3, enquanto a maioria dos vizinhos estará escutanto a famosa e poderosa rádio nacional. É necessário que se reconheça a sensacional originalidade do Tio Rocha neste sentido.
Não se sabe se ele fazia isto já no intuito de encaminhar o jovem mancebo para o mundo da música, mas de qualquer maneira tal atitude definitivamente muito contribuiu para o refinamente artístico de Délcio. É ainda neste espaço que o menino travará contato com as famosas novelas radiofônicas, haja vista o fato de que não havia ainda televisão naquela época. O tal programa de Paulo Gracindo ia das dez da manhã até às treze horas,e era muito apreciado pelo tio Rocha, um motorista de caminhão que tinha uma especial predileção por esta rádio. Definitivamente a precocidade do menino era favorecida por uma milagrosa exposição às pessoas certas, na hora certa e no lugar certo. Podemos ainda dizer que o universo literalmente conspirou neste sentido,pois o garoto ali apurava o seu ouvido musical. MÁRIO LAGO Quando se falava em novelas radiofônicas naquela época, a figura de Mário Lago era prontamente decantada. Délcio faz uma especial deferência em relação a este artista que o influenciou sobremaneira. A definição de Délcio em relação a este ícone da arte nacional não poderia ser mais feliz. Ele nos diz que Mário era uma espécie de faz tudo do meio artístico. Sua voz solta nos diz algo profundamente relevante acerca de um tal Mário compositor, de um tal Mário novelista, de um tal Mário tantas outras coisas. Ele nos diz ainda que ficou paralisado ao conhecer aquele que nos deixou faz algum tempo. Lembremos daquele menino que viu a jaca cair bem à sua frente. Lembremos ou vamos procurar imaginar o que representaria para ele esta possibilidade de risco, do inusitado que poderia se manifestar ou não. Sua vida desde o começo seria pautada por acontencimentos engimáticos que sugeririam sempre o vigor da mudança. O olhar perplexo do garoto novamente se insinuara na presença daquele monstro sagrado. Muito mais do que um olhar fragilidade, diríamos que o mesmo se acharia milagrosamente transformado pelo seu destino artístico. Tratava-se de algo relacionado a uma transformação e refinamento de alma no sentido mais profundo que se pode atribuir a esta intrigante palavra.
Seria Mário Lago a pessoa que muito influenciaria Délcio Carvalho no tocante às questões políticas e sociais daquele período. Uma reclamação recorrente de Délcio diz respeito à inflação e consequente desvalorização da moeda, coisa que segundo ele não existia naquela época. Usa como exemplo a revista do rádio que teve o mesmo preço durante um bom período de tempo.
AS FILHAS DO SEU ROCHA