Nas Cinzas Pude Perceber

  • June 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Nas Cinzas Pude Perceber as PDF for free.

More details

  • Words: 821
  • Pages: 2
Nas cinzas pude perceber... O desfile das Escolas de Samba são o ponto culminante do carnaval, em matéria de espetáculo. O que já foi uma manifestação de cultura popular, hoje agoniza lentamente. Até o aparecimento das escolas de samba, o carnaval carioca, era a festa mais violenta e caótica do mundo. Os ranchos e cordões se encontravam na Praça Onze e geravam brigas sangrentas entre os malandros, que só findavam quando da chegada da polícia, que acabou por coibir os cordões, e prestigiaram a organização dos ranchos. De um lado ficou o carnaval da classe média e artistas (rancho) e do outro lado os blocos de sujos, com seus foliões fantasiados, mas percebendo a decadência (cordões). Até que nos fins da década de 20, um grupo de sambistas estava fundando o primeiro bloco de corda, com diretoria de terno e gravata, sob o nome histórico de Escola de Samba. O Largo do Estácio era a praça pública mais próxima do Morro de São Carlos. Um bairro de malandros perigosos. Excedentes da mão-de-obra urbana, que sobreviviam num quadro econômico-social-acanhado, com biscates, jogos de azar e exploração de mulheres na Zona do Mangue. Esses bambas, como eram conhecidos na época os líderes dessa massa de desocupados, eram os mais visados nas ações policiais. Mas foi desse grupo, representado por nomes como Rubens, Bide, Ismael, Brancura, Edgar, a idéia de criar uma agremiação carnavalesca capaz de gozar da mesma proteção policial conferida aos ranchos e às chamadas Grandes Sociedades, no desfile pela avenida. E em seu primeiro desfile na Praça Onze em 1929, a primeira escola de samba, a Deixa Falar, tinha o seu caminho aberto por uma comissão de frente que montava cavalos cedidos pela Policia Militar, e tocava clarins numa imitação da fanfarra do desfile dos carros alegóricos das grandes sociedades. Seguindo o exemplo, os blocos e cordões organizaram-se também como escolas de samba. E em 1930, a Deixa Falar encontrou na Praça Onze, cinco outras escolas: a Cada Ano Sai Melhor, do morro de São Carlos, a Estação Primeira, da Mangueira, a Vai Como Pode (futura Portela), a Paraíso das Morenas, do Estácio e a Vizinha Faladeira, da Saúde. Assim, formadas dentro de um espírito de organização imitado dos ranchos e elementos tirados das grandes sociedades, essas escolas de samba representavam a prova mais ostensiva da nova decantação social. Como a maioria dos participantes eram negros e com condições econômicas limitadas, o instrumental da escola baseou-se, desde o início, na percussão. A bateria era facilmente improvisada com barricas sobre as quais se estendia o couro esquentando-as em pequenas fogueiras de papel. A solidariedade desse grupo era a marca registrada. Na Deixa Falar, os componentes pagavam mensalidades de cinco mil-réis para custear a fantasia daqueles que não possuíam disponibilidade financeira para o seu próprio traje. Depois, foi criado o livro de ouro, para recolher ajudas de comerciantes e vizinhos para a compra de material. Com a decadência do carnaval de rua, o fenômeno escola de samba, ganhou status de espetáculo capaz de atrair turistas durante o carnaval. E culminou com a oficialização da festa e os enredos já caminhavam para o show, despertando o interesse das camadas médias da população. E foi aí que o verdadeiro carnaval acabou! O apelo à colaboração de artistas de cultura erudita, marcou a tentativa de duas culturas: uma popular urbana, com raízes folclóricas; e outra, erudita, com raízes internacionais. Profissionais da classe média interessados na promoção pessoal dos seus trabalhos, afirmaram o seu direito de participação. Então, cenógrafos, escultores, figurinistas

compunham seus desenhos, figuras e fantasias e despejavam nas escolas às vésperas do carnaval cabendo aos negros vestir o traje e empurrar as carretas. Os antigos passistas viraram bailarinos! E os humildes tomaram conhecimento dos milhões pagos a toda aquela gente de fora que veio “ensinar” passos diferentes, modelar alegorias e desenhar estandartes e fantasias. Para os negros, apenas o suor e à espera da hora de desfilar e a glória mínima de um sorriso sem dentes diante de outros estranhos, os da comissão julgadora. Da sua antiga festa, só participam pelo esforço físico da caminhada e pelo trabalho braçal de empurrar carretas. Nesse momento foi destruído o princípio básico da solidariedade de grupo da cultura popular. Perdemos a raiz folclórica. Em 1984, com a criação da Passarela do Samba, estava definitivamente institucionalizado, o nosso carnaval. Virando um negócio repetitivo, chato. Um sorriso profissional de modelos, uma alegria fabricada na batida dos ritmistas, mas com uma grana violenta nas mãos de alguns, que não são sambistas. Que nem sabem sambar. O carnaval está morrendo, sobrevivendo em um último suspiro, nos grupos de acessos mais baixos, onde o dinheiro ainda não o foi perturbar. Em blocos que ressurgem nas ruas. Nos coretos das praças... E seu criador ainda foi barrado na avenida e não tem nem o seu nome como lembrança, na Passarela do Samba... Bibliografia consultada, Música Popular, Um tema em debate, de José Ramos Tinhorão

Related Documents

Nas
June 2020 23
Quarta Feira De Cinzas
December 2019 17
O Nas
November 2019 18
Nas. Mira
November 2019 26
Mlm-nas
November 2019 23