Muito barulho por nada (Much Ado About Nothing) William Shakespeare Muito barulho por nada é uma peça escrita em 1600. É considerado um dos textos mais hilariantes de Shakespeare. O cenário é a Sicília, província no Sul da Itália. Lá, dois pares românticos, Cláudio e Hero, Benedito e Beatriz, provocam risadas. Um homem e uma mulher. Os dois igualmente inteligentes, bem articulados, espirituosos, rápidos em construir respostas espertas a todo tipo de afirmação ou pergunta. É nas falas de Beatriz e Benedito, dois dos personagens mais queridos do público de Shakespeare, que se fundamenta a parte cômica desta peça, Muito barulho por nada. Quando se encontram os dois, armam-se verdadeiros combates entre esses esgrimistas das palavras, dois alérgicos ao casamento, para o prazer do leitor ou platéia. A parte trágica da peça nasce de uma intriga armada por um homem despeitado e vingativo, carregado de ódio, e que se descreve assim: "é mais condizente com meu sangue ser desdenhado por todos que pavimentar a estrada para roubar a afeição de alguém. Assim é que, muito embora não se possa dizer de mim que sou um homem honesto e bajulador, não se pode negar que sou um patife franco e leal". Com provas falsamente arranjadas, uma inocente donzela é acusada de ser uma rameira. A história tem danças, festa de mascarados, cerimônia de casamento; tem flertes, tem príncipes e condes, damas nobres e damas de companhia; e a história tem calúnias, desafios para duelos, confrontações verbais, cerimônia fúnebre, até morte e fuga que se revertem. Na peça há um príncipe distante do seu principado e até este Príncipe não pode pertencer à ordem daquele mundo que por uns dias visitou, e por ser um Príncipe terá de voltar ao mundo verdadeiro. Muito Barulho por nada não fala de poder, fala da harmonia das esferas, confia na ordem divina. Deus preside sorridente à desordem dos corações, aos pequenos erros dos Homens. Em MUITO BARULHO POR NADA o Homem é visto do lugar de Deus, e por isso fomos levados a querer vê-lo de cima, perdido num espaço que, ao contrário do outro, não tem limites, uma mesa de jogo, um tabuleiro. O espaço de MUITO BARULHO POR NADA não pode ser o estreito e rígido espaço que o Homem traçou para a sua relação com Deus ou o espaço da escada social, é o espaço imenso da humanidade onde as relações dos homens uns com os outros, vão, sim, construindo e destruindo sucessivos espaços, sucessivos padrões, sucessivos desenhos, generosos, impulsivos, tontos ou inteligentes, gratuitos. A história do casamento de Cláudio e Hero é a história de todas as renovações, e a história do ciclo natural do mundo, é o ciclo vida-morte-vida, é a sucessão da Primavera ao Inverno, é a Páscoa. Não há dúvida, é da vida que se está a falar, com a confiança que nos dá a ordem natural das esferas. Mais do que país de convenção, o lugar onde se passa esta comédia é um lugar mítico onde um esquema de tantas mitologias pode ser possível em novas personagens que vão deixando de ter nomes gregos e passaram a ter nomes italianos ou espanhóis. Neste lugar onde os valores são humanos as
personagens são agora homens, não são deuses. Neste lugar poético, o jogo, o prazer, a alegria, a confiança, a amizade, o amor, são os únicos valores. A cidade não tem de ser organizada. Não precisa de existir poder, o homem vive em toda a sua plenitude. Mas este lugar e esta sociedade são uma utopia e como utopia se apresentam. A história de MUITO BARULHO POR NADA adia a guerra a que Dom Pedro talvez vá voltar, passa-se longe de Aragão onde Dom Pedro também voltará e onde voltará a encontrar um reino com outros jogos, os jogos de poder, onde os amores devem ser menos felizes, com outra guarda ou outra polícia menos absurda que Abrunho e Varas e os outros guardas de Messina. MUITO BARULHO POR NADA, como todas as comédias, é uma peça sobre o homem nas suas relações com os outros, sobre os seus eternos erros, sobre a sua cegueira. “Porque o Homem é uma coisa tonta, e esta é a minha conclusão”. Mas a sua enorme melancolia confunde-se com uma enorme paixão pelos homens, com um elogio da vida, com um triunfo da inteligência, do coração e dos sentidos. Mais difícil do que encontrar a genial construção da teia de relações e mentiras a todos os níveis e em todos os registos que constroem este conto poético sobre o ser humano, foi inventar as personagens que dele são protagonistas